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ÓPTICA E TERMODINÂMICA Daniel Ferreira Cesar OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Identificar máquinas térmicas e refrigeradores. > Conceituar eficiência e o ciclo de Carnot. > Relacionar máquinas do cotidiano a máquinas térmicas e refrigeradores. Introdução O tema central deste capítulo são as máquinas térmicas. De forma geral, máquinas térmicas são dispositivos que absorvem calor de uma fonte quente, realizam traba- lho mecânico útil e rejeitam uma parcela de calor para uma fonte fria, operando de forma cíclica. Caso o caminho da energia seja reverso, isto é, a partir da realização de trabalho externo, o fluxo de calor se dê da fonte fria para a fonte quente, mediante um ciclo fechado, então estaremos diante de um refrigerador térmico. O estudo das máquinas e refrigeradores térmicos é de grande relevância dentro da termodinâmica, pois é uma aplicação direta da 1º e da 2º Lei da Termodinâmica, as quais fornecem uma compreensão mais precisa sobre o calor e sua natureza como energia em trânsito entre duas fontes de calor com diferentes temperaturas. Neste capítulo, veremos os conceitos físicos e matemáticos associados às máquinas e aos refrigeradores térmicos. Para isso, o texto foi dividido da se- guinte forma. Na primeira seção, ensinaremos o conceito correto de máquina térmica e de refrigerador térmico, e quais são as leis físicas que regem seus funcionamentos. Na segunda seção, mostraremos os parâmetros que definem as máquinas e os refrigeradores térmicos: a eficiência para as máquinas térmicas e o coeficiente de performance para os refrigeradores térmicos. Além disso, veremos Máquinas térmicas e refrigeradores uma conceituação precisa do ciclo de Carnot. Por fim, na última parte, faremos um comparativo entre as máquinas reais e as máquinas ideais, e resolveremos dois exercícios relacionados ao conteúdo tratado ao longo do capítulo. Conceitos fundamentais Embora a ideia do que seja uma máquina possa parecer bem intuitiva, visto a enorme variedade de dispositivos que utilizamos no dia a dia rotulados com esse nome, a conceituação física por trás da definição de uma máquina nem sempre é tão intuitiva. Assim, nesta seção, vamos apresentar a você os conceitos físicos que definem o que são máquinas. Entretanto, não estamos interessados em qualquer tipo de máquina, mas em dois tipos particulares: máquina térmica e refrigerador, o último também denominado bomba de calor. Além da definição conceitual, vamos explorar os princípios físicos que regem o funcionamento das máquinas térmicas e dos refrigeradores. Vamos lá? Máquinas térmicas De acordo com Halliday, Resnick e Walker (1996, p. 238): “[...] um dispositivo que transforma calor em trabalho, enquanto opera em um ciclo, é chamado de máquina térmica, ou mais simplesmente, máquina, ou ainda motor”. Por essa definição, vemos que existe uma correlação direta entre duas formas distintas de energia, o calor, que é concebido como energia térmica, e o trabalho, concebido como energia mecânica. Além disso, é preciso que haja um ciclo completo (ciclo fechado) envolvendo essas duas formas de energia. Uma definição ainda mais precisa por ser encontrada em Knight (2009, p. 570): “[...] uma máquina térmica é qualquer dispositivo que opere em ciclo fechado e que extraia um calor QQ de um reservatório quente, realize um trabalho útil e rejeite um calor QF para um reservatório frio”. Por essa definição, além da correlação entre calor e trabalho operando em um ciclo fechado, há ainda a especificação de que a máquina térmica opere entre dois reservatórios de calor, um quente e um frio. Seja por uma definição ou por outra, há, ainda que implicitamente, outro elemento que faz parte da máquina térmica e de todo seu processo de funcionamento. Esse elemento, denominado substância de trabalho, é o agente responsável pela execução do trabalho mecânico realizado pela máquina. Por enquanto, vamos supor, como substância de trabalho, um gás Máquinas térmicas e refrigeradores2 ideal, mas voltaremos a comentar mais sobre ela na última seção, quando fizermos um paralelo entre máquinas térmicas ideais e máquinas térmicas reais, aquelas que usamos no dia a dia. A partir da definição da máquina térmica dada por Knight (2009), podemos concebê-la segundo o diagrama representado pela Figura 1. Figura 1. Esquema de funcionamento de uma máquina térmica ideal. Ao ab- sorver calor QQ da fonte quente, a substância de trabalho realiza trabalho mecânico Wútil e rejeita um calor QF à fonte fria. Perceba que, diferente da intuição cotidiana do que seja uma máquina, a definição física é muito mais precisa e detalhada. Nesse aspecto, para compreendermos exatamente o funcionamento de uma máquina térmica, precisamos reconhecer as leis físicas sob as quais uma máquina térmica opera; ou seja, precisamos compreender as Leis da Termodinâmica. Vejamos, a seguir, quais Leis são essas. 1ª Lei da Termodinâmica: a energia interna de um sistema termodinâmico, ΔU, é a diferença entre o calor, Q, absorvido pelo sistema menos o trabalho, W, realizado pelo sistema, tal que: ΔU = Q – W (1) Essa equação representa a conservação de energia que ocorre em um sistema termodinâmico. É importante você saber que, quando nos referimos à energia interna, ao calor e ao trabalho, essas três grandezas estão diretamente associadas à substância de trabalho da máquina térmica, aqui o gás ideal. A próxima Lei a ser enunciada é a 2ª Lei da Termodinâmica. Essa lei pode ser enunciada de variadas formas, mas todas possuem as mesmas consequências. Máquinas térmicas e refrigeradores 3 Além disso, historicamente, o contexto que deu origem a essa Lei é o das máquinas térmicas. Segundo Nussenzveig (2002, p. 206): “[...] historicamente, a formulação da segunda 2ª Lei esteve ligada com um problema de engenharia, surgido pouco após a invenção da máquina à vapor: como se poderia aumentar o rendimento de uma máquina térmica, tornando-a mais eficiente possível?”. Deixando de lado o conceito de rendimento, o qual será visto mais adiante, por hora é importante saber que uma máquina térmica opera segundo um ciclo; isto é, é preciso criar um processo de modo que ele possa se repetir tantas vezes quanto necessário. Assim, em um processo cíclico, espera-se que o sistema possa retornar à sua condição inicial em algum momento para recomeçar o processo de operação da máquina novamente. É nesse ponto que vamos enunciar a 2ª Lei da Termodinâmica, segundo a visão de dois físicos famoso, Rudolf Clausius e William Thompson (Lord Kelvin). Vejamos como, a partir do estudo das máquinas térmicas, eles formularam o que viria ser conhecido hoje como a 2ª Lei da Termodinâmica. 2ª Lei da Termodinâmica (segundo Lord Kelvin): “[...] é impossível realizar um processo cujo único efeito seja remover calor de um reservatório térmico e produzir uma quantidade equivalente de trabalho” (NUSSENZVEIG, 2002, p. 206). 2ª Lei da Termodinâmica (segundo Rudolf Clausius): “[...] é impossível realizar um processo cujo único efeito seja transferir calor de um corpo mais frio para um corpo mais quente” (NUSSENZVEIG, 2002, p. 206). Em ambos os enunciados, o termo “único efeito” implica na ciclicidade do processo. Com efeito, em uma máquina térmica, a qual opera segundo um ciclo fechado, é impossível “remover calor de um reservatório térmico e produzir uma quantidade equivalente de trabalho” ou “transferir calor de um corpo mais frio para um corpo mais quente”. Agora, vamos compreender um pouco acerca dos efeitos da ciclicidade dos processos termodinâmicos na substância de trabalho, o gás ideal. Um gás ideal é descrito por um conjunto de variáveis, denominadas variáveis de estado: pressão, volume, temperatura, energia interna e número de mols. Assim, em um ciclo, o gás ideal deve partir de uma condição inicial de variáveis, absorver calor, realizar trabalho útil e, ao final do ciclo, retornar à condição inicial, isto é, às mesmas variáveis de estado, para reiniciar o ciclo.Portanto, em um ciclo fechado, para qualquer máquina térmica, temos, como efeito principal: Máquinas térmicas e refrigeradores4 ΔUciclo = 0 (2) Consequentemente: Wciclo = Qciclo = QQ – QF (3) A equação (3) representa a conservação de energia em um ciclo de operação da máquina térmica. Para facilitar sua compreensão, vamos reescrevê-la como: QQ = Wciclo + QF (4) A equação (4) deve ser lida da seguinte forma: ao ser absorvido pelo sistema, o calor da fonte quente, QQ, converte-se em trabalho útil, Wsaída = Wciclo, realizado pela substância de trabalho, mais uma parcela rejeitada pela sustância para o meio externo, QF. É o princípio da conservação de energia em uma máquina térmica. Mais adiante, voltaremos a falar sobre as máquinas térmicas e o pa- râmetro que melhor a define, seu rendimento. Veremos, também, quem respondeu à pergunta proposta à época e que levou à formulação da 2ª Lei da Termodinâmica. Refrigeradores Agora, falaremos dos refrigeradores, ou bombas de calor. Diferentemente de uma máquina térmica, cujo objetivo é produzir trabalho útil mediante absorção de calor, o principal objetivo de um refrigerador é retirar calor de uma fonte fria e rejeitá-lo a uma fonte quente. Os refrigeradores mais comuns do dia a dia são as geladeiras e os aparelhos de ar condicionado, os quais retiram calor de um ambiente, deixando-o mais frio, e rejeitam a outro ambiente, deixando-o mais quente. De imediato, esses aparelhos parecem violar o enunciado da 2ª Lei da Termodinâmica, como formulado por Clausius, visto que o calor não flui de um corpo mais frio por um corpo mais quente de forma espontânea. Com isso, você deve estar se perguntando: então como tais máquinas existem? Todo o problema se resume à espontaneidade da ocorrência do processo termodinâmico. Veremos a seguir, como fazer tal processo ocorrer sem que, com isso, a 2ª Lei da Termodinâmica seja violada. Entretanto, antes, precisamos definir, de forma mais precisa, o que é um refrigerador térmico. Máquinas térmicas e refrigeradores 5 De acordo com Halliday, Resnick e Walker (1996, p. 241): “[...] um refrige- rador é qualquer dispositivo que transfere energia como calor de um local frio para um local quente”. Essa definição, como posta, evoca o princípio da conservação de energia. Assim como ocorre em uma máquina térmica, em um refrigerador, obrigatoriamente, a energia deve se conservar, a fim de que seja uma máquina viável de ser construída. Esse é um primeiro ponto a ser considerado. Uma segunda definição, mais precisa e completa, é dada por Knight (2009, p. 573): “[...] um refrigerador é qualquer dispositivo que opere em um ciclo fechado e que use trabalho externo Wentrada para remover calor QF de um re- servatório frio, rejeitando calor QQ para um reservatório quente”. A precisão dessa última definição nos permite conceber como é possível inverter o fluxo de calor, fazendo com que seja transferido de uma fonte fria para uma fonte quente: mediante trabalho realizado por um agente externo, ou trabalho de entrada, como define o autor. Uma segunda particularidade da definição dada acima é que o processo ocorre mediante um ciclo fechado; isto é, a substância de trabalho precisa retornar às condições iniciais (pressão, volume, temperatura, energia interna, número de mols) para reiniciar o processo de transferência de calor, tantas vezes quanto for solicitada para tal, exatamente como ocorre em uma máquina térmica. Tal o motivo da ciclicidade do processo. Atente para o fato de que, no refrigerador, Wentrada = Wciclo. Portanto, para um refrigerador, a equação (2) ainda permanece válida, visto que todo o processo ocorre mediante um ciclo fechado e, para qualquer ciclo fechado, ΔUciclo = 0. Também permanece igualmente válida a equação da conservação de energia, equação (4). Essa equação nos leva a conceber um refrigerador conforme o esquema representado pela Figura 2. Figura 2. Esquema de funcionamento de um refrigerador térmico ideal. Mediante trabalho externo Wexterno sobre a substância de trabalho, o calor é transferido da fonte fria QF para a fonte quente QQ. Máquinas térmicas e refrigeradores6 Compare as Figuras 1 e 2 e veja mais claramente a diferença entre uma máquina térmica e um refrigerador. Na Figura 1, o calor QQ é absorvido da fonte quente pelo sistema, realiza trabalho Wsaída e rejeita calor QF à fonte fria. Na Figura 2, o calor QQ rejeitado à fonte quente é o calor transferido da fonte fria QF mediante à realização de trabalho externo Wentrada sobre o sistema. Em ambos os processos, a conservação de energia se faz presente mediante a equação (4). É preciso atentar para o fato de que, no caso da máquina térmica, o trabalho é realizado pela substância de trabalho e, no caso do refrigerador, o trabalho é realizado sobre a substância de trabalho por um agente externo. Atente para o seguinte fato: do ponto de vista operacional, um refrigerador é uma máquina térmica operando com o ciclo reverso, sendo válida a mesma equação de conservação de energia durante todo o ciclo. Atente para o seguinte fato: quando o trabalho for realizado pela substância de trabalho, então: W > 0; caso o trabalho seja realizado sobre a substância de trabalho, então: W < 0. Se o calor for absorvido pela substância de trabalho, então: Q > 0; caso o calor seja rejeitado pela substância de trabalho, então Q < 0. Essa convenção de sinais é importante porque, em algumas referências, pode ser que ela não seja válida. Assim, uma forma equivalente de representar a equação (4) é escrevê-la na forma modular, tal que, sobre um ciclo completo: |Wciclo| = |QQ| – |QF| tal como proposto por Halliday, Resnick e Walker (1996). A seguir, veremos, de forma mais detalhada, os parâmetros que caracte- rizam, do ponto de vista energético, uma máquina térmica e um refrigerador térmico. Abordaremos, também, de forma mais precisa, o conceito de ciclici- dade de operação de máquinas e refrigeradores térmicos ideais. O conceito de eficiência e o ciclo de Carnot Voltemos, agora, a falar das máquinas térmicas. Como comentamos, o objetivo de uma máquina térmica é a realização de trabalho útil a partir da absorção de calor pela substância de trabalho. Assim, podemos definir o parâmetro deno- minado eficiência, ou rendimento, que é uma medida da relação entre o calor absorvido QQ e o trabalho útil realizado por ciclo Wciclo pela máquina, tal que: Máquinas térmicas e refrigeradores 7 (5) Utilizando a equação (4), temos que: (6) Essa expressão é extremamente útil, pois ela nos mostra os limites de eficiência de uma máquina térmica. Do enunciado da 2ª Lei da Termodinâmica (segundo Lord Kelvin), sabemos que: “[...] é impossível realizar um processo cujo único efeito seja remover calor de um reservatório térmico e produzir uma quantidade equivalente de trabalho” (NUSSENZVEIG, 2002, p. 206). Assim, caso isso fosse possível, teríamos como resultado: (6.1) Essa seria uma máquina perfeita, que não existe na prática, por imposição da 2ª Lei da Termodinâmica. Na situação oposta, caso nenhum trabalho fosse realizado, então: (6.2) Nesse caso, não teríamos uma máquina. Assim, uma máquina térmica real deve operar entre os limites: 0 < e < 1 (7) Agora que já definimos adequadamente o que é o rendimento de uma máquina térmica, podemos voltar à pergunta: “[...] como se poderia aumentar o rendimento de uma máquina térmica, tornando-a mais eficiente possível?”, ou de outro modo, “[...] dadas uma fonte quente e uma fonte fria, qual é o máximo rendimento que se pode obter em um motor térmico operando entre essas duas fontes?” (NUSSENZVEIG, 2002, p. 206 e 211). Máquinas térmicas e refrigeradores8 Esse desafio foi solucionado pelo brilhante físico, matemático e enge- nheiro mecânico francês Nicolas Léonard Sadi Carnot. Para compreender sua resposta, vamos utilizar uma máquina ideal. Embora ela não exista de fato, sua utilidade reside no fato de que ela representa o comportamento- -limitedas máquinas reais. Por conseguinte, chegaremos à uma resposta igualmente válida, pois estamos buscando exatamente os limites de fun- cionamento de uma máquina real, limites esses que podem ser fornecidos pela máquina ideal. Para todos os efeitos, uma máquina ideal é aquela que opera somente por processos em que não há desperdício de energia por atrito, viscosidade ou turbulência da substância de trabalho. Ademais, continuaremos adotando um gás ideal como substância de trabalho, embora, como veremos, a substância em si será irrelevante, podendo ser tanto um gás quanto um líquido; apenas deve ser tomada à conta de ideal. Como já mencionamos, toda máquina térmica opera segundo um ciclo fechado. Portanto, precisamos escolher qual será o ciclo pelo qual o gás ideal vai operar. O ciclo que adotaremos será composto por dois processos isotérmicos e dois processos adiabáticos. A esse ciclo dá-se o nome de ciclo de Carnot. É preciso que você tenha em mente que nenhuma máquina real é perfeitamente reversível; portanto, essa consideração é mais uma idealização a ser suposta. Outra consideração de suma importância é que, durante os processos que ocorrerão ao longo do ciclo, nenhum calor será trocado de forma indesejável. Isso implica dizer que as trocas de calor entre a substância de trabalho e o meio serão controladas e direcionadas. Além disso, os processos ocorrerão de forma lenta e gradual, quase estaticamente, a fim de garantir que tenhamos, de fato, transformações isotérmicas e adiabáticas, garantindo a completa reversibilidade do processo. Com isso, uma máquina de Carnot idealizada pode ser concebida como constituída de um cilindro de parede adiabática, um pistão e uma substância de trabalho. A máquina opera entre duas fontes de calor: uma fonte quente que está à temperatura TQ e uma fonte fria que está à temperatura TF. A Figura 3 exemplifica o funcionamento de uma máquina de Carnot ope- rando em um ciclo fechado, entre dois processos isotérmicos e dois processos adiabáticos. Eis seu princípio de funcionamento. Máquinas térmicas e refrigeradores 9 Figura 3. Esquema de funcionamento de uma máquina de Carnot ideal. Fonte: Sergey Merkulov/Shutterstock.com. 1. O início do ciclo dá-se em (1) com o pistão travado e comprimindo a substância de trabalho, a qual está absorvendo calor da fonte quente (QQ) que está a uma temperatura TQ. Destrava-se o pistão, deixando a substância sofrer uma expansão à temperatura constante (expansão isotérmica). No processo 1 → 2, apenas há absorção de calor pela substância e consequente realização de trabalho por esta. 2. Ao atingir o ponto (2) do ciclo, o calor da fonte quente é removido e o cilindro é colocado em uma base isolante, a fim de que não haja mais trocas de calor. No processo 2 → 3, a substância de trabalho sofre ex- pansão adiabática, visto que nenhum calor entra ou sai do sistema. No processo de realização de trabalho adiabático, a temperatura muda de TQ para TF, pois a energia gasta no processo de realização de trabalho ocorre não mais às custas do calor da fonte quente, mas às custas da energia interna da substância de trabalho. 3. Ao atingir o ponto (3) do ciclo, o cilindro é colocado sob um reserva- tório cuja temperatura é TF. No processo 3 → 4, a substância começa a sofrer compressão isotérmica pelo pistão, com o calor da substância de trabalho sendo transferido para a fonte fria. 4. Ao atingir o ponto (4), a fonte fria é retirada e o cilindro é colocado novamente sobre uma base isolante. No processo 4 → 1, a substância de trabalho sofre compressão adiabática até atingir o ponto inicial do ciclo. Fechado o ciclo, a substância de trabalho está pronta para reiniciar todo o processo novamente. Máquinas térmicas e refrigeradores10 O ciclo de Carnot e seus resultados podem ser resumidos desta forma (HALLIDAY; RESNICK; WALKER, 1996): a) o rendimento de uma máquina de Carnot é dado pela relação: (8); b) o rendimento depende apenas das temperaturas das fontes quente TQ e fria TF, e independe da substância de trabalho da máquina, seja ela um gás ou um líquido; c) nenhuma máquina real pode ter uma eficiência superior à eficiência obtida pela máquina de Carnot operando entre as mesmas temperatura TQ e TF. Embora tenhamos dado um enfoque maior à máquina térmica, as mesmas conclusões podem ser obtidas para o refrigerador, uma vez que um refrige- rador é uma máquina térmica operando em ciclo reverso. Entretanto, para um refrigerador, o parâmetro que o caracteriza é denominado coeficiente de performance K, definido como: (9) Utilizando a equação (4), temos que: (9.1) Caso , o que violaria a 2ª Lei da Termodinâmica (se- gundo Lord Kelvin), pois o calor fluiria espontaneamente da fonte fria para a fonte quente; caso , de forma que não teríamos um refrigerador, pois não haveria fluxo de calor da fonte fria para a fonte quente. Portanto, o coeficiente de performance de um refrigerador fica definido entre os limites: (10) Como o ciclo de Carnot é um ciclo perfeitamente reversível, uma má- quina térmica de Carnot operando em ciclo reverso se converte em um Máquinas térmicas e refrigeradores 11 refrigerador de Carnot. Para um refrigerador de Carnot, seu coeficiente de performance pode ser dado pela seguinte relação, sendo que as mesmas conclusões obtidas na análise da máquina térmica de Carnot valem para o refrigerador de Carnot: (11) Sobre a equação (11), observe que, quanto menor for a diferença entre TQ e TF, maior será o valor do coeficiente de performance K. Entretanto, para os propósitos de um refrigerador, isso é ruim, pois significa que menos calor está fluindo entre a fonte fria e a fonte quente. A importância do ciclo de Carnot, seja aplicado a uma máquina térmica ou a um refrigerador, verifica-se por meio de um teorema, conhecido como Teorema de Carnot (HALLIDAY; RESNICK; WALKER, 1996, p. 245): “Nenhuma máquina real, seja uma máquina térmica ou um refrigerador, pode ter uma eficiência maior do que uma máquina de Carnot operando entre as mesmas duas temperaturas.” A seguir, veremos a correlação entre as máquinas reais, aquelas que utilizamos no nosso dia a dia, e as máquinas térmicas ideais, aquelas que vimos até o momento. A título de exercício, veremos duas aplicações, em que usaremos as relações de eficiência e e o coeficiente de performance K desenvolvidos nesta seção. Vamos lá? Relação das máquinas do cotidiano com as máquinas térmicas e os refrigeradores ideais Como vimos, o ciclo de Carnot tem sua importância fundamentada no se- guinte teorema: “[...] nenhuma máquina real, seja uma máquina térmica ou um refrigerador, pode ter uma efi ciência maior do que uma máquina de Carnot operando entre as mesmas duas temperaturas” (HALLIDAY; RESNICK; WALKER, 1996, p. 244 e 245). Vejamos, portanto, quais são as implicações desse Teorema para as máquinas reais, isto é, aquelas que nos cercam no dia a dia. Máquinas térmicas e refrigeradores12 Embora haja outros ciclos reversíveis, como os ciclos de Brayton, Otto, Diesel, Stirling e Rankine, nenhum deles atinge eficiência superior à eficiência do ciclo de Carnot quando operando entre as mesmas temperaturas TQ e TF. Isso se deve à condição idealizada da máquina de Carnot. Nas máquinas reais, é impossível remover elementos que dissipam ener- gia, como atrito mecânico, viscosidade, aquecimento dos componentes, etc. Por consequência, a equação (8) pode ser estendida a todas as máquinas reversíveis que operam segundo um ciclo fechado, não importando que ciclo seja esse. Outro aspecto importante a ser considerado quando comparamos uma máquina real com uma máquina ideal é a substância de trabalho utilizada por uma máquina real. É preciso diferenciar o que é substância de trabalho de combustível. Em geral, o combustível é utilizado para manter a fonte quente à temperatura TQ, enquanto a substância de trabalho é a responsável pela execução de trabalho mecânico. Vejamos, a seguir, dois importantesciclos termodinâmicos de máquinas do nosso dia a dia: o ciclo de Rankine e o de Otto. O primeiro é o ciclo-base das máquinas que funcionam à vapor, enquanto o segundo é o ciclo-base de motores de combustão interna. � Ciclo de Rankine: esse ciclo é importante porque, atualmente, máquinas térmicas baseadas nele são utilizadas na geração de boa parte da energia elétrica mundial, seja em usinas termoelétricas, solares ou, até mesmo, nucleares. Além disso, tem grande importância histórica, pois as primeiras máquinas térmicas se basearam nele. Resumidamente: algum combustível, seja ele fóssil, gás natural ou, ainda, nuclear, gera calor em uma câmara. A água, substância de trabalho para essa máquina, retira o calor da câmara quente, transportando-o em forma de vapor até uma turbina ou um pistão. Após isso, o vapor é resfriado em um condensador, transferindo calor à fonte fria e se condensando, sendo bombeado, novamente, para a câmara de combustão, reiniciando todo o processo (Figura 4). Máquinas térmicas e refrigeradores 13 Figura 4. Funcionamento de uma máquina a vapor baseada no ciclo de Rankine. � Ciclo de Otto: esse ciclo é importante porque os motores à com- bustão interna, como os motores à gasolina e a etanol, o têm por base. Resumidamente: uma mistura de gasolina com ar é queimada, elevando a temperatura da câmara de combustão. Os gases quen- tes, resultado dessa reação química, constituem a substância de trabalho, a qual realiza trabalho mecânico sobre o pistão. Após isso, o calor é transferido para o meio ambiente via sistema de resfriamento/exaustão. O funcionamento desse motor pode ser contemplado na Figura 5. Figura 5. Funcionamento de um motor de combustão interna baseado no ciclo de Otto. Fonte: Adaptada de Bauer, Westfall e Dias (2012). Máquinas térmicas e refrigeradores14 Para finalizar esta seção, é importante que você compreenda que, ainda que calculemos o rendimento para qualquer uma dessas máquinas reais, somente nos baseando nas temperaturas da fonte quente e da fonte fria esse rendimento que vamos calcular será somente teórico, uma vez que muitos elementos de uma máquina real não são levados em consideração. Veja os exemplos a seguir. Exemplo 1 Em uma usina termoelétrica que funciona com base no ciclo de Rankine, uma turbina retira vapor de um boiler à temperatura de 520°C (793 K) e o injeta em um condensador a 100°C (373 K). Assim, seu rendimento teórico máximo pode ser calculado mediante a equação (8), tal que: Esse rendimento seria aquele de uma máquina de Carnot operando sob as mesmas circunstâncias. No entanto, por causa do atrito, da turbulência e das perdas de calor indesejáveis, a eficiência real dessa máquina a vapor está em torno de 40% (HALLIDAY; RESNICK; WALKER, 1996). Segundo Nussenzveig (2002, p. 218): “[...] hoje em dia, com turbinas a vapor especialmente proje- tadas, atinge-se rendimentos próximos de 50%”. Esse valor é muito próximo do limite máximo estipulado pelo ciclo de Carnot. Para o ciclo de Otto, a situação é mais drástica. O rendimento fica muito aquém do esperado. De acordo com Halliday, Resnick e Walker (1996), sob condições teóricas, o rendimento de um motor ordinário de automóvel é de cerca de 56%, mas considerações práticas o reduzem para cerca de 25%. De acordo com Nussenzveig (2002), o rendimento de um motor a diesel é de ~40%. Para os refrigeradores, a situação não é diferente. Vejamos outro exemplo. Exemplo 2 Um refrigerador que opera segundo ciclos de Brayton inversos e usa hélio gasoso como substância de trabalho opera entre as temperaturas TF = 250 K e TQ = 381 K. Assim, seu rendimento teórico máximo pode ser calculado mediante a equação (11), tal que: Máquinas térmicas e refrigeradores 15 Esse é o limite para o coeficiente de performance de um refrigerador de Carnot operando sob as mesmas circunstâncias. No entanto, o coeficiente de desempenho de um refrigerador razoavelmente realista, semelhante a esse, é menor do que 60% de seu valor limite (KNIGHT, 2009), ou seja, Kreal = 1,15. Com esses exemplos, esperamos ter mostrado que existe uma grande diferença entre as máquinas reais, aquelas que usamos no nosso dia a dia, e as máquinas ideais, quando o assunto é eficiência, visto que, nos modelos ideais, muitos elementos que consomem energia ao longo dos ciclos não são levados em conta. Assim , jamais uma máquina real atingirá os limites impostos por uma máquina ideal. Porém, o estudo das engenharias de máquinas térmicas aliado ao da física serve, cada vez mais, para minimizar as perdas de energia ocorridas durante os processos cíclicos. Portanto, no desenvolvimento ou aperfeiçoamento das máquinas térmicas e refrigeradores, busca-se, cada vez mais, otimizar sua eficiência, ou coeficiente de performance, tanto quanto possível. Referências BAUER, W.; WESTFALL, G. D.; DIAS, H. Física para universitários: relatividade, oscilações, ondas e calor. 1. ed. Porto Alegre: AMGH, 2012. HALLIDAY, D.; RESNICK, R.; WALKER, J. Fundamentos de física. 4. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1996. v. 2. KNIGHT, R. D. Física 2: uma abordagem estratégica. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009. NUSSENZVEIG, H. M. Curso de física básica. 4. ed. rev. São Paulo: Blucher, 2002. v. 2. Máquinas térmicas e refrigeradores16