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XII Colóquio Técnico Científico de Saúde Única, Ciências Agrárias e Meio Ambiente MIOCARDITE CAUSADA POR PARVOVÍRUS CANINO TIPO 2 (CPV-2) Emanuelle Moreira Antunes1*, Clara Del Rio Santos1, Luiz Flávio Telles2. 1Discente no Curso de Medicina Veterinária – Centro Universitário UNA – Contagem/MG – Brasil – *Contato: emanuellemoreira.a@gmail.com 2Docente do Curso de Medicina Veterinária – Centro Universitário UNA – Contagem/MG – Brasil INTRODUÇÃO A parvovirose canina é causada pelo Parvovírus canino, que é reconhecido como o agente responsável pelas duas principais formas da doença: a enterite necrótica, caracterizada por altas taxas de morbidade e mortalidade, e a miocardite não supurativa12,18. As manifestações clínicas e patológicas das infecções pelo Parvovírus canino estão fortemente ligadas à idade do animal no momento da infecção14,18, sendo que pode surgir devido à infecção intrauterina ou em filhotes com até oito semanas de idade3,12,14. Nos casos em que ocorre a miocardite, os animais podem falecer subitamente ou após um breve episódio de dispneia, vocalização, inquietação e ânsia de vômito3. Em alguns casos, podem exibir lesões generalizadas devido a uma insuficiência cardíaca congestiva aguda11. Cães que superam a fase aguda da doença podem desenvolver problemas cardíacos e evoluir para uma insuficiência cardíaca congestiva crônica3, 18. MATERIAL Para a realização deste resumo, utilizou-se como fontes de pesquisa artigos científicos, revisões de literatura, trabalhos de conclusão de curso (TCC) e livros publicados de 1980 a 2019, nas bases de dados Scopus, Web of Science, SciELO e Google Acadêmico. Os critérios de seleção dos materiais foram a relevância e a qualidade deles, bem como a adequação ao objetivo e à abordagem deste estudo. A partir da análise dos materiais selecionados, foi elaborada uma síntese dos principais aspectos teóricos e práticos relacionados ao tema. RESUMO DE TEMA O vírus da parvovirose canina pertence ao gênero Parvovirus e à família Parvoviridae. Os vírus dessa família são caracterizados por serem pequenos, com diâmetro de aproximadamente 18 a 26 nm, terem forma esférica, não possuírem envelope e apresentarem um capsídeo icosaédrico10,13. O genoma do vírus consiste em uma molécula de DNA linear de fita simples, contendo aproximadamente 500 bases10,16. Uma característica fundamental dos parvovírus é que sua replicação requer a presença de células na fase S do ciclo celular13. Essa exigência ocorre devido à necessidade da maquinaria celular para a síntese de DNA e replicação viral5,13. Após o processo de infecção, o CPV-2 é predominantemente encontrado no trato gastrointestinal (incluindo língua, esôfago e intestino delgado), nos tecidos linfoides (como timo, nódulos linfáticos e placas de Peyer) e na medula óssea. No caso de fetos dentro do útero materno ou em cães com menos de 8 semanas de vida, o vírus demonstra uma afinidade maior pelo miocárdio, levando à ocorrência de miocardite e, por conseguinte, à falência cardíaca8,17. A vacinação das cadelas ou sua exposição natural ao agente patogênico permite o desenvolvimento de níveis elevados de anticorpos. Esses anticorpos podem ser transferidos aos filhotes, seja através da placenta durante a gestação ou pelo colostro após o nascimento, o que confere proteção durante o período neonatal, quando estes são mais suscetíveis à infecção9. Portanto, essa forma da doença é relatada como ocorrendo apenas esporadicamente, geralmente em neonatos ou filhotes que não receberam imunidade passiva, ou que nasceram de cadelas que não foram vacinadas3,9. Contudo, quando ocorre miocardite necrosante em filhotes, a consequência é uma alta taxa de mortalidade ou a progressão para lesões cardíacas graves2,6. A variante miocárdica dessa doença pode levar à perda total da ninhada, pois é comum que todos os filhotes sejam infectados3,7. Alguns pesquisadores sugerem que o CPV-2 pode ser uma causa subestimada de miocardite, lesões cardíacas e fibrose em cães jovens. Em um estudo retrospectivo, o DNA foi extraído de tecidos cardíacos preservados em parafina e fixados em formol de 40 casos de necrose, inflamação ou necrose miocárdica, e de 41 casos controle, todos com menos de dois anos de idade. O DNA do CPV-2 foi detectado em 30% (12/40) dos animais com problemas cardíacos e em 5% (2/41) dos casos controle. Com base nesses resultados, os pesquisadores sugerem que pode haver uma janela de susceptibilidade cardíaca mais ampla do que a considerada anteriormente. Consequentemente, o estudo concluiu que o CPV-2 continua sendo uma causa significativa de danos cardíacos em cães6. A miocardite manifesta-se como não supurativa, podendo levar à morte súbita devido a insuficiência cardíaca e arritmias1. Em casos de parvovirose, animais que desenvolvem sepse podem também desenvolver miocardite devido à enterite e bacteremia associadas à doença. Os sinais de insuficiência cardíaca podem se manifestar imediatamente, mas em algumas situações, só se tornam evidentes durante a necropsia19. Animais afetados por miocardite podem apresentar arritmias cardíacas, além de edema pulmonar, dificuldade respiratória, tosse, acúmulo de líquido na cavidade abdominal, gemidos e desmaios8. Alguns animais conseguem sobreviver à fase aguda da doença, mas posteriormente podem desenvolver insuficiência cardíaca crônica, tornando-se cardiopatas ao longo de suas vidas7. Macroscopicamente, a miocardite se manifesta como faixas pálidas no nível do miocárdio8 (Fig.1). Figura 1: Coração marcadamente globoso e difusamente pálido (Fonte: SOUTO, E.P.F. et al.). A lesão primária envolve necrose multifocal dos cardiomiócitos, com infiltrado inflamatório de intensidade variável. Os corpúsculos de inclusões virais intranucleares basofílicos em cardiomiócitos são características marcantes14 e são observados com mais frequência na fase aguda da doença (Fig. 2). À medida que o processo patológico se torna crônico, a fibrose predomina7 (Fig. 3). Figura 2: Corpúsculo de inclusão viral intranuclear basofílico em cardiomiócito (seta). In set, observa-se inclusão intranuclear (Fonte: SOUTO, E.P.F. et al.). XII Colóquio Técnico Científico de Saúde Única, Ciências Agrárias e Meio Ambiente Figura 3: Tecido conjuntivo fibroso substituindo as fibras cardíacas. (Fonte: SOUTO, E.P.F. et al.). Uma consequência da miocardite aguda é o desenvolvimento de cardiomiopatia dilatada4. A transição da miocardite para a cardiomiopatia dilatada ocorre em três fases, havendo provável sobreposição entre elas: lesão miocárdica e ativação da imunidade inata, inflamação miocárdica aguda com ativação da imunidade inata e adaptativa, e fibrose com subsequente remodelação cardíaca4,18. Alterações circulatórias e degenerativas nos pulmões e no fígado são achados comuns em casos de insuficiência cardíaca congestiva esquerda ou mista, que podem ocorrer secundariamente a diferentes doenças cardíacas15. A literatura científica sugere que na forma miocárdica da doença, geralmente, não são observadas lesões nos intestinos11. A cardiomiopatia dilatada resultante da infecção pelo Parvovírus canino deve ser diferenciada de outras formas de cardiomiopatias dilatadas observadas em cães. Embora as causas permaneçam desconhecidas, fatores genéticos, predisposição familiar em cães de grande porte, deficiência nutricional de taurina e carnitina, e hipotireoidismo têm sido reconhecidos como possíveis causas15. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em suma, a parvovirose canina é uma doença grave e de grande relevância na clínica de pequenos, que afeta especialmente filhotes não protegidos pela imunidade passiva. O vírus tem uma afinidade notável pelo miocárdio, levando à miocardite e, em casos graves, à insuficiência cardíaca. A imunização adequada das cadelas eo cuidado com os filhotes recém- nascidos são cruciais para evitar essa condição devastadora. A miocardite resultante pode levar à cardiomiopatia dilatada, uma condição debilitante que pode persistir ao longo da vida do animal. A compreensão aprofundada desses processos patológicos é essencial para um diagnóstico precoce e intervenções eficazes, visando reduzir a morbidade e a mortalidade associadas a essa doença grave. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 ABREU, Claudine Botelho. Disfunção miocárdica sistólica pela ecocardiografia feature tracking bidimensional em cães naturalmente infectados por parvovírus. 2017. 67f. Dissertação (Mestrado em Clínica, Cirurgia e Patologia Veterinária) – Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2017. 2 BASTAN, I., et al. Serum Cardiac Troponin-I in dogs with CPV-2 infection. 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Canine parvoviral disease: experimental reproduction of the enteric form with a parvovirus isolated from a case of myocarditis. Vet. Pathol. 17(5):589-599. 15 ROBINSON W.F.; ROBINSON N.A. 2016. Cardiovascular system, p.1-101. In: Maxie M.G. (Ed.), Jubb, Kennedy and Palmer´s Pathology of Domestic Animals. Vol.3. 6th ed. Elsevier, Saunders, Philadelphia. 16 SAVIGNY, M.R.; MACINTIRE, D.K. Use of oseltamivir in the treatment of canine parvoviral enteritis. Journal of Veterinary Emergency and Critical Care, n. 20, p. 132- 142, 2010. 17 SELLON, K.S. Canine Viral Diseases: Canine Parvovirus. In: S.J. ETTINGER & E.C. FELDMAN (Eds), Textbook of Veterinary Internal Medicine. 5 ed. Philapdelphia, U.S.A.: W.B. Saunders Company, 2005, p. 646-647. 18 SIME T.A. et al. 2015. Parvoviral myocarditis in a 5-week-old Dachshund. J. Vet. Emerg. Crit. Care 25(6):765-769. 19 SOUTO, E.P.F. et al. Surto de parvovirose cardíaca em filhotes de cães no Brasil. Pesquisa Veterinária Brasileira, v. 38, p. 94-98, 2018. 20 VIEIRA, Maria João Nobre de Matos Pereira. Parvovirose canina. 2012. f. 266. Tese (doutorado). Curso de Ciências Veterinárias - Universidade do Porto, Porto, 2012.