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Macroeconomia I: Notas de Aulas
Roberto Ellery Jr.1
Universidade de Brası́lia
15 de março de 2024
1ellery@unb.br
Versão incompleta e não submetida a revisão, deve ser utilizada
apenas como referência para os alunos de Macroeconomia I do
primeiro semestre de 2024.
1
Sumário
1 Modelo de Solow 5
1.1 Comportamento das Famı́lias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.2 Comportamento das Firmas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.3 Equações de Movimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
1.4 Estado Estacionário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.5 Caminho de Crescimento Equilibrado . . . . . . . . . . . . . . . 13
1.6 Regra de Ouro e Ineficiência Dinâmica . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.7 Crescimento da Produtividade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
1.8 Choques Estocásticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
1.8.1 Log-linearização do Modelo de Solow . . . . . . . . . . . 22
1.9 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2 Escolha Ótima de Consumo e Poupança 26
2.1 O Problema do Planejador Central . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
2.2 Estado Estacionário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
2.3 Condição de Transversalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
2.4 Elasticidade Intertemporal de Substituição do Consumo . . . . . . 32
2.5 Diagrama de Fases . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
2.6 Aproximação do Sistema em torno Estado Estacionário . . . . . . 41
3 Modelo Básico de Ciclos Reais de Negócios 49
3.1 Estado Estacionário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
3.2 Aproximação Log-Linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
3.3 Solução com variáveis de ajuste instantâneo . . . . . . . . . . . . 57
3.4 Solução de Blanchard e Kahn . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
4 Programação Dinâmica 68
4.1 Horizonte Finito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
4.1.1 O Problema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
4.1.2 Equação de Bellman . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
4.1.3 Algoritmo de Programação Dinâmica . . . . . . . . . . . 71
2
4.2 Horizonte Infinito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
4.2.1 Funcional de Bellman . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
4.2.2 Espaços Métricos e Espaços Vetoriais Normados . . . . . 73
4.2.3 Teorema do Ponto Fixo de Banach . . . . . . . . . . . . . 76
4.2.4 Solução da Equação de Bellman . . . . . . . . . . . . . . 78
4.3 Aplicação: Escolha Ótima de Consumo e Investimento . . . . . . 79
4.4 Aplicação: Modelo Básico de Ciclos Reais . . . . . . . . . . . . . 80
4.5 Programação Dinâmica com Controle Discreto . . . . . . . . . . 82
4.5.1 Busca por Emprego . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
4.5.2 Demanda por Moeda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
5 Programação Dinâmica Linear-Quadrática 89
5.1 O Método de Kydland e Prescott . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
5.2 Exemplo: Modelo Básico de Ciclos Reais de Ne-gócios (versão
determinı́stica) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
5.3 Solução de Modelos com Choques Estocásticos . . . . . . . . . . 96
5.4 Exemplo: Modelo Básico com Choque Estocás-tico . . . . . . . . 98
6 Consumo e Precificação de Ativos Financeiros 105
6.1 Consumo e Poupança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
6.1.1 Modelo com Horizonte Infinito de Programação . . . . . . 105
6.1.2 Juros, Consumo e Poupança . . . . . . . . . . . . . . . . 107
6.2 Precificação de Ativos Financeiros . . . . . . . . . . . . . . . . . 108
6.2.1 Preços de Ativos como um Passeio Aleatório . . . . . . . 108
6.2.2 Precificação de Ativos em Equilı́brio Geral . . . . . . . . 109
6.2.3 Prêmio de Risco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
6.2.4 O Experimento de Mehra e Prescott . . . . . . . . . . . . 114
7 Modelo de Gerações Superpostas 115
7.1 Descrição dos Consumidores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
7.2 Equilı́brio Competitivo e Equilı́brio Competitivo Recursivo . . . . 118
7.3 Bem-Estar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
7.4 Demanda por Moeda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124
7.4.1 Equilı́brio Monetário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124
7.4.2 Variações na Oferta de Moeda . . . . . . . . . . . . . . . 128
7.5 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
7.6 Modelo com Produção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
7.6.1 Economia com Governo . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
3
8 Crescimento Econômico 137
8.1 Modelo Neoclássico com tempo contı́nuo . . . . . . . . . . . . . 137
8.1.1 Hamiltoniano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140
8.1.2 Análise de Estabilidade e o Diagrama de Fases . . . . . . 141
8.2 Harrod-Domar e Solow . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142
8.3 Modelo AK . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
8.3.1 Modelo de Frankel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146
8.3.2 Modelo AK com Recurso Natural Exaurı́vel . . . . . . . . 148
8.3.3 Modelo AK com Poupança Endógena . . . . . . . . . . . 148
8.3.4 Modelo AK com Gasto Público . . . . . . . . . . . . . . 150
8.4 Capital Humano e Crescimento Econômico . . . . . . . . . . . . 153
8.4.1 Modelo de Solow com Capital Humano . . . . . . . . . . 153
8.4.2 Externalidades e Capital Humano . . . . . . . . . . . . . 155
8.5 Termos de Trocas e Crescimento Econômico . . . . . . . . . . . . 163
8.6 Alocação de Capital e Produtividade . . . . . . . . . . . . . . . . 165
8.7 Contabilidade do Desenvolvimento . . . . . . . . . . . . . . . . . 168
9 Inovação e Crescimento Econômico 172
9.1 Variedade de Insumos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172
9.1.1 Setor de Bens Finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173
9.1.2 Setor de Bens Intermediários (insumos) . . . . . . . . . . 174
9.1.3 Setor de Pesquisa e Inovação . . . . . . . . . . . . . . . . 176
9.1.4 Equilı́brio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176
9.1.5 Trabalho como Insumo para Pesquisa . . . . . . . . . . . 177
9.2 Qualidade de Insumos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
9.2.1 Setor de Inovação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181
9.2.2 Crescimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183
9.2.3 Modelo com Vários Setores . . . . . . . . . . . . . . . . 184
9.3 Intermediação Financeira e Crescimento Eco-nômico . . . . . . . 187
9.3.1 Custo de Avaliação de Projetos . . . . . . . . . . . . . . . 188
9.3.2 Modelo com Monitoramento e Risco Moral . . . . . . . . 189
9.4 Progresso Tecnológico e Recursos Naturais . . . . . . . . . . . . 192
9.5 Aprendizado e Resistência a Novas Tecnologias . . . . . . . . . . 194
9.6 Entrada de Novas Firmas e Inovação . . . . . . . . . . . . . . . . 198
9.7 Instituições e Barreiras à Entrada . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200
Referências Bibliográficas 205
4
Capı́tulo 1
Modelo de Solow
O Modelo de Solow é o ponto de partida para a discussão sobre crescimento
econômico e flutuações. A partir de uma estrutura bastante simples o modelo
apresenta os aspectos fundamentais sobre o comportamento de longo prazo de
uma economia, em particular os fatos estilizados de Kaldor (1961) são contem-
plados pelo Modelo de Solow.
Além de servir de referência para a análise de questões de longo prazo é lı́cito
afirmar que parte significativa da moderna macroeconomia está fundamentada em
modelos que são descendentes diretos do Modelo de Solow. A afirmativa se jus-
tifica a partir de duas caracterı́sticas destes modelos. A primeira caracterı́stica é a
existência de famı́lias e firmas interagindo em um mercado de fatores e outro de
bens e serviços. Este tipo de estrutura caracteriza a macroeconomia que se fun-
damenta no comportamento de agentesrepresentativos1, chamadas por alguns de
macroeconomia com microfundamentos.
Outra caracterı́stica fundamental do Modelo de Solow é a utilização explı́cita
de uma função de produção agregada exibindo rendimentos decrescentes de es-
cala. Foi basicamente devido a hipótese de rendimentos decrescentes que Solow
encontrou seu famoso resultado que no longo prazo a taxa de crescimento do
produto per capita é determinada pela taxa de crescimento da produtividade, de
forma que a taxa de poupança não afeta a taxa de crescimento de longo prazo.
O Modelo de Solow será apresentado de forma compatı́vel com os atuais mo-
delos de equilı́brio geral dinâmico. Inicialmente será discutido o comportamento
das famı́lias, depois os das firmas e, finalmente, será apresentado o comporta-
mento da economia como resultado das interações entre os dois agentes. Não será
apresentada uma definição de equilı́brio mas serão colocados os elementos desta
definição.
1É bem verdade que, ao contrário dos modelos atuais, as famı́lias do Modelo de Solow não
tomam decisões ótimas. Nas próximas unidades esta questão será explorada e serão apresentada
soluções
5
1.1 Comportamento das Famı́lias
Como já foi dito as famı́lias não tomam decisões ótimas, ou seja, não existe um
problema de maximização de utilidade. Desta forma podemos caracterizar es-
tas famı́lias a partir de regras de decisão ad hoc e uma restrição orçamentária.
Esta restrição é que toda a renda da famı́lia deve ser gasta com consumo ou com
poupança.
Considerando que a renda da famı́lia será igual a soma da renda do trabalho e
da renda do capital esta restrição toma a forma:
rtkt + wtht = ct + st (1.1)
onde rt representa a taxa de remuneração do capital, kt representa o total de capital
que uma famı́lia possui, wt é o salário real, ht as horas trabalhadas pela famı́lia,
ct o consumo da famı́lia e st a poupança; todas as variáveis correspondem a um
determinado perı́odo t. Supondo que a cada perı́odo existemNt famı́lias é possı́vel
obter a restrição agregada somando a restrição de cada famı́lia, esta restrição então
teria a forma:
rt
Nt∑
j=1
kjt + wt
Nt∑
j=1
hjt =
Nt∑
j=1
cjt +
Nt∑
j=1
sjt (1.2)
onde o sobrescrito j representa a unidade familiar.
Se adicionarmos a hipótese de que todas as famı́lias são idênticas, ou seja,
tomam as mesmas decisões, possuem as mesmas dotações iniciais e estão sujeitas
aos mesmos choques podemos reescrever a equação (1.2) na forma:
rtNtkt + wtNtht = Ntct +Ntst (1.3)
Usando letras maı́usculas para representar variáveis agregadas chegamos a se-
guinte forma para a equação (1.3):
rtKt + wtHt = Ct + St (1.4)
Da contabilidade nacional sabemos que o investimento agregado é igual à
poupança agregada. Usando esta informação a equação (1.4) passa a represen-
tar a identidade entre renda e despesa, ou seja:
rtKt + wtHt = Ct + It (1.5)
onde It representa o investimento agregado. Um ponto que não deve passar de-
sapercebido é que devido à hipotese de que todas as famı́lias são idênticas existe
uma equivalência entre as váriaveis definidas para cada famı́lia e o valor per ca-
pita da mesma variável. Desta forma muitas vezes vamos nos referir as variáveis
minúsculas como valores per capita das variáveis maiúsculas.
6
Existem duas hipóteses comportamentais que devem ser adcionadas ao mo-
delo. A primeira é que a oferta de trabalho é inelástica, ou seja, qualquer que
sej ao salário real os indivı́duos trabalharão o mesmo número de horas. Por sim-
plicidade costuma-se normalizar o total de horas trabalhadas com um, ou seja,
h = 1. Desta forma se toda a população for capaz de ofertar trabalho temos que
Ht = Nt, do contrário temos que Ht = Lt onde Lt representa a mão-de-obra
empregada. A outra hipótese é que as famı́lias poupam uma proporção fixa de sua
renda. Fazendo Yt = rtKt + wtHt esta hipótese implica que St = σYt = It.
1.2 Comportamento das Firmas
As firmas são caracterizadas por uma tecnologia que apresenta rendimentos de-
crescentes de escala e retornos constantes. Sob uma série de hipóteses estas tecno-
logias podem ser agregadas de modo que seja possı́vel representar todas as firmas
por meio de uma função de produção agregada.
Esta função relaciona a quantidade produzida do único bem desta economia
à quantidade utilizada de cada fator de produção. Como os únicos fatores de
produção existentes são capital e trabalho, esta função pode ser representada na
forma:
Qt = F (Kt, Lt) (1.6)
onde Qt representa a produção agregada e F : ℜ2 → ℜ é uma função contı́nua e
duas vezes diferenciável com ∂F
∂K
> 0, ∂F
∂L
> 0, ∂2F
∂K2 < 0 e ∂2F
∂L2 < 0. O primeiro
par de derivadas garante que quanto maior a quantidade de qualquer insumo maior
será a produção, o segundo está relacionado a presença de rendimentos decres-
centes. De outra forma pode-se supor que a função F é crescente e estritamente
côncava.
Por fim devemos adicionar a hipótese de retornos constantes de escala, ou seja,
F é homogênea do primeiro grau. Desta forma vale que para qualquer constante λ,
F (λK, λL) = λF (K,L). Com esta hipótese torna-se possı́vel ignorar problemas
de organização industrial tais como o número ótimo de firmas em um mercado
competitivo.
Uma outra utilidade importante da hipótese de retornos constantes é tornar
possı́vel obter a igualdade entre produto e renda a partir das condições de pri-
meira ordem para maximização de lucros e do Teorema de Euler para funções
homogêneas 2.
Como se sabe a condição de otimização de lucros por parte das firmas exige
que o valor pago pelo uso de cada fator seja igual à produtividade marginal deste
2Segundo este teorema se f : ℜn → ℜ for uma função homogênea de grau κ então vale que∑n
i=1 xi
∂f
∂xi
= κf
7
fator. Desta forma o salário real deverá ser igual a produtividade marginal do
trabalho, wt =
∂F
∂Lt
, e a taxa de juros deve ser igual a produtividade marginal do
capital, rt = ∂F
∂Kt
. Substituindo estas igualdades na definição de renda temos:
Yt = rtKt + wtLt
=
∂F
∂Kt
Kt +
∂F
∂Lt
Lt
= F (Kt, Lt) = Qt
A primeira igualdade é a definição de renda, a segunda segue da condição de
maximização de lucro e a terceira decorre do Teorema de Euler para funções ho-
mogêneas.
1.3 Equações de Movimento
Uma vez caracterizados os comportamentos das firmas e das famı́lias é possı́vel
voltar a atenção para problemas relacionados à economia como um todo. Neste
sentido será interessante apontar um conjunto de variáveis capaz de caracterizar o
estado da economia em um determinado perı́odo, ou seja, uma vez que os valores
destas variáveis em um determinao perı́odo sejam conhecidos os valores de todas
as outras variáveis poderão ser obtidos a partir delas.
No caso do modelo descrito acima se o valor do estoque de capital e do traba-
lho em um determinado perı́odo for conhecido será possı́vel determinar o produto
da economia, para isto basta substituir estes valores na função de produção. De
posse do produto o valor da renda passa a ser conhecido de forma imediata pois,
como foi visto, a renda é igual ao produto. Conhecida a renda usa-se a hipótese
comportamental para calcular a poupança, que será igual ao investimento, e o con-
sumo. Desta forma é possı́vel afirmar que se encontrarmos uma sequência com
todos os valores de capital e trabalho saberemos os valores de todas as variáveis
macroeconômicas do modelo.
Para determinar esta sequência será preciso conhecer o valor inicial do estoque
de capital e do trabalho bem como as regra de movimento destas variáveis, ou seja,
devemos conhecer uma regra que dados os valores das variáveis em t podemos
calcular seus valores em t + 1. A regra de crescimento do trabalho é bastante
simples. Por hipótese temos que a oferta de trabalho é igual a população (cada
pessoa oferta uma unidade de trabalho por perı́odo) e que a população cresce a
uma taxa constantee igual a η. Desta forma temos que Lt+1 = (1 + η)Lt, note
que Lt = Nt.
A regra de movimento do capital exige um pouco mais de trabalho. Sabemos
que o investimento é igual a compra de máquinas, equipamentos, construções
8
mais as variações nos estoques. Esta definição implica que o investimento pode
ser visto como o acréscimo ao estoque de capital realizado em um determinado
perı́odo. Como o capital também sofre depreciação temos que em qualquer perı́odo
o valor do estoque de capital será igual ao valor do estoque de capital do perı́odo
anterior, descontada a depreciação, mais o investimento realizado no perı́odo an-
terior, ou seja:
Kt+1 = (1− δ)Kt + It (1.7)
onde δ é a taxa de depreciação.
A primeira vista pode parecer que a regra acima não é capaz de determinar o
valor do estoque de capital em t + 1 dado o estoque de capital em t. Entretanto,
se lembrarmos que podemos obter o valor do investimento a partir dos valores de
Kt e Lt, será possı́vel determinar Kt+1. Para isto basta escrever a equação (1.7)
na forma:
Kt+1 = (1− δ)Kt + σYt = (1− δ)Kt + σF (Kt, Lt) (1.8)
A equação (1.8) juntamente com a regra de movimento da população é capaz
de descrever a trajetória da economia para quaisquer valores iniciais K0 e L0.
Dito de outra forma se conhecermos a taxa de crescimento da população e todos
os parâmetros da equação (1.8) basta que saibamos os valores iniciais do estoque
de capital e do trabalho que podemos determinar o valor de qualquer variável
agregada em qualquer perı́odo de tempo.
É possı́vel simplificar ainda mais o problema pela eliminação da variável Lt
da equação (1.8). Para isto basta dividir a equação (1.8) por Lt+1 e usar valores
per capita3 para as variáveis, ou seja fazer:
Kt+1
Lt+1
=
(1− δ)Kt
Lt+1
+ σ
1
Lt+1
F (Kt, Lt)
=
(1− δ)Kt
(1 + η)Lt
+ σ
1
(1 + η)Lt
F (Kt, Lt)
=
1
1 + η
{
(1− δ)Kt
Lt
+ σF
(
Kt
Lt
,
Lt
Lt
)}
escrevendo a equação acima em termos de estoque de capital per capita, kt = Kt
Lt
e definindo f(kt) = F (kt, 1) obtemos:
(1 + η)kt+1 = (1− δ)kt + σf(kt) (1.9)
A equação (1.9) é uma equação em diferenças finitas de primeira ordem. Por
meio desta equação é possı́vel determinar o comportamento da economia uma vez
conhecido o valor inicial para o estoque de capital per capita.
3No caso, como Nt = Lt, os termos per capita e ”por trabalhador”são equivalentes.
9
1.4 Estado Estacionário
Sabemos que a partir da equação (1.9) é possı́vel determinar toda a seqüência de
estoque de capital per capita de uma determinada economia. Uma vez conhecido
o valor do capital per capita podemos determinar todas as demais variáveis do mo-
delo em termos per capita. Também é possı́vel obter o valor de qualquer variável
desde que se multiplique esta variável em termos per capita pela quantidade de
trabalho que, nesse modelo, é igual à população.
Desta forma temos que o produto per capita em um determinado perı́odo t
será determinado por:
yt =
Yt
Lt
=
Qt
Lt
=
1
Lt
F (Kt, Lt) = F (kt, 1) = f(kt) (1.10)
A função f(kt) também pode ser utilizada para determinar a taxa de juros, para
isto basta observar que:
F (Kt, Lt) = Ltf(
Kt
Lt
) ⇒ ∂F
∂Kt
= Ltf
′(kt)
1
Lt
= f ′(kt)
de forma que rt = f ′(kt). De forma semelhante é possı́vel mostrar que wt =
f(kt)− f ′(kt)kt.
Conhecido o produto per capita é possı́vel calcular a poupança per capita a
partir da hipótese que as pessoas poupam uma fração constante de suas renda:
st =
St
Lt
=
σYt
Lt
= σyt (1.11)
o investimento é igual a poupança. Para calcular o consumo basta usar a restrição
orçamentária agregada:
ct =
Ct
Lt
=
Yt − St
Lt
= (1− σ)yt (1.12)
Das equações (1.10) a (1.12) segue que se a regra de movimento do capital
definida em (1.9) for tal que exista um ponto em que kt+1 = kt = k então o
valor de cada uma das variáveis no perı́odo t + 1 será igual ao valor do perı́odo
t. Em outros termos, se a equação em diferenças definida em (1.9) admitir algum
ponto estacionário, então todas as variáveis do modelo, e não apenas o estoque de
capital, permanecerão estacionadas no mesmo valor. Quando ocorre uma situação
deste tipo a economia é dita estar em um estado estacionário.
Definição 1.1 Uma economia encontra-se no estado estacionário quando todas
as suas variáveis (estoque de capital, produto, consumo, investimento e poupança)
assumirem um valor constante no tempo.
10
kt
σf(kt)
(η + δ)kt
kss
Figura 1.1: Estado estacionário no Modelo de Solow
O próximo passo é determinar se no Modelo de Solow existe algum valor do
estoque de capital que possa ser caracterizado como um estado estacionário. Para
isto é válido escrever a equação (1.9) na forma:
kt+1 =
(1− δ)kt + σf(kt)
1 + η
= g(kt) (1.13)
Desta maneira encontrar um estado estacionário é equivalente a determinar um
ponto fixo da função g : ℜ → ℜ.
Encontrar um ponto fixo para (1.13) é equivalente a resolver a equação não
linear:
(η + δ)kt − σf(kt) = 0 (1.14)
Uma solução trivial para esta equação é fazer k = 0. Porém existe uma outra
solução para esta equação, a Figura 1.1 ilustra esta outra solução. A solução
positiva para a equação em (1.14) ocorre no ponto onde a reta (η + δ)kt cruza
a curva σf(kt). Note-se que desde que a função f seja estritamente concava
existirão apenas dois estados estacionários no Modelo de Solow sendo que apenas
um deles, denotado por kss, é positivo.
Para qualquer valor positivo do estoque de capital inicial a economia vai con-
vergir para kss e nele permanecerá até que ocorra alguma mudança em uma variável
11
kt
σ0f(kt)
(η + δ)kt
k0ss
σ1f(kt)
k1ss
Figura 1.2: Alteração no estado estacionário devido a mudança na taxa de
poupança
exógena do modelo. Um exemplo de mudança em uma variável exógena seria o
aumento da taxa de poupança.
A Figura 1.2 ilustra o efeito de um aumento da taxa de poupança sobre o es-
toque de capital. Inicialmente a economia encontra-se em um estado estacionário
onde a taxa de poupança é σ0 e o estoque de capital é igual a k0ss. Por algum mo-
tivo, talvez o resultado de uma polı́tica pública, a taxa de poupança aumenta e fica
igual a σ1. Neste caso a sociedade passa a sacrificar um maior volume de consumo
no presente para garantir uma renda mais alta no futuro, desta forma o estoque de
capital aumenta. Na Figura 1.2 este efeito é caracterizado pelo deslocamento para
cima da curva σf(k)4. O novo estoque de capital é igual a k1ss.
Como a regra de movimento do capital não admite descontinuidades a mudança
de k0ss para k1ss vai ocorrer de forma gradual. O perı́odo em que ocorre esta
mudança é chamado de transição. Desta forma falamos que a economia encontra-
se em transição, ou em uma dinâmica de transição, quando o estoque de capital
está se ajustando para um novo estado estacionário.
Em algumas aplicações as caracterı́sticas da transição são tão ou mais impor-
tantes que as do novo estado estacionário para analisar os efeitos de uma deter-
4Pela expressão fica claro que quando σ aumenta a curva desloca-se para cima
12
minada polı́tica. Este problema aparece de maneira bastante clara quando da dis-
cussão sobre a viabilidade de substituir regimes de previdência do tipo repartição5
por regimes de contas individuais ou de capitalização. Alguns modelos mostram
que o estado estacionário associado a um regime de capitalização proporciona um
bem-estar maior do que o estado estacionário relacionado ao regime de repartição.
Entretanto os custos associados à transição entre regimes são tão altos que tornam
a mudança de regime impossı́vel.
1.5 Caminho de Crescimento Equilibrado
Até agora dedicamos nossa análise ao comportamento das variáveis em termos
per capita e ignoramos o que está acontecendo com as variáveis propriamente
ditas. Esse tipo de análise se justifica pois conhecidos os valores per capita é fácil
obter a variável original simplesmente multiplicando pelapopulação em um dado
momento.
Considere uma economia que encontra-se no estado estacionário com k = kss
e, portanto, y = yss. É possı́vel obter o produto desta economia por meio de uma
multiplicação simples Yt = Nty
⋆. Note-se que Yt cresce a uma taxa igual a η, que
é a taxa de crescimento da população6.
A implicação mais imediata deste resultado é que quando tratamos com as
variáveis propriamente ditas ao invés da variável em termos per capita não é
possı́vel caracterizar um estado estacionário, exatamente por esta razão que é
apropriado resolver o modelo em termos per capita.
Como todas as variáveis correspondem ao valor da variável per capita mul-
tiplicado pela população é possı́vel usar o argumento acima para concluir que o
consumo, o investimento e o estoque de capital crescem à taxa η. Isto significa
que todas as variáveis da economia estão crescendo a uma taxa constante e igual,
quando isto ocorre dizemos que a economia encontra-se em um caminho de cres-
cimento equilibrado.
Definição 1.2 Uma economia encontra-se em um caminho de crescimento equi-
librado quando todas as variáveis crescem à uma taxa constante.
O conceito de caminho de crescimento equilibrado é muito importante para a
análise de questões relacionadas ao crescimento no Modelo de Solow e em vários
modelos dinâmicos de macroeconomia. No próximo capı́tulo esta distinção será
fundamental para estudar os determinantes da taxa de crescimento do produto per
capita no longo e no médio prazo.
5Neste tipo de regime as pensões dos inativos são pagas pelas contribuições dos trabalhadores
em atividade.
6Se isto não estiver claro note que Yt+1−Yt
Yt
= Nt+1y
⋆−Nty
⋆
Nty⋆ = Nt+1−Nt
N−t = η.
13
1.6 Regra de Ouro e Ineficiência Dinâmica
Por supor regras ad hoc para as decisões das famı́lias em vez de partir de um
problema de maximização de utilidade o Modelo de Solow não é adequado para
análises de bem-estar. Porém, mesmo com essa limitação, é possı́vel chegar a
algumas conclusões relacionando poupança, consumo e nı́vel de bem-estar. Esse
é objetivo dessa seção.
Repare que para cada valor da taxa de poupança, σ, existe apenas um estado
estacionário positivo, kss, e para esse estado estacionário existe apena um nı́vel
de consumo. Desta forma é possı́vel escrever o nı́vel de consumo no estado esta-
cionário como função de kss que, por sua vez, é função de σ. Essa relação tem a
forma:
css(σ) = f(kss(σ))− (η + δ)kss(σ) (1.15)
A equação (1.15) mostra o consumo no estado estacionário, css, como a diferença
entre o produto no estado estacionário, f(kss) e o investimento no estado esta-
cionário, (η + δ)kss. É possı́vel determinar a taxa de poupança que garante o
maior nı́vel possı́vel de consumo no estado estacionário, para isso basta maximi-
zar a expressão em (1.15) com relação a σ. A condição de primeira ordem é dada
por:
∂css(σ)
∂σ
=
∂f(kss(σ))
∂kss
dkss
dσ
− (η + δ)
dkss
dσ
= 0
A equação acima diz que o máximo de consumo no estado estacionário vai
ocorrer quando a inclinação da função de produção no estado estacionário for
igual a (η + δ). Essa condição é conhecida como regra de ouro e pode ser repre-
sentada como:
∂f(kGR)
∂kGR
= f ′(kGR) = η + δ (1.16)
Onde kGR significa o capital quando vale a regra de ouro. A cada kGR está asso-
ciado uma única taxa de poupança denotada por σGR e um nı́vel de consumo que
é dado por:
cGR = f(kGR)− (η + δ)kGR
A Figura 1.3 ilustra a determinação do capital na regra de ouro.
Uma pergunta natural diz respeito a relação entre o capital da regra de ouro
e o capital do estado estacionário. Como vimos o primeiro é determinado por
σf(kss) = (η + δ)kss e o segundo é determinado por f ′(kGR) = η + δ. Das
equações é perfeitamente possı́vel que ocorram casos onde o estoque de capital
14
f ′(kt) = η + δ
kt
f(kt)
(η + δ)kt
kGR
Figura 1.3: Estoque de capital na regra de ouro
15
no estado estacionário venha a ser maior, igual ou menor do que o estoque de
capital da regra de ouro.
Para deixar esse ponto mais claro suponha que a função de produção é do
tipo Cobb-Douglas, nesse caso temos F (Kt, Lt) = A0K
θ
t L
1−θ
t o que implica
f(kt) = A0k
θ
t . O capital no estado estacionário será dado por:
σA0k
θ
ss = (η + δ)kss ⇒
kss =
(
σA0
η + δ
) 1
1−θ
Enquanto o capital da regra de ouro será dado por:
θA0k
θ−1
GR = η + δ ⇒
kGR =
(
θA0
η + δ
) 1
1−θ
Dos resultado acima decorre que o estoque de capital no estado estacionário
será igual ao estoque de capital da regra de ouro quando σ = θ, ou seja, quando
a taxa de poupança for igual a fração da renda que remunera o capital. Quando
σ < θ a o estoque de capital no estado estacionário será menor que o da regra de
ouro, vale o contrário quando σ > θ. A Figura 1.4 mostra a determinação da regra
de ouro e do estado estacionário para valores diferentes de σ.
Quando σ < θ um aumento da taxa de poupança leva a uma redução no con-
sumo presente e a uma elevação do consumo no futuro, é o caso clássico de pou-
par hoje para consumir depois. Supondo que quanto maior o consumo, maior
será o nı́vel de satisfação uma elevação da taxa de poupança deve gerar um ganho
de bem-estar para gerações futuras ao custo de uma perda de bem-estar para a
geração presente. Suponha agora que σ > θ nesse caso uma redução da taxa de
poupança causa um aumento do consumo da geração presente, mas também pode
causar um aumento no consumo da geração futura. Esse será o caso quando a
nova taxa de poupança for maior ou igual a θ.
Considere a Figura 1.4. No estado estacionário o consumo é dado pela diferença
entre a função de produção e a reta com inclinação η+δ ambas avaliadas no estado
estacionário. Como a regra de ouro maximiza o consumo no estado estacionário a
maior diferença ocorre quando o estado estacionário é igual a kGR. É fácil obser-
var na figura que quando a taxa de poupança cai de σ = σ2 para σ = θ o consumo
16
f ′(kt) = η + δ
kt
f(kt)
(η + δ)kt
kGR
σGRf(kt)
σ1f(kt)
k1ss
σ2f(kt)
k2ss
Figura 1.4: Estoque de capital na regra de ouro e n o estado estacionário
17
segue uma trajetória crescente até encontrar o novo estado estacionário em kGR.
Nesse caso todas as gerações aumentam a quantidade consumida com a queda da
taxa de poupança.
Definição 1.3 Dizemos que uma economia apresenta ineficiência dinâmica quan-
do é possı́vel aumentar o consumo da geração presente sem reduzir consumo das
outras gerações. No caso do Modelo de Solow com função de produção Cobb-
Douglas isso acontece quando a taxa de poupança é maior que a fração da renda
destinada à remuneração do capital.
Ineficiência dinâmica está associada a excesso de poupança e guarda forte
relação com a existência de rendimentos decrescentes. Esse fato fica mais claro
se considerarmos o modelo com η = 0, nesse caso a regra de ouro é dada por:
f ′(kGR) = δ
Repare que a produtividade marginal é exatamente igual a taxa de depreciação do
capital. Como a presença de retornos decrescentes qualquer aumento de capital
levará a uma situação onde a produtividade marginal do capital será menor que
a taxa de depreciação. Nesse caso o ganho de produto obtido com o acréscimo
de uma unidade de capital é menor do que a depreciação do capital, nesse sen-
tido é possı́vel afirmar que em um situação de ineficiência dinâmica a economia
está ”Jogando fora”capital. Por isso é comum associar ineficiência dinâmica com
excesso de acumulação de capital.
1.7 Crescimento da Produtividade
Até agora não consideramos um elemento fundamental do Modelo de Solow que
é o crescimento tecnológico, de fato o principal resultado associado a Solow é
que no longo prazo o crescimento de uma economia depende do crescimento da
produtividade. Nesta seção colocaremos produtividade no modelo.
Uma maneira simples de introduzir crescimento da produtividade7 no modelo
é por meioda função de produção que passa a ser dada por Yt = AtF (Kt, Lt)
com At = A0(1 + α)t. Com essa especificação temos que yt = A0(1 + α)tf(kt)
e a regra de movimento do capital passa a ser dada por:
(1 + η)kt+1 = (1− δ)kt + σA0(1 + α)tf(kt) (1.17)
Desde que α > 0, o caso de interesse, a equação (1.17) não admite um estado
estacionário. Isso dificulta um bocado a análise do modelo, mas, com algumas
7Os termos crescimento da produtividade, progresso técnico e crescimento tecnológico serão
usados como sinônimos no restante desse capı́tulo.
18
hipóteses, será possı́vel determinar o caminho de crescimento equilibrado8. Para
isso faça A0 = 1, uma hipótese que não tem efeitos nos resultados do modelo e
facilita nossa vida, e suponha f(kt) = kθt . Com essas hipóteses a equação 1.17
toma a forma:
(1 + η)kt+1 = (1− δ)kt + σ(1 + α)tkθt (1.18)
Defina a taxa de crescimento do capital como:
γkt =
kt+1
kt
O objetivo é avaliar se existe solução para γkt = γk constante e encontrar esse
valor. Para isso use a equação 1.18 na definição de γkt de forma a obter:
γkt =
(1− δ)kt + σ(1 + α)tkθt
(1 + η)kt
=
1− δ
1 + η
+
σ(1 + α)t
(1 + η)k1−θ
t
⇒
σ(1 + α)t
(1 + η)k1−θ
t
= γkt −
1− δ
1 + γ
⇒
σ(1 + α)t = γkt(1 + η)k1−θ
t − (1− δ)k1−θ
t ⇒
[γkt(1 + η)− (1− δ)] k1−θ
t = σ(1 + α)t ⇒
kt =
[
σ(1 + α)t
(1 + η)γkt − (1− δ)
] 1
1−θ
De forma a escrever o estoque de capital por trabalhador como:
kt = (1 + α)
t
1−θ
[
σ
(1 + η)γkt − (1− δ)
] 1
1−θ
(1.19)
Com γkt constante, ou seja, no caminho de crescimento equilibrado temos:
γk =
kt+1
kt
=
(1 + α)
t+1
1−θ
[
σ
(1+η)γk−(1−δ)
] 1
1−θ
(1 + α)
t
1−θ
[
σ
(1+η)γk−(1−δ)
] 1
1−θ
= (1 + α)
1
1−θ (1.20)
A equação (1.20) estabelece o resultado que no caminho de crescimento equili-
brado a taxa de crescimento do estoque de capital por trabalhador é determinada
pela taxa de crescimento da produtividade.
8Uma abordagem alternativa é definir o modelo em termos de unidade de trabalho eficiente, ou
seja, dividir tudo por AtLt.
19
Conhecida a taxa de crescimento do estoque de capital a taxa de crescimento
do produto pro trabalhador no caminho de crescimento equilibrado pode ser obtida
da seguinte forma:
γy =
yt+1
yt
=
(1 + α)t+1kθt+1
(1 + α)tkθt
= (1 + α)
(
kt+1
kt
)θ
Substituindo o valor de γk temos:
γy = (1 + α)
[
(1 + α)
1
1−θ
]θ
= (1 + α)(1 + α)
θ
1−θ = (1 + α)
1
1−θ (1.21)
Repare que no caminho de crescimento equilibrado o capital por trabalhador e o
produto por trabalhador crescem à mesma taxa. Como o consumo e o investimento
são proporções do produto ambos também crescem a mesma taxa do capital no
caminho de crescimento equilibrado.
1.8 Choques Estocásticos
Uma das grandes contribuições para a Macroeconomia no final do século XX foi
o uso de modelos de equilı́brio para reproduzir padrões de flutuações observa-
dos em economias reais. Essa abordagem foi inaugurada em Kydland e Prescott
(1982) onde os autores apresentaram um modelo de equilı́brio geral dinâmico com
choques de produtividade para tentar reproduzir as flutuações da economia ameri-
cana. Esse artigo deu inı́cio a literatura de RBC9 que depois serviu de base para os
modernos modelos DSGE10 que hoje estão no núcleo da macroeconomia e servem
de base para elaboração e avaliação de polı́ticas macroeconômicas.
Por não construir as escolhas das famı́lias a partir de maximização de utili-
dade o Modelo de Solow não seria bem classificado como um modelo de RBC
ou DSGE, mas por apresentar uma estrutura compatı́vel com esses modelos é
possı́vel reproduzir a abordagem de Kydland e Prescott (1982) usando o Modelo
de Solow. Introduzir choques estocásticos no Modelo de Solow não vai gerar
artigos para publicação nem será útil para reproduzir economias reais, mas é de
grande utilidade como uma primeira apresentação para técnicas que serão usadas
em modelos de otimização mais sofisticados.
A maneira mais comum de inserir choques de produtividade em um modelo é
por meio da função de produção fazendo com que o termo At passe a depender
de um choque aleatório. Existem várias formas para At, uma das mais populares
é uma estrutura autorregressiva:
9Real Business Cycles.
10Dynamic Stochastic General Equilibrium
20
At = ρĀ+ (1− ρ)At−1 + ϵt
Onde 0 < ρ < 1, Ā é a esperança não condicional de At, ou seja Ā = E[At], e
ϵt é choque aleatório. A vantagem dessa especificação é que é processos autorre-
gressivos são comuns em macroeconomia e econometria, de forma que o modelo
fica em território bem conhecido. A desvantagem é que ϵt precisa de um limite
inferior sob pena de At se tornar negativo11.
Uma forma alternativa que também é familiar em econometria e macroecono-
mia consiste em definir At como:
At = Āeϵt
onde ϵt segue uma distribuição normal com média zero, repare que com essa
especificação At nunca terá valores negativos e, portante, não é necessário im-
por um limite inferior à distribuição de ϵt. Como ϵt tem distribuição normal, At
terá distribuição log-normal definida por:
At = ln Ā+ ϵt
Seguindo McCandless (2008) essa última especificação será usada no restante
deste capı́tulo.
A regra de movimento do capital passa a ser dada por:
kt+1 =
(1− δ)kt + σĀeϵtf(kt)
1 + η
(1.22)
Que é a mesma regra de movimento em (1.18) com a nova especificação para At.
Caso seja interesse juntar crescimento da produtividade e choque estocástico em
um único modelo basta definir At de forma apropriada na regra de movimento do
capital. De fato, a possibilidade de escrever kt+1 como função explı́cita de kt é o
que torna o Modelo de Solow simples e apropriado para iniciar a discussão sobre
modelos dinâmicos em macroeconomia.
A equação (1.22) pode ser usada para simular a série de capital, para será ne-
cessário definir a função de produção, determinar os valores dos parâmetros do
modelo, ”sortear”os valores de ϵt de acordo com a distribuição especificada e de-
terminar um valor inicial para estoque de capital por trabalhador, k0. A definição
da função de produção faz parte do desenho de modelo, a mais popular é a Cobb-
Douglas, os valores dos parâmetros podem ser obtidos por meio de calibração ou
estimação, o ”sorteio”do ϵt pode ser feito com qualquer software matemático ou
11Na prática vários autores utilizam a especificação autorregressiva com ϵ normal com variância
muito pequena, a esse respeito ver Cooley e Prescott (1995).
21
estatı́stico, incluindo planilhas eletrônicas, e o valor de k0 depender do exercı́cio
a ser realizado12.
1.8.1 Log-linearização do Modelo de Solow
Em muitas aplicações não será possı́vel escrever a regra de movimento do capital
como nas equações (1.9), (1.18) e (1.22), ou seja, não será possı́vel escrever kt+1
como uma função explı́cita de kt. Via de regra sé é possı́vel obter uma relação
implı́cita entre kt+1 e kt, nesses casos é comum usar uma versão linear aproximada
do modelo original para fazer as simulações.
Nesta seção será apresentada uma técnica para aproximar o Modelo de So-
low, tal aproximação não é necessária para simular o modelo, mas é um bom
exercı́cio para criar familiaridade com técnicas que serão essenciais em modelos
mais complexos. A técnica utilizada é a de aproximação log-linear, ver McCan-
dless (2008), nos próximos capı́tulos serão estudadas outras técnicas utilizadas
para simular modelos dinâmicos em macroeconomia.
Para uma variável Xt defina X̃t = lnXt − ln X̄ onde X̄ é o valor de Xt no
estado estacionário, ou seja, X̃t é o desvio do logaritmo de Xt em relação ao
logaritmo do estado estacionário de Xt. Note que Xt = X̄eX̃t . Como X̃t é um
número pequeno valem as seguintes propriedades:
eX̃t ≈ 1 + X̃t
Et
[
aeX̃t+1
]
≈ Et
[
aX̃t+1
]
+ constante
Se Ỹt = lnYt − ln Ȳ então também vale que:
eX̃t+aỸt ≈ 1 + X̃t + aỸt (1.23)
X̃tỸt ≈ 0 (1.24)
Usando a especificação log-normal para At e uma função de produção do tipoCobb-Douglas a regra de movimento em (1.22) toma a forma:
(1 + η)kt+1 = (1− δ)kt + σĀeϵtkθt
Usando kt = k̄ek̃t na expressão acima temos:
(1 + η)k̄ek̃t+1 = (1− δ)k̄ek̃t + σĀeϵt k̄θeθk̃t
12Em várias aplicações k0 é definido como o estoque de capital por trabalhador no estado esta-
cionário.
22
Aplicando as regras de aproximação a equação acima passa a ser escrita como:
(1 + η)k̄(1 + k̃t+1) = (1− δ)k̄(1 + k̃t) + σĀ(1 + ϵt)k̄
θ(1 + θk̃t) ⇒
(1 + η)k̄ + (1 + η)k̄k̃t+1 = (1− δ)k̄ + (1− δ)k̄k̃t + σĀk̄θ + σĀϵtk̄
θ+
σĀk̄θθk̃t + σĀϵtk̄
θθk̃t
Da definição de estado estacionário temos que (1+ η)k̄ = (1− δ)k̄+σĀk̄θ, logo:
(1 + η)k̄k̃t+1 = (1− δ)k̄k̃t + σĀϵtk̄
θ + σĀk̄θθk̃t + σĀϵtk̄
θθk̃t
Use o fato que k̃tϵt ≈ 0 para obter:
(1 + η)k̄k̃t+1 = (1− δ)k̄k̃t + σĀϵtk̄
θ + σĀk̄θθk̃t
Por fim arrume os termos de forma a escrever k̃t+1 como função de k̃t e ϵt:
k̃t+1 =
[
1− δ
1 + η
+
σĀθk̄θ−1
1 + η
]
k̃t +
σĀk̄θ−1
1 + η
ϵt
Para que a equação acima não seja explosiva é preciso que o coeficiente de
k̃t seja menor que um. Para avaliar essa condição use novamente os valores de
estado estacionário, (1 + η)k̄ = (1 − δ)k̄ + σĀk̄θ, para escrever os coeficientes
como:
1− δ
1 + η
+
σĀθk̄θ−1
1 + η
=
1− δ
1 + η
+
θ(δ + η)
1 + η
σĀk̄θ−1
1 + η
=
δ + η
1 + η
De forma que k̃t+1 passe a ser escrito como:
k̃t+1 =
[
1− δ
1 + η
+
θ(δ + η)
1 + η
]
k̃t +
δ + η
1 + η
ϵt
A primeira vantagem de escrever a equação na forma acima é que os coeficientes
podem ser obtidos diretamente dos parâmetros do modelo. A segunda vantagem é
que fica mais fácil determinar se o coeficiente de k̃t é de fato menor que um, para
isso repare que:
1− δ
1 + η
+
θ(δ + η)
1 + η
=
1 + θη − δ(1− θ)
1 + η
< 1
A desigualdade segue de θη < η, pois 0 < θ < 1 de forma que 1− θ > 0.
23
Os passos fundamentais do exercı́cio foram: aplicar a aproximação log-linear;
usar o estado estacionário para simplificar e tornar mais tratável a versão aproxi-
mada do modelo; e determinar a condição de estabilidade do modelo linear. Esses
passos serão usados em modelos mais complexos para permitir a simulação de
forma a obter os dados de economias artificiais.
1.9 Exercı́cios
1. Considere uma economia com função de produção dada por F (Kt, Lt) =
Kθ
t L
1−θ
t , 0 < θ < 1, a taxa de crescimento da população é igual a n, a taxa
de depreciação é igual a δ e a taxa de poupança é igual a σ. Pede-se
i. O estoque de capital por trabalhador no estado estacionário.
ii. O estoque de capital por trabalhador na regra de ouro.
iii. Qual deve ser a taxa de poupança para que o estoque de capital por
trabalhador do estado estacionário seja igual ao estoque de capital por
trabalhador na regra de ouro?
2. Considere uma economia com função de produção dada por F (Kt, Lt) =
K0,5
t L0,5
t , a taxa de crescimento da população é igual a zero, a taxa de
depreciação é igual a 10% ao ano e a taxa de poupança é igual a 0,4. Pede-se
i. O estoque de capital por trabalhador no estado estacionário.
ii. Suponha que essa economia seja atingida por um choque que aumente
a taxa de poupança para 0,5. Qual o estoque de capital por trabalhador
no primeiro perı́odo após o choque?
3. Seja o Modelo de Solow com função de produção Cobb-Douglas Qt =
Kα
t (AtLt)
1−α, onde Qt é o produto agregado, Kt é o estoque de capital,
Lt é a população empregada (por hipótese igual à população), At é a pro-
dutividade total dos fatores (PTF) e 0 < α < 1. A taxa de poupança é
constante e igual a s, a população e a PTF são tais que Lt+1 = (1 + n)Lt e
At+1 = (1 + x)At. Pede-se:
i. Escreva a função de produção em termos do capital por unidades de
trabalho-eficiência, f(k), onde k = K
AL
. Mostre que a derivada de
f(k) em relação a k é positiva e que a segunda derivada de f(k) em
relação a k é negativa.
ii. Suponha que a taxa de crescimento da população seja de 2%, a taxa
de crescimento da PTF seja de 3%, a depreciação do capital seja de
24
5% e a taxa de poupança seja 20%. Encontre o valor do capital por
trabalhador e do produto por trabalhador para o caso de α = 0, 5.
iii. Mantenha as hipótese anteriores. Qual a taxa de crescimento do pro-
duto por trabalhador no longo prazo? Justifique.
4. Modelo de Solow com Terra. Seja uma economia com função de produção
dada por:
Y = AegtKαLβCλ,
onde C representa a terra usada na produção que, por hipótese, é fixa, K
o capital, L o trabalho e g > 0 é uma constante. Suponha que a taxa de
poupança é constante e igual a σ e que são válidas as demais hipóteses do
modelo de Solow, em particular vale que λ + α + β = 1. Seja κ = K/Y ,
pede-se:
i. Encontre κ no estado estacionário.
ii. Encontre a taxa de crescimento do produto per capita. Como a presença
de terra afeta a resposta?
iii. Encontre a regra de ouro e determine sob quais circunstâncias esta
economia apresenta ineficiência dinâmica.
5. Modelo de Solow e Tranferências Internacionais. Suponha uma econo-
mia descrita como no modelo de Solow visto em sala. A cada perı́odo uma
fração ζ do produto é enviada para o exterior como doação para o resto do
mundo (você também pode pensar em juros de uma dı́vida já contratada).
Para obter os recursos necessários para transferência o governo coloca uma
taxa lump sum. Pede-se:
i. O produto per capita no estado estacionário e taxa de crescimento do
paı́s. Compare com o modelo visto em sala.
ii. Como fica sua resposta no caso do financiamento ser feito por meio de
um imposto sobre a renda?
6. Use uma planilha eletrônica ou qualquer software de sua preferência para
simular a equação (1.22) com função de produção Cobb-Douglas e a versão
aproximada desta equação. Considere θ = 0,5, δ = 0,05, η = 0,05, σ =
0,4, ϵt ∼ N(0, σ2
ϵ ) com σϵ = 0,07 e faça k0 = 12. Lembre de comparar as
mesmas variáveis. uma equação está em kt+1 e outra em k̃t+1, e de usar a
mesma série de ϵt nas duas simulações.
25
Capı́tulo 2
Escolha Ótima de Consumo e
Poupança
Estudar economia implica em estudar escolhas diante de restrições, essencial-
mente economistas buscam as melhores alocações de recursos escassos para aten-
der desejos ilimitados. No Modelo de Solow a escolha central é o quanto do
produto dever alocado em consumo e em poupança, mais consumo implica em
menos poupança e, portanto, em menos investimento o que pode levar a menos
consumo no futuro1.
Desta forma o Modelo de Solow é um modelo de escolha intertemporal, porém
a regra de escolha é tomada como hipótese. Definir que o indivı́duo poupa uma
fração σ de sua renda a cada perı́odo torna o modelo muito mais tratável, mas
dribla a questão fundamental de como os indivı́duos escolhem o quanto vão con-
sumir a cada perı́odo. A regra de poupar sempre uma mesma fração da renda é
ótima? Faz sentido supor que a decisão de poupança não considera se a renda do
perı́odo é maior ou menor que a renda permanente? Faz sentido poupar a mesma
proporção da renda estando empregado ou desempregado? Para responder essas
perguntas precisamos definir uma função de utilidade e então avaliar se a regra
escolha de consumo de fato maximiza essa função dadas as restrições enfrentadas
no processo de escolha.
Antes de seguir para o problema de otimização das famı́lias é válido apresen-
tar a regra de movimento do capital sem a hipótese de que as famı́lias poupam
uma fração constante da renda. Para isso será preciso retornar ao ponto anterior
à introdução dessa hipóteses, ou seja, devemos voltar a igualdade entre despesa,
consumo mais investimento, e produto, Ct + It = F (Kt, Lt), a regra de mo-
vimento do capital dada por Kt+1 = (1 − δ)Kt + It. Dessas duas equações
1Na seção sobre regra de ouro vimos que nem sempre mais poupança no presente leva a um
maior consumo no futuro, mas isso não muda o fato que há uma escolha entre poupança e consumo
a cada perı́odo.
26
obtemos:
Ct +Kt+1 − (1− δ)Kt = F (Kt, Lt)
Dividindopor Lt:
Ct
Lt
+
Kt+1
Lt
− (1− δ)
Kt
Lt
=
1
Lt
F (Kt, Lt) ⇒
ct +
Kt+1
Lt
Lt+1
Lt+1
− (1− δ)kt = F
(
Kt
Lt
,
Lt
Lt
)
⇒
ct + (1 + η)kt+1 − (1− δ)kt = F (kt, 1) ⇒
ct + (1 + η)kt+1 − (1− δ)kt = f(kt)
Que pode ser escrita como:
kt+1 =
1
1 + η
[f(kt) + (1− δ)kt − ct] (2.1)
Comparando as regras de movimento obtidas no Modelo de Solow com a
equação acima aparece uma diferença fundamental. Nas equações (1.9), (1.18)
ou (1.22) era possı́vel construir toda a sequência de capital a partir de um valor
dado para k0, isso não é verdade na equação (2.1). Note que mesmo conhecidos
os parâmetros, as formas funcionais e k0 não será possı́vel obter a sequência de
capital porque não conhecemos ct. Escrever ct como função de kt é o objetivo das
próximas seções deste capı́tulo. Na verdade, correndo o risco de cometer algum
exagero, é possı́vel afirmar que escrever ct como função de kt é o principal desafio
para simular modelos dinâmicos em macroeconomia. Ainda vamos sentir muita
falta do velho e (não tão) bom ct = (1− σ)f(kt) utilizado no Modelo de Solow.
2.1 O Problema do Planejador Central
A primeira estratégia para encontrar ct será supor a existência de um planejador
central onisciente e benevolente, porém não onipotente, que escolhe a sequência
de consumo de forma a maximizar o fluxo de utilidade de um indivı́duo repre-
sentativo da economia. Por não ser onipotente o planejador central está limitado
pela restrição de recursos da economia, equação (2.1), mas, por ser capaz de alo-
car recursos livremente entre consumo e investimento, não enfrenta uma restrição
orçamentária. É como se o planejador fosse dono so total de recursos e tivesse de
escolher como distribui-los entre consumo presente e consumo futuro.
Formalmente o problema do planejador central pode ser escrito como:
27
max
{ct,kt+1}∞t=0
∞∑
t=0
βtu(ct)
s.a. kt+1 =
1
1 + η
[f(kt) + (1− δ)kt − ct]
A primeira reação de quem está acostumado a resolver problemas de otimização
talvez seja substituir a restrição na função objetivo e derivar em relação a kt+1 ou,
quem sabe, montar um Lagrangiano e derivar em relação a kt+1 e ct. O problema
com essa estratégia é que serão necessárias infinitas derivadas para obter as infini-
tas condições de primeira ordem do problema, afinal existem infintos valores para
kt+1 e para ct. Mais na frente vamos discutir o método de programação dinâmica
para resolver esse problema, por agora vamos tirar proveito da estrutura recursiva
do problema que garante que as infinitas condições de primeira ordem possuem a
mesma forma.
O Lagrangiano para o problema do planejador central é dado por:
L(ct, kt+1, λt) =
∞∑
t=0
βtu(ct) + λt [f(kt) + (1− δ)kt − ct − (1 + η)kt+1]
Ante de calcular as derivadas é importante reparar que para um dado τ o termo cτ
só aparece quando t = τ enquanto o termo kτ+1 aparece em t = τ e t = τ + 1.
Caso isso não esteja claro um exercı́cio de expandir a soma do Lagrangiano pode
ajudar:
L(·) = β0u(c0) + λ0 [f(k0) + (1− δ)k0 − c0 − (1 + η)k1] +
+ β1u(c1) + λ1 [f(k1) + (1− δ)k1 − c1 − (1 + η)k2] + ...
+ βtu(ct) + λt [f(kt) + (1− δ)kt − ct − (1 + η)kt+1] +
+ βt+1u(ct+1) + λt+1 [f(kt+1) + (1− δ)kt+1 − ct+1 − (1 + η)kt+2] + ...
Repare que o termo k1 aparece quando t = 0 e quando t = 1 enquanto o termo c0
só aparece quando t = 0. Da mesma forma o termo kt+1 aparece em t e t+ 1 e ct
só aparece em t.
Feito esse registro podemos encontrar as condições de primeira ordem para
ct e kt=1, uma terceira condição, chamada condição de transversalidade será
apresentada e discutida mais na frente.
28
∂L
∂ct
= 0 ⇒ βtu′(ct)− λt = 0
∂L
∂kt+1
= 0 ⇒ −λt(1 + η) = λt+1[f
′(kt+1) + 1− δ]
A primeira condição pode ser escrita como βtu′(ct) = λt e a segunda condição
como λt(1 + η) = λt+1[f
′(kt+1) + 1 − δ]. Substituindo a primeira condição na
segunda temos:
βtu′(ct)(1 + η) = βt+1u′(ct+1)[f
′(kt+1) + 1− δ]
Com poucas simplificações a equação acima pode ser escrita como:
u′(ct) =
β
1 + η
[f ′(kt+1) + 1− δ]u′(ct+1) (2.2)
A equação (2.2) costuma ser chamada de Equação de Euler e garante que o
indivı́duo está indiferente entre consumir em t e em t+ 1.
Para interpretar a Equação de Euler lembre que uma unidade adicional de
consumo em t gera um ganho de utilidade que é dado por u′(ct), por outro lado,
se o indivı́duo decidir poupar para consumir em t+1 terá um ganho de utilidade de
u′(ct+1). Ocorre que ao destinar uma unidade para produção no perı́odo seguinte
o indivı́duo terá 1 + f ′(kt+1) − δ unidades de produto, ou seja, a unidade que
guardou acrescida do que foi produzido por conta dessa unidade descontada a o
que foi depreciado dessa unidade. O numerador da constante, β, é o fator de
desconto e aparece para trazer a valor presente o ganho de utilidade em t = 1 e
o denominador é a taxa de crescimento da população que ajusta pelo fato que em
t+ 1 tem mais gente para dividir o que foi produzido.
2.2 Estado Estacionário
O estado estacionário do modelo com escolha ótima de consumo ocorre quando
ct+1 = ct = css e kt+1 = kt = kss. Para encontrar css e kss basta impor o estado
estacionário na Equação de Euler:
u′(css) =
β
1 + η
[f ′(kss) + 1− δ]u′(css)
De forma que kss é dado por:
f ′(kss) =
1 + η
β
− 1 + δ
29
O consumo no estado estacionário pode ser obtido por meio da restrição de recur-
sos:
css = f(kss) + (1− δ)kss − (1 + η)kss = f(kss)− (η + δ)kss
Note que desde que sejam respeitadas as propriedades de curvatura para garantir a
existência de solução para o problema do planejador central a forma funcional da
função utilidade instantânea, u(·) não afeta o estado estacionário. Por essa razão
muitos autores que trabalham com crescimento econômico definem a forma mais
simples possı́vel para u(·) ou, ainda melhor, não definem forma funcional.
Uma outra propriedade importante do estado estacionário pode ser melhor
observada quando usamos a taxa de desconto, que será denotada por φ, no lugar
do fator de desconto. Lembre que a relação entre taxa e fator de desconto é dada
por β = 1
1+φ
e substitua no estado estacionário de forma a obter f ′(kss) = (1 +
η)(1 + φ)− 1 + δ, expressão que pode ser escrita como:
f ′(kss) = η + δ + φ+ φη ≈ η + δ + φ
A aproximação é válida porque os valores de η e de φ são próximos de zero2.
No capı́tulo anterior vimos que o maior consumo no estado estacionário ocorre
quando f ′(kss) = η + δ, repare que a diferença entre essa expressão e o estado
estacionário do modelo com escolha ótima de consumo é dada por φ, ou seja,
pela taxa de desconto. Isso ocorre porque a regra de ouro implica em maximi-
zar consumo no estado estacionário, ou seja, é uma regra para quem valoriza da
mesma forma que o presente. No modelo de escolha ótima é feita a hipótese que
as pessoas valorizam mais o presente do que o futuro, por isso β < 1 e φ > 0,
é exatamente essa valorização do presente que justifica a diferença entre a regra
de ouro e a regra ótima. Pessoas que descontam o futuro não estão dispostas a
sacrificar tanto consumo presente para consumir mais no estado estacionário.
No caso extremo onde β = 1, que implica em φ = 0, o valor ótimo do capital
no estado estacionário será igual ao valor proposto pela regra de ouro. Isso ocorre
porque com β = 1 o consumo futuro tem o mesmo peso do consumo presente.
Infelizmente quando β = 1 a soma que do fluxo de utilidade vai para infinito
e as técnicas usadas nesse e nos próximos capı́tulos tratando de modelos com
horizonte infinito de programação não podem ser aplicadas.
2Caso esteja incomodado com a aproximação faça f ′(kss) = η+δ+φ(1+η) e siga o restante
do argumento considerando que φ → 0.
30
2.3 Condição de Transversalidade
A equação (2.2) estabelece uma dinâmica entre consumo e capital e, junto com
a equação (2.1), forma o sistema usado para encontrar as sequências ótimas de
consumo e capital.
u′(ct) =
β
1 + η
[f ′(kt+1) + 1− δ]u′(ct+1)
kt+1 =1
1 + η
[f(kt) + (1− δ)kt − ct]
Ocorre que dado k0 o sistema acima não permite calcular as sequências de
capital e consumo, para isso seria preciso conhecer o valor de c0, informação que
não é dada no problema. Uma outra maneira de enxergar esse ponto é escrever ct
como função de kt e kt+1 na segunda equação do sistema e substituir na primeira
de forma a obter:
u′(f(kt) + (1− δ)kt − (1 + η)kt+1) =
=
β
1 + η
[f ′(kt+1) + 1− δ]u′(f(kt+1) + (1− δ)kt+1 − (1 + η)kt+2)
Repare que a equação acima envolve kt, kt+1 e kt+2, novamente, como não pode-
ria deixar de ser, conhecer k0 não permite determinar a sequência de capital que
obedece a equação. Para isso seria preciso conhecer k0 e k1, mas, assim como não
tı́nhamos c0 para resolver o sistema, não temos k1 para resolver a equação. Falta
uma condição para que seja possı́vel resolver tanto o sistema quando a equação
acima, essa condição que falta é a condição de transversalidade.
Grosso modo a condição de transversalidade é uma condição de contorno que
estabelece que a sequência de capital não é explosiva. Para entender essa condição
considere o problema do planejador central com um número finito de perı́odos:
max
{ct,kt+1}Tt=0
T∑
t=0
βtu(ct)
s.a. kt+1 =
1
1 + η
[f(kt) + (1− δ)kt − ct]
Para todos os perı́odos entre 0 e T−1 as condições de primeira ordem serão dadas
por:
31
βtu′(ct) = λt
λt(1 + η) = λt+1[f
′(kt+1) + 1− δ]
No perı́odo T , último perı́odo da otimização, a condição de primeira ordem para
o capital não se aplica porque não faz sentido falar em kT+1, o perı́odo T + 1 está
fora do horizonte de análise. Desta forma as condições de primeira ordem em
T + 1 são3:
βTu′(cT ) = λT
−λT (1 + η) ≤ 0
Valendo ainda:
λT+1kT+1(1 + η) = 0
Juntando as condições acima obtemos βT+1u′(cT+1)kT+1(1 + η) = 0. Tomando
o limite quando T → ∞ chegamos à condição de transversalidade:
lim
t→∞
βtu′(ct)kt = 0 (2.3)
Com a condição de transversalidade é possı́vel resolver o sistema e encontrar
as sequências ótimas de capital e consumo, porém encontras essa solução não é
uma tarefa trivial. Dado k0 precisamos encontrar um c0, ou um k1 para quem
prefere a equação ao sistema, tal que as sequências {kt+1}∞t=0 e {ct}∞t=0 obedeçam
a condição em (2.3).
Na grande maioria das aplicações encontrar esse c0 para o sistema original
não é factı́vel, a estratégia é usar uma aproximação linear. Para tal aproximação
será necessário estabelecer formas para a função de produção e para a função
de utilidade. A função de produção será a mesma Cobb-Douglas do Modelo de
Solow, a função de utilidade será discutida na próxima seção.
2.4 Elasticidade Intertemporal de Substituição do
Consumo
Como já foi visto a forma da função de utilidade não é relvante para o cálculo
do estado estacionário, porém, para estudar flutuações, é importante definir como
3Ver Novales, Fernández e Ruı́z (2010).
32
os indivı́duos substituem consumo no tempo. Isso é verdade porque um dos ele-
mentos centrais para explicar o ciclo econômico é a reação do consumo a choques
que alteram a renda, em outras palavras, como as famı́lias substituem consumo no
tempo.
Considere a Equação de Euler:
u′(ct) =
β
1 + η
[f ′(kt+1) + 1− δ]u′(ct+1)
Um choque de produtividade altera a função de produção e, portanto, muda
a produtividade marginal do capital. A questão é saber como essa alteração em
f ′(·) vai afetar a decisão de consumir em t e t+ 1.
Para seguir com a discussão é útil definir Rt+1 = f ′(kt+1) + 1 − δ e β⋆ =
β
1+η
. O termo Rt pode ser pensado como o retorno do ativo onde os recursos
do indivı́duos estão aplicados, β⋆ foi definido apenas por conveniência. Defina
também a variação do consumo entre t e t+ 1 como ζt+1 =
ct+1
ct
.
Definição 2.1 A elasticidade intertemporal de substituição do consumo mede
a variação proporcional em ζt+1 =
ct+1
ct
em resposta a uma variação proporcional
em Rt+1.
Para encontrar a elasticidade intertemporal de substituição do consumo o pri-
meiro passo é escrever a Equação de Euler na forma:
u′(ct)
u′(ζt+1ct)
= β⋆Rt=1
Depois tomamos a diferencial em relação a ζt+1 e Rt=1:
−u′(ct)
[u′(ζt+1ct)]2
u′′(ζt+1ct)ctdζt+1 = β⋆dRt+1 ⇒
− u′(ct)
u′(ct+1)
u′′(ct+1)
u′(ct+1)
ctdζt+1 = β⋆dRt+1 ⇒
−β⋆Rt+1
u′′(ct+1)
u′(ct+1)
ctdζt+1 = β⋆dRt+1 ⇒
−u
′′(ct+1)
u′(ct+1)
ctdζt+1 =
dRt+1
Rt+1
Por fim arrume os termos de modo a deixar clara a relação entre a variação pro-
porcional de ζt+1 e Rt+1:
33
dζt+1 = − u′(ct+1)
u′′(ct+1)ct
dRt+1
Rt+1
⇒
dζt+1
ζt+1
= − u′(ct+1)
u′′(ct+1)ct
ct
ct+1
dRt+1
Rt+1
⇒
dζt+1 = − u′(ct+1)
u′′(ct+1)ct
dRt+1
Rt+1
⇒
dζt+1
ζt+1
= − u′(ct+1)
u′′(ct+1)ct+1
dRt+1
Rt+1
A elasticidade intertemporal de substituição do consumo, denotada por σ(c) é
dada por:
σ(c) = − u′(c)
u′′(c)c
(2.4)
Uma das funções de utilidade mais comuns em modelos macroeconômicos
é obtida supondo que a elasticidade de substituição intertemporal do consumo
é constante. Essa função de utilidade é conhecida como CIES (Constant Inter-
temporal Elasticity of Substitution) ou CES (Constant Intertemporal Elasticity of
Substitution) e tem a forma:
u(c) =
c1−σ − 1
1− σ
(2.5)
Note que u′(c) = c−σ e u′′(c) = −σc−σ−1, substituindo esses valores em (2.4)
temos:
σ(c) = − c−σ
−σc−σ−1
c =
1
σ
A constante 1
σ
é a elasticidade intertemporal de substituição4.
Um caso particularmente relevante da função CIES ocorre quando σ → 1,
nesse caso a função passa a ser o logaritmo do consumo, i.e., u(c) = ln c. Em
parte por conta da simplicidade da função logaritmo, mas também pela dificuldade
de estimar a elasticidade intertemporal de substituição do consumo, é comum
encontrarmos trabalhos onde os autores supõem σ = 1, isso é particularmente em
artigos teóricos onde o foco está em resultados qualitativos.
4Em finanças a função CIES costuma ser chamada de CRRA (Constant Relative Risk Aversion)
porque o coeficiente de aversão relativa ao risco dessa função, dado por −u′′(c)c
u′(c) é igual a σ.
Repare que o coeficiente de aversão relativa ao risco é igual a um sobre a elasticidade intertemporal
de substituição.
34
Com a função de utilidade CIES a Equação de Euler passa a ser:
c−σ
t =
β
1 + η
[f ′(kt+1) + 1− δ]c−σ
t+1
Que pode escrita como:
ct+1
ct
=
[
β
1 + η
[f ′(kt+1) + 1− δ]
] 1
σ
(2.6)
Repare que o consumo estará crescendo ct+1 > ct quando β[f ′(kt+1) + 1 − δ] >
(1 + η), usando a taxa de desconto a condição para o crescimento do consumo se
torna:
f ′(kt+1) + 1− δ
1 + η
> 1 + γ
O consumo cresce no tempo quando o ganho de produto obtido ao abrir mão de
uma unidade consumo presente e corrigido pelo crescimento da população for
maior que a taxa de desconto. Naturalmente no estado estacionário esses dois
termos são iguais.
2.5 Diagrama de Fases
Usando uma função de utilidade CIES o sistema que determina as sequências
ótimas de capital e trabalho passa a ser dado por:
ct+1 =
[
β
1 + η
[f ′(kt+1) + 1− δ]
] 1
σ
ct
kt+1 =
1
1 + η
[f(kt) + (1− δ)kt − ct]
Sabemos que para resolver o sistema precisamos de um valor inicial para o capi-
tal, k0 e da condição de transversalidade. Não sabemos sobre unicidade, estabili-
dade ou mesmo existência dessa solução. Uma maneira de ter uma ideia dessas
propriedades de um sistema dinâmico é a análise do diagrama de fases. Basica-
mente trata-se de uma representação gráfica do sistema destacando a curva onde
ct+1 = ct e a curva onde kt+1 = kt e avaliando o que acontece com kt e ct fora
dessas curvas.
Comecemos pela curva onde ct+1 = ct, para obter essa curva imponha a
condição na primeira equação do sistema de forma a obter:
35
f ′(kt+1) =
1 + η
β
− (1− δ) > 0 (2.7)
Essa expressão define uma relação implı́cita entre kt e ct pois da segunda equação
do sistema temos que kt+1 é função de kt e ct. Para fazer a curva com os pontos
ct+1 = ct no diagrama de fases é necessárioencontrar a derivada de ct em relação
a kt definida por esta curva.
Fazendo a diferencial total de (2.7) obtemos:
f ′′(kt+1)
∂kt+1
∂kt
dkt + f ′′(kt+1)
∂kt+1
∂ct
dct = 0
Que determina dct
dkt
como:
dct
dkt
= − ∂kt+1
∂kt /
∂kt+1
∂ct
(2.8)
Os valores das derivadas parciais podem ser obtidos da segunda equação do
sistema:
∂kt+1
∂kt
=
1
1 + η
[f ′(kt+1 + 1− δ)]
∂kt+1
∂ct
= − 1
1 + η
Substituindo as derivadas parciais em (2.8) temos:
dct
dkt
= f ′(kt) + 1− δ > 0
Para saber a curvatura basta derivar a expressão acima em relação a kt:
d2ct
dk2t
= f ′′(kt)
Por fim, quando kt = 0 temos que ct = −(1 + η)kt+1 < 0. Esse valor não faz
sentido econômico, mas ajuda a traçar a curva dos pontos onde ct+1 = ct.
A curva na Figura 2.1 representa os pontos onde c + t+ 1 = ct. Em pontos a
esquerda da curva temos que para um mesmo kt o valor de ct será maior que na
curva. O maior valor de ct leva a um menor valor de kt+1 que, por sua vez, leva a
um maior valor de f ′(kt+1). Desta forma:
f ′(kt+1) >
1 + η
β
− (1− δ) ⇒ f ′(kt+1) + 1− δ >
1 + η
β
36
kt
ct
ct+1 = ct
Figura 2.1: Curva dos pontos onde ct+1 = ct
37
Logo:
β[f ′(kt+1) + 1− δ] > 1 + η ⇒ (2.9)
β
1 + η
[f ′(kt+1) + 1− δ] > 1 (2.10)
Junto com a primeira equação do sistema a desigualdade acima implica que em
pontos a esquerda da curva ct+1 > ct, ou seja, o consumo apresenta trajetória de
crescimento. Argumento inverso pode ser usado para mostrar que em pontos à
direita da curva ct+1 < ct. Os dois casos estão representados pelos pontos e as
setas na Figura 2.1.
Uma vez definida a curva com os pontos onde ct+1 = ct e determinada a
dinâmica do consumo nos pontos fora dessa curva é hora de começar a mesma
análise para a curva com os pontos onde o capital fica estacionário. Para isso
imponha a condição kt+1 = kt na segunda equação do sistema de forma a obter:
ct = f(kt)− (δ + η)kt (2.11)
A curva descrita na equação (2.11) passa pela origem, segue crescente enquanto
f ′(kt) > η + δ, alcança um ponto de máximo quando f ′(kt) = η + δ5 e então
segue em trajetória decrescente. A Figura 2.2 mostra o gráfico dessa curva.
Nos pontos acima da curva descrita na Figura 2.2 vale que para um mesmo
kt o valor de ct será maior qu eo definido pela curva. Desta forma vale que ct >
f(kt)− (δ + η)kt, de modo que kt+1 < kt.
Juntando os resultados das Figuras 2.1 e 2.2 obtemos o diagrama de fases para
o modelo com escolha ótima de consumo. Nele é possı́vel identificar o estado
estacionário, a regra de ouro e a dinâmica de ct e kt.
O estado estacionário ocorre no ponto (kss, xss) onde a curva ct+1 = ct cruza
a curva kt+1 = kt, repare que, como havia sido discutido na seção que tratou
do estado estacionário, o estoque de capital kss é menor que o estoque de capital
da regra de ouro, kGR. Isso ocorre porque os indivı́duos descontam o futuro de
forma que não é ótimo maximizar o consumo no estado estacionário. Existe ape-
nas um estado estacionário, essa é a boa notı́cia, a má notı́cia é que esse estado
estacionário não é estável. Fica pior, existe uma única trajetória que leva ao es-
tado estacionário, todas as outras levam a caminhos explosivos que desrespeitam
a condição de transversalidade. Dito de outra maneira, para um dado k0 existe um
único c0 que faz com que o sistema obedeça a condição de transversalidade.
O diagrama de fases sugere que o modelo deve ser abandonado, a probabili-
dade de um par (k0, c0) escolhido ao acaso obedecer a condição de transversali-
dade e levar ao estado estacionário é zero. Ocorre que para um dado valor de k0
5Lembre que essa é condição da regra de ouro.
38
kt
ct
kt+1 = kt
Figura 2.2: Curva dos pontos onde kt+1 = kt
39
kt
ct
ct+1 = ct
kt+1 = kt
kGRkss
css
Figura 2.3: Diagrama de Fases
40
os indivı́duos não escolhem c0 ao acaso, é hipótese do modelo que a escolha de
consumo, inclusive de c0, é feita de forma ótima. Dado k0 os indivı́duos vão esco-
lher o c0 que obedece a condição de transversalidade e leva ao estado estacionário
porque essa é a escolha racional. Qualquer outra escolha de c0 desobedece as
condições de maximização de utilidade e, por isso, é descartada6.
Se em termos metodológicos o diagrama de fases explicitou problemas com
uso da hipótese de racionalidade do ponto de vista de resolver e simular o mo-
delo com escolha ótima de consumo, objetivo desse capı́tulo, o problema é como
escolher o c0 compatı́vel com a condição de transversalidade7. A verdade é que
não há como encontrar o c0 certo de forma analı́tica para o sistema do começo
dessa seção. A alternativa será encontrar um sistema linear que seja aproximada-
mente igual ao sistema original na proximidade do estado estacionário e buscar a
condição de estabilidade para esse modelo. Dito de outra forma vamos aproximar
o sistema por sistema linear e encontrar o c0 do modelo aproximado.
2.6 Aproximação do Sistema em torno Estado Esta-
cionário
A dinâmica do modelo com escolha ótima de poupança para o caso de função de
utilidade CIES e função de produção Cobb-Douglas é dada pelo sistema:
ct+1 =
[
β
1 + η
[θkθ−1
t+1 + 1− δ]
] 1
σ
ct
kt+1 =
1
1 + η
[
kθt + (1− δ)kt − ct
]
Na seção anterior vimos que esse sistema admite um estado estacionário, mas,
dado um k0, existe apenas um c0 consistente com o equilı́brio do modelo e o
estado estacionário. Para encontrar esse c0 será necessário aproximar o sistema
por um sistema linear, a aproximação será feita em torno do estado estacionário.
6Tanta racionalidade pode incomodar o leitor, afinal estamos dizendo que os indivı́duos esco-
lhem o quanto vão consumir projetando no infinito as sequências de consumo e capital derivadas
de sua decisão no perı́odo zero de forma a escolher aquela que é compatı́vel com a condição de
transversalidade. Muito tem sido feito para flexibilizar o uso da hipótese de racionalidade em
economia, a área de macroeconomia não ficou de fora de esforço. Nesse curso serão tratados ape-
nas modelos com hipótese de racionalidade, para uma discussão metodológica das hipóteses de
racionalidade na economia neoclássica recomendo Boland (1981).
7Se alguém estava pensando em simular o sistema ”chutando”valores para c0 até conseguir
uma trajetória não explosiva pode esquecer, a probabilidade de conseguir isso é zero.
41
O primeiro passo é impor as condições do estado estacionário, ct+1 = ct = css
e kt+1 = kt = kss no sistema de forma a obter css e kss, substituindo na primeira
equação temos:
css =
[
β
1 + η
[θkθ−1
ss + 1− δ]
] 1
σ
css
Eliminando css e resolvendo para kss
θkθ−1
ss =
1 + η
β
− (1− δ) ⇒
kss =
[
θ
1+η
β
− (1− δ)
] 1
1−θ
Para encontrar css basta substituir kss na segunda equação do sistema:
kss =
1
1 + η
[
kθss + (1− δ)kss − css
]
⇒
css = kθss − (η + δ)kss
Aproximação será feita por meio da Regra de Taylor8 usando uma expansão
de primeira ordem em torno do estado estacionário. Escreva a segunda equação
do sistema como:
kt+1 −
1
1 + η
kθt −
1− δ
1 + η
kt +
1
1 + η
ct = 0
Defina G(kt+1, ct+1, kt, ct) = kt+1− 1
1+η
kθt − 1−δ
1+η
kt+
1
1+η
ct de forma que equação
acima possa ser escrita como G(kt+1, ct+1, kt, ct) = 0. A expansão de primeira
ordem em torno do estado estacionário será dada por:
G(kss, css, kss, css) +
∂G
∂kt+1
(kss, css, kss, css)(kt+1 − kss)+
∂G
∂kt
(kss, css, kss, css)(kt − kss) +
∂G
∂ct+1
(kss, css, kss, css)(ct+1 − css)+
∂G
∂ct
(kss, css, kss, css)(ct − css) = 0
8A regra de Taylor determina que se f : ℜp → ℜ é contı́nua e n-vezes diferenciável então
f(x) ≈ f(x̄) + 1
1!Df(x̄)(x − x̄) + 1
2!D
2f(x̄)(x − x̄)2 + · · · + 1
(n−1)!D
n−1f(x̄)(x − x̄)n−1 +
1
n!D
nf(x̄)(x− x̄)n.
42
Substituindo as derivadas parciais avaliadas no estado estacionário e lem-
brando que G(kss, css, kss, css) = 09, temos que:
1(kt+1 − kss)−
[
1
1 + η
[θkθ−1
ss + 1− δ]
]
(kt − kss)+
0(ct+1 − css) +
1
1 + η
(ct − css) = 0
Do estado estacionáriotemos que o termo que multiplica (kt − kss) é igual a 1
β
,
deixando os termos em t+ 1 do lado esquerdo obtemos:
kt+1 − kss =
1
β
(kt − kss)−
1
1 + η
(ct − css) (2.12)
A equação (2.12) é a aproximação linear da segunda equação do sistema.
Usando o mesmo procedimento para aproximar a primeira equações chegamos
a:
ct+1 − css =
1
σ
[
β
1 + η
[θkθ−1
ss + 1− δ]
] 1
σ
css
[
β
1 + η
θ(θ − 1)kθ−2
ss
]
(kt+1 − kss)+[
β
1 + η
[θkθ−1
ss + 1− δ]
] 1
σ
(ct − css)
Levando em conta que β
1+η
[θkθ−1
ss + 1− δ] = 1 a equação acima pode ser simpli-
ficada para:
ct+1 − css =
1
σ
β
1 + η
θ(θ − 1)kθ−2
ss css(kt+1 − kss) + (ct − css)
Colocando os termos em t + 1 no lado esquerdo temos a versão aproximada da
primeira equação do sistema original que é dada por:
ct+1 − css −
1
σ
β
1 + η
θ(θ − 1)kθ−2
ss css(kt+1 − kss) = ct − css (2.13)
As equações (2.12) e (2.13) formam um sistema linear, que é uma versão
aproximada do sistema original, dado por:
9Isso é verdade porque G(kt+1, ct+1, kt, ct) = 0 por definição.
43
kt+1 − kss =
1
β
(kt − kss)−
1
1 + η
(ct − css)
ct+1 − css −
1
σ
β
1 + η
θ(θ − 1)kθ−2
ss css(kt+1 − kss) = ct − css
Que pode ser escrito na forma matricial:
[
1 0
− 1
σ
β
1+η
θ(θ − 1)kθ−2
ss css 1
] [
kt+1 − kss
ct+1 − css
]
=
[
1
β
− 1
1+η
0 1
] [
kt − kss
ct − css
]
Por simplicidade de notação faça M = − 1
σ
β
1+η
θ(θ − 1)kθ−2
ss css de forma que o
sistema passa ser escrito como:
[
1 0
M 1
] [
kt+1 − kss
ct+1 − css
]
=
[
1
β
− 1
1+η
0 1
] [
kt − kss
ct − css
]
⇒[
kt+1 − kss
ct+1 − css
]
=
[
1 0
−M 1
] [
1
β
− 1
1+η
0 1
] [
kt − kss
ct − css
]
⇒[
kt+1 − kss
ct+1 − css
]
=
[ 1
β
− 1
1+η
−M
β
1 + M
1+η
] [
kt − kss
ct − css
]
Sem conhecer c0 não será possı́vel simular o sistema acima, voltamos ao
nosso problema original, porém, com um sistema linear, é possı́vel encontrar as
condições para que a solução não seja explosiva e a condição de transversalidade
seja obedecida. Nesse processo encontraremos o único c0 para um dado k0 que
permite a solução do sistema. Antes, porém, será útil lembrar de alguns conceitos
básicos envolvendo autovalores, autovetores e diagonalização de matrizes.
Seja a matriz D =
[
d11 d12
d21 d22
]
, um vetor x ̸= 0 e um número λ tal que Dx =
λx, diz-se que x é um autovetor de D e λ é um autovalor de D. Repare que se x é
autovetor de D e λ é autovalor de D então vale que:
Dx = λx⇒ Dx− λIx = 0 ⇒ (D − λI)x = 0
Se |D − λI| ≠ 0 então o sistema (D − λI)x = 0 possui uma única solução que
será x = 0, mas, pela definição de autovetor, x é diferente de zero. Desta forma
queremos encontrar valores de λ tais que |D− λI| = 0, ou seja, buscamos λ para
que o sistema (D − λI)x = 0 tenha múltiplas soluções.
Para encontrar λ basta resolver |D − λI| = 0:
44
∣∣∣∣[d11 d12
d21 d22
]
− λ
[
1 0
0 1
]∣∣∣∣ = 0 ⇒∣∣∣∣d11 − λ d12
d21 d22 − λ
∣∣∣∣ = 0
Resolvendo o determinante:
(d11 − λ)(d22 − λ)− d21d12 = 0 ⇒
d11d22 − λd11 − λd22 + λ2 − d21d12 = 0 ⇒
λ2 − (d11 + d22) + (d11d22 − d21d12) = 0
A equação acima é chamada equação caracterı́stica10 da matriz D. As duas raı́zes
dessa equação, λ1 e λ2, são os dois autovalores da matriz D, para cada um desses
autovalores existe uma famı́lia de autovetores. Por fim, é válido registrar que os
autovalores associados a lambda1 s ao linearmente independentes dos autovalores
associados a λ2, essa propriedade implica que onde as colunas são autovalores
associados a cada autovetor é inversı́vel.
Sejam (x1, x2) e (y1, y2) autovetores da matriz D pertencentes a famı́lias dis-
tintas, ou seja, são linearmente independentes. Seja Γ =
[
x1 y1
x2 y2
]
uma matriz de
autovetores de D, sabemos que Γ é inversı́vel, seja a inversa de Γ dada por Seja
Γ−1 =
[
u1 v1
u2 v2
]
. Nesse caso existe uma matriz diagonal Λ =
[
λ1 0
0 λ2
]
tal que
D = ΓΛΓ−1.
De volta nosso sistema linear faça D =
[ 1
β
− 1
1+η
−M
β
1 + M
1+η
]
de forma que:
[
kt+1 − kss
ct+1 − css
]
= D
[
kt − kss
ct − css
]
⇒[
kt+1 − kss
ct+1 − css
]
= ΓΛΓ−1
[
kt − kss
ct − css
]
Para um dado (k0, c0) é possı́vel calcular (k1, c1), que, por sua vez, permite calcu-
lar (k2, c2) e assim por diante:
10Repare que a equação caracterı́stica pode ser escrita como λ2 − traço(D) + Det(D), essa
propriedade só é válida para matrizes 2x2.
45
[
k1 − kss
c1 − css
]
= ΓΛΓ−1
[
k0 − kss
c0 − css
]
[
k2 − kss
c2 − css
]
= ΓΛΓ−1
[
k1 − kss
c1 − css
]
= ΓΛ2Γ−1
[
k0 − kss
c0 − css
]
[
k3 − kss
c3 − css
]
= ΓΛΓ−1
[
k2 − kss
c2 − css
]
= ΓΛ3Γ−1
[
k0 − kss
c0 − css
]
[
k4 − kss
c4 − css
]
= ΓΛΓ−1
[
k3 − kss
c3 − css
]
= ΓΛ4Γ−1
[
k0 − kss
c0 − css
]
O padrão acima segue a cada iteração de forma que:
[
kt − kss
ct − css
]
= ΓΛtΓ−1
[
k0 − kss
c0 − css
]
⇒[
kt − kss
ct − css
]
=
[
x1 y1
x2 y2
] [
λt1 0
0 λt2
] [
u1 v1
u2 v2
] [
k0 − kss
c0 − css
]
⇒[
kt − kss
ct − css
]
=
[
x1λ
t
1 y1λ
t
2
x2λ
t
1 y2λ
t
2
] [
u1 v1
u2 v2
] [
k0 − kss
c0 − css
]
⇒[
kt − kss
ct − css
]
=
[
u1x1λ
t
1 + u2y1λ
t
2 v1x1λ
t
1 + v2y1λ
t
2
u1x2λ
t
1 + u2y2λ
t
2 v1x2λ
t
1 + v2y2λ
t
2
] [
k0 − kss
c0 − css
]
Finalmente, efetuando a multiplicação acima, encontramos (kt− kss) e (ct− css):
kt − kss = x1λ
t
1[u1(k0 − kss) + v1(c0 − css)] + y1λ
t
2[u2(k0 − kss) + v2(c0 − css)]
ct − css = x2λ
t
1[u1(k0 − kss) + v1(c0 − css)] + y2λ
t
2[u2(k0 − kss) + v2(c0 − css)]
Os valores de λ1 e λ2 vão determinar se, e quando, o modelo converge para o
estado estacionário, ou seja, se o lado direito das equações acima converge para
zero. Sabemos que λ1 e λ2 são as raı́zes da equação caracterı́stica da matriz D =[ 1
β
− 1
1+η
−M
β
1 + M
1+η
]
, desta forma λ1 e λ2 resolvem a equação:
λ2 −
(
1 +
1
β
+
M
1 + η
)
+
1
β
= 0
Das propriedades de equações do segundo grau sabemos que λ1 + λ2 = 1 +
1
β
+ M
1+β
e que λ1λ2 = 1
β
, destas duas igualdades é possı́vel concluir que uma raiz
46
é maior que 1
β
e a outra raiz é positiva e menor que um11. Suponha |λ2| < 1, de
forma que λ1 > 1
β
> 1, para que a condição de transversalidade seja obedecida
é preciso que o coeficiente de λ1 seja zero. Isso vai acontecer quando u1(k0 −
kss) + v1(c0 − css) = 0, o que implica:
c0 − css = −u1
v1
(k0 − kss) (2.14)
A equação (2.14) determina um único valor de c0 para cada valor de k0, era o que
estávamos procurando para simular o modelo.
Com o valor de c0 obtido na equação (2.14) o sistema linear toma a forma:
kt − kss = y1λ
t
2[u2(k0 − kss) + v2(c0 − css)]
ct − css = y2λ
t
2[u2(k0 − kss) + v2(c0 − css)]
Como o sistema vale para todo t, inclusive t = 0, podemos escrever k0 − kss =
y1[u2(k0 − kss) + v2(c0 − css)], o que implica:
u2(k0 − kss) + v2(c0 − css) =
1
y1
(k0 − kss)
Portanto, vale que:
kt − kss = y1λ
t
2
1
y1
(k0 − kss) = λt2(k0 − kss)
ct − css = y2λ
t
2
1
y1
(k0 − kss) =
y2
y1
λt2
y1
y2
(c0 − css) = λ2t (c0 − css)
Onde a segunda desigualdade usa o fato que:
kt − kss
ct − css
=
y1
y2
⇒ (k − T − kss) =
y1
y2
(ct − css) ∀t
A forma final do sistema será dada por:
kt − kss = λt2(k0 − kss)
ct − css = λt2(c0 − css)
Com c0 dado pela equação (2.14).
Tanto o Modelo de Solow quanto o modelo com escolha ótima de poupança
são muito simples para fundamentar simulações de polı́ticas macroeconômicas,
11A explicação para esse resultado pode ser encontrada em Novales, Fernández e Ruı́z (2010).
47
mas a análise desses modelos deixam algumas lições importantes que servem
para simular construções mais sofisticadas. Antes mesmo de calcular o estado
estacionário é necessário ter uma boa ideia da estabilidade do modelo, o passo se-
guinte é calcular o estado estacionário, na sequência é feita a aproximação linear
do modelo original e finalmente as condições para estabilidade são usadas para
selecionar quais raı́zes devem ser iguais a zero.
No próximo capı́tulo será discutido o modelo de Ciclo Reais de Negócios,
mesmo que não seja utilizado para simular impacto de polı́ticas

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