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E-book 1 CURRÍCULOS E PROGRAMAS Agda Malheiro Ferraz de Carvalho Neste E-Book: INTRODUÇÃO ����������������������������������������������������������� 3 CAMINHOS DA APRENDIZAGEM �����������������������4 Definição ������������������������������������������������������������������������������������4 Teorias do Currículo �����������������������������������������������������������������6 A VIDA ESCOLAR ����������������������������������������������������17 CONSIDERAÇÕES FINAIS �����������������������������������26 2 INTRODUÇÃO Neste módulo, estudaremos currículos e programas, por constituírem uma parte fundamental da compre- ensão da Educação como um processo que inclui a escolarização. A fim de que essa compreensão seja efetiva, iniciare- mos com a historicidade do currículo, a identificação dos elementos-chave da teoria sobre currículos, a diferenciação de suas características de concepções e, por fim, a aplicabilidade de uma proposta curricular. Trata-se de pontos importantes para a aprendizagem. Por essa razão, é essencial que, durante a leitura, se busque articular o conhecimento acerca do tema realizando as leituras complementares, ouvindo os podcasts, consultando os livros sugeridos e reali- zando anotações. Bons estudos! 3 CAMINHOS DA APRENDIZAGEM Definição Neste tópico, vamos aprofundar nosso conhecimento sobre “currículo e programas” com a apropriação das definições acerca do tema. Currículo é uma palavra derivada do latim que signi- fica “curso”, “carreira”, “percurso”, “caminho” etc. Ao transpormos a palavra para o mundo da Educação, conseguimos identificar que currículo é o caminho que a escola traça para atingir sua grande função: transformar vidas e gerar aprendizagens� Por vezes, encontramos a definição de currículo apontando tão-somente para as disciplinas de um curso, com equiparações ao termo “grade curricular”. Com a finalidade de criarmos uma definição (ou de- finições) de currículo, precisamos superar essa ideia que se aproxima de uma definição do senso comum. Currículo não equivale a um conjunto de discipli- nas da escola! Visto que estamos tratando do co- nhecimento de professores em formação, não é possível ter essa concepção: o currículo engloba mais do que disciplinas ou matérias do processo de escolarização. Estudos apontam que a origem da palavra currículo no campo da Educação data do século 16 na Europa. 4 Vale lembrar que nossa educação é eurocêntrica e que muito provavelmente outros povos no mundo, em outros continentes, já possuíam suas maneiras de sistematizar o ensino através de uma palavra-chave tão potente: caminho. FIQUE ATENTO De forma simples, mas certeira, a partir de agora, mentalize que currículo é tudo que acontece na escola. Tudo! Segundo Saviani (2016) prevalece entre os especialistas a ideia de que currículo é o conjunto das atividades desenvolvidas pela escola. Portanto, deve-se restar claro que currículo é tudo o que a escola faz. Seguindo o fio condutor apresentado, é imprescindí- vel saber que currículo é uma associação de saberes, não apenas o acúmulo deles ou ainda a sua soma. Destaque-se a palavra associação, pois é preciso haver uma articulação desses saberes com os pro- cedimentos e seus modos de fazer, possibilidades de reflexões acerca dessa estratégia e sobre as ma- neiras que foram compreendidas, além das vivências das chamadas aulas e das práticas dos docentes. Um currículo digno e justo garante o respeito às espe- cificidades de quem o vive, seja esse ator estudante, professor, gestor escolar ou qualquer outro membro da comunidade escolar. Tal concepção de currículo compreende e assume que esses atores detêm uma 5 bagagem social e, certamente, podem agregar his- tórias nessas bagagens. Teorias do Currículo Figura 1: Fonte: Elaboração Própria. Neste item, contemplaremos três facetas da Teoria do Currículo: a Teoria Tradicional, Teoria Crítica e Teoria Pós-crítica. Vale lembrar que devemos estar atentos para imediatamente identificar as diferenças entre as teorias. Podcast 1 6 https://famonline.instructure.com/files/1097900/download?download_frd=1 Teoria tradicional A teoria tradicional embasa-se no surgimento de estruturas para pesquisar e organizar as noções de ensino e aprendizagem. Ela surgiu a partir do que os departamentos de ensino das faculdades nos Estados Unidos começaram a produzir conhecimento acessível por meio de publicações de artigos. Trata-se, então, da sistematização das teorias curri- culares no início do século 20, conjuntamente com a ampliação dos níveis de escolarização e industria- lização naquele país. Entende-se que, para progredir na indústria, é neces- sário que a população saiba mais, tenha mais conhe- cimento para servir à indústria. Dito de outra forma, é a ideia de preparar o funcionário (trabalhador), que está presente nesse discurso e nessa prática. Outro ponto da época e que ajuda a constituir essa história é o fortalecimento da Psicologia Comportamental e dos estudos em Administração provenientes do taylorismo (com base nas te- ses elaborados por Frederick Taylor, o criador da Administração com princípios em ciências). Questões do tipo: o que deve ser ensinado? Como deve ser ensinado? e Para quem deve ser ensinado? estavam muito presentes nesse ideal. Daí o sucesso do livro de John Franklin Bobbitt, cujo título é The Curriculum, obra que trouxe ideias sobre o treina- mento de pessoas. Note que treinar não pressupõe 7 pensar e aprender, o que nos leva a refletir sobre a construção de um cidadão não crítico. As comparações entre escola e indústria são for- tes e persistentes, infere-se disso um ensino para as massas, isto é, para deixá-las prontas e servis à disposição das indústrias. Neste ponto, os modos de atuação das instituições de ensino e das empre- sas são similares, visto que se começa a pensar em controle de aprendizagem/ produção. Na Educação, a grande contribuição veio de John Dewey, que rompe com essa compreensão acerca de uma educação massificada e pensa no indivíduo e suas necessidades. Aqui no Brasil, quem segue os ideais e as teorias de John Dewey é o educador Anísio Teixeira. Atente-se para o fato de que, na teoria tradicional, o que importa são as questões técnicas, colocadas de maneira linear: uma ideia vem depois de outra, sem validar que há interferências que constituem o processo educativo e pedagógico. Nessa perspectiva tecnicista, o educador Ralph Tyler propõe que algumas etapas sejam seguidas: 1. Estabelecer quais são os objetivos a serem al- cançados pela escola. 2. Estabelecer quais vivências os estudantes pre- cisam ter. 3. Estabelecer as etapas dessa vivência, organizan- do-as da melhor forma possível. 8 4. Estabelecer os critérios avaliativos para saber se a etapa 1 (os objetivos) foi alcançada. Observe que é uma estrutura até simplista, mas aju- dou a estruturar, e muito, os sistemas de ensino não apenas nos Estados Unidos, mas também em diver- sos outros países. E o que os educadores buscavam? Buscavam a eficiência, assim como a indústria bus- cava a excelência na produção de seus materiais. Teoria crítica Nos anos 1960, os estudos acerca do currículo es- colar assumem uma postura mais crítica, analisando e buscando superar o modelo tradicional de currícu- lo. Um dos pontos principais é o rompimento com o modelo segundo o qual os alunos são grandes depositórios de informação. As pessoas têm cons- ciência, sendo assim, parte-se do princípio de que uma das funções da escola é criar cidadãos críticos, ou seja, que não sejam manipulados pelos sistemas educacionais. Não podemos afirmar que, da perspectiva do currí- culo tradicional para a perspectiva crítica, foi uma evolução natural e menos ainda que superamos a ideia de treinar o aluno facilmente. Basta lembrar o que ocorria no Brasil e no mundo naquela época, incluindo a instalação de ditaduras na América do Sul. Esse não é um modelo curricular que “combina” com posturasditatoriais, pois assume uma ideologia de romper com o modelo capitalista de reprodução cultural e dominância social. 9 Na busca por emancipar e libertar a população de um modelo opressor, a educação, enquanto uma área de conhecimento, produz grandes e valiosos debates sobre currículo e programas de ensino e aprendizagem. Se antes os teóricos expoentes da proposta tradi- cional trabalhavam nos Estados Unidos, na Teoria crítica eles estavam na França. Entre os expoentes desse movimento, podemos citar Louis Althusser, Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, nomes fun- damentais para buscar uma leitura que compreenda o sistema escolar como reprodutor da desigualdade social imposta pelos sistemas chamados capitalistas (a primazia do lucro). O Estado seria um aparelho de dominação. A partir desses estudos, o curriculista estadunidense Michel Apple (1982) aponta que o formato tradicional da escola é permeado de ideologias que impregnam o currículo em qualquer momento histórico. Nesse sentido, os professores — por meio de suas práticas docentes que não entendem os estudantes como pro- vedores de cultura — são o reflexo dessas ideologias. 10 Figura 2: Michael Apple. Fonte: Wikipedia Na apresentação de educação como prática da li- berdade, Paulo Freire comenta a forma crítica de conduzir o processo de ensino-aprendizagem: Uma pedagogia que estrutura seu círculo de cultura como lugar de uma prática livre e crí- tica não pode ser vista como uma idealiza- ção a mais da liberdade. As dimensões do sentido e da prática humana encontram-se solidárias em seus fundamentos. E assim a visão educacional não pode deixar de ser ao mesmo tempo uma crítica da opressão real em que vivem os homens e uma expressão de sua luta por libertar-se. De modo que não se surpreenda o leitor se não puder distinguir claramente neste livro entre a teoria e a prega- 11 https://en.wikipedia.org/wiki/Michael_Apple#/media/File:Michael_W._Apple.tif ção, entre a análise das condições históricas vigentes na sociedade brasileira e a crítica. Tal distinção não é sempre fácil e pode duvidar- -se que, em algum momento, seja correta. Teoria e denúncia se fecundam mutuamente do mesmo modo que nos círculos de cultura, o aprendizado ou a discussão das noções de “trabalho” e “cultura” jamais se separa de uma tomada de consciência, pois se realiza no pró- prio processo desta tomada de consciência. E esta conscientização muitas vezes significa o começo da busca de uma posição de luta. (FREIRE, 1967, p. 8) A partir desses estudos, surge uma concepção ino- vadora e valiosa sobre o currículo: o currículo oculto, isto é, um currículo que entende que, no meio escolar, há fenômenos implícitos e explícitos. O currículo oculto mostra que, por vezes, o discurso não condiz com a prática, pois é possível pregar uma ideia crítica, mas nas ações cotidianas mostrar-se tradicional, por exemplo. Assim, a hegemonia do- minante se reproduz, perpetuando o status quo que poderia ser rompido. Dessa maneira, percebemos que não há só uma função social da escola que determina como os professores vão ensinar, o que vão ensinar e os mo- tivos de terem traçado o percurso como traçamos. Percebemos, ainda, que as relações com o ambien- te e as pessoas também é currículo, na medida em 12 que a dominância ideológica mantém a população sem conseguir atingir as suas individualidades e se expressar livremente. Teorias pós-críticas O conteúdo apresentado a partir de agora tem sua gênese nos anos 1990 e volta-se, principalmente, à ideia de que somos únicos como seres humanos em nossas diferenças. Para entender a conceito dessa teoria, é fundamental entender como o ser humano se constitui a partir de todas suas vivências sociais e de seu aparato biológico. Por exemplo, todos nós somos filhos de alguém, que nasceu no país X, no território Y e que está determinado por uma específica condição eco- nômica. Há uma cor de pele que nos marca, bem como o gênero e a sexualidade do indivíduo. Assim, a mídia e a tecnologia a que a pessoa teve acesso e usufruiu, questões culturais e de arte tam- bém formam o modo de existir. O ano em que nas- ceu permitiu viver algumas experiências, tal qual o regime político em atuação. Os amigos que fez e os que não fez, a comida que comeu, as doenças que contraiu etc. Conforme se percebe, são muitas e muitas as situa- ções que determinam a existência de uma pessoa. Logicamente, a escola também é uma determinação. E se levarmos em consideração o tempo que a pes- soa passa na sua vida dentro de uma escola então… quanta coisa, não é mesmo? 13 A Teoria crítica postulava a situação social e eco- nômica para compreender a escola e o currículo. Por sua vez, a pós-crítica vai além disso, visto que seus teóricos consideram tanto esses fatores quanto muitos outros, como o multiculturalismo. Visando a analisar e propor mudanças significativas no currículo, a teoria pós-crítica se propõe a estudar um ponto um tanto esquecido nas demais teorias: a prática; afinal, nem só de teoria vive a escola, e a práxis é a articulação entre teoria e prática. A prática pedagógica se constitui na aula em si, pois é nesse momento fecundo que se materializam as teorias de Educação e de currículo em programas. Considera-se, então, essa prática como um ponto de análise e conhecimento e as singularidades dos alunos. No tocante às singularidades, passa-se a considerar expressivamente: ● Gênero ● Deficiência ● Raça ● Religiosidade ● Situação socioeconômica ● Identidade ● Etnia ● Sexualidade e outros temas. Há teóricos que são referências na teoria pós-crítica, por exemplo, os filósofos franceses Michel Foucault e Gilles Deleuze. Em seus estudos, Foucault mostrou as relações de poder existentes no mundo escolar 14 que buscam a dominação; Deleuze nos convida, por meio de sua obra, a saber mais sobre arte, diferenças e história. No interior da corrente pós-crítica encontramos ou- tras correntes e seus escopos (Quadro 1): Pós-moderna Focaliza a integralidade do ser humano, considerando as dimensões afetivas, sociais, cognitiva e ética. A integração deve ocorrer também na escola, com uma fusão de programas curriculares e não fragmentando as disciplinas, considerando, igualmente, a necessida- de de não tornar a escola um lugar com polarizações prejudiciais. Pós-estruturalista Focaliza a desconstrução do binarismo em currículo, pois a ideia de “ou isso ou aquilo”, considerando que a verdade é construída, privilegia diversos pontos de vista e busca depreender as diver- sas significações existentes na cultura escolar. Pós-colonialistas Focaliza as relações de poder entre as populações e os territórios contidos na disputa. Considera que não há uma cultura única e superior, há um multi- culturalismo, pregando a coexistência e a construção de um currículo feito por todos. Quadro 1: Correntes pós-críticas. Fonte: Elaboração própria. A partir dessas teorias e suas correntes, é possível aprofundar o conhecimento na história do currículo e suas influências no mundo escolar. Antes, porém, precisamos entender que nem sempre se rompe com uma das teorias em detrimento de outra. Olhar para 15 as escolas e seus currículos é ter a certeza de que ainda hoje é possível encontrar todos esses modelos existindo e coexistindo. ESCOLA Figura 3: Fonte: Elaboração Própria. Resumindo, a escola abarca diversos modelos de pessoas, as quais carregam formas de existirem e possibilidades de aprendizagem. 16 A VIDA ESCOLAR Figura 4: Fonte: Pexels Podcast 2 Na escola há diversos atores, e o professor é o gran- de facilitador da proposta curricular. Provavelmente, uma das perguntas aos professores mais difíceis de responder, mesmo pelos mais experientes é: o que é currículo? Os docentes sabem que essa é uma pergunta com múltiplas possibilidades de resposta e que “entrega” a forma que entendem a escola e seus processos. Por isso, é importante quese progrida, construin- do suas concepções e definições de currículo, com base no que a História da Educação nos permite compreender. 17 https://www.pexels.com/photo/wood-light-dirty-school-131773/ https://famonline.instructure.com/files/1097899/download?download_frd=1 Currículo é a prática pedagógica, mas também é a possibilidade de superação das contradições, a construção da vida do aluno e de seus processos de desenvolvimento. Isso é o que a escola fez, faz e o que ainda fará, em um movimento que contempla contradições e transcendências, ou seja, tudo isso é parte de um currículo. Se for algo (uma situação, um material, uma relação etc.) que facilite o processo educativo, é currículo. Currículo não é fim nem começo, mas a jornada que move esses pontos. Dentre os pontos da construção de um currículo, há questões norteadoras. Por exemplo, a premissa de algo sistematizado e estruturado, afinal, é isso que diferencia a educação formal, promovida pela escola como uma instituição referência da educação ofe- recida pela família, que seria a educação informal. Também é preciso considerar o ambiente educativo, que é para além de um espaço, constituindo o local onde a aprendizagem ocorre, então é mediador desse processo. Podemos, neste momento, ativar a memória e imagi- nar duas salas de aula do Ensino Fundamental: uma com cartazes produzidos pelos alunos nas paredes, livros, globo terrestre, notebook com internet para pesquisa e jogos educativos, tudo isso sendo aces- sado pelos professores e alunos; já a outra sala de aula contém apenas lousa e carteiras. Concordamos, então, que a primeira sala de aula promove mais a aprendizagem do que a segunda. E que ambas são, 18 simultaneamente, o reflexo e as criadoras dos currí- culos dessas escolas. É importante que se saiba, ao promover um currículo, a caracterização dos alunos atendidos. Além disso, é importante que se almeje, por meio do planejamento e do registro, o aluno que quer ser formar. Uma boa pergunta para direcionar esse trabalho pe- dagógico é: que aluno eu quero formar? Quanto à caracterização, ela engloba questões sociais e eco- nômicas, além das culturais. Compreender e embasar-se na legislação vigente é imprescindível, pois ela é normativa para qualquer escola brasileira. Então, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a Base Nacional Comum Curricular são bons documentos para consulta. Retomando a construção de um currículo e suas premissas, encontramos amparo em saber qual é a base teórico-metodológica que será abordada; só assim haverá coerência e segurança nas ações. Mas e quanto às pessoas? A escola é feita de pessoas, então, não podemos nos esquecer delas nessas considerações sobre o tema de estudo. Estamos tratando de diversas fai- xas etárias e de condições hierárquicas dentro do ambiente escolar, com base no princípio da gestão democrática. Portanto, um erro comum de ocorrer quando os edu- cadores não valorizam a diversidade de pessoas é querer que todos pensem igual na escola. Processos 19 hegemônicos podem ser importantes, mas normati- zar pessoas e comportamentos não é. A ideia de avaliar deve estar presente na proposta curricular. Avalia-se para começar, avalia-se tanto o processo quanto o final. Não existe processo de ensino-aprendizagem sem avaliação, tanto dos de- sempenhos dos alunos quanto das práticas pedagó- gicas oferecidas, contando também com a avaliação da instituição e a autoavaliação. Desde Célestin Freinet que, a Educação conta com materiais “em série”, passando por processos até se configurarem no modelo que compreendemos hoje como material didático, incluindo os livros para alunos. Bem, esse pode ser um grande aliado para medeiar conhecimentos, mas também pode ser um ato contra as teorias curriculares mais recentes, pois podem ser altamente excludentes. Materiais didáticos trazem, em si, perspectivas e abordagens curriculares, o que ocorre também com os conteúdos curriculares ou objetos de aprendizagem. Os conteúdos podem ser atitudinais (de atitudes), procedimentais (como fazer), factuais (relativos aos fatos) ou conceituais (relativos aos conceitos científicos). Hoje temos ainda a diretriz de desen- volver na vida acadêmica da educação básica diver- sas competências e suas habilidades nas áreas de conhecimento. 20 FIQUE ATENTO Perspectivas do currículo Quando o assunto são as perspectivas do currí- culo, encontramos três delas. A primeira é a tec- nicista, que entende o currículo como um projeto de educação condutor aos resultados planejados e esperados, sendo que as crianças se preparam para a vida adulta. Assim, quem faz o currículo é um especialista ou um grupo de especialistas. A segunda perspectiva, chamada de prática, o ideal é emancipatório para os indivíduos que nela es- tudam, e o currículo é estabelecido pelos modos culturais. A terceira perspectiva, com uma lógica multicultu- ral, abrange as diversas subjetividades que com- põem as identidades dos estudantes, consideran- do-o um ser biopsicossocial. Observe que uma pode incorporar a outra e ambas coexistirem. Ao considerarmos os efeitos do currículo no proces- so de escolarização, somos convidados a realizar uma análise reflexiva sobre o estudo de caso expli- citado a seguir, considerando a implicação da siste- matização de currículo escolar como um instrumento educativo que tem em um de seus desdobramentos a adequação constante do sujeito como uma forma de garantia da empregabilidade. 21 Porém, é pertinente observar o potencial do currícu- lo como uma das vias para que história como a de Ângela não se reproduza no cotidiano escolar. Em A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia, Patto (1993) conduz ao apro- fundamento de discussões que abrangem o campo educacional, ao buscar tecer rupturas com os estu- dos que discutem o não aprender de forma disso- ciada dos condicionantes históricos e sociais impli- cados em sua constituição. Sob essa perspectiva, a autora se propôs a ampliar o debate referente às significações atribuídas às experiências de reprovações no processo de esco- larização e seus desdobramentos nos percursos escolares e na história de vida dos sujeitos. Ao nos apoiarmos nessa perspectiva de análise, vamos explicitar a história de Ângela, que nasceu em 1974. Ela foi a primeira filha de um casal de nor- destinos que migraram para a cidade de São Paulo, almejando melhores condições de sobrevivência. Em relação aos aspectos do processo de escolariza- ção, a aluna cursou o pré-primário no bairro em que residia, onde também iniciou o ensino fundamental. Ângela ingressou na primeira série aos setes anos de idade, no mesmo período em que sua mãe gerava o seu quinto irmão. Em suas vivências escolares no transcorrer do pri- meiro ano, a estudante era estigmatizada e rotulada com predicativos de incompleta e incompetente ao 22 destoar da homogeneização de desempenho que lhe era exigido, sendo direcionada à sala que era identi- ficada como a “turma dos fracos”. No momento em que a pesquisadora estava desenvolvendo a inves- tigação em campo, Ângela cursava a primeira série do ensino fundamental pela terceira vez consecutiva. Nessa linha de pensamento, convém elucidar alguns elementos emblemáticos da dinâmica familiar de Ângela, que se referem à inversão de papéis comuns entre mãe e filha. A aluna era estimulada por sua mãe a realizar os afazeres domésticos e a se dedicar aos cuidados de seus irmãos. Segundos elementos da narrativa da mãe de Ângela, ela foi reprovada pela pri- meira vez em vista de que não teve oportunidade de se implicar com o processo de ensino-aprendizado, em decorrência da sua baixa frequência à escola que estava relacionada ao auxílio com as atividades exercidas no âmbito privado. Diante disso, a investigação empreendida por Patto (1993) também revela que, além da função social exercida por Ângela na dimensão familiar, ela tam- bém era rotulada e estigmatizadapor práticas edu- cativas prescritivas centradas na obediência e no conformismo que comumente são tomados como valores e crenças inquestionáveis às práticas peda- gógicas dominantes e, sob essa ótica, a estudante foi a única responsabilizada por não atender à qualifica- ção e às competências exigidas pelos educadores. Tais aspectos sinalizados colaboraram para intensi- ficar as identificadas dificuldades da aluna na apre- 23 ensão de conhecimentos historicamente elaborados e compartilhados pela humanidade. De modo geral, a fim de ilustrarmos os elementos concernentes a atribuições das nomeadas proble- máticas escolares voltadas a Ângela, salientamos os aspectos relativos ao seu rendimento escolar. Por exemplo, a participação involuntária em projetos de reforço e o incentivo ao distanciamento de seus pares. Em relação à última colocação, a educadora sugeriu que sua amiga se afastasse de Ângela, haja visto que a primeira era circunscrita como aquela que possuía capacidades e potencialidades em se apropriar dos conhecimentos escolares, mas Ângela era compreendida como a estudante que estava es- tagnada, sendo caracterizada em uma má companhia para o “bom” desempenho da colega. Alude-se que essa postura por parte da educado- ra agravou demasiadamente o distanciamento de Ângela face à educação escolar que também está vinculada à qualidade das relações afetivas estabe- lecidas com outro nos espaços de socialização de que ela participa. REFLITA Reflita sobre currículo e programas que propor- cionam o processo de ensino-aprendizagem, as- sistindo a Ser e ter (2002), um documentário fran- cês que retrata uma sala multisseriada, ou seja, com crianças de variadas idades e seu professor, Georges. 24 Ao longo de um ano letivo, tomamos conhecimento do movimento de intervenção do professor para que seus alunos aprendam e se preparem para os desafios que virão. Nesse sentido, a obra nos mostra qual é a concepção de currículo tanto do professor quanto do sistema francês de en- sino. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=EkskSRUX1AM� 25 https://www.youtube.com/watch?v=EkskSRUX1AM https://www.youtube.com/watch?v=EkskSRUX1AM CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste módulo, superamos a primeira etapa de nossos estudos ao percorrer o caminho histórico da construção de currículo, com isso, detectamos formas de essa construção se apresentar aos seus usuários (comunidade escolar) ao longo do tempo, entendendo que o currículo é um reflexo de sua épo- ca e sociedade. Em seguida, estudamos as Teorias tradicional, crítica e pós-crítica, elencando suas correntes e os pontos constituintes do currículo, que são organização, am- biente escolar, recursos humanos, normativas, teoria e prática, métodos, avaliação, materiais didáticos e seus conteúdos. 26 Referências Bibliográficas & Consultadas ALIAS, G. Diversidade, currículo escolar e pro- jetos pedagógicos: a nova dinâmica na escola atual. São Paulo: Cengage Learning, 2016 [Minha Biblioteca]. ALMEIDA, S. C. D. 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Currículo escolar e justiça: o cava- lo de Troia da educação. Porto Alegre: Penso, 2013 [Minha Biblioteca]. SAVIANI, D. Educação escolar, currículo e so- ciedade: o problema da Base Nacional Comum Curricular. Movimento – Revista de Educação, Rio de Janeiro, v. 3, n. 4, 2016. p. 54-84. Disponível em: https://periodicos.uff.br/revistamovimento/article/ view/32575/18710. Acesso em: 17 jun. 2020. VEIGA, I. P. A. (Org.). Projeto Político Pedagógico da Escola: uma Construção Possível. São Paulo: Papirus, 1995 [Biblioteca Virtual]. https://periodicos.uff.br/revistamovimento/article/view/32575/18710 https://periodicos.uff.br/revistamovimento/article/view/32575/18710 INTRODUÇÃO CAMINHOS DA APRENDIZAGEM Definição Teorias do Currículo A VIDA ESCOLAR CONSIDERAÇÕES FINAIS
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