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Geografia e Ensino_ 2 Por dentro dos documentos oficiais nacionais em geografia

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13/04/24, 05:34 Geografia e Ensino: 2. Por dentro dos documentos oficiais nacionais em geografia
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Uma crítica frequente aos documentos curriculares de geografia, nos diversos níveis políticos (União, estado e município) é a falta de
continuidade, que mais expressam políticas de governos, que se extinguem ao final dos mandatos: em um novo documento dificilmente
reconhecemos o caminho trilhado na experiência que o antecedeu, há até mesmo retrocessos, como concepções de geografia que julgamos
ultrapassada e que retornam legitimadas em novos currículos.
É preciso, portanto, observar os aspectos essenciais desses documentos a fim de depreender que concepções de geografia estão presentes.
 
2.1. SÉRIES FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Nos PCN do ensino médio há um excelente resumo da função da geografia no ensino fundamental:
No Ensino Fundamental, o papel da Geografia é “alfabetizar” o aluno espacialmente em suas diversas escalas e configurações,
dando-lhe suficiente capacitação para manipular noções de paisagem, espaço, natureza, Estado e sociedade. 
PCN, ensino médio, parte IV – Ciências Humanas e suas Tecnologias, p. 30.
Observe que não se está propondo o ensino desses conceitos e noções, mas, sim, que os estudantes possam manipulá-los em leituras espaciais
do mundo. Isso implica que o professor conheça e saiba operacionalizar tais noções e conceitos.
No entanto, as pesquisas pedagógicas têm mostrado, vivamente, a distância que existe entre as intenções expressas nos documentos curriculares
e a sua aplicação. Nos documentos de geografia para o ensino fundamental encontramos profunda distância entre o que se propõe e o que se
tem de práticas consolidadas na escola. A descrição e a sobreposição de informações de diversos temas físicos e sociais são preponderantes nos
currículos reais das escolas, principalmente do 4º ao 9º ano.
Pesquisas acadêmicas e debates nas associações de geografia indicam a preponderância de abordagens geográficas nas quais o espaço
geográfico é pensado de forma fragmentada, pouco articulando os processos naturais e sociais. Nessa visão de mundo, a descrição dos
fenômenos sobressaem-se, suplantando a explicação de como eles interagem no processo de formação dos espaços em suas diversas escalas.
O movimento de elaboração de uma proposta curricular não corresponde completamente à construção do currículo. De fato, essa é uma etapa
curta nesse processo, que ganha sentido no fazer pedagógico. Para isso, deve-se evitar o trânsito quase unidirecional de ideias e formulações:
um grupo de acadêmicos elabora uma proposta e ela é difundida pelas redes de ensino nas escolas – os órgãos centrais enviam orientações e
esperam que os professores e a equipe escolar possam desenvolvê-las, ou seja, as ideias seguem essa direção única.
Os documentos curriculares nacionais apontam para a necessidade de os professores se apropriarem dos conceitos-chave da geografia e
mobilizarem-nos com seus alunos em leituras espaciais por meio das quais os alunos podem ser “espacialmente alfabetizados”.
 
2.1.1 A BASE NACIONAL COMUM
De acordo com o projeto apresentado pelo Ministério da Educação, o texto da base nacional comum oferecerá indicações de objetivos de
aprendizagem que devem ocupar cerca de 60% do currículo escolar, reservando 40% para as diversidades locais e regionais. Há nessa formulação
alguns equívocos próprios da organização de um currículo escolar, como a ideia de que haveria uma correlação entre um objetivo de
aprendizagem e as situações a serem criadas em sala de aula para atingi-lo. Vejamos um exemplo:
(EF08GE01)
Conceituar Estado, nação, território, governo e país, para o entendimento de conflitos, tensões, organizações e blocos
internacionais.
Base nacional comum curricular, 2 versão, abr. 2016, p. 471.
Espera-se, em linhas gerais, que o aluno seja capaz de elaborar uma definição para esses conceitos. Isso pode ser atingido de diversas formas,
como em uma longa exposição que dure uma única aula em que o professor traga definições prontas a serem reproduzidas pelos alunos em
uma “prova”. Pode-se, ainda, promover um conjunto amplo de atividades nas quais os alunos tenham de confrontar diversas análises sobre esses
conceitos, promovendo uma progressiva reflexão a respeito de seu significado. Observe que se trata de caminhos distintos e que correspondem
à formulação de currículos escolares bastante diferentes: como, então, associar uma proposta curricular nacional à construção, dentro da escola,
de um currículo? Essa é também uma questão cuja resposta é menos instigante do que o próprio fato de se formulá-la.
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?
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Para muitos educadores, a exigência de conteúdos mínimos para todo o território nacional significaria uma garantia de qualidade do ensino, pois
poderiam ser pensadas políticas de formação de abrangência nacional e/ou regional. Também há grupos de educadores argumentando que a
própria escola deve se organizar, mediando a utilização da legislação com os conteúdos valorizados e aceitos como tradições curriculares.
Que concepções de geografia permeiam a proposta da base nacional comum? O quadro a seguir aponta algumas decisões apresentadas na
segunda versão da base nacional comum.
 
Concepção de
geografia
É valorizado o entendimento científico das
formas e dinâmicas dos fenômenos
naturais e sociais, dado que as
experiências espaciais e a interpretação
dos lugares proporcionam saberes para a
elaboração de estratégias de
sobrevivência dos grupos humanos no
planeta.
Como ensinar
 
Compreensões sobre o mundo, lugares,
vivências e linguagens deverão partir dos
direitos de aprendizagem e
desenvolvimento estabelecidos na BNCC,
no sentido de proporcionar leituras do
mundo, sob várias óticas, fundamentais
para a construção de uma visão crítica da
sociedade e para a formação da cidadania.
Há grande estímulo ao uso de diferentes
linguagens, especialmente a cartográfica.
Conceitos como espaço geográfico, lugar,
território, natureza, paisagem, região,
ambiente são abordados de acordo com
matrizes teóricas diversas.
O que ensinar
  
Os quatro eixos de formação da área de
Ciências Humanas articulam o currículo ao
longo de toda a etapa do ensino
fundamental. São eles: letramentos e
capacidade de aprender; leitura do mundo
natural e social; ética e pensamento
crítico; solidariedade e sociabilidade.
Um conjunto de 8 objetivos de
aprendizagem foram indicados para cada
um dos anos finais do ensino
fundamental. Ao final de cada objetivo,
constam os temas integradores a serem
trabalhados: economia, educação
financeira e sustentabilidade; culturas
indígenas e africanas; culturas digitais;
direitos humanos e cidadania; educação
ambiental.
 
Na leitura geral do documento percebe-se que a intenção dos elaboradores foi oferecer uma proposta que não contempla especificamente uma
corrente teórica da geografia. Destaca-se, por exemplo, a concepção jurídico-política do território, embora haja indicação de possibilidade de se
trabalhar com territorialidades organizadas a partir de outras concepções.
 
2.2. ENSINO MÉDIO
Entre os documentos nacionais para o ensino médio destacam-se as orientações curriculares nacionais (OCNEM), que retomam reflexões dos
parâmetros curriculares nacionais e avançam nas questões relacionadas a como ensinar, “servindo de estímulo e apoio à reflexão da prática diária
do professor”.
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Observe no quadro a seguir aspectos abordados nos PCN e na OCNEM.
 
Assuntos PCN OCNEM
Concepção de
geografia
Ciência do presente
cujo objeto de estudo é
o espaço geográfico.
O espaço geográfico é o
objeto da disciplina, que
analisa as
transformações
presentes no espaço,
mas busca sua origem,já que se trata de uma
construção social
realizada ao longo do
tempo.
Como ensinar
 
Os conceitos-chave são
os instrumentos da
análise espacial, que
possibilita construir
conhecimento
geográfico alinhado a
um corpo conceitual.
São conceitos-chave:
paisagem; lugar;
território e
territorialidade; escala;
globalização, técnica e
redes (figura 2.3).
Os conceitos
estruturantes da
geografia precisam se
articular com os
conteúdos “pois sem
eles os conceitos são
definições vazias e sem
sentido”. Há uma longa
explanação a respeito
de como o professor
pode construir eixos
temáticos para atingir
os objetivos propostos,
articulando, assim,
conteúdos geográficos.
O que ensinar
 
Propõe oito
competências e
habilidades
organizadas em três
eixos: representação e
comunicação;
investigação e
compreensão; e
contextualização sócio-
cultural. Nos PCN+, há
sugestão de quatro
eixos temáticos (com
temas e subtemas) que
poderiam ser adotados
na escola para
desenvolver as
competências e
habilidades propostas
nos PCN. Os eixos
temáticos são: a
dinâmica do espaço
geográfico; o mundo em
transformação: as
questões econômicas e
os problemas
geopolíticos; o homem
criador de
paisagem/modificador
do espaço; e o território
brasileiro: um espaço
globalizado.
Com base nas
competências e
habilidades da área de
geografia (figura 2.4),
são sugeridos sete eixos
temáticos, com longas
formulações e
explicações detalhadas
a respeito de seu
significado.
 
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Os conceitos-chave propostos nos PCN foram mais bem destrinchados nos PCN+, que apresentam as concepções que os norteiam e um aprofundamento a respeito da
expectativa que se tem no ensino da disciplina quanto ao uso desses conceitos.
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As orientações curriculares nacionais (OCNEM) propõem competências e habilidades mais próximas das práticas de ensino – as formulações são mais específicas e
possibilitam ao professor depreender mais facilmente o que se espera alcançar, o que não ocorria nos PCN, que traziam afirmações bastante amplas.
Tanto os PCN como as OCNEM propõem que o professor articule conteúdos geográficos com base em demandas resultantes da reflexão que ele
deve empreender a respeito do espaço geográfico; isso deve ser realizado, de acordo com os documentos, com base nos conceitos-chave ou
conceitos estruturantes da disciplina. É um projeto audacioso, pois não há uma lista de conteúdos obrigatórios, mas uma orientação a respeito
de como realizar recortes espaciais e chegar à demanda de conteúdos.
Pode-se inferir que, desde o lançamento dos PCN, foi observado pelos implementadores de propostas curriculares que a ausência de uma lista
de conteúdos poderia constituir-se num empecilho para que os documentos tivessem repercussão nas escolas. Isso porque, a cada documento,
cresceu a lista de eixos temáticos e mesmo de temas a serem trabalhados para se chegar ao desenvolvimento das habilidades e competências
requeridas.
No entanto, os elaboradores desses documentos sugerem conteúdos sem abandonar a ideia de oferecer aos professores um caminho autônomo
para a construção de seus currículos. Essa tarefa esbarra, infelizmente, na má qualidade das formações iniciais de geografia, que não oferecem
aos futuros licenciados situações de aprendizagem que lhes permitam apropriar-se de conhecimentos aprofundados dos conceitos da disciplina.
A autonomia desejada nos documentos também deveria nortear a formação inicial dos docentes, não apenas a construção dos currículos da
educação básica.
Assim como no ensino fundamental, a proposta da base nacional comum para o ensino médio, apresentada em setembro de 2015 para
consulta pública e reapresentada em abril de 2016, tem como um dos muitos pontos fracos o fato de que não se pode depreender dos objetivos
de aprendizagem (que reúnem expectativas de ensino-aprendizagem e conteúdos geográficos) o que se pretende alcançar com o ensino de
geografia em cada ano e em todo o ensino médio – a proposta que vinha sendo construída nos documentos anteriores, de que os texto
geográficos deveriam ser lidos/construídos na escola por meio de seus conceitos-chave, perdeu força no texto da base nacional comum.
Há, portanto, uma reflexão muito significativa a ser feita a respeito disso: abandonamos a proposta de conferir autonomia ao professor?
Assumimos que, em lugar de propiciar condições para que os professores de geografia realizem recortes espaciais de acordo com suas
concepções e com os interesses dos alunos, vamos enviar a eles uma lista desarticulada de conteúdos? Certamente, as possibilidades de que esse
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currículo se efetive nas aulas de geografia aumentam na medida em que há uma imposição de conteúdos, principalmente considerando o
trabalho realizado pelos cursos de geografia em nível superior, responsáveis pela formação inicial dos docentes. E quanto à qualidade do
conhecimento geográfico que irá circular nas escolas?
Última atualização: quarta-feira, 3 ago. 2016, 20:49

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