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HISTÓRIA MODERNA AULA 3 Profª Lorena Zomer 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, o nosso objetivo é debater sobre a expansão europeia a partir do século XV, no início do Período Moderno. Tanto Portugal quanto a Espanha tiveram proeminência nesse processo, seguindo até os séculos XVI ao XVIII, porém, já acompanhadas pela incursão de outros países. Entre as diversas condições que permitiram que esses países mantivessem ações de exploração e de colonialidade (como é o caso da América) em outras regiões, estão o desenvolvimento de uma economia mercantil, um sistema capitalista potencializado com a ocupação das colônias e um mercado consumidor adepto de novas formas de consumo devido às mudanças burguesas. Com isso, também, aconteceram o fortalecimento do Estado Moderno e Absolutista, bem como uma nova distribuição de poder por meio da institucionalização de novas religiões e da própria reformulação da Igreja Católica. Assim, vamos refletir sobre como o fortalecimento desse novo Estado Moderno permitiu a concentração de capitais, consequência e mantenedor das navegações e ocupações de novas regiões. Dentre tantas características, vamos começar pela difusão das ideias do período, isto é, como os estados com populações em geral analfabetas viveram divulgações de novos princípios políticos, econômicos e intelectuais. TEMA 1 – EXPANSÃO DAS LETRAS 1.1 Entre o século XVI a XVIII O historiador inglês Peter Burke nos faz pensar sobre a configuração social de parte da Europa desse período. Ele aponta que o continente era de aspecto em geral rural, com cerca de 80 milhões de habitantes, chegando a 190 milhões por volta de 1800. E é esse crescimento exponencial que permitiu a sua urbanização, embora apenas depois de 1900 (até 1800 apenas 3% da população era urbana). Antes disso, eram quatro (4) as cidades com mais de 100 mil habitantes (Nápoles, Paris, Istambul e Veneza). Já em 1800, eram vinte e três (23) as cidades com mais de 100 mil habitantes e Londres, já com mais de um milhão (Burke, 1989, p. 266-267). 3 Ainda, os processos de fabricação da maioria dos produtos até meados do século XVIII eram próprios de pequenas produções, muito semelhantes a oficinas medievais. A partir disso, as fábricas começaram a se tornar mais comuns e mecanizadas. No entanto, se as produções fabris no XVIII ainda não eram tão normais e mecanizadas, a transformação social já era notória e significativa. E isso se deve pela propagação dos princípios da Reforma Protestante, da leitura individualizada, do processo de alfabetização em parte da Europa e de algumas camadas sociais, mesmo que pequeno, e a difusão da escrita, incluindo os novos princípios iluministas. O que se questiona, desse modo, é: como os princípios reformistas luteranos – que não são de uma maioria – colaboraram para o aumento da alfabetização e da leitura individualizada a partir dos séculos XVII e XVIII? Além disso, como essa mudança ocasionou a construção de novos olhares sobre a concepção de ser humano em relação à postura medieval? 1.2 Escrita individualizada A difusão da escrita, da alfabetização e das práticas de leitura contribuíram para a construção de uma nova ideia do homem europeu acerca de si mesmo e do imaginário do mundo ocidental que estava sendo construída, sob o prisma europeu. Se compararmos as duas imagens a seguir vemos um abismo entre elas, não como comparativo de “atrasado ou moderno”, mas como perspectivas culturais amplas e diversas. Figura 1 – Iluminura Medieval Crédito: Acervo da biblioteca de Aberdeen-Escócia/CC/PD. 4 Figura 2 – Capa de um livro de Rosseau Crédito: Jean-Jacques Rousseau-CC/PD. O que percebemos é que os valores medievais eram passados por meio de códigos e representações em imagens, visto que a alfabetização era irrisória entre a sociedade camponesa do período. Além disso, dos códices (como podemos entender esses suportes de escrita) ao livro de Rosseau não é apenas a forma de escrita que se transforma, mas de uma leitura coletiva para uma leitura autônoma com os livros impressos. Ressaltamos que a transição dos códices para esses favoreceu a alfabetização de países protestantes e propiciou a formação de uma consciência de si. Um dos fatores cruciais para que ocorresse a difusão de tantas ideias novas no Período Moderno foi a invenção da imprensa na Europa. O responsável se chamava Johannes Guttenberg, sobre o qual Peter Burke afirma que esse causou receios da comunidade eclesiástica porque a população teria mais acesso aos escritos, o que poderia causar confrontos em relação às afirmações da própria Igreja. Além disso, Burke dá outros exemplos sobre o espanto que tal criação gerou: No século XVI, na Itália por exemplo, sapateiros, tintureiros, pedreiros e donas-de-casa, todos reivindicavam o direito de interpretar as escrituras [...] Na alta Idade Média o problema fora a escassez, a falta de livros. No século XVI o problema era o da superfluidade. Anton Francesco Doni, escritor italiano, em 1550 já se queixava da existência de “tantos livros que não temos tempo para sequer ler os títulos” (Burke, 2002). A difusão da imprensa se acentua ao fim do século XV, justamente quando os primeiros ideais da Reforma Protestante começavam a ser debatidos e mesmo que confrontados, divulgados por meio de panfletos. A partir desses https://en.wikipedia.org/wiki/Jean-Jacques_Rousseau 5 primeiros passos também foram reorganizadas ou se tornaram públicas as bibliotecas, isso porque boa parte delas estava sob controle da Igreja Católica. Assim, surgiram os primeiros catálogos que reuniam os títulos publicados, bem como os sumários e as enciclopédias (por volta de 1600-1650). Burke reafirma que esse receio de leitura de leigos pela Igreja Católica, assim como as reações populares frente à possibilidade de ler e conhecer algo novo, foi semelhante a uma explosão, em que muitos mal tinham reação diante do que vislumbravam. Além disso, outras reações se mostravam mais preocupantes: O astrônomo humanista Johann Regiomontanus observou, por volta de 1464, que os tipógrafos negligentes multiplicariam os erros. Outro humanista, Niccolò Perotti, propôs em 1470 um projeto defendendo a censura erudita (Burke, 2002, p.174). Assim, a censura não era esperada mais ou somente da Igreja Católica, mas de qualquer instituição/autoridade que se colocava de maneira hierarquizada e engessada. É interessante observar que um humanista tinha essa mesma preocupação, o que demonstra que a concepção de conhecimento naquele período não é apenas no sentido de dar liberdade de pensamento. Portanto, com base no excerto de Peter Burke e das argumentações historiográficas desta aula, é possível entender a relação que há entre a expansão do protestantismo (e, consequentemente, de princípios burgueses), as práticas de leituras individuais e privadas e como tal invenção despertava reações negativas da sociedade do período. TEMA 2 – FORMAÇÃO DO ESTADO NACIONAL A ideia de estado é algo recorrente para nós, cidadãos. Seja para pensar em políticas públicas ou mesmo para direitos e deveres. Mas, essa é uma palavra que tem sua própria historicidade. Na antiguidade, época que passou a ser pensada, significava “estar firme”. Foi no início do século XVI e na obra do teórico Nicolau Maquiavel (discutido mais adiante) que ela passou a ser sinônimo de “governo”. Assim, há uma relação direta entre a formação das monarquias nacionais durante o período moderno e o que se passou a entender como “estado” nessa época. Uma das mais antigas dessas monarquias foi Portugal, formada no fim do período medieval, embora a unificação de todas as regiões, tais como conhecemos atualmente, apenas se deu no fim do século XV. 6 Com essas formações vieram as atribuições do estado a fimde que sua prosperidade econômica e estabilidade política se mantivessem. Para tanto, foi necessário passar a pensar em aspectos ligados à segurança e à defesa (que nem sempre significavam integridade física aos seus cidadãos), definição de códigos de leis relacionados aos direitos, aos deveres e à justiça, à designação de impostos e à própria estrutura de estados, com suas funções distribuídas em cargos em geral indicados naquela época. Assim, o Estado Moderno é a formação e a centralização de instituições estatais com bases administrativas, com prestação de serviços entendidos como públicos. Mais que isso, é a formação de um imaginário social e cultural, cuja origem está nas práticas de linguagens, em um grupo étnico e em uma memória nacional comuns. Ressaltamos que parte da formação dos Estados Nacionais europeus, tais como conhecemos hoje, deu-se ao mesmo tempo que o poder da Igreja Católica foi contestado, tanto pelo caráter reformista, quanto pelos abusos de autoridade da própria Igreja. A Guerra dos 30 anos (1618-1648) acirrou as diferenças entre protestantes e católicos e potencializou as divergências territoriais e de formação de estados que já existiam, a partir dessas. Assim, quando o acordo de Paz de Vestfália foi assinado, em 1648, a configuração da Europa estava bastante diversa, com a apresentação de limites territoriais novos e com a ideia de absolutismo e Estado-Nação como formas de governo e de organização recorrentes àquele período. TEMA 3 – ALGUNS TEÓRICOS DO ESTADO MODERNO Uma discussão política em geral é permeada por argumentos e teorias de intelectuais que compactuam ou não com a mesma ideia. A formação do Estado Moderno se deu com base também em teorias, estas discutidas entre os séculos XVI e XVII, cuja centralidade estava em como deveria ser distribuído o poder do estado, bem como como suas competências e especificidades. Um dos mais conhecidos teóricos nasceu em Florença (1513) e seu nome é Nicolau Maquiavel. Por vezes interpretado e representado como alguém autoritário, o que lhe rendeu o sinônimo vulgar de “maquiavélico”. Para Maquiavel, a moralidade que regia o governo central deveria frisar o uso da razão para qualquer decisão a fim de manter o estado. Sua principal obra é O Príncipe, de 1513. Este era apontado por Maquiavel como um manual com 7 práticas e ações políticas esperadas do príncipe, cujo objetivo central em sua atuação como líder político era a manutenção do estado com o seu poder, utilizando a razão e a moral própria do estado. Importante ressaltar que Nicolau Maquiavel frisou sua preferência pela República como forma de governo. Entretanto, essa mesma instituição, que é a república, ao manter ou defender ideais como o de liberdade, permite que ações que não priorizam o bem-estar do estado se mantenham no poder, mesmo quando criticadas. É nesse sentido que está o “tom” maquiavélico do teórico, de que a melhor escolha nem sempre é a de um regime livre (Bignotto, 2003, p. 22), pois, se o soberano tiver um caráter mais autoritário, a ordem será mantida. O sistema político e seus preceitos morais não deveriam ser alvo de constante discussão, a fim de que a autoridade e, consequentemente, a soberania fossem respeitadas. Para o filósofo Jean Bodin, os príncipes eram soberanos e representavam a Deus (Bodin, 1986) e, por isso, a autoridade deles sobre o povo era inquestionável e legítima. O filósofo também frisava que o desprezo à vontade dos príncipes significava a desonra a Deus. Assim, para Bodin, o absolutismo era também um sinônimo de hierarquia social, que não tolerava opiniões ou contestações. Soberania, portanto, para Bodin, era o mesmo que um poder perpétuo e indivisível. Em outras palavras, o poder real é soberano e somente ele pode legislar como estado a fim de manter a paz e não a igualdade de direitos ou um ideal de justiça. Em um de seus escritos, a obra Os Seis Livros da República (1576), o filósofo deixa evidente a aproximação que fez do termo República e da representação soberana do estado por meio dos príncipes: Eu disse que esse poder [soberano] é perpétuo porque pode acontecer que se dê poder absoluto a um ou a vários por um certo tempo que, uma vez expirado, faz com que estes não sejam mais do que súditos. Enquanto estão no poder, não podem chamar-se príncipes soberanos, visto que são apenas depositários e guardas desse poder até que preze ao povo ou ao príncipe revogá-los, pois estes continuam seus detentores. Pois assim como aqueles que emprestam seus bens a outrem permanecem seus senhores e possuidores, assim também aqueles que dão poder e autoridade de julgar ou de comandar – seja por um tempo certo e limitado, seja por um tempo tão longo quanto lhes aprouver – permanecem, contudo, investidos do poder e jurisdição que outros exercem sob forma emprestada ou precária (Bodin, I, VIII, grifos nossos). A partir do exposto, percebemos que, para Bodin, os príncipes são aqueles que tem o poder legítimo, que não é algo emprestado, ao tempo em que 8 há uma ideia do que é um governo centralizado, bem como de divisões internas do que é privado e do que é público. Suas ideias estiveram muito próximas do que viria a ser o movimento iluminista do século XVII. Outro filósofo, Thomas Hobbes, escreveu O Leviatã. Para ele, a liberdade só era um alvo a alcançar e a defender para todos se ela não estremecesse a paz de um governo centralizado, que poderia estar tanto nas mãos de um só homem, como de uma Assembleia. Para o filósofo, o poder absoluto do estado era o que se deveria defender, mesmo que fosse preciso usar a espada. Assim, a liberdade deveria ser definida, conduzida e determinada por um representante maior. Se isso fosse obedecido, as invasões estrangeiras não aconteceriam ou qualquer ato que desequilibrasse a ordem social e política. É preciso frisar que a necessidade de se ter um poder centralizador não é entendido nesse período como autoritário, mas absoluto, especialmente a fim de garantir a segurança em um contexto de conflitos, invasões e a formação de novas nações na Europa. O que Hobbes ressalta é que, em um contexto em que o estado natural da humanidade é de guerra, a centralização do estado na figura do poder absoluto do rei é a racionalidade necessária para manter um estado civil. TEMA 4 – EUROPA EM EXPANSÃO Portugal e Espanha foram os dois primeiros países protagonistas do processo de colonização de outras regiões, incluindo a América. Entre os séculos XV e XVI, os ibéricos estiveram envolvidos com a exploração e dominação da América e de suas sociedades originárias, em geral, de forma violenta. Na mesma proporção em que instituíram seus atos com violência, também despontaram como potências europeias, especialmente a Espanha, que, entre 1580 a 1630, foi considerada o império mais poderoso do mundo ocidental, tendo colônias no Oceano Pacífico, Índico e Atlântico. Importante considerar ainda que Portugal também foi considerada parte do reino da Espanha entre 1580 a 1640, sob a dominação de União Ibérica. Consequência disso foi a invasão holandesa em Pernambuco, visto que eram inimigos da Espanha, assim como os conflitos ocorridos no interior do Brasil pelos limites disputados com Portugal. 9 4.1 Expansionismo ibérico As Guerras de Reconquista tiveram início nos séculos X e XI, a partir do que era conhecido como Condado Portucalense. Uma das principais fases do expansionismo se deu a partir das navegações pela Costa do continente africano ao longo do século XV, antecedendo a chegada dos portugueses na América. São marcos desse período a chegada à Calicute em 1498, e logo em seguida à Goa, ambas localizadas na atual Índia. Posterior a essas incursões são as passagens pelos territórios da China, da Indonésia e do Japão ao longo do século XVI. Com Portugal, nesse período, a Espanhateve a sua maior expansão. Com a junção dos governos de Isabel da região de Castela e de Fernando da região de Aragão, os mouros foram expulsos de Granada. Isso se deu em 1492, exatamente no mesmo ano em que Cristóvão Colombo fez sua primeira viagem à América, patrocinado pelos reis católicos, como ambos eram conhecidos. A União Ibérica, ou seja, entre Portugal e Espanha, deu-se em 1516, quando a filha de Isabel de Castela e de Fernando de Aragão, Joana I, casou- se em 1516 com Felipe de Habsburgo. Lembramos que o reino da Espanha incluía até as regiões de Flandres. Com a morte de Felipe de Habsburgo e Joana I sendo considerada incapacitada mentalmente, apenas com Carlos V a dinastia de Habsburgo centralizou em suas mãos os reinos da Espanha, dos países baixos e os territórios na América. Tornou-se, assim, o maior império do Ocidente conhecido até então. A União Ibérica durou até 1640. TEMA 5 – ABSOLUTISMO NA FRANÇA E NA INGLATERRA O fortalecimento do Estado Nacional na França e na Inglaterra tem características absolutistas. No caso francês, há a configuração do que chamamos de “sociedade de corte”, expressão de Norbert Elias, cuja definição mais explícita é a interdependência entre a monarquia que se fortaleceu a partir do século XV, a nobreza palaciana (do que restou do período medieval) e a burguesia em ascensão. Já na Inglaterra, o que mudou a configuração social e política foi a Reforma Protestante ocorrida na primeira metade do século XVI. Sobre a sociedade de corte, é importante entender que havia resquícios de uma sociedade estamental (clero, nobreza e servos), ou seja, medieval, em que o “sangue azul” ou o nascimento e a descendência, portanto, o sobrenome 10 ainda demarcava lugares e funções a serem desempenhadas. O maior diferencial do Período Moderno que causou mudanças nesse sistema medieval foi a ascensão da burguesia, em que a compra de títulos e o acúmulo de capital permitiu que arranjos sociais ocorressem, bem como o acesso a cargos políticos que antes apenas a nobreza detinha. Emanuel Le Roy afirma sobre esse contexto que o absolutismo é um estado centralizado e não existe sem ele. Para tanto, é necessário que as classes participantes colaborem entre si, trocando influência e privilégios. Uma hierarquia estabelecida, com a representação máxima na figura do rei, porém que só resiste se também obedece a rituais com os seus administradores, tanto em nível regional quanto local. É uma sociedade mista, em que duas entidades coexistem, a estatal e a citadina (Ladurie, 1994, p. 22). Norbert Alias define a sociedade de corte como uma forma particular de sociabilidade, em que a interdependência intraclasses tinha base na nova monarquia absolutista que se estruturava, com a nobreza palaciana que resistia a mudanças. Lembramos que é desse período a acentuação e a formação das vilas, o que destitui o caráter essencialmente rural dos líderes, ou seja, grupos novos se instalavam nessas vilas, e entre eles os burgueses que passaram a se aliar ao rei e à nobreza. Assim, há uma relação direta entre o Antigo Regime, a burguesia e o caráter absolutista, formando o que chamamos de Sociedade de Corte. Para que o regime absolutista se configurasse como um sistema moderno, diversos rituais e sociabilidades eram incentivadas e teatralizadas entre costumes, tradições, e muitos desses novos e instituídos pelas revoluções liberais, como as da Guerras de Trinta Anos. A fim de conformar a nova configuração moderna, cargos e funções administrativas eram destinados, impostos eram direcionados em especial a burgueses, porém os novos títulos comprados em geral pertenciam a esses também. Em suma, a institucionalização de um cerimonial de sociabilidade era pautada em gestos e rituais, como analisaremos a seguir. 5.1 Centralização do poder e sociabilidade de corte O absolutismo na França é um dos mais centralizados. O historiador Emanuel Le Roy Ladurie debate sobre a subdivisão extensa do poder de uma 11 maneira vertical, ou seja, do soberano para a nobreza até condes, barões etc. Segundo ele, uma das compras comuns de títulos era da “nobreza togada”, cujas funções eram ligadas às jurisdições da própria classe (Ladurie, 1994, p. 26-28). Para que se gerassem esses cargos que normalmente eram novos, recém- criados, o rei emitia o que chamavam de “Cartas de Provisão”, ocasionando privilégios e até mesmo a isenção de impostos em alguns casos. Ao escolher seus privilegiados, o rei mantinha um apoio político para suas decisões, de acordo com a sua própria organização (entre cargos novos e velhos), ao mesmo tempo que também precisava sustentar esse apoio que ocorria não sem conflitos, considerando as relações delicadas entre burgueses e nobres. Ladurie afirma que isso ocorreu do reinado de Luís XIII ao de Luís XIV. É possível resumir tal perspectiva como uma troca de favores. Norbert Elias define do seguinte modo: [...] as vantagens do príncipe aumentam num campo social organizado [...] em que qualquer deles [burgueses e nobres] ganhe a luta pela preponderância absoluta. O príncipe governa, seu governo é absoluto porque qualquer das camadas rivais precisa dele, porque se pode servir de qualquer delas contra a outra [...] (Elias, 1987, p. 141-142). As distinções desse grupo se davam de várias formas, como no ato de comer, de vestir e em relação aos comportamentos e às alianças entre as classes. Para Norbert Elias, a sociedade de corte criou um padrão moral de costumes, entre eles e dentro do movimento reformista, o que era civilizado. É nesse sentido, por exemplo, que no ato de comer passou a ter um novo ritual, com o uso de talheres, uma ordem a seguir tanto dos pratos quanto de quem começava a comer e quando terminava (Elias, 1990, p. 62-66). A civilização do estado está relacionada ainda à constituição e à educação no que se refere aos costumes vistos como bárbaros e medievais para o período e, ainda, às relações de poder entre burguesia e nobreza, as quais em disputa definiam como seria a “civilização europeia”. 5.2 Absolutismo inglês Na Inglaterra, esse novo sistema político e econômico centralizado teve na imagem de Henrique VIII (1491-1547, dinastia Tudor) o seu início e o ápice no reinado de Elizabeth I (1558-1603). Ambos instituíram os Atos de Supremacia, em que se autodeclaravam chefes da Igreja Anglicana e da 12 Inglaterra. Elizabeth I precisou reafirmar o ato, depois que sua meia-irmã restituiu o catolicismo como religião oficial. A Reforma Anglicana, que primeiramente foi um acontecimento mais político a religioso, não apenas criticou alguns dogmas católicas ou inaugurou a novos, mas deu poder e autonomia a Henrique VIII. Intromissões e propriedades católicas passaram a ser quase inexistentes naquele país. O Rei mantinha seu próprio conselho, mas, após as reformas e revoltas, a Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns sofreram transformações. Essas se deram pela entrada da burguesia. É um novo grupo que precisou adquirir consciência como tal para que conquistasse o seu lugar, visto que ter centralidade nas relações comerciais não era o suficiente para adquirir poder e lugar político. Para isso, ocupou primeiramente a Câmara dos Comuns e, anos mais tarde, a Câmara dos Lordes. Isso foi possível a partir das revoluções burguesas: a Puritana (1644) e a Revolução Gloriosa (1688). Importante ressaltar que é a burguesia que alcançou mais poder político, mesmo com a participação da plebe (quakers, levellers e anabatistas) nos processos de luta. No entanto, essa apenas terá representação política potencializada a partir de meados do século XVIII, com a formação do operariado. Os problemas se iniciam no século XVII com a resistência de católicos e camponeses conservadores. Nesse processo, anabatistas e anglicanos defendiam uma agricultura mais moderna voltadaà indústria, consequência especialmente da Lei dos Cercamentos. Esta havia destituído diversas terras antes comunais (com a expulsão de seus proprietários tradicionais), as quais passaram a produzir lã voltada à fabricação têxtil e ao mercado consumidor interno e externo que começava a despontar. A Lei de Cercamentos foi criada no governo de Elizabeth I, com crescimento no reinado de Jaime I (início em 1603 e da dinastia Stuart). É também essa lei – e sua expropriação – que originou o que chamamos de gentrys (mercadores/burgueses), classe social que reunia a maior proporção das terras adquiridas após a expulsão da Igreja Católica. Portanto, sendo essa a classe que ficou com boa parte das propriedades que eram da Igreja Católica, o poder da nobreza mais conservadora diminuiu, o que estreitou as relações de Elizabeth com a burguesia. Além disso, é preciso 13 observar que essas transações comerciais e de propriedade renderam altos lucros à Elizabeth I, capitalizando-a para fortalecer suas navegações e a instituição do sistema fabril têxtil. Sobre a relação próxima da rainha com as gentrys, que também assegurou paz no seu governo, é preciso considerar que após a sua morte, Jaime I, que assumiu o trono em 1603, enfrentou a fúria de católicos que acreditavam que a morte da rainha permitiria o retorno do catolicismo como religião oficial da Inglaterra. Para evitar os problemas civis, Jaime I realizou acordos com a alta nobreza. No entanto, não foi suficiente, obrigando-o a se direcionar à Câmara dos Comuns, que era formada em uma maioria por gentrys puritanas e à Câmara dos Lordes, que era de católicos quase em sua totalidade. Pela resistência do Parlamento em se submeter aos interesses de Jaime I, este foi dissolvido por ele por sete anos. Todo esse processo se inicia com a dinastia Tudor, em que Elizabeth deu prosseguimento às ações de seu pai, o rei Henrique VIII. Desde meados do século XVI, o rei e, depois, sua filha, diminuíram o poder dos católicos categoricamente ao perseguirem e fiscalizarem qualquer ato que lembrasse ações católicas, contando desde então com o apoio de puritanos. A influência católica também diminuiu com o tempo pela própria percepção popular sobre ela, visto que a sociedade passou a ter mais acesso à Bíblia, ou leituras variadas e, ainda, pela propagação da teoria do direito divino dos reis. Entre o governo de Elizabeth I e o de Carlos I, a reforma anglicana atingiu todos os segmentos, com exceção de países como a Escócia, a qual no governo de Jaime I havia se unificado à Inglaterra. Após a morte de Jaime I, em 1625, quem assumiu foi seu filho Carlos I que, por gastos com guerras, entre outros, decretou novos impostos que não foram aprovados pelo Parlamento. Os puritanos, da Câmara dos Comuns, também passaram a ser perseguidos por Carlos I. Antes de ser interpelado pela Câmara dos Comuns em 1642, Carlos, em uma postura absolutista, também tentou obrigar a Escócia a se tornar anglicana. O principal inimigo ou líder de oposição a Carlos I nesse contexto foi Oliver Cromwell. Tanto as gentrys quanto as plebes passaram a se organizar para contestar o poder de Carlos I, divulgando seus ideais por meio de panfletos e discursos distribuídos pelas ruas londrinas. Com repercussão positiva e apoio de 14 parte da população, Oliver Cromwell conduziu um exército de civis, plebeus, nobres e burgueses puritanos chamado Novo Tipo ou em nome original New Model Army. NA PRÁTICA Consulte o Atlas histórico mundial, do historiador francês Georges Duby (p. 69 a 67). Ao acessar esse material, você terá acesso a mais informações sobre as monarquias nacionais, como a de Carlos V (p. 69) e informações sobre a Europa dos séculos XVII e XVIII (p. 75-78). Faça um levantamento de quais países ou reinos do período você reconhece, qual a forma de governo, bem como os hábitos culturais e as práticas econômicas perceptíveis. A partir dessa lista, estabeleça uma comparação sobre como ela representa a Europa Moderna, com o poder absolutista centralizador. Disponível em: <https://pt.slideshare.net/noeliamdq/atlas-histrico- mundial-georges-duby>. Acesso em: 1 set. 2021. FINALIZANDO Os principais tópicos abordados nesta aula foram: • a difusão da escrita, da alfabetização e da leitura; • o Estado Moderno e sua expansão; e • o poder absolutista e seus teóricos. Dessa forma, pudemos perceber como uma noção de estado centralizado nasceu e está relacionado com as reformas religiosas, com a ascensão da burguesia ao poder econômico e político. 15 REFERÊNCIAS BIGNOTTO, N. Maquiavel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. BODIN, J. Os seis livros da república. Tradução de José Carlos Orsi Morel. v. 1. José Ignacio Coelho Mendes Neto (vs. 2-6). Rev. José Ignacio Coelho Mendes Neto. São Paulo: Ícone, 2011. 6 v. BURKE, P. A fabricação do rei: a construção da imagem pública de Luís XIV. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1994. ________. Problemas causados por Gutenberg: a explosão da informação nos primórdios da Europa Moderna. Estudos avançados, São Paulo: jan./abr. 2002, v. 16. n. 44. ELIAS, N. A sociedade de corte. Tradução de Pedro Süssekind. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. ELIAS, N. O processo civilizador, uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. LADURIE, E. L. R. O estado monárquico: França – 1460-1610. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
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