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Literatura Comparada: Reflexões


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ALEA | Rio de Janeiro | vol. 18/1 | p. 147-152 | jan-abr. 2016 147MAURICIO SILVA | Resenha de: Literatura comparada. Reflexões
COUTINHO, Eduardo. Literatura comparada. Reflexões. São Paulo, Annablume, 
2013.
Mauricio Silva
Universidade Nove de Julho 
São Paulo, SP, Brasil
Professor titular de Literatura Comparada da Universidade Federal 
do Rio de Janeiro (UFRJ), e de diversas universidades estrangeiras, além de 
membro fundador e ex-presidente da Associação Brasileira de Literatura 
Comparada (ABRALIC), Eduardo Coutinho publica em 2013 um livro que, 
de certo modo, é uma espécie de continuação do livro que publicou há dez 
anos (Literatura comparada na América Latina: ensaios), como o próprio autor 
lembra em seu prefácio. Privilegiando aspectos do comparatismo literário na 
segunda metade do século XX e no contexto da América Latina, Coutinho 
elenca alguns textos publicados anteriormente em revistas acadêmicas ou cole-
tâneas de estudos teóricos sobre o tema. Pode-se dizer que são três os temas 
principais analisados e discutidos pelo autor nesse seu novo livro: 1. o compa-
ratismo literário em geral e suas relações com áreas afins (crítica literária, his-
toriografia literária, tradução etc.); 2. a relação entre a Literatura Comparada e 
o advento do pós-modernismo/pós-modernidade; 3. a presença da Literatura 
Comparada na América Latina, problematizando essa proximidade.
Em relação ao primeiro tema, Coutinho destaca – em “Literatura com-
parada: reflexões sobre uma disciplina acadêmica” (2013: 11-31) – o fato de 
que a Literatura Comparada tem como marca fundamental o conceito de 
transversalidade, tanto em relação à fronteira entre nações e idiomas quanto 
em relação aos limites entre áreas do conhecimento. Retoma, nesse sentido, 
alguns momentos do comparatismo literário, como o de Guyard (La littérature 
comparée, 1951), com o predomínio dos binarismos da Escola Francesa ou o de 
Pichois e Rousseau (La littérature comparée, 1967); como o de Owen Aldridge 
(Comparative literature, 1969), com uma perspectiva mais abrangente, rela-
cionada à interdisciplinaridade, da Escola Americana ou o de Henry Remak 
(Comparative literature, 1961). Para o autor, a noção de transversalidade, con-
tudo, se faz mais explícita na inter-relação da literatura com outras áreas do 
conhecimento, tendência que vem se ampliando cada vez mais atualmente. 
Trata-se, portanto, de uma das principais preocupações teórico-metodológi-
cas dos pesquisadores da área, repercutindo, no presente, a contribuição dos 
Estudos Culturais e Pós-Coloniais no campo do comparatismo, que desvia a 
ênfase no literário (ainda presente mesmo na Escola Americana) para outras 
http://dx.doi.org/10.1590/1517-106X/181-147
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áreas do saber: hoje, pode-se dizer, prevalece um sentido de interdisciplinari-
dade entre culturas.
Já em “Criação e crítica: reflexões sobre o papel do crítico literário” 
(2013: 99-108), Coutinho trata do papel e da natureza da Crítica Literária, 
afirmando que “é possível intuir-se até certo ponto a qualidade de uma obra, 
mas não estabelecerem-se critérios objetivos de avaliação” (2013: 101). Essa 
situação se torna mais evidente com questões trazidas pela pós-modernidade, 
levando a Crítica a “mergulha(r) em terreno pantanoso, sem parâmetros defi-
nidos” (2013: 104), resultando numa “espécie de relativização segundo a qual 
os critérios de avaliação passam a oscilar de acordo com o olhar adotado e o 
locus de enunciação do estudioso” (2013: 105). Reflexões análogas a esta o 
autor faz em relação à tradução, quando – em “Literatura comparada e tra-
dução no Brasil: breves reflexões” (2013: 109-119) – lembra que a tradução 
vem sendo tradicionalmente considerada uma atividade secundária, situação 
que sofre significativa transformação com o advento dos Estudos Culturais, 
os Estudos Pós-Coloniais e a Desconstrução: a Tradução (ou o que passou a 
se chamar Estudos de Tradução) torna-se mais valorizada, destacando dife-
renças históricas e culturais, rompendo com a hierarquia entre o original e 
o traduzido: “dentro dessa perspectiva, traduzir se torna estabelecer um diá-
logo, e não apenas no nível linguístico, mas principalmente no nível cultu-
ral” (2013: 112); ou quando lembra – em “O comparatismo nas fronteiras 
do conhecimento: contradições e conflitos” (2013: 121-133) – que, ao con-
trário da lógica iluminista, a pós-moderna considera o conhecimento como 
algo instável, desqualificando a noção de fronteira e a compartimentação de 
saberes e valorizando noções como as de interdisciplinaridade e transdisci-
plinaridade e, finalmente, colocando em xeque o “privilégio concedido ao 
texto literário” (2013: 123) pelo comparatismo tradicional. Amplia-se, assim, 
a reflexão em torno da produção literária, incentivando suas relações extrínse-
cas com contextos históricos, sociológicos, psicológicos etc. e promovendo o 
diálogo com as demais disciplinas: “as fronteiras, embora tênues, que ainda 
marcavam o comparatismo foram amplamente esgarçadas, e a disciplina 
[Literatura Comparada], além de absorver elementos de outras e de prestar 
subsídios a suas elaborações, tem-se erigido como espaço de reflexão sobre a 
produção, a circulação e a negociação de objetos e valores, contribuindo assim 
de maneira decisiva para a esfera mais ampla dos Estudos de Humanidades” 
(2013: 127). Tem-se, desse modo, que os princípios tradicionais do compara-
tismo literário foi combatido pelos Estudos Culturais, além de ter muitos de 
seus pressupostos questionados pelos Estudos Pós-Coloniais.
Em relação ao segundo tema, o autor – em “Revisitando o pós-moderno” 
(2013: 33-58) – começa distinguindo pós-modernidade de pós-modernismo, 
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nos seguintes termos: “encaramos a pós-modernidade como um fenômeno 
geral, uma Weltanschauung, que implica uma série de transformações no 
panorama cultural ocidental, e o pós-modernismo como um estilo de época, 
marcado por traços mais ou menos definíveis, que refletem tais transforma-
ções” (2013: 34). O autor se propõe a abordar esses conceitos no contexto 
latino-americano (em particular, no brasileiro), tendo como eixo da dis-
cussão a tensão entre identidade e diferença. Lembra, por exemplo, que o 
Modernismo, ao se opor à representação realista, instaura uma crise da repre-
sentação, conferindo à obra de arte uma autonomia que a dissociava do con-
texto histórico e a destituía de preocupações fora da ordem estética, ligando-
se à racionalidade. Após a Segunda Guerra Mundial, essa perspectiva começa 
a apresentar sinais de exaustão, e a partir dos anos 50-60 seus pressupostos 
começam a ser colocados em xeque pelo que, depois, se convencionou cha-
mar de pós-modernismo. A obra de arte, então, deixa de ser modelar, rom-
pendo-se a separação entre o erudito e o popular e revalorizando o contexto 
histórico: “partindo da consciência de sua condição de discurso e do reco-
nhecimento de seu caráter histórico, o pós-moderno põe em xeque princípios 
como valor, ordem, significado, controle e identidade, que constituíram pre-
missas básicas do liberalismo burguês, e se erige como um fenômeno funda-
mentalmente contraditório, marcado por traços como o paradoxo, a ambi-
guidade, a ironia, a indeterminação e a contingência. Desaparece, assim, a 
segurança ética, ontológica e epistemológica, que a razão garantia no para-
digma moderno e o pós-moderno se insurge como o reino da relatividade” 
(2013: 40). E completando: 
O fenômeno pós-moderno se revela justamente naquelas obras em que se 
vislumbra uma pluralidade de linguagens, modelos e procedimentos, e onde 
oposições como aquelas entre realismo e irrealismo, formalismo e conteudismo, 
esteticismo e engajamento político, literatura erudita e popular cedem lugar 
a uma coexistência em tensão dessesmesmos elementos. Utilizando-se da 
paródia e de outros recursos técnicos desestabilizadores, o Pós-Modernismo 
desestrutura figuras e vozes narrativas estáveis e problematiza toda a noção 
tradicional de conhecimento histórico, pondo em questão ao mesmo tempo 
todas as instituições e sistemas que constituem as fontes básicas de significado 
e valor da tradição estética ocidental. (2013: 41)
Analisando o fenômeno do Pós-Modernismo historicamente, Coutinho 
lembra que, nos anos 1960, ele se afirma como um movimento de contestação 
e irreverência, ligando-se aos movimentos de arte pop e, de certo modo, revi-
talizando alguns movimentos de vanguarda e dando-lhes uma roupagem mais 
norte-americana; nos anos 1970 e 1980, o conceito se alia a uma visão mais 
crítica da realidade, para, nos anos 1990, a participação de minorias conferir-
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lhe um sentido próximo da então chamada literatura pós-colonial (e, também, 
dos Estudos Culturais), retomando, além disso, a questão da representação e do 
sujeito, fazendo com que o Pós-Modernismo adquira um sentido mais político, 
na medida em que passa a contestar toda sorte de etnocentrismo. Para o autor, 
no contexto latino-americano, o conceito de Pós-Modernismo remete, princi-
palmente, à produção artística pós-segunda metade do século XX.
Finalmente, em relação ao terceiro tema, começa tratando – em “América 
Latina: o móvel e o plural” (2013: 59-67) – do termo América Latina, desde 
a chegada dos europeus associado à ideia de colonização e, na sequência, vin-
culado a processos de independência e de afirmação de identidades locais. 
A ideia passa por algumas ampliações semânticas, incluindo o Brasil e, pos-
teriormente, a América Central, caráter mais inclusivo que vai se afirmando 
também com as novas correntes teóricas de reflexão acerca da cultura (Nova 
História, Estudos Culturais, Estudos Pós-Coloniais etc.). 
Em “Transferências e trocas culturais na América Latina” (2013: 69-84), 
afirma que a Literatura Comparada, desde o início, surge “como um conceito 
relacional, ou, melhor, como o estudo das relações entre produções literárias 
distintas” (2013: 69), diferenciando-se das literaturas nacionais por ter como 
objeto “produtos literários, e por extensão culturais, distintos, caracterizando-se 
como o estudo dos contatos, trocas, intercâmbios e embates entre tais produtos, 
ou, para colocar em termos mais acadêmicos, como o estudo, mais ou menos 
sistemático, dos diálogos entre culturas” (2013: 70). Após uma fase de ênfase 
quase que exclusiva no texto literário (como se verifica na Escola Americana), o 
advento dos Estudos Culturais ressaltou, no âmbito do comparatismo literário, 
aspectos mais gerais da literatura, contribuindo para “situar a reflexão literária 
num âmbito mais geral que diz respeito à cultura de uma ou de várias socie-
dades” (2013: 71). Essa postura contribui significativamente para uma com-
preensão mais larga da realidade latino-americana, quase sempre vista numa 
dependência da europeia, prejudicando leituras que a pudessem contemplar 
como um “espaço distinto do eurocentrismo” (2013: 73). É o que propõem 
teorias como as de heterogeneidade cultural (Cornejo Polar), culturas híbridas 
(Canclini), heterogeneidade cultural heterônoma (Brunner), pós-ocidentalismo 
(Mignolo) e outras, novos modos e novas estratégias de leitura diante de um 
espaço cultural plural. Nesse contexto, o atual papel da Literatura Comparada 
(não, evidentemente, a tradicional, que aborda as relações a partir do modelo 
europeu) torna-se fundamental, no sentido de promover “um comparatismo 
que permita o contraste entre distintas práticas sociais discursivas procedentes 
de culturas diferentes que convivem em um mesmo espaço-tempo” (2013: 89). 
Trata-se, assim, de um comparatismo que reconhece a existência de práticas 
discursivas próprias de contextos colonizados; reconhece, portanto, o conheci-
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mento produzido pelo outro: “trata-se, em última instância, de um compara-
tismo situado no contexto de onde olhamos, que, ao contrastar as produções 
locais com as provenientes de outros lugares, instaure uma reciprocidade cul-
tural, uma interação plural, que induz conhecimento a partir do contacto com 
outras culturas” (2013: 83).
Já em “Cartografias literárias na América Latina: algumas reflexões” 
(2013: 85-108), o autor afirma que a nova historiografia literária vem procu-
rando formular um “discurso fundamentalmente plural, heterogêneo, repre-
sentado por múltiplos sujeitos, que dê conta da diversidade dos universos 
representados” (2013: 86), desafiando os historiadores literários a produzir 
um relato inclusivo. Assim, o discurso nacional contemporâneo precisa ser um 
espaço de negociação e conversação pelos sujeitos que compõem o cenário da 
nação, sendo colocada em suspeição a ideia de uma versão oficial e única dos 
fatos. No âmbito da historiografia literária, portanto, “a busca da constru-
ção de uma história democrática da produção literária de uma nação [deve] 
passar necessariamente pelo questionamento [do] cânone [oficial], sobre-
tudo com seus vieses excludentes e elitistas” (2013: 87). Nesse processo de 
redimensionamento da historiografia literária, os Estudos Culturais desem-
penham papel relevante, incluindo entre as preocupações daquela dos dis-
cursos e saberes, ultrapassando as fronteiras do que até então era considerado 
literário: “agora, ao lado do exame do texto, bem como dos gêneros, estilos 
e topos, que por tanto tempo alicerçaram as obras de História da Literatura, 
torna-se relevante também a análise do campo em que se produziu a expe-
riência literária, e o contexto de recepção da obra é tratado com a mesma 
importância do de produção” (2013: 89). Nesse novo contexto, o discurso 
da historiografia literária passa a ser visto como uma construção: “Como são 
muitos os sujeitos sociais que passam a narrar a história, e esses sujeitos pro-
cedem de origens distintas, o idioma canônico deixa de ser a única forma de 
expressão de uma determinada comunidade, passando a aceitar outras lin-
guagens, e rompendo-se, assim, com toda sorte de visão monolítica do real” 
(2013: 90). Nesse contexto ainda, em que a episteme pós-moderna coloca em 
xeque os discursos autoritários, a historiografia literária vem adquirindo uma 
nova face, que se organiza tanto no eixo temporal (substituindo uma noção 
de progressão/evolucionismo pela de simultaneidade) quanto no espacial 
(considerando regiões culturais até então excluídas do cânone), além de um 
alargamento das formas literárias, incorporando algumas tradicionalmente 
excluídas da historiografia (como o corrido mexicano ou o cordel brasileiro). 
Por fim, em “Velhas dicotomias que se enlaçam: voz/letra, público/pri-
vado no universo latino-americano” (2013: 135-145), o autor trata, entre 
outras coisas, da reverência à cultura letrada no processo de colonização da 
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América Latina (“A palavra falada, a voz, pertencia ao reino do inseguro e do 
precário; e a escritura, ao contrário, possuía rigidez e permanência, um modo 
autônomo que arremedava a eternidade”, 2013: 138).
Pode-se dizer que seu livro é uma consciente e bem fundamentada apo-
logia dos ganhos e achados oferecidos ao comparatismo literário – em vários 
de seus níveis de atuação prática – pelas novas teorias que, na contempora-
neidade, recebem a designação de Estudos Culturais e Pós-Coloniais e abor-
dagens congêneres, dentro do que o autor chama de episteme pós-moderna.
Mauricio Silva possui doutorado e pós-doutorado em Letras Clássicas e Vernáculas 
pela Universidade de São Paulo. Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em 
Educação, na UniversidadeNove de Julho (São Paulo), é autor dos livros A Hélade e o 
Subúrbio. Confrontos Literários na Belle Époque Carioca (São Paulo, Edusp, 2006); 
A Resignação dos Humildes. Estética e Combate na Ficção de Lima Barreto (São Paulo, 
Annablume, 2011), entre outros. É organizador da coleção de Literatura Brasileira 
Contemporânea, pela Editora Terracota, atualmente com três títulos publicados. 
Endereço para correspondência: Rua General Rondon, 44 – Ap. 10 – São Paulo – 
SP – 01204-010. E-mail: maurisil@gmail.com.
Recebido em: 22/09/2015 
Aprovado em: 25/9/2015