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1 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 2 2 ASPECTOS COGNITIVOS DA APRENDIZAGEM ..................................... 3 2.1 Conceito de cognição ........................................................................... 3 2.2 Cognição e emoção ............................................................................. 8 2.3 Ansiedade e psicologia cognitiva ....................................................... 10 3 NEUROPSICOLOGIA COGNITIVA .......................................................... 12 3.1 Neurociência cognitiva ....................................................................... 15 3.1 Psicología cognitiva, cognição, emoção e ansiedade ........................ 17 4 DÉFICIT COGNITIVO: SINTOMAS, IDENTIFICAÇÃO, TRATAMENTO .. 19 4.1 Orientação profissional para crianças com déficit cognitivo ............... 21 4.2 Estimulação cognitiva ......................................................................... 22 4.3 Reabilitação cognitiva......................................................................... 22 4.4 Estimulação cognitiva ao idoso .......................................................... 23 5 A PSICOPEDAGOGIA PRINCÍPIO E ANTECEDENTES ......................... 24 5.1 Antecedentes da psicopedagogia ...................................................... 25 5.2 Surgimento do termo psicopedagogia ................................................ 29 5.3 Tendências da psicopedagogia .......................................................... 33 5.4 A psicopedagogia no mundo e no Brasil ............................................ 34 6 INTERVENÇÕES PSICOPEDAGOGIAS .................................................. 36 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 39 2 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 3 2 ASPECTOS COGNITIVOS DA APRENDIZAGEM Fonte: br.guiainfantil.com A cognição humana tem despertado muito interesse nas últimas décadas, e as pesquisas envolvendo a temática têm sido amplamente apresentadas nas revistas e nos programas de divulgação científica. A cognição humana é estudada a partir de quatro diferentes abordagens, e os resultados das pesquisas têm influenciado vários campos da vida cotidiana, especialmente a saúde e a educação. 2.1 Conceito de cognição A cognição pode ser definida como um processo no qual o sujeito se torna consciente de si, do mundo e das coisas que o rodeiam, compreendendo conceitos mais abstratos. Ela envolve aspectos como percepção, pensamento e memória, ou seja, aspectos mentais de um indivíduo (VAZ-SERRA et al., 2010). As cognições são processos internos responsáveis por extrair sentido do mundo externo por meio da atenção, da percepção, da aprendizagem, da memória, da linguagem, do raciocínio e do pensamento (EYSENCK; KEANE, 2017). 4 A cognição vai além dessas visões tradicionais, podendo ser definida como a capacidade de o ser humano adquirir conhecimento, pois se trata da maneira como seu cérebro adquire, processa, interpreta, assimila, memoriza e projeta a informação captada pelos cinco sentidos. Ademais, o autor inclui as funções mentais superiores, como conhecimento, imaginação, criatividade e conceitualização, além das citadas no parágrafo anterior. Fonte: https://edisciplinas.usp.br/ Dentro do processo de aprendizagem ocorre o que conhecemos por desenvolvimento cognitivo, que pode ser definido como o aprimoramento dessas habilidades, cuja evolução constante tende a propiciar uma vida de autonomia ao indivíduo. Sendo assim, é importante ficar atento a algum sinal que denote um possível atraso. A aprendizagem pode ser vista por diversos ângulos, a depender da matriz teórica escolhida para definir o fenômeno. Contudo, de maneira geral ela pode ser definida como a aquisição de um novo conhecimento por meio das experiências vividas, que podem resultar em novo repertório, seja cognitivo ou comportamental, conforme explicam Gleitman, Reisberg e Gross (2009). A aprendizagem já foi investigada por muitos estudiosos, como Ivan Pavlov, John B. Watson e B. F. Skinner, da teoria behaviorista; Albert Bandura, da teoria da 5 aprendizagem social, ou teoria social cognitiva; Robert Gagné, da teoria do processamento da informação; Lev Vygotsky, da teoria sociocultural; e Jerome Bruner, Jean Piaget e David Ausubel, das teorias cognitivas. Dentre as teorias behavioristas, destaca-se a de B. F. Skinner, conhecido como o pai do behaviorismo radical, que tem como conceito-chave de sua teoria o comportamento operante, em que o organismo emite um comportamento modificando o ambiente e é modificado pelas consequências desse ambiente. Para ele, a aprendizagem se dá pela relação dos estímulos antecedentes,presentes/ausentes no ambiente, que evocam respostas, isto é, comportamentos, que terão consequências que podem ser reforçadoras, aumentando a probabilidade de a resposta voltar a ocorrer, ou punidoras, diminuindo a probabilidade de a resposta voltar a ocorrer (OSTERMANN; CAVALCANTI, 2010). A esse processo de aquisição de novos comportamentos e de emissão ou não de um determinado comportamento pode-se dar o nome de aprendizagem. 6 Bandura apresentou a teoria da aprendizagem social, ou teoria social cognitiva, que parte da visão behaviorista de reconhecer a aprendizagem como fruto da interação do indivíduo com o ambiente em um contexto específico, mas também enfatiza os processos cognitivos como essenciais para o desenvolvimento (ALMEIDA et al., 2013). A teoria da aprendizagem proposta por Bandura considera que os seres humanos aprendem ou de maneira ativa, quando vivenciam diretamente um determinado evento e suas consequências, ou por observação, quando observam o comportamento de outras pessoas e as consequências que isso traz para elas. Essa compreensão de Bandura fez a transição entre a visão behaviorista de aprendizagem, cujo objeto de estudo é a interação entre organismo e ambiente, e a visão cognitivista de aprendizagem, que considera os aspectos cognitivos internos das pessoas. Assim como Bandura, também outros autores, como Gagné, consideram que a aprendizagem tem um componente externo, mas também levam em consideração os seus componentes internos, como, por exemplo, a atenção, a percepção, a memória, a motivação, etc. (OSTERMANN; CAVALCANTI, 2010). Entrando no universo da aprendizagem para as teorias cognitivas, surgem autores como Bruner, Piaget e Ausubel. Bruner traz como principal contribuição para sua visão cognitiva de aprendizagem a noção da descoberta, que “consiste de conteúdos de ensino percebidos pelo aprendiz em termos de problemas, relações e lacunas que ele deve preencher, a fim de que a aprendizagem seja considerada significantee relevante” (OSTERMANN; CAVALCANTI, 2010, p. 20). Como trazido por Ostermann e Cavalcanti (2010), a visão de aprendizagem de Bruner é bastante questionada por outros autores, como Ausubel, por ser considerada uma visão mecanicista ou que pode não gerar uma aprendizagem significativa. Os teóricos behavioristas apontavam para a aprendizagem como fruto do reforçamento. Contudo, um reconhecido teórico cognitivo, Edward Tolman, descobriu em seus estudos com ratos que, mesmo sem receber os reforços, os ratos aprendiam, como se criassem seus próprios mapas cognitivos. A esse tipo de aprendizagem ele deu o nome de “aprendizagem latente”, que ocorre sem a apresentação de reforço, aprendendo-se simplesmente por meio da observação (GAZZANIGA; HEATHERTON; HALPERN, 2018). 7 Outro tipo é a aprendizagem por insight, que ocorre após um período de reflexão sobre um problema. Nesses casos, o reforço recebido pela resolução do problema não necessariamente determina a aprendizagem, mas pode ser considerado fundamental para que o comportamento volte a ocorrer no futuro (GAZZANIGA; HEATHERTON; HALPERN, 2018). Embora não seja diretamente uma teoria da aprendizagem, outra visão que pode contribuir para a discussão é a de Piaget, especificamente quando trata sobre assimilação, acomodação e seus estágios de desenvolvimento, que trazem uma significativa contribuição para o processo de amadurecimento e desenvolvimento cognitivo do ser humano. De acordo com Piaget, ao entrar em contato com algo novo, a mente inicia o processo de assimilação, que tem por finalidade apreender e incorporar a realidade ao seu repertório de conhecimentos. Após esse processo, quando o objeto já está incorporado ao esquema mental, o organismo entra no ponto de acomodação, em que vai consolidar a aprendizagem e se preparar para um novo processo de assimilação. Ao equilíbrio entre assimilação e acomodação dá-se o nome de “equilibração”. Diante de um novo estímulo/objeto, o organismo entra novamente em desequilíbrio e passa pelo ciclo de assimilação, acomodação e equilibração (OSTERMANN; CAVALCANTI, 2010). Também é um importante autor das teorias de aprendizagem sob a visão cognitiva David Ausubel, que traz o conceito de aprendizagem significativa. Para ele, a aprendizagem significativa é um processo no qual uma informação se relaciona de maneira significativa e não arbitrária com algo da estrutura cognitiva já existente no indivíduo. De acordo com essa visão, um novo conhecimento, ao ser adquirido, entra em contato com uma estrutura específica já existente (subsunçor) no esquema cognitivo da pessoa, o qual servirá de ancoradouro para que o novo conhecimento possa encontrar um significado para o indivíduo. Para Ausubel, esse armazenamento de informações na mente humana ocorre de maneira organizada e hierárquica (OSTERMANN; CAVALCANTI, 2010). Por fim, outra visão de aprendizagem muito importante para a compreensão desse constructo é a proposta por Lev Vygotsky, um teórico sociocultural. Vygotsky traz como principal conceito a zona de desenvolvimento proximal (ZDP), que 8 corresponde ao espaço entre a zona de desenvolvimento real, aquela em que a criança consegue resolver os problemas sozinha, e a zona de desenvolvimento potencial, aquela em que a criança precisará do auxílio de uma outra pessoa com mais experiência para poder resolver uma situação. Nessa visão, é fundamental que a criança tenha orientação de um mediador para a aquisição de novos saberes (aprendizagem). De acordo com Zanella (1994, p. 108), a ZDP “[...] consiste no campo interpsicológico, constituído na e pelas interações sociais em que os sujeitos se encontram envolvidos com problemas ou situações que remetam à confrontação de pontos de vista diferenciados”. 2.2 Cognição e emoção Como apontado por Eysenck e Keane (2017), é possível analisar as cognições e suas relações com as emoções — por exemplo, como a cognição afeta as emoções e como as emoções afetam a cognição. O que pode inviabilizar essa análise é a visão restritiva de algumas vertentes da psicologia que ainda estão ancoradas em conceitos oriundos dos modelos de processamento das informações. Para iniciarmos a discussão sobre como as emoções se relacionam com a cognição, devemos compreender melhor o que se está querendo dizer quando se emprega o termo “emoção”. Embora existam divergências sobre quais emoções são consideradas básicas (inatas), uma grande parte dos estudos apontam para seis emoções básicas: alegria, medo, surpresa, tristeza, nojo e raiva. Quando duas ou mais dessas emoções são cominadas, originam-se as chamadas emoções complexas. Por exemplo, a alegria e a tristeza podem formar a saudade (MIGUEL, 2015). É importante destacar que, devido à complexidade das emoções, que envolvem também aspectos relacionados a vivências, nem sempre as formas como elas vão se apresentar será a mesma em diferentes pessoas. Isso porque cada pessoa tem um histórico de vida particular, que proporcionou o aprendizado das emoções de maneiras e intensidades distintas (MIGUEL, 2015). Veja no Quadro 1 algumas definições para esse termo. 9 Como vimos, a partir do conceito de emoções básicas ou inatas — em que o organismo responde imediatamente a uma determinada situação, como, por exemplo, o medo sentido por uma pessoa ao se deparar com um animal peçonhento —, pode- se partir para a compreensão da regulação das emoções, que pode ser entendida como o uso dos processos de forma intencional e exaustiva para alterar um determinado estado emocional, com a participação dos aspectos cognitivos e metacognitivos (EYSENCK; KEANE, 2017). Segundo o modelo baseado em processos da regulação da emoção, existem algumas maneiras de regular as emoções. Por exemplo, um indivíduo com ansiedade social pode tentar regular as emoções esquivando-se de situações potencialmente 10 estressantes (seleção da situação) ou pedindo a um amigo que o acompanhe para que ele não se sinta sozinho (modificação da situação). Pensando-se em questões cognitivas, a maioria das estratégias de regulação das emoções está no estágio da atenção, como, por exemplo, a distração e a reavaliação. Na distração, os indivíduos removem a atenção do processamento emocional e se concentram na informação neutra. Já na reavaliação, os indivíduos elaboram as informações emocionais de um evento antes de alterarem seu significado (EYSENCK; KEANE, 2017). Eysenck e Keane (2017) descrevem como as emoções podem interferir em processos cognitivos — por exemplo, quando estamos felizes ou tristes e nos envolvemos em atividades cognitivas, como tomada de decisão, resolução de problemas, pensamentos, etc. Para tanto, estudos concluíram que, quando as pessoas estão dirigindo e ouvem músicas tristes, os motoristas reduzem a velocidade de seus veículos e os mantêm na faixa. Contudo, quando eles ouvem músicas alegres, embora também haja uma redução da velocidade média de seus carros, estes tendem a não se manter na faixa, o que indica um efeito de distração. 2.3 Ansiedade e psicologia cognitiva Dentre os processos cognitivos, o viés atencional tem um papel central na ansiedade. O viés atencional nada mais é do que a atenção seletiva a determinado objeto/estímulo. Além da atenção direcionada a determinados estímulos do ambiente, o viés cognitivo também está presente na ansiedade. O viés cognitivo é a interpretação feita sobre a situação. Na ansiedade, há a tendência de os indivíduos interpretarem situações neutras como ameaçadoras. Assim, na ansiedade, há a tendência de a pessoa perceber mais sinais de perigo nas situações, inclusive em situações que não oferecem perigo de fato, o que aumenta sua preocupação, gerando mais ansiedade (EYSENCK; KEANE, 2017). A Figura 1 mostra os processos envolvidos na manifestação da ansiedade. Diante de umasituação ameaçadora (ameaça real ou imaginada), nosso corpo reage, no chamado modo luta ou fuga. Ou seja, o corpo se prepara para agir na situação ou fugir, como forma de se defender da ameaça. Esse sistema de luta ou fuga ativa o 11 sistema nervoso autônomo, gerando os sintomas característicos da ansiedade. Juntamente com isso, há a avaliação da situação como ameaçadora: o chamado viés cognitivo. A atenção se volta para estímulos do ambiente que confirmem a ameaça. Ao mesmo tempo, o indivíduo passa a avaliar sua capacidade de lidar com a situação de forma negativa. Isso faz com que os sintomas se intensifiquem, gerando as crises de ansiedade, e o indivíduo passa a perceber claramente a manifestação da ansiedade em seu corpo (sintomas físicos, emocionais, comportamentais e cognitivos) (CLARK; BECK, 2012). Entretanto, sentir medo e ansiedade é tão normal quanto comer e respirar. Precisamos desses sentimentos para sobreviver, portanto, eliminá-los seria extremamente perigoso. O medo e a ansiedade aparecem diante de situações de ameaça, com a função de nos proteger. O medo pode nos avisar de possíveis perigos em uma situação. Já a ansiedade pode nos preparar para alguma situação que irá acontecer. E é normal sentir medo e ansiedade nessas situações. Mas em algumas ocasiões, em determinadas situações neutras, podemos interpretar alguns estímulos como ameaçadores e passamos a 12 sentir ansiedade de forma desproporcional à situação. Quando essa interpretação da situação passa a nos causar ansiedade sem motivo aparente, ou quando a ansiedade é muito intensa, desproporcional à situação, e causa prejuízos e sofrimento à pessoa, temos os transtornos de ansiedade (CLARK; BECK, 2012). A psicologia cognitiva tem uma forma específica de entendimento sobre as emoções, em particular, sobre a ansiedade. É possível verificar de que forma processos cognitivos básicos, como percepção e atenção, têm relação direta com a avaliação que fazemos sobre uma determinada situação e sobre como nos sentimos. Esse processo é essencial para entendermos por que nos sentimos tão ansiosos em algumas situações e como os sintomas dos transtornos de ansiedade podem ser modificados ou mantidos por meio desse mecanismo. Nem sempre estamos conscientes de que esse mecanismo está ocorrendo, e o campo das neurociências contribui para maior entendimento do nosso funcionamento cognitivo e da relação com nossos comportamentos. 3 NEUROPSICOLOGIA COGNITIVA Ao contrário da psicologia cognitiva, que procura observar o comportamento de sujeitos normais, a “neuropsicologia cognitiva está preocupada com os padrões de desempenho cognitivo (intacto e deficiente) apresentados pelos pacientes com dano cerebral” (EYSENCK; KEANE, 2017, p. 5). Estudando o cérebro de pessoas que sofreram danos cerebrais tanto por doenças quanto por ferimentos, a neuropsicologia cognitiva infere informações sobre a cognição normal (MOGRABI; MOGRABI; LANDEIRA-FERNANDEZ, 2014). As pesquisas realizadas na década de 1960 permitiram entender que é possível que a memória de longo prazo funcione normalmente mesmo que a memória de curto prazo esteja prejudicada, ao contrário do que se pensava anteriormente. Isso só foi possível ao estudar pessoas com lesão cerebral. Você pode ter concluído que o foco da neuropsicologia cognitiva é o funcionamento do cérebro, mas, para muitos teóricos dessa abordagem, sendo Max Coltheart o principal deles, o foco é entender a mente, como funciona a cognição. Não existe, porém, um consenso, pois outros pesquisadores utilizam neuroimagens para identificar áreas lesionadas no cérebro de 13 pacientes. Com base em Coltheart, além disso, a neuropsicologia cognitiva tem algumas suposições, que você conhecerá a seguir. A primeira suposição é a modularidade, que pressupõe “que o sistema cognitivo consiste em muitos módulos ou processadores relativamente independentes ou separados, cada um especializado em determinado tipo de processamento” (EYSENCK; KEANE, 2017, p. 6). Não há consenso sobre a sua importância e, como vimos, trata-se de uma suposição, não de uma evidência ou constatação. De acordo com essa suposição, cada módulo apresenta uma especificidade de domínio, que é a “noção de que determinado módulo responde seletivamente a certos tipos de estímulo (p. ex. rostos), mas não a outros” (EYSENCK; KEANE, 2017, p. 6). A segunda suposição é a modularidade anatômica, que é a crença de que cada módulo está localizado em uma região do cérebro. Existem evidências disso para o sistema de processamento visual, mas não para tarefas complexas em que são verificados ativamentos de lobos frontais em diversas áreas. Apesar de existirem evidências de especialização de regiões cerebrais, as neuroimagens mostram uma maior conectividade entre as áreas, com muito mais processamento paralelo do que serial. Os estudos sugerem que “é somente da interação entre áreas que funções complexas podem emergir” (MOGRABI; MOGRABI; LANDEIRA-FERNANDEZ, 2014, p. 25). A terceira suposição é a da existência de uma uniformidade da arquitetura funcional para todas as pessoas. Essa crença se justifica pela impossibilidade de generalizar os achados das pesquisas se cada pessoa tivesse uma arquitetura funcional única (EYSENCK; KEANE, 2017). Por fim, a quarta suposição é a subtratividade, que é a ideia de que uma lesão cerebral afeta “um ou mais módulos de processamento, mas não altera ou acrescenta nada” (EYSENCK; KEANE, 2017, p. 7). No entanto, pesquisas têm evidenciado recuperação, mesmo que seja parcial, de processos cognitivos, seja dentro da própria região lesionada ou por meio de outras áreas cerebrais. Outros conceitos que você precisa conhecer são os de dissociação e de associação, pois envolvem críticas às suposições de funcionamento modular. As dissociações ocorrem quando um paciente com lesão cerebral desempenha bem uma 14 tarefa, mas tem prejuízo em outra, por exemplo, tarefas que exigem a memória de curto prazo intacta quando a de longo prazo está prejudicada. A explicação poderia ser módulos de processamento distintos, o que confirmaria a suposição da neuropsicologia cognitiva. No entanto, outra explicação pode ser dada, que é a complexidade da tarefa. Diante dessa crítica, os neuropsicólogos cognitivos respondem com a dissociação dupla, “achado de que alguns indivíduos com lesão cerebral têm desempenho intacto em algumas tarefas, mas desempenho fraco em outras, enquanto outros indivíduos exibem o padrão oposto” (EYSENCK; KEANE, 2017, p. 7). A dissociação dupla elimina a explicação pela complexidade da tarefa. Essas suposições são também contestadas. Outro elemento importante para entendermos a suposição da modularidade é a existência de uma síndrome, pois a associação de “certos sintomas ou deficiências no desempenho são consistentemente encontrados em inúmeros pacientes com lesão cerebral” (EYSENCK; KEANE, 2017, p. 8). As associações costumam ser tomadas como evidências de uma síndrome, que é um conjunto de sinais ou sintomas encontrados juntos. Existem, no entanto, críticas a essa explicação, pois as áreas envolvidas podem ser adjacentes em vez de um mesmo módulo. Tradicionalmente, a pesquisa na neuropsicologia cognitiva ocorreu com estudos de casos isolados, em função de os pacientes não terem quadros iguais. Isso é uma limitação metodológica bastante importante, já que não se pode fazer generalizações a partir de um caso. Para lidar com essa limitação, a opção foi realizar estudos de séries de casos. “Vários pacientes supostamente com deficiências cognitivas semelhantes são estudados, depois, os dados de pacientes isolados são comparados, e a variação entre eles é avaliada” (EYSENCK; KEANE, 2017, p. 8). A neuropsicologia cognitiva tem muitos pontos fortes e muitas limitações, como as outras abordagens. Um dospontos fortes é sua contribuição às teorias da linguagem e ao estudo da distinção entre as memórias de curto e de longo prazo. A limitação principal é que as evidências por meio de imagens não apoiam os seus conceitos (MOGRABI; MOGRABI; LANDEIRA-FERNANDEZ, 2014). 15 3.1 Neurociência cognitiva A neurociência cognitiva envolve a utilização de evidências provenientes do comportamento e do cérebro para compreender a cognição humana. O cérebro tem 100 bilhões de células nervosas, os neurônios, com muitas conexões ente si. Veja na Figura 2 a representação de um neurônio com uma sinapse (ligação entre neurônios) em destaque. 16 Note a estrutura esquemática do neurônio, com suas partes — corpo celular, dendritos e axônios —, bem como a sinapse com terminais axônicos e neurônios pós- sinápticos. Dendritos e axônios são os prolongamentos dos neurônios. Os dendritos recebem os estímulos, enquanto os axônios são os prolongamentos que transmitem as informações do neurônio para as outras células. Neurônios pós-sinápticos são os que se localizam após a sinapse, a ligação entre os neurônios. O cérebro tem dois hemisférios: o direito e o esquerdo. Cada um dos dois hemisférios tem quatro grandes áreas, chamadas de lobos — frontal, parietal, temporal e occipital —, que você pode visualizar na Figura 3. Na mesma Figura, confira também os sulcos, que são estrias no cérebro: sulco central, sulco parieto- occipital e corte pré-occipital. Enquanto as fendas são chamadas de sulcos, as saliências são chamadas de giros. As áreas cerebrais são divididas em dorsal (em direção ao topo), ventral (em direção à base), frontal (em direção à frente), posterior (parte de trás), lateral (ao lado) e medial (no meio). 17 Além de conhecer a anatomia básica do cérebro, é importante que você conheça a organização cerebral. O cérebro funciona de acordo com dois princípios contraditórios entre si: o princípio de controle de custos, que visa a diminuir as distâncias entre as conexões, e o princípio da eficiência, para integrar as informações. Esse conhecimento não é útil apenas para psicólogos, neurologistas e psiquiatras: Educadores — professores e pais — […] são, de certa maneira, aqueles que mais trabalham com o cérebro. Mais do que intervir quando ele não funciona bem, os educadores contribuem para a organização do sistema nervoso do aprendiz e, portanto, dos comportamentos que ele aprenderá durante a vida (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 6). Às vezes, as informações estão distantes uma da outra e, para resolver essas dificuldades, os neurônios se relacionam com neurônios próximos a si e com até 10 mil neurônios. Para resolver a questão da localização, existem módulos, que são áreas de conexão agrupadas, e centros, que são regiões com muitas conexões com outras regiões (BULLMORE; SPORNS, 2012). 3.1 Psicología cognitiva, cognição, emoção e ansiedade Abreu (2011) destaca que por muito tempo entendeu-se que a cognição era um reflexo do mundo exterior, do ambiente externo e dos estímulos recebidos deste. O paradigma construtivista trouxe um avanço para ampliar a forma de entender a atividade cognitiva. A atividade cognitiva não é mais vista apenas como um reflexo do mundo exterior. A atividade cognitiva envolve uma construção de significados que vão além de uma mera reprodução do mundo externo. Assim, “o organismo não é, então, passivo às interferências do meio, e sim ativo, indo além daquilo que lhe é dado” (ABREU, 2011, p. 42). A atividade cognitiva é muito complexa, pois diversos processos cognitivos ocorrem ao mesmo tempo durante a execução de uma tarefa. A busca pelo entendimento desses processos a entender diversas questões envolvendo a atividade cognitiva, como, por exemplo: aprendizagem, transtornos psicológicos e neurológicos, comportamento e emoção. 18 Abreu (2011) ressalta que muitos autores construtivistas consideram que a emoção contribui em algum nível para a formação de significados nos processos cognitivos. Ou seja, seria praticamente impossível considerar a experiência racional sem integração com o funcionamento emocional. Todos nós temos emoções. Se você está vivo, você tem emoções. Emoções podem ser entendidas também como sentimentos. É o que sentimos sobre as coisas e, geralmente, podem ter significado para nós. As emoções podem ser distinguidas entre primárias e secundárias. Geralmente o termo emoções se refere às chamadas emoções primárias ou universais. Estas são um conjunto de respostas que aparecem no corpo diante de alguma situação, se manifestam espontaneamente e geralmente com uma intensidade alta. As emoções primárias são: alegria, medo, tristeza, raiva e nojo. Já as emoções secundárias são aprendidas e/ou adquiridas a partir das primárias. Também são chamadas de emoções sociais, pois podemos aprendê-las a partir de situações cotidianas. Podem, ainda, ser emoções sobre outras emoções. Alguns exemplos são: culpa, ansiedade, frustração, orgulho, ciúmes, vergonha, etc. (LEAHY; TIRCH; NAPOLITANO, 2013; LEAHY, 2021). As emoções são um conjunto de processos que envolvem a avaliação da situação, sensações física e comportamentos. Mas será que as emoções vêm primeiro ou as cognições conduzem às emoções? Para alguns autores, as avaliações de uma situação resultam em respostas emocionais; assim, eles acreditam que a cognição ocorre antes da emoção sentida. Já para outros, a resposta emocional a estímulos ocorre imediatamente, sem necessariamente pensar sobre a situação. A emoção e a cognição estão relacionadas. Alguns autores evidenciam que emoção e cognição são interdependentes, e cada uma pode influenciar a outra. O que vem antes então? Bom, hoje em dia, a melhor maneira de compreender a relação entre cognição e emoção é considerar que os processos emocionais e cognitivos são interdependentes (LEAHY; TIRCH; NAPOLITANO, 2013). A experiência emocional depende dos processos apresentados anteriormente: envolve a atenção e a percepção, como também a avaliação da situação com base em experiências anteriores de situações semelhantes. A avaliação cognitiva também pode influenciar a experiência emocional. Ou seja, a forma como avaliamos a situação 19 pode determinar como nos sentimos diante dela. Contudo, também podemos ter uma resposta emocional ativada pela situação vivenciada, de forma automática. Assim, entendemos que os processos cognitivos influenciam e são influenciados por nossos estados emocionais (EYSENCK; KEANE, 2017). Dessa forma, faz muito sentido entender como processos cognitivos estão relacionados com o mecanismo da ansiedade. Estudos recentes procuram entender e clarificar cada vez mais a relação entre estes, para que se consiga entender e lidar melhor com a ansiedade normal e patológica. 4 DÉFICIT COGNITIVO: SINTOMAS, IDENTIFICAÇÃO, TRATAMENTO Fonte: https://idocode.com.br/ A cognição é um termo que se refere ao modo como o nosso cérebro é capaz de perceber, aprender, recordar e também processar as informações que foram captados pelos sentidos: visão, audição, paladar, tato e olfato. Assim, o déficit cognitivo se 20 configura como uma dificuldade nesse processo, sobretudo no aprendizado. O que ocorre é uma limitação da capacidade mental de assimilar informações. É importante lembrar que não existe um único padrão de déficit cognitivo, mas que a sua presença cria entraves em processos como a capacidade de raciocínio lógico, concentração, comunicação e aprendizagem. Atualmente, a identificação do déficit cognitivo é feita a partir da aplicação dos chamados testes neuropsicológicos. O objetivo é entender o nível de limitação envolvido e de que maneira ela se manifesta. É como um grande escaneamento do cérebro utilizado na compreensão de todos os seus processos e também para localizar eventuais lesões. Paraidentificar um possível déficit, são realizados inúmeros testes, todos focados em entender e avaliar habilidades cognitivas. A investigação é baseada ainda em dados recolhidos durante a anamnese (como é chamada a entrevista inicial por um profissional da saúde) e nos questionários. O desenvolvimento de uma avaliação neuropsicológica, considerando todas as suas ferramentas e níveis, tem como objetivo principal a coleta de dados para ajudar na compreensão de qual é a extensão das perdas e também de quais pontos permanecem intactos. É essa avaliação que permite traçar um planejamento específico de intervenção, de acordo com as características do indivíduo e as informações apuradas. Doenças como Alzheimer e Parkinson estão entre as mais conhecidas quando o assunto é o déficit cognitivo. Em comum, ambas possuem a incidência mais frequente em idosos. Por conta disso, é comum que as pessoas associem o surgimento de dificuldades cognitivas com o envelhecimento. Mas a verdade é que os sintomas podem aparecer muito antes, até mesmo ainda na infância, estando relacionados aos mais variados quadros. Por isso, é recomendável estar atento aos sintomas e buscar ajuda especializada caso algum deles seja identificado com uma intensidade maior do que o comum. Dificuldades relacionadas a todos os campos que citamos anteriormente, como na comunicação ou no raciocínio lógico, por exemplo, podem servir como indicativos. Entre as funções avaliadas para identificar um déficit cognitivo estão as seguintes: https://www.sbcoaching.com.br/blog/times-de-alto-desempenho/como-driblar-a-falta-de-concentracao-no-trabalho/ https://www.sbcoaching.com.br/blog/comportamento/importancia-da-boa-comunicacao/ https://www.sbcoaching.com.br/blog/comportamento/cognitivo/ 21 Memória: tanto de curto quanto de longo prazo e incluindo memória auditiva, visual, contextual e não verbal Raciocínio lógico: avaliação da velocidade de processamento, da capacidade de planejar e contextualizar informações Atenção: atualização, enfoque, atenção dividida e inibição Coordenação: capacidade de desenvolver ações específicas de maneira concomitante e tempo de resposta Percepção: tanto visual quanto de espaço, estimativa e capacidade de exploração visual. Não existe cura, mas o déficit cognitivo pode ser tratado de diversas formas, sempre de acordo com origem do problema. De maneira geral, todo o tratamento é desenvolvido de maneira multidisciplinar. Ou seja, envolvendo profissionais de diferentes campos da saúde – desde médicos e fonoaudiólogos até psicopedagogos. O foco é trabalhar as limitações identificadas a partir de estímulos que ajudem a desenvolver as habilidades cognitivas. Com isso, a expectativa é que o indivíduo possa melhorar a sua autoconfiança e também consiga alcançar maior qualidade de vida. 4.1 Orientação profissional para crianças com déficit cognitivo No caso das crianças, o acompanhamento desde cedo é a melhor abordagem. Ou seja, é preciso trabalhar a prevenção. Esse, inclusive, é um alerta que tem sido repetido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) há bastante tempo. A orientação é ficar de olho nas possibilidades de distúrbios ou atrasos no desenvolvimento infantil. Quando ignorados na infância, existe a chance de que os sinais se intensifiquem e até mesmo deem origem a quadro mais graves, como transtornos mentais e problemas no processo de aprendizagem. Nesse sentido, construir um ambiente familiar que seja aberto ao diálogo e ao incentivo do desenvolvimento individual é uma boa forma de reduzir as possibilidades de preocupações lá na frente. Além disso, identificar precocemente traços que possam indicar um déficit cognitivo abre espaço para que sejam feitas intervenções 22 propositivas, capazes de proporcionar a construção de habilidades e competências que poderiam não se desenvolver sem a abordagem adequada. 4.2 Estimulação cognitiva Sabemos que o processo de aprendizagem ocorre ao longo da vida e em todas as fases do desenvolvimento humano. Na infância, ocorre em períodos definidos, com estimulação adequada às necessidades para determinadas aprendizagens e com ênfase nos aspectos motores, visuais, cognitivos e afetivos. Na adolescência, o foco da aprendizagem está direcionado às atividades e tarefas acadêmicas, cognitivas e sócio-emocionais. E, na idade adulta, a manutenção das funções executivas. As atividades de estimulação cognitiva, seja qual for a idade, tem como objetivo melhorar as competências para o desenvolvimento das funções cognitivas superiores e permitir a evolução de habilidades e capacidades individuais para que o ser humano possa construir uma trajetória de sucesso e prevenir dificuldades futuras. Estimular as funções das habilidades cognitivas como por exemplo, a memória e a atenção, demanda intensidade e duração prolongadas para que os resultados sejam significativos e, ainda, são de suma importância para o desenvolvimento da aprendizagem acadêmica, da linguagem e também para a aquisição de controle do comportamento. Habilidades referentes à capacidade de usar as operações mentais para a elaboração de estratégias, argumentos e resolução de problemas são chamadas de inteligência fluida, pois estas operações mentais envolvem transformação, classificação, seriação, relações, construção de conceitos, compreensão, elaboração de hipóteses e estímulo ao pensamento indutivo e dedutivo. Relações primordiais para que seja possível estabelecer relações entre objetos e o meio. 4.3 Reabilitação cognitiva Reabilitar, significa fazer com que as engrenagens voltem a funcionar, significa mostrar ao ser humano que ele é capaz de desenvolver-se e consequentemente, 23 diminuir o impacto das dificuldades em sua vida. A reabilitação é aprendizagem que implica em desenvolvimento. A reabilitação cognitiva é a oportunidade de estimular as habilidades que estão deficitárias a partir de atividades práticas como jogos, situações-problema, exercícios motores, treinos comportamentais e aprendizagem de novas habilidades, tarefas que todos nós vivenciamos em casa, no trabalho, na escola e no meio. A reabilitação cognitiva através da Psicopedagogia Clínica permite a intervenção de um profissional, o psicopedagogo, que tem como objetivo melhorar as capacidades cognitivas e em consequência o rendimento acadêmico da criança no ambiente escolar e, do adulto se for o caso, nas tarefas do dia-a-dia. Para tanto, entendemos a necessidade da Avaliação Psicopedagógica como um processo de tomada de decisões que se apoiam em uma série de técnicas cujos resultados se refletem no desencadeamento de uma proposta educativa de acordo com as necessidades, seja da criança, do adolescente, adulto ou idoso. 4.4 Estimulação cognitiva ao idoso A estimulação cognitiva ao idoso tem uma importância fundamental, pois objetiva em reconstruir a imagem que até então construiu ao longo de suas experiências de vida. Aos poucos, o idoso vai perdendo capacidades e habilidades, perdas naturais do processo de envelhecimento e passa a não mais acreditar em seu potencial, a memória falha e o mundo parece ficar cada vez mais inacessível. Para que a “melhor idade” não se resuma em uma vida de isolamento e ociosidade, a atendimento psicopedagógico visa trabalhar os aspectos emocionais e cognitivos com jogos, atividades psicomotoras, música, livros e histórias. 24 5 A PSICOPEDAGOGIA PRINCÍPIO E ANTECEDENTES Fonte: https://www.casulocs.com.br/ Quando pensamos em psicopedagogia, estamos trazendo para a discussão uma área de estudo que investiga o aprendiz e sua aprendizagem. A psicopedagogia se ocupa da aprendizagem humana, ou melhor, de tudo o que está́ relacionado à aprendizagem humana: como o ser humano aprende; como que a aprendizagem varia evolutivamente e está ́condicionada por vários fatores; o queleva esse ser humano a aprender; o que leva o ser humano a não aprender; como e por que ocorrem distúrbios de aprendizagem; como reconhecer esses distúrbios e tratá-los; o que fazer para prevenir esses distúrbios e para promover processos de aprendizagem que sejam significativos para os estudantes. A psicopedagogia vai trabalhar as dificuldades de aprendizagem, levando ao sujeito os meios de restabelecer vínculos com a aprendizagem, fazer com que ele volte a aprender, que consiga sentir vontade, desejo de aprender e se torne uma pessoa de sucesso. Afinal, o homem é um sujeito aprendente e a aprendizagem ocorre pela interação entre sujeito e objeto. Ela é um ramo que, como muitas outras disciplinas, é regida por determinados princípios: 25 O princípio da prevenção: refere-se às ações que podem ser executadas, de modo que um sujeito não tenha mais dificuldades de aprendizagem, mas que aprenda a lidar com elas. O princípio do desenvolvimento: está intimamente ligado ao princípio anterior; um sujeito pode não apenas superar as dificuldades de aprendizagem, como também aprimorar seus talentos, indo além. O princípio da ação social: tem a ver com a forma de o indivíduo interagir com os outros e construir relações positivas. A psicopedagogia lida com o sujeito e com o objeto do conhecimento e sua relação com a linguagem e a influência sócio-histórica no ambiente de aprendizagem. Em outras palavras, é a ciência que permite estudar o sujeito e o seu meio em distintas etapas de aprendizagem que englobam a sua vida. Mas o que é a aprendizagem? É um processo de mudança e modificação permanente de comportamento em um tempo e em um espaço, de forma gradual. Entendemos a aprendizagem como um conceito muito mais amplo que somente a aquisição de conteúdos. Trata-se de coordenar a aprendizagem com o desenvolvimento integral do sujeito ao longo de toda a vida, independentemente das instituições onde se desenvolve o processo ensino-aprendizagem. Esses processos têm lugar, principalmente, na escola, mas também estão presentes na família, na formação profissional, na empresa, nos meios comunitários etc. Tais processos independem da idade dos sujeitos, que podem ser crianças, jovens, adultos Consideramos, portanto, que a psicopedagogia se ocupa do ser humano em situação de aprendizagem e de todas as funções diretamente ou indiretamente envolvidas com ela. Caracteriza-se por uma investigação e uma intervenção dos processos de aprendizagem, percebendo como o sujeito se compreende na relação com o conhecimento, em situação de aprendizagem ou não aprendizagem. 5.1 Antecedentes da psicopedagogia Embora a psicopedagogia seja frequentemente discutida e utilizada na atualidade, parecendo nova e recente, podemos encontrar suas origens nos clássicos 26 da filosofia grega, como Sócrates, Platão e Aristóteles. Sócrates (470-399 a.C.): considera que um dos temas de discussão mais belo é a questão do que é o ser, a natureza última, a essência do homem, concluindo que o homem é a sua alma, e a alma do homem é a sua razão. A alma do homem é a sua consciência, é quem dá́ ao homem a sua personalidade intelectual e moral. Platão (427-347a.C.): adverte a importância do ensino desde cedo, determinando as habilidades, as vocações e o ajuste do indivíduo. Aristóteles (384-322 a.C.): destaca que a felicidade consiste em desenvolver a natureza racional, realizando uma atividade propriamente humana. Na época do Renascimento destacamos o humanista Juan Luis Vives (1492- 1540), que analisava temas considerados psicopedagógicos, afirmando que era necessário investigar as habilidades individuais dos sujeitos para conhecê-los melhor e levá-los a empregar essas habilidades adequadamente. Enfatizava o interesse pela aprendizagem, o conhecimento prático e o ajuste do ensino às diferenças individuais. Podemos encontrar outras contribuições históricas sobre os antecedentes da psicopedagogia em John Amos Comensky, Comenius (1592-1670), pedagogo eslovaco, que encerrou o círculo da pedagogia antiga, tratando a educação como um espírito cientifico e afirmando que ela tinha de começar na infância e seguir o curso da natureza. Descobriu, assim, o grande princípio que, posteriormente, insistiria Johann Heinrich Pestalozzi: pesquisar e encontrar um método pelo qual o professor ensinasse menos e o aluno aprendesse mais. Entre os visionários que foram capazes de perceber a relação entre a “psiquê” e a educação está Jean Jacques Rousseau (1712-1778). Na obra “Emilio ou Da Educação”, ele destaca as regras pedagógicas, depois de realizar análises psicológicas em torno da vida das crianças. Para Rousseau, era preciso partir dos instintos naturais da criança para desenvolvê-los. Segundo o autor, a criança é dotada de um senso moral inato, um conhecimento intuitivo sobre o que é bom e ruim, que é deformado pelas restrições da sociedade. A partir de Rousseau, a doutrina educativa insistiu na vida da criança, pois tomando-a como base era possível ver o centro e o 27 fim da educação. Ninguém, antes, tinha dado valor à infância, tampouco, havia reconhecido as consequências pedagógicas desse fato. Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1627) considerava que a prática educativa tinha equivocado a sua rota, limitando-se a preencher a “alma da criança” com conhecimento enciclopédico, sem perceber a grande importância que tinha o desenvolvimento das faculdades humanas. A influência de Pestalozzi é sentida nos primeiros anos de atividade pedagógica de Herbart (1776-1841), filosofo e pedagogo alemão, que afirmava que a pedagogia como ciência se fundamentava na psicologia e na ética. Pestalozzi e Herbart, ao afirmarem que a pedagogia devia se fundamentar na psicologia, lançaram as bases da pedagogia funcional. Porém, a realização desse propósito somente foi concretizada mais tarde, quando a pedagogia funcional se tornou produto de uma longa evolução histórica com características peculiares que se traduzem em movimentos pedagógicos importantes. O primeiro desses movimentos foi o da renovação do naturalismo, conhecido como pedagogia revolucionária, iniciado pela escritora sueca Ellen Key (1849-1926). Uma das primeiras obras a abordar a questão da criança foi “Observações”, escrita pelo filósofo alemão Tiedemann, no final do século XVIII. Nela, o autor discorre sobre o desenvolvimento das capacidades mentais da criança. Essa obra não foi reconhecida até́ Michelau, em 1863 e, mais tarde, Bertrand Perez, em 1871, traduzirem-na para o francês. Na Suíça, são notáveis os trabalhos de Eduardo Claparède. Em paralelo, no início do século XIX, surge o movimento da escola nova, que logo se torna uma forte corrente da “pedagogia da ação” com seus grandes teóricos: John Dewey, Kerschensteiner, Decroly, Montessori, Winnetka. No início do século XX, esse último movimento foi o “fermento” para a investigação pedagógica, abrindo portas para experimentos. No campo da pedagogia prática, despertou-se um desejo pela experimentação e por ensaios psicológicos. Hugo Münsterberg (1863-1919), psicólogo alemão, defende uma psicotécnica pedagógica. Vem à tona a aplicação da psicologia à pedagogia. A experimentação ocorre dentro das próprias instituições escolares: Alfred Binet (1857-1911) e Henri Wallon, na França; Ernesto Meumann, na Alemanha; Edward Lee Thorndike e William James, nos Estados Unidos. Esses autores foram os 28 primeiros a dar origem a laboratórios estabelecidos em grandes centros educativos, salas psicopedagógicas e estudos psicotécnicos, incluindo a orientação profissional e a colaboração médica nas atividades escolares. A instalação desses laboratórios se espalhou por toda a Europa, pelo Japão e Estados Unidos. Enquanto isso, na Cidade do México, o Instituto Nacional de Psicologia contava com um laboratóriomuito bem equipado e instalado. Na época desses importantes movimentos, John Dewey (1859-1952) se fez notar com a sua ideia de “aprender fazendo” ao imprimir um caráter psicogenético à sua teoria. Para a pedagogia contemporânea, o homem possui uma energia ativa e criativa. James Williams (1842-1910), um dos fundadores da corrente filosófica do pragmatismo, vê a educação como um processo vivo que permite ao homem reagir de forma adequada às mais diversas circunstâncias. Tais reações são congênitas ou adquiridas. O problema da educação, afirmava ele, era organizar essa variedade sempre crescente de reações, cujo objetivo é contribuir para a realização de atitudes cada vez mais eficazes em um mundo suscetível de melhoras constantes. Como resultado da pesquisa sobre a pedagogia psicogenética, surge uma série de investigações sobre a consideração psicológica do fato educativo. Essas investigações aparecem com nomes distintos: psicologia pedagógica, psicologia da educação, psicotécnica pedagógica. Dentre os autores mais notáveis, destacaram-se: o psicólogo americano Edward Lee Thorndike, também considerado um dos iniciadores da aplicação de métodos educativos experimentais; Édouard Claparède, pedagogo e psicólogo suíço de grande influência sobre a educação moderna infantil; o alemão Ernesto Meumann, criador do primeiro sistema de pedagogia experimental; e Alfred Binet, pedagogo e psicólogo francês, um dos primeiros que utilizou testes para medir funções mentais superiores. Ao longo da história tem ocorrido uma diversidade de formulações intuitivas e aportes teóricos que têm servido de embasamento para a psicopedagogia. Mas a primeira síntese do discurso pedagógico contemporâneo teve suas origens nos processos que, durante o século XIX, levaram à fundamentação de uma nova psicologia, aquela que recebeu, de acordo com os pressupostos epistemológicos da época, a qualificação de científica. 29 5.2 Surgimento do termo psicopedagogia Fonte: https://ipp.cl/ O termo psicopedagogia deriva do prefixo “psico” e da raiz “pedagogia”. Os prefixos “psic”, “psico” e “psiqu”, todos da mesma família terminológica, vêm do grego “psykhe”, e são usados para formar palavras com o significado de alma, conceito também absorvido pela cultura romana. Alguns exemplos: o conceito grego de “psikostasia”, que define o rito de passagem das almas dos mortos até Zeus; ou o romano “psychomachia”, que faz referência ao combate entre almas ou espíritos, tal como menciona o filósofo Aurelio Prudencio (século I), no poema alegórico “Psychomachia”, que dramatiza as lutas internas da alma, entre vícios e virtudes. O termo pedagogia tem sua origem na Grécia antiga. Primeiro, se realiza a ação educativa e daí nasce a pedagogia para recolher dados sobre fatos educativos, classificando-os, estudando-os, sistematizado-os, enfim, elaborando uma série de princípios normativos. Etimologicamente, a palavra pedagogia deriva do grego “paidos”, que significa criança, e “agein”, que significa guiar, conduzir. Portanto, se chama pedagogo o responsável por instruir as crianças. Desde o final do século XIX, começaram a surgir inúmeras propostas para nomear as novas investigações. A existência da psicopedagogia se revela com a 30 realização de investigações precisas, ainda que tomada por ideias positivistas – o que não poderia ser diferente na época em questão –, entrando no mundo das ciências e abrindo caminho na história. Ao longo do século XX, desde os primeiros momentos de institucionalização da psicopedagogia, encontram-se referências que permitem reconhecer a figura do psicopedagogo ligada a certas áreas de intervenção, como a psicopatologia infantil, a orientação profissional ou de educação especial. O surgimento de novas disciplinas científicas obrigou a procurar neologismos para nomear conceitos e dar definições mais ou menos precisas acerca de termos que começavam a ser empregados. Uma maneira de resolver o problema terminológico foi usar binômios, complementando o nome de disciplinas já existentes com um novo termo adjetivado (pedagogia terapêutica, pedagogia psicológica, pedagogia psicofisológica, psiquiatria pedagógica, patologia pedagógica etc). Isso ocorria em zonas geográ- ficas onde os avanços científicos e a tradição pedagógica tinham especial relevância. Referimo-nos às tradições alemã, anglo-saxônica, francófona, italiana e espanhola. A Alemanha era o berço da pedagogia moderna e da psicologia experimental, onde se situava um dos núcleos mais ativos de experimentação pedagógica. Na Alemanha, a expressão “Pädagogische Psychologie” (Psicologia Pedagógica), que ainda era empregada com um significado mais amplo do que a sua equivalente inglesa (“Educational Psychology”), poderia ser traduzida como psicopedagogia, já utilizada normalmente na última década do século XIX. Uma obra alemã, de 1931, nos apresenta o adjetivo composto “psychologisch-pädagogisches”, em um texto que trata do problema da surdez de um ponto de vista médico, psicopedagógico e social, embora ainda pareça um fato isolado, pouco frequente. A respeito da tradição anglo-saxônica, a palavra pedagogia foi utilizada durante o século XIX por influência alemã. Algumas universidades da área anglo-americana ofereciam cursos de pedagogia até a primeira década do século XX. Mas, na virada do século, esses cursos foram substituídos por cursos de educação. A psicologia educacional havia tido um enorme desenvolvimento durante todo o século XX nos âmbitos da psicologia. Podemos dizer que a palavra psicopedagogia surge nesses primeiros anos, embora ainda apareça como adjetivo, psicoeducação. 31 Na área anglo-saxônica, o termo aparece em estudos mais tarde e com caráter excepcional. H. Rudolph Schaffer publica, em 1956, um artigo intitulado “Survey on psychopedagogy”, e em 1979, E. Stones, em Londres, publica seu livro “Psychopedagogy: psychological theory and the practice of teaching”. Além disso, o termo também aparece em alguns textos publicados em Toronto (Canadá), geralmente, com base em traduções de textos franceses. No âmbito francófono – basicamente França, Bélgica e a Escola de Genebra, na Suíça –, são observadas experiências psicopedagógicas sobre psicometria e educação dos deficientes mentais. É aí onde aparecem as primeiras referências à chamada psicopedagogia. Concretamente, o termo, como substantivo (“psicopédagogie”) aparece pela primeira vez em 1908, em uma definição de paidotecnia presente no livro de G. Persigout, “Essais de pédologie générale”. Essa definição é reproduzida logo depois por U. Querton, professor da Universidade Livre de Bruxelas. A definição em questão salienta que a paidotecnia é a psicologia experimental. O termo psicopedagogia aparece associado, portanto, a técnicas psicométricas destinadas à classificação de alunos. Naquele mesmo ano, o termo, em forma de adjetivo, pode ser observado no texto do médico francês Cruchet R. (1908). Para ele, o atendimento pedagógico, ou melhor, “psico-pedagógico”, deve ser baseado no exame mental da criança e exige algum tipo de consulta entre o médico e o professor, uma consulta médico- pedagógica. É interessante notar, por um lado, as relações entre médico e professor, tema chave, já que estavam em voga, na época, áreas como a educação especial, a saúde escolar ou a atenção às crianças; por outro, a proximidade com a pedagogia. O adjetivo composto “médico-pédagogique” foi utilizado nos anos finais do século XIX, com certo excesso, qualificando metodologias, instituições ou intervenções psicopedagógicas. Também foi empregado, posteriormente, como sinônimo de “psico-pédagogique” na medicina, pedagogia, psicologia ou no direito. Na Itália, também encontramos os primeiros usos do termo em um texto de Emilio Galli, intitulado “L’Esame Psicopedagógicode idoneità nell’Instituto S. Vicenzo per l’Educazione dei Deficienti” (Milão, 1911), que descreve, precisamente, como deve ser um exame psicopedagógico. Nesse texto, aparece, pela primeira vez, a figura do profissional responsável pela realização desse exame, chamado de psicopedagogo. 32 As contribuições teóricas ou práticas desse autor, e de outros autores italianos talvez não tenham ocasionado tanto impacto aos colegas franceses, belgas e suíços. Entretanto, é inegável que a história da psicopedagogia italiana teve, ao longo dos anos, grande relevância. Maria Montessori, entre outros autores, empenhou-se para a construção de conteúdos, métodos e objetivos da psicopedagogia. Além disso, havia na Itália uma Comissão de Psicopedagogia que se encarregava da organização de eventos relacionados à especialidade. Na Espanha, independentemente das primeiras referências em livros de Cruchet, Persigout e Querton, a primeira vez que nos deparamos com o termo é em um texto pouco conhecido da pedagoga Francisca Rovira, nomeado “Nuevo tratamiento de la Sordera” (Barcelona, 1914), que descreve e propõe um método psicopedagógico para o tratamento da surdez. Especificamente, ela propõe a utilização de recursos psicopedagógicos para promover a restauração ou a formação de uma função tão transcendente quanto a audição. Rovira dirigiu o Museu Pedagógico Experimental, na capital catalã. Fundado em 1905, tinha em suas instalações um laboratório de psicologia pedagógica, um instituto de pedagogia experimental e uma escola para deficientes mentais, além de editar a revista “La Evolución Pedagógica”, desde 1909. Em 1914, o psicólogo e médico Anselmo González Fernández – catedrático em psiquiatria infantil da Escuela de Estudios Superiores del Magisterio e diretor do Instituto Nacional de Sordomudos, Ciegos y Especial de Anormales – publicou uma obra em que cita Galli e Binet, usando com muita fluidez tanto o termo “psicopedagogia” quanto “psicopedagogo”. González foi considerado o introdutor e máximo representante da psicometria na Espanha, nesse período. Por último, não podemos deixar de mencionar a proliferação de registros de modelos psicopedagógicos que se observa nesse período de virada de século. Eles foram anotados, com finalidades diversas, com base em pesquisas psicológicas e pedagógicas realizadas em escolas, centros de educação especial e reeducação, clínicas pedagógicas, laboratórios e outros centros psicopedagógicos. Nesse contexto, José Maria Fornells documenta, nos anos anteriores a 1919, uma ficha que tinha sido utilizada na Escola Municipal de Deficientes, de Barcelona. O registro em questão recebeu o nome de “nota psicopedagógica” e foram registrados os detalhes 33 relacionados à atenção, à memória, aos sentimentos, à vontade, ao caráter, enfim, informações diversas sobre o processo educativo de alunos. 5.3 Tendências da psicopedagogia A primeira tendência é de síntese entre as aquisições da psicologia e da investigação pedagógica. Assim, a caracterização específica da psicopedagogia provém das experiências realizadas no início do século XX, quando se falava da transposição de dados psicológicos para o âmbito dos problemas educativos. Entende-se que a psicopedagogia é uma ciência positiva dos fenômenos psicológicos em suas relações com os problemas pedagógicos. Outra tendência identifica a psicopedagogia com a psicologia da educação, caracterizada pelo estudo de problemas ligados a situações educativas. Nessa tendência, se entende a psicopedagogia como ciência que descreve e explica as mudanças que ocorrem em indivíduos ao longo do desenvolvimento, desde o nascimento até a maturidade, ocupando-se, portanto, das condições que favorecem ou retardam o desenvolvimento do sujeito. Existe, também, a tendência reducionista, em que a psicopedagogia se aproxima da pedagogia experimental. A psicopedagogia é identificada com a área dos problemas psicopedagógicos, chegando a confundir o científico com o experimental. Nessa vertente, a produção psicopedagógica se limita à investigação didática. No contexto existente entre as duas guerras mundiais, a psicopedagogia é entendida como escopo de aplicação a algumas aquisições específicas (psicologia genética, dinâmica de grupo). Uma abordagem mais recente dessa orientação vai soar cada vez mais como psicodidática, cuja área se amplia até abordar toda a temática escolar. Finalmente, a tendência mais difundida que considera a psicopedagogia um campo interdisciplinar que promove e desenvolve pesquisas relativas ao sentido, significado e aos objetivos de um desenvolvimento integral do sujeito, o que confere à psicopedagogia a equivalência à psicologia da educação. 34 5.4 A psicopedagogia no mundo e no Brasil Com a era industrial, surgiu a preocupação com a produtividade e com tudo o que impossibilitava a produção. As dificuldades de aprendizagem passaram a ser foco de atenção, e a medicina (principalmente a oftalmologia e a neurologia) começou a investigar as causas dos problemas e suas possíveis correções. A Primeira Guerra Mundial propiciou aos estudiosos investigar, a partir do cérebro dos militares atingidos, a relação das áreas cerebrais afetadas com as funções danificadas. No final do século XIX, na Europa, educadores, psiquiatras e neuropsiquiatras começaram a se preocupar em atender e orientar crianças que apresentavam dificuldades de aprendizagem (cognitiva e comportamento social). Dessa época, temos, entre os estudiosos, Édouard Seguin, Jean Etienne- Dominique Esquirol, Ovide Decroly e Maria Montessori. Em 1946, na Europa, são fundados os primeiros centros psicopedagógicos, com direção médica e pedagógica, para crianças com problemas escolares e/ou de comportamento por J. Boutonier e George Mauco. Nesses centros, as crianças que apresentavam comportamentos socialmente inadequados na escola ou nos lares eram tratadas com conhecimentos das áreas de psicologia, psicanálise e pedagogia. Pretendia-se, por meio dessa trindade, conhecer a criança e o seu meio para que, assim, fosse possível compreender o caso e determinar a ação reeducadora. Nos Estados Unidos, o mesmo movimento ocorria. O foco das pesquisas era em relação aos métodos, aos conceitos a serem construídos quanto à deficiência. Por exemplo, qual método nós temos de aplicar para identificar se a criança, efetivamente, não aprende em função de uma deficiência ou quais são as razões que a levam a não aprender, mesmo ela tendo uma estrutura cognitiva para essa aprendizagem. Entre os investigadores americanos, destaca-se Samuel Orton. O movimento europeu deu origem à psicopedagogia. Já o movimento americano propagou a crença de que os problemas de aprendizagem tinham causas orgânicas e que precisavam de atendimento especializado, influenciando parte do movimento da psicologia escolar que, até bem pouco tempo, segundo Bossa (2011), determinou a forma de tratamento dada ao fracasso escolar. 35 A corrente europeia influenciou a Argentina. Em 1956, a Universidade Del Salvador (Buenos Aires) cria a primeira graduação em psicopedagogia. Começam a surgir os primeiros docentes psicopedagogos. A formação incluía influências da epistemologia genética (Jean Piaget), da psicanálise (Freud e pós-freudiana) e da psicologia social (Pichon Rivière), e focava problemas de aprendizagem. Os teóricos argentinos, como Dr. Quirós, Jacob Feldmann, Sara Pain, Alícia Fernandez, Ana Maria Muñiz e Jorge Visca foram os responsáveis pela criação de metodologias sobre os problemas de aprendizagem e, também, pela difusão dos conhecimentos da psicopedagogia no Brasil, enriquecendo o desenvolvimento dessa área de conhecimento. O Brasil recebeu influências americanas e europeias – por meio dos teóricos argentinos – principalmente na região sul do país, que nos anosde 1970 ofereceu os primeiros cursos de formação de especialistas em psicopedagogia. No entanto, somente nos anos de 1990 esses cursos se propagaram pelo Brasil nas regiões sul e sudeste, onde há maior demanda de especializações e de trabalhos realizados na área. Assim como na Europa, inicialmente, no Brasil, os problemas de aprendizagem eram investigados e tratados por médicos. Ainda hoje verificamos que, na maior parte das vezes, a primeira atitude dos familiares é levar seus filhos a uma consulta médica Embora essa realidade ainda exista, a psicopedagogia vem tentando ultrapassar os limites “clínicos” (orgânicos ou mentais) dos problemas de aprendizagem. Ao longo de sua curta história, a psicopedagogia continuou sendo marcada pela influência de diferentes paradigmas, e enriquecida por aportes teóricos de várias escolas, provenientes de diversas disciplinas científicas. Foi-se, então, abrindo caminho para desenvolver um campo bem definido no âmbito da educação, da aprendizagem e da saúde mental. Como resultado dessa construção, a psicopedagogia, hoje, possui um vasto campo, ainda não definido em todas as suas possibilidades, que estuda e trabalha a aprendizagem sistemática e assistemática. Abrange a educação formal em todos os níveis (criança, adolescente, adulto), e a educação familiar e profissional. 36 6 INTERVENÇÕES PSICOPEDAGOGIAS Fonte: blog.psiqueasy.com.br O trabalho clínico do Psicopedagogo tem função preventiva, na medida em que, ao tratar determinados problemas pode prevenir o aparecimento de outros, bem como, amenizar ou sanar os já existentes. O psicopedagogo verifica as características da família, da escola, ou até mesmo do professor, pois, eles podem ser a causa desencadeante do problema de aprendizagem. Os problemas ocasionados pelas causas externas são chamados de problemas de aprendizagem reativos, e aqueles cujas causas são internas à estrutura de personalidade ou familiar do sujeito denominam-se inibição ou sintoma, ambos os termos emprestados da Psicanálise. A prática psicopedagógica deve considerar o sujeito como um ser global, composto pelos aspectos orgânico, cognitivo, afetivo, social e pedagógico. O aspecto orgânico diz respeito à construção biológica do sujeito, portanto, a dificuldade de aprender de causa orgânica estaria relacionada ao corpo. O aspecto cognitivo está relacionado ao funcionamento das estruturas cognitivas. Nesse caso, o problema de aprendizagem residiria nas estruturas do pensamento do sujeito. O aspecto afetivo diz respeito à afetividade do sujeito e de sua relação com o aprender, com o desejo de aprender, pois o indivíduo pode não 37 conseguir estabelecer um vínculo positivo com a aprendizagem. O aspecto social referese à relação do sujeito com a família, com a sociedade, seu contexto social e cultural. E, portanto, um aluno pode não aprender porque apresenta privação cultural em relação ao contexto escolar. Por último, o aspecto pedagógico, que está relacionado à forma como a escola organiza o seu trabalho, ou seja, o método, a avaliação, os conteúdos, a forma de ministrar a aula, entre outros. As contribuições da Psicopedagogia, vão muito mais além do que saber ler e escrever, a criança deve trazer consigo vivencias de seu espaço social e ao chegar à sala de aula estará se comunicando com outras crianças e outras vivências diferentes das suas, onde haverá interação simultânea e aprendizagem de uma com a outra. É a escola, indubitavelmente, a principal responsável pelo grande número de crianças encaminhadas ao consultório por problemas de aprendizagem. Assim é extremamente importante que a Psicopedagogia dê a sua contribuição à escola, seja no sentido de promover a aprendizagem ou mesmo tratar de distúrbios nesse processo. Portanto, seja o campo de atuação do psicopedagogo, a saber, clínico ou institucional, visa promover uma compreensão integral da criança e do contexto escolar que ela está inserida, proporcionando o desenvolvimento da mesma, tanto individualmente como no coletivo, sob uma perspectiva interventiva e preventiva. O psicopedagogo tem a delicada missão de: Conduzir a criança ou a Instituição a reinserir-se, reciclar-se numa escolaridade normal e saudável, de acordo com as possibilidades e interesses dela; Promover a aprendizagem, garantindo o bem estar das crianças em atendimento profissional, valendo-se dos recursos disponíveis, incluindo a relação Inter profissional; Atender as crianças que apresentem dificuldades para aprender por diferentes causas, estando assim, inadaptados social ou pedagogicamente; Encorajar a criança que aprende à tornar-se cada vez mais autônomo em relação ao meio, em interagir com os colegas e resolver os conflitos 38 entre eles mesmos; a ser independente e curioso; a usar iniciativa própria; Ter confiança na habilidade de formar ideias próprias das coisas; a exprimir suas ideias com convicção e conviver construtivamente com medos e angústias. O Psicopedagogo é um profissional que tem muito a ensinar sobre o vínculo professor/aluno, professor/escola e sua incidência na construção do conhecimento e na constituição subjetiva de alunos e educadores. Atualmente, a Psicopedagogia trabalha com uma concepção de aprendizagem segundo a qual participa desse processo um equipamento biológico com disposições afetivas e intelectuais que interferem na forma de relação do sujeito como meio, sendo que essas disposições influenciam e são influenciadas pelas condições socioculturais do sujeito e do seu meio. Por tudo isso, o psicopedagogo deve ser um profissional que tenha conhecimentos multidisciplinares, pois sua atuação é um processo de avaliação diagnóstica, e é necessário estabelecer e interpretar dados em várias áreas. O conhecimento dessas áreas fará com que o profissional psicopedagogo compreenda o quadro diagnóstico do aprendente e com isso, favorecerá a escolha da metodologia mais adequada, ou seja, o processo corretor, com vista à superação das dificuldades do aprendente. Ao finalizarmos a temática, ratificamos que área de conhecimento multidisciplinar do profissional Psicopedagogo busca compreender como ocorrem os processos de aprendizagem e entender as possíveis dificuldades situadas neste movimento. Fonte: https://educarparaoalto.com.br/ 39 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, C. N. Psicoterapia cognitivo-construtivista: o novo paradigma dos modelos cognitivistas. In: RANGÉ, B. et al. Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a psiquiatria. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011. p. 40–49. ALMEIDA, A. P. et al. Comparação entre as teorias de aprendizagem de Skinner e Bandura. Cadernos de Graduação: Ciências Biológicas e da Saúde, v. 1, n. 3, p. 81- 90, nov. 2013. CLARK, D. 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