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MÉRITO E FLEXIBILIDADE
A gestão das pessoas no setor público
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MÉRITO E FLEXIBILIDADE
A gestão das pessoas no setor público
Francisco Longo
EdiçõesFundap
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Governador do Estado
José Serra
Secretário de Gestão Pública
Sidney Beraldo
FUNDAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO ADMINISTRATIVO–FUNDAP
Diretora Executiva
Neide S. Hahn
Coordenação editorial
Carlos H. Knapp
Tradução
Ana Corbisier
Lucia Jahn
Luis Reyes Gil
Paulo Anthero Barbosa
Revisão
Helena Jansen
Revisão técnica
Pedro Anibal Drago
Sandra Souza Pinto
Capa
Cristina Penz
Ilustração da capa baseada na escultura “Le Chariot” (1950), de Alberto Giacometti
Editoração eletrônica
Ricardo Serraino
Fevereiro/2007
© 2004 by Ediciones Paidós Ibérica, S.A.
Reprodução proibida sem a expressa autorização da Fundap.
Dados Internacionais de Catalogação da Publicação (CIP)
(Centro de Documentação da Fundap, SP, Brasil)
Longo, Francisco
Mérito e fl exibilidade: a gestão das pessoas no setor público / Francisco Longo; tradução 
Ana Corbisier, Lucia Jahn, Luis Reyes Gil, Paulo Anthero Barbosa; revisão Helena Jansen; 
revisão técnica Pedro Anibal Drago, Sandra Souza Pinto. – São Paulo: FUNDAP, 2007
246 p.
Tradução de: Mérito y fl exibilidad: la gestión de las personas en las organizaciones del 
sector público.
ISBN 978-85-7285-102-2
1. Administração de pessoal. 2. Administração de pessoal – Setor público. 3. Gestão de pessoas 
– Setor público. I. Fundação do Desenvolvimento Administrativo – Fundap. II. Título.
CDD – 360.1
EDIÇÕES FUNDAP
Rua Cristiano Viana, 428
05411-902, São Paulo, SP
Telefone (11) 3066 5584
Fax (11) 3081 9082
livraria@fundap.sp.gov.br
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Para Alejandro e Alberto Longo
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SUMÁRIO
Agradecimentos
Apresentação da edição brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1. A gestão das pessoas nas sociedades contemporâneas . . . . 23
2. O que o emprego público tem de diferente. 
A função pública . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
3. Gerir pessoas no setor público: 
um sistema integrado de valor estratégico . . . . . . . . . . . . . . . 77
4. Os grandes subsistemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
5. As tendências de reforma da gestão das pessoas nas 
democracias avançadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
6. Dirigentes públicos profi ssionais:
por que, para que e como . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165
7. Os desafi os do futuro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197
Epílogo: mérito e fl exibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 223
Bibliografi a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227
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AGRADECIMENTOS
Como autor deste livro, tenho uma dívida de gratidão para com muitas 
pessoas. Entre elas está antes de mais nada uma longa lista de gestores públi-
cos que participaram dos programas do IDGP da Esade1 nos quais exerci a 
docência. Tenho consciência de ter recebido, deles, estímulos e ensinamen-
tos muito valiosos. Devo mencionar também os governadores e dirigentes que 
confi aram na minha capacidade de consultor e assessor ao longo destes anos. E 
também os meus alunos de nove promoções de MBA da Esade, que ano após 
ano desafi aram minha capacidade para formar gestores de pessoas. As coisas 
que aprendi com todos eles contribuíram para fi ltrar minhas percepções, apro-
ximar à realidade os meus pontos de vista e melhorar minha habilidade para 
comunicá-los.
Esade, a instituição em que desenvolvo meu trabalho há mais de dez anos, 
deve ser especifi camente destacada neste parágrafo. Sua confi guração aberta e 
horizontal, que oxalá seja capaz de conservar durante muito tempo, proporcio-
nou-me o ambiente estimulante e de cooperação, necessário a todo o trabalho 
intelectual, e o contato com as pessoas cuja contribuição generosa foi básica 
para o meu crescimento profi ssional. Sua cultura humanista e plural facilitou 
o engate de minhas convicções com os valores próprios do ambiente organiza-
cional em que trabalho. Sou consciente do privilégio que isso signifi ca. Nesse 
ponto, dirijo minha gratidão a Lluís Pugès, o diretor que me contratou, e a 
Carlos Losada, que um dia me sugeriu a incorporação e depois, com a respon-
sabilidade atual de diretor geral, manteve sua confi ança em mim.
Dentro do Esade, recebi dos meus companheiros do Instituto de Direção 
e Gestão Pública numerosas contribuições e uma infl uência que, sem dúvida, 
se traduzem naquilo que este livro terá de mais valioso. Em especial a freqüente 
colaboração na docência, na pesquisa e na consultoria de Koldo Echebarría, 
hoje licenciado, foi uma importante infl uência para confi gurar a minha forma 
de entender a gestão pública, como também o foi o estreito contato profi ssional 
que mantive esses anos com Xavier Mendoza, Alfred Vernis, Albert Serra e o já 
citado Carlos Losada. Também expresso meus agradecimentos a Manolo Férez, 
Rafa Jiménez Asensio, Pere Puig, Manel Peiró, Enric Colet, Roberto Quiroga, 
1 NT: IDGP é o Instituto de Dirección y Gestión Pública, instituição da Esade (Escuela Su-
perior de Administración de Empresas), uma das dez mais prestigiosas Business Schools da 
Europa.
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10 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
Sam Husenman, Tamyko Ysa, Eduard Gil, Joat Henrich, Cristina Navarro e as 
demais pessoas que colaboram com o IDGP.
Alguns colegas do departamento de Direção de Recursos Humanos da 
Esade leram trechos do manuscrito e me passaram seus valiosos comentários. 
É o caso de Carlos Obeso e de Ricard Serlavós, a quem devo um reconheci-
mento especial por ser o inspirador do modelo de gestão de recursos humanos 
que adotei na época, apliquei e desenvolvi nos últimos anos e que, adaptado à 
gestão pública, apresento neste livro.
A relação de trabalho com outras pessoas do mundo acadêmico propor-
cionou-me valiosas referências e comentários que benefi ciam o livro. Nesse 
ponto, devo citar Joan Subirats e toda a equipe do IGOV da Universidade 
Autônoma de Barcelona; Manuel Villoria, do Instituto Universitário Ortega 
y Gasset; Manuel Zafra e Frederico Castillo, do CEMCI de Granada; Miguel 
Sánchez Morón, da Universidade de Alcalá de Henares; Alberto Palomar, da 
Universidade Carlos III; Carlos Vignolo, da Universidade do Chile; Regina Pa-
checo, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo; e Oscar Oszlak, da Universi-
dade de Buenos Aires. Agradeço também a Michael Barzelay, da London School 
of Economics, e a Sonia Ospina, da New York University, pelos comentários 
sobre um material prévio em que apoiei uma parte do livro.
Considero a experiência de dirigente público, no meu caso, como uma 
fonte decisiva para o crescimento pessoal e profi ssional. Em particular, os oito 
anos de trabalho na municipalidade de Barcelona foram para mim uma au-
têntica escolade gestão pública, sem a qual este livro não teria sido possível. A 
coincidência entre o período de desenvolvimento do projeto olímpico de 1992 
e uma etapa de transformação urbana sem precedentes, liderada pelo governo 
da cidade, fez daqueles anos uma experiência difícil de se repetir. Eram mui-
tos os que comigo faziam parte da equipe do prefeito Pasqual Maragall e me 
proporcionavam úteis aprendizados. Na impossibilidade de nomeá-los, recor-
ro a um agradecimento genérico dirigido a todos. Personalizarei esta menção 
em Albert Galofré, com quem ainda compartilhei, depois daquela experiência, 
muitas horas de consultoria e amizade. 
Diversos trabalhos encomendados durante os últimos anos pelo Banco 
Interamericano de Desenvolvimento me proporcionaram marcos de estudo 
e experiências que contribuíram para enriquecer várias partes do livro. Em 
particular, a elaboração de um marco analítico para a avaliação de sistemas de 
serviço civil e o acompanhamento de sua aplicação nos diagnósticos institu-
cionais de uma vintena de países da América Latina e do Caribe me brindaram 
com excelentes e raras oportunidades para contrastar os modelos conceituais 
utilizados.
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11AGRADECIMENTOS 
Recebi do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações 
Unidas e do Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvol-
vimento o pedido de elaborar um anteprojeto da Carta Ibero-Americana da 
Função Pública e de defendê-lo, como relator, perante a Conferência de Mi-
nistros de Administração Pública e Reforma do Estado, em junho de 2003, 
em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia). Essa tarefa me obrigava a sintetizar e 
enquadrar em formato peculiar as minhas concepções básicas sobre a gestão 
pública do emprego e das pessoas, a fi m de torná-las acessíveis a diferentes 
ambientes institucionais e susceptíveis de serem compartidas por diferentes 
governos. A aprovação da Carta pela cúpula dos chefes de estado e de governo 
e sua conversão em documento ofi cial da ONU pela Assembléia Geral são os 
primeiros resultados, que espero sejam seguidos por iniciativas de aplicação 
de seus princípios nos países da comunidade ibero-americana. Em todo caso, 
é justo que eu faça constar aqui minha gratidão às instituições que confi aram 
em mim para esse trabalho.
Carmen, minha mulher, revisou o manuscrito, como faz habitualmente, 
tratando de polir minha linguagem. Sou grato a ela por isso e, principalmente, 
por tantas outras coisas.
APRESENTAÇÃO DA EDIÇÃO BRASILEIRA
Escrevo estas linhas de apresentação quando acaba de se celebrar, em Bar-
celona, um seminário internacional, auspiciado pelo CIDOB2, sobre a profi s-
sionalização do emprego público na América Latina. Com Carles Ramió, meu 
colega da Universidade Pompeu Fabra, tive o prazer de co-dirigir o seminário, 
que contou com a participação de reputados especialistas de ambos os lados do 
Atlântico. Durante as sessões, como não poderia deixar de ser, os dois grandes 
temas que dão título a este livro, mérito e fl exibilidade, assim como a relação 
entre ambos, foram profundamente abordados e discutidos de ângulos diversos, 
dando lugar a pontos de vista às vezes antagônicos. Retive especialmente dois 
dos temas de debate e me permito comentá-los resumidamente aqui.
O primeiro centra-se na idéia de mérito; mais especifi camente, em suas 
dimensões formal e substantiva, e na conveniência de distingui-las entre si. 
2 NT: CIDOB: Centro de Investigación de Relaciones Internacionales y Desarrollo. Centro de 
Pesquisa de Relações Internacionais e Desenvolvimento.
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12 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
Freqüentemente, o mérito, enquanto atributo do emprego público, é pensado 
fundamentalmente na primeira dessas dimensões. Assim concebido, um sis-
tema de mérito converte-se num conjunto de garantias formais cujos efeitos 
benéfi cos se produziriam – diríamos com fraseologia jurídica – erga omnes, 
ou seja, projetando-se para o exterior dos governos e organizações públicas 
e pensando nas necessidades da sociedade em seu conjunto. Uma vez que a 
sociedade necessita de administrações compostas por profi ssionais capazes de 
emitir decisões conformes com a legalidade e protegidas contra a captura e a 
corrupção, a criação dessas garantias é imprescindível.
Entretanto, para dentro das organizações, isto é, para o governante ou o 
dirigente público, essas garantias operam basicamente como limitações, como 
condicionamentos de suas decisões de manejo do emprego público que res-
tringem sua margem de decisão discricional. A partir disso é fácil concluir 
que essas limitações podem comprometer a efi cácia das decisões e processos 
de gestão das pessoas e que precisam, por isso, ser compensadas por políticas 
fl exíveis que restabeleçam um equilíbrio adequado. Nesta perspectiva, mérito e 
fl exibilidade se situariam no marco de um trade off , de um dilema fundamental 
que confronta os requisitos de profi ssionalidade da ação pública, de um lado, 
com sua pretensão de efi cácia, de outro, de tal modo que os avanços em um 
campo signifi cassem retrocessos no outro e vice-versa.
No meu entender, a questão muda de modo fundamental se abordarmos a 
noção de mérito por sua dimensão material e substantiva. Nessa aproximação, 
as garantias do mérito protegem a profi ssionalidade da administração porque 
conseguem que as decisões de manejo do emprego público persigam e assegu-
rem a idoneidade das pessoas, isto é, o mais alto grau de adequação de todas 
suas capacidades (de suas competências, diríamos no jargão atual dos recursos 
humanos) para o desempenho das tarefas que devem cumprir.
Para conseguir essa idoneidade, os instrumentos de gestão devem garan-
tir adequadamente a busca, a escolha, o estímulo e a recompensa dos melhores 
em cada caso. Deste ponto de vista, as decisões sobre o emprego devem ser 
meritocráticas nos governos e organizações do setor público para proteger os 
cidadãos e os mercados da arbitrariedade e da corrupção. Razões semelhantes 
recomendam os ajustes meritocráticos também em outros tipos de organiza-
ção, inclusive nas empresas do setor privado, para produzir os resultados alme-
jados pelas estratégias e objetivos de cada uma.
Quando contemplamos o mérito dessa forma, a profi ssionalidade dos 
servidores públicos deixa de ser vista como uma limitação à efi cácia dos gover-
nos e se converte, pelo contrário, em seu pré-requisito. A superação do saque, 
do clientelismo e da apropriação de setores e sua substituição por modelos me-
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13AGRADECIMENTOS 
ritocráticos de emprego público não produzem unicamente maior segurança 
jurídica nas sociedades que realizam essas mudanças, mas também mais efi cá-
cia, efi ciência e efetividade em bancos centrais, na fi scalização de arrecadação 
de tributos, nas polícias, nos hospitais e nos serviços sociais. A relação entre 
mérito e fl exibilidade deixa de ser de confronto. Na realidade, se desejarmos al-
cançar a idoneidade das pessoas nos contextos contemporâneos, precisaremos 
de fórmulas cada vez mais fl exíveis no acesso, na carreira, na capacitação e na 
recompensa; e essa fl exibilidade reforçará, em lugar de debilitar, a dimensão 
meritocrática do emprego público.
O segundo dos temas mencionados, não muito distante deste, nos introduz 
mais uma vez no que Bresser Pereira3 denominou “a questão da seqüência”.
Em muitos foros continua viva a idéia, a meu ver falaciosa e ademais 
desmentida pelos fatos, de que na América Latina os esforços reformadores 
devem se concentrar na construção de burocracias weberianas para, depois, 
num futuro indeterminado, incorporar as reformas fl exibilizadoras da gestão 
de recursos humanos que hoje constituemmoeda comum no primeiro mun-
do. É fácil notar que essa visão se apóia na aproximação formalista da idéia de 
mérito que acabamos de discutir. Na obra citada, o ilustre político e acadêmi-
co brasileiro argumenta vigorosamente contra esse discurso. De minha parte, 
depois de concordar com ele, remeto-me modestamente ao epílogo deste livro 
em que se acha uma argumentação sobre esse ponto. Na minha opinião, ela é 
substancialmente válida.
Como se deduz dos parágrafos anteriores, as convicções que me levaram a 
escrever “Mérito e Flexibilidade” continuam vivas, no substancial, no momen-
to de sua publicação em língua portuguesa no Brasil. Não é preciso mencionar 
que esse fato é para mim motivo de profunda satisfação, que agradeço muito 
sinceramente à Fundap e, em especial, ao estímulo da minha admirada amiga 
Evelyn Levy. Ao longo dos últimos anos, desde meus primeiros seminários na 
ENAP de Brasília, têm sido freqüentes os encontros com acadêmicos e gestores 
públicos brasileiros com os quais sempre encontrei um alto grau de sintonia, 
tanto nas preocupações como também, quase sempre, nos enfoques.
Também no Brasil a modernização da gestão dos recursos humanos se 
encontra sistematicamente entre os grandes temas de qualquer agenda de re-
forma da gestão pública. Nós a encontramos quando revisamos o modelo de 
3 Bresser Pereira, L. C., Democracy and Public Management Reform. Building the Republi-
can State. Oxford University Press, 2004.
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14 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
gestão do PPA4 na esfera federal, quando acompanhamos a experiência de ges-
tão dos serviços assistenciais e culturais por meio das organizações sociais do 
Estado de São Paulo ou quando analisamos as carreiras e a avaliação do de-
sempenho nessa apaixonante experiência de reforma conhecida como “Cho-
que de Gestão”, em Minas Gerais. Ela está igualmente presente nas principais 
preocupações dos secretários de gestão reunidos nessa importante plataforma 
de inovação e reforma institucional que é o Consad5.
Também no Brasil, os temas relativos aos recursos humanos são, com 
freqüência, os mais resistentes a reformas; aqueles em que são mais habituais 
as percepções de insatisfação com o logrado. Nada que revele características 
idiossincráticas dos contextos institucionais brasileiros, mas sim, como este 
livro pretende evidenciar, traços comuns das tentativas de melhorar a gestão 
pública das pessoas em qualquer lugar e circunstância. Para o bem ou para o 
mal, o comportamento humano nas organizações é uma variável sobre a qual é 
difícil infl uir. Ao mesmo tempo, exercer essa infl uência constitui uma questão 
central para a efi cácia, efi ciência e efetividade das organizações, que se acentua 
nos serviços públicos e que, portanto, se torna irrenunciável para os inovado-
res e reformadores da gestão pública. A todos eles, felizmente numerosos no 
Brasil, é dedicada em primeiro lugar a edição deste livro em português. Oxalá 
lhes seja útil.
Barcelona, janeiro de 2007
Francisco Longo
4 PPA, Plano Plurianual instituído no governo Fernando Henrique Cardoso.
5 Consad: Conselho Nacional de Secretários de Estado de Administração.
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INTRODUÇÃO
“É mais importante conhecer os temperamentos e características 
das pessoas que os das ervas e das pedras. Esta é uma das coisas 
mais sutis da vida: os metais se conhecem pelo som e as pessoas 
pelo que dizem. As palavras demonstram a retidão, mas os fatos 
muito mais ainda. São necessários, em grau máximo, refl exão, ob-
servação e capacidade crítica.”
Baltasar Gracián, Oráculo Manual y Arte de Prudencia, 1647
Mais de vinte e cinco anos de dedicação à gestão pública, na administra-
ção e no mundo acadêmico, foram fortalecendo minha convicção da impor-
tância crucial do fator humano como chave para explicar os êxitos e fracassos 
dos governos e das organizações do setor público.
Na condição de dirigente, experimentei na primeira pessoa o caráter críti-
co do comportamento humano nas organizações, seu extraordinário peso nos 
resultados de qualquer iniciativa ou projeto, e também a complexidade de suas 
motivações, a fl uidez e pluralidade dos fatores que o infl uenciam, o quanto é 
árdua a tarefa de decifrar as origens e procurar as respostas aos problemas que 
afetam as pessoas no trabalho. Tenho experimentado a difi culdade adicional 
que o ofício de gerir pessoas traz implícito nos ambientes públicos; a ambigüi-
dade das prioridades, seu caráter mutável, a brevidade dos ciclos políticos, a 
reticência para medir e avaliar, o peso imenso da inércia, as numerosas limita-
ções legais e, principalmente, as restrições intangíveis de natureza cultural.
Como docente, o prolongado contato com dirigentes públicos nos pro-
gramas do Instituto de Direção e Gestão Pública (IDGP) do Esade tornou-me 
consciente tanto do interesse com que são abordadas as questões relaciona-
das ao fator humano, como do défi cit de preparação específi ca que pode ser 
constatado na maioria dos casos. Os conhecimentos e habilidades relacionados 
com a gestão das pessoas não são normalmente levados em conta entre os re-
quisitos de capacitação exigidos para exercer responsabilidades de direção no 
setor público. Este fato não impede que, às vezes, nos intercâmbios que caracte-
rizam a formação para dirigentes, afl orem as boas práticas, os casos de sucesso 
e as experiência inovadoras. Em geral, não obstante, a percepção dominante 
entre os gestores públicos combina a crítica dos modelos de gestão existentes 
com uma aguda sensação, próxima do desalento ou do ceticismo, a respeito de 
como é difícil mudá-los.
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16 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
A experiência como consultor de governos e organizações públicas ra-
tifi cou para mim muitas destas percepções e as tornou extensivas a diferen-
tes países e ambientes institucionais. Hoje a gestão do emprego público e das 
pessoas que fazem parte dele preocupa cada vez mais aqueles que dirigem as 
organizações e os sistemas multiorganizacionais do setor público. A demanda 
de idéias, estratégias, metodologias e instrumentos que permitam melhorá-la 
cresceu de modo signifi cativo. Foi fi cando evidente que as mudanças legais, as 
reestruturações organizacionais e a modernização tecnológica, embora sejam 
importantes, não são sufi cientes para mudar em profundidade o funcionamen-
to das organizações públicas. A verdadeira mudança é aquela que consegue 
penetrar nas mentes dos indivíduos e transferir-se para suas condutas. O olhar 
se volta conscientemente para as pessoas e é, na maioria das vezes, um olhar de 
interrogação, dúvida e perplexidade.
Em suma, melhorar a gestão das pessoas é visto em nossos dias como 
um dos desafi os principais da gestão pública e, ao mesmo tempo, como o que 
enfrenta maiores obstáculos e resistências. Dessa dupla convicção sobre a im-
portância e a difi culdade desse empenho nasce este livro.
A QUEM SE DIRIGE ESTE LIVRO E COMO PRETENDE FAZÊ-LO
Este é um livro sobre gestão pública, o que quer dizer no mínimo duas 
coisas. A primeira, que ele assume a orientação pluridisciplinar que caracteriza 
a referida perspectiva e incorpora, sem complexos, contribuições e enfoques 
próprios da economia, do direito, da ciência política, da sociologia e de outras 
disciplinas científi cas. A segunda, que ele se fundamenta numa noção ampla 
do management, que vai além da mera importação de técnicas nascidas no 
mundo empresarial privado. A gestão pública modula seu instrumental analí-
tico partindo da especifi cidade do público e incorpora não só modelos teóricos 
e ferramentas, mas também um conjunto de valores necessários para o bom 
funcionamento e a renovação dos sistemas públicos e suas organizações.O livro tem uma pluralidade de destinatários: os primeiros são os dirigen-
tes públicos, no sentido mais amplo da expressão. Incluímos aí todas as pes-
soas que assumem, nas organizações do setor público, responsabilidades que 
compreendem a direção de equipes humanas; desde aqueles que, no vértice 
estratégico das administrações, adotam decisões que afetam milhares de em-
pregados, até aqueles que gerenciam pequenos centros ou serviços dotados de 
poucas pessoas. Todos eles – seus objetivos, problemas e preocupações – têm 
sido a principal referência inspiradora deste trabalho.
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17INTRODUÇÃO 
O livro pretende ser também útil para aqueles que se ocupam da admi-
nistração pública a partir da refl exão acadêmica ou da consultoria, assim como 
– esperamos – para aqueles que o fazem a partir da política ou do sindicalismo. 
Pode igualmente ser proveitoso para os empregados públicos e para os jovens 
que aspiram fazer da gestão pública sua profi ssão e desejam melhorar seu conhe-
cimento sobre uma parcela básica dela. Não fi ca descartado, inclusive, que possa 
captar o interesse de outros públicos. Afi nal, fala de questões que acabam afetan-
do a vida da maioria. Há tempos estou convencido de que a modernização da 
gestão pública geralmente se produz quando seus temas saem do círculo restrito 
dos especialistas e passam para a esfera do debate público. Acredito que qualquer 
cidadão interessado no funcionamento das organizações públicas encontrará 
nestas páginas algumas refl exões úteis, quer concorde com elas ou não.
Embora minha experiência tenha sido gestada principalmente no am-
biente institucional espanhol, e este fato se transfi ra inevitavelmente para o que 
escrevo, o livro não foi produzido pensando apenas no leitor desse País. Ao 
contrário, tenho tentado fazer com que as análises e refl exões sejam, no fundo 
e na forma, acessíveis e úteis a leitores de outras latitudes. Como poderá com-
provar quem siga adiante, tanto os modelos conceituais como os referenciais 
utilizados caracterizam-se por uma vocação de universalidade e uma orien-
tação comparada. Em particular, teve-se presente a todo momento a possível 
utilidade do livro para os leitores latino-americanos. A freqüência e intensida-
de dos contatos com governos e organizações públicas da Ibero-América ao 
longo dos últimos dez anos tornaram-me particularmente sensível à maneira 
de tratar a questão pública que caracteriza essa parte do mundo, tão distante e 
tão próxima.
A probabilidade de que este livro seja de interesse será tanto maior quan-
to mais aberto à mudança for o espírito com que se empreenda sua leitura. 
No IDGP da Esade adotamos como sinal de identidade um compromisso com 
os inovadores do setor público. Este compromisso está presente no livro, que 
incorpora nossa crença na questão pública, em seu papel insubstituível para 
o bem-estar e o progresso de nossas sociedades, mas também no seu imenso 
potencial de melhora, imprescindível para adaptar-se às exigências de uma de-
manda social intensa e mutante.
O livro aborda um assunto de especial complexidade. Há questões para 
as quais o desenvolvimento científi co e tecnológico acabou criando protocolos 
de respostas predeterminadas. As incidências relacionadas à gestão das pessoas 
costumam pertencer, ao contrário, àquela categoria de problemas que Schuma-
cher chama de divergentes; aqueles que, quanto mais conhecimento especia-
lizado incluem, mais soluções possíveis admitem. Além disso, em matéria de 
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18 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
recursos humanos, essas soluções são quase sempre a médio ou longo prazo, 
o que obriga a adotar decisões cujo êxito ou fracasso não pode ser verifi cado 
imediatamente. Por outro lado, as questões que afetam as pessoas e seu traba-
lho costumam ser objeto de pontos de vista diferentes, que refl etem a diver-
sidade de interesses e valores dos grupos humanos afetados. O confl ito com 
freqüência faz parte da situação. A necessidade de harmonizar na medida do 
possível as preferências e expectativas de uns e outros obriga a assumir uma vi-
são não dogmática das coisas ou, o que dá no mesmo, um enfoque contingente 
das respostas. O peso do contexto, do situacional, é determinante, o que reduz 
o valor prescritivo do precedente e obriga a investir em diagnóstico. A capaci-
dade para ler adequadamente cada realidade concreta, com as singularidades e 
matizes que lhe são inerentes, é uma condição do sucesso.
Toda esta complexidade normalmente aumenta nos ambientes públicos 
pelo peso que a dimensão política tem neles. A gestão pública das pessoas é um 
território intrincado, onde é fácil perder-se. Este livro pretende fornecer ele-
mentos de orientação que tornem mais fácil transitar por esse território, mas 
não a qualquer preço. Não quisemos oferecer ao leitor uma viagem organizada, 
daquelas que levam a passar de um ponto a outro através de um itinerário pré-
fi xado, tornando mais cômoda a vida do viajante à custa de selecionar para ele 
umas poucas porções de realidade e apresentá-las superfi cialmente. Optou-se 
de forma deliberada por outro enfoque: aquele que tenta apresentar as coisas 
em toda a sua complexidade, procurando ao mesmo tempo oferecer as pistas 
e referências possíveis para facilitar uma leitura adequada da realidade nos di-
ferentes contextos. Assim, o livro é mais uma bússola ou, quando muito, um 
mapa, uma carta de navegação, que o viajante-leitor deverá usar segundo suas 
circunstâncias e conveniência.
O QUE O LIVRO CONTÉM E COMO FOI ORDENADO
Meu objetivo principal ao empreender a tarefa de escrever este livro era 
apresentar o modelo global de gestão pública das pessoas que venho utilizando 
e aplicando há anos na docência, na pesquisa e na consultoria, para projetar 
depois sobre ele uma análise das principais tendências de mudança que as or-
ganizações do setor público enfrentam em nossos dias. Na hora de fazer isso, 
deparei-me com a necessidade de contextualizar este propósito num quadro 
mais amplo: o da gestão das pessoas no setor público, qualquer que seja a natu-
reza destas, isto é, incluindo entre elas, de modo bem destacado, as empresas e 
organizações do setor privado.
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 18 18Fundap (Mérito e Flexibilidade) 18 18 22/2/2007 09:40:2922/2/2007 09:40:29
19INTRODUÇÃO 
A essa fi nalidade foi dedicado o capítulo 1, cujo objetivo é oferecer uma 
panorama geral, obrigatoriamente sintético, dos aspectos e tendências apre-
sentados pela gestão dos recursos humanos nas sociedades atuais. Para chegar 
a esse ponto, foi necessário abordar primeiro uma série de mudanças cuja na-
tureza, de algum modo, faz com que precedam a gestão como tal; nos últimos 
anos elas transformaram substancialmente o universo do trabalho humano, 
tanto em sua dimensão formal como nos elementos intangíveis que fazem par-
te da relação de emprego. Portanto, em linhas gerais, descrevemos esse cenário 
cheio de paradoxos e claros-escuros, para, a partir dele, explorar as principais 
orientações que podem ser reconhecidas como tendências de fundo de nossa 
época, tanto na literatura da gestão como na prática empresarial. A noção de 
fl exibilidade, característica das abordagens contemporâneas à gestão das pes-
soas, aparece aqui pela primeira vez e nos acompanhará ao longo de todo nos-
so percurso posterior.
A introdução a esses conteúdos nos obrigava, por sua vez, a entrar na 
exploração do que o emprego público tem de específi co. A pergunta é: em que 
se apóiam, na realidade, os aspectos singulares, as diferenças que fazem com 
que as mudanças e as orientações de gestão mencionadas no primeiro capítu-
lo cheguem de forma distinta ou matizada às organizações do setor público? 
Desta questão vamos nos ocupar no capítulo 2, que apresenta e desenvolvea 
noção de função pública (tratada expressamente como sinônimo de “serviço 
civil”, termo mais usado em certas latitudes). Elucidar o que é e o que não é 
função pública nos parecia imprescindível para precisar até que ponto a gestão 
do emprego público e das pessoas que o integram deve ser entendida como um 
território singular.
É aqui que aparece e é desenvolvida a idéia do mérito e da necessida-
de de garanti-lo para tornar possível a existência de administrações profi ssio-
nais. O profi ssionalismo da administração pública é um atributo exigido tanto 
pela segurança jurídica como pela efi cácia dos serviços públicos, e requer um 
conjunto de arranjos institucionais que a preservem e a protejam. Determinar 
onde termina neles a proteção dos bens de interesse geral e onde começa a dos 
privilégios corporativos dos funcionários será uma questão que teremos que 
elucidar em cada caso. Nesse capítulo é examinada a natureza distinta desses 
arranjos em diferentes países e ambientes, e são apresentados assim os traços 
básicos dos diferentes modelos de função pública.
Este parecia o ponto adequado para expor o modelo de gestão que esta-
mos propondo. A isso dedicamos o capítulo 3. Nele, defi nimos a gestão dos 
recursos humanos como um sistema integrado, colocado a serviço da estraté-
gia organizacional, cujo objetivo é produzir resultados que estejam de acordo 
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 19 19Fundap (Mérito e Flexibilidade) 19 19 22/2/2007 09:40:2922/2/2007 09:40:29
20 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
com ela. Conseguir essa sintonia estratégica é particularmente complicado nos 
ambientes públicos, cujas características de ambigüidade e instabilidade con-
duzem ao “dilema da estratégia”, que abordamos neste ponto – e que constitui 
sem dúvida o principal obstáculo que o gestor público encontra em sua tarefa.
Por outro lado, falar de resultados obriga-nos a precisar primeiro o alcan-
ce da noção e a explorar depois os elementos que relacionam as pessoas com os 
resultados. As políticas e práticas de gestão das pessoas produzem resultados 
graças a seu impacto sobre duas variáveis principais: o dimensionamento dos 
recursos humanos, de um lado, e o comportamento dos indivíduos, de outro. 
Por sua vez, a infl uência sobre esta segunda variável – a conduta das pessoas no 
trabalho – se desenvolve por meio da gestão de dois fatores básicos: as compe-
tências das pessoas e sua vontade de esforço ou motivação. São desenvolvidas 
nesse capítulo todas estas noções, inseridas nos cenários característicos da ges-
tão pública, e, por último, são descritos, também a partir dessa perspectiva, os 
principais fatores situacionais que exercem infl uência em tudo isso.
A apresentação do modelo continua no capítulo 4, que o desenvolve por 
meio da apresentação de sete subsistemas básicos: os de planejamento, organi-
zação do trabalho, gestão do emprego, desempenho, compensação, desenvol-
vimento e relações humanas e sociais. Foi acrescentada uma parte dedicada à 
organização da função de recursos humanos. Para cada um desses subsistemas, 
descreve-se em primeiro lugar seu objetivo ou fi nalidade fundamental, e de-
pois detalham-se as relações existentes com os demais subsistemas, seguindo 
a orientação integrada à que fi zemos referência. A seguir, identifi cam-se os 
processos e práticas nos quais eles se desdobram para alcançar suas fi nalidades. 
Foi incorporada para cada subsistema uma relação de pontos críticos, enuncia-
dos como proposições de boa prática em cada um dos campos abordados, que 
pode ser utilizada como instrumento de comparação na análise e avaliação de 
experiências concretas de gestão. Finalmente, foram incluídas considerações 
específi cas que a análise de cada subsistema deve levar em conta.
Depois de apresentado o modelo de gestão, o passo seguinte é identifi car 
as tendências de mudança que estão sendo produzidas nos sistemas e organi-
zações do setor público de nossa época. As últimas duas décadas foram o cená-
rio de numerosas transformações na gestão pública das pessoas, especialmente 
nos países do mundo desenvolvido. Dessas reformas, cujo alcance e profundi-
dade têm sido bastante desiguais, assim como das dinâmicas abertas por elas, 
ocupamo-nos no capítulo 5. De novo, o lema da fl exibilidade nos aparece aqui 
como um fi o condutor de boa parte das orientações de mudança. Para apresen-
tá-las, começamos descrevendo o diagnóstico que lhes deu fundamento, cujos 
conteúdos se inserem nas orientações próprias do discurso pós-burocrático 
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 20 20Fundap (Mérito e Flexibilidade) 20 20 22/2/2007 09:40:3022/2/2007 09:40:30
21INTRODUÇÃO 
ou gerencialista da chamada “nova gestão pública”. Abordamos depois o sen-
tido das mudanças, detalhando as estruturas e políticas que têm sido objeto 
preferencial das transformações, assim como a direção e o alcance destas nos 
diferentes cenários institucionais, e concluímos com uma série de refl exões a 
título de balanço.
Algumas das mudanças identifi cáveis nas reformas mencionadas conver-
gem para um tema ao qual, por sua especial importância para a gestão pública 
contemporânea, demos um tratamento diferenciado. Trata-se do surgimento, 
desenvolvimento e consolidação da gerência pública ou direção pública pro-
fi ssional. Dedicamos a esse tema o capítulo 6, no qual, depois de descrever o 
fenômeno e seu signifi cado, no contexto das reformas da gestão pública antes 
apontadas, fazemos nosso o modelo de exercício da função dirigente divulga-
do por Mark Moore e seus colegas da Kennedy School de Harvard, e tentamos 
defi nir as bases por meio das quais ele pode ser incorporado ao desenho ins-
titucional dos sistemas públicos. Apresentamos para isso um quadro de res-
ponsabilidade voltado para a direção pública, integrado por quatro elementos 
básicos: um âmbito discricionário, um sistema de controle e prestação de con-
tas, um regime de prêmios e sanções, e um conjunto de valores de referência. 
Abordamos em seguida a nada fácil tentativa de identifi car um espaço dirigen-
te profi ssional, o que nos leva a explorar a delimitação entre cargos políticos e 
dirigentes, para o que propomos um modelo contingente baseado na análise de 
quatro variáveis básicas. O capítulo termina com uma refl exão a respeito das 
áreas nas quais se deveria intervir para alcançar um grau aceitável de institu-
cionalização da gerência pública.
O capítulo 7 e último é dedicado à identifi cação dos principais desafi os 
oferecidos atualmente pela gestão das pessoas nas organizações do setor pú-
blico. Isso obriga a examinar, de saída, uma das situações possíveis: a de uma 
eventual minimização progressiva do emprego público como conseqüência da 
tendência de privatizar a gestão dos serviços públicos, o que sem dúvida tira-
ria importância dos esforços voltados para reformá-lo. Descartada essa opção, 
e argumentada a necessidade decorrente de investir na melhora dos sistemas 
públicos de gestão do emprego e dos recursos humanos, abordam-se alguns 
eixos prioritários de intervenção, ordenados pelos diferentes subsistemas que 
foram descritos anteriormente. Alude-se depois à mudança nas regras do jogo, 
tanto formais como informais, que essas mudanças exigem. Por último, inclui-
se uma parte destinada a explorar os desafi os do futuro, passando em revista 
primeiro as competências que será necessário incorporar e desenvolver nos 
sistemas públicos, para concluir enunciando os temas que estão convocados a 
confi gurar a agenda dos próximos anos.
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 21 21Fundap (Mérito e Flexibilidade) 21 21 22/2/2007 09:40:3022/2/2007 09:40:30
22 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
O livro fi naliza com um breve epílogo para onde convergem dois grandes 
eixos, em torno dos quais se dá a refl exão de fundo, ou seja, os dois atributos 
essenciais que, a nosso ver, devem ser incorporados por qualquer sistema pú-
blico de gestão das pessoas: mérito e fl exibilidade. A idéia que articula esta 
refl exão final é que ambos os componentes devem ser tratados como dois prin-
cípios condutores complementares que, longe de competir entre si, se reforcem 
reciprocamente.
Como ler este livro? Para quem disponha de tempo e interesse, a reco-
mendação é que o faça pela ordem em que acabamos de apresentar o conteúdo. 
Afi nal, é a forma pela qual organizamos nossas idéias e construímos o discurso 
subjacente aos diferentes temas. No entanto, não é a única maneira possível de 
fazê-lo e, portanto, sugerimos outras opções.
O leitor interessado em conhecer imediatamente o marco conceitual em 
que se assenta nossa visão do assunto pode começar a leitura diretamente pelo 
capítulo 3 e completá-la com a do 4. A partir daí, fi ca a seu critério, se desejar, 
selecionar, nos demais capítulos que integram o sumário, aquelas matérias que 
despertem especialmente seu interesse, sem que a ordem em que o faça acarre-
te, a nosso ver, maiores problemas de compreensão.
Por sua vez, os leitores cujo interesse principal prescinda dos aspectos 
mais teóricos e se concentre nas tendências de mudança no emprego público, 
podem começar pelo capítulo 5, continuar com a primeira parte do 6 – a que 
apresenta a eclosão da administração pública – e terminar com o 7. Se dispu-
serem de um pouco de tempo, provavelmente lhes será útil ler antes o primeiro 
capítulo, destinado, como dissemos, a situar as mudanças num contexto mais 
amplo que o do setor público em sentido estrito.
Em todo caso, se um leitor, qualquer que seja a seqüência escolhida, de-
seja aprofundar a noção de mérito, que é, como temos dito, um dos elementos 
básicos de qualquer sistema de gestão pública das pessoas nos estados demo-
cráticos de direito, encontrará no capítulo 2 os modelos conceituais e os argu-
mentos correspondentes.
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 22 22Fundap (Mérito e Flexibilidade) 22 22 22/2/2007 09:40:3022/2/2007 09:40:30
1. A GESTÃO DAS PESSOAS 
NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS
Este primeiro capítulo destina-se a apresentar um panorama geral das 
principais tendências atuais da gestão do emprego e dos recursos humanos. 
O propósito é caracterizar a situação global em que hoje se situa o emprego 
público, cuja gestão constitui a refl exão principal do livro. Os aspectos e as 
orientações aqui descritos pretendem, portanto, servir de referência ou de con-
traponto a esse assunto central. A necessidade de apresentar uma realidade 
multifacetada e complexa num espaço limitado obriga a desenhar este pano de 
fundo com uma técnica de grandes traços, ou seja, a dar prioridade à síntese 
em lugar da profundidade analítica, à concisão em vez da riqueza expositiva. 
Tudo isso priva inevitavelmente o resultado de desenvolvimentos e de matizes 
que teriam exigido uma extensão maior.
A NOVA PREEMINÊNCIA DAS PESSOAS
Entre os numerosos trabalhos que nos últimos anos tratam de interpretar 
as mudanças sociais, tentando vislumbrar o futuro das sociedades e de suas 
organizações, seria difícil encontrar algum que não tenha destacado o valor do 
fator humano. Na nossa época, pelo menos para aqueles que escrevem sobre 
ela, as pessoas importam. Desde a sobrevivência ou o crescimento empresa-
rial até a própria competitividade das nações, os grandes objetivos de qualquer 
projeto coletivo contemporâneo parecem depender em boa medida da correta 
provisão, desenvolvimento e utilização do capital humano. A preeminência das 
pessoas é destacada por abordagens de caráter muito diferente. Os enfoques 
quantitativos costumam colocar ênfase na magnitude do investimento e na ne-
cessidade de garantir taxas de retorno adequadas. As abordagens qualitativas 
sublinham mais a conexão dos recursos humanos com a produção de vanta-
gens competitivas, destacando seu vínculo com o desenvolvimento do conhe-
cimento, a inovação tecnológica e a gestão da complexidade; fatores, todos eles, 
determinantes do sucesso das empresas e das sociedades atuais.
Os livros e revistas de management repercutem esta coincidência e têm 
sido o veículo de uma abundante produção teórica que revalorizou a gestão das 
pessoas, entronizando-a entre as práticas empresariais de valor estratégico. A 
importância do ativo humano tem fundamentado orientações de mudança que 
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 23 23Fundap (Mérito e Flexibilidade) 23 23 22/2/2007 09:40:3022/2/2007 09:40:30
24 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
atravessam a estrutura da empresa em todas as direções. Para cima, aumentan-
do as opções básicas relacionadas com as pessoas no nível das decisões estra-
tégicas. Para os lados, produzindo transferências de responsabilidade a partir 
das unidades especializadas até a linha de comando. Para baixo, por meio de 
processos de delegação (empowerment) destinados a incrementar o poder de 
decisão nos níveis em que se produz a interação com o mercado. Paralelamen-
te, e congruentemente com tudo isso, as políticas de pessoas se orientam para 
a gestão do talento e o compromisso dos indivíduos. Dispor dos melhores a 
cada momento e alinhar seus objetivos vitais com os da empresa passam a ser 
os objetivos centrais.
Sem dúvida, em toda esta explosão há infl uências da moda, como tantas 
vezes ocorre no mundo da gestão empresarial. Com freqüência, as invocações 
retóricas da importância das pessoas maquiam apenas práticas de gestão que as 
desmentem contundentemente. Perto de nós, o número de pessoas em trabalho 
precário e em aposentadoria antecipada e prematura seria uma mostra disso. 
O desperdício desse ativo humano supostamente estratégico é ainda mais evi-
dente nos abundantes exemplos de redução de pessoal ou downsizing que nos 
últimos anos têm proliferado em muitas empresas do mundo desenvolvido.
Freqüentemente, tais processos têm sido menos uma resposta a situações 
de crise, ou medida de estrito saneamento de custos, e mais a conseqüência de 
sucessivas operações de reengenharia destinadas à eliminação de qualquer apa-
rência de gordura, resultante das cifras de pessoal. São fatos que deixam patente 
o sucesso conseguido por uma visão de “empresa fl exível”, que interioriza uma 
obsessão por converter todas as pessoas, e a todo momento, em custo variável. 
A vinculação dos incentivos (compensação, carreira etc.) da alta direção das 
empresas à rentabilidade econômica a curto prazo, característica da fi losofi a de 
gestão que coloca ênfase na “criação de valor para o acionista”, ou a utilização 
de técnicas contábeis EVA (Valor Econômico Agregado), que ponderam nos 
resultados o custo de oportunidade dos ativos fi xos utilizados, criaram nos ges-
tores a tendência a evitar qualquer investimento de caráter estrutural (Cappelli 
e outros, 1997, p. 38 e seguintes.), acentuando assim essas tendências.
Em geral, a tensão entre a visão de médio e de longo prazo exigida pelas 
políticas de recursos humanos e a lógica reativa e a curto prazo com que são 
adotadas habitualmente as decisões nos turbulentos ambientes empresariais de 
nossos dias é uma fonte de difi culdades para aqueles que querem situar as pes-
soas no centro do cenário. Por sua vez, explica porque essa nova preeminência 
das pessoas não é tanto uma característica comum, generalizável às empresas 
atuais, e sim um traço diferenciador daqueles projetos empresariais com autên-
tica vocação de sustentabilidade. Só quando se busca o sucesso a longo prazo é 
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25A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS 
que se está disposto a avaliar adequadamente investimentos que, como ocorre 
com freqüência com os de capital humano, oferecem um retorno consideravel-
mente demorado no tempo.
Ainda mais contraditórias com as alegações de centralidade do capital 
humano são as operações de cirurgia de dotações, cuja fi nalidade é puramen-
te o incremento conjuntural da capitalização na bolsa. Como soube ver Sen-
nett (2000, p. 52), o mero anúncio da reorganização de uma empresa eleva 
o valor da ação.Quando se incluem drásticas reduções de pessoal, a efi cácia 
do fenômeno é ainda maior. O acesso a cotas estratégicas da propriedade 
das empresas por parte de “investidores institucionais” – cujo interesse não 
é promover projetos empresariais sustentáveis mas especular a curto prazo 
nos mercados de capitais – favorece a ampliação do fenômeno. Assim, temos 
observado às vezes, nos últimos anos, como esses anúncios de redução são 
impudicamente divulgados, justamente nas épocas de maior bonança nos re-
sultados empresariais.
De qualquer modo, sem negar o quanto de contraditório tem a situação 
exposta, a centralidade estratégica das pessoas nas organizações contempo-
râneas abre caminho para além da retórica do fashion management e de seu 
aproveitamento por mero interesse. O volume de recursos de diversas origens 
aplicado pelas empresas à gestão dos recursos humanos cresceu signifi cativa-
mente. A posição interna da função de recursos humanos cresceu de nível e 
status organizacional. A consultoria estratégica de recursos humanos tem se 
consolidado como um setor de serviços profi ssionais em alta, para além das 
oscilações conjunturais derivadas do ciclo econômico. Novas práticas de ges-
tão, impregnadas dessa atribuição de valor ao ativo humano, abrem caminho 
na realidade de muitas empresas.
Quais são essas orientações emergentes da gestão das pessoas? Até que 
ponto questionam paradigmas enraizados no funcionamento e na cultura das 
organizações? Antes de tentar um esboço de resposta a estas questões, parece 
necessário examinar algumas mudanças importantes produzidas, ao longo dos 
últimos anos, no mundo do trabalho.
AS MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO
Um conjunto de mudanças de amplo alcance alterou ao longo das duas 
últimas décadas, nas economias e nas sociedades do mundo desenvolvido, o 
contexto do trabalho humano (Bridges, 1995; Giarini e Liedtke, 1996; Brews-
ter e outros, 1997; Cappelli e outros, 1997; Fundación Encuentro, 1998; Pfeff er, 
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 25 25Fundap (Mérito e Flexibilidade) 25 25 22/2/2007 09:40:3022/2/2007 09:40:30
26 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
1998b; Navarro, 1999; Sennett, 2000; Beynon e outros, 2002). São transforma-
ções que não advêm, no entanto, de uma causa única. O vertiginoso desen-
volvimento tecnológico, especialmente o produzido no campo da informação 
e das comunicações, mas também aquele que afetou a biogenética e as fontes 
energéticas, tem sido sem dúvida um dos fatores decisivos. A mundialização 
dos intercâmbios de toda ordem, a maciça incorporação das mulheres ao tra-
balho, assim como a crise dos valores da modernidade, que desde a revolução 
industrial e durante muitas décadas formaram o substrato cultural das empre-
sas e das sociedades, são também fatores poderosos de mudança, amplamente 
destacados pela literatura sociológica contemporânea.
As transformações às quais nos referimos afetaram tanto a estrutura das 
relações no ambiente de trabalho (entendendo como tal o conjunto de elemen-
tos formais ou formalizáveis dessas relações), como a cultura subjacente, isto é, 
os aspectos intangíveis: modelos mentais, valores dominantes, normas de con-
duta etc. São mudanças de amplo espectro, que afetam as formas pelas quais as 
pessoas têm acesso ao mercado de trabalho, a sua experiência sobre o processo 
de trabalho e suas expectativas sobre segurança no emprego (Beynon e outros, 
2002, p. 297). Enunciamos a seguir alguns dos aspectos que nos parecem mais 
destacáveis.
O contrato de trabalho: em direção ao fi m do taylorismo
A uniformidade e padronização que caracterizava a relação de emprego 
da era industrial tornou-se em nossos dias diversidade e fl exibilidade. Os pro-
dutos ou serviços podem ser produzidos e distribuídos através de redes globais 
(Giarini e Liedtke, 1996, p. 194), o que criou uma tendência à redefi nição e 
descentralização do lugar de trabalho. Os desenhos empresariais na rede esti-
mulam o surgimento de novas modalidades de articulação das relações entre a 
organização e o trabalhador. O trabalho itinerante ou a distância abre caminho 
como uma fórmula que pode ser útil para ambas as partes. A redução de custos 
empresariais em infra-estrutura e espaço físico combina-se, para o trabalha-
dor, com a disponibilidade fl exível do próprio tempo, tão conveniente para os 
novos modelos de vida pessoal e familiar.
Freqüentemente, essa remodelação do tecido contratual se fundamenta 
numa distinção entre trabalhadores essenciais, os que são vitais para produzir 
a vantagem competitiva a longo prazo e a sobrevivência da organização, e que 
portanto devem estar permanentemente empregados; e trabalhadores periféri-
cos, aqueles cujos postos são menos importantes para a empresa e cujas habi-
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 26 26Fundap (Mérito e Flexibilidade) 26 26 22/2/2007 09:40:3022/2/2007 09:40:30
27A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS 
lidades podem ser compradas com maior facilidade externamente (Hegewish, 
1999, p. 115), o que os sujeita com freqüência a políticas de alta rotatividade.
Como conseqüência de tudo isso, o binômio dependência/autonomia do 
trabalho por conta alheia começa a ser conjugado de formas muito diversas. 
Múltiplos tipos de relação de emprego, nos quais os mecanismos de prestação e 
contraprestação se diversifi cam, substituem o contrato de trabalho tradicional. 
Os contornos dessas relações se esfumam e dão lugar a fi guras – o trabalhador 
autônomo, o emprego em tempo parcial, o trabalhador designado através de 
uma empresa de trabalho temporário, o consultor de processos – que coexis-
tem no ambiente de trabalho com os empregados que mantêm relações formais 
mais convencionais. O diretor de recursos humanos de nossos dias começa a 
não saber com clareza quem deve ser convidado para a festinha de fi m de ano.
O enfraquecimento do emprego estável
Esse novo contrato de trabalho tende a perder uma parte considerável 
da estabilidade que o caracterizava. As conseqüências deste fato são de grande 
importância. Para compreender todo o seu alcance, é preciso recorrer à noção 
de “contrato psicológico”, entendido como o equilíbrio intangível subjacente à 
articulação formal da relação de emprego, e que se materializa no conjunto de 
percepções tácitas que são interiorizadas pelas partes dessa relação.
O contrato psicológico subjacente à relação de trabalho da era industrial 
podia ser esquematizado como “lealdade em troca de segurança”. O trabalha-
dor entregava seu esforço e se comprometia com os interesses e objetivos de 
sua empresa, que em contrapartida lhe assegurava trabalho estável e perspecti-
vas de progresso profi ssional. Certamente, esse esquema básico admitia modu-
lações em função do tipo e da cultura da empresa, que acentuavam ou diluíam 
o substrato paternalista do modelo, mas o núcleo deste podia ser considerado 
comum. A aspiração do trabalhador era encontrar “uma boa empresa”, ou seja, 
aquela que mais se ajustava ao padrão defi nido. Por sua vez, o empregador se 
esforçava por estimular no trabalhador o sentido de pertinência que caracteri-
za uma relação deste tipo.
Em nossos dias, esse edifício contratual desabou estrepitosamente. O 
trabalho para toda a vida praticamente desapareceu do horizonte de nossos 
trabalhadores, em especial dos mais jovens. A expectativa temporária de uma 
vida de trabalho se torna muito mais duradoura que o primeiro posto de tra-
balho, e provavelmente mais que a própria empresa na qual se encontra o 
primeiro emprego. O ajuste entre a pessoa e o emprego se descentraliza, passa 
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 27 27Fundap (Mérito e Flexibilidade) 27 27 22/2/2007 09:40:3122/2/2007 09:40:31
28 MÉRITO E FLEXIBILIDADE
a ser uma responsabilidade transferida exclusivamente ao indivíduo. Já se fo-
ram os dias – afi rma Supiot (2001) – em que as organizações empregadoras 
aceitavam de bom grado que, como compensação por assumir o controle e 
a direção da vida das pessoas, elas deviamassumir alguma responsabilidade 
sobre o emprego futuro e a segurança salarial de seus empregados. As pessoas 
encaram o trabalho, cada vez mais solitariamente, como um itinerário no qual 
a mudança de empregador será inevitável, o que provavelmente implicará ad-
ministrar várias vezes, no percurso, processos de ajuste que terão o mercado 
de trabalho como cenário.
O conceito que para alguns (Waterman e outros, 2000, p. 403) simbo-
liza a nova relação, e redefi ne o contrato psicológico entre as organizações e 
seus empregados é o de empregabilidade, que signifi ca (Pfeff er, 1998b, p. 162) 
que as empresas proporcionam trabalhos interessantes que ajudarão o traba-
lhador a desenvolver sua capacidade, mas não prometem uma permanência 
a longo prazo no posto. Em seu lugar, a única promessa é que a experiência e 
as habilidades adquiridas irão abrir-lhe melhores possibilidades de encontrar 
emprego quando tiver necessidade de um novo. Como afi rma Bridges (1995, 
p. 76), nessa nova relação a esfera do posto de trabalho, de ambos os lados da 
fronteira da organização, converte-se num mercado; manter alto seu valor de 
mercado será uma preocupação fundamental do trabalhador nos cenários do 
futuro. As “boas empresas” de nossos dias não seriam já as que prometem uma 
estabilidade que não está ao seu alcance, mas aquelas que garantem a manu-
tenção e o desenvolvimento de uma alta empregabilidade, ou que pelo menos 
facilitam, caso necessário, a recolocação de seus empregados excedentes, utili-
zando para isso os numerosos serviços de outplacement que começaram a ser 
oferecidos pela consultoria de recursos humanos. A capacidade de adquirir 
novos conhecimentos e habilidades será um ingrediente básico da emprega-
bilidade. Processos contínuos de aprendizagem e desaprendizagem serão, por 
isso, consubstanciais em tais cenários.
Do homo faber ao homo sapiens
A entrada na sociedade do conhecimento pressupôs a conversão do ta-
lento das pessoas num ativo crucial para as organizações (Obeso, 1999, p. 23 
e seguintes). Este fato implica, por um lado, uma perda de peso do trabalho 
menos qualifi cado, que tende a mecanizar-se ou a ser providenciado fora. Por 
outro lado, tornou prioritária a captação e o desenvolvimento de trabalhadores 
qualifi cados, freqüentemente portadores da vantagem competitiva, cuja gestão 
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exige formas e métodos muito diferentes dos que têm caracterizado as buro-
cracias empresariais da era industrial. A capacidade de atrair, reter e motivar o 
talento impõe-se como um fator diferenciador da gestão contemporânea dos 
recursos humanos. A construção de uma boa “marca de empregador” con-
centra já os esforços daquelas empresas que perceberam que é necessário ser 
competitiva no mercado do trabalho qualifi cado para sê-lo também naquele 
mercado para o qual produzem seus bens ou serviços.
O que acabamos de dizer não pode nos levar a ignorar, se não quere-
mos incorrer numa evidente simplifi cação da realidade, a existência de nu-
tridos mercados periféricos de trabalho, nos quais se realizam as transações 
que afetam a mão-de-obra de inferior qualifi cação. A necessidade de gerenciar 
adequadamente tanto a relação com esses mercados como as pessoas que nu-
trem esse segmento dos recursos humanos não pode ser ignorada. Esquecer 
dos “normais” – lembra Serlavós (1996, p. 10) –, sobre os quais descansa a res-
ponsabilidade de assegurar e dar continuidade aos “primeiros da classe”, é um 
erro pelo qual os gestores de pessoas costumam pagar muito caro.
Por isso, a idéia, amplamente difundida e divulgada, de que as empresas 
começaram a travar uma “guerra pelo talento”, não está isenta de contestações. 
Pfeff er (2001, p. 249 e seguintes) chama atenção para elas, destacando os se-
guintes possíveis efeitos negativos dessa orientação: a) a ênfase no rendimento 
individual (glorifi car as “estrelas”) pode criar concorrência interna destrutiva 
e enfraquecer o trabalho de equipe; b) exaltar os talentos dos de fora pode su-
bestimar os de dentro; c) pode produzir um efeito de profecia auto-cumprida, 
conseguindo fazer com que certas pessoas cheguem a ser menos capazes de-
pois de terem recebido sistematicamente menos atenção e recursos; d) tende a 
minimizar a importância das questões de ordem sistêmica e cultural e dos pro-
cessos empresariais freqüentemente mais importantes para o sucesso do que 
o fato de encontrar o melhor, e e) pode desenvolver uma atitude arrogante e 
auto-satisfeita (já ganhamos a guerra, o melhor pessoal é o nosso) que deteriore 
signifi cativamente a capacidade de percepção objetiva da própria organização.
De qualquer modo, é indiscutível a afi rmação de que em nossa época 
o talento das pessoas conta. Especialmente se não limitarmos nossa visão do 
talento à mera posse de conhecimento. O verdadeiro homo sapiens de nossos 
dias é aquele que, além de possuir conhecimento, dispõe da capacidade para 
contextualizá-lo, recriá-lo, aplicá-lo, codifi cá-lo, difundi-lo e compartilhá-lo. 
O que nos leva a um paradoxo, mais um, num universo como o do trabalho 
contemporâneo, repleto deles: nunca o conhecimento foi tão importante como 
hoje, e nunca como hoje, por contraditório que possa parecer, os componentes 
propriamente cognitivos do talento humano precisam ser, no entanto, mati-
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zados e relativizados. Os conhecimentos devem estar vinculados à posse de 
qualidades sem as quais não produzem sucesso no trabalho. Como veremos a 
seguir, nas situações de trabalho atuais a noção de qualifi cação se enriquece, 
deixa de identifi car-se com os conhecimento técnicos especializados e se es-
tende (Dalziel, 1996, p. 32 e seguintes) a um conjunto mais amplo de compe-
tências, no qual outras características humanas, especialmente as que possuem 
uma dimensão relacional, adquirem, cada vez mais, um signifi cado determi-
nante (Longo, 2002).
Os paradoxos de um mercado de trabalho global
Os países europeus têm vivido nos últimos anos um crescimento signifi -
cativo do desemprego, que se converteu na principal preocupação dos governos 
(Conselho Europeu, 1997). Alguns países, dos quais a França é o exemplo mais 
destacado, desenvolveram planos nos quais o setor público desempenhava um 
papel relevante nos processos de aprendizagem e inserção no trabalho, ligados 
a novas oportunidades de emprego. Ainda hoje, na Espanha, o desemprego é, 
de longe, como revelam as pesquisas, a principal preocupação dos cidadãos.
Paralelamente, e de modo paradoxal, o crescimento da demanda de em-
pregados qualifi cados excedeu, às vezes muito, a capacidade do mercado de 
trabalho para provê-los. A crise generalizada dos sistemas educacionais acen-
tuou esse desajuste que, embora tenha afetado principalmente os trabalhadores 
do conhecimento, acabou estendendo-se a setores de qualifi cação média da 
indústria e dos serviços, insufi cientemente nutridos pelos sistemas regrados 
de educação profi ssional. Estudos recentes (Jiménez e outros, 2002) prognosti-
cam para a Espanha, em poucos anos, como conseqüência principalmente da 
queda demográfi ca, um excedente de postos de trabalho oferecidos em todos 
os setores da atividade econômica. Se isso for certo, estaríamos, por contra-
ditório que possa parecer em relação ao quadro atual, diante de uma situação 
iminente de endurecimento da concorrência entre as empresas no mercado 
de trabalho, especialmente no que se refere, como já dissemos, à captação de 
pessoal qualifi cado.
Esta concorrência se desenvolve num mercado cada vez mais global, o 
que acentua seus aspectos mais paradoxais. Embora em alguns casos vejamos 
um acirramento, como apontávamos, da concorrência entre empregadores 
pela captação e retenção de talento, emoutros – onde a interface entre tarefas 
e qualifi cações o permite – o que fi ca acirrado é a concorrência entre países e 
territórios pela captação das empresas, utilizando o custo do trabalho como 
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elemento diferenciador. As práticas do que vem sendo chamado de dumping 
social (manutenção de salários baixos e condições de trabalho precárias para 
atrair investimentos) e os processos de “des-localização” de empresas (mudan-
ças de sedes e de pessoal, à procura de custos de trabalho mais baixos) são fe-
nômenos característicos dessas situações. Alguns especialistas têm destacado o 
efeito de tudo isso sobre o recorte dos direitos trabalhistas e o enfraquecimento 
da posição dos sindicatos (Giarini e Liedtke, 1996, p. 223).
A reordenação do tempo de trabalho
A dimensão temporal do emprego passou para o centro do cenário, re-
estruturando as relações de trabalho (Supiot, 2001). No contexto empresarial 
fala-se de um novo sistema de concorrência centrado na economia do tempo, 
que leva em conta o tempo empregado para produzir bens, para inovar e para 
comercializar novos produtos e serviços (Beynon e outros, 2002, p. 122).
A importância do tempo de trabalho vem se fundamentando num conjun-
to de dinâmicas diferentes, e nem sempre interrelacionadas, que afetam tanto o 
sistema produtivo como o sistema social. Por um lado, os novos ambientes da 
empresa vêm exigindo, cada vez mais, uma capacidade fl exível de resposta que 
as regulações padronizadas da jornada de trabalho não facilitam (Brewster e 
outros, 1997). As jornadas anualizadas – os contratos fazem constar um núme-
ro anual de horas de trabalho, permitindo certas fl utuações no horário mensal 
ou semanal para adaptar-se aos fl uxos de demanda, estoques etc. –, as reservas 
de horas para trabalho imprevisto ou sazonal, a compensação de horas extras 
por tempo livre ou simplesmente o prolongamento não remunerado da jorna-
da de trabalho – a mais comum e freqüentemente esquecida (Hegewish, 1999, 
p. 125) das modalidades de fl exibilidade temporária – têm sido, entre outras, as 
fórmulas cada vez mais utilizadas nessa direção. Por sua vez, a reordenação do 
tempo de trabalho abriu caminho para melhoras de produtividade que funda-
mentaram algumas tentativas de redução da jornada de trabalho, nos moldes 
das políticas públicas de luta contra o desemprego. Um modelo de novo pacto 
social chegou a desenhar-se em torno da organização de tempo de trabalho. A 
França foi o país que apostou mais forte nisso, embora as mudanças políticas 
tenham levado a uma certa reconsideração da iniciativa.
Os processos de mudança neste campo foram acelerados, por outro lado, 
por fenômenos como a maciça incorporação da mulher ao trabalho, ou as ne-
cessidades, que têm aumentado, de conciliar o trabalho com a vida pessoal e 
familiar, que estimularam modalidades de trabalho em tempo parcial, a dis-
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tância, e outras (Fundación Encuentro, 1998, p. 174; Giarini e Liedtke, 1996, 
p. 236 e seguintes). Esta não foi, no entanto, uma tarefa fácil. Para alguns es-
pecialistas, os trabalhadores devem se esforçar hoje mais por conservar seus 
empregos e por manter seu próprio tempo privado e familiar separado daquele 
que oferecem ao seu empregador (Perrons, 1998). Por sua vez, Sennett (2000, 
p. 61) destacou o caráter contraditório da fl exibilização do tempo de trabalho, 
aparentemente desenvolvido de forma mais livre, mas igualmente controlado, 
embora de forma diferente: “Nas instituições, e para os indivíduos, o tempo 
foi liberado da jaula de ferro do passado, mas está sujeito a novos controles e a 
uma nova vigilância vertical”.
Tudo isso levou, nesse terreno, a processos de ajuste, nem sempre fáceis, 
entre as necessidades empresariais e as preferência pessoais dos trabalhadores, 
cujo resultado tem sido, em geral, uma ampla diversifi cação e fl exibilização dos 
modelos de jornada, que perderam uma boa parte da uniformidade e imuta-
bilidade que caracterizava a ordenação dos tempos de trabalho nas empresas 
da era industrial.
A empresa diversa, multicultural e individualizada
A globalização rompe as barreiras e intensifi ca os movimentos da força de 
trabalho através das fronteiras nacionais. Esta intensifi cação dos fenômenos mi-
gratórios está transformando aspectos substanciais das sociedades contemporâ-
neas, especialmente no primeiro mundo. A plena incorporação das mulheres ao 
trabalho se une ao surgimento de minorias sociais em atividades produtivas que 
antes lhes eram vedadas. Numerosas e diferentes identidades grupais coabitam 
nos mesmos ambientes de trabalho. A Divisão de Assuntos Econômicos e So-
ciais das Nações Unidas inclui, na noção de diversidade social na esfera do tra-
balho, as diferenças de gênero, raça, etnia, religião, orientação sexual e aptidão 
psicofísica, assim como as que emanam do substrato e dos status familiar, eco-
nômico, educacional e geográfi co (Undesa-IIAS, 2001, p. 1). Certamente, não 
estamos mais falando apenas de fatos que afetam os níveis baixos da estrutura 
de tarefas das organizações, mas que começam a apresentar, como é inevitável 
num mundo globalizado, traços que se introduzem na gestão de profi ssionais e 
dirigentes e que atravessam toda a organização do trabalho.
Estas situações transferem para a gestão das pessoas novas perguntas, a 
saber: como minimizar os aspectos negativos da diversidade sobre a capaci-
dade dos grupos humanos para satisfazer as necessidades de seus membros e 
funcionar com efi cácia? Como, paralelamente, maximizar os efeitos positivos 
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da diversidade sobre a criatividade, a qualidade das decisões e a maior partici-
pação na governabilidade organizacional? Como reduzir as diferenças entre os 
grupos de identidade concorrentes no lugar de trabalho e destacar os interesses 
comuns, ao mesmo tempo em que se avaliam e se apreciam as contribuições 
originadas justamente da diversidade social? Como assegurar uma adaptação 
rápida e sufi ciente das políticas e práticas de pessoal a fi m de garantir que o tra-
balho se converta num ambiente acolhedor para empregados que no passado 
fi cavam excluídos? (Ospina, 2001, p. 21).
A gestão da diversidade passa a converter-se assim num imperativo orga-
nizacional e num novo desafi o para os gestores. Por sua vez, incorpora novas 
oportunidades, que não devem ser ignoradas. A fl exibilidade funcional exigi-
da pela empresa atual, como assinalaremos mais adiante, requer a diversidade 
funcional, ou seja, a diversifi cação de características humanas relevantes para 
o desempenho, tais como as diferenças em conhecimentos, habilidades, capa-
cidades, valores, atitudes, personalidade e estilos cognitivos e de conduta. Pois 
bem, alguns especialistas têm destacado que a diversidade funcional se nutre 
em boa medida da diversidade social, enquanto a resistência a admiti-lo reduz 
as oportunidades de encontrar as pessoas mais adequadas no momento devido 
(Schneider e Northcraft , 1999).
Trata-se de fenômenos que, como outros que temos apontado, não só 
requerem uma atenção específi ca e o desenvolvimento de um instrumental 
de gestão ad hoc, como, principalmente, uma mudança de modelos mentais. 
Provavelmente, a própria noção de identidade grupal começa a fi car para nós 
insufi ciente para explicar a verdadeira diversidade da empresa contemporânea. 
A expressão “empresa individualizada” (Ghoshal e Bartlett, 1997) fala-nos de 
um passo a mais: o necessário para destacar o indivíduo como o verdadeiro 
protagonista da diversidade no trabalho. No fundo,o que está acontecendo é 
que o trabalho humano deve começar a ser visto como um território povoa-
do por pessoas, cada uma das quais – sem prejuízo das múltiplas identidades 
de grupo, freqüentemente assimétricas e sobrepostas, e dos aspectos comuns 
que as assemelham em certas coisas – apresenta características próprias. Cada 
trabalhador expressa interesses e preferências que se desprendem especifi ca-
mente dessa individualidade. Podemos colocar isso da seguinte forma, embora 
soe redundante: as organizações de nossos dias necessitam cada vez mais de 
uma gestão personalizada das pessoas. Talvez a biogenética resolva um dia o 
problema da diversidade da força de trabalho, mas por enquanto o mundo do 
trabalho se tornou cada vez mais fl uido, paradoxal, fragmentado, heterogêneo; 
e sua gestão, forçosamente, tende a se tornar cada vez mais fl exível, individua-
lizada e complexa.
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AS NOVAS ORIENTAÇÕES DA GESTÃO DAS PESSOAS
Agora, sim, é o momento de nós nos perguntarmos sobre a infl uência 
de todas estas mudanças nas convicções e nas tendências que caracterizam 
a gestão contemporânea das pessoas. Trata-se de uma pergunta que não tem 
resposta fácil. Não existe atualmente um modelo indiscutível, um paradigma 
dominante ao qual possamos nos referir; pelo contrário, a teoria da gestão de 
recursos humanos apresenta a aparência de um fórum ou ágora na qual se en-
trecruzam debates e propostas de feição diferente. Apesar de tudo, é possível, 
sim, apontar para algumas tendências que, pela intensidade e extensão com 
que parecem estar infl uenciando as práticas reais das organizações, podem ser 
vistas como enfoques que transcendem as modas do management e merecem 
por isso ser consideradas como orientações de fundo no período em que vive-
mos. Vamos a seguir apontá-las de modo breve e sistemático, advertindo que 
não se tratam de enfoques antagônicos, mas freqüentemente complementares, 
embora não isentos de certos elementos contraditórios. A forma pela qual os 
apresentamos obedece à pretensão de introduzir uma sistemática que facilite a 
leitura, mas não implica desconhecer as abundantes inter-relações e sobrepo-
sições que existem entre eles.
O lema da fl exibilidade
Se uma única palavra pudesse servir como lema das orientações contem-
porâneas do emprego e dos recursos humanos, e isso tanto na literatura sobre 
gestão como nos ambientes acadêmicos e empresariais, essa palavra seria sem 
dúvida “fl exibilidade”. Flexibilidade é um termo carregado de signifi cados pos-
síveis que, como costuma ocorrer, entram às vezes em confl ito. Vale a pena, por 
isso, fazer um esforço para esclarecer de que coisa, ou melhor, de que coisas 
estamos falando quando o utilizamos neste campo.
O debate contemporâneo sobre a fl exibilidade no trabalho inicia-se na 
Europa no fi nal da década de 1970 e no início da de 1980 (Farnham e Horton, 
2000, p. 7), ligado a um conjunto de fatos sociais entre os quais se encon-
tram: 1) a mudança nos mercados mundiais e o incremento da concorrência 
global; 2) a mudança tecnológica, especialmente a registrada no campo da 
informação e das comunicações; 3) a volatilidade dos mercados de produto; 
4) o desemprego crescente, e 5) o trânsito da economia industrial para a cha-
mada era pós-industrial. São cenários que afetam diversos atores sociais, em 
torno de um conjunto de questões como a educação e a formação continuada, 
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a legislação social, os sistemas salariais, a jornada de trabalho, a igualdade de 
oportunidades e a fl exibilidade das organizações de serviço público (Comis-
são Européia, 1997).
O paradigma da “empresa fl exível” (Atkinson e Meager, 1986, p. 2-11), 
supostamente capaz de fazer frente ao conjunto de desafi os que derivam de tais 
cenários, incorpora diversos tipos de fl exibilidade no que se refere à gestão dos 
recursos humanos.
A fl exibilidade numérica, defi nida como a capacidade das companhias para 
ajustar o número de trabalhadores ou de horas de trabalho às mudanças 
ocorridas na demanda.
A fl exibilidade funcional, ou capacidade de reorganizar as competências 
associadas aos empregos, de maneira que os titulares dos postos possam 
desenvolvê-las através de um leque de tarefas ampliado horizontalmente, 
verticalmente ou em ambos os sentidos.
O “distanciamento”, concebido como a substituição de contratos de trabalho 
por contratos mercantis ou pela subcontratação, a fi m de concentrar a orga-
nização na vantagem competitiva ou encontrar fórmulas menos onerosas de 
administrar as atividades não nucleares.
A fl exibilidade salarial, que se identifi ca com a capacidade da empresa para 
conseguir que suas estruturas de retribuição estimulem a fl exibilidade fun-
cional, se revelem competitivas no que respeita às competências mais escas-
sas no mercado de trabalho e recompensem o esforço e desempenho indi-
vidual dos empregados.
Implícitas neste conjunto de enunciados (em sentido similar, Institute of 
Personnel and Development, 1994), encontramos duas visões da fl exibilidade, 
presentes, em doses variáveis, nos processos e discursos de mudança dos siste-
mas de gestão das pessoas. Embora não se tratem, em sentido estrito, de visões 
reciprocamente excludentes, elas costumam corresponder aos enfoques domi-
nantes de gestão adotados em cada caso.
A primeira dessas visões da fl exibilidade ancora-se numa percepção do-
minante das pessoas como restrição e se centra na redução dos custos de pes-
soal. Ela combina com os discursos empresarias da reengenharia, da redução 
de pessoal (downsizing), das competências-chave e da empresa em rede, e se 
orienta principalmente para a detecção e eliminação de excedentes e para a 
conversão dos custos de pessoal, fi xos em variáveis. A segunda visão tende a 
perceber as pessoas mais como oportunidade, e coloca a ênfase na fl exibilida-
de da Gestão de Recursos Humanos (GRH) como apoio à criação de valor por 
parte das pessoas. Sintoniza-se com os discursos empresariais da qualidade 
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total (Fundação Européia para a Gestão da Qualidade, 1999), do nivelamento 
de estruturas e da promoção de autonomia pessoal para decidir (empower-
ment), ou com as práticas de alto desempenho (Pfeff er, 1998b, p. 44 e seguin-
tes), e se orienta principalmente para a melhora qualitativa das políticas de 
recursos humanos, especialmente das mais relacionadas com o envolvimento 
e o compromisso das pessoas. Em sentido análogo, faz-se distinção entre uma 
gestão de recursos humanos “dura”, caracterizada por uma aproximação mais 
instrumental e uma ênfase clara na minimização dos custos, e uma “bran-
da”, integrada pelo conjunto de políticas destinadas a maximizar a integração 
organizacional, o compromisso dos empregados e a qualidade do trabalho 
(Storey, 1995).
Sob um prisma diferente, o das preferências e expectativas dos atores em 
jogo, outras duas visões são possíveis e necessárias (Ridley, 2000, p. 33). De um 
lado, do ponto de vista dos interesses das organizações, a fl exibilidade se rela-
ciona com os mecanismos por meio dos quais se consegue que as estruturas 
organizacionais, os processos de trabalho e as práticas de pessoal incrementem 
o controle dos gestores sobre os recursos humanos. De outro, a partir da pers-
pectiva das pessoas, a fl exibilidade tem a ver com as mudanças que habilitam 
os trabalhadores a exercer maior controle sobre suas vidas, como ocorre, para 
citar um só exemplo, com a relação entre a maternidade e o uso do emprego 
em tempo parcial.
Levando em conta esta ambivalência, afi rmou-se que o desenvolvimento

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