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Educação Infantil nos municípios do Vale do Rio Doce: o trabalho com bebês, crianças e famílias sobre mineração, rompimento e revitalização Isabel de Oliveira e Silva1 Iza Rodrigues da Luz2 Laís Caroline Andrade Bitencourt3 1 Doutorado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora Asso- ciada da Universidade Federal de Minas Gerais. 2 Doutorado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora Asso- ciada da Universidade Federal de Minas Gerais. 3 Doutorado em Programa de Pós Graduação pela Faculdade de Educação da Universi- dade Federal de Minas. Professora Adjunta I da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Este texto foi produzido no âmbito do Curso de Aperfeiçoamento: Mineração, Rompimento da Barragem e Revitalização: desafios para a Educação. O Curso é uma ação desenvolvida no Programa de Extensão Formação Continuada de Educadores da Rede Pública dos municípios atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão em Minas Gerais. UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Reitora: Sandra Goulart Almeida Vice-Reitor: Alessandro Moreira FACULDADE DE EDUCAÇÃO Diretora: Andrea Moreno Vice-Diretora: Vanessa Ferraz Almeida Neves UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO Reitora: Cláudia Aparecida Marliére de Lima Vice-Reitor: Hermínio Arias Nalini Júnior INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS Diretor: Luciano Campos da Silva Vice-Diretora: Helena Miranda Mollo FUNDAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA FUNDEP Presidente: Jaime Arturo Ramírez FUNDAÇÃO RENOVA Diretor-presidente: André de Freitas CÂMARA TÉCNICA DE EDUCAÇÃO, CULTURA, LAZER, ESPORTE E TURISMO (CTECLET) DO COMITÊ INTERFEDERATIVO Coordenadora: Anna Claudia Aparecida de Alcântara Tristão PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE EDUCADORES DA REDE PÚBLICA DOS MUNICÍPIOS ATINGIDOS PELO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDÃO EM MINAS GERAIS Coordenação Geral Maria Isabel Antunes-Rocha - Coordenação UFMG Luiz Paulo Ribeiro – Vice Coordenação UFMG Marcelo Loures dos Santo – Coordenação UFOP Paula Cristina de Almeida Rodrigues – Vice Coordenação UFOP Apoio Administrativo Maria José Teixeira Mendes Coordenação Pedagógica Sirleine Brandão de Souza Coordenação Operacional Octávio Valente Borges Coordenação de Monitoramento e Avaliação Suzana dos Santos Gomes Coordenação de Produção Acadêmica Leandro Silva de Paula Célia Maria Fernandes Nunes Marlucy Alves Paraiso Gestão Banco de Dados Luana Cordeiro Gestão Redes Sociais Otávio Pereira Apoio Pedagógico Mariana Esteves da Costa COMISSÃO ACADÊMICA IGC/Universidade Federal de Minas Gerais - Lúcia Fantinel FAE/Universidade Federal de Minas Gerais – Geraldo Magela Pereira Leão Universidade Federal de Ouro Preto – Maria do Rosário Tripodi Universidade Federal de Ouro Preto – Luciano Campos Silva COMISSÃO GESTORA REGIONAL Comissão Técnica de Educação, Cultura, Lazer, Esporte e Turismo CT-ECLET – Comitê Interfederativo Camila Camargos Renato Resende Braga Vanda Meire Costa Freitas Fundação RENOVA – Igor Thiago Moreira Universidade Federal de Minas Gerais – Maria Isabel Antunes-Rocha Universidade Federal de Ouro Preto – Marcelo Loures dos Santos REPRESENTANTES DAS REDES PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais - Camila Camargos Superintendencias Regionais de Ensino (SREs) e Secretarias Municipais de Educação (SMEs) SRE Caratinga - Alessandra Souza SME Bom Jesus do Galho - Márcia Clemente Pereira de Oliveira SME Bugre - Eva Vilma Viana da Costa Souza SME Caratinga - Rosa Irene Toledo Nascimento SME Córrego Novo - Cristiana Corrêa de Sá SME Pingo D’Água - Lucinéia Joana dos Santos SME Iapu - Sandra Gomes Barbosa do Amaral SME Ipaba - Lucinéia Joana dos Santos SRE Coronel Fabriciano - Dalva Morais SME Belo Oriente - Vanda Meire Costa Freitas SME Ipatinga - Ana Cristina Neves Abreu SME Marliéria - Ana Maria Quintão Gomes SME Santana do Paraíso - Janice Alves da Silva SME Timóteo – Sirlaine Araújo de Castro SRE Governador Valadares - Aureliana Manhani Rodrigues SME Aimorés - Ana Maria de Souza Lemos SME Alpercata - Lucélia Alves Pereira Amaral SME Conselheiro Pena - Jackson Viana Luciano SME Galiléia - Leandra Gonçalves Pereira SME Governador Valadares - Walice Soares Rodrigues SME Periquito - Raquel Alves de Morais Brandão SME Raul Soares - Mariluce da Consolação Morais Rocha SME Resplendor - Rafaela Xavier Rodrigues SME Rio Casca - Hérica Martins Andrade SME Naque - Silvéria Fernandes dos Santoss SME Tumiritinga - Ricardo Bruno Costa Ribeiro da Silva SRE Nova Era - Sara Cristina Gomes Andrade Silva SME Dionísio - Maria Assunção Vieira Castro/Silmara R. Garcia SRE Ouro Preto - João Paulo de Souza Araújo SME Mariana - Renato Resende Braga SRE Ponte Nova -Susana Lúcia do Nascimento SME Barra Longa – Elaine Aparecida de Sousa Rosa SME Ponte Nova – Edlaine Aparecida Nogueira dos Santos SME Raul Soares – Mariluce da Consolação Morais Rocha SME Rio Casca – Hérica Martins Andrade SME Rio Doce – Rosângela Moreira de Oliveira SME Santa Cruz do Escalvado – Kyssila Clara Gomes Lopes SME São Pedro dos Ferros – Wellington Domingos Gomes SME Sem Peixe – Joana D’Arc Aparecida Alves do Couto Curso de Aperfeiçoamento Mineração, Rompimento da Barragem e Revitalização: desafios para a Educação Coordenação Maria de Fátima Almeida Martins Coordenação Adjunta Vanessa Aparecida Cruz Coordenação Pedagógica Erica Fernanda Justino Professores Referência Adriana Angélida Ferreira Adriane Cristina de Melo Hunzicker Analise de Jesus Silva Ana Paula S. Rodrigues Ana Paula Giavara Charles Moreira Cunha Claudio Scliar Daniele Souza Eliano S. M. Freitas Felipe Sales de Oliveira Filipe Santos Fernandes Isabel de Oliveira Iza Rodrigues Jacks Richard Paulo Lais Carolina Bitencourt Leila de Cássia Faria Alves Marcelo Donizete Marco Antônio de Melo Franco Marina Assis Fonseca Maria Amália de A. Cunha Michele Aparecida de Sá Penha das Dores Silva Rita Cristina Lima Sérgio Manuel M. Martins Shirley Aparecida Miranda Sônia Roseno Vanessa Sena Tomaz Formadores Antoniel Assis de Oliveira Ana Paula Silva Freitas Ana Heloisa e Pires Glauber Loures de Assis Gabriel de Souza Santos Paula Aparecida Diniz Gomides Valber de Resende Tevira Rubia da Conceiçãoo Camilo COLECÃO DIDÁTICA MINERAÇÃO, ROMPIMENTO DA BARRAGEM E REVITALIZAÇÃO: DESAFIOS PARA A EDUCAÇÃO Coordenadoras Maria de Fátima Almeida Martins Sirleine Brandão de Souza Comissão Editorial Erica Fernanda Justino Luiz Paulo Ribeiro Marcelo Loures dos Santos Maria Isabel Antunes-Rocha Maria de Fátima Almeida Martins Mariana Esteves da Costa Marlucy Alves Paraíso Paula Cristina de Almeida Rodrigues Sirleine Brandão de Souza Revisão Textual Cristhianne Antunes David Oliveira Diagramação Iracema Miki Yamada Laura Maria Almeida Oliveira 10 Apresentação Prezado (a) Educador (a) Apresentamos a você a Coleção Didática Mineração, Rom- pimento da Barragem e Revitalização: desafios para a Edu- cação, elaborada para ser utilizada por Formadores, Tuto- res e Cursistas do Curso de Aperfeiçoamento Mineração, Rompimento da Barragem e Revitalização: desafios para a Educação, como uma das ações desenvolvidas no âmbito do Programa de Formação continuada de educadores da rede pública dos municípios atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão em Minas Gerais – Escola da Ba- cia do Rio Doce – PEBRID O Programa objetiva construir um processo formativo que alcance os educadores (professores e gestores) da região da Bacia do Rio Doce que estão atuando em escolas públi- cas na Educação Básica, em seus diferentes níveis e mo- dalidades. A oferta se dará buscando articular a formação com ações práticas que resultem em projetos visando a inclusão da temática referente à revitalização da Bacia do Rio Doce no contexto escolar. Serãoofertados 1 curso de aperfeiçoamento, 1 curso de especialização e 2 Projetos de Extensão. 11 O curso de Aperfeiçoamento tem como foco a sala de aula. A formação é voltada para as educadoras e os educadores atuantes na educação básica nos mu- nicípios atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão. Tem como propósito a formação continua- da para a construção de Projetos Pedagógicos com- prometidos com a revitalização das áreas atingidas. Com carga horária de 240 horas compreende momentos de alternância e de diferentes modalidades. Os momen- tos de alternância se referem aos tempos e espaços de sua realização, seja sob orientação virtual dos Formado- res/Tutores, denominado Tempo Universidade (TU), seja em atividades desenvolvidas pelos próprios cursistas, vi- sando desenvolver ações planejadas no Tempo Escola, denominado Tempo Escola/ Comunidade (TC). Quanto à modalidade, a formação se desenvolverá em momentos de aulas, rodas de conversa, oficinas, seminários e ações planejadas para as salas de aula, onde lecionam, com a aplicação do Plano Pedagógico Experimental em sala de aula a ser produzido durante o processo formativo. Este Plano envolve a articulação entre as discussões realizadas durante o processo formativo e a organização de práticas pedagógicas em sala de aula - Sequência didática; cam- pos de experiência e outras práticas realizadas no território relacionadas aos modos de vida. A gestão do curso será 12 construída como uma rede colaborativa envolvendo pon- tos focais das superintendências Regionais de Ensino e dos municípios, professores, formadores, tutores e cursistas. O material didático tem por finalidade se constituir como mediação no processo de construção dos conhecimentos e práticas. Os textos desta Coleção são, portanto, um apoio para que os participantes do curso possam fazer reflexões sobre como incluir o tema mineração, rompimento e revi- talização na prática da sala de aula. E vale acrescentar que será necessário a busca em outras fontes, pois um texto sozinho não responde a todas as inquietações, sejam elas de natureza teórica, conceitual e/ou prática. O material foi elaborado a partir da inter-relação entre áreas de conhecimento e/ou temas, modalidades e níveis de ensino. Assim temos como níveis de ensino contempla- dos: Educação infantil, ensino fundamental, ensino médio. Como modalidades: educação infantil, educação especial, educação indígena e quilombola, educação do campo, educação de jovens e adultos. Como áreas de conheci- mento e/ou temas: Ciências Sociais e Humanidades, Ciên- cias da Vida e da Natureza, Linguagem, Artes e Literatura, Matemática, Tecnologias Educacionais, Mineração, Educa- ção Socioambiental, Cartografia: Mineração, rompimento e revitalização, Plano Experimental em Sala de Aula: Se- quência didática; campos de experiência e outras práticas pedagógicas em sala de aula. 13 Todo este material elaborado servirá de base para as dis- cussões distribuídas por módulos. O primeiro módulo - de- nominado Educação e Mineração e Educação Socioam- biental – aborda a relação entre a mineração e práticas minerárias, a educação e o ambiente e as relações políticas, sociais, econômicas e culturais estabelecidas no tempo e espaço. O segundo módulo - denominado: Temas especí- ficos em Educação no contexto da revitalização da Bacia do Rio Doce – aborda as temáticas específicas das áreas de conhecimento, níveis e modalidades de ensino e suas rela- ções com a mineração, o rompimento e a revitalização. E, por fim, no terceiro módulo denominado Organização do trabalho pedagógico: articulando a prática mineradora com as práticas de sala de aula, aborda-se a organização do trabalho pedagógico: articulando a prática mineradora com as práticas de sala de aula, destinado à elaboração e aplicação dos Planos Pedagógicos Experimentais. Ao pensar em um projeto de formação continuada é im- portante levar em consideração que esta envolve um con- junto de dimensões que se entrecruzam no ato educativo. Demanda, assim, conhecer o sujeito e a realidade sobre a qual será produzido o conhecimento. Nesta formação, as ações serão construídas no diálogo com as populações envolvidas, com um compromisso éti- co e político assentado nos direitos humanos, com vistas à ampliação do entendimento acerca do rompimento da barragem. O objetivo é potencializar, assim, a participação 14 da comunidade nessa compreensão e nas ações voltadas para o restabelecimento de um outro território sustentado pelo respeito às vidas e às dinâmicas de seus moradores. Buscará, então, a produção de um conhecimento acessí- vel à todas e todos que compõem os territórios atingidos e participam para sua reconstrução de forma ativa, proble- matizadora e crítica. A compreensão e a ação sobre a realidade das áreas atingi- das pelo rompimento da Barragem de Fundão exige um/a educador/a que tenha condições teóricas e técnicas para construir conhecimentos e práticas para organizar um projeto pedagógico na perspectiva de uma escola contex- tualizada. Para tanto, necessita de uma formação capaz de lhe garantir ferramentas conceituais e metodológicas para sistematizar, analisar e alterar suas formas de trabalho. Afi- nal, a inclusão do tema mineração na perspectiva da revi- talização no currículo em ação exigirá estudos que devem partir da realidade em seus aspectos econômicos, políti- cos, sociais, culturais e socioespaciais. O currículo em ação trata-se do conjunto de aprendizagens oportunizadas aos/ às estudantes no ambiente escolar. Aprendizagens que, para de fato serem significativas e comprometidas, devem estar articuladas com o contexto em que a escola está in- serida. 15 Sem dúvida a busca por responder as principais perguntas que mobilizam essa formação, a saber: em que o rompi- mento da Barragem do Fundão interroga a Educação?, e quais os limites e as possibilidades para organizar o fazer pedagógico na perspectiva da revitalização dos modos de produzir e reproduzir a vida após o rompimento?, é um grande desafio. Acreditamos que somente espaços e tem- pos de diálogo e reflexão compartilhados possam nos au- xiliar na construção coletiva de respostas e possibilidades e que o compromisso com os conhecimentos produzidos no contexto, torna-se relevante, uma vez que sua centra- lidade demanda refletir acerca do projeto de educação e de sociedade conectada diretamente com a produção e comprometimento político. Bons estudos! 16 Apresentação Às crianças do Vale do Rio Doce Às professoras, famílias e escolas do Vale do Rio Doce Cara professora, caro professor, Com este texto gostaríamos de iniciar, ou melhor, conti- nuar uma conversa que você, de alguma forma, faz no seu cotidiano profissional, pessoal e na vida da sua localidade. Para nós, no entanto, é um começo de conversa! Por isso, começamos afirmando o nosso reconhecimento do seu lugar de conhecimento, de práticas e de reflexões sobre a vida da comunidade escolar onde você trabalha, do en- torno e, também, sobre o contexto que envolve as práticas minerárias na região do Vale do Rio Doce, sobre o rompi- mento da Barragem de Fundão e as ações de revitalização. Sabemos também que esse contexto envolve situações e sentimentos dolorosos que permanecem no seio das co- munidades. Como professora ou professor, seja de bebês, crianças, adolescentes, jovens ou adultos, nas escolas das áreas urbanas e rurais, você se encontra com sujeitos cujas vidas, inevitavelmente, estão marcadas pelas circunstân- cias e consequências das formas como a exploração mi- nerária se constitui no Brasil e na sua região. A professora Adriane Hunzicker tem estudado esse contexto e identi- ficou que, nem sempre, os sujeitos envolvidos têm opor- 1 Estamos nos referindo ao texto “Educação e Mineração: interrogações à escola a par- tir do rompimento da Barragem de Fundão” escrito pela professora Adriane Cristina de Melo Hunzicker para esse curso de aperfeiçoamento. 2 A partir deste momentodo texto optamos por utilizar o gênero feminino para nos referir aos gestores(as) e professores(as) em função da predominância de mulheres no trabalho na Educação Infantil. 17 tunidade de parar, olhar para os acontecimentos e refletir coletivamente sobre seus significados, suas consequên- cias para as vidas individuais e coletiva! Nem sempre há oportunidade de aprofundar como os ambientes vem se constituindo, se degradando, se revitalizando, embora, no cotidiano, as vidas de cada um e de todos sejam partes tanto das riquezas presentes na Região da Bacia do Rio Doce, quanto das consequências da exploração econômi- ca que ainda não foi capaz de ter, como princípio, o respei- to à Vida e ao meio ambiente natural e cultural das comu- nidades. A professora Adriane1 denominou essa ausência, ou a re- duzida oportunidade de boa parte dos sujeitos da escola de refletirem sistematicamente sobre as consequências do rompimento da barragem, como “silêncio pedagógi- co”. Tal silêncio, de alguma forma, dificulta ampliar a com- preensão sobre o lugar da educação e dos profissionais da escola, especialmente das(os) gestoras(es) e professo- ras(es)2, para construir e difundir saberes e experiências que possibilitem aos estudantes e às comunidades eluci- darem e compartilharem os sentidos de viverem em uma região com riquezas naturais e culturais das quais podem se apropriar e contribuir para transformar as relações en- tre as pessoas, instituições, práticas culturais e sociais e 3 Indicamos a faixa etária incluindo as crianças de 6 anos, ainda que a legislação indi- que o recorte de 0 a 5 anos, por lembrar que aquelas que completam 6 anos após 31 de março permanecem na Educação Infantil. 18 com a natureza! Essa possibilidade de diálogos que promovam a constru- ção e difusão de saberes e experiências no contexto esco- lar pode concretizar a finalidade da escola como espaço de promoção de direitos, em que o acesso à Educação não aconteça de forma apartada da vida comunitária. Sendo assim, chamamos a atenção para que bebês e crianças sejam vistos como sujeitos plenos desde o início da vida e que as escolas de Educação Infantil possibilitem a elas ampliarem suas formas de participação na vida social e coletiva. Assim, desejamos que este texto seja um convite para a conversa, que não começa nem termina aqui, mas que tem o propósito de refletir sobre a Educação Infantil, as in- fâncias, os bebês, as crianças e a escola de um modo geral, com o foco específico na educação e cuidado de bebês e crianças de até 6 anos3. Adiantamos, no entanto, que as discussões sobre as infâncias são entendidas aqui como pertinentes não apenas às famílias ou às escolas de Edu- cação Infantil (e Ensino Fundamental), mas se referem ao conhecimento da sociedade como um todo! Em todas as sociedades as relações sociais se estruturam de modo a definir lugares, funções, direitos e deveres, tendo em vista os diferentes grupos etários. Assim, embora durante muito tempo, as crianças e as infâncias tenham sido negligencia- das pelos estudos sociológicos, hoje a concepção de que 19 são um grupo social relevante para a compreensão e para as ações sociais se encontra bem estabelecida. No entan- to, é uma reflexão ainda pouco presente no cotidiano das instituições e das famílias. Vamos tentar explicitar tanto o porquê dessa situação, quanto a riqueza de conhecimen- tos em torno da infância, que poderá iluminar as práticas culturais, sociais e educacionais nos diferentes níveis de ensino e, especialmente, nas escolas de Educação Infantil. Assim, com a convicção de que todas as educadoras, pro- fessoras e gestoras precisam desenvolver reflexões sobre a infância e as muitas infâncias vividas pelas crianças em diferentes tempos e territórios, este texto é um convite a pensar coletivamente! Pensar como as infâncias, no plural, e como as crianças de cada tempo e lugar interrogam a realidade sociocultural, dela participam e, ao mesmo tem- po, trazem a ela suas novas e próprias formas de interpre- tar e de viver as situações que lhes são impostas. Pensar, também, como a escola e, especificamente as escolas da infância, as escolas de Educação Infantil, podem ser comu- nidades de aprendizagem, de reflexões sobre os contextos de vida dos municípios da Bacia do Rio Doce com atenção especial à mineração, às causas e consequências do rom- pimento da barragem e à revitalização. Este texto está estruturado em dois tópicos: o primeiro, apresenta reflexões sobre As infâncias, as crianças e a es- cola de Educação Infantil: interrogações em torno da mi- neração, do rompimento da barragem e da revitalização na Bacia do Rio Doce. Nesse item procuramos sintetizar as discussões sobre as concepções de infância, de criança e 20 seu lugar na vida social. O segundo tópico apresenta uma discussão sobre As práticas pedagógicas com bebês e de- mais crianças. Nesse item, apresentamos reflexões sobre potencialidades da escola de Educação Infantil no proces- so de discussão das condições de vida da população dos municípios da Bacia do Rio Doce, por meio do trabalho pe- dagógico e das relações com as famílias e comunidades das crianças atendidas. Trata-se de um pequeno recorte de possibilidades, mas cujos princípios podem orientar a criação e/ou o aprofundamento, pela comunidade escolar, especialmente pelas gestoras e professoras, de um projeto político pedagógico consistente, socialmente referencia- do e comprometido com a sustentabilidade em sentido amplo e com a transformação da realidade na direção de uma sociedade mais justa para crianças, jovens, adultos e idosos de todos os grupos sociais. 1 As infâncias, as crianças e a escola de Educação Infantil: interrogações em torno da mineração, do rompimento da barragem e da revitalização na Bacia do Rio Doce 1.1 Infâncias e crianças Tirinha de Quino, retirada do livro Toda Mafalda, de 1993. 21 Mafalda, a menina de 6 anos, personagem criada pelo Cartunista argentino Joaquín Salvador Lavado Tejón, mais conhecido como Quino (falecido em 30 de setembro de 2020), fez e faz parte do imaginário de muitos de nós, adul- tos e crianças de várias partes do mundo! Quino foi capaz de apreender, expandir e tornar público algo que as ciên- cias sociais e a escola, quase sempre não veem, pois o que ordena o mundo, na grande maioria das culturas conhe- cidas, é o universo adulto. As hierarquias de idade preva- lecem nas diferentes relações, tanto no que concerne às políticas, quanto às práticas socioculturais, o que inclui as famílias e a escola. A tirinha que abre este item mostra uma menina que ouve, observa e pensa sobre o mundo. E que, portanto, tem opi- niões, perguntas, encantamentos, tristezas, ou seja, tudo aquilo que é possível ao humano. As crianças, como seres humanos de pouca idade demoraram a ser reconhecidas enquanto tais. A literatura que compõe o campo dos cha- mados “Estudos sobre a Infância” nos mostra que, mesmo teorias que buscaram conhecer e desvendar o universo in- fantil, orientavam-se mais para as ideias relacionadas aos Para saber mais sobre os “Estudos sobre a Infância”, sugerimos a leitura do artigo: Infantia: entre a anterioridade e a alteridade, da professora Maria Cristina Gouveia. Basta clicar no link a seguir. Artigo: Infantia: entre a anterioridade e a alteridade, disponível em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/11394 Saiba mais 22 futuros adultos que as crianças se tornariam e de como a educação deveria se organizar para integrá-las ao mundo organizado. Mafalda mostra que esse mundo a espanta e, se escutar- mos as crianças, veremos que muitas nos diriam coisas semelhantes sobre a organização social, sobre a família, a escola, as instituições culturais e a natureza! Quantos de nós, se olhássemos para a realidade com a atenção que olha uma criança não nos espantaríamos?! Quantos de nós também não diríamos, junto com Mafalda, que o pla- neta está enfraquecendo de tanto desgosto!?Nas últimas décadas, em face de movimentos que lutam por mudanças sociais e de transformações de paradigmas das ciências humanas e sociais, diferentes campos de co- nhecimento têm se dedicado a elucidar o que vem a ser a infância e, também, como vivem as crianças de diferen- tes contextos sociais. As áreas de conhecimento que nos orientam na discussão da infância neste texto são a Socio- logia e a Antropologia da Infância e a Psicologia Sócio-His- tórica. https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/11394 23 Tais estudos permitem identificar duas grandes perspec- tivas: uma que focaliza o caráter estrutural da infância; e outra que aborda as crianças como os sujeitos que a compõem, dedicando-se a construir referências para compreendermos as suas ações e seus modos de pensar e interpretar a si mesmas, os outros e o mundo. Consideramos importante trazer aqui essas referências. 1.2 Infância como dimensão estrutural da sociedade Quando nos referimos ao reconhecimento da Infância como aspecto estrutural das sociedades, queremos dizer que todas as organizações sociais denominam e definem funções diferenciadas entre seus membros, tendo como critério as idades. Mesmo antes de termos legislações na- cional e internacional que protegem os bebês, as crianças e os adolescentes, as funções e papéis sociais possuíam diferenciações. Identificam-se as crianças, os jovens e os adultos, e, nessas 3 classes, podem-se encontrar ainda sub- divisões como, por exemplo, bebês e crianças, adolescente e jovens, adultos e idosos. Esse olhar para a estrutura social (QVORTRUP, 2010) nos auxilia a compreender que, embo- ra ser criança seja algo provisório na vida de uma pessoa, a infância nunca deixa de existir nos grupos sociais – é, por- tanto, permanente. Além disso, é importante considerar que infância é um conceito relacional, ou seja, se define em face das outras classes de idade: a adolescência, a ju- ventude, a fase adulta e a velhice. 24 Do ponto de vista legal, cada país define tais períodos e seus sentidos na vida do grupo social a que se refere. No entanto, é preciso levar em consideração que, por vezes, a legislação, embora seja uma referência relevante no país, nem sempre se traduz de forma direta nas concepções das famílias ou outras instituições sociais como a escola. Também, temos, como é o caso do Brasil, grupos sociais compostos pelos povos originários, os quais lutam para manter sua cultura e sua relação com a natureza, o que significa que mesmo uma legislação avançada não asse- gura, necessariamente, a inclusão da diversidade de infân- cias e de crianças. No entanto, mesmo reconhecendo que há limitações no que se refere aos direitos humanos e à dignidade humana em todas as fases da vida, o conhecimento e a observân- cia dos marcos legais e dos direitos e deveres por eles es- tabelecidos é uma importante conquista civilizatória. Du- rante longo período da história ocidental, que é a principal referência para nossos modos de vida, as crianças foram ignoradas como sujeitos da vida humana, sendo apreendi- das nas suas possibilidades de se tornarem adultas para, aí sim, serem consideradas partes da vida social plena. Assim, consideramos importante trazer aqui dois marcos que de- finem a infância e os direitos das crianças. A Convenção Internacional dos Direitos da Criança - CDC, de 1989 e o Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA, de 1990. A CDC é um tratado universal do qual o Brasil é signatário. Esse documento, que define a infância como o período que vai do nascimento aos 18 anos, mudou o paradigma da concepção de criança a partir de quatro principais pilares que versam sobre a proteção integral de crianças e adolescentes, são eles: a) a não discriminação (art. 2º); b) o melhor interesse da criança (art. 3º); c) o direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento (art. 6º) e d) o direito de ser ouvida e levada a sério (art. 12º). O documento completo pode ser acessado através do link: https:// www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da-crianca O ECA define crianças como as pessoas de até 12 anos de idade incompletos. Nessa Lei são assegurados os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, para um bom funcionamento da sociedade, dentre eles: direito à vida, à saúde, à alimentação, ao lazer, à moradia, à convivência familiar e comunitária, à edu- cação. O documento completo pode ser acessado através do link: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm Em outras palavras 25 Nos perguntamos: Como pensar a vida social sem incluir a infância, com seus sentidos econômicos, sociais, afetivos e culturais? Como podemos compreender as necessida- des dos sujeitos que compõem essa etapa da vida – bebês, crianças, adolescentes? Como organizamos a vida, levan- do em consideração que sempre teremos crianças com suas demandas, necessidades, desejos e possibilidades de participar da vida social? Voltando nosso olhar a Região da Bacia do Rio Doce, no- vas perguntas podem ser feitas. Como nossos municípios, em suas áreas urbanas e rurais, reconhecem os lugares e os sentidos da infância na sua população, nas suas fa- mílias, nas instituições, nas ruas, nas praças, nos morros, https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da-crianca https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da-crianca http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm Tirinha de Quino, retirada do livro Toda Mafalda, de 1993. 26 no Rio? Como a infância, mesmo quando considerada de forma insuficiente nas políticas e nas práticas dos adultos, estrutura a vida de toda a sociedade? A indústria oferece diferentes produtos para o consumo infantil, os governos estruturam políticas educacionais e de saúde, o setor cul- tural cria espetáculos, livros, brinquedos e uma infinidade de coisas tendo em vista que, em todo lugar há vida in- fantil. É bom lembrar também que, embora essas ações estejam presentes na vida social, isto não quer dizer que estejam sempre sendo elaboradas levando em conta o “melhor interesse da criança”. No contexto atual, marca- do por uma perspectiva de exacerbação do consumo, de busca de maximização de lucros nas diferentes ativida- des econômicas, também a criança é, em grande parte, apreendida como mais uma fonte de enriquecimento de grupos econômicos que dominam as economias locais, nacionais e mundial. Convidamos novamente a Mafalda para lembrar que es- tamos entrelaçados mundialmente e que as decisões que nos atingem e que atingem as condições de vivência da infância são, por vezes, tomadas de forma muito distante 27 dos lugares de vida de todos nós, o que inclui bebês e de- mais crianças. Você já havia parado para pensar nas rela- ções existentes entre as hierarquias etárias e as práticas minerárias? Ou entre a infância e as práticas minerárias em geral e especificamente na Região da Bacia do Rio Doce? Em quais situações as escolas, as professoras, homens e mulheres que têm filhos ou outras crianças sob sua res- ponsabilidade puderam opinar, refletir, compreender em que medida as opções de desenvolvimento econômico da região afetam as condições de vivência da infância? É bem provável que tais situações não tenham sido pensadas nem por quem toma as decisões econômicas, nem pelos agentes que tem a responsabilidade de cuidar das crian- ças e das suas condições de vida! Neste momento, em que os profissionais das redes de en- sino da região encontram-se mobilizados nesse proces- so de formação, fazemos este convite: como educadoras, podemos criar espaços de reflexão sobre a infância como parte do conjunto da sociedade, procurando identificar como ela tem sido considerada e como ela merece e deve ser reconhecida. Há recursos interessantes para fomen- tar a reflexão e ampliação da compreensão dessa questão tanto entre as gestoras e professoras, quanto na relação com a comunidade escolar como um todo, incluindobe- bês, crianças, famílias e outras pessoas. Para ampliar os conhecimentos sobre este tema, sugerimos a lei- tura de alguns textos e o visionamento de uma conferência pro- ferida pelo professor italiano Fancesco Tonucci. Basta clicar nos links a seguir. Conferência com Francesco Tonucci: Parte 1 (28:15’), disponível em: https://www.youtube.com/watch?- v=cyGuCkcl5PI Parte 2 (21:26’), disponível em: https://www.youtube.com/watch?- v=4ImsE8kgxoA Entrevista: Francesco Tonucci: a criança como paradigma de uma cidade para todos, disponível em: https://educacaoeterritorio.org.br/reportagens/francesco-tonuc- ci-a-crianca-como-paradigma-de-uma-cidade-para-todos/ Saiba mais Espaços de escuta e participação no contexto de acolhimento institucional de Carla Cerqueira e Irene Rizzini, 2020, disponível em: https://www.neca.org.br/wp-content/uploads/Cad_1_2020.pdf 28 1.3 Bebês e crianças como sujeitos da infância: a escuta como direito Anunciamos acima que duas perspectivas de compreen- são das infâncias se consolidaram nas últimas décadas. No item anterior, procuramos trazer referências para a com- preensão do sentido de infância e, também, de como a sociedade em suas múltiplas áreas precisa considerar que ela é parte da sua estrutura. Isto já nos traz uma impor- tante referência, que nem sempre está suficientemente clara: infância e criança são termos relacionados, mas não são sinônimos. São conceitos amplos construídos social e historicamente. Como vimos acima, conforme uma das https://www.youtube.com/watch?v=cyGuCkcl5PI https://www.youtube.com/watch?v=cyGuCkcl5PI https://www.youtube.com/watch?v=4ImsE8kgxoA https://www.youtube.com/watch?v=4ImsE8kgxoA https://educacaoeterritorio.org.br/reportagens/francesco-tonucci-a-crianca-como-paradigma-de-uma-cidade-para-todos/ https://educacaoeterritorio.org.br/reportagens/francesco-tonucci-a-crianca-como-paradigma-de-uma-cidade-para-todos/ https://www.neca.org.br/wp-content/uploads/Cad_1_2020.pdf 29 perspectivas da Sociologia da Infância, a infância corres- ponde a um período da vida humana que é definido nos diferentes grupos da sociedade e demarca determinadas funções e papéis sociais, tanto para as crianças quanto para os adultos. Já a criança é o ator social, são os meninos e as meninas que compõem a categoria infância e expe- rimentam esse momento da vida a partir da organização sociocultural de seu grupo, podendo ser entendida tanto como sujeitos que ainda não são adultos ou como sujei- tos únicos, com vulnerabilidades e potencialidades, se- res competentes e com capacidades para expressar suas experiências, desejos e sentimentos. Todos os membros de uma sociedade entram na infância quando nascem e dela saem quando passam a integrar o grupo de idade subsequente em um movimento inin- terrupto. A infância estará sempre presente com novas crianças a fazerem parte da vida humana. Já as crianças, desde bebês, chegam e são recebidas pelos adultos como aqueles e aquelas que darão continuidade à sociedade na qual nasceram! Ao mesmo tempo, representam a possibi- lidade de renovação dessa mesma sociedade, por meio de suas ações ao longo de sua existência. Essa percepção pa- rece ter estado sempre presente no imaginário dos adul- tos. Mesmo em épocas e sociedades em que parecia haver pouca diferenciação entre crianças e adultos (ARIÈS, 1986), as crianças eram tomadas como aqueles que sucederão os adultos fazendo parte dos projetos educativos de todo grupo social. Temos um importante conjunto de produ- ções que nos mostram as diferenças ao longo da história 30 e, no mesmo tempo histórico, diferenças entre grupos de diferentes culturas! As lutas em defesa dos direitos das crianças e diferen- tes estudos nos mostram que os sujeitos da infância são aqueles que têm direitos à proteção por se encontrarem em fase peculiar do seu desenvolvimento como pres- crevem a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (CDC) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ao mesmo tempo, evidenciam que, desde a mais tenra idade, as crianças têm capacidades de interpretar a cultura, interagir com membros de diferentes idades, de se relacionarem criativamente entre si e, portanto, parti- cipar da criação cultural, bem como de decisões que en- volvem seus interesses e demais aspectos da vida social. Para ampliar os conhecimentos sobre este tema, sugerimos o vi- sionamento de dois documentários e a leitura da resenha do livro Uma história da infância: da idade média à época contemporâ- nea no ocidente de Colin Heywood, publicado na revista Cader- nos de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas. Basta clicar nos links a seguir. Documentário: A invenção da infância (25:55’), disponível em: ht- tps://www.youtube.com/watch?v=h1WiZoQ6Sj8 Documentário: Babies – Trailer (2:20’), disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=nzcsYzKWd_A Resenha do livro Uma história da infância: da Idade Média à Épo- ca Contemporânea Ocidente de Colin Heywood, disponível em: https://www.scielo.br/j/cp/a/TQgx5RMHkwGHdJXJtN6ynVg/?for- mat=pdf&lang=pt Saiba mais https://www.youtube.com/watch?v=h1WiZoQ6Sj8 https://www.youtube.com/watch?v=h1WiZoQ6Sj8 https://www.youtube.com/watch?v=nzcsYzKWd_A https://www.youtube.com/watch?v=nzcsYzKWd_A https://www.scielo.br/j/cp/a/TQgx5RMHkwGHdJXJtN6ynVg/?format=pdf&lang=pt https://www.scielo.br/j/cp/a/TQgx5RMHkwGHdJXJtN6ynVg/?format=pdf&lang=pt Tirinha de Quino, retirada do livro Toda Mafalda, de 1993. 31 Para tal, faz-se necessária a escuta atenta e sensível das crianças e de suas famílias, o que requer a construção de habilidades como disposição física e afetiva, observação, atenção, organização de tempos e espaços, bem como formação profissional que promova o reconhecimento da criança como um indivíduo pleno, como um sujeito de di- reitos e produtor de culturas. Os bebês e as crianças têm o direito de saber sobre o es- paço em que vivem, as formas de relações, as formas de trabalho, como estão organizadas as formas sociais e cul- turais de vida e convivência na sociedade em que estão inseridas, como vivem as pessoas da comunidade, quais seus interesses em comum, o que a comunidade deseja para melhoria de suas condições. Elas também têm condi- ções de opinar, bem como de dizer sobre sua experiência de vida nessa comunidade. Têm ainda o direito de serem apoiadas em seus aspectos psicológicos, dentre eles, a di- mensão afetiva e os sentimentos que se exacerbam em decorrência de vivências de situações difíceis como a mor- te, as perdas, a insegurança, a ansiedade, a depressão e a destruição. 32 Recorremos novamente à Mafalda para conversarmos um pouco sobre a diferença temporal entre as gerações, o que apresenta o desafio da compreensão de formas heterogê- neas de ler e pensar o mundo. As experiências dos adul- tos e das crianças são vividas de formas diferentes, pois a formação cultural é produto da convivência, das formas de participação, dos modos de se apropriar e se relacio- nar com o mundo a partir dos saberes e fazeres que nos significam no coletivo. Entre os tempos dos adultos e os tempos das crianças, entre os tempos de ensinar e apren- der, estão as experiências particulares e intransferíveis que apoiam as crianças na construção e ampliação de seus co- nhecimentos. Escutar, então, é muito mais do que ouvir, é estar imerso num sistema complexo de compreensão e valorização da cultura como um elemento que fundamen- ta e estrutura as práticas pedagógicas e as relações que se estabelecem entre as crianças e os adultos e entre elas e seus pares, revelando a complexidade do encontro entre dois diferentes tempos. Essas ponderações nos levam a re- fletir também sobre as mudanças e rupturas nas relações sociais entre os atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão e a considerar diferentes vivências conforme o grupo geracional desses sujeitos, ou seja: como os bebês e as crianças foram afetados? Em que medida as experiên- cias desse grupo geracional se aproximam ou se diferen-ciam das vivências de jovens, adultos e idosos? Considerar a alteridade de experiências nos possibilita também pensar na riqueza dos encontros que acontecem no contexto escolar e que podem proporcionar esse diá- Para ampliar os conhecimentos sobre esse tema, sugerimos o vi- sionamento e a discussão coletiva do vídeo Afinal, o que os be- bês fazem no berçário? do professor Paulo Fochi. Basta clicar no link a seguir. Vídeo: Afinal, o que os bebês fazem no berçário? (13:32’), disponí- vel em: https://www.youtube.com/watch?v=e_ASRByoukk Saiba mais 33 logo intergeracional. O professor Paulo Fochi relata uma experiência de escuta de bebês que ilustra o sentido da consideração da alteridade dos bebês, ou seja, reconhe- ce seus desejos, escolhas, dúvidas e ações. Sugerimos que assistam e discutam esse vídeo tanto entre professoras quanto com as famílias das crianças. No próximo tópico destacaremos elementos curriculares da Educação Infantil que podem auxiliar na construção de práticas pautadas pela centralidade de bebês e crianças na organização do cotidiano escolar. 2 As práticas pedagógicas com bebês e demais crianças A docência com bebês (0 a 1 ano e 6 meses), crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) e crian- ças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses) (BRASIL, 2018), configura-se de uma forma diferente das docências em outras etapas da Educação Básica. O perfil de professora para o trabalho na Educação Infantil supõe as capacida- des de realizar as ações de cuidado e educação, de forma indissociável, de modo a promover o desenvolvimento https://www.youtube.com/watch?v=e_ASRByoukk 34 integral das crianças, complementando as ações da famí- lia (BRASIL, 2009). Compreender a criança como sujeito de direitos, como vimos ao longo deste texto, é também construir com ela uma convivência ética, política e estética de valorização e ampliação de suas experiências. Essas concepções, presentes nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – (DCNEI) (BRASIL, 2009) e na Base Nacional Comum Curricular para a Educa- ção Infantil (BNCC) (BRASIL, 2018), exigem dos professores uma postura profissional que tenha como centralidade as especificidades e experiências sociais de bebês, demais crianças, suas famílias e comunidade na qual estão inse- ridas. É uma docência que tem como eixos as interações e brincadeiras, com uma organização curricular baseada nos direitos de aprendizagem e desenvolvimento e em campos de experiências (BRASIL, 2018). O convite que fazemos agora é para a reflexão sobre como essas experiências se configuram. Uma busca por respon- der coletivamente: como cuidar e educar bebês e demais crianças em Instituições de Educação Infantil? Como fa- zer isto na sua localidade, tendo em vista as orientações curriculares que indicam que os processos de cuidar e educar devem estar socialmente situados, na considera- ção de bebês e crianças como sujeitos sócio-históricos? A BNCC define seis direitos de aprendizagem e desenvol- vimento que asseguram condições para que as crianças possam construir significados sobre si, sobre os outros e sobre o mundo: conviver; brincar; participar; explorar; expressar e conhecer-se. Considerando esses direitos, as Para compreender melhor esse tema, sugerimos a leitura e dis- cussão coletiva da Base Nacional Comum Curricular para a Edu- cação Infantil. Basta clicar no link a seguir. Base Nacional Comum Curricular – BNCC, disponível em: http:// basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_ versaofinal_site.pdf Saiba mais 35 práticas pedagógicas precisam se estruturar a partir de cinco campos de experiências: o eu, o outro e o nós; cor- po, gestos e movimentos; traços, sons, cores e formas; escuta, fala, pensamento e imaginação e espaços, tem- pos, quantidades, relações e transformações (BRASIL, 2018). Trabalhar com essa concepção de educação é concretizar uma proposta curricular que considere o tempo da crian- ça, tanto o tempo de seu processo de aprendizagem e de- senvolvimento, quanto o tempo que essa criança passa na instituição. É desenvolver atividades que estejam con- textualizadas a partir da realidade das crianças, de suas necessidades e interesses com propostas que, ao mesmo tempo, promovam segurança e desafios com o objetivo de uma “ampla preparação para a vida” (HADDAD, 2010) a partir da ampliação de suas experiências com diferentes linguagens. Na especificidade do berçário, por exemplo, a centralidade dos cuidados físicos com o corpo como trocas de fralda, banho, alimentação, apoio ao sono, dentre outras, ocupam http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf 36 grande parte das rotinas diárias. Exigem das professoras a mobilização de conhecimentos técnicos, racionais, emo- cionais e disposições afetivas (MARANHÃO, 2020), sem descuidar das interações entre os bebês e deles com os adultos. Um trabalho que exige a qualificação das capaci- dades de escuta e de observação e de estabelecer relações com as famílias. Com crianças mais velhas, ampliam-se e diversificam-se as experiências com a linguagem, com as brincadeiras, com a imaginação e com a socialização. Tra- ta-se de uma proposta pedagógica para crianças de até 6 anos situada em suas experiências de vida, em suas neces- sidades biológicas e sociais, que esteja inserido na cultura, na vida de bebês e demais crianças. A concretização de uma proposta pedagógica para crian- ças, nessa perspectiva, exige, além da compreensão de que bebês e crianças são o centro do planejamento pedagógi- co, uma postura profissional “responsiva”, de modo que o adulto considere sua responsabilidade em relação ao ou- tro, aos “vários outros” imersos nas teias de relações que se entrelaçam entre a ciência, a arte e a vida (CORSINO, 2015). De acordo com Corsino, a efetivação dos projetos educa- tivos praticados com bebês e demais crianças, se dá nas ações do dia-a-dia, no cotidiano, nas interações, que não podem ser pensadas de forma linear nem padronizadas. São experiências de linguagem que podem, se compreen- dida sua responsividade, se constituir em espaços de “luta contra a barbárie”, de criação e imaginação, bem como de construção de conhecimento com produções individuais e coletivas que podem provocar ampliações de experiên- Para compreender melhor esse tema, sugerimos a leitura do ar- tigo O currículo na Educação Infantil: o que dizem as novas dire- trizes nacionais. Basta clicar no link: http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro- -2010-pdf/7153-2-1-curriculo-educacao-infantil-zilma-moraes/file Saiba mais 37 cias sociais e culturais (CORSINO, 2015, p. 416). Nos tópicos a seguir comentaremos sobre aspectos do desenvolvimento de bebês e crianças e apresentaremos sugestões de práticas que podem auxiliar no processo de aprendizagens e apropriações necessárias a esses proces- sos. a- Projetos de trabalho O cotidiano com os bebês e crianças na Educação Infantil é constituído de grande riqueza de experiências e relações. Como prescrevem as Diretrizes Curriculares Nacionais e a Base Nacional Comum Curricular para a Educação Infantil, tais experiências e relações são um “conteúdo” da prática pedagógica que tem a criança como centro do planeja- mento curricular. Isto quer dizer que escutar e observar as perguntas e curiosidades das crianças é uma condição para que a ação de cuidar e educar seja coerente e respon- siva, como discutido acima. Você já parou para escutar as crianças em momentos em que estão agindo e interagin- do espontaneamente, seja na sala de referência ou em ou- tros espaços da escola? Possivelmente, elas se interessam por coisas e detalhes que os adultos pouco percebem: http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2010-pdf/7153-2-1-curriculo-educacao-infantil-zilma-moraes/filehttp://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2010-pdf/7153-2-1-curriculo-educacao-infantil-zilma-moraes/file 38 pequenos defeitos na alvenaria ou no mobiliário da sala nos quais elas veem figuras; objetos que se encontram no ambiente e que não são usados ou mencionados pe- los adultos; insetos ou outros animais; a grama que nasce nas rachaduras do piso ou dos muros; a terra dos canteiros e vasos de plantas; as minhocas; a areia, com seus grãos mais finos até as pedras maiores; o formato das nuvens; a água da chuva que empossa ou escorre nos vidros das janelas; o barulho ao pisar nas folhas secas ou ao amassar diferentes tipos de papel. Nos momentos de cuidados físi- cos, podemos observar seu interesse pela água e demais artefatos utilizados no banho ou na escovação de dentes; pelas cores dos alimentos, pelo barulho dos utensílios na cozinha e na mesa de refeições; pela transformação que ocorre entre um alimento visto na horta e a forma como chega ao prato; pelo canto dos pássaros e pelo barulho dos carros no entorno da escola. E muitas outras coisas! Quan- to conhecimento pode ser construído a partir dessas pe- quenas curiosidades! Os bebês e as crianças são recém-chegados ao mundo e, portanto, sua curiosidade é genuína! Não podemos des- perdiçar esse desejo de aprender, interagir e transformar o mundo! É aí que entram as concepções pedagógicas par- ticipativas, que partem da escuta e observação. É impor- tante lembrar que as crianças fazem perguntas de formas distintas das que nós adultos fazemos. Suas indagações passam pelo imaginário, por seus conhecimentos prévios e por muitos outros fatores. Respeitar a criança em sua al- teridade é entrar em seu mundo, compreender seu ponto 39 de vista. É, muitas vezes, provocar a pergunta, a curiosi- dade, considerando campos de experiência previstos no projeto pedagógico da escola. Isto não é fácil, pois nossa formação e nossa sociedade são adultocêntricas, ou seja, pensamos o mundo como se só existissem adultos! Nos esquecemos, muitas vezes, que as crianças sempre farão parte dos grupos sociais e que, portanto, fazem parte do mundo em que vivemos. Essas reflexões pretendem con- vidar a essa virada de mentalidade que nós, educadoras e toda a sociedade precisamos fazer, como um movimento de desenvolvimento social que envolve a todos, adultos e crianças. No que se refere ao trabalho de professoras da Educação Infantil, este é um chamado ao posicionamento frente a princípios éticos, políticos e estéticos. Esses princípios nos convocam ao desenvolvimento de metodologias partici- pativas. A metodologia de projetos ou projetos de traba- lho é uma das formas reconhecidas pela literatura da área e por professoras que a desenvolvem como adequada e potente para construir conhecimentos, fomentar a criati- vidade, as interações e a comunicação por diferentes lin- guagens. Trata-se de uma metodologia proposta pelo fi- lósofo e pedagogo estadunidense John Dewey, no início do século XX, que veio sendo aprimorada e refinada para o trabalho com bebês e crianças pequenas. Seu princípio fundamental é o de que todo o conhecimento construí- do pela humanidade partiu da curiosidade, do desejo e da necessidade de resolver os problemas que apareciam na vida das pessoas. Um longo processo histórico decor- 40 reu até que chegássemos ao atual estágio de desenvolvi- mento científico, tecnológico e cultural. Partindo da ideia de que a curiosidade e o interesse são motores para as ações de conhecer, reforçam-se a escuta e a observação das crianças como ações primordiais da prática pedagó- gica. Conhecer seus interesses e perguntas permite que elas participem verdadeiramente das definições do quê e como vão aprender, construir e compartilhar. Com base no princípio e no direito à participação, essenciais para uma educação democrática, as professoras ampliam os conhe- cimentos que as crianças já possuem e desenvolvem ativi- dades relacionadas aos diferentes campos de experiência e direitos de aprendizagem e desenvolvimento. Você encontrará uma ampla literatura, como as indica- das acima, que poderá ajudar a fortalecer e ampliar sua compreensão sobre como elaborar e desenvolver projetos com as crianças na Educação Infantil. Talvez essa forma Para ampliar os conhecimentos sobre esse tema, sugerimos a lei- tura do artigo Aprender participando: a exploração do mundo físico pela criança e do livro Projetos pedagógicos na educação infantil. Para acessar o artigo, basta clicar no link a seguir. GOULART, Maria Inês M. Aprender participando: a exploração do mundo físico pela criança (2007). Disponível em: https://www. anped.org.br/biblioteca/item/aprender-participando-exploracao- -do-mundo-fisico-pela-crianca BARBOSA, Maria C. S.; HORN, Maria da G. S. Projetos pedagógicos na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2008. Saiba mais https://www.anped.org.br/biblioteca/item/aprender-participando-exploracao-do-mundo-fisico-pela-crianca https://www.anped.org.br/biblioteca/item/aprender-participando-exploracao-do-mundo-fisico-pela-crianca https://www.anped.org.br/biblioteca/item/aprender-participando-exploracao-do-mundo-fisico-pela-crianca 41 de trabalho já esteja presente no projeto de sua escola e em sua prática e, nesse caso, poderá compará-los às in- dicações feitas aqui. Apresentamos aqui orientações ge- rais sobre os sentidos e sobre como os projetos podem ser planejados e desenvolvidos. Lembrando do que dissemos acima, trata-se de um processo de conhecer algo com in- teresse que leve ao engajamento de todos. Assim, parte- -se de um interesse genuíno das crianças, ou do despertar de interesses por temas que são relevantes dos pontos de vista social e educacional propostos pela professora. Não há uma forma única de desenvolver projetos. Desse modo, apresentamos os elementos fundamentais que os consti- tuem para que efetivamente cumpram sua função de pro- mover desenvolvimento e aprendizagens significativas e com profundidade. Podemos então considerar os seguintes elementos para planejar e desenvolver projetos com as crianças: • Identificar o problema: perguntas que as crianças fazem sobre diferentes assuntos, como mencionado acima e que são discutidas com elas para chegar a uma formulação que permita planejar a investigação. E/OU: Observação da professora dos interesses manifestados pelas crianças (so- bre o que conversam, o que observam, histórias e relatos que contam, o que observam nos diferentes espaços da escola, etc.), seguida da discussão com elas para formu- lação do que pretendem conhecer. E/OU: Tema relevante identificado pelas professoras que pode ser apresentado 42 com uma atitude de escuta sobre o que já sabem sobre ele, o que imaginam que seja, de modo a despertar o in- teresse, a curiosidade e promover o engajamento no tra- balho. • Organizar as perguntas junto com as crianças: agrupar, reelaborar, identificar o que é viável em termos dos recur- sos disponíveis e outros que venham a ser sugeridos. • Construir um quadro que ficará visível para todos e que também pode estar em um caderno ou bloco coletivo, com as seguintes partes (podem ser colunas): O QUE JÁ SABEMOS SOBRE O TEMA? O QUE AINDA NÃO SABEMOS ou O QUE QUEREMOS SABER? E, COMO FAREMOS PARA SABER? Com este esquema, a turma terá um “projeto de pesqui- sa”. Cada coluna será completada no início da investigação e continuará sendo alimentada com o andamento do pro- jeto. É importante registrar o que as crianças dizem, voltar a esses registros com elas de modo que todos tenham a percepção do caminho percorrido. A terceira coluna é muito importante, pois ela mostra o ca- minho para atingir o objetivo. Ali poderão ser listadas todas as fontes que as crianças sugerirem, acrescidas das suges- tões da professora. Possíveis fontes e estratégias: Convidar ou indicar entrevistas com pessoas da comunidade, com especialistas no tema, livros, revistas, jornais, internet, fil- mes. Um cronograma, elaborado de modo que as criançascompreendam o desenvolvimento do projeto no tempo é 43 muito importante e poderá também estar sempre visível, podendo ser alterado tanto para correção de rota quan- to para mostrar as etapas já desenvolvidas. Paralelamen- te, os conhecimentos vão aumentando e deve-se realizar diferentes formas de registro e desdobramentos, como maquetes, brincadeiras, textos coletivos e construção de artefatos relacionados ao tema. O desenvolvimento de um projeto é uma grande oportunidade de integrar diferentes áreas de conhecimento, envolver familiares e comunida- de ampliando a participação e o conhecimento de todos. As artes e a literatura são importantes áreas para abordar o tema de forma a integrar diferentes aspectos, como o imaginário, a materialidade, a cultura visual, a artesania e muitas outras. Os registros por meio de Dossiês, Portfólios, cartazes, modelagens, fotografias e filmagens, sempre com a participação de todos, permitem documentar e co- municar o processo vivido e as aprendizagens construídas sendo, também, recursos para novas perguntas de apro- fundamento ou desenvolvimento de novos projetos. É importante refletir sobre as especificidades do trabalho com bebês e crianças bem pequenas, ou seja, crianças en- tre 0 e 3 anos. Embora os elementos acima sejam os mes- mos, a especificidade dessa faixa etária demanda outras formas de desenvolvimento. Os bebês, que é a faixa etária que vai de 0 a 18 meses, vivenciam o meio e as relações de forma integrada, apreendendo o mundo pelos afetos, pelos sentidos, escutando, provando, cheirando, tocando, vendo. A pergunta inicial que devemos fazer é: como po- demos ampliar e enriquecer as experiências dos bebês? 44 Como, durante o banho, por exemplo, a água pode ser ex- plorada, sentida, apreciada, falada, cantada... A água que envolve todo o corpo do bebê, que é morna e que limpa, acaricia, promove sensação agradável; a água que é captu- rada em um copinho pelo próprio bebê ou pela professora e entornada no seu corpo ou na água da banheira fazendo bolhas... A água que é servida para beber, a apreciação da rega das plantas ou a rega feita pelos pequenos que já an- dam com pequenos regadores... A água da chuva, a leitura de um livro de imagens com rio, nuvens ou chuva... Tudo isso e muito mais poderá ser incluído em um projeto em que a professora “puxará um fio” que tece um conjunto de experiências que se integra a outras vivências no ambien- te da escola. Fotografias, registros dos comportamentos e reações das crianças podem compor um caderno ou li- vro individual ou coletivo que poderá ser compartilhado com as famílias em um encontro para um lanche coletivo onde se discutem as vivências das crianças dentro e fora da escola. Essa criança continuará, na escola e fora dela, experienciando esse recurso natural essencial à vida e que tem um significado singular em uma localidade cuja ba- cia hidrográfica foi destruída e cuja comunidade deveria ter inúmeras oportunidades de refletir e agir a respeito. Importante destacar que as formas de aprender que men- cionamos em relação aos bebês (0 a 18 meses), estão pre- sentes nas crianças bem pequenas (19 meses aos 3 anos e 11 meses) e, também, nas crianças de 4 a 6 anos, e continua ao longo da infância e de toda a vida. Com o crescimento, as crianças vão incorporando novas formas de conhecer e 45 se expressar, sem que as demais desapareçam. Assim, afe- tos, exploração de materiais, sons, experimentações com o corpo são parte do trabalho na Educação Infantil e com as crianças de um modo geral. Apresentamos aqui o exemplo da água por sua relevância para a Vida em qualquer lugar, mas também pelos seus sentidos no contexto da bacia do Rio Doce. Aproveitamos esse exemplo para também trazer o envolvimento dos fa- miliares e de outros membros da comunidade. Da mesma forma, registros fotográficos e fílmicos, registros escritos feitos pela professora e ou por familiares, passam a com- por uma outra forma de contar a história da criança e as histórias em torno dela. Uma forma interessante de auxi- liar as crianças a perceberem que elas têm uma história e que fazem parte de uma história maior é retomar nos anos subsequentes situações vivenciadas desde o início da escolarização. E os registros são fundamentais para isto, especialmente aqueles que apresentam imagens ou artefatos tridimensionais construídos individual ou coleti- vamente, articulados reflexivamente. Nos itens a seguir, discutiremos elementos das condições de desenvolvimento e aprendizagem dos bebês e crian- ças e indicaremos algumas sugestões e possibilidades de desenvolvimento de atividades que poderão, caso seja pertinente no seu contexto de trabalho, se tornarem pro- jetos que favoreçam a incorporação da realidade social das crianças com foco na mineração, rompimento e revitaliza- ção. Você verá que, desde a mais tenra idade, com atenção à condição infantil, podemos fazer uma educação social- 46 mente situada ao mesmo tempo em que ampliamos os conhecimentos e a capacidade de indagar sobre o mundo. 2.1 O imaginário e o brincar Como dissemos anteriormente, um dos eixos do traba- lho pedagógico na Educação Infantil são as brincadeiras. A centralidade dada a essa ação humana é justificada por estudos da Psicologia e de outras áreas que demons- tram como para bebês e crianças a compreensão de si e do mundo perpassa pelo brincar, sendo esse comporta- mento a principal forma de interação nos anos iniciais de nossas vidas. Por meio da brincadeira, os bebês e crianças tem a possibilidade de transitar entre realidade e fantasia por meio dos processos de imaginação e criação. Poder transformar um cabo de vassoura em um cavalo, um copo em um chuveiro, um pano em um tapete voador, permi- te compreender como cada um desses objetos funciona e também imaginar outras formas de utilização para eles. Assegurar espaços, tempos e materiais para que bebês e crianças brinquem entre si e com os adultos que estão nas escolas de Educação Infantil deve ser prioridade em esco- las que compreendem a importância dessa ação. 47 Conhecer quais são as brincadeiras presentes na(s) comu- nidade(s) dos bebês e crianças com quem você trabalha pode ser um bom início para a criação ou consolidação do brincar e das brincadeiras no projeto e práticas peda- gógicas, podendo ainda fortalecer as relações entre famí- lias e escolas. Uma prática já conhecida e que pode ser também um modo de compreender como o rompimento da Barragem de Fundão tem impactado a vida dos bebês, crianças e famílias é convidar familiares para que possam comentar sobre as brincadeiras que experimentaram em suas vidas e no diálogo com as crianças conversar sobre as permanências e mudanças nas formas de brincar entre as gerações. Como a proximidade com um rio é uma caracte- rística forte da forma de organização social de alguns gru- pos, como as populações ribeirinhas, também pode ser interessante mapear junto com crianças e famílias como o rio aparecia nas brincadeiras antes do rompimento e se agora ainda é possível que faça parte das brincadeiras co- tidianas das crianças. Para ampliar os conhecimentos sobre este tema, sugerimos um passeio pelo site do Projeto Território do Brincar. Sugerimos ainda o visionamento de dois filmes: Terreiros do Brincar e Tarja Branca. Basta clicar nos links a seguir. Território do Brincar: https://territoriodobrincar.com.br/ Filme Terreiros do Brincar (52 min.), disponível em: https://www. videocamp.com/pt/movies/terreiros-do-brincar-2017 Filme Tarja Branca (1:04:46’), disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=UjtWdecuX3w Saiba mais https://territoriodobrincar.com.br/ https://www.videocamp.com/pt/movies/terreiros-do-brincar-2017 https://www.videocamp.com/pt/movies/terreiros-do-brincar-2017 https://www.youtube.com/watch?v=UjtWdecuX3w https://www.youtube.com/watch?v=UjtWdecuX3w 48 A brincadeira é a forma privilegiada de desenvolvimento da criança. O cérebro do Ser Humano no inícioda vida pre- cisa de estímulos afetivos, emocionais, linguísticos, sociais e culturais para o seu desenvolvimento. Muitos cientistas acreditam que é na primeira infância que constituímos e estabilizamos estruturas duradouras para o resto de nos- sas vidas. A brincadeira, a leitura, a literatura, a afetividade e o imaginário são fundamentais para o desenvolvimento saudável da criança e nós, adultas e adultos que deles cui- damos, temos a importante tarefa de, além de compreen- der esse processo, apoiar as crianças, organizando expe- riências que tenham significados para elas nos contextos escolares e na vida cotidiana. No próximo tópico conversa- remos um pouco sobre a leitura, a literatura e a arte. 2.2 A leitura, a literatura e a arte: a construção do vínculo amoroso Os conhecimentos produzidos no Brasil em relação à leitu- ra e à escrita na Educação Infantil tem aumentado expres- sivamente desde os anos 2000, entretanto, ainda carecem de sistematização de modo que possamos compreender melhor como se configuram as experiências dos proces- sos de apropriação da língua ao longo da primeira infância (BAPTISTA, NEVES, CORSINO e NUNES, 2018). Perguntas que ouvimos com certa frequência: quando começar a trabalhar com literatura com as crianças? Quando inicia- mos o processo de alfabetização? Na Educação Infantil a gente alfabetiza ou não alfabetiza as crianças? Como es- 49 colher bons livros? Qual(is) áreas das Artes são adequadas para o trabalho com as crianças? O que devo ensinar para as crianças em cada idade? São muitas dúvidas que nos acometem no trabalho do- cente, em especial, quando este trabalho é direcionado a sujeitos que estão no início de suas vidas, potentes e vul- neráveis ao mesmo tempo, dependentes dos cuidados do adulto para sua sobrevivência. Se pensarmos que um bebê escuta vozes, sente cheiro, gosto, frio, calor, fome, alegria, medo, etc., podemos considerar que a leitura se inicia quando ele chega a esse mundo, ou como defendem al- guns autores, ainda no período intrauterino, quando ele escuta as vozes, em especial, a materna. A pesquisadora argentina María Emília López resume da seguinte forma essa ideia: “lemos o mundo desde o nascimento e desde a vida intrauterina também, se tomamos como referência a voz da mãe, primeiro signo de contato com a cultura, com os atos das palavras” (LÓPEZ, 2016, p. 14). Compreender o conceito de leitura de forma ampliada, como a leitura de si, a leitura do outro e a leitura do mundo enriquece a experiência e potencializa as relações de cui- dado e educação que vivenciamos com bebês e demais crianças nas Instituições de Educação Infantil. Em uma sociedade letrada, a leitura é um direito cultural dos que chegam ao mundo! A literatura e a arte são campos que “nutrem” o processo de leitura. Dessa forma, a narração de uma história, de uma cantiga de ninar, da vida cotidiana: “agora é hora de tomar banho”, por exemplo, se consti- 50 tuem como aspectos que apoiam o desenvolvimento psí- quico, bem como se configuram como as primeiras expe- riências poéticas dos seres humanos (LOPEZ, 2016). Para López, esses estímulos são como “uma literatura que, muitas vezes, não é registrada como tal, porque nasce das intenções espontâneas de qualquer mãe, pai, avô, avó ou professora que se veja diante de um bebê e que, nes- te contato, ativa um repertório de vivências próprias (...)” (LOPEZ, 2016, p. 14). Sendo a linguagem uma faculdade inerentemente humana (BAGNO, 2014), como seres de lin- guagem, necessitamos, desde o nascimento, do canto, da palavra amorosa, da escuta, do acalanto, para nos apoiar na construção do nosso psiquismo, nas nossas constitui- ções psicológicas, no desenvolvimento do nosso cérebro. Dessa forma, tudo o que oferecemos a partir do nosso cor- po, como o gesto, o olhar, as expressões, as palavras, as nar- rativas, tornam-se como um livro sem letras ou palavras, mas que oferecem à criança apoio para o seu processo de interpretação de si, do outro e do mundo que a cerca de modo que possam cada vez mais atribuir sentidos às suas experiências. Ainda de acordo com López, esses momentos oportuni- zam às crianças o primeiro “Banho Sonoro” ou a entrada no “mundo poético”, ou ainda, funcionam como “uma manta protetora de linguagem, feita de palavras”. Essas narrativas oportunizam ainda a construção de signos vi- tais para a sobrevivência “aprende a acalmar, aprende a esperar, sente-se querida, reconfortada, sabe que é aceito, percebe a preocupação, o carinho; quando é ninada apre- 51 senta uma série de feições ligadas ao afeto” (LÓPEZ, 2016, p. 17). Dessa forma, “todos os cuidados precoces têm uma profunda relação com a aprendizagem da leitura: leitura da vida, do mundo, de si mesmo” (LÓPEZ, 2016, p. 18). Considerando essas reflexões, as Instituições de Educação Infantil, em seu trabalho compartilhado com as famílias e a comunidade têm, então, um papel importante e de- safiador no processo de formação de um sujeito leitor, de palavras e do mundo. Há um papel a ser exercido pelos adultos que se ocupam do trabalho de cuidar de bebês e crianças que as apoiam nesse processo de desenvolverem essas faculdades cognitivas e se apropriarem das relações sociais e culturais. Ampliar a forma de perceber a linguagem possibilita re- conhecer e dar visibilidade às distintas formas pelas quais nos comunicamos com bebês e crianças e que possibi- litam que eles se apropriem tanto da língua falada pelo grupo no qual estão inseridos, como também conhecer os elementos culturais do grupo social em que nasceu. Per- mitem ainda perceber como os afetos, o corpo e o pen- samento estão intimamente ligados nessas experiências Para ampliar os conhecimentos sobre este tema, sugerimos a leitura do texto “Os bebês, as professoras e a literatura: um triângulo amo- roso” da pesquisadora argentina María Emilia López, disponível no Caderno 4 da Coleção Leitura e Escrita na Educação Infantil. Basta clicar no link a seguir para ter acesso à Coleção. Site do Projeto Leitura e Escrita na Educação Infantil: http://projetolei- turaescrita.com.br/publicacoes/colecao/ Saiba mais http://projetoleituraescrita.com.br/publicacoes/colecao/ http://projetoleituraescrita.com.br/publicacoes/colecao/ 52 sonoras construídas entre nós e os bebês e crianças com quem nos relacionamos, já que nesses anos iniciais os sen- tidos da audição, tato, olfato e paladar são fontes funda- mentais de compreensão do mundo que auxiliam essas pessoas a começarem a se diferenciar das demais pessoas e objetos. Ter atenção à forma como a linguagem permeia as rela- ções cotidianas que acontecem nas escolas de Educação Infantil pode auxiliar a dar visibilidade às diversas ações de cuidado e educação que acontecem nesse contexto. Além disso, auxilia vocês professoras a reconhecerem que em todos os momentos da rotina, como no banho, na troca de fraldas e na alimentação, ocorrem conversas, interações, olhares, gestos pedagógicos e que demandam presença e atenção. Considerando a literatura como uma das formas de ex- pressão artística, lembramos que a música, a dança, o tea- tro, o desenho, a escultura, a pintura são outras formas que também devem e podem estar presentes no cotidiano das escolas de Educação Infantil. Considerar que a arte é um conhecimento a ser apropriado pelos bebês e crianças nos auxilia a desmistificar a ideia de que se tem arte somente em lugares determinados como museus e teatros e que é algo distante das pessoas comuns. Perceber que as diver- sas formas de expressão artística estão presentes de modo mais ou menos intenso nas nossas vidas pode auxiliar a vocês professoras a buscarem compreender melhor como podem potencializar a experiência dos bebês e crianças com essas diferentes formas de expressões artísticas. Con- 53 siderar que bebês e crianças também se expressam por meio de múltiplas linguagens auxilia a destinar tempos e espaços para que possam aprender sobre canto, dança, música,desenho, pintura, literatura etc. Uma possibilida- de interessante de trabalho com as famílias e comunida- de é também fazer um levantamento de festas e tradi- ções locais, integrar tais atividades ao calendário escolar e conversar com as crianças sobre essas festas, assim como envolver as crianças no planejamento, preparação e reali- zação das festas e comemorações realizadas na escola. 2.3 As relações com a natureza e com a vida da comunidade Como pensamos a relação entre as pessoas e a natureza? Compreendemos as pessoas como parte da natureza? Na legislação nacional que normatiza essa Etapa da Educa- ção Básica temos orientações de que sejam assegurados Para ampliar os conhecimentos sobre este tema, sugerimos a leitura de dois artigos e de um livro. Para acessar os artigos, basta clicar nos links a seguir. Artigo: Arte emoldurada – aproximações e subversões numa perspectiva intercultural, disponível em: http://anpap.org.br/ anais/2014/Comit%C3%AAs/2%20EAV/Juliana%20Gouthier%20 Macedo.pdf Artigo: Arte na formação docente para a Educação Infantil: Procura-se!, disponível em: https://portaldeperiodicos.animae- ducacao.com.br/index.php/Poiesis/article/view/5902 Saiba mais http://anpap.org.br/anais/2014/Comitês/2%20EAV/Juliana%20Gouthier%20Macedo.pdf http://anpap.org.br/anais/2014/Comitês/2%20EAV/Juliana%20Gouthier%20Macedo.pdf http://anpap.org.br/anais/2014/Comitês/2%20EAV/Juliana%20Gouthier%20Macedo.pdf https://portaldeperiodicos.animaeducacao.com.br/index.php/Poiesis/article/view/5902 https://portaldeperiodicos.animaeducacao.com.br/index.php/Poiesis/article/view/5902 54 o contato de bebês e crianças com a luz do sol, com áreas verdes etc. Como sua escola está organizada atualmente? Existem áreas verdes? Quanto tempo da jornada diária be- bês e crianças passam em espaços fechados? Se conside- rarmos que também somos seres da natureza podemos construir uma compreensão mais ampla da forma como nos relacionamos com o meio físico e social ao nosso re- dor. Se considerarmos também que a espécie humana tem uma ação direta e importante de modificação dos recursos naturais se torna ainda mais importante pensar uma educação pautada em práticas sustentáveis desde a Educação Infantil. Aqui, vemos novamente como os temas da mineração, do rompimento e da revitalização podem e devem estar presentes no trabalho com bebês, crianças e famílias. É interessante construir projetos que possibili- tem o envolvimento de toda comunidade escolar, incluin- do demais níveis de ensino nessa compreensão de como a mineração se faz presente na comunidade, seus impactos sociais, econômicos e políticos na população que ali vive e nas demais regiões que se relacionam com as práticas minerárias. A localização da escola, seu prédio, a existência ou não de área verde, sua relação com o entorno são exce- lentes pontos de partida. Uma sugestão de atividade é conversar com as crianças sobre como a escola foi construída e quais os materiais uti- lizados nesse processo, podendo tornar visível como tanto a escola, quanto os demais prédios da cidade utilizam ma- teriais como areia, brita, cimento, vidros, alumínio, etc. que são provenientes da mineração; e que existe uma diversi- 55 dade de minas e que em nossa vida cotidiana a mineração se faz presente de várias formas. É importante assegurar também momentos de compreensão por parte das crian- ças sobre o impacto de fazerem parte dos atingidos por esse rompimento. Uma sugestão de atividade é solicitar às crianças e famílias que contem sobre seu local de moradia, sobre o emprego/trabalho dos pais etc. Para o trabalho com os bebês, lembramos, como discutido acima, que o cotidiano de cuidados (que é, também, edu- cação) é muito rico e se constitui na inserção desses su- jeitos nas práticas culturais, de forma compartilhada com as famílias. Tais práticas são a experiência dos bebês com os elementos da natureza e com os artefatos culturais da nossa sociedade. Para uma prática pedagógica que leve em conta que essas crianças são parte do contexto social e cultural da sua localidade, é importante que o trabalho seja registrado de forma a permitir significações que po- derão tanto ser compartilhadas com as famílias e com as próprias crianças. Como sugerido acima, crianças ainda muito pequenas apreciam narrações, imagens, músicas. Tudo isso pode ser construído incluindo imagens delas próprias nas diferentes situações da rotina diária. O projeto “Nossas águas”, por exemplo, inclui desde o enriquecimen- to da experiência do banho, passando pela exploração das plantas e pela leitura de livros de imagens com rios, com o mar, com a chuva... Os registros reflexivos de todo o pro- cesso poderão tanto ser retomados com as crianças nos anos seguintes na escola, em uma prática de aprofunda- mento, quanto compartilhados e refletidas com as famí- 56 lias sobre as condições de vida na localidade, inserindo ou contribuindo para fortalecer uma forma de pensar e sentir a cidade, o campo, as atividades rurais e urbanas conside- rando as crianças em seu tempo presente. No caso de escolas que mudaram de local devido ao rompimento da Barragem de Fundão, um ponto importante é conhecer e refletir se o local de moradia dos bebês e demais crian- ças está muito distante, o que pode gerar dificuldades no cumprimento de horários, exigindo da escola uma flexibi- lização de suas rotinas de modo a promover o bem-estar desses bebês. Refletindo mais especificamente sobre a revitalização, reafirmamos a possibilidade da escola ser um contexto de criação de momentos de escuta e envolvimento da co- munidade com as ações municipais e estaduais voltadas para a revitalização, que inclui as crianças e adolescentes. Considerar que sua participação, professora, neste curso de aperfeiçoamento ou especialização é uma das ações de revitalização auxilia a compreender como essas ações envolvem mudanças sociais, econômicas e políticas que dizem respeito a todos nós, independente de morarmos ou não em municípios em que se desenvolve a mineração. Evidencia também a relevância da Educação Ambiental por permitir reflexões consistentes e críticas sobre nossa relação com a fauna, a flora, a mineração, o planejamen- to urbano etc. possibilitando compreender a interdepen- dência entre nossa vida e a do planeta Terra. Questões tão amplas e complexas podem ser abordadas pela vivência e reflexão sobre o entorno da escola, se o bairro, a cidade 57 ou demais localidades acolhem as crianças ou se lhes são hostis. Finalizamos este tópico ressaltando a necessidade de re- conhecer que as crianças e as infâncias são diversas. Rei- teramos a necessidade de que cada escola conheça quem são as crianças que atende, identificando grupos de po- pulações do campo, indígenas, quilombolas e propondo, a partir desse conhecimento, ações específicas que permi- tam incluir a revitalização no cotidiano escolar, tendo em mente que conforme os grupos atendidos haverá menor ou maior familiaridade com temas da Educação Ambien- tal. Ressaltamos ainda que é possível envolver as crianças na forma como se utilizam a água e a energia na escola, na escolha e produção de alimentos, no caso das instituições que podem ter hortas, em reflexões sobre as embalagens etc. dando assim visibilidade à revitalização como algo que envolve a todos. Despedida e convite a continuar a conversa Desejamos que este texto, que é um recorte limitado da infinidade de abordagens possíveis, seja mais um recur- so de continuidade das reflexões e ações no cotidiano da Educação Infantil no contexto de reconhecimento do pa- pel social que a educação escolar pode desempenhar no conhecimento crítico sobre a mineração, o rompimento e a revitalização nas comunidades ao longo da Bacia do Rio Doce. Sabemos que todos foram impactados pelo rompimento 58 da Barragem de Fundão e que as possibilidades de mini- mizar os danos e construir práticas sustentáveis de mine- ração exigem a ação de toda a sociedade.Sendo assim, faz-se necessário também envolver bebês, crianças e suas famílias em ações e reflexões que possam tanto auxiliar a compreender e lutar por seus direitos, quanto conscienti- zá-los da relevância de também se reconhecerem como parte importante na construção e fortalecimento das ações de revitalização. E, finalmente, lembramos que, na Educação Infantil, esco- las e famílias devem complementar a ação uma da outra. Assim, enfatizamos a relevância de ações de parceria que tenham como finalidade central o bem-estar e desenvolvi- mento integral de bebês e crianças, algo que não se disso- cia do bem-estar da comunidade. Esperamos, então, que na interlocução direta com esses sujeitos possam encon- trar formas de se apoiarem nessa tarefa tão fundamental que é o cuidado e educação de bebês e crianças com dis- posição para aprender com o que eles também têm a nos ensinar! 59 Referências ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: Guanabara, 2 ed., 1986. BAGNO, Marcos. Língua, linguagem, linguística: pondo os pingos nos ii. São Paulo: Parábola Editorial, 2014. BAPTISTA, Mônica C.; NEVES, Vanessa F. A.; CORSINO, Pa- trícia; NUNES, Maria F. R. A produção acadêmica sobre lei- tura e escrita na educação infantil no período de 1973 a 2013: algumas reflexões. In: CARVALHO, Levindo D.; NEVES, Vanessa F. A. (Orgs.) Infâncias, Crianças e Educação: dis- cussões contemporâneas. Belo Horizonte: Fino Traço, 2018. BARBOSA, M. C.; RICHTER S. R. S. Campos de Experiência: uma possibilidade para interrogar o currículo. In: FINCO, D; BARBOSA, M. C. (Orgs). 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