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Psicologia e a Pessoa com Deficiência aol 3 EBOOK

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UNIDADE 3. 
Psicologia e a pessoa com deficiência: saúde 
mental, transtornos e cuidado interdisciplinar 
 
Sofia Rafaela Oliveira de Aquino 
OBJETIVOS DA UNIDADE 
• bullet 
Conhecer os principais distúrbios de 
comportamento, cognitivos e de linguagem; 
• bullet 
Diferenciar os distúrbios de linguagem, com base 
no tipo de função comunicativa que afeta; 
• bullet 
Entender as semelhanças e as diferenças 
conceituais entre deficiência e transtorno mental; 
• bullet 
Aprender os direitos garantidos às pessoas com 
transtorno mental; 
• bullet 
Estudar sobre o que é transtorno invasivo do 
desenvolvimento; 
• bullet 
Saber diferenciar os principais transtornos invasivos 
do desenvolvimento, a partir de suas características, 
sintomas e causas; 
• bullet 
Assimilar o conceito de atendimento 
multidisciplinar e compreender sua importância na 
atenção à pessoa com deficiência. 
TÓPICOS DE ESTUDO 
Clique nos botões para saber mais 
Distúrbios de comportamento, cognitivo e de linguagem 
– 
// Distúrbios do comportamento 
// Distúrbios cognitivos 
// Distúrbios de linguagem 
Diferença entre deficiência e transtorno mental 
– 
// Implantação do SUS e da RAPS: garantindo direitos 
// Aproximações e separações: deficiência intelectual e transtorno 
mental 
Definição de transtorno invasivo do desenvolvimento (TID) 
– 
// Síndrome de Williams 
// Síndrome de Rett 
// Transtorno desintegrativo da infância (TDI) 
// Transtornos invasivos do desenvolvimento sem outra 
especificação 
A importância do atendimento multidisciplinar à pessoa com deficiência 
– 
// Equipe de trabalho: conjunto de agentes ou equipe integrada 
// Ações conjuntas e particulares 
 
Distúrbios de comportamento, 
cognitivo e de linguagem 
Seção 2 de 5 
 
O funcionamento humano, como demonstrado pela Psicologia nas mais diversas 
teorias e abordagens, não é constituído por causas e consequências unilaterais e 
simplórias. Na verdade, somos fruto da interação de diversos fatores: a genética, 
nosso aparato biológico, nossa socialização primária; a sociedade; e as 
comunidades nas quais estamos inseridos, entre outros. 
Esses fatores influenciam em fenômenos, como a memória, a 
linguagem e o desenvolvimento físico que, por sua vez, interagem 
uns com os outros. Em outras palavras, somos seres tão 
complexos que todo estudo a nosso respeito é apenas uma 
pequena parte do todo. 
Uma das estratégias de estudo adotadas diante dessa 
complexidade é a categorização de fenômenos. Ela permite que 
esses fenômenos sejam analisados de maneira mais focal e 
específica, ainda que não sejam isolados do todo. Assim, categorias 
como comportamento, cognição e linguagem são essenciais nos 
estudos da Psicologia. 
Por isso, estudaremos alguns distúrbios – ou transtornos – que 
afetam a cada uma dessas categorias do desenvolvimento 
humano, a fim de entender suas características e peculiaridades. 
DISTÚRBIOS DO COMPORTAMENTO 
O que você entende por comportamento? Se pensarmos em uma 
perspectiva ampla, comportamento é toda ação humana no 
mundo. Nos nossos primeiros anos, boa parte do nosso 
desenvolvimento consiste em descobrir novas formas dessa ação. 
Por meio da interação social, aprendemos como utilizar nosso 
corpo de forma intencional para realizar tarefas, como pegar algo. 
Aprendemos também a demonstrar afetos e vontades a partir das 
ações, bem como descobrimos quais comportamentos são 
aprovados e quais são reprovados no nosso convívio em 
sociedade. 
O núcleo familiar primário, a escola e os demais espaços de 
interação do indivíduo são essenciais para que esse 
desenvolvimento – que é sempre marcado por conflitos e 
readequações – ocorra de forma positiva. 
Entretanto, como acontece com o desenvolvimento humano como 
um todo há parâmetros a serem considerados, especialmente de 
acordo com a idade do indivíduo. A fuga expressiva desses 
parâmetros, de forma que haja prejuízo à saúde e à vida social do 
indivíduo, pode apontar para a presença de Distúrbios de 
Comportamento. 
No entanto, devemos lembrar que não existe apenas um Distúrbio 
do Comportamento. Essa é uma categoria ampla que abarca uma 
série de transtornos e diagnósticos que dizem respeito a não 
adequação ao comportamento saudável. Observe o Quadro 1 que 
lista uma série de transtornos categorizados como do 
Comportamento. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Quadro 1. Distúrbios de Comportamento descritos no CID-10. Fonte: PSICOEDU, 2018, 
n. p. 
É importante, porém, atentarmos para o risco da 
hiperpatologização da infância. Ou seja, é importante diferenciar o 
que é uma patologia do que é uma adequação natural do 
comportamento humano, e infantil em especial. Um exemplo disso 
seria o distúrbio de CID-10 F98.1, a Enurese de origem não 
orgânica. Enurese é conhecida popularmente como o "fazer xixi na 
cama". Apesar de ficar claro que muitas crianças apresentam esse 
sintoma a nível patológico, tantas outras simplesmente o fazem 
porque estão em um processo transicional de adaptação. 
O mesmo vale para a agitação característica de um indivíduo frente 
ao possível diagnóstico de TDAH. Para evitar uma 
hiperpatologização, devemos considerar o indivíduo como um 
todo, com sua história, seu aparato orgânico, as características da 
sua família, suas condições psíquicas, entre outros. Também é 
válido atentar para o tempo, a frequência e a intensidade dos 
sintomas antes de definir o comportamento observado como um 
distúrbio. 
É essencial o cuidado Interdisciplinar frente a esses transtornos, 
havendo o cuidado biopsicossocial. Também se faz necessária a 
promoção de práticas inclusivas e adaptativas no contexto 
relacional, como a escola. 
DISTÚRBIOS COGNITIVOS 
 
Os distúrbios cognitivos são aqueles em que o impacto funcional aparece nas 
funções cognitivas, como a memória, a atenção, o processamento de 
informações e, especialmente, as funções executivas. 
As funções executivas referem-se à habilidade cognitiva de 
organizar um comportamento como solução para um problema 
complexo, como aprender e organizar novas informações, 
formar conceitos, copiar figuras e buscar sistematicamente fatos 
memorizados. Está profundamente envolvida na ativação de 
memórias remotas, na independência das contingências 
ambientais, na mudança e manutenção apropriada de 
estratégias, geração e utilização adequada de programas 
motores e capacidade de utilizar a habilidade verbal para guiar o 
comportamento (GALHARDO; AMARAL; VIEIRA, 2009, p. 255). 
Os distúrbios cognitivos aparecem frequentemente em casos de 
demência ou doenças degenerativas, mas podem ter múltiplas 
origens afetando, assim, níveis diferentes da cognição. Veja no 
Diagrama 1 alguns dos sintomas de disfunções cognitivas: 
 
 
 
 
 
 
 
 
Diagrama 1. Lista de sintomas de problemas cognitivos. Fonte: ONCOGUIA, 2013, n.p. 
(Adaptado). 
Essas alterações funcionais podem se dar de forma reversível em 
alguns casos, quando decorrentes, por exemplo, de uma 
experiência traumática recente. Assim, sabe-se que a intervenção 
trabalha no sentido de resgatar a funcionalidade da cognição do 
indivíduo. Entretanto, como é mais comum acontecer dada a 
presença de demências e do envelhecimento, muitos desses 
problemas agravam-se com o tempo, de forma progressiva. Em 
ambos os casos, a intervenção multidisciplinar visa retardar essa 
perda funcional, bem como exercitar o uso de recursos assistivos 
que permitam manter a autonomia do indivíduo. 
DISTÚRBIOS DE LINGUAGEM 
A linguagem é uma das funções humanas mais essenciais. Para 
muitos teóricos, é ela que nos diferencia dos outros seres vivos, 
uma vez que, por meio dela, construímos a cultura. A linguagem, 
como fenômeno psíquico, “situa-se entre aquelas funções 
psicológicas superiores que possibilitam ao homem a organização 
de formas complexas de comportamento e atividades simbólicas, 
qualitativamente distintas da experiênciaanimal” (BEZERRA; 
ARAUJO, 2013, p. 85). 
É importante observarmos que a linguagem tem mais de uma 
função, e podemos classificar isso em dois princípios objetivos: a 
função conceitual, de nomear os entes da realidade concreta e 
abstrata; e a função comunicativa, pela qual nos relacionamos com 
o mundo. 
Os distúrbios, ou transtornos de linguagem, são aqueles em que a 
linguagem, no indivíduo, tem o seu desenvolvimento afetado em 
alguma das suas funções. Os principais distúrbios são a afasia, a 
apraxia, a agnosia e a inibição cognitiva. Conheceremos um pouco 
melhor cada um desses quadros e suas características na 
sequência. 
// Afasia 
A afasia é um distúrbio caracterizado pela alteração na função da 
linguagem. Ela é “uma condição decorrente de uma lesão no 
cérebro, comumente no hemisfério esquerdo, frequentemente 
causada por acidentes vasculares cerebrais (AVC's)” (FONTANESI; 
SCHMIDT, 2016, p. 253). Quando decorrente de AVCs, causa mais 
comum em pessoas idosas, seu impacto cerebral pode chegar a ser 
permanente. Como consequência, muitas vezes a afasia acontece 
associada a deficiências físicas como a hemiplegia (perda total do 
movimento de um lado do corpo) ou a hemiparesia (perda parcial 
do movimento de um lado do corpo). Porém, a afasia pode 
decorrer também de outras doenças ou alterações neurológicas, 
como tumores, traumas e doenças degenerativas. 
Veja, na Figura 1, as principais características da afasia e seu 
impacto nas relações interpessoais. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 1. Explicação do conceito e das principais características da Afasia. Fonte: 
Notícias UFSC, 2018, n.p. (Adaptado). 
Mas, em termos práticos, como a afasia se apresenta? Ela se 
expressa principalmente pela 
[...] desorganização da linguagem, podendo afetar habilidades de 
acesso ao vocabulário, organização sintática, e codificação e 
decodificação das mensagens. A depender do tipo de afasia, o 
indivíduo pode apresentar dificuldades na fluência, 
compreensão, repetição, nomeação, leitura, escrita, parafasias, 
agramatismos ou Apraxia [...] (FONTANESI; SCHMIDT, 2016, p. 
253). 
Ou seja, a depender do tipo, os sintomas apresentados pela afasia 
podem ser diferentes. Esses tipos são definidos de acordo com a 
região cerebral afetada, e cada um deles afeta de forma diferente a 
fluência do discurso do indivíduo, a sua compreensão do que é 
dito, sua capacidade de nomear e de repetir. Veja na sequência o 
Quadro 2 que lista cada tipo de afasia e seu respectivo impacto. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Quadro 2. Tipos de Afasia e seu impacto quanto à fluência, compreensão, nomeação e 
repetição. Fonte: MONTEIRO, 2019. (Adaptado). 
As pessoas com afasia geralmente experimentam essa condição na 
idade adulta, quando o seu desenvolvimento linguístico já está 
bem consolidado. Dessa forma, são pessoas que, ao longo de toda 
a vida, foram aptas no uso da linguagem verbal, conseguindo se 
comunicar tranquilamente. Entretanto, quando são acometidas da 
afasia como consequência de alguma lesão cerebral, essa função 
antes bem consolidada acaba ficando comprometida. Isso gera um 
impacto não apenas na interação social, mas também na saúde 
mental e na autoestima dos indivíduos. Por isso, é necessário que 
haja intervenções visando à saúde integral, contando com a 
Psicologia, a Medicina Neurológica, Fonoaudiologia, Terapia 
Ocupacional etc. Destaca-se que a pessoa com afasia também 
pode recorrer a outras estratégias comunicativas não verbais, 
como as imagens, gestos e escrita, caso não esteja comprometida. 
// Apraxia de fala 
É uma perda de capacidade em executar os movimentos que 
conduzem à fala esperada. A apraxia em si diz respeito à limitação 
ou à dificuldade de realizar determinados movimentos, a despeito 
da intencionalidade ou da capacidade estrutural do corpo. 
Poderíamos dizer, de um modo coloquial, que a Apraxia é quando, 
por conta de algum dano cerebral, o cérebro não consegue mais 
comandar adequadamente o corpo, de forma que o corpo passa a 
lhe "desobedecer". Falando, então, de apraxia da fala, podemos 
defini-la como um distúrbio motor da fala, no qual as alterações na 
capacidade de controle do movimento culminam em alterações no 
aspecto comunicativo. Souza (2009) propõe a seguinte definição: 
A apraxia da fala é definida como um transtorno da articulação 
no qual há comprometimento da capacidade de programar 
voluntariamente a posição da musculatura dos órgãos 
fonoarticulatórios e a seqüência dos movimentos musculares 
para a produção de fonemas e palavras. Essas dificuldades de 
programação de posição e seqüência dos movimentos ocorrem, 
apesar de sistemas motores, sensoriais, das habilidades de 
compreensão, atenção e cooperação encontrarem-se 
preservados. Assim, em um paciente apráxico, um movimento 
pode ser realizado automaticamente, mas não voluntariamente 
(SOUZA, 2009, p. 193). 
Observe agora a Figura 2, que descreve o processo pelo qual a fala 
é construída, e onde as pessoas com apraxia têm dificuldades. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 2. Processo de elaboração da fala e sua relação com a Apraxia. Fonte: SANTANA, 
2017. (Adaptado). 
 
Perceba que a apraxia não diz respeito à capacidade de adquirir os 
conceitos da linguagem, ou de entender o que é dito. Também não 
tem a ver com a incapacidade de o indivíduo construir um 
raciocínio conceitualmente coerente. Na verdade, o uso da escrita 
como ferramenta comunicativa por muitas pessoas com apraxia da 
fala evidencia que a dificuldade desses indivíduos está não no 
aspecto cognitivo ou interativo da fala, mas na questão motora. 
O apráxico demonstra, em suas tentativas de falar, que tem clara 
em sua mente a palavra que deseja emitir, mas que não é capaz 
de realizar a programação das posturas específicas dos órgãos 
fonoarticulatórios (OFA) para produzir os sons desejados, na 
ordem e seqüência adequadas para a articulação da fala (SOUZA, 
2008, p. 193). 
A apraxia da fala tem relação causal com a Síndrome de Down, de 
forma que 15% dos indivíduos com a Síndrome têm DAS (SOUZA, 
2009). O transtorno se apresenta em graus, desde o mais leve, com 
menor comprometimento, até o severo, que pode apresentar até 
mesmo a ausência total da fala. 
O tratamento desse transtorno é desafiador, porém é possível 
alcançar uma comunicação funcional, tendo como principal recurso 
a terapia fonoaudiológica. O cuidado com o desenvolvimento 
psicossocial e motor também é essencial, de forma a garantir que 
as dificuldades comunicativas não sejam obstáculo para o 
desenvolvimento saudável do indivíduo nas mais diversas áreas. O 
diagnóstico precoce é primordial para a melhor eficácia das 
intervenções e para a promoção da inclusão do indivíduo no 
contexto familiar, social e educacional. 
// Agnosia 
Agnosia diz respeito à dificuldade ou incapacidade de reconhecer 
elementos da realidade. De modo geral, é um distúrbio que implica 
em limitações no aspecto da identificação dos objetos. A agnosia 
pode afetar diversas esferas: o indivíduo pode não conseguir 
identificar pessoas, sons, cheiros, objetos, símbolos ou gestos. 
A agnosia auditiva afeta aproximadamente 3% da população 
mundial, e diz respeito ao não reconhecimento de sons como 
vozes, mesmo que de pessoas próximas. Sua origem é multicausal, 
sendo relevantes tanto os aspectos genéticos quanto os 
ambientais, como memórias traumáticas. Também pode ser 
adquirida por meio de lesões cerebrais no córtex auditivo e no lobo 
temporal. 
Vale ressaltar que a agnosia não é um problema auditivo. Nesse 
transtorno, pode haver a perfeita captação do som pelo aparelho 
auditivo, pois não se trata da escuta, mas da discriminação dos 
sons. Dessa forma, o indivíduo ouve e pode até descrever o que 
ouve (por exemplo, reconhece que o toque do telefone é um som 
agudo e estridente, mas não consegue associá-lo à sua origem).Diferença entre deficiência e doença 
mental transtorno 
 
Pode-se dizer que o campo da deficiência e dos transtornos mentais compartilha 
a mesma origem histórica: “ambos situados na luta pela defesa dos direitos 
dirigidos a populações com histórico de institucionalização” (SURJUS; CAMPOS, 
2014, p. 533). Depois de um tempo, cada campo seguiu caminhos próprios. 
A saúde mental instaurou-se como um campo de saberes e 
práticas com foco na desinstitucionalização, devido ao excesso de 
hospitais psiquiátricos e o tratamento manicomial presente nas 
formas de cuidado. No Brasil, a instalação dessas práticas se deu 
de modo gradativo e com a implantação da Rede de Atenção 
Psicossocial (RAPS) como forma de substituir os leitos psiquiátricos. 
De modo geral, vale a pena situar um pouco da RAPS. 
Na década de 1970, teve início no Brasil um movimento que hoje é 
chamado de Reforma Psiquiátrica. Diversos profissionais de saúde 
protestavam e questionavam o modelo e a forma de tratar pessoas 
com doenças mentais. O movimento foi tomando força e 
crescendo, até que em 06 de abril de 2001 foi promulgada a Lei nº 
10.216 que dispunha sobre a proteção e os direitos das pessoas 
com transtorno mental. Pode-se dizer então que a Reforma 
Psiquiátrica instituiu novas práticas que têm como objetivo a 
inclusão social e cultural dos usuários dos serviços de saúde 
mental. 
O modelo anterior, o manicomial, era composto por uma série de 
problemas que não favoreciam o tratamento de sujeitos com 
transtornos mentais, entre essas o fato de ser hospitalocêntrico, ou 
seja, sem contato com outros recursos da saúde e da comunidade. 
Também era um modelo inadequado para a execução de projetos 
terapêuticos específicos e possuía uma estrutura física fechada, 
tornando o tratamento limitante em alguns momentos, e 
incentivando o preconceito e a estigmatização. 
Assim, aos poucos, a partir da implantação da lei em 2001, os CAPS 
(Centro de Atenção Psicossocial) foram substituindo 
progressivamente os hospitais psiquiátricos, que eram 
excludentes, opressivos e reducionistas (SILVA, 2012, p. 217). Em 
seu lugar, foi construído um sistema de assistência orientado pelos 
princípios do SUS, que atua em conjunto com a rede integral, a 
comunidade e a família. 
IMPLANTAÇÃO DO SUS E DA RAPS: 
GARANTINDO DIREITOS 
 
O SUS (Sistema Único de Saúde), assim como a Reforma Psiquiátrica, foi 
surgindo a partir da organização da classe trabalhadora e da população. Durante 
muito tempo ele foi tomando forma, mas só em 1988 a saúde foi 
institucionalizada como 
 
[...] direito de todos e dever do Estado, garantido mediante 
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de 
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às 
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação 
(BRASIL, 1988, n.p.). 
Até então, a saúde era tratada de outras formas e, por muito 
tempo, a saúde pública no Brasil foi tratada como privilégio e não 
como direito social. Isso implica na negação de uma série de 
direitos à população. Souza (2009) divide o modo como a saúde era 
oferecida à população brasileira antes do SUS em três períodos 
históricos: república velha, a era Vargas e a ditadura militar. 
Vejamos as especificidades em cada modelo. 
No primeiro período, a saúde era totalmente atrelada às 
instituições de caridade, mas começa a surgir uma discussão 
apontando a necessidade da construção de políticas públicas tanto 
de saúde como de educação, e o movimento sanitarista surge 
nesse contexto. 
Na era Vargas, surge uma pequena mudança: 
O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC) fornecia 
assistência médica individual previdenciária aos inseridos 
formalmente no mercado de trabalho. Por outro lado, a criação 
do Ministério da Educação e Saúde Pública (Mesp) atenderia 
àqueles que não foram abrangidos pela medicina previdenciária, 
tais como os desempregados e os trabalhadores informais, a ralé 
propriamente. Os habitantes das zonas rurais, por não 
trabalharem em regime regular e não contribuírem com as 
organizações de seguro médico-social, recebiam assistência 
dispersa de algumas instituições de caridade ou de serviços 
oficiais. Com essas medidas, o trabalhador formal é 
explicitamente recompensado pelos serviços de saúde de maior 
qualidade, pois contribui para a expansão do mercado. Estava, 
pois, delineada a distinção institucional que marcaria as ações de 
saúde no Brasil durante décadas (SOUZA, 2009, p. 305). 
Assim, o acesso aos serviços de saúde mostrava-se mais como 
recompensa do que como direito. Essa lógica se mantém durante o 
período da ditadura militar. Surge o Instituto Nacional de 
Previdência Social, e os trabalhadores formais que contribuíam 
tinham direito aos serviços, deixando de fora trabalhadores rurais, 
urbanos informais e desempregados. Em contraponto, “houve 
grande expansão e reformas de inúmeras clínicas e hospitais 
particulares com dinheiro público advindo da Previdência Social” 
(SOUZA, 2009, p. 306). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Quadro 3. A saúde no Brasil em três períodos históricos. 
Estudar a história da saúde e a implantação da RAPS é uma clara 
expressão de duas formas diferentes de tratamento à população, 
moldada por um caráter meritocrático: por um lado quem era 
capaz de contribuir de alguma maneira recebia assistência, e a ralé, 
que representava a pobreza, recebia pequenas ações de saúde 
como forma de caridade. À primeira, destinavam-se recursos 
advindos das contribuições previdenciárias, e à última, 
investimentos escassos. 
CITANDO 
A pobreza não era encarada como um fenômeno estrutural da sociedade, 
portanto não parecia uma questão social a ser apreciada pela agenda pública 
(SOUZA, 2009) 
Embora a Constituição de 1988 venha instaurar novos direitos e 
novas práticas de saúde, não podemos ignorar esse histórico. Ele é 
importante para refletir os avanços ao longo do tempo, e também 
para observar como a manutenção das desigualdades foi sendo 
administrada no campo da saúde. Todo avanço conquistado pelo 
SUS foi por meio de muita luta, de muitos embates políticos. 
Somente a partir de uma mudança nas leis foram criadas novas 
práticas, o que demonstra como a saúde também se constrói pelo 
caráter político. 
Na Lei de nº 8.080 estão descritos os princípios e diretrizes do SUS 
(BRASIL, 1990). Estes acabam orientando a organização, doutrina e 
prática dos serviços destinados à pessoa com algum transtorno 
mental, como apontamos anteriormente. Assim, basicamente 
podemos citar como objetivos: 
• Atender todas as pessoas que necessitarem do serviço 
(universalidade); 
• Ver as pessoas e suas demandas de saúde de forma 
completa (integralidade); 
• Atender a todos os cidadãos, independente de cor, raça, 
etnia, gênero, orientação sexual, religião, sem qualquer 
preconceito ou privilégio (igualdade); 
• Organizar os serviços de saúde evitando oferecer diferentes 
ações e unidades para um mesmo objetivo (hierarquização); 
• Prestar assistência igualmente a todas as pessoas, 
independente de quaisquer condições das pessoas e da 
demanda (equidade); 
• Implantar os serviços de saúde perto de onde as pessoas 
moram sob a gestão municipal e estadual (descentralização); 
• Garantir a participação da comunidade (participação social); 
• Não cobrar qualquer valor pelos serviços prestados 
(gratuidade). 
 
Segundo Bittencourt e Boing (2017, p. 54), esses princípios 
determinam que os serviços sejam organizados em três níveis: 
 
Atenção Básica - Conta com uma tecnologia de baixa densidade, e 
utiliza procedimentos mais simples que atendem a maioria dos 
problemas comuns de saúde; 
 
Atenção Secundária - Demanda profissionais especializados e 
recursos para apoio de diagnóstico e tratamento; 
Atenção Terciária - Demanda profissionais especializados e recursos 
para apoio de diagnóstico e tratamento;Os CAPS organizam-se na atenção secundária e têm uma função 
estratégica na articulação, assistência e regulação da rede de 
saúde. É um espaço de referência comunitária, que deve promover 
cuidado intensivo, individualizado e promotor de vida para os 
usuários. Seu funcionamento está estabelecido pelas portarias nº 
336/2 e 189/2 que direcionam as modalidades de CAPS. Em 
aspectos gerais, todas as modalidades funcionam, pelo menos, de 
segunda à sexta. Os horários nos fins de semana ficam a depender 
do tipo de Centro (AMARANTE, 2007, p. 84). 
Em linhas gerais, existem dois aspectos diferenciais do CAPS para 
os demais serviços de saúde. O primeiro deles é o atendimento 
individualizado às demandas, mediante a realização do Projeto 
Terapêutico Singular (PTS), que é estabelecido mediante 
necessidades observadas, contando com o auxílio da equipe. Além 
disso, o paciente também pode colaborar, comprometendo-se com 
as decisões tomadas em conjunto. 
O segundo diferencial é a organização de uma equipe 
multidisciplinar, com o objetivo de acompanhar os usuários de 
forma integral, oferecendo cuidado em diversos setores da vida 
dos pacientes. Amarante (2007) argumenta que o modelo 
hospitalocêntrico produziu diversas sequelas e desastres na vida 
de milhares de pessoas. Para esse autor, o processo de 
ressocialização saudável desses usuários depende dessa equipe 
multiprofissional, alcançando diversas esferas, como a saúde física, 
mental, acesso à cidadania, à arte, entre outros direitos. 
Por outro lado, o campo constitutivo da deficiência intelectual se 
originou quase que a partir dos anos 2000, a partir de avanços 
conceituais, como a própria definição desse termo como um marco 
importante. É válido ressaltar que “a deficiência é enfatizada como 
condição e deve ser abordada considerando a verificação de 
apoios necessários e de transformações em seu entorno” (SURJUS; 
CAMPOS, 2014, p. 533). 
A definição mais aceita de deficiência intelectual é a proposta pela 
Association on Intellectual and Developmental Disabilities, que se 
caracteriza por “limitações significativas no funcionamento 
intelectual e no comportamento adaptativo, como expresso nas 
habilidades práticas, sociais e conceituais, originando-se antes dos 
18 anos” (SURJUS; CAMPOS, 2014, p. 533). 
O próprio campo político da deficiência intelectual tem se 
desenvolvido ao longo dos anos. De maneira geral, diversas 
pessoas com deficiência têm se envolvido em movimentos políticos 
que visam à expansão de direitos para esse público. Tem se 
reivindicado “a grande vulnerabilidade da população com 
deficiência intelectual em termos de violação de direitos, privação 
de serviços mínimos de apoio e propensão à institucionalização” 
(SURJUS; CAMPOS, 2014, p. 534). 
É possível ver essa vulnerabilidade quando se observa o público de 
pessoas com deficiência e a ausência de direitos básicos desse 
público. Em geral, pode-se dizer que “pessoas com deficiência 
intelectual enfrentam importantes obstáculos para o cuidado de 
sua saúde, [...] intensificados pela dificuldade de acesso aos 
serviços, constituindo uma ‘cascata de disparidades’” (SURJUS; 
CAMPOS, 2014, p. 534). 
APROXIMAÇÕES E SEPARAÇÕES: 
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E 
TRANSTORNO MENTAL 
 
Conforme discutimos, o processo de implantação da Reforma Psiquiátrica não 
serviu apenas para desinstitucionalizar os hospitais psiquiátricos no Brasil, mas 
também como ampliação do cuidado, fornecendo a criação de diversas redes de 
apoio tanto para sujeitos com transtornos mentais como também para pessoas 
com deficiências intelectuais. 
Apesar dos grandes avanços e desenvolvimento da luta política das 
pessoas com deficiência, ainda não há um serviço na Rede de 
Atenção Psicossocial destinado ao atendimento exclusivo desse 
público como há com outros: álcool, drogas e crianças, por 
exemplo. Isso faz com que muitas pessoas com deficiência 
intelectual sejam atendidas no CAPS, serviço que não é estruturado 
para atender esse público. 
Esse fato só contribui para a concepção de que deficiência 
intelectual e transtorno mental é um único fenômeno. 
Historicamente uma série de opiniões também alimenta essa visão, 
que partem muitas vezes de uma perspectiva limitada de um dos 
fenômenos. Não poucas vezes, a deficiência não é entendida como 
a insuficiência de uma estrutura, mas como uma doença. Também 
não é difícil ver o termo "deficiente mental” como uma tentativa de 
ofender outras pessoas, como uma forma de estigma. 
Assim, parte de alguns desafios enfrentados pelas pessoas com 
deficiência ocorre da falta de conhecimento sobre as 
particularidades de cada quadro clínico. Enquanto o transtorno 
mental remete a condições de saúde que causam sofrimento e 
comprometimento de ordem psíquica e geram mudanças na 
personalidade e comportamento, a DI sempre reflete uma 
especialidade que ocasiona alterações no desenvolvimento 
cerebral da pessoa. Não é uma doença, mas um desenvolvimento 
que ocorre de modo diferente. 
O entendimento de que são fenômenos diferentes auxiliam a 
implantação de intervenções diferentes para eles. No caso do 
transtorno por exemplo, muitas intervenções envolvem terapia 
constante e medicações, enquanto na deficiência intelectual focam 
em construir atividades e ferramentas que possibilitam a 
realização de atividades cotidianas. 
 
Definição de transtorno invasivo do 
desenvolvimento (TID) 
Seção 4 de 5 
 
Os transtornos invasivos do desenvolvimento (TID) remetem a uma família de 
distúrbios de socialização que afetam diversas áreas do desenvolvimento. Têm 
início precoce e são de natureza crônica, isto é, não se resolve em um tempo 
curto de tratamento e também não apresentam um grande risco de vida. 
Devido à ampliação da ciência e à discussão sobre os transtornos 
mentais em geral, tem-se falado com maior frequência sobre essa 
temática. O TID mais conhecido hoje é o transtorno do espectro 
autista, mas esse não é o único. Além desses, inclui-se a “Síndrome 
de Asperger, a Síndrome de Rett, o Transtorno Desintegrativo da 
Infância e uma Categoria Residual denominada Transtornos 
Invasivos do Desenvolvimento sem outra Especificação” (PESSIM; 
HAFNER, 2014, p. 1). 
Como marcos históricos importantes para a definição do conceito, 
temos no final dos anos 70 o Journal of Autism and Childhood 
Schizophrenia para Journal of Autism and Development Disorders, de 
Rutter, Kolvin e Cohen, e a publicação do DSM-III, que apresentam 
as discussões iniciais e as temáticas na literatura (MERCADANTE; 
GAAG; SCHWARTZMAN, 2006). 
De modo geral, pode-se dizer que os transtornos presentes no 
quadro de TID comportam três domínios: o social, o da 
comunicação e o do comportamento. Social porque as habilidades 
de interação social ficam totalmente prejudicadas. Parte dessa 
dificuldade se dá devido às dificuldades de comunicação presentes 
nos sujeitos com TID. Quanto aos comportamentos, eles tendem a 
ser estereotipados e repetitivos. Na sequência, conheceremos 
alguns dos transtornos invasivos do desenvolvimento. Essa 
exposição não é exaustiva, uma vez que existem outros 
transtornos sobre os quais a produção científica ainda é escassa. 
Os transtornos que veremos, apesar de pouco abordados nos 
estudos da Psicologia, são necessários de serem conhecidos, 
podendo assim haver intervenções mais eficazes. 
 
CURIOSIDADE 
O transtorno do espectro autista é um dos transtornos 
invasivos do desenvolvimento mais diagnosticados na 
atualidade, sendo estimado que 1 criança em cada 160 
tenha o diagnóstico. Sua principal característica é o prejuízo 
no desenvolvimento social e linguístico, bem como o 
estabelecimento da empatia e da percepção emocional. 
SÍNDROME DE WILLIAMS 
 
A Síndrome de Williams é um transtorno do desenvolvimento pouco conhecido 
e bastante raro. Causada por uma alteração genética que pode atingir ambos os 
sexos, essa síndrome pode ser identificadaainda nos primeiros anos de vida. 
 
Vale ressaltar que ela apresenta um fenótipo peculiar, identificável 
geralmente pelo nariz pequeno e empinado, os lábios grandes e o 
sorriso frequente. Entretanto, o impacto da síndrome se dá 
principalmente no desenvolvimento psicomotor do indivíduo, 
afetando o equilíbrio, a coordenação motora e o tônus muscular. 
Além do aspecto psicomotor, indivíduos com Síndrome de Williams 
podem apresentar deficiência intelectual em níveis diversos e um 
desenvolvimento psicossocial diferente, especialmente na 
presença de desinibição, interação espontânea com pessoas 
desconhecidas e a dificuldade de estabelecer empatia (percepção 
das emoções do outro). 
Podemos entender melhor o comportamento da pessoa com 
Síndrome de Williams em comparação com o TEA. Enquanto um 
dos principais sintomas de TEA é a esquiva à interação social, a 
pessoa com Síndrome de Williams apresenta o oposto, chegando a 
ter uma iniciativa à interação até mesmo inadequada ou arriscada. 
Nessa síndrome, portanto, é essencial o suporte profissional no 
desenvolvimento de habilidades sociais, a fim de permitir que o 
indivíduo consiga, a partir desse cuidado, estabelecer relações 
seguras e comportamentos desejados no seu convívio coletivo. 
SÍNDROME DE RETT 
A Síndrome de Rett é de origem genética que afeta o desenvolvimento 
neurológico da criança. Essa Síndrome foi identificada por Rett em um 
grupo de meninas, de forma que, por muitos anos, acreditou-se ser essa 
uma condição que afetasse apenas as crianças do sexo feminino. Com o 
passar do tempo, descobrimos que isso não é verdade, apesar de haver 
maior prevalência nas meninas. 
Essa condição, apesar de genética, não é hereditária. Nela, o que ocorre é 
que a criança nasce com seu aparato neurológico saudável, porém a partir 
de aproximadamente o sexto mês o crescimento do perímetro craniano 
começa a se lentificar, não crescendo como esperado. Esse tamanho menor 
do crânio culmina em sintomas motores e cognitivos, bem como a perda de 
funções que já haviam sido adquiridas anteriormente. 
Dentre os sintomas da Síndrome de Rett, o mais evidente e característico é 
o movimento estereotipado das mãos. Esse movimento passa a ser 
constante e com uma perda significativa das habilidades motoras, podendo 
inclusive haver a perda da capacidade de andar. O movimento de pegar 
objetos também fica comprometido, bem como a própria fala, caso já tenha 
sido adquirida. Esse quadro clínico também está associado a dificuldades 
respiratórias. Veja o Quadro 4 que traz os principais sintomas da Síndrome 
de Rett. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Quadro 4. Características da Síndrome de Rett. Fonte: Instituto Andaluz, 2018. 
(Adaptado). 
 
O tratamento da Síndrome de Rett deve ser ofertado de maneira 
multidisciplinar. Uma vez que há um padrão sintomático para a 
evolução da doença, é possível que os profissionais se utilizem de 
intervenções para promover a qualidade de vida do indivíduo. 
Fatores como a alimentação, a prevenção de lesões físicas, a 
locomoção, as habilidades sociais e a autonomia do sujeito com 
Síndrome de Rett são habilidades essenciais a serem desenvolvidas 
por cada um. O diagnóstico precoce, feito entre o 6º e o 18º mês, 
contribuem para o alcance de uma melhor qualidade de vida. 
 
O tratamento da Síndrome de Rett deve ser ofertado de maneira 
multidisciplinar. Uma vez que há um padrão sintomático para a 
evolução da doença, é possível que os profissionais se utilizem de 
intervenções para promover a qualidade de vida do indivíduo. 
Fatores como a alimentação, a prevenção de lesões físicas, a 
locomoção, as habilidades sociais e a autonomia do sujeito com 
Síndrome de Rett são habilidades essenciais a serem desenvolvidas 
por cada um. O diagnóstico precoce, feito entre o 6º e o 18º mês, 
contribuem para o alcance de uma melhor qualidade de vida. 
TRANSTORNO DESINTEGRATIVO DA 
INFÂNCIA (TDI) 
 
O transtorno desintegrativo da infância (TDI) é uma patologia rara, também 
conhecida como Psicose Infantil por alguns psicopatologistas. Como toda 
psicose, pode haver como sintoma a perda da capacidade de julgamento e 
percepção da realidade, bem como a perda dos limites do próprio eu. Pode 
conter delírios, alucinações e desorganização do discurso. 
No entanto, a principal característica do TDI é a própria 
desintegração, ou seja, a perda do que foi estruturado a nível 
psíquico e funcional. Há a desintegração da estrutura psíquica, 
culminando na perda da percepção da realidade – a psicose. Há 
também a desintegração de funções estabelecidas, como a 
linguagem e as habilidades psicomotoras e sociais. Essa 
desintegração geralmente ocorre após os três primeiros anos do 
indivíduo, nos quais o desenvolvimento se dá normalmente. 
TRANSTORNOS INVASIVOS DO 
DESENVOLVIMENTO SEM OUTRA 
ESPECIFICAÇÃO 
Dentro da psicopatologia, a maioria dos diagnósticos é de inclusão. 
Ou seja, o indivíduo precisa preencher uma série de critérios 
diagnósticos para se enquadrar nele. Isso é feito para garantir que 
os estudos e as propostas de intervenção pensadas para uma 
determinada patologia seja eficaz para o máximo de pessoas 
possível dentro da mesma categoria. Em outras palavras, quanto 
mais preciso o diagnóstico, melhor são realizadas as pesquisas e 
intervenções nele. 
 
Esse é um dos motivos pelos quais você, ao longo da vida 
profissional, conhecerá vários novos conceitos diagnósticos e 
documentos de referência como a CID e o DSM. É porque, para que 
esse diagnóstico seja ainda mais preciso, periodicamente os 
termos, critérios e observações acerca da patologia são revistos. 
Entretanto, nem sempre é possível alcançar essa precisão nos 
diagnósticos. Então, além das categorias inclusivas, também temos 
as categorias de exclusão, ou residuais. Esse é o caso dos 
transtornos invasivos do desenvolvimento sem outra especificação 
(TID-SOE). 
O TID-SOE é um diagnóstico a que se chega quando o indivíduo 
apresenta características de um Transtorno Invasivo do 
Desenvolvimento, mas sem as especificações que permitem o 
refinamento do diagnóstico, como é possível mais facilmente, por 
exemplo, na Síndrome de Williams. Essa categoria também 
[...] não possui regras especificadas para sua 
aplicação. Alguém pode ser classificado como 
portador de TID-SOE se preencher critérios no 
domínio social e mais um dos dois outros domínios 
(comunicação ou comportamento). Além disso, é 
possível considerar a condição mesmo se a pessoa 
possuir menos do que seis sintomas no total (o 
mínimo requerido para o diagnóstico do autismo), ou 
idade de início maior do que 36 meses 
(MERCADANTE; GAAG; SCHWARTZMAN, 2006, p. 514). 
 
O alcance desse diagnóstico geralmente é complexo devido à baixa 
familiaridade dos profissionais de saúde com essa categoria. 
Também é possível que haja o diagnóstico equivocado, sendo 
tratado como TEA ou TDAH, principalmente. Assim, é necessário 
realizar um diagnóstico diferencial e por exclusão, investigando o 
máximo de possibilidades diagnósticas e traçando comparativos, 
com base nos critérios diagnósticos de cada uma das opções 
analisadas. 
A importância do atendimento 
multidisciplinar à pessoa com 
deficiência 
 
Uma das práticas interventivas mais comuns em saúde é o uso da equipe 
multidisciplinar como uma estratégia e método de atuação, visando o 
desenvolvimento da integralidade do sujeito em atendimento. De maneira 
geral, entende-se que a deficiência é multifatorial e afeta diversas áreas da vida 
do sujeito, demandando também uma série de intervenções e estímulos. 
Não recentemente, a Psicologia tem largado mão de certos 
pensamentos e visões dicotômicas sobre a experiência do sujeito 
no mundo. Não há uma separação demarcada, por exemplo, entre 
sujeito e sociedade, corpo e mente. Isso porque o ser humano é 
entendido de modo integral, e não apenas como a soma de 
diversas partes. Assim comoum bolo não é apenas a soma de 
todos os seus ingredientes, o ser humano não é apenas resultado 
do funcionamento de partes específicas. 
Assim, entende-se que não é necessário apenas intervir de maneira 
direta no fenômeno ao qual a deficiência está atrelada, mas atuar 
de modo mais amplo. Vamos a um exemplo? 
Gabriel, de 28 anos, sofreu um acidente de moto enquanto ia para 
o trabalho. Esse acidente foi bastante grave, fazendo com que ele 
perdesse o movimento dos membros inferiores de seu corpo. Ele 
recebeu toda assistência médica desde o momento do acidente, 
realizando cirurgias e intervenções que reduzissem o dano 
causado. Gabriel precisou usar cadeira de rodas e outras 
tecnologias assistivas que contribuíram para a sua adaptação a 
essa sua nova forma de vida, mas depois de alguns meses sem 
conseguir trabalhar, ele se sentia triste, pois apresentava uma 
grande necessidade pessoal de sentir-se útil para alguma coisa. 
Nesse caso, apesar de ter recebido toda assistência médica 
necessária, Gabriel também precisava de intervenções feitas por 
um profissional de Psicologia, por exemplo. 
A deficiência, de modo geral, por apresentar uma adaptação a um 
novo estilo de vida, demanda a participação de diversos campos e 
áreas de estudo que contribuem para o desenvolvimento do 
paciente. Assim, pode-se dizer que a equipe multidisciplinar 
consiste em uma modalidade de trabalho em grupo, isto é, coletivo 
“que se configura na relação recíproca entre as múltiplas 
intervenções técnicas e a interação dos agentes de diferentes áreas 
profissionais” (PEDUZZI, 2001, p. 108). 
EQUIPE DE TRABALHO: CONJUNTO 
DE AGENTES OU EQUIPE INTEGRADA 
A diversidade de áreas não deve ser um impedimento para o 
trabalho e, para isso, a equipe multidisciplinar precisa ter a 
comunicação muito bem treinada. É comum que essa equipe tenha 
reuniões semanais para discutir casos, com cada profissional 
apresentando as contribuições do campo de estudos ao qual 
pertence, para que juntos tracem estratégias para cada caso em 
particular. Assim, pode-se dizer que 
Trabalhar em equipe de modo integrado significa conectar 
diferentes processos de trabalho, com base no conhecimento do 
trabalho do outro e valorização da participação deste na 
produção de cuidados. Significa construir consensos quanto aos 
objetivos e resultados a serem alcançados pelo conjunto de 
profissionais, bem como quanto à maneira mais adequada de 
adquiri-los. Significa também a utilização das interações entre os 
agentes envolvidos, com vistas ao entendimento e ao 
reconhecimento recíproco de autoridades de saberes e da 
autonomia técnica (MACIEL e colaboradores, 2007, p. 12). 
Peduzzi (2001) apresenta de modo bastante completo e coerente a 
discussão na temática de equipe multidisciplinar. Para ela, há uma 
distinção clara entre interdisciplinaridade e multiprofissionalidade. 
Enquanto o primeiro estaria ligado à construção e produção do 
conhecimento, ou seja, uma visão mais epistêmica, o segundo 
remeteria à nossa discussão atual: a uma atuação conjunta de 
profissionais das mais variadas categorias e campos do saber com 
o foco em um aspecto específico. 
É comum que, nesse processo de implantação da equipe 
multiprofissional, haja um trabalho de integração para que a 
colaboração possa fluir. Caso isso não aconteça, a equipe não será 
nada além de um conjunto de profissionais que trabalham em um 
mesmo lugar. Nesse caso, a fragmentação se sobressai e não se 
torna possível desenhar estratégias de atuação para o paciente em 
conjunto. Quando a equipe deixa de ser um conjunto de 
profissionais e passa a funcionar de modo integrado, pode-se dizer 
que há uma articulação conjunta com o objetivo de desenvolver 
ações de saúde mais efetivas. 
Esse fator é extremamente essencial, pois, como já falamos, o 
sujeito é integral. Assim, apenas distribuir recursos humanos de 
diversas áreas do conhecimento em um mesmo espaço de 
trabalho não é o suficiente para oferecer uma atenção integral. 
AÇÕES CONJUNTAS E PARTICULARES 
 
A atuação dessa equipe multiprofissional deve se dar de mão dupla: na mesma 
medida que o profissional atua em grupo, contribuindo com seu campo do saber 
para o planejamento conjunto de intervenções, ele precisa atuar diretamente 
com o paciente para auxiliá-lo. 
Em outras palavras, o médico pode dar uma opinião baseada em 
seus saberes sobre o caso, mas sua atuação não se limita a isso, já 
que ele também precisa atender os pacientes. Assim, podemos 
dizer que existem ações conjuntas, feitas por toda a equipe, e 
ações particulares, realizadas pelo profissional junto ao paciente de 
modo direto. 
Quanto à composição da equipe multiprofissional, essa pode variar 
de acordo com a particularidade de cada tipo de deficiência. Em 
geral, ela é construída por, pelo menos, um médico e outros dois 
profissionais das demais áreas da saúde, podendo ser psicólogo, 
fonoaudiólogo, enfermeiro, nutricionista, farmacêutico, educador 
físico, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, pedagogo, assistente 
social, dentre tantas outras opções. 
Podemos listar alguns aspectos com base em algumas das ações 
conjuntas, embora sejam muitas e em cada serviço isso pode 
mudar, sendo eles: 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Quadro 2. Ações conjuntas da equipe multidisciplinar. 
Na mesma medida que existem essas atuações comuns, também 
há atribuições específicas para cada profissional da equipe 
multidisciplinar. Falaremos de maneira breve sobre as atribuições 
de alguns, em especial os mais presentes em diversos contextos de 
equipes multidisciplinares. 
O profissional mais comum e presente na equipe multidisciplinar é 
o médico. A especialidade desse médico pode variar, a partir do 
foco e do campo onde essa equipe atua. Assim, se falamos de uma 
equipe multidisciplinar de um posto de saúde, o médico 
normalmente é um clínico geral, e se falamos de um CAPS, o 
médico é psiquiatra. Esse profissional tem a função de realizar as 
consultas médicas, diagnosticar os pacientes atendidos e realizar 
uma avaliação clínica ao menos duas vezes por ano. Ele também 
realiza a prescrição de remédios, se necessário. 
Outro profissional frequente em equipe multiprofissional é o 
profissional de Enfermagem. A depender da complexidade do 
serviço, a formação pode se dar a nível técnico ou superior. O 
enfermeiro pode realizar a medida de pressão arterial, altura e 
peso, medida de cintura e quadril com o objetivo de especificar o 
índice de massa corporal. Sua principal atribuição é de investigar e 
orientar os pacientes acerca de fatores de risco e seus hábitos de 
vida. 
 Assim, ele pode orientar a família ou o próprio usuário do 
serviço sobre o uso de remédios, fornecer informações sobre o 
quadro clínico, bem como acompanhar e encaminhar pacientes 
para o atendimento médico, dentro ou fora do serviço em que o 
enfermeiro atua. Há, ainda, dois campos profissionais bastante 
frequentes em diversas equipes multidisciplinares: o profissional 
de psicologia e o de assistência social. 
O psicólogo é responsável por fazer os atendimentos e consultas 
psicológicas do espaço, avaliando os aspectos emocionais, 
cognitivos e comportamentais que interferem na qualidade de vida 
do paciente. Ele também observa fatores como o estresse e a 
adesão ao tratamento. Pode também atuar com a equipe e a 
família, treinando observar e intervir nesses aspectos. 
DICA 
 
É importante reiterar que os campos do saber não abordados aqui não são 
menos importantes. O critério de escolha para discussão foi a frequência 
em diversas equipes multidisciplinares. Você pode e deve buscar mais 
informações acerca da atuação de muitas outras áreas e suas 
contribuições para a saúde e inclusão de pessoas com deficiência. 
Em alguns casos, atua também com uma visão voltada para o 
grupo de trabalho, visando promover saúde mental no espaço em 
que atua, auxiliandona criação de um ambiente saudável e 
harmônico para o desenvolvimento de um trabalho conjunto entre 
todos. 
O assistente social, por sua vez, realiza atividades como a 
entrevista social para identificação da condição socioeconômica do 
paciente, realiza levantamento de expectativas quanto ao 
tratamento e coleta dados referentes ao trabalho e situação 
previdenciária. Faz, ainda, a atualização dos cadastros de 
programas sociais dos pacientes e atua no atendimento de 
orientações às possíveis dúvidas referentes aos direitos da 
população. 
As equipes multidisciplinares em saúde normalmente funcionam 
com a presença de técnicos de referência, que são profissionais 
das diversas áreas do saber e que se dividem e ficam sob a 
responsabilidade do acompanhamento do tratamento de um 
número específico de usuários. Os técnicos podem ser de qualquer 
campo do saber: psicologia, enfermagem, assistência social ou 
outras áreas. A divisão é apenas uma forma estratégica para que 
cada usuário do serviço seja cuidado e receba uma atenção 
individualizada e especial. 
Assim, é de responsabilidade do técnico de referência do usuário 
realizar uma busca mais ativa dos faltantes ao tratamento, além de 
realizar um levantamento do caso quando necessário nas reuniões 
de equipe e realizar a elaboração do Projeto Terapêutico Singular 
(PTS) de cada paciente. Falaremos sobre o PTS em breve. 
Por hora, é importante dizer que a equipe multiprofissional com o 
foco na deficiência é composta pelos mesmos aspectos já 
previamente citados. Como sabemos, a deficiência não é um 
fenômeno estático, já que existem diversos tipos e quadros 
clínicos. Cada tipo de deficiência vai demandar a estruturação de 
uma equipe com profissionais diferentes e com focos de 
intervenção também diferentes. 
 
Uma pessoa com tetraplegia, por exemplo, não precisa de um 
tratamento com um fonoaudiólogo, o que pode tornar a presença 
de um na equipe pouco funcional para esse usuário, enquanto 
outros com paralisia cerebral necessitam bastante desse 
profissional. Isso mostra que, assim como cada deficiência é 
particular, a formação da equipe também tem essa mesma 
particularidade. 
Conforme apresentamos, uma das estratégias utilizadas em todos 
os casos e profissionais é o Projeto Terapêutico Singular (PTS), que 
se caracteriza como uma ferramenta de planejamento do trabalho 
que será realizado, e cada paciente em atendimento possui um PTS 
específico que é atualizado de modo frequente durante o 
tratamento. 
O PTS pode levar em conta aspectos comuns dos usuários, como 
diagnóstico, comorbidades, padrão de vida, mas também leva em 
conta o que há de pessoal (história pessoal, capacidades, 
dificuldades, habilidades, apoio ou ausência da família no 
tratamento, participação do usuário em alguma atividade de 
trabalho, suas escolhas no tratamento etc.). Larentis e Maggi (2012) 
delimitam ainda que esse PTS é de evolução contínua, 
possibilitando uma troca ou renovação dos planejamentos e 
metas. Assim, essa ferramenta se configura como uma forma de 
cuidado integral, humanizado e personalizado. 
 
Agora é a hora de sintetizar tudo 
o que aprendemos nessa 
unidade. Vamos lá?! 
SINTETIZANDO 
 
No processo de inclusão social, precisamos ir além do conceito de 
deficiência e nos atentar para toda diferença humana que 
demande estratégias de promoção de igualdade no âmbito social. 
Algumas dessas diferenças são os distúrbios cognitivos, do 
comportamento e da linguagem, os quais afetam respectivamente 
as funções cognitivas, comportamentais e de comunicação. 
Descobrimos que não existe apenas um distúrbio do 
comportamento, mas sim vários, que podem afetar o 
comportamento frente à autoridade, o comportamento alimentar, 
a comunicação, a capacidade de atenção e autocontrole, entre 
outros. Esses distúrbios podem decorrer de lesões cerebrais, como 
o AVC, de desenvolvimento inadequado das funções linguísticas, 
por exemplo. 
Vimos que a deficiência e o transtorno mental são nomes dados a 
conceitos muito diferentes, mas que têm como suporte para as 
políticas de atenção a Reforma Psiquiátrica, o modelo 
antimanicomial e a Reforma Sanitária. Também estudamos sobre 
os transtornos invasivos do desenvolvimento, que são aqueles em 
que há um prejuízo significativo no desenvolvimento do indivíduo, 
não apenas em um aspecto pontual, mas de forma global. Um 
desses transtornos é a Síndrome de Williams, uma condição 
genética marcada pelo fenótipo característico e pela baixa inibição 
e grande iniciativa para o contato social, podendo afetar a 
funcionalidade do indivíduo. Já a Síndrome de Rett, que também 
tem origem genética, apresenta desenvolvimento tardio dos 
sintomas e o aparecimento da doença, além da inquietação e dos 
movimentos repetitivos das mãos. O Transtorno Desintegrativo da 
Infância, também relacionado à Psicose Infantil, é caracterizado 
pela perda de funções anteriormente bem desenvolvidas. 
Por fim, entendemos a importância do atendimento 
multidisciplinar, uma vez que essa perspectiva multidisciplinar 
rompe com as visões binárias de corpo-mente ou indivíduo-
sociedade. Além disso, permite que as intervenções propostas ao 
indivíduo sejam realizadas através da contribuição de diversas 
áreas do conhecimento, e sejam pensadas a partir de suas 
particularidades.

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