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Avaliação Fonoaudiológica e o Processo Diagnóstico Conteudista Prof.ª M.ª Nívea Maria Símaro Gomes Revisão Textual Esp. Laís Otero Fugaitti 2 Atenção, estudante! Aqui, reforçamos o acesso ao conteúdo on-line para que você assista à videoaula. Será muito importante para o entendimento do conteúdo. Este arquivo PDF contém o mesmo conteúdo visto on-line. Sua dis- ponibilização é para consulta off-line e possibilidade de impressão. No entanto, recomendamos que acesse o conteúdo on-line para melhor aproveitamento. OBJETIVO DA UNIDADE • Discutir sobre o histórico da avaliação fonoaudiológica e a contextualiza- ção do diagnóstico na clínica fonoaudiológica. 3 Introdução Vamos iniciar nossa Unidade de estudo trazendo informações sobre o processo de avaliação fonoaudiológica dentro do contexto histórico da Fonoaudiologia. Vale res- saltar que essa temática é fundamental para a sua prática profissional, pois, possivel- mente, durante sua carreira na área de Fonoaudiologia, as questões relacionadas ao diagnóstico dos distúrbios da comunicação farão parte do seu objeto de estudo e de sua rotina clínica. Nessa perspectiva, vamos discutir o histórico da Fonoaudiologia e a visão clínica do diagnóstico, com vistas ao entendimento dos conceitos envolvidos nessa temática, enfatizando os aspectos sindrômicos, etiológicos e de manifestação, por meio da compreensão do processo de avaliação fonoaudiológica. Lembre-se de fazer anotações, mapas mentais e resumos, bem como ler e as- sistir aos Materiais Complementares, pois eles ampliarão seu conhecimento e curiosidade por essa área tão complexa e, ao mesmo tempo, tão interessante que é a comunicação humana! Avaliação Fonoaudiológica e o Processo Diagnóstico Para compreendermos o processo de avaliação fonoaudiológica, é importante contextualizarmos o histórico da Fonoaudiologia no Brasil. Em diferentes perí- odos da História, os distúrbios da comunicação foram identificados e descritos. No século XIX surgiu o termo “ortofonia”, introduzido na primeira publicação que abordava temas como estudo da fonação, voz falada e cantada, gagueira e ree- ducação de surdos, o Tratado de ortofonia (AARÃO et al., 2011). Glossário Ortofonia: segundo o Dicionário Oxford Languages (ORTOFO- NIA, 2023), trata-se de um substantivo feminino, que tem como premissa o estudo da: 1. gramática/fonética: ramo da Linguística que se concen- tra estritamente na correção dos traços fonológicos (acen- to, articulação dos fonemas, ligação entre eles etc.); 2. Acústica: estudo e análise técnicos que visam obter as melhores condições de propagação do som em de- terminado ambiente. A acústica é a parte da Física que estuda em específico as ondas sonoras. 4 Histórico Sobre o Processo de Avaliação Fonoaudiológica Vamos entender o histórico da Fonoaudiologia e a contextualização da profissão de fonoaudiólogo. Saiba Mais No final do século XIX, devido ao processo migrató- rio para as regiões de mais potencial e desenvolvi- mento industrial, a atenção à educação tornou-se essencial, pois se acreditava que a educação era fator determinante da mudança social. Motivados pela preocupação com os sinais de autonomia desses cidadãos que se agrupavam por costumes, língua falada e interesses, os órgãos responsáveis pela política da época identificaram tal situação como “patologia social”. Objetivando combater essa “doença”, a escola tor- nou-se lugar privilegiado onde era possível reor- ganizar o ensino, levando o país à modernidade capitalista, capaz de desenvolver-se industrial- mente. Desta forma, a atuação de professores especializados, articulada à série de iniciativas e interesses de grupos da sociedade, passou a ter importante papel nas formas de organização so- cial. No início do século XX, mais precisamente em 1912, o Dr. Augusto Linhares, um dos precursores da Fonoaudiologia no Brasil, dedicava-se ao estu- do e pesquisa na área de reabilitação de voz e da fala, ministrando aula em cursos para professores. – AARÃO et al., 2011, p. 239 “ Nessa perspectiva, o contexto da profissão foi estruturado a partir da visão polí- tica da época, em busca de uma uniformização da língua. As ideias higienistas e os avanços na Medicina colaboravam com a detecção e a classificação das anomalias orgânicas e funcionais da fala, descrevendo o perfil do portador da alteração e demonstrando a necessidade de profis- sional responsável por sua eliminação, que seria o professor especializado, profissional da época que mais se assemelhava ao atual fonoaudiólogo. O 5 higienismo pregava a existência do homem sadio e culto, que promoveria o progresso do país. Neste contexto, proliferava o combate ao estrangeiris- mo, na tentativa de instituir a língua brasileira. O movimento de defesa e preservação da língua nacional também passou a indicar “impurezas”, “vícios” e “defeitos” no uso da língua, termos que carregavam conotação negativa, que discriminavam e estigmatizavam o indivíduo a partir de sua classe social. Da mesma forma que a educação, o uso correto da linguagem foi considerado forma de ascensão social, sendo que quaisquer desvios do padrão mostravam inferioridade social, determi- nando a classe à qual o indivíduo pertencia. Na década de 30, os profissionais especializados atuavam nas escolas com a profilaxia e correção dos desvios de linguagem e defeitos dos es- colares, em que estavam incluídas as variações dialetais, comuns entre os filhos de imigrantes. […] As décadas de 40 e 50 marcaram as iniciativas concretas de atuação do professor especializado. O professor indicado para a eliminação dos pro- blemas recebia formação específica informal, apoiada na prática e na lei- tura de material estrangeiro, além de cursos que geralmente duravam três meses. Após a conclusão destes, passavam a ser chamados de terapeutas da palavra ou logopedistas. O título de ortofonista ou de audiologista dado aos professores que se especializavam era valorizado socialmente pela proximidade com a área da saúde. O perfil do profissional prevalecia técnico, mas passava de atu- ação exclusivamente educacional para o contexto clínico, incentivando a criação de curso de Logopedia ou Terapia da Palavra, voltado principal- mente para a reabilitação. […] A década de 60 marcou o início da institucionalização da Fonoaudiologia, com a vinda do Dr. Julio Bernaldo Quirós e de sua assistente Rosa Vispó, da Argentina, para o Brasil. Destacaram-se, ainda, os trabalhos de dois médi- cos brasileiros: Dr. Mauro Spinelli e Dr. Américo Morgante, que estiveram à frente, respectivamente, dos dois primeiros cursos de Logopedia do país. O primeiro surgiu na Universidade de São Paulo, vinculado à Clínica de Otorri- nolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina, em 1960, seguindo os moldes da formação na Argentina, relacionado à demanda mé- dica. O segundo surgiu na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, li- gado ao Instituto de Psicologia, em 1962, a partir de questões educacionais verificadas pelos psicólogos. Inicialmente, tais cursos tinham um ano de du- ração e em ambas as instituições a prática antecipou a formação. […] 6 O processo de reconhecimento da profissão ainda enfrentou obstácu- los. Um deles foi a tentativa de obrigar os fonoaudiólogos, juntamente com psicólogos, fisioterapeutas e outros profissionais da área da saúde a atuar somente sob a supervisão de médicos. […] Finalmente, em 1981, foi aprovada a regulamentação da profissão, pelo Deputado Otacílio de Almeida, tendo à frente a Associação Brasileira de Fonoaudiologia (ABF). As diretorias que assumiram as gestões de 1979 e 1981 empenharam-se nesse período, formando a Comissão Nacional pela oficialização da profissão. Em 09 de dezembro de 1981, a Lei nº 6.965, que regulamenta a profissão de Fonoaudiólogo, foi sancionada pelo então presidente João Figueiredo. Com ela, também foram criados os Conselhos Federal e Regionais de Fo- noaudiologia. – AARÃO et al., 2011,p. 240-242 De acordo com a história da profissão, observamos que no início a visão era de um profissional mais tecnicista, sem a devida valorização da classe. Atualmente, observa-se um avanço no reconhecimento desse profissional, no entanto, para que a profissão seja devidamente reconhecida, faz-se ne- cessário “conhecer a própria origem” e “reafirmar no presente, de maneira consciente, a capacidade transformadora dos fonoaudiólogos, para ga- rantir o futuro de desenvolvimento e valorização da profissão e da ciência fonoaudiológica”. – AARÃO et al., 2011, p. 243 Figura 1 – Interação entre fonoaudióloga e paciente Fonte: Getty Images #ParaTodosVerem: ambiente clínico, com figuras ilustrativas coladas na parede da sala de atendimento, ao lado de uma persiana branca. Também há um armário com prateleiras e caixas, além de quadros fixados na parede. Há uma mesa pequena retangular e, sobre ela, um espelho redondo centralizado e uma caixa de lápis de cor. No ambiente, há a presença de uma fonoaudióloga, mulher, branca, sentada em volta de uma mesa pequena. Ela tem cabelos longos e castanhos, usa calça jeans azul e camisa de mangas longas e dobradas, na cor azul-clara, e demonstra alguns exercícios com as mãos, olhando para uma criança. À sua frente está a paciente, a criança, usando camisa branca, sentada com aparência colaborativa, realizando exercícios com as mãos e a boca, orientada pela profissional fonoaudióloga. Fim da descrição. 7 Conceituação de Saúde e Doença Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) Palavras como educação, saúde e promoção, tão presentes cotidianamente na área da saúde, podem esconder significados que acabam por comprometer ou mesmo impedir a efetivação das dinâmicas e dos objetivos pretendidos. Eleger estratégias significa escolher instrumentos. Mas de nada valem os instrumentos se não tivermos clareza de até onde desejamos chegar. Muitas vezes, aliás, nem sabemos ao certo onde estamos exatamente ao lidar com “saúde”. As definições em torno de saúde, doença, normalidade ou anormalidade e o es- teio que lhes dão origem ocuparam grandes pensadores na História. Fato é que saúde e doença são conceitos construídos a partir de con- junturas culturais, sociais e econômicas, guardando, portanto, defini- ções construídas de forma mutante, variável. Se os conceitos mudam segundo seu tempo e lugar, também as perspectivas e as ações atre- ladas ao manejo desses conceitos são mutáveis. Canguilhem (2006) lembra que a abordagem médica no século 19 pretendia apenas res- tabelecer o estado vital inicial do paciente, do qual a doença o havia afastado. O século 20, entretanto, decide pela tentativa de impedir o surgimento da doença em uma perspectiva preventivista, além de tentar aumentar o padrão de normalidade. – PELICIONI; MIALHE, 2018, p. 72 Saúde refere-se, portanto, a padrões sociais construídos, aceitos, estimados e de- sejados, um conceito carregado de subjetividade. Portanto, a saúde não obedece a padrões universais ou únicos. Perder a saúde, buscar a saúde ou promover a saúde não se resumem apenas a ordenar uma série de ações que gerem bem-estar ou que evitem riscos. É viabilizar e oportunizar condições de escolha e de construção. Desse modo, a saúde está sempre relacionada com a maneira como os sujeitos de uma sociedade interagem com os eventos da vida. Esses valores são absor- vidos ao longo da vida, desde o nosso nascimento, e trazem com eles experiên- cias afetivas, emocionais e respostas e ações corporais; é por meio deles que lidamos com os acontecimentos, com os desejos, com as formas de dar sentido ao mundo. 8 A Organização Mundial da Saúde (OMS) destaca os seguintes princí- pios como norteadores da promoção de saúde: concepção holística, intersetorialidade, empoderamento, participação social, equidade, ações multiestratégicas e sustentabilidade. A concepção holística de- termina que as iniciativas de promoção fomentem a saúde física, men- tal, social e espiritual, e pressupõe a compreensão ampliada de saúde. A saúde é tomada como fenômeno produzido socialmente, cabendo ações de âmbito coletivo no cotidiano da população, extrapolando o campo específico da assistência médico-curativa. Esse princípio enfa- tiza a determinação social, econômica e ambiental, mais do que pura- mente biológica ou mental da saúde. – PELICIONI; MIALHE, 2018, p. 75 Nessa lógica, a promoção de saúde pressupõe uma concepção que não restrinja a saúde à ausência de doença, nem à prestação de serviços clínico-assistenciais, mas que seja capaz de atuar sobre as condições de vida da população a partir de ações intersetoriais envolvendo a educação, o saneamento básico, a habitação, a renda, o trabalho, a alimentação, o meio ambiente, o acesso a bens e serviços essenciais, e o lazer, entre outros determinantes sociais da saúde. Reflita Para a OMS, o conceito de saúde está ligado ao bem-estar do indi- víduo em relação a diferentes aspectos, entre eles, o socioambien- tal, o afetivo e o cognitivo, além do bem-estar físico e mental. Como você compreende o papel da Fonoaudiologia nessa dimensão? Nessa perspectiva, a Fonoaudiologia, enquanto ciência, poderá contribuir para a me- lhora da qualidade de vida do indivíduo, com vistas à qualidade da comunicação, por meio de uma melhor interação da criança com o meio em que ela está inserida, seja no contexto familiar, socioeducacional ou social, visto que, com bastante frequência, chegam até nossos consultórios e clínicas queixas de familiares e pacientes acerca de problemas envolvendo as alterações de fala e linguagem, como: • “Meu filho está demorando para falar”; • “Meu filho troca os sons das palavras”; • “Meu filho é prematuro e está apresentando atrasos na fala”. Diante desses esses exemplos, precisamos pensar nas diferentes instâncias do diagnóstico e como a Fonoaudiologia poderá contribuir, por meio da avaliação 9 fonoaudiológica e da intervenção precoce, no processo de fala e linguagem, me- lhorando a qualidade da comunicação como um todo. Sabemos que a linguagem é mediadora do acontecimento humano, que o ser hu- mano é um ser complexo que manifesta de várias formas as suas possibilidades de linguagem: motoramente, linguisticamente, psicologicamente, sociocultural- mente, politicamente. Segundo Cesar e Lima (2020), a linguagem é o sistema simbólico usado para representar os significados em uma cultura, abrangendo seis componentes: 1) fonologia (sons da língua); 2) prosódia (entonação); 3) sintaxe (organização das palavras na frase); 4) morfologia (formação e classificação das palavras); 5) se- mântica (vocabulário); e 6) pragmática (uso da linguagem). A linguagem relacio- na-se a trocar informações (receber e transmitir) de forma efetiva, enquanto a fala refere-se basicamente à maneira de articular os sons na palavra, incluindo a produção vocal e a fluência. É o canal que viabiliza a expressão da linguagem e corresponde sua realização motora. A aquisição normal da linguagem é dependente de uma série de fatores, como o contexto social, familiar e histórico pré, peri e pós-natal do indivíduo, suas expe- riências e capacidades cognitivas e orgânico-funcionais. O desenvolvimento da linguagem está relacionado a diversos aspectos, como a estrutura anatomofuncional (fatores maturacionais, sensoriais e perceptuais), o estímulo verbal (que depende do ambiente) e os processos cognitivos (atenção, memória e funções executivas) (PAGLIARIN et al., 2013). Portanto, para o desenvolvimento das habilidades comunicativas e de fala, é preciso: • Maturação cerebral; • Ambiente sociofamiliar estimulador; e • Integridade das vias sensoriais (visão, audição, olfato, tato, paladar, equi- líbrio e propriocepção). Vídeo Assista a seguir a um vídeo sobre a importância do brincar para a estimulação da fala e linguagem da criança. Reflita sobre a importância do brincar no processo de avaliação fonoaudiológica. https://youtu.be/plIPujqxtWQ 10 O processo de aquisiçãodo sistema fonológico ocorre de maneira gradual e não linear, de acordo com o desenvolvimento e maturação neurológica da criança, conforme a comunidade em que está inserida. Esse período estende-se desde o nascimento até aproximadamente os cinco anos de idade, quando ocorre a estabilização desse processo. Durante a aquisição da linguagem, naturalmente a criança realiza processos fono- lógicos, que são simplificações sistemáticas das regras fonológicas, como redução ou substituição de sons de maior complexidade. À medida que a criança vai se desenvolvendo, deixa de usar tal estratégia e adquire as regras do padrão adulto. A avaliação, assim considerada como metodologia de trabalho, é um processo intencional, por meio do qual recolhemos, analisamos e interpretamos as infor- mações sobre as diferentes manifestações de linguagem dos indivíduos. Diferentes Instâncias do Diagnóstico: Sindrômico, Etiológico e de Manifestação Trocando Ideias Mas afinal, o que significa avaliar? Avaliar supõe uma busca ordenada de fatos por meio de uma metodologia que possibilite elaborar, pelo raciocínio lógico, as diferentes instâncias do diagnóstico. Compreender o diagnóstico envolve: • Em seu aspecto sindrômico: mais globalizante, sinte- tiza o acontecimento, a patologia, todos os sintomas e sinais apresentados pelo paciente; • Em seu aspecto etiológico: de caráter explicativo, bus- ca entender o fator causal que levou ao acontecimento; • Em seu aspecto de manifestação: descreve o que acontece e como acontece, sendo mais analítico, com maior detalhamento. 11 Síndrome é um conjunto de sinais e sintomas que define as manifestações clínicas de uma ou várias doenças, independentemente da etiologia que as diferencia. – STEDMAN, 2003, p. 586 A Fonoaudiologia atua junto a diversos diagnósticos das mais variadas etiologias. Cada diagnóstico dos distúrbios da comunicação apresenta um contexto multi- disciplinar particular e que deverá ser levado em consideração na compreensão da história clínica do paciente. Ainda discutindo a avaliação fonoaudiológica no contexto clínico, ela pode ser caracterizada em três momentos: • Avaliação diagnóstica: abordagem inicial, levantamento das primeiras hipóteses diagnósticas; • Avaliação em processo: ocorre durante o seguimento em terapia, per- mite ao avaliador repensar as hipóteses diagnósticas iniciais e recondu- zir o processo de terapia; e • Avaliação do produto: leva o avaliador a questionar quais objetivos da proposta foram alcançados para finalização do tratamento fonoaudioló- gico, analisando criticamente sua prática. Diagnóstico vem de “diagnose”, que quer dizer “através do conhecimento”. Avaliar constitui uma etapa do processo diagnóstico que, em qualquer área da saúde, significa identificar ou reconhecer uma doença, uma anormalidade ou um distúrbio pela análise dos sintomas presentes (ou ausentes), podendo incluir o estudo da origem e o desenvolvimen- to dos sintomas. – GIACHETI, 2014, p. 545 Segundo a autora, diagnosticar é identificar ou reconhecer uma doença, uma anormalidade ou um transtorno pela análise dos sintomas presentes ou ausen- tes, podendo incluir o estudo da origem e seu desenvolvimento (GIACHETI, 2014). Quando falamos em desenvolvimento humano, pensamos nas diferentes dimen- sões que estão relacionadas ao crescimento do corpo e do cérebro; as capacida- des sensoriais, as habilidades motoras e a saúde também fazem parte do desen- volvimento físico. Aprendizagem, atenção, memória, linguagem, pensamento, raciocínio e criatividade compõem o desenvolvimento cognitivo. Emoções, per- sonalidade e relações sociais são aspectos do desenvolvimento psicossocial. 12 Dessa forma, o diagnóstico deverá ser construído com base em aspectos teóri- cos/técnicos que valorizem a compreensão do desenvolvimento humano e do desenvolvimento neurológico infantil em todas as suas dimensões. A avaliação, dentro dessa perspectiva, poderá ser considerada a mais importan- te fase do processo diagnóstico e consiste em verificar a presença, ou não, de determinada habilidade ou competência e determinar como está o indivíduo em relação a outros, diante da queixa de distúrbios da comunicação. Os distúrbios da comunicação representam os transtornos mais prevalentes na infância, sendo as alterações de linguagem as mais frequentes. Calcula-se que 3 a 10% das crianças com idade inferior a 6 anos apresenta algum tipo de atraso do desenvolvimento da fala ou da linguagem, sendo a prevalência 1,5 vezes superior no gênero masculino. Atualmente, as alterações de linguagem infan- til, são reconhecidas como importante demanda de saúde pública. – CESAR; LIMA, 2020, p. 17 Frequentemente os distúrbios da comunicação são subdiagnosticados ou diag- nosticados tardiamente. Sabe-se que crianças com alteração no desenvolvimen- to da linguagem poderão apresentar, na idade escolar, dificuldades no processo de aprendizagem e alfabetização, gerando impacto direto sobre a vida acadêmi- ca, social e ocupacional. Importante Mas o que entendemos por desenvolvimento físico, desenvolvi- mento cognitivo e desenvolvimento psicossocial? Desenvolvimento físico: crescimento do corpo e do cérebro, incluindo os padrões de mudança nas capacidades sensoriais, habilidades motoras e saúde; Desenvolvimento cognitivo: padrão de mudança nas habilidades mentais, como aprendizagem, atenção, memória, linguagem, pensamento, racio- cínio e criatividade; Desenvolvimento psicossocial: padrão de mudan- ça nas emoções, personalidade e relações sociais. – PAPALIA; MARTORELL, 2022, p. 4 “ 13 Daí a importância de compreendermos os critérios para o diagnóstico dife- rencial entre transtorno e atraso de fala e iniciarmos o quanto antes a inter- venção fonoaudiológica, pois ainda nos dias de hoje é comum encontrarmos crianças que são encaminhadas para uma avaliação fonoaudiológica somente após completarem três ou quatro anos de idade, mesmo apresentando evi- dente atraso em seu desenvolvimento. Isso ocorre porque existe uma crença muito difundida de que não devemos nos preocupar quando uma criança não começar a falar na idade esperada, mas devemos aguardar o desenvolvimento de “forma espontânea e mais tardia”, fato esse considerado inaceitável diante da importância do diagnóstico e da intervenção precoces, considerando-se os marcos do desenvolvimento infantil. Estudos demonstram que a detecção de tais alterações aos 2 a 3 anos reduz 30% a necessidade de acompanhamento terapêutico (fonoau- diologia, psicologia, educação especial, entre outros) ao longo da in- fância. Da mesma forma, reduz o número de crianças com problemas na aprendizagem de leitura e escrita. Portanto, o diagnóstico e a in- tervenção precoce nos primeiros anos de vida são decisivos para o prognóstico de desenvolvimento dessas crianças. – CESAR; LIMA, 2020, p. 18 Ainda falando sobre a importância do diagnóstico precoce, recomenda-se citar os critérios que definem alguns transtornos de fala e linguagem, sob a ótica dos manuais diagnósticos. Segundo o DSM-5 os transtornos da linguagem falada são caracterizados por: • Dificuldade persistente na aquisição e no uso da linguagem falada devido a alterações na compreensão ou na produção, incluindo: 1) vocabulário reduzido; 2) estrutura limitada de frases; e 3) prejuízos no discurso; • Capacidades linguísticas substancial e quantificadamente abaixo do espe- rado para a idade, resultando em limitações funcionais na comunicação; • Início precoce dos sintomas, no período do desenvolvimento; e • Dificuldades não atribuíveis à deficiência auditiva ou outro prejuízo sen- sorial, à disfunção motora ou a outra condição médica ou neurológica. 14 Já no CID-10 encontramos as seguintes recomendações para o diagnóstico dos transtornos da linguagem falada: • F80.0: aquisição da linguagem comprometida desde os primeiros está- gios do desenvolvimento. Não é atribuível a anomalias neurológicas, ano- malias anatômicas do aparelho fonador, comprometimentossensoriais, deficiência intelectual ou fatores ambientais. Os transtornos específicos do desenvolvimento da fala e da linguagem podem vir acompanhados, com frequência, de problemas associados, como: dificuldades da leitu- ra e da soletração, perturbação das relações interpessoais, transtornos emocionais e transtornos comportamentais; • F80.1: transtorno expressivo de linguagem. Transtorno específico do de- senvolvimento no qual as capacidades da criança em utilizar a lingua- gem oral são nitidamente inferiores ao nível correspondente à sua idade mental, mas a compreensão da linguagem se situa nos limites normais. O transtorno pode vir acompanhado de um problema na fala; • F80.2: transtorno receptivo da linguagem. Transtorno específico do de- senvolvimento no qual a capacidade de compreensão da linguagem pela criança está abaixo do nível correspondente à sua idade mental. Em qua- se todos os casos, a linguagem expressiva estará também marcadamen- te prejudicada e são comuns os problemas na fala. Glossário DSM-5: é a sigla para a quinta edição do Diagnostic and statis- tical manual of mental disorders ou Manual diagnóstico e es- tatístico de transtornos mentais. Esse documento foi criado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA) para padronizar os critérios diagnósticos das desordens que afetam a mente e as emoções. Glossário CID-10: é a Classificação Internacional de Doenças em sua décima revisão. Essa lista classifica doenças, sintomas e uma série de ocorrências médicas em códigos que são usados para identificar e padronizar questões de saúde em nível mundial. 15 Como diferenciar um atraso de um transtorno de fala? Atraso de Fala e Linguagem • Quadro transitório; • As habilidades verbais e não verbais são como as de uma criança mais nova, ou seja, a criança quando começa a se desenvolver apresenta com- portamentos típicos de faixas etárias anteriores; • Causas: fatores exógenos à criança; • Indica que a criança alcançará a plenitude de seu desempenho após um início lento – reabilitação mais rápida. O atraso no desenvolvimento da linguagem não é um diagnóstico fonoaudiológi- co, mas sim uma condição transitória, geralmente por falta de estímulo familiar (GIACHETI, 2014). Transtorno de Fala e Linguagem • Quadro persistente com comportamentos desviantes; • Mostra que algo se distingue da rota natural do desenvolvimento; • As manifestações são suficientemente persistentes e severas para criar dificuldades funcionais de longo prazo (ambiente familiar, so- cial e escolar); • A intervenção é mais difícil. O transtorno de linguagem pode ser um quadro primário, mas também pode ser diagnosticado em decorrência de deficiência intelectual ou outras condições, sendo considerado um quadro secundário (GIACHETI, 2014). Assim, a análise das manifestações apresentadas pela criança, para se chegar a um diagnóstico, é alcançada pela avaliação do desempenho nos diferentes componentes de entrada e saída da linguagem falada (fonologia, sintaxe, se- mântica e pragmática). 16 Dessa forma, o fonoaudiólogo deverá, por meio do raciocínio clínico, compre- ender os marcos do desenvolvimento, os parâmetros de normalidade que defi- nem o desenvolvimento típico de uma criança, para que, por meio de protocolos validados, possa compreender com maior clareza os desvios apresentados nos casos clínicos acompanhados, correlacionando-os às diferentes instâncias do diagnóstico e, a partir daí, propor intervenções adequadas. Sabe-se que a vigilância do desenvolvimento da linguagem infantil, na Atenção Primária de Saúde (APS), está relacionada com a atenção integral da saúde da criança, envolvendo diversos profissionais como uma forma de promover ações de prevenção, promoção e diagnóstico precoce de alterações nos primeiros anos de vida, bem como a realização de encaminhamento para intervenção no mo- mento oportuno. Vale ressaltar que o processo diagnóstico em Fonoaudiologia se inicia pela anamnese ou entrevista inicial e, antes mesmo que o profissional inicie o processo diagnóstico com o seu paciente, é importante observar alguns pontos abordados pelo autor Carl Rogers (2017) sobre a qualidade do encontro entre terapeuta e paciente. • Segundo Carl Rogers, a “qualidade do encontro” é essencial em qualquer processo terapêutico, tal qual o preparo profissional e as técnicas utili- zadas; • Algumas atitudes ou experiências do terapeuta fazem da relação um cli- ma favorável ao crescimento; • O crescimento pessoal é facilitado quando o terapeuta é autêntico na relação com o cliente, sem “máscaras”. O autor ainda comenta sobre a importância da empatia, colocar-se no lugar do outro; • Rogers define como consideração positiva, o respeito ao outro como in- divíduo, não fazer julgamentos; • Na relação terapêutica, o profissional deverá ser acolhedor, assertivo e responsivo, juntamente com a família e com a equipe técnica, para que as relações aconteçam de forma respeitosa, sem perder a efici- ência e a técnica inerentes ao conhecimento humano (ROGERS, 2017). 17 Figura 2 – Cooperação entre equipes Fonte: Getty Images #ParaTodosVerem: ambiente hospitalar. Há cinco profissionais de saúde: uma mulher mais à esquerda, trajando roupa branca, e dois homens mais centralizados trajando pijamas hospitalares nas cores azul e verde; o homem que traja a roupa azul tem um estetoscópio em volta do pescoço na cor cinza-claro. Ao lado direito há duas mulheres trajando branco e uma delas segura uma pasta verde-clara com a mão esquerda. Todos os profissionais estão com as mãos voltadas para o centro e apoiadas umas às outras. Fim da descrição. Chegamos ao final da nossa Unidade de estudo. Você, que em breve será profis- sional de Fonoaudiologia, poderá fazer a diferença na identificação precoce de alterações no desenvolvimento de fala e linguagem, pois, ao conhecer os parâ- metros que levam a uma melhor compreensão do diagnóstico fonoaudiológico, você terá condições clínicas de contribuir para uma intervenção fonoaudiológica mais adequada e precisa. MATERIAL COMPLEMENTAR Vídeos Marcos do Desenvolvimento Infantil de 0 a 3 Anos https://youtu.be/xvXS_cybumw&t=952s A Saúde Não Depende Apenas da Medicina https://youtu.be/kJZpIvmHFxM O que é Saúde e Doença https://youtu.be/B050Han8viI Leitura Diretrizes de Estimulação Precoce: Crianças de Zero a 3 Anos com Atraso no Desenvolvimento Neuropsicomotor https://bit.ly/3ZBuAn4 https://youtu.be/xvXS_cybumw&t=952s https://youtu.be/kJZpIvmHFxM https://youtu.be/B050Han8viI https://bit.ly/3ZBuAn4 REFERÊNCIAS AARÃO, P. C. L. et al. Histórico da Fonoaudiologia: relato de alguns estados brasileiros. Revista Médica de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 21, n. 2, p. 238-244, 2011. BERBERIAN, A. P. Fonoaudiologia e educação: um encontro histórico. São Paulo: Plexus, 1995. CESAR, A. M.; LIMA, M. D. Fundamentos e práticas em Fonoaudiologia – Volume 3. Rio de Janeiro: Thieme Brazil, 2020. (e-book) GIACHETI, C. M. Diagnóstico fonoaudiológico em genética. In: MARCHESAN, I. Q.; JUS- TINO, H.; TOMÉ, M. C. (org.). Tratado das especialidades em Fonoaudiologia. São Paulo: Grupo GEN, 2014. p. 545-555. (e-book) AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtor- nos mentais – DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. Disponível em: < h t t p s : / / w w w . i n s t i t u t o p e b i o e t i c a . c o m . b r / d o c u m e n t o s / m a n u a l - d i a g n o s t i c o - e - e s t a t i s t i c o - d e - t r a n s t o r n o s - m e n t a i s - d s m - 5 . p d f >. Acesso em: 01/06/2023. CID-10 – Classificação Internacional das Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. Organização Mundial da Saúde. Disponível em: < h t t p s : / / w w w . m e d i c i n a n e t . c o m . b r / c i d 1 0 / a . h t m >. Acesso em: 09/06/2023. ORTOFONIA. In: Dicionário Oxford Languages. Oxford: Oxford University Press, 2023. Disponível em: <https://languages.oup.com/google-dictionary-pt/>. Acesso em: 01/06/2023. PAGLIARIN,K. C. et al. Instrumento para avaliação da linguagem pós-lesão cerebro- vascular esquerda. Revista CEFAC, v. 15, n. 2, p. 444-454, 2013. PAPALIA, D. E.; MARTORELL, G. Desenvolvimento humano. Porto Alegre: Grupo A, 2022. (e-book) PELICIONI, M. C. F.; MIALHE, F. L. Educação e promoção da saúde: teoria e prática. 2. ed. São Paulo: Grupo GEN, 2018. (e-book) ROGERS, C. Tornar-se pessoa. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2017. https://www.institutopebioetica.com.br/documentos/manual-diagnostico-e-estatistico-de-transtornos-mentais-dsm-5.pdf https://www.institutopebioetica.com.br/documentos/manual-diagnostico-e-estatistico-de-transtornos-mentais-dsm-5.pdf https://www.institutopebioetica.com.br/documentos/manual-diagnostico-e-estatistico-de-transtornos-mentais-dsm-5.pdf https://www.medicinanet.com.br/cid10/a.htm https://www.medicinanet.com.br/cid10/a.htm https://languages.oup.com/google-dictionary-pt/ ROUQUAYROL, M. Z.; GURGEL, M. Epidemiologia e saúde. Rio de Janeiro: MedBook Editora, 2017. (e-book) STEDMAN, T. L. Dicionário médico. 27. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003. ZORZI, J. L. PROC: Protocolo de Observação Comportamental. São José dos Campos: Pulso, 2004.
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