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10.1 INTRODUÇÃO A terapia de substituição renal é utilizada para substituir a função renal, não para tratar o rim não funcionante. Existem três modalidades, discutidas a seguir: terapias hemodialíticas, diálise peritoneal e transplante renal. Pelo senso de diálise da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), de 2018, existem aproximadamente 130 mil pacientes em terapia dialítica no Brasil, e esse número aumenta ano após ano. Infelizmente, a evolução para doença renal em estágio terminal com necessidade de terapia substitutiva é frequente, independentemente da causa de Doença Renal Crônica (DRC). A maioria dos portadores de DRC em estágio 4 evolui, nos próximos meses a poucos anos, para estágio 5, além de necessitar de uma modalidade de terapia de substituição renal para manutenção de sua saúde. As diretrizes da Kidney Disease Outcomes Quality Initiative (KDOQI), recomendam que os pacientes com taxa de filtração glomerular estimada (eTFG) abaixo de 30 mL/min/1,73 m 2 sejam informados sobre essas questões. Quando há intercorrências urêmicas (encefalopatia, pericardite, pleurite, sangramentos), hipervolemia, hipertensão e acidose metabólica refratárias à medicação, há indicação formal para a instituição da diálise. Não existe uma taxa de filtração glomerular mínima que forneça uma indicação absoluta para começar a diálise na ausência de sintomas. Muitos permanecem relativamente assintomáticos, apesar de uma taxa de filtração glomerular abaixo de 10 mL/min/1,73 m 2 . Normalmente, esses pacientes não têm outras comorbidades e são relativamente jovens. O estudo IDEAL, o único randomizado, controlado, que analisou a mortalidade relacionada à precocidade do início da diálise, não demonstrou nenhuma diferença na sobrevida entre início precoce (TFG 10 a 14 mL/minuto) e tardio (TFG 5 a 7 mL/ minuto) da diálise em pacientes com DRC. Pacientes com TFG abaixo de 30 mL/min deveriam ser acompanhados por equipe nefrológica, com consultas frequentes (ao menos a cada três meses) e, com a progressão da DRC, antes do surgimento dos sintomas urêmicos e complicações volêmicas. Assim, seria iniciada a terapia renal substitutiva, o que incluiria seguimento nutricional, todo o preparo psicológico, entendimento da doença, preparo do acesso vascular, encaminhamento para as vacinações obrigatórias (como hepatite B e pneumocócica), estruturação da família e do emprego, ou seja, uma série de providências importantes que podem facilitar o manuseio do paciente e sua adaptação à terapia renal. Infelizmente, em especial no Brasil, os pacientes frequentemente chegam ao pronto-socorro com risco iminente de morte e com emergência dialítica. Em diabéticos não há consenso sobre se o início precoce da Na doença renal crônica, quais são as modalidades de terapias de substituição renal? diálise é ou não benéfico, devendo-se, então, seguir as mesmas indicações de pacientes não diabéticos. No passado, encaminhava-se para a diálise quando a taxa de filtração glomerular estava abaixo de 10 mL/min, em não diabéticos, ou abaixo de 15 mL/min, em diabéticos. Hoje, o início da diálise se correlaciona mais com os sintomas urêmicos do que com a taxa de filtração glomerular. Existem, ainda, indicações clínicas que precipitam o início do tratamento dialítico na DRC, como pode ser conferido a seguir. Para o início do tratamento dialítico na doença renal crônica, indicam-se: • Pericardite ou pleurite urêmica (indicação urgente) – nesses casos, deve-se realizar hemodiálise sem anticoagulação (heparina), em razão do risco de tamponamento; • Encefalopatia urêmica progressiva ou neuropatia, com sinais como confusão mental, asterix, mioclônus, queda do punho ou do pé ou, em casos graves, convulsões (indicação urgente); • Sangramento clinicamente significativo atribuído à uremia (indicação urgente); • Hipervolemia e congestão pulmonar importante, refratárias a diuréticos • Distúrbios metabólicos persistentes refratários à terapia medicamentosa, os quais incluem hipercalemia, acidose metabólica, hipocalcemia e hiperfosfatemia; • Hipertensão refratária a anti-hipertensivos, geralmente associada à sobrecarga hídrica; • Náuseas e vômitos persistentes; • Anemia refratária a tratamento com eritropoetina e reposição de ferro; • Perda de peso e sinais de desnutrição, com perda de massa muscular. No entanto, todas essas indicações são potencialmente ameaçadoras à vida. Elas ocorrem em pacientes com DRC muito avançada, como os que se apresentam com uremia intensa, sem acompanhamento médico prévio. Para pacientes em acompanhamento médico, postergar a diálise até uma ou mais dessas complicações estarem presentes pode colocá-los sob risco desnecessário. Dessa forma, a diálise deve ser iniciada bem antes de essas indicações se desenvolverem. Costuma-se dizer que o paciente tem que iniciar a diálise “pela porta da frente”, estável, com o mínimo de sintomas ou complicações, com acesso vascular (fístula arteriovenosa) confeccionado e bem orientado sobre as rotinas da unidade de diálise. #importante O preparo do paciente para início de terapia dialítica inclui: encaminhamento para acesso vascular, vacinações, seguimento nutricional, orientação psicológica e de assistente social, conhecimento e planejamento da nova rotina relacionada à diálise. 10.2 TERAPIA DIALÍTICA O princípio fisiológico básico da diálise é alterar a concentração de uma solução A após a sua exposição a uma solução B por meio de uma membrana semipermeável. Os mecanismos de diálise são governados pelos princípios fisiológicos subjacentes de difusão e ultrafiltração. Água e solutos de baixo peso molecular podem difundir- se livremente entre as duas soluções, a depender de suas diferenças de concentração, enquanto proteínas e solutos maiores ficam restritos a um ou a outro lado da membrana, gerando efeito osmótico; tem-se, então, a descrição do transporte difusional. Já o transporte convectivo é aquele originado na aplicação de pressão hidrostática sobre um dos dois compartimentos que contenham as soluções A e B, gerando movimento de solvente para o lado contralateral. Esse movimento pode, também, arrastar solutos. Assim, por meio desses dois mecanismos de transporte, difusional e convectivo, é que se têm os chamados clearance difusional e clearance convectivo. Na hemodiálise há uma pequena parcela adsorção, em que moléculas aderem às fibras capilares e, assim, são removidas da circulação. #importante Os três mecanismos de remoção de água e solutos plasmáticos nas modalidades dialíticas são: difusão, convecção e adsorção. Existem basicamente duas modalidades dialíticas (Figura 10.1), com algumas variações, que serão descritas a seguir. 10.2.1 Diálise peritoneal O transporte de solutos ocorre por meio da membrana peritoneal do próprio indivíduo; a membrana peritoneal age como membrana semipermeável, dividindo o compartimento cavidade peritoneal do compartimento vascular (capilares vasculares do próprio peritônio). Com isso, ao se infundir o líquido de diálise (ou dialisato) na cavidade peritoneal, em razão de um gradiente de concentração com o plasma, há troca de solutos (remoção de ureia, potássio, fosfato, etc.) e remoção de água. Para a realização de diálise peritoneal, existem dois tipos de acesso à cavidade peritoneal: • Urgente: quando há indicação de diálise urgente, um cateter é inserido na linha Alba, região infraumbilical, após esvaziar a bexiga; • Programada: nos pacientes acompanhados em pré-diálise, o cateter é instalado no centro cirúrgico e possui dois cuffs. Nos cateteres para diálise peritoneal crônica, é feito um túnel no subcutâneo em direção ao peritônio, para minimizar o risco de peritonite. O cateter mais usado é o de Tenckhoff. Os de diálise peritoneal, que são colocados na cavidade abdominal, podem ser utilizados imediatamente após a colocação. No entanto, para minimizar o risco de vazamento de fluido, é preferível aguardar ao menos 10a 14 dias antes de iniciar a diálise. As modalidades mais frequentes de diálise peritoneal crônica são: • Diálise ambulatorial peritoneal contínua (CAPD): a solução é infundida manualmente durante o dia e trocada de 3 a 4 vezes ao dia. O tempo de permanência da solução na cavidade peritoneal é tipicamente mais longo, aumentando o clearance de solutos à custa da ultrafiltração. Normalmente, deixa-se um banho na cavidade peritoneal durante toda a noite; ■ Diálise peritoneal automatizada noturna: as trocas são feitas automaticamente, em geral, no período noturno, por meio de uma cicladora. Pela manhã, pode-se deixar solução no peritônio para retirar à noite ou manter a cavidade vazia a depender da indicação e prescrição nefrológica. Diversos estudos avaliam benefício de diálise peritoneal como primeira modalidade de TRS, com os benefícios elencados a seguir: • Maior tempo para preparação de acesso vascular, para posterior hemodiálise; • Manutenção dos acessos vasculares; • Maior independência quanto à hemodiálise (o paciente dialisa em casa, não precisa frequentar uma clínica pelo menos 3 vezes por semana); • Melhor perfil hemodinâmico em cardiopatas; • Pacientes devem ter superfície corpórea pequena e função renal residual; • Em geral apresenta pior perfil metabólico, pois a maioria das soluções de diálise peritoneal tem a glicose como soluto produtor do gradiente osmótico, sendo pior para diabéticos. Soluções mais modernas têm a icodextrina, não absorvível, no lugar da glucose, formando o gradiente adequado para haver ultrafiltração; • Sobrevida semelhante em diálise peritoneal versus hemodiálise. A complicação mais grave associada à dialise peritoneal é a infecção (peritonite), que pode envolver o peritônio e o local de inserção do cateter. Geralmente a infecção ocorre em razão de uma falha na técnica de assepsia durante alguma etapa do procedimento. A apresentação habitual do quadro é de dor abdominal associada a líquido peritoneal turvo. Esses achados estão presentes em mais de 95% dos casos e são suficientes para o diagnóstico. Outros sinais e sintomas incluem febre, náuseas, diarreia e hipotensão. O diagnóstico deve ser considerado se o líquido peritoneal apresenta a contagem de células acima de 100 células/mL, com mais de 50% de polimorfonucleares (diagnóstico presuntivo). No entanto, cerca de 10% dos pacientes em diálise peritoneal apresentam menos de 100 células/mL, por causa da pobre resposta do hospedeiro. A cultura revela o agente em 90% dos casos, sendo os principais agentes etiológicos o Staphylococcus coagulase negativo ou Staphylococcus epidermidis. O tratamento deve ser realizado, preferencialmente, com a administração de antibióticos intraperitoneais, em decorrência do aumento da concentração local com essa modalidade, e tem duração de 14 a 21 dias. #importante A principal complicação associada à diálise peritoneal é a infecção, suspeitada na presença de dor abdominal e líquido peritoneal turvo. Outros problemas podem associar-se à concentração baixa de albumina no sangue (hipoalbuminemia). As complicações mais raras incluem peritonite esclerosante (cicatrização do peritônio), que pode acarretar obstrução parcial do intestino delgado e é contraindicação à manutenção desta modalidade dialítica. A principal complicação metabólica é a hiperglicemia, mesmo entre pacientes não diabéticos, em soluções de diálise que utilizam a glicose como agente osmótico. Cerca de 10% dos pacientes apresentam hérnias abdominais e inguinais. Quadro 10.1 - Causas de falha da diálise peritoneal 10.2.2 Terapias hemodialíticas – hemodiálise clássica, hemodiálise curta diária, hemodiálise noturna e hemodiafiltração A hemodiálise (HD) é a modalidade de terapia renal substitutiva mais empregada no mundo, inclusive no Brasil, uma vez que 92% dos pacientes em TRS a realizam. De acordo com o censo de diálise da SBN de 2018, existem pouco mais de 780 clínicas de diálise no Brasil, distribuídas especialmente nas regiões Sul e Sudeste (70%). Aproximadamente 133.000 pacientes encontram-se em diálise no país, sendo que o procedimento é custeado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para 80% dos pacientes, implicando elevados gastos para o sistema de saúde. Quase 65% dos pacientes se encontram na faixa etária abaixo dos 64 anos, demonstrando que a DRC acomete população economicamente ativa e produtiva no país. As terapias hemodialíticas são realizadas por intermédio de um filtro, que contém uma membrana semipermeável artificial, pela qual circula o sangue do paciente contra o fluxo de dialisato (separados pela membrana). Esse tratamento requer um acesso vascular que permita fluxo de sangue acima de 300 mL/min. Existem três tipos principais de acesso vascular para hemodiálise de manutenção: fístulas arteriovenosas (FAVs) primárias, enxertos arteriovenosos e cateteres de hemodiálise tunelizados. O acesso de escolha para hemodiálise crônica, na maior parte dos casos, é a fístula arteriovenosa (FAV), que é criada por cirurgia pela conexão direta de uma artéria a uma veia, tipicamente no braço, pois possibilita maiores fluxos de sangue com menor quantidade de complicações (principalmente infecciosas) do que os cateteres. As FAVs permanecem superiores às demais formas de acesso de diálise e estão associadas à obtenção de maior depuração, taxas de patência mais longas, menos complicações infecciosas e maior sensação de bem-estar geral. Porém, existem complicações relacionadas à FAV, como seroma, baixo fluxo, infecção, trombose, aneurisma, infecção e sobrecarga cardíaca, esta última especialmente em idosos e cardiopatas graves. Em pacientes com emergência dialítica e ainda sem fístula, utilizam-se cateteres de duplo lúmen de curta (como o Shilley) ou de longa permanência (como o Permcath®), de preferência na veia jugular direita, em que o risco de trombose, estenose venosa e pneumotórax é menor. A veia subclávia deve ser evitada, uma vez que a presença de cateteres calibrosos nela aumenta o risco de estenose vascular, impossibilitando a posterior confecção de uma fístula arteriovenosa no membro superior ipsilateral. Em portadores de DRC em acompanhamento médico conservador, deve-se indicar confecção de FAV quando o clearance de creatinina está abaixo de 20 mL/min. Após a confecção da FAV, deve-se aguardar no mínimo um mês, idealmente 3 meses para usá-la como acesso venoso para hemodiálise. O princípio da hemodiálise é este: o sangue é puxado para a máquina por meio de um rolete e percorre um circuito controlado por uma série de alarmes que identificam variações de pressão; percorre o interior do filtro por dentro de microtúbulos (capilares), ao redor dos quais circula a solução de diálise, e retorna ao paciente após passar por um sistema de cata-bolhas adaptado ao set venoso que impede a entrada de ar no sangue do paciente. Portanto, a membrana semipermeável da hemodiálise é o somatório da área desses microtúbulos, denominados capilares, os quais assumem determinadas características, conforme a sua composição. Os capilares podem ser confeccionados com diferentes materiais: derivados da celulose (cuprofane), bioimcompatíveis; derivados de materiais como polissulfona, poliacrilonitrila ou polimetilmetacrilato, biocompatíveis. As membranas biocompatíveis são menos capazes de ativar o sistema do complemento e os neutrófilos, por isso devem ser preferencialmente utilizadas. Na hemodiálise clássica, o fluxo de sangue é de 300 a 400 mL/min, e o fluxo da solução de diálise, de 500 a 800 mL/min. Atualmente, as soluções são preparadas com água tratada por um procedimento que se utiliza de filtros, denominado osmose reversa, acrescidas de bicarbonato, sódio, cálcio, magnésio e potássio. #importante Além da hemodiálise clássica, que utiliza o clearance difusível para a depuração de escórias do sangue do paciente, existem outros tipos de diálise realizados por meio da filtragem do sangue: hemofiltração ehemodiafiltração. A hemodiálise clássica (HD) é realizada três vezes por semana, em dias alternados, em geral com duração de 4 horas por sessão (somando 12 horas semanais), que os estudos clássicos em diálise demonstraram ser minimamente adequado. O princípio de remoção de solutos mais importante dessa modalidade é a difusão. Alguns parâmetros podem ser ajustados durante a terapia, não só na HD mas nas outras modalidades hemodialíticas: • Tempo de diálise; • Volume de ultrafiltrado – qual a taxa de remoção de líquido por sessão; • Fluxo de sangue – dependência de um bom acesso vascular (ideal acima de 300 mL/minuto); • Fluxo de dialisato (ideal acima de 500 mL/minuto); • Temperatura do banho de diálise – interfere na estabilidade hemodinâmica; • Concentração de sódio do banho – interfere na estabilidade hemodinâmica; • Potássio e cálcio no dialisato; • “Perfil” de sódio, temperatura e ultrafiltração – também interfere na estabilidade hemodinâmica. Na hemodiálise curta diária (HDd), a técnica é a mesma da HD clássica, porém as sessões mais curtas e frequentes. Cada sessão dura de 2 a 2h30 e são realizadas de segunda a sábado idealmente, totalizando as mesmas 12 horas semanais, porém distribuindo melhor o tempo durante a semana, sendo teoricamente mais fisiológico em termos de depuração de moléculas sanguíneas. Além disso, a terapia dialítica tem sua eficácia maior nas duas primeiras horas do procedimento, levando a um melhor controle de potássio, fósforo e níveis de ureia em comparação à HD clássica. Outro ponto de grande relevância é o menor período interdialítico dos pacientes em HDd; enquanto os pacientes em HD tem esse período de até 36 horas. Quem realiza HDd fica apenas 24 horas sem dialisar, evitando elevado acúmulo de líquido (menor ganho interdialítico) e apresentando menor risco de complicações relacionadas à hipercalcemia. As taxas de sobrevida em HDd também são maiores que na HD clássica. Resumindo, os principais benefícios da HDd são: • Aumento de sobrevida – as taxas de sobrevida se igualam às do transplante renal no longo prazo; • Redução da hipertrofia do ventrículo esquerdo; • Melhor controle de hipertensão arterial; • Menor ganho interdialítico; • Melhor controle de fósforo e potássio; • Menores complicações intradialíticas. A hemodiálise noturna utiliza o aumento do tempo de cada sessão para aumentar a remoção de moléculas sanguíneas e otimizar a depuração. Os pacientes realizam sessões de 8 horas, à noite durante o sono, em centros de diálise com estrutura para sua realização; as taxas de sobrevida são semelhantes à HDd. A hemodiafiltração (HDF) alia o clearance difusional (da hemodiálise) ao convectivo, permitindo maior remoção de moléculas médias, como a B2 microglobulina. Além disso, há maior remoção de citocinas inflamatórias, levando a menores taxas de complicações como amiloidose secundária a diálise. Na HDF, como o “arraste” de moléculas pelo clearance convectivo também provoca maior remoção de água do plasma, é necessária a infusão de uma solução de reposição, produzida on-line, exigindo uma osmose reversa segura, com duplo passo, para produção de água ultrapura. Alguns benefícios da HDF: • Poros maiores do capilar; • Aumento da remoção de solutos por convecção; • Maior remoção de fosfato; • Remoção de B2-microglobulina, quimiocinas inflamatórias; • Menor incidência de amiloidose secundária a diálise; • Melhores taxas de sobrevida; • Menores complicações intradialíticas. Figura 10.1 - Tipos de diálise Legenda: (A) diálise peritoneal ambulatorial contínua; (B) hemodiálise clássica. Fonte: Claudio Van Erven Ripinskas. Quadro 10.2 - Possíveis complicações da hemodiálise A eficiência da diálise é definida por meio de um marcador chamado KT/V (fórmula usada pela redução da ureia pré-ureia e pós-diálise). Na fórmula, K é a depuração de ureia do dialisador, multiplicada pelo tempo de tratamento (T) e dividida pelo volume de distribuição de ureia do paciente (V). O peso pode ser utilizado, porém o que usamos é a variação do peso pré e pós-diálise. Utilizamos o conceito de “diálise adequada” para avaliar a qualidade do tratamento oferecido ao paciente; esse conceito inclui os seguintes itens: • Kt/V – índice de remoção de ureia durante a sessão de hemodiálise acima de 1,3; • Ausência de complicações durante as sessões de hemodiálise – hipotensões, náuseas, vômitos, prurido, bacteriemia; • Ausência de desnutrição; • Controle da hipertensão arterial; • Controle do metabolismo mineral ósseo (fósforo, cálcio, vitamina D e PTH); • Melhora de qualidade de vida e reabilitação; • Aumento da sobrevida. 10.2.3 Escolha do método dialítico A escolha da técnica de diálise depende de uma série de fatores, como o estado catabólico do paciente, a quantidade e a velocidade de retirada de fluido (diretamente relacionada às necessidades nutricionais), a possibilidade do uso de anticoagulantes, a preferência do paciente e a estrutura familiar. Em situações de emergência, como no edema agudo pulmonar ou na hiperpotassemia, dá-se preferência à técnica de hemodiálise clássica por se tratar de um procedimento com alta eficiência em curto espaço de tempo. No entanto, essas vantagens podem transformar-se em desvantagens, a depender da situação: a rápida correção de distúrbios hidroeletrolíticos pode predispor a arritmias graves; os altos fluxos de sangue podem precipitar hipotensão em pacientes graves; a necessidade de anticoagulação pode predispor a sangramentos. O paciente, em geral, precisa ser anticoagulado durante o procedimento (heparina), ou pode-se optar por anticoagulação regional, apenas do circuito, com uso de citrato. Na impossibilidade de anticoagulação, recorre-se ao esquema de lavagem do capilar com soro a cada 30 minutos, o que dificulta os procedimentos prolongados. Vale ressaltar que, a princípio, qualquer modalidade de diálise é apropriada, respeitando-se a limitação de cada paciente, as características de cada serviço e a experiência da equipe profissional, desde que se ofereça uma quantidade adequada de diálise. Outro ponto importante é a fonte pagadora; infelizmente o SUS custeia apenas as modalidades de hemodiálise clássica e diálise peritoneal, portanto esse paciente não tem acesso a modalidades que têm se mostrado melhores em termos de aumento de sobrevida, como a HDd e HDF. Deve-se programar a quantidade de diálise necessária para cada paciente, conhecendo as características de cada patologia e a situação clínica em detalhes, procurando ao mesmo tempo corrigir os distúrbios existentes e prevenir aqueles já esperados. 10.3 TRANSPLANTE RENAL O transplante renal é o tratamento de escolha para doença renal terminal. Um transplante renal bem-sucedido melhora a qualidade de vida e reduz o risco de mortalidade para a maioria dos pacientes, quando comparado à diálise de manutenção. É considerada a mais completa alternativa de substituição da função renal, pois substitui não só as funções de filtração renais em sua plenitude, mas também as funções endócrinas renais. Basicamente existem dois tipos de transplante renal quanto ao tipo de doador: doador falecido (mais comum) e doador vivo, sendo este último com maiores taxas de sucesso e sobrevida do enxerto. No Brasil são realizados mais de 6 mil transplantes por ano, sendo que aproximadamente 35.000 pacientes estão inscritos nas secretarias de saúde a espera de um rim. Praticamente todos os pacientes com DRC estágio cinco tem indicação de transplante renal, porém existem algumas contraindicações absolutas ao transplante: • Injúria renal de causa reversível; • Sepse/quadros infecciosos ativos; • Positividade de PCR para SARS-CoV-2; • Doenças oncológicas ativas; • Quadros psiquiátricos ativos/uso de drogas ilícitas; • Obesidade (IMC acima de 35); • Baixa expectativa de vida; • Doenças cardiovasculares descompensadas; • Idade acima de 70 anos (relativa); • Vontade do paciente; • IncompatibilidadeABO; • Prova cruzada (crossmatch) positiva. Adicionalmente, existem contraindicações relativas, que são situações de provável impedimento ao transplante, mas que podem ser discutidas diante de casos específicos, como infecções bacterianas ou tuberculose em tratamento; doença coronariana; hepatite ativa; úlcera péptica em atividade; doença cerebrovascular; má adesão ao tratamento; sorologia positiva para HIV (se a infecção por HIV está controlada, com baixa carga viral, o transplante pode ser considerado em casos selecionados). É importante salientar que idade avançada, etiologia de base da doença renal e transplante renal prévio não são contraindicações ao transplante renal. Transplantes de doadores vivos, se disponíveis, têm a vantagem adicional de serem realizados com o mínimo de atraso, permitindo ainda o transplante preemptivo (transplante antes da diálise). Esses pacientes parecem ter melhor sobrevida do enxerto em comparação àqueles que passam por um período de diálise antes do transplante. O rim a ser transplantado pode ter duas origens diferentes: • Rim de doador falecido: trata-se de órgão removido de indivíduo em morte cerebral; • Rim de doador vivo relacionado: trata-se de um órgão ofertado por familiar do indivíduo renal crônico, mais raramente por cônjuge. O doador deve fazer isso de livre e espontânea vontade e passar por extensa avaliação antes de ser aprovada a doação, para garantir (1) que exista compatibilidade com o doador, (2) que o risco da cirurgia de doação seja aceitável, (3) que não existam características de risco para doença renal na história clínica e nos exames deste doador e (4) que não sejam transmitidas doenças infecciosas do doador para o receptor. O rim transplantado é colocado na fossa ilíaca do paciente, e o ureter é fixado à bexiga ou anastomosado ao ureter do receptor. A artéria e as veias renais são unidas à artéria e às veias ilíacas externas, respectivamente (Figura 10.2). Figura 10.2 - Rim transplantado na fossa ilíaca direita Fonte: acervo Medcel. Após o transplante, os pacientes devem receber cuidados especializados e fazer uso continuado de medicamentos imunossupressores para evitar a rejeição do órgão. As principais complicações do transplante renal são infecciosas, em razão da imunossupressão. No entanto, em casos mais raros, pode haver complicações cirúrgicas como trombose vascular renal, deiscência de anastomose vascular e fístulas urinárias. Em longo prazo, há um aumento do risco de aparecimento de neoplasias em decorrência da imunossupressão crônica. As principais neoplasias são pele, lábios, câncer de colo uterino e linfomas não Hodgkin. A principal complicação do transplante renal é a infecção. Quanto às complicações cirúrgicas, há trombose vascular renal, deiscência de anastomose vascular e fístulas urinárias. Mais detalhes sobre o assunto serão abordados no capítulo específico sobre transplante renal. 10.4 OUTRAS MEDIDAS IMPORTANTES NO PORTADOR DE DOENÇA RENAL CRÔNICA • Vacinação para hepatite B, se o anti-HBs for negativo. Certas vezes, os pacientes com DRC têm dificuldade para soroconverter e necessitam de dose dobrada da vacina; • Todo paciente que vai dialisar ou está em pré-diálise deve ser avaliado com relação a seu perfil infeccioso, que inclui sorologias para hepatite B, hepatite C e HIV; • Toda medicação administrada deve ser checada. Se nefrotóxica, e se for possível, deve-se substituí-la. Não sendo nefrotóxica, deve-se verificar a necessidade de ajuste de doses de acordo com o clearance do paciente. Não se devem usar anti- inflamatórios não esteroides em portadores de DRC; • Evitar, sempre que possível, o uso de contrastes iodados, bem como tentar métodos complementares alternativos (ultrassonografia). Em caso de real necessidade, deve ser realizada profilaxia de nefropatia por contraste, principalmente com hidratação venosa, conforme discutido em detalhes no capítulo sobre insuficiência renal aguda; • Deve-se permitir que o paciente, especialmente aquele em pré-diálise, tenha um acompanhamento multidisciplinar: psicológico, nutricional, social, entre outros. Convém sempre avaliar o paciente com doença renal crônica quanto ao seu perfil infeccioso, incluindo sorologias para hepatite B (vacinar aqueles anti-HBs negativo), hepatite C e HIV. 10.5 TRATAMENTO CONSERVADOR Como o envelhecimento da população e o aumento de comorbidades coexistentes graves, muitos médicos estão optando por tratamento conservador da doença renal terminal, ou seja, isso significa cuidado conservador do paciente sem indicação de terapia de substituição renal, como diálise ou transplante. Os componentes incluem tratamento médico da doença renal, gestão dos sintomas e cuidados de fim da vida. Todos devem receber tratamentos para atenuar os sintomas, e o grau de utilização desses tratamentos para retardar a progressão da doença renal é individualizado e depende do prognóstico, da qualidade de vida e do desejo do paciente de prolongar a própria vida. O tratamento conservador inclui: • Uso de inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona; • Controle da pressão arterial; • Controle da anemia se por deficiência de eritropoetina ou deficiência de ferro; • Controle de cálcio, fósforo, vitamina D e paratormônio (PTH), a fim de evitar os distúrbios minerais e ósseos; • Controle da acidose e da hipercalemia; • A restrição de proteínas ainda é algo questionável para pacientes em cuidados terminais. O controle dos sintomas, como fadiga, dor, falta de apetite, prurido, falta de ar e edema, é feito com sintomáticos. Os diuréticos podem auxiliar os sintomas de edema e falta de ar. A fadiga é um sintoma comum de pacientes com doença renal avançada, muito ligada aos níveis baixos de hemoglobina. Os sintomas de anorexia, náuseas e vômitos significam avanço da doença renal ou declínio geral e são tratados com antieméticos associados ao tratamento da acidose. A metoclopramida é um antagonista da dopamina que tem propriedades tanto antieméticas quanto procinéticas e é eficaz para gastroparesia e uremia. Outros agentes eficazes incluem ondansetrona e baixas doses de haloperidol. A acidose metabólica também deve ser evitada. O prurido é comum e pode ser incômodo; as recomendações de tratamento de primeira linha incluem o tratamento de PTH, fósforo e cálcio e o uso de tratamentos tópicos. Para sintomas resistentes, anti-histamínicos, gabapentina e sertralina podem ser eficazes. O tratamento conservador da doença renal terminal é um processo sobre o qual os pacientes, os familiares e a equipe assistencial devem dialogar, refletir e discutir, abordando a trajetória de fim de vida com cuidado conservador e delineando as preferências de cuidado do indivíduo doente. Na doença renal crônica, quais são as modalidades de terapias de substituição renal? A terapia de substituição renal no paciente com DRC pode ser realizada por meio de hemodiálise clássica, hemodiálise curta diária, hemodiálise noturna, hemodiafiltração, diálise peritoneal e transplante renal. Os pacientes com TFG abaixo de 30 mL/min já devem ser orientados sobre a eventual necessidade futura de realizar terapias dialíticas, visto que a doença em si tem caráter progressivo, apesar dos esforços do nefrologista e da equipe multiprofissional para retardar a progressão da perda renal. Deve-se providenciar o acesso vascular adequado (FAV preferencialmente), preparar o paciente física e psicologicamente para a nova etapa do tratamento, definir junto com a família qual a melhor modalidade de terapia de substituição renal e, finalmente, programar seu início em programa. Não devemos esperar o paciente apresentar sinais ou sintomas de urgência dialítica, como encefalopatia, pericardite, pleurite, hipervolemia, hipertensão, acidose metabólica refratária à medicação, náuseas e vômitos persistentes. O paciente deve entrar em diálise pela porta da frente, bem orientado, com o mínimo de complicaçõese sintomas associados à DRC, para que haja melhor aceitação e melhores taxas de sobrevida em médio e longo prazo. Na doença renal crônica, quais são as modalidades de terapias de substituição renal? 10.1 INTRODUÇÃO #importante 10.2 TERAPIA DIALÍTICA #importante 10.2.1 Diálise peritoneal #importante Quadro 10.1 - Causas de falha da diálise peritoneal 10.2.2 Terapias hemodialíticas – hemodiálise clássica, hemodiálise curta diária, hemodiálise noturna e hemodiafiltração #importante Figura 10.1 - Tipos de diálise Legenda: (A) diálise peritoneal ambulatorial contínua; (B) hemodiálise clássica. Fonte: Claudio Van Erven Ripinskas. Quadro 10.2 - Possíveis complicações da hemodiálise 10.2.3 Escolha do método dialítico 10.3 TRANSPLANTE RENAL Figura 10.2 - Rim transplantado na fossa ilíaca direita Fonte: acervo Medcel. 10.4 OUTRAS MEDIDAS IMPORTANTES NO PORTADOR DE DOENÇA RENAL CRÔNICA 10.5 TRATAMENTO CONSERVADOR Na doença renal crônica, quais são as modalidades de terapias de substituição renal?
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