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AP2 2023 2 gabarito provisório LITERATURA NA FORMAÇÃO DO LEITOR CEDERJ

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GABARITO AP2 2023.2 
LITERATURA NA FORMAÇÃO DO LEITOR 
QUESTÃO 1 (VALOR: 3 PONTOS) 
Leia o texto abaixo, com atenção. 
Leia a comédia A Casa de Suzana, de Artur Azevedo. Trata-se de um sainete – peça teatral leve, 
curta. 
Amélia está no seu quarto de vestir1. Acaba de despir-se ajudada pela mucama. 
Voltou do teatro com o marido, o Comendador, que, depois do chá, se recolheu a 
dormir como um bem-aventurado. É uma hora da manhã.2 
 
A mucama3 Nhãnhã4 gostou do drama? 
Amélia Não era um drama era um vaudeville*5 
A mucama Engraçado? 
Amélia Não, não tem graça nenhuma, porque é muito imoral. Eu queria vir pra casa ao fim do primeiro 
ato. Mas o Comendador entendeu que devíamos ficar até o fim. Se aquilo é espetáculo a que um 
marido leve a sua esposa... 
A mucama Ih!... Nhãnhã como está indignada! 
Amélia Pudera! Uma mulher honesta não deve sancionar com sua presença a exibição de 
semelhantes peças: dá má ideia de si. 
A mucama Como se chama o vaudeville, Nhãnhã? 
Amélia A casa de Suzana! Só esse título! 
A mucama É aquela francesa velha que de vez em quando faz benefício? 
Amélia Não, é outra de igual nome, mas muito pior. Não podes imaginar o que aquilo é! Eu estava a 
ver o momento em que mesmo em cena... que horror! Nunca senti tanto fogo nas faces... 
A mucama Por que Nhãnhâ não se retirou do teatro? 
Amélia Já te disse que me quis retirar, mas o Comendador, que dá o cavaquinho pela pornografia, 
dizia-me: “Espere, senhora, deixe-me ver até onde vai essa pouca vergonha”... 
A mucama Pronto! Nhãnhâ não precisa de mais nada? 
Amélia Não, podes ir deitar. Mas antes disso, vê se o Comendador já está dormindo! (a mucama sai e 
volta) Então? 
A mucama Está ferrado no sono, roncando que é um louvar a Deus. 
Amélia Bem, podes dizer boa noite. 
A mucama Boa noite, Nhãnhã (a mucama sai. Amélia diminui a força ao gás e fica envolta numa doce 
meia luz, em cuja sombra se destacam suavemente as rendas brancas da sua camisola. Depois ela 
vai abrir sem rumor uma janela que dá para o Jardim. Ouve-se um assobio.) 
Amélia (À meia-voz, para o jardim) Podes vir... (Pausa. Henrique aparece no jardim, apoia as mãos no 
peitoril da janela, dá um salto e entre no quarto de vestir. Amélia fecha a janela.) 
Meu Henrique!... 
 
1 Boudoir (lê-se buduar) que, em francês quer dizer quarto de vestir. 
2 No texto original: ‘uma hora da noite’. 
3 Mucama, escrava jovem, doméstica, que recebia tratamento diferenciado. O teatro a vapor de Artur Azevedo foi publicado no 
início do século XX, mas reflete sobre a situação social das classes abastadas no Brasil, onde ainda havia uma nomenclatura e um 
modo de lidar com a chamada “criadagem”, para os serviçais que trabalhavam nas casas, Mucama é um desses termos, indica a 
serviçal negra diretamente ligada à patroa, virava uma espécie de confidente. Quando tinha filhos, podia servir como ama de 
leite. Quando não, cuidava das crianças da casa, e era chama “ama-seca”. 
4 Modo afetuoso de chamar as senhoras, pelas mucamas. 
5 Vaudeville é um nome francês que se conserva até hoje para este chamado teatro ligeiro, primo do Teatro de Revista, ou 
Revista. A diferença é que o Teatro de revista era em “quadros”, entremeados, com canto e dança. O vaudeville é um gênero 
dramático, portanto tem texto de suporte. Assim como os sainetes de Artur Azevedo. 
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Henrique Minha Amélia!... (Atiram-se nos braços um do outro e beijam-se longamente.) Ele dorme? 
Amélia Profundamente! Queres saber o que me fez hoje aquele bruto? 
Henrique Dize 
Amélia Levou-me à Casa de Suzana! 
Henrique (Com um sobressalto) Que Suzana? 
Amélia É uma peça de teatro. 
Henrique (Compreendendo) Ah! 
Amélia Uma peça do tal gênero livre. 
Henrique Que tem isso? 
Amélia Uma imoralidade que não deve ser vista nem ouvida por uma senhora honesta. 
Henrique Olha, sabe que mais, meu amor? Deixemo-nos de hipocrisias! O teatro é ficção, é fantasia, 
é mentira; e esta realidade...Sim, o que estamos fazendo, o que nós vamos fazer, é muito mais imoral. 
Amélia Pois sim, mas ninguém vê...ninguém sabe... (Com frenesi) Meu Henrique! 
Henrique Minha Amélia! (Atiram-se de novo aos beijos etc.) 
 
1.1 Depois de ler, associe à comédia curta de Artur Azevedo, a frase emblemática da comédia 
“Rindo castigam-se os costumes” (Castigat mores ridendo), criada no século XVII para as 
comédias. 
Que costumes são “castigados” nesta comédia? 
Primeiro que tudo a hipocrisia do faça o que eu digo mas não faça o que eu faço. Amélia é moralista, 
critica a peça que trata da vida de mulheres numa “Casa de tolerância”, mas deixa o amante entrar na 
surdina assim que o marido vai dormir. A hipocrisia, no caso é um falso moralismo. 
 
1.2 Comente a atitude dos personagens em relação à hipocrisia. 
Amélia é a hipócrita central; a mucama até que sugere alguma coerência, “po que Nhã nhã nãon~so se 
retirou do teatro? 
Mas Henrique é coerente, sabe que está cometendo ato repreensível e diz isso à Amélia – o que nós 
estamos fazendo é muito mais imoral”... 
 
1.3 Comente os termos de época usados. O que dizer desse traço linguístico de teatro de 
Azevedo. O que isso traz consigo em relação à cultura? 
A mucama (termo de época, nhã nhã, vaudeville). Todos os termos que estão explicados nas notas de 
rodapé. 
 
QUESTÃO 2 (VALOR: 3 PONTOS) 
3 
 
 
2.1 Observe a charge acima (2 pontos): 
 
a) Por que quem representa espectadores está em terra firme e os atores, sobre o abismo? 
Em terra firme estão os espectadores: são apenas pessoas que vão ao teatro. 
Os atores, primeiro estão caracterizados em personagens, portanto sua presença é mascarada, estão 
no lugar da irrealidade. Se a peça agrada, ótimo, mas se não, a realidade deles também fica abalada. 
b) O que o conjunto da imagem representa, em termos da chamada Tríade teatral? 
Três elementos estão na imagem: a plateia, onde ficam os espectadores, a proscênio, arco que separa 
a plateia do palco, onde, quando há cortina, ela fica localizada. A cena, o palco onde as ações fictícias 
ganham realidade. 
2.2 (1 ponto) 
 Em termos de espaço teatral, que tipo de teatro seria este: ( ) arena; ( x ) italiano; ( )aberto, 
sem quarta parede) 
 
Justifique a escolha: .palco italiano é aquele que separa a cena dos espectadores por meio de cortina, 
no lugar da chamada quarta parede. 
 
QUESTÃO 3 (VALOR: 2 PONTOS) 
 
3.1 No filme Balzac e a costureirinha chinesa, observamos os dois tipos de apreciadores de 
obra artística: o leitor e o espectador. Identifique os leitores literários no filme e comente sua 
atitude. 
 
3.2 Agora identifique os espectadores e comente suas atitudes em relação à obra que 
assistiram. 
Os dois pontos serão auferidos na participação no Fórum Balzac e a Costureirinha chinesa 
 
QUESTÃO 4 (VALOR: 2 PONTOS) 
O arquivo, de Victor Giudice 
 
No fim de um ano de trabalho, joão obteve uma redução de quinze por cento em seus 
vencimentos. joão era moço. Aquele era seu primeiro emprego. Não se mostrou orgulhoso, embora tenha 
sido um dos poucos contemplados. Afinal, esforçara-se. Não tivera uma só falta ou atraso. Limitou-se a 
sorrir, a agradecer ao chefe. 
No dia seguinte, mudou-se para um quarto mais distante do centro da cidade. Com o salário reduzido, 
podia pagar um aluguel menor. 
Passou a tomar duas conduções para chegar ao trabalho. No entanto, estava satisfeito. Acordava mais 
cedo, e isto parecia aumentar-lhe a disposição. 
Dois anos mais tarde, veio outra recompensa. 
O chefe chamou-o e lhe comunicou o segundo corte salarial. 
Desta vez, a empresa atravessava um período excelente. A redução foi um pouco maior: dezessete por 
cento. 
Novos sorrisos, novos agradecimentos, nova mudança. 
Agora joão acordava às cinco da manhã. Esperava três conduções. Em compensação, comia menos. 
Ficou mais esbelto. Sua pele tornou-se menos rosada. O contentamento aumentou. 
Prosseguiu a luta. 
Porém, nos quatroanos seguintes, nada de extraordinário aconteceu. 
joão preocupava-se. Perdia o sono, envenenado em intrigas de colegas invejosos. Odiava-os. Torturava-
se com a incompreensão do chefe. Mas não desistia. Passou a trabalhar mais duas horas diárias. 
4 
 
Uma tarde, quase ao fim do expediente, foi chamado ao escritório principal. 
Respirou descompassado. 
— Seu joão. Nossa firma tem uma grande dívida com o senhor. joão baixou a cabeça em sinal de 
modéstia. 
— Sabemos de todos os seus esforços. É nosso desejo dar-lhe uma prova substancial de nosso 
reconhecimento. 
O coração parava. 
— Além de uma redução de dezesseis por cento em seu ordenado, resolvemos, na reunião de ontem, 
rebaixá-lo de posto. 
A revelação deslumbrou-o. Todos sorriam. 
— De hoje em diante, o senhor passará a auxiliar de contabilidade, com menos cinco dias de férias. 
Contente? 
Radiante, joão gaguejou alguma coisa ininteligível, cumprimentou a diretoria, voltou ao trabalho. 
Nesta noite, joão não pensou em nada. Dormiu pacífico, no silêncio do subúrbio. 
Mais uma vez, mudou-se. Finalmente, deixara de jantar. O almoço reduzira-se a um sanduíche. 
Emagrecia, sentia-se mais leve, mais ágil. Não havia necessidade de muita roupa. Eliminara certas 
despesas inúteis, lavadeira, pensão. 
Chegava em casa às onze da noite, levantava-se às três da madrugada. Esfarelava-se num trem e dois 
ônibus para garantir meia hora de antecedência. A vida foi passando, com novos prêmios. Aos sessenta 
anos, o ordenado equivalia a dois por cento do inicial. O organismo acomodara-se à fome. Uma vez ou 
outra, saboreava alguma raiz das estradas. Dormia apenas quinze minutos. Não tinha mais problemas de 
moradia ou vestimenta. Vivia nos campos, entre árvores refrescantes, cobria-se com os farrapos de um 
lençol adquirido há muito tempo. 
O corpo era um monte de rugas sorridentes. 
Todos os dias, um caminhão anônimo transportava-o ao trabalho. Quando completou quarenta anos de 
serviço, foi convocado pela chefia: 
— Seu joão. O senhor acaba de ter seu salário eliminado. Não haverá mais férias. E sua função, a partir 
de amanhã, será a de limpador de nossos sanitários. 
O crânio seco comprimiu-se. Do olho amarelado, escorreu um líquido tênue. A boca tremeu, mas nada 
disse. Sentia-se cansado. Enfim, atingira todos os objetivos. Tentou sorrir: 
— Agradeço tudo que fizeram em meu benefício. Mas desejo requerer minha aposentadoria. 
O chefe não compreendeu: 
— Mas seu joão, logo agora que o senhor está desassalariado? Por quê? Dentro de alguns meses terá de 
pagar a taxa inicial para permanecer em nosso quadro. Desprezar tudo isto? Quarenta anos de convívio? 
O senhor ainda está forte. Que acha? 
A emoção impediu qualquer resposta. 
joão afastou-se. O lábio murcho se estendeu. A pele enrijeceu, ficou lisa. A estatura regrediu. A cabeça se 
fundiu ao corpo. As formas desumanizaram-se, planas, compactas. Nos lados, havia duas arestas. 
Tornou-se cinzento. 
joão transformou-se num arquivo de metal. 
Fonte: MORICONE, Ítalo. Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. 
 
Após a leitura atenta do conto, elabore uma pequena peça teatral contemplando os aspectos 
abordados no texto. 
 
Terão ponto os que fizerem as didascálias de tempo, espaço, indicação de cena, nome de 
personagens e suas falas, o diálogo.

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