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Brasília-DF. Fisiopatologia e Farmacologia dos processos inFlamatório e inFecciosos Elaboração Núbia Mantovan Fardin Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................. 4 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA .................................................................... 5 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7 UNIDADE I PROCESSOS INFLAMATÓRIOS ................................................................................................................ 9 CAPÍTULO 1 FISIOPATOLOGIA DA RESPOSTA INFLAMATÓRIA: CELULAR E VASCULAR ....................................... 9 CAPÍTULO 2 AUTACOIDES E ANTAGONISTAS DE AUTACOIDES ...................................................................... 24 UNIDADE II FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS ............................................................................ 30 CAPÍTULO 1 ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDAIS (AINES) ...................................................................... 30 CAPÍTULO 2 ANTI-INFLAMATÓRIOS ESTEROIDAIS ......................................................................................... 44 UNIDADE III FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS ........................................................................................... 55 CAPÍTULO 1 CLASSIFICAÇÃO E MECANISMOS DE AÇÃO DE ANTIMICROBIANOS ........................................ 55 CAPÍTULO 2 ANTIBACTERIANOS: INIBIDORES DA SÍNTESE DA PAREDE CELULAR E INIBIDORES DA SÍNTESE PROTEICA .............................................................................................................................. 62 CAPÍTULO 3 ANTIFÚNGICOS ...................................................................................................................... 82 UNIDADE IV FARMACOLOGIA DOS ANTIVIRAIS ........................................................................................................ 89 CAPÍTULO 1 FISIOPATOLOGIA DAS INFECÇÕES VIRAIS ................................................................................ 89 CAPÍTULO 2 MECANISMOS DE AÇÃO DOS PRINCIPAIS ANTIVIRAIS .............................................................. 98 CAPÍTULO 3 RISCO DO SURGIMENTO DE NOVOS VÍRUS E OS DESAFIOS DA DESCOBERTA DE NOVOS ANTIVIRAIS ............................................................................................................................ 106 PARA (NÃO) FINALIZAR ................................................................................................................... 110 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 111 4 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 5 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 6 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 7 Introdução A inflamação é uma resposta de defesa a diversos agentes nocivos, como microrganismos, traumas, liberação de hormônios em momentos como o estresse, entre outros agentes. Estão divididos em fatores internos (necrose de tecidos, fratura de ossos) e externos, que podem ser fatores mecânicos (corte), físicos (queimadura), químicos (corrosão), biológicos (infecção por micro-organismos) e imunológicos (reação de hipersensibilidade), o que leva a respostas vasculares – principalmente vasodilatação local, e celulares, principalmente migração de leucócitos e liberação de citocinas no local da inflamação. Os principais sinais e sintomas clínicos da inflamação foram descritos por Celsus no século I d.C. e são: dor, calor, rubor e tumor (inchaço) no local, podendo haver perda de função tecidual. A inflamação está diretamente ligada ao processo de reparo, que começa nas fases iniciais da inflamação, mas geralmente só é finalizado depois que a influência nociva foi neutralizada (ROBBINS; COTRAN, 2005). O objetivo final da inflamação é a eliminação da causa inicial da lesão tecidual e das consequências de tal lesão; entretanto, a inflamação e o reparo podem ser potencialmente prejudiciais, razão pela qual existem vários anti-inflamatórios e antimicrobianos que, na melhor das hipóteses, promovem o controle das sequelas danosas da inflamação, sem interferir em seus efeitos benéficos. Mas lembramos que nenhum fármaco é isento de efeitos colaterais, e discutiremos seus benefícios e malefícios no tratamento das inflamações e infecções nesta apostila. Objetivos » Promover ao farmacêutico o conhecimento sobre os sinais e sintomas de respostas inflamatórias para avaliação e acompanhamento de pacientes. » Compreender os processos de absorção, distribuição, biotransformação e eliminação de medicamentos anti-inflamatórios, antimicrobianos e antivirais aplicados aos cuidados farmacêuticos. 8 9 UNIDADE IPROCESSOS INFLAMATÓRIOS CAPÍTULO 1 Fisiopatologia da resposta inflamatória: celular e vascular Como descrito anteriormente, a inflamação é um processo de defesa do organismo cujo objetivo final é a eliminação dacausa inicial da lesão celular e das consequências de tal lesão. Essas respostas consistem em dois componentes principais: uma reação vascular e uma reação celular, ambas ativadas por mediadores derivados das proteínas plasmáticas e de várias células. As etapas comuns das respostas inflamatórias são (1) o reconhecimento do agente lesivo; (2) o recrutamento dos leucócitos; (3) a remoção do agente; (4) a regulação (controle) da resposta; e (5) a resolução (reparo). A inflamação pode ser dividida em aguda e crônica. A inflamação aguda inicia-se rapidamente e tem uma duração curta, podendo ser de minutos até dias; suas principais características são a exsudação de fluidos e proteínas plasmáticas (edema) e a migração de leucócitos, principalmente neutrófilos, no foco da inflamação – nesse caso, pode evoluir para a cura total com reparo do tecido, cicatrização, ou até mesmo persistir e se tornar crônica. A inflamação crônica tem duração mais longa e está associada à presença de linfócitos e macrófagos, à proliferação de vasos sanguíneos, fibrose e necrose celular e pode ser a evolução de um quadro agudo. Inflamação aguda A inflamação aguda é uma resposta rápida a um agente nocivo, responsável por levar mediadores de defesa ao local da lesão e pode ser desencadeada por vários estímulos, como: infecções (bacterianas, virais e parasitárias) e toxinas microbianas; trauma; agentes físicos e químicos; necrose tissular; corpos estranhos (farpas, terras, suturas); reações imunológicas (reações de hipersensibilidade). Cada um desses estímulos pode induzir reações com características distintas, porém todas as reações imunológicas 10 UNIDADE I │ PROCESSOS INFLAMATÓRIOS apresentam características comuns (ROBBINS; COTRAN, 2005). Descreveremos a seguir os eventos característicos da inflamação aguda e, em seguida, seus mediadores químicos. Eventos vascular e celular na inflamação aguda Alterações vasculares Os vasos sanguíneos são o meio de transporte de diversas células e hormônios para todo o corpo; e, por isso, durante os processos inflamatórios, eles sofrem diversas alterações com o objetivo de facilitar o movimento de proteínas plasmáticas e células sanguíneas para o local da lesão. Essas alterações iniciam-se logo após a lesão ou infecção, mas desenvolvem-se em velocidade variável, dependendo da natureza e da gravidade do estímulo inflamatório original. Descreveremos a seguir as principais alterações vasculares: » Vasodilatação: principalmente nas arteríolas, que resulta em aumento do fluxo sanguíneo para o local e abertura dos leitos vasculares, responsável por causar o calor e o rubor característicos da inflação. Os principais indutores da vasodilatação são a histamina e o óxido nítrico (NO). » Aumento da permeabilidade vascular: leva à perda de proteínas do plasma para o interstício, levando a diminuição da pressão osmótica intravascular e a aumento da pressão osmótica intersticial, ocorrendo, assim, extravasamento de fluido para o tecido, causando o edema. Esse evento é induzido pela histamina, cininas e outros mediadores que produzem (1) aberturas entre as células endoteliais; (2) lesão endotelial direta ou induzida por leucócitos; (3) aumento da passagem de líquidos através do endotélio. Com o aumento da permeabilidade vascular, ocorre a entrada de leucócitos e proteínas plasmáticas nos locais da infecção ou da lesão do tecido, o que vai iniciar os processos celulares que serão descritos a seguir. » migração e acúmulo de leucócitos no local da lesão: os leucócitos aderem ao endotélio e, a seguir, migram através da parede vascular para o interstício, esse processo será descrito detalhadamente adiante. A Figura 1 demonstra esquematicamente esse processo de alteração vascular. 11 PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE I Figura 1. Esquema demonstrativo dos processos de alteração vascular na inflamação (aumento do fluxo sanguíneo; deposição de proteínas plasmáticas no interstício; migração de neutrófilos; aumento da pressão hisdrostática) comparado ao normal. Normal Matriz extracelular Linfócito ou macrófago Residente eventual Arteríola Vênula Inflamado Fluxo sanguíneo aumentado Dilatação da arteríola Expansão do leito capilar Dilatação da vênula Emigração de neutrófilos Extravasamento de proteínas plasmáticas → edema Fonte: adaptado de ROBBINS et al. (2008). Eventos celulares: extravasamento de leucócitos e fagocitose Uma importante função da resposta inflamatória é transportar os leucócitos para o local da lesão e ativá-los. Os leucócitos destroem os agentes ofensivos através de processos de fagocitose, por exemplo, e eliminam os tecidos necróticos e as substâncias estranhas; porém, com isso, podem causar lesão tecidual e prolongar a inflamação, pois os produtos dos leucócitos que destroem micróbios podem também lesar o tecido 12 UNIDADE I │ PROCESSOS INFLAMATÓRIOS normal do hospedeiro. O recrutamento de leucócitos para o local da inflação pode ser dividido nas seguintes etapas: Marginalização e rolagem: devido à vasodilatação e ao aumento da permeabilidade vascular, que leva a perda de líquido para o interstício e acúmulo de células e proteínas no interior dos vasos, o fluxo sanguíneo fica mais lento; e como as hemácias são menores e tendem a se mover mais rápido, os leucócitos são empurrados para a periferia dos vasos (marginalização). Em seguida, os leucócitos rolam pela superfície endotelial, anexando-se transitoriamente ao longo do caminho às moléculas de adesão (rolagem), que nada mais são que proteínas de membrana dos leucócitos que se ligam a proteínas na superfície endotelial, o que promove esse processo. Adesão e transmigração: após o processo de rolagem dos leucócitos, eles se aderem firmemente a um ponto da superfície endotelial; essa adesão é mediada pelas integrinas expressas nas superfícies celulares dos leucócitos que interagem com seus ligantes nas células endoteliais. As integrinas são glicoproteínas presentes na membrana plasmática dos leucócitos. Em estados normais, essas glicoproteínas possuem baixa afinidade e não aderem a seus ligantes até que os leucócitos sejam ativados pelas quimiocinas liberadas, por exemplo, nos processos inflamatórios. As quimiocinas são citocinas quimioatraentes secretadas por várias células, nos locais da inflamação; possuem a capacidade de promover mudança conformacional e aumento da afinidade das integrinas presentes nos leucócitos. Depois de aderirem à parede vascular, os leucócitos migram pela parede do vaso, espremendo-se entre as células nas junções intercelulares, processo que recebe o nome de diapedese. Essa migração dos leucócitos é orientada pelas quimiocinas produzidas nos tecidos extravasculares, as quais promovem a movimentação dos leucócitos em direção a seus gradientes químicos. Quimiotaxia: após o extravasamento, os leucócitos migram em direção ao local da lesão ou infecção, devido ao gradiente químico gerado por substâncias exógenas e endógenas liberadas no processo inflamatório, que são provenientes de (1) produtos bacterianos; (2) citocinas, particularmente as quimiocinas; (3) componentes do sistema complemento, principalmente a C5a; e (4) produtos da via lipoxigenase do metabolismo do ácido araquidônico, principalmente o leucotrieno B4. A Figura 2 resume todos esses processos de marginalização, rolagem, adesão, transmigração e quimiotaxia dos leucócitos. 13 PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE I Figura 2. Esquema demonstrativo dos processos de marginalização, rolagem, adesão, transmigração e quimiotaxia dos leucócitos em um processo inflamatório Rolagem Ativação de integrinas por quimiocinas Adesão estável Migração através do endotélio Leucócito Glicoproteína modificada de Sialyl-Lewis X Integrina (estado de baixa afinidade) Integrina (estado de alta afinidade) PECAM-1 (CD31) P-selectina E-selectina Proteoglicano Ligante de integrina (ICAM-1) Quimiocinas Citocinas (TNF,IL-1) Macrófago com micróbios Fibrina e fibronectina (matriz extracelular) Fonte: adaptado de Robbins et al. (2008). Depois de serem recrutados para o local da inflamação, os leucócitos devem ser ativados para exercerem sua função; os estímulos para essa ativação são provenientes de microrganismos, produtos de células necróticas e vários mediadores. A ativação leucocitária resulta em muitas funções: » Fagocitose de partículas: essa é uma etapa inicial na eliminação de substâncias nocivas, realizada principalmente pelos neutrófilos e pelos macrófagos. » Produção de substâncias que destroem os micróbios fagocitados e removem tecidos mortos, sendo eles: enzimas lisossômicas e espécies reativas de oxigênio e de nitrogênio. » Produção de mediadores que amplificam a reação inflamatória, como as citocinas e os metabólitos do ácido araquidônico. Mediadores químicos Como descrito anteriormente, os mediadores químicos estão presentes nos eventos vasculares e celulares da inflamação. O conhecimento desses mediadores é importante para que sejam desenvolvidas drogas anti-inflamatórias. Os mediadores podem ser produzidos no local da inflamação pelas células ou pelo fígado, os quais ficam circulando no plasma como precursores inativos e são ativados somente no local da inflamação. A maioria dos mediadores promove seus efeitos por meio da ligação a receptores 14 UNIDADE I │ PROCESSOS INFLAMATÓRIOS específicos presentes nas células-alvo, e suas ações são estreitamente reguladas. A seguir, detalharemos os principais mediadores químicos presentes no processo de inflamação. Aminas vasoativas A histamina e a serotonina são duas aminas importantes, pois são os primeiros mediadores a serem liberados durante a inflamação, e são armazenadas nas células. » Histamina: sua principal fonte são os mastócitos, normalmente presentes no tecido conjuntivo e próximo aos vasos sanguíneos. A histamina pré-formada encontra-se nos grânulos dos mastócitos e é liberada pela degranulação dessas células em resposta a vários estímulos: lesão física (como trauma), frio ou calor; reações imunológicas envolvendo a ligação de anticorpos aos mastócitos; fragmentos do complemento chamados de anafilatoxinas (C3a e C5a); proteínas leucocitárias que liberam histamina; neuropeptídeos (substância P); e citocinas (IL-1, IL18) (ROBBINS; COTRAN, 2005). Ela causa dilatação das arteríolas, aumenta a permeabilidade das vênulas (mas causa constrição das artérias de maior calibre) e age na microcirculação, principalmente por meio da ligação aos receptores H1 nas células endoteliais. » Serotonina (5-hidroxitriptamina): além de ser um importante neurotransmissor, a serotonina é liberada também por células imunes no local da inflamação, e suas ações são semelhantes às da histamina. Está presente nas plaquetas e nas células enterocromafim. Sua liberação das plaquetas é estimulada quando ocorre agregação plaquetária após contato com colágeno, trombina, difosfato de adenosina (ADP) e complexos antígeno-anticorpo. Proteínas plasmáticas As proteínas plasmáticas são mediadoras de vários efeitos da inflamação e pertencem a três sistemas inter-relacionados: o complemento, as cininas e a coagulação. » Sistema do complemento: consiste em 20 proteínas (e os produtos de sua clivagem), presentes em maior concentração no plasma na forma inativa e são numeradas de C1 a C9. Esse sistema atua tanto na imunidade natural quanto na adquirida contra agentes microbianos. Suas funções biológicas se enquadram em duas categorias: lise celular pelo complexo de ataque à membrana (MAC) e os efeitos dos fragmentos proteolíticos do complemento. Seus fragmentos estão presentes em vários fenômenos da inflamação: 15 PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE I › Fenômenos vasculares: através das proteínas C3a, C5a e em menor quantidade pela C4a (anafilatoxinas), que estimulam a liberação de histamina pelos mastócitos, aumentando, assim, a permeabilidade vascular e causando vasodilatação. O C5a também ativa a via da lipoxigenase do metabolismo do ácido araquidônico nos neutrófilos e monócitos, provocando a liberação de mais mediadores da inflamação. › Adesão, quimiotaxia e ativação dos leucócitos: através da proteína C5a. › Fagocitose: a proteína C3b serve como opsonina quando ligado à parede bacteriana. » Sistema das cininas: a ativação desse sistema resulta na liberação da bradicinina, que aumenta a permeabilidade vascular, a contração do músculo liso, a dilatação de vasos sanguíneos e a dor quando injetada na pele; seus efeitos são semelhantes aos da histamina. Ela é inativada rapidamente pela enzima cinase. » Sistema da coagulação: esse sistema está intimamente relacionado com a inflamação. A trombina é a principal ligação entre o sistema de coagulação e a inflamação; ela é a enzima que cliva o fibrinogênio solúvel circulante para gerar um coágulo insolúvel de fibrina, e é a principal protease da coagulação. Metabólitos do ácido araquidônico: prostaglandinas, leucotrienos e lipoxinas O ácido araquidônico é um ácido graxo poli-insaturado derivado da dieta ou da conversão do ácido graxo essencial (ácido linoleico). Não se encontra livre nas células, somente na forma estratificada nos fosfolipídios da membrana, sendo liberado pela ação das fosfolipases celulares (p. ex. fosfolipase A2), que podem ser ativadas por estímulos mecânicos, químicos e físicos ou por outros mediadores (p. ex. C5a). Os metabólitos do ácido araquidônico (também chamados de eicosanoides) são sintetizados por duas classes de enzimas: as ciclo-oxigenases que produzem as prostaglandinas e tromboxanos e as lipoxigenases que produzem os leucotrienos e lipoxinas. » Via da ciclo-oxigenase: é iniciada principalmente por duas enzimas diferentes, a COX-1 (constitutivamente expressa) e a COX-2 (uma enzima induzida), que leva a geração de prostaglandinas, sendo as mais importantes na inflamação as PGE2, PGD2, PGF2A, PGI2 (prostaciclina) e a TXA2 (tromboxano). Suas ações específicas são descritas a seguir. 16 UNIDADE I │ PROCESSOS INFLAMATÓRIOS › COX-1: é produzida em condições fisiológicas; tem a função de promover a síntese de prostaglandinas em situações fisiológicas; regula também processos celulares normais, como a citoproteção gástrica, a homeostase vascular, a agregação plaquetária e a função renal. › COX-2: produzidas nas situações de inflamação, é uma enzima induzida, produzida apenas em células inflamatórias. › PGI2 (prostaciclina): é produzida no endotélio vascular; sua função fisiológica é controlar o fluxo sanguíneo, pois, quando produzidas, levam a um quadro de vasodilatação, aumentando o fluxo sanguíneo no local, provocando rubor e calor e, consequentemente, provocando dor. › PGE2: também está presente no endotélio vascular; possui a mesma função fisiológica da prostaciclina; promove o aumento da produção de citocinas, principalmente a interleucina-1 (IL-1), que age no centro do controle da temperatura, localizada no hipotálamo, provendo o aumento da temperatura e produzindo febre. › TXA2 (tromboxano A2): é produzido pelas plaquetas, promove agregação plaquetária (aglutinação) e vasoconstrição. Recentemente foi descoberto mais três isoformas de enzima COX: a ciclo-oxigenase parcial 1a (PCOX-1a), a 1b (PCOX-1b) e a COX- 3, variantes da COX-1 por apresentarem a mesma sequência de aminoácidos, das quais a COX-3 difere apenas por conter 30 aminoácidos extras. As duas primeiras isoformas foram encontradas em cachorros. A COX-3, por sua vez, foi encontrada também em humanos; é uma enzima constitutiva, expressa principalmente no cérebro e no coração. Alguns estudos indicam que a atividade biológica de alguns fármacos para efeito analgésico e antipirético se deve a sua inibição da biossíntese de PGs por meio do bloqueio da COX-3 no sistema nervoso central (SNC) (MONTEIRO, 2008; VESGA, 2004), o que discutiremos no capítulo sobre anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs). » Via dalipoxigenase: seus produtos iniciais são gerados por três lipoxigenases diferentes que só estão presentes em alguns tipos de células. 17 PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE I » Lipoxinas: suas principais ações são a inibição do recrutamento leucocitário e dos componentes celulares da inflamação, inibindo a quimiotaxia dos neutrófilos e sua adesão ao endotélio. A Figura 3 mostra esquematicamente a geração de metabólitos do ácido araquidônico e seus papéis na inflamação. Figura 3. Esquema da geração de metabólitos do ácido araquidônico e seus papéis na inflamação. Fosfolipídios da membrana celular Ácido araquidônico Fosfolipas es Ciclo-oxigenase 5-Lipoxigenase 12-Lipoxigenase Outras lipoxigenases s HPETE s HETE s Prostaglandina G2 (PGG2) Prostaglandina H2 (PGH2) Prostaciclina PGI2 Tromboxano A2 (TXA2) Lipoxina A4 (LXA4) Lipoxina B4 (LXB4) PGD2 PGD2 5- HPETE 5- HETE Leucotrieno A4 (LTA4) Leucotrieno C4 (LTC4) Leucotrieno D4 (LTD4) Leucotrieno E4 (LTE4) Leucotrieno B4 Quimiotaxia Vasoconstrição Broncoespasmo Aumento da permeabilidade vascular Causa vasodilatação, inibe a agregação plaquetária Causa vasoconstrição, promove agregação plaquetária Vasodilatação Aumento da permeabilidade vascular Inibe adesão e quimiotaxia de neutrófilos Fonte: adaptado de Robbins (2008). Fator de ativação plaquetária (PAF) O PAF é outro mediador bioativo derivado dos fosfolipídios. Ele pode desencadear a maioria dos principais acontecimentos da inflamação; é produzido por vários tipos celulares, como plaquetas, basófilos (e mastócitos), neutrófilos, monócitos/macrófagos e células endoteliais. Ele pode promover a estimulação de plaquetas, vasoconstrição e broncoconstrição. Em doses extremamente baixas, estimula a vasodilatação e o aumento da permeabilidade vascular. Pode promover também o aumento da adesão leucocitária ao endotélio, quimiotaxia, desgranulação e surto oxidativo. 18 UNIDADE I │ PROCESSOS INFLAMATÓRIOS Citocinas e quimiocinas As citocinas são proteínas produzidas por vários tipos celulares, principalmente linfócitos e macrófagos. Elas têm a capacidade de modular a função de outros tipos celulares. As duas principais citocinas que participam do processo inflamatório são o fator de necrose tumoral (TNF) e a interleucina-1 (IL-1), produzidas principalmente pelos macrófagos ativados. A secreção dessas citocinas pode ser estimulada por endotoxinas e outros produtos microbianos, complexos imunes, lesão física e vários tipos de estímulos inflamatórios. Elas induzem as respostas sistêmicas da fase aguda associadas a infecções ou traumas. As quimiocinas são uma família de proteínas pequenas que agem, a princípio, como quimiotáticos para tipos específicos de leucócitos; elas estimulam o recrutamento leucocitário na inflamação e controlam a migração normal de células através de vários tecidos. Outros mediadores 1. Óxido nítrico (NO): ele desempenha um papel importante nos componentes vasculares e celulares das respostas inflamatórias. É um potente vasodilatador devido a sua ação no músculo liso vascular; também é capaz de reduzir a agregação e a adesão plaquetária; e funciona como regulador endógeno do recrutamento leucocitário. A produção de NO é mecanismo compensatório endógeno que reduz as respostas inflamatórias, mas também pode ser mediador de defesa do hospedeiro contra infecções, pois, juntamente com seus derivados, tem efeitos microbicidas. 2. Componentes lisossomais dos leucócitos: os neutrófilos e monócitos possuem grânulos lisossomais que, quando liberados, podem contribuir com reações inflamatórias. Essas diversas enzimas granulares têm funções diferentes, por exemplo, as proteases ácidas degradam bactérias e fragmentos dentro dos fagossomos, já as proteases neutras são capazes de degradar vários componentes extracelulares. Devido a seus efeitos destrutivos, o infiltrado leucocitário inicial, se não for controlado, pode aumentar mais ainda a permeabilidade vascular e o dano tecidual. 3. Radicais livres derivados do oxigênio: eles podem ser liberados pelos leucócitos no meio extracelular após a exposição a micro-organismos, quimiocinas e complexos imunes. Eles promovem as seguintes reações: 19 PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE I lesão à célula endotelial com o consequente aumento da permeabilidade vascular; inativação de antiproteases; lesão a outros tipos de células. 4. Neuropeptídeos: eles participam da deflagração propagação da resposta inflamatória, juntamente com as aminas vasoativas e os eicosanoides. O Quadro 1 resume os principais mediadores químicos da inflamação e sua fonte. Quadro 1. Resumo dos principais mediadores químicos da inflamação. Mediadores Fonte Derivados de células Mediadores pré-formados em grânulos secretores Histamina Mastócitos, basófilos, plaquetas Serotonina Plaquetas Recém-sintetizados Prostaglandinas Todos os leucócitos, mastócitos Leucotrienos Todos os leucócitos, mastócitos Fator ativador plaquetário Todos os leucócitos, células endoteliais Espécies reativas de oxigênio Todos os leucócitos Óxido nítrico Macrófagos, células endoteliais Citocinas Macrófagos, linfócitos, células endoteliais, mastócitos Neuropeptídeos Derivados de proteínas plasmáticas (fígado como principal fonte) Ativação do complemento C3a (anafilatoxina) C5a (anafilatoxina) C3b C5b-9 (complexo de ataque à membrana) Ativação do fator XII (fator de Hageman) Sistema de cininas (bradicinina) Coagulação/sistema de fibrinólise Fonte: adaptado de Robbins (2008). Febre A febre é um mecanismo de defesa contra microrganismos, promovida por substâncias consideradas pirógenas, ou seja, citocinas liberadas pelas células de defesa e por algumas toxinas liberadas principalmente por bactérias, que atuam no hipotálamo, o centro de controle da temperatura, elevando-a no corpo como um todo. A princípio, a febre é desencadeada para ser mais um mecanismo de combate aos microrganismos, entretanto, as altas temperaturas também afetam as células do organismo, desencadeando desnaturações proteicas, o que pode levar a prejuízos sérios. Devido a isso, são utilizados agentes antipiréticos que impedem o aumento da temperatura corporal. A principal interleucina que promove a febre é a interleucina-1 (IL-1), pela indução da formação de prostaglandinas, principalmente a PGE2, ou substância similar, que atua no hipotálamo para desencadear a reação da febre. Sabe-se que o início do estado febril 20 UNIDADE I │ PROCESSOS INFLAMATÓRIOS é desencadeado pela formação de PGs induzida pelas COX-1 e COX-3, que são enzimas constitutivas; e a segunda fase é desencadeada pela formação de PGs pela COX-2, que é uma enzima induzida. As isoenzimas COX-1 e COX-2 se encontram em baixa concentração em tecidos cerebrais, enquanto que a COX-3 está distribuída em altas concentrações nessas regiões, incluindo o hipotálamo, sendo assim, existem hipóteses de que as isoenzimas COX-1 e COX-2 cumprem a função de disparar a liberação de PGs pela COX-3 presente nesta região (VESGA, 2004). A inibição não seletiva da COX promove a diminuição da temperatura corporal e a diminuição da dor central. Estudos indicam que esse mecanismo aconteça pela ação direta de alguns medicamentos, como o paracetamol, que promovem inibição diretamente na enzima COX-3, com ação antipirética e analgésica (CHANDRASEKHARAN et al., 2002; VESGA, 2004). Discutiremos a seguir esses mecanismos dos anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) não seletivos. Dor A dor é uma sensação ruim que sentimos quando algo está errado em nosso organismo; é um mecanismo de defesa contra agentes agressores ou situações que possam comprometer nossa saúde. Entretanto, a dor é um estado muito subjetivo, que pode ser sentido por diferentes pessoas de diferentes formas, de acordo com a idade, sexo, raça, hora do dia, privação de sono, estresse, gravidez, depressão, e experiências vividas. Por isso é muitodifícil a mensuração da dor no indivíduo, mas uma coisa é certa: essa sensação é desagradável, e cada vez mais buscamos medicamentos para aliviar os sintomas. A percepção da dor se inicia na periferia, através da ativação de nociceptores, que estão espalhados por todo o corpo, e são classificados em três subtipos: » Receptores mecânicos de alto limiar: são receptores que detectam pressão, ações mecânicas. São fibras nervosas mielinizadas do tipo Aδ e Aβ, que são fibras mais calibrosas e, portanto, possuem uma transmissão nervosa mais rápida. » Receptores mecanotermais de baixo limiar: detectam pressão (ação mecânica) e calor. São fibras nervosas mielinizadas do tipo Aδ e Aβ, que como dito anteriormente, são as fibras mais calibrosas com transmissão nervosa mais rápida. » Receptores polimodais: detectam pressão, calor e fatores químicos como as citocinas liberadas por patógenos ou até mesmo pelos leucócitos 21 PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE I (bradicinina, prostaglandinas, serotonina, histamina, etc.) que migram para o local. Nesse caso, são fibras nervosas do tipo C mais delgadas e sem bainha de mielina e, portanto, possuem a transmissão nervosa mais lenta em comparação com as fibras do tipo A. Essas fibras nervosas caminham em direção a áreas centrais que codificarão a sensação, essa via de condução ocorre da seguinte maneira: os neurônios de primeira ordem, que são os neurônios do tipo Aδ, Aβ e C (nociceptores) fazem sinapse com neurônios de segunda ordem localizados na medula espinhal, que fazem mais uma sinapse com outros neurônios na região encefálica, que chegarão aos núcleos talâmicos e ao córtex somatossensorial. Esse processo é ativado por canais e receptores presentes nas fibras e que podem sofrer influências de diversos agentes, como representado na Figura 4 a seguir. Figura 4. Canais, receptores e mecanismos de transdução de terminações aferentes nociceptivas. Bradicinina Prostaglandina s Opiáceo s Canabinoides Norepinefrina ATP NGF Capsaicina Endovalinoide s Calor nocivo Prótons ASIC Receptor P2X Canal de Na controlado por V Canais de K Aumento da expressão TRPV 1 Receptor B2 Receptor prostanoide Outros GPCRs inibitórios DESPOLARIZAÇÃO EXCITAÇÃO TrkA PK C PK A Fonte: adaptado de Rang e Dale (2007). Existem alguns agentes endógenos que promovem a analgesia naturalmente, são os considerados opioides endógenos, como a endorfina, a encefalina e a dinorfina, todos eles atuam em receptores opioides presentes nas fibras nociceptivas, que, como demonstrado na Figura 4, levam a inibição da despolarização e impedem a transmissão do impulso nervoso. Alguns anti-inflamatórios que serão discutidos ao longo da apostila também se beneficiam desse mecanismo para promover a analgesia. Como discutiremos a seguir, para minimizar a dor, os anti-inflamatórios são amplamente utilizados, principalmente os da classe dos anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs). A Figura 5 mostra de maneira resumida essa transmissão nervosa da dor, e em que 22 UNIDADE I │ PROCESSOS INFLAMATÓRIOS ponto os AINEs podem atuar para minimizar essa sensação, o que discutiremos detalhadamente a seguir. Figura 5. Resumo dos mecanismos modulatórios da via nociceptiva e atuação dos AINEs. 5-HT, NE ENCEFALINAS, GABA LIBERAÇÃO DE NEUROPEPTÍDEOS (SP, CGRP) LIBERAÇÃO DE MEDIADOR (BK, 5-HT, PGs etc.) PRODUÇÃO DE NGF AUSÊNCIA DE INFORMAÇÕES EXCITAÇÃO DE NEURÔNIO DE TRANSMISSÃO ATIVIDADE DE FIBRAS C ESTÍMULO NOCICEPTIVO DOR Opiáceos Opiáceos AINEs Inflamação Interneurônios locais VIA NOCICEPTIVA VIAS INIBITÓRIAS DESCENDENTE Fonte: adaptado de Rang e Dale 2007). Resultados da inflamação aguda Apesar de a resposta da inflamação aguda ser dependente da natureza e intensidade da lesão, bem como da habilidade do hospedeiro em responder a essa agressão, ela geralmente possui três resultados comuns: » Resolução: quando a lesão é limitada ou breve, quando há pouca destruição tecidual, e quando o tecido tem a capacidade de substituir qualquer célula lesada com restauração e normalidade funcional. Nesse caso, ocorre a restauração do local da inflamação com degradação dos mediadores químicos, retorno da permeabilidade vascular ao normal, término da inflamação leucocitária, morte dos neutrófilos e remoção de líquidos, edemas, leucócitos, agentes estranhos e fragmentos necróticos. » Cicatrização ou fibrose: ocorre após uma grande destruição tecidual ou quando a inflamação atinge tecidos que não são capazes de se regenerar; 23 PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE I com isso, ocorre a formação de tecido fibroso com substituição do tecido original, o que pode causar perda de função no local. » Progressão para inflamação crônica: ocorre quando não há remoção do agente nocivo, ou devido a alguma interferência no processo normal de cicatrização. Dependendo da extensão da lesão inicial, da sua continuidade e da capacidade de regeneração dos tecidos afetados, a inflamação crônica pode ter como resultado a restauração da estrutura e de funções normais, ou pode resultar em cicatrização. Inflamação crônica A inflamação crônica é uma inflamação com duração prolongada (semanas, meses ou anos), em que inflamação ativa, destruição tecidual e reparação ocorrem simultaneamente. Diferente da inflamação aguda, que é caracterizada por alterações vasculares, edema e infiltrado leucocitário, a inflamação crônica possui outras características: infiltração de células mononucleares, como os macrófagos; destruição tecidual e reparo envolvendo proliferação de novos vasos (angiogênese); e fibrose. Essa inflamação pode originar-se tanto devido a infecções persistentes por micro-organismos difíceis de erradicar – um importante exemplo é a tuberculose –, como também por doenças inflamatórias imunomediadas (distúrbios de hipersensibilidade), ou ainda por exposição prolongada a agentes potencialmente tóxicos. Inicialmente, na inflamação crônica ocorre a liberação dos mesmos mediadores químicos descritos anteriormente na inflamação aguda, porém sua característica principal é a persistência da inflamação, que resulta das interações complexas entre as células que são recrutadas para o local da inflamação e que são ativadas nesse local; ou seja, resumidamente, ocorre grande migração de macrófagos no local da inflamação crônica, com depósito dessas células, grande liberação de citocinas e necrose tecidual. 24 CAPÍTULO 2 Autacoides e antagonistas de autacoides As prostaglandinas, a histamina e a serotonina são denominadas autacoides e são formadas pelos tecidos nos quais agem, funcionando, assim, como hormônios locais; porém diferem dos hormônios circulantes pelo fato de serem produzidos por vários tecidos, e não apenas em glândulas endócrinas específicas. A palavra autacoide deriva do grego autos (próprio) e akos (agente medicinal ou medicamento) (HOWLAND, 2007). Prostaglandinas As prostaglandinas são ácidos graxos insaturados que atuam nos tecidos nos quais são sintetizados, sendo rapidamente metabolizados em produtos inativos no local da ativação. A administração sistêmica de prostaglandinas provoca um conjunto de efeitos, o que limita a utilidade terapêutica dessas substâncias. Um dos usos é no aborto; no tratamento da úlcera péptica, é utilizado para inibir a secreção de ácido gástrico e para aumentar a resistência à mucosa em pacientes que fazem tratamento com AINEs (misoprostol). Histamina A histamina (ver Figura 6) é um mensageiro químico que intermedeia várias respostas celulares, como as reações alérgicas e inflamatórias, a secreção de ácido gástrico e a neurotransmissão em algumas partes do cérebro. Ela não possui aplicação clínica, atua somente como diagnóstica, para avaliar a hiper-reatividade brônquica inespecífica em indivíduos asmáticos, e como controle positivo injetável durante testes cutâneos de alergia, porém os fármacos que interferemem sua ação, os anti-histamínicos, apresentam importantes aplicações terapêuticas – falaremos deles mais adiante. 25 PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE I Figura 6. Estrutura química da histamina. CH2CH2NH 2 NH N Fonte: adaptado de Goodman e Guilman (2007). O mastócito é o principal local de armazenamento de histamina (em grânulos). A histamina é encontrada na maioria dos tecidos, porém distribuída de forma desigual, sendo encontrada em grande quantidade nos pulmões, na pele e no trato gastrintestinal, que são locais com grande concentração de mastócitos. Ela é formada pela descarboxilação do aminoácido histidina, pela ação da enzima L-histidina descarboxilase. Na maioria das vezes, a histamina é apenas um de vários mediadores químicos liberados. Ela é liberada a partir de estímulos, como a destruição de células por frio intenso, toxinas bacterianas, venenos de ferrão de abelhas ou traumatismos, além das alergias e anafilaxias. Ela exerce seus efeitos ligando-se a um ou mais dos quatro tipos de receptores específicos (H1, H2, H3, e H4), todos eles são receptores acoplados a proteína G, mas somente os receptores H1 e H2 são alvos de fármacos com utilidade clínica; e os receptores H3 e H4 ainda não têm suas ações farmacológicas muito claras. Os receptores H1 são receptores acoplados à proteína Gq/11 e ativam a via PLC- IP3-Ca2+, e muitas das possíveis continuações dessa via, como a ativação da proteinocinase C (PCK), as enzimas dependentes de Ca2+-calmodulina (eNOS e várias proteinocinases) e a PLA2. Os receptores H2 são receptores acoplados a proteínas Gs que ativam a via de proteína A adenililciclase-AMP cíclico-cinase (PKA); e os receptores H3 e H4 são receptores acoplados a proteínas Gi/0 que inibem a adenililciclase. São receptores responsáveis pelos sintomas de doenças alérgicas, como por exemplo o prurido, a rinorreia, o broncoespasmo e a contração da musculatura lisa intestinal. Os receptores H2 são receptores acoplados a proteína Gs, os quais estão presentes em alguns locais como células neurais, músculo cardíaco, músculo liso vascular e vias aéreas, endotélio, condrócitos, células epiteliais, mastócitos, neutrófilos, linfócitos T e B, hepatócitos, entre outros. Promovem secreção gástrica; e respostas de dilatação vascular são mediadas pelo estímulo desses dois receptores (H1 e H2). 26 UNIDADE I │ PROCESSOS INFLAMATÓRIOS Os receptores H3 são receptores acoplados a proteína Gi/Go e funcionam como autorreceptores em neurônios histaminérgicos de forma muito semelhante aos receptores α2 pré-sinápticos, inibindo a liberação de histamina e modulando a liberação de outros neurotransmissores. Esses receptores estão localizados principalmente no SNC, nos gânglios da base, hipocampo e córtex, e promovem a vigília. Os receptores H4 são receptores acoplados a proteína Gi/Go. Estão presentes em células com atividade imune, como os eosinófilos, e em células do trato gastrintestinal e do SNC. Sua ativação em eosinófilos promove alteração na forma da célula à quimiotaxia e incremento na regulação de moléculas de adesão; ou seja, a histamina liberada pelos mastócitos age nos receptores H4 para recrutar eosinófilos. Os antagonistas H4 podem ser úteis em inibir as respostas alérgicas e inflamatórias. O Quadro 2 resume as características dos quatro tipos de receptores de histamina descritos anteriormente. Quadro 2. Descrição dos diferentes tipos de receptores de histamina. Receptor de histamina Expressão em células/tecidos Sinais intracelulares de ativação Proteína G H1 Células neurais, músculo liso vascular e vias aéreas, endotélio, hepatócitos, células epiteliais, neutrófilos, eosinófilos, dendrócitos, monócitos, LT e LB. Principal sinalizador: aumento de Ca2+. Outros: PhLC, PhLD, GMPc, PhLA, NFκB. Gq/11 H2 Células neurais, músculo liso vascular e vias aéreas, endotélio, hepatócitos, condrócitos, células epiteliais, neutrófilos, eosinófilos, dendrócitos, monócitos, LT e LB. Principal sinalizador: aumento do AMPc. Outros: adenilciclase, c-Fos, c-Jun, PKC, p70S6K. Gs H3 Neurônios histaminérgicos, eosinófilos, dendrócitos, monócitos, baixa expressão nos tecidos periféricos. Inibe a liberação e síntese da histamina. Principal sinalizador: inibição do Gi/o AMPc. Outros: aumento de Ca2+, MAP kinase. Gi/o H4 Alta expressão na medula óssea e células hematopoiéticas periféricas, eosinófilos, neutrófilos, dendrócitos, LT, basófilos, mastócitos; baixa expressão em tecidos periféricos, hepatócitos, baço, timo, pulmões, intestino e coração. Estimula quimiotaxia de eosinófilos e mastócitos. Aumento de Ca2+, inibição de AMPc. Gi/o LB, linfócito B; LT, linfócito T; PKC, proteína cinase C; AMPc, adenosina monofosfato cíclico; PhLC, fosfolipase C; PhLD, fosfolipase D; PhLA, fosfolipase A; NFκB, fator nuclear de transcrição kappa. Fonte: adaptado de Criado et al. (2010). Anti-histamínicos H1 O termo anti-histamínico refere-se somente aos bloqueadores clássicos dos receptores H1; eles não influenciam a formação ou a liberação de histamina, apenas bloqueiam a resposta mediada pelo receptor no tecido-alvo. Eles podem ser divididos em fármacos de primeira e segunda geração. A maioria dos fármacos de primeira geração pode penetrar 27 PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE I no SNC, causando sedação, podendo também agir em outros receptores, produzindo uma variedade de efeitos adversos, como sonolência e boca seca; os fármacos de segunda geração, por sua vez, são específicos para receptores H1 e não atravessam a barreira hematoencefálica, apresentando, assim, menor toxicidade ao SNC do que os de primeira geração. Esses fármacos são úteis no tratamento de alergias causadas por antígenos que agem nos mastócitos sensibilizados por anticorpos imunoglobulina E (IgE) e são usados principalmente para o controle dos sintomas da rinite alérgica e da urticária, pois a histamina é o principal mediador. O Quadro 3 resume as diferenças existentes entre os anti-histamínicos de primeira e de segunda geração. Quadro 3. Principais diferenças entre os anti-histamínicos de primeira e de segunda geração Anti-histamínicos de primeira geração Anti-histamínicos de segunda geração Geralmente administrados em 3 ou 4 tomadas ao dia. Geralmente administrados em 1 ou 2 tomadas ao dia. Cruzam a barreira hematoencefálica (em decorrência de sua lipofilicidade, do seu baixo peso molecular e do fato de não serem substratos do sistema da bomba de efluxo da glicoproteína P). Não cruzam a barreira hematoencefálica (em decorrência da sua lipofobicidade, do seu alto peso molecular e do fato de serem substrato da bomba de efluxo da glicoproteína P). Causam diversos efeitos adversos como sedação, hiperatividade, insônia e convulsões. Não causam efeitos adversos relevantes na ausência de interações medicamentosas. Relatos de casos de toxicidade regularmente publicados. Virtual ausência de relatos de toxicidade grave. Ausência de estudos clínicos, placebo controlados, randomizados e duplo- cegos. Alguns estudos clínicos, placebo controlados, randomizados e duplo- cegos, inclusive em crianças. Dose letal identificada em lactantes e crianças. Sem relatos de fatalidade em superdosagens. Fonte: adaptado de CRIADO et al. (2010) Antagonistas H1 disponíveis no mercado a. Dibenzoxazepina tricíclicas (doxepina): é comercializado principalmente como um antidepressivo tricíclico, porém é também um potente antagonista H1. Causa sonolência e associa-se a efeitos anticolinérgicos. b. Etanolaminas (protótipo: difenidramina): possuem significativa atividade antimuscarínica e induzem sedação; seus efeitos colaterais no trato gastrintestinal são extremamente baixos neste grupo. c. Etilenodiaminas (protótipo: pirilamina): esta classe inclui alguns dos antagonistas H1 mais específicos; provoca sonolência e os efeitos colaterais do trato gastrintestinal são incomuns. 28 UNIDADE I │ PROCESSOS INFLAMATÓRIOS d. Alquilaminas (protótipo: clorfeniramina):são os mais potentes antagonistas H1 e menos propensos a produzir sonolência, sendo mais adequados para o uso diurno. Seu efeito colateral mais comum é a estimulação do SNC. e. Piperazinas de primeira geração: um dos membros mais antigos desse grupo, a clorciclizina, tem ação prolongada e baixa sonolência. A hidroxizina é usada para alergias cutâneas. A ciclizina e a meclizina já foram utilizadas para controlar enjoo de movimento. f. Piperazinas de segunda geração (cetirizina): possui efeitos anticolinérgicos mínimos, sua penetração no SNC é mínima, porém tem uma incidência mais alta de sonolência em comparação ao outros antagonistas H1 de segunda geração. g. Fenotizinas (protótipo: prometazina): a maioria dos fármacos dessa classe possui atividade anticolinérgica, além de antagonistas do receptor H1. É utilizada principalmente pelos seus efeitos antieméticos. h. Piperidinas de primeira geração (ciproeptandina, fenindamina): a ciproeptadina tem propriedades anti-histamínicas e antisserotoninérgicas igualmente. Elas causam sonolência e têm efeitos colinérgicos também. i. Piperidinas de segunda geração (protótipo: terfenadina): os fármacos atualmente existentes dessa classe são a loratadina, a desloratadina e a fexofenadina; eles são altamente seletivos para os receptores H1, têm baixa ação anticolinérgica e dificilmente penetram no SNC, possuindo, assim, baixa incidência de efeitos colaterais. j. Loratadina (nomes comerciais diversos entre eles Atinac®, Loratamed®, Loremix®, etc): anti-histamínico de segunda geração, geralmente indicado para rinites alérgicas para melhorar quadros de coriza, espirros, prurido nasal, ardência e pruridos oculares. Bloqueadores dos receptores histamínicos H2 Os bloqueadores dos receptores H2 apresentam baixa ou nenhuma afinidade pelos receptores H1; sua utilização é principalmente como inibidor da secreção de ácido gástrico no tratamento de úlceras. Os fármacos dessa classe existentes 29 PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE I no mercado são dimetidina, ranitidina, famotidina e nizatidina e não serão discutidos neste capítulo por não ter ações anti-inflamatórias. Bloqueadores dos receptores histamínicos H3 e H4 Já foram desenvolvidos antagonistas específicos dos receptores H3 e H4, porém nenhum foi aprovado para uso clínico. Os antagonistas H3 têm capacidade de melhorar a atenção e o aprendizado, estimulam a vigília e são usados também como agentes antiepilépticos. Já os antagonistas de receptores H4 são promissores candidatos para o tratamento de condições inflamatórias como rinite alérgica, asma e artrite reumatoide, devido à localização e à função inusitada desse receptor nas células de origem hematopoiética. Bradicinina, calidina e seus antagonistas Alguns fatores, como lesões tissulares, reações alérgicas, infecções virais e outros eventos inflamatórios, ativam uma série de reações proteolíticas que geram bradicinina e calidina nos tecidos. Esses peptídeos agem como autacoides, produzindo dor, vasodilatação e maior permeabilidade vascular no local de sua ação. Sua atividade ocorre principalmente devido à liberação de potentes mediadores como prostaglandinas, NO ou fator hiperpolarizante derivado do endotélio. Os antagonistas de bradicinina estão atualmente sendo investigados em diversas áreas, como dor, inflamação, doenças inflamatórias crônicas, sistema cardiovascular e reprodução. Sabe-se que as cininas participam de uma variedade de doenças inflamatórias e causam dor; e a bradicinina excita os neurônios sensoriais primários e provoca a liberação de neuropeptídeos, como substância P, neurotoxina A e peptídeos relacionados com o gene da calcitonina. 30 UNIDADE II FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS CAPÍTULO 1 Anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) Os AINEs são um grupo de diferentes agentes químicos que possuem atividade antipirética, analgésica e anti-inflamatória; atuam principalmente inibindo as enzimas ciclo-oxigenases (responsáveis por catalisar a biossíntese de prostanoides), levando à redução da síntese de prostaglandinas, com efeitos benéficos e indesejáveis. Todos os AINEs, exceto a nabumetona, são ácidos orgânicos fracos. Esses anti-inflamatórios geralmente são altamente metabolizados, alguns por meio de mecanismos de fase I seguidos de fase II, e outros por mecanismos de fase II apenas. Seu metabolismo ocorre, geralmente, mediante famílias CYP3A ou CYP2C das enzimas P450 do fígado. Atualmente, existem mais de 50 AINEs no mercado e, como não é necessária a apresentação de prescrição médica aqui no Brasil, esses fármacos são utilizados extensamente e muitas vezes indevidamente. Estão disponíveis como comprimidos, injeções e géis. Aliviam os sintomas de dor e edema, como artrite reumatoide; dores agudas, como trauma, dor pós-parto e pós-operatória, além de dor dental, menstrual e cefaleia. A escolha de um AINE requer consideração de sua eficácia, seu custo, sua segurança e de numerosos fatores pessoais, por exemplo, se o paciente está utilizando outros fármacos – desse modo, não existe um AINE melhor para todos os pacientes, mas pode haver um ou dois AINEs mais apropriados para um determinado indivíduo. A seguir, descreveremos detalhadamente os principais AINEs encontrados no mercado, bem como seus mecanismos de ação e efeitos colaterais. Ácido acetilsalicílico e outros salicilatos O ácido acetilsalicílico (AAS) foi o precursor dos AINEs tradicionais, é o fármaco com o qual os outros anti-inflamatórios são comparados, sendo o mais comumente utilizado, sobretudo pelo baixo custo. Porém, sua longa história e disponibilidade sem prescrição médica diminuem seu apelo em comparação com o dos AINEs mais novos. Hoje ele é 31 FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE II raramente utilizado como anti-inflamatório, tendo sido substituído pelo ibuprofeno e pelo naproxeno. Os salicilatos não acetilados, por sua vez, são fármacos anti-inflamatórios efetivos, mas analgésicos menos efetivos que o ácido acetilsalicílico. Esses fármacos incluem o salicilato de colina magnésio, o salicilato de sódio e o salicilsalicilato (KATZUNG, 2010). Como são menos eficazes em inibir a COX, seu uso pode ser preferível quando não se deseja essa inibição, como no caso de pacientes com asma, pacientes com tendências hemorrágicas e pacientes com disfunção renal. Mecanismos de ação O ácido acetilsalicílico é um ácido orgânico fraco e o único AINE capaz de acetilar irreversivelmente a ciclo-oxigenase, além de inibir a agregação plaquetária. Já os salicilatos são inibidores reversíveis das duas isoformas da COX apenas. Ação anti-inflamatória Devido a sua inibição da atividade da COX, ocorre a diminuição da formação de prostaglandinas, modulando, assim, os aspectos da inflamação nos quais ela age como mediadora, que foram descritos na Unidade I desta apostila. Ação analgésica A PGE2 é capaz de sensibilizar as terminações nervosas à ação da bradicinina, da histamina e de outros mediadores químicos liberados localmente pelo processo inflamatório; portanto, o ácido acetilsalicílico, ao inibir a atividade da COX, diminui a síntese de PGE2, diminuindo, assim, a sensação de dor. Ação antipirética A febre ocorre quando o “ponto de referência” do centro termorregulador hipotalâmico anterior é elevado, sendo causado principalmente pela síntese de PGE2 estimulada, por exemplo, pela citocina. Portanto, o efeito antipirético do ácido acetilsalicílico é possivelmente mediado pela inibição da COX no SNC, provavelmente a isoforma COX- 3, mais abundante nesse tecido, com diminuição da produção de PGE2, e ainda pela inibição da IL-1 que é liberada pelos macrófagos durante episódios de inflamação. Essa ação do ácido acetilsalicílico sobre o controle da temperatura ocorre somente em indivíduos febris, não havendo efeitos sobre a temperatura normal do organismo. 32 UNIDADE II │ FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS Usos clínicos O ácido acetilsalicílico e os salicilatossão utilizados como antipiréticos e analgésicos no tratamento de gota, febre reumática e artrite reumatoide, e em condições comumente tratadas como cefaleia, artralgia e mialgia. Eles têm sido associados a opioides para o tratamento da dor de câncer, na qual os efeitos anti-inflamatórios atuam de modo sinérgico com os opioides, intensificando a analgesia. Pode ser utilizado também topicamente no tratamento de calosidades, calos ósseos e epidermofitose (erupção causada por fungos), além de serem utilizados para inibir a aglutinação plaquetária, reduzir a incidência de ataques isquêmicos transitórios e angina instável em homens, como, também, para tratar de trombose da artéria coronária, ou seja, no dito popular, pode ser utilizado para “afinar o sangue”, por ser um importante inibidor da agregação plaquetária. Efeitos adversos a. Gastrintestinais: normalmente a prostaciclina (PGI2) promove a inibição de ácido gástrico, enquanto a PGE2 e a PGF2a estimulam a síntese de muco protetor no estômago e no intestino delgado, devido à ação do ácido acetilsalicílico inibindo a COX de maneira não específica e, consequentemente, diminuindo a formação desses prostanoides; ocorre portanto um aumento da secreção gástrica e diminuição da proteção da mucosa, causando, assim, irritação epigástrica, náuseas e vômitos. Com isso, o ácido acetilsalicílico deve ser administrado acompanhado de alimentos e grande volume de líquido para reduzir os distúrbios gastrintestinais, além de ser administrado juntamente como o misoprostol, por exemplo, um análogo sintético da PGE1 que auxilia na produção de muco gástrico, prevenindo os efeitos adversos dos salicilatos. b. Sangue: o TXA2 é responsável por aumentar a aglutinação plaquetária, já a PGE2 provoca sua redução. O ácido acetilsalicílico inibe irreversivelmente a produção de tromboxano nas plaquetas, resultando na inibição da agregação plaquetária e no prolongamento do tempo de sangramento. Como as plaquetas não possuem núcleo, não podendo sintetizar enzimas, e a acetilação da ciclo-oxigenase é irreversível, essa falta de tromboxano persiste durante toda a vida da plaqueta (3 a 7 dias); porém, nas células endoteliais, não ocorre o mesmo, pois elas possuem núcleo e podem produzir novas ciclo-oxigenases. Assim, o ácido acetilsalicílico não deve ser administrado por, no mínimo, 33 FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE II uma semana antes de alguma cirurgia. Fato interessante: quando há suspeita de dengue, esse é um dos medicamentos contra indicados, pela incerteza de poder ser uma dengue do tipo hemorrágica; a utilização de qualquer salicilato, ou um AINE não seletivo (falaremos mais adiante), pode levar ao agravamento do quadro do paciente devido a inibição direta da agregação plaquetária. c. Respiração: em doses terapêuticas, eles podem aumentar a ventilação alveolar; em doses mais elevadas, podem agir diretamente sobre o centro respiratório no bulbo, resultando em hiperventilação e alcalose respiratória; em doses tóxicas, podem causar depressão respiratória, com acidose respiratória e metabólica não compensada. d. Ação nos rins: eles impedem a síntese de PGE2 e PGI2, que são prostaglandinas responsáveis pela manutenção do fluxo sanguíneo renal na presença de vasoconstritores circulantes. Essa diminuição da síntese de prostaglandinas pode resultar na retenção de sódio e água, causando edema e hiperpotassemia em alguns pacientes, podendo ocorrer, também, nefrite intersticial. Interações farmacológicas Existem alguns fármacos que podem interagir com os salicilatos, causando alguns efeitos indesejados: » Antiácidos: provocam a redução da velocidade de absorção do ácido acetilsalicílico, devido a alteração do pH, e ionização da molécula. » Heparina ou anticoagulantes orais: provocam hemorragia, como discutido anteriormente, devido a sua ação direta sobre a inibição da agregação plaquetária juntamente com a ação da heparina de interagir com a antitrombina, e inativar várias enzimas da cascata de coagulação. » Probenecida sulfinpirazona: provoca a diminuição da excreção de urato (contraindicado em pacientes com gota). » Bilirrubina, fenitoína, naproxeno, sulfinpirazona, tiopental, tiroxina e tri- idotironina: provocam o aumento da concentração plasmática, fazendo com que a meia-vida seja mais longa, com maiores efeitos terapêuticos e maior toxicidade também. 34 UNIDADE II │ FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS Inibidores seletivos da COX-2 (coxibes) O local de ligação do substrato nas duas formas de COX (1 e 2) são estruturalmente diferentes: a COX-2 apresenta um canal de substrato maior e mais flexível do que o da COX-1 e um maior espaço disponível no sítio onde se ligam os inibidores, sendo a principal diferença a presença do aminoácido valina na COX-2 e do aminoácido isoleucina na COX-1 conforme demonstrado na Figura 7. Essa diferença em sua estrutura permitiu a produção de fármacos específicos para a COX-2, com o intuito de inibir a síntese de prostaglandinas por essa isoenzima sem, no entanto, afetar a isoenzima COX-1 “de manutenção”, encontrada no trato gastrintestinal, nos rins e nas plaquetas, sendo esta uma tentativa de minimizar os efeitos colaterais gastrintestinais e de coagulação. Figura 7. Diferenças estruturais dos sítios ativos de COX-1 e COX-2. A COX-2 possui um canal maior e mais flexível do que a COX-1, apresentando maior espaço no local de ligação dos inibidores, isso devido à presença do aminoácido valina na COX-2 e do aminoácido isoleucina na COX-1. COX-1 COX-2 Phe Isso 523 Val 523 Leu More flexible roof Side-pocket Wider Fonte: adaptado de Mengle-Gaw e Schwartz (2002). Os inibidores seletivos da COX-2 exercem efeitos analgésicos, antipiréticos e anti- inflamatórios semelhantes aos dos AINEs não seletivos, mas com a metade dos efeitos adversos gastrintestinais; porém não apresenta efeitos cardioprotetores, o que levou alguns pacientes a utilizarem o ácido acetilsalicílico em pequenas doses para manter esses efeitos. Celecoxibe O celecoxibe (Figura 8), de nome comercial Celebra®, é um inibidor seletivo da COX-2, cerca de 10 a 20 vezes mais seletivo para COX-2 do que para COX- 35 FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE II 1, com meia-vida de 11 horas, é um dos AINEs seletivos mais conhecidos e utilizados atualmente. Sua principal vantagem é possuir menos efeitos colaterais gastrintestinais, mas financeiramente, ele costuma ser mais caro que os não seletivos e, portanto, menos utilizado de forma indiscriminada que outros AINEs descritos a seguir. Figura 8. Estrutura química do celecoxibe. Fonte: Katzung (2010). Ele também é efetivo no tratamento da artrite reumatoide e da osteoartrite, provocando menos úlceras endoscópicas do que a maioria dos outros AINEs, e não afeta a agregação plaquetária nas doses habituais. Pode interagir com a varfarina (conforme esperado de um fármaco metabolizado através da CYP2C9). Seus efeitos adversos podem ser dor abdominal, diarreia e dispepsia. Como ocorre com outros AINEs, pode ocorrer toxicidade hepática. Embora o celecoxibe possa ser utilizado em conjunto com o ácido acetilsalicílico (AAS), como comentado anteriormente, sua combinação com esse fármaco pode aumentar o risco de sangramento gastrointestinal, pois, apesar do celecoxibe ser específico para a COX-2, em altas doses e de uso contínuo, ele pode causar inibição também da COX-1, que, em conjunto com o AAS (que é um inibidor não seletivo), gera esse efeito colateral exagerado. Etoricoxibe O etoricoxibe (nomes comerciais: Arcoxia®, Hetori®) é um derivado bipiridínico, inibidor seletivo da COX-2 de segunda geração, sendo sua seletividade à COX-2 superior a qualquer outro coxibe. Sofre extenso metabolismo pelas enzimas P450 hepáticas, com excreção renal e meia-vida de eliminação de 22 horas. Possui eficácia semelhante aos AINEs tradicionais para o tratamento da osteoartrite, artrite gotosa aguda edismenorreia primária. 36 UNIDADE II │ FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS Meloxicam O meloxicam (nomes comerciais: Bioflac®, Cicloxx®, Loxam®, Melocox®, Movacox®, Movatec®, Movamox®) é uma enolcarboxamida relacionada com o piroxicam que inibe preferencialmente a COX-2, pois não é tão seletivo quanto os outros coxibes. Ele possui menos complicações gastrintestinais do que o piroxicam, o diclofenaco e o naproxeno. Da mesma forma que os outros AINEs, o meloxicam inibe o TXA2, porém sabe-se que, mesmo em doses supraterapêuticas, essa inibição não atinge níveis que resultam em diminuição da função plaquetária in vivo; entretanto, é contra indicado seu uso em conjunto com anticoagulantes, especialmente a varfarina, devido ao risco de sangramentos. Sua utilização pode levar a alterações nos exames laboratoriais de provas da função hepática. Valdecoxibe O valdecoxibe (Figura 9) é um isoxazol com substituição diaril e um novo inibidor altamente seletivo da COX-2, com meia-vida de 8 a 11 horas. Sua dose analgésica é de 20mg, 2 vezes ao dia. Não possui nenhum efeito sobre a agregação plaquetária e o tempo de sangramento. Figura 9. Estrutura química do valdecoxibe. Fonte: Katzung (2010). Inibidores não seletivos da COX Os inibidores não seletivos da COX são a classe de AINEs mais utilizada, principalmente porque boa parte deles não necessita de receita médica para serem adquiridos – são considerados medicamentos isentos de prescrição médica (MIPs), de acordo com o Ministério da Saúde, utilizados para tratar males menores com segurança e eficácia, desde que ingeridos de maneira adequada. Entretanto, são os medicamentos mais consumidos de forma indiscriminada, por serem baratos e de fácil acesso à população, e, como sabemos, qualquer medicamento por mais 37 FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE II seguro e eficaz que seja, pode promover efeitos adversos, além de interações medicamentosas. Um dos principais efeitos adversos encontrados nessa classe de medicamentos é o desconforto gastrintestinal, como gastrites e até sangramentos. Isso se deve à inibição da isoenzima COX-1, que, como descrito anteriormente, é a enzima responsável pela produção de prostaglandinas produtoras de muco protetor gástrico, além do aumento da produção de suco gástrico, o que leva a agressão da região. A seguir, discutiremos os principais mecanismos de ações e indicações para os principais AINEs não seletivos disponíveis no mercado. Diclofenaco O diclofenaco (nomes comerciais: Cataflam®, Diclonil®, Lisopan®, Reumadil®, Voltrix®) é um derivado do ácido fenilacético, relativamente não seletivo como inibidor da COX; possui meia-vida de aproximadamente 1 hora. Cerca de 20% dos pacientes apresentam efeitos adversos, como desconforto gastrintestinal, sangramento gastrintestinal oculto e ulceração gástrica. Devido a isso, o diclofenaco é geralmente administrado juntamente com o omeprazol ou misoprostol, evitando, assim, o sangramento e o desconforto gastrintestinal. Ele pode comprometer o fluxo sanguíneo renal e a taxa de filtração glomerular, além de promover a elevação dos níveis séricos das aminotransferases. Pode promover alterações cardiovasculares, como palpitações, dor toráxica, insuficiência cardíaca congestiva, taquicardia e hipertensão arterial. Diflunisal O diflunisal é um derivado do ácido salicílico, porém não é metabolizado em ácido salicílico nem em salicilato. Ele sofre um ciclo êntero-hepático, com reabsorção de seu metabólito glicuronídio, seguida de clivagem do glicuronídio, liberando novamente o componente ativo. Sua meia-vida é de 13 horas. Ele é efetivo para o alívio da dor do câncer com metástases ósseas e para o controle da dor na cirurgia dentária (terceiro molar). Etodolaco O etodolaco (nome comercial Flancox®) é um derivado racêmico do ácido acético, com meia-vida intermediária de 6,5 horas. Ele é ligeiramente mais seletivo para COX-2. Produz alívio satisfatório da dor pós-operatória após cirurgia de derivação da artéria coronária; é indicado também para o uso agudo ou prolongado no controle dos sinais e 38 UNIDADE II │ FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS sintomas da osteoartrite e artrite reumática. Pode causar reações adversas no sistema nervoso central como tontura, sonolência, insônia, cansaço, fadiga, zumbido nos ouvidos e visão embaçada. Pode ocorrer diminuição da eficácia de anti-hipertensivos se combinados com o etodolaco. Fenoprofeno O fenoprofeno (nome comercial Nalfon®) é um derivado do ácido propiônico, porém é pouco utilizado devido a seu efeito colateral mais comum, o desenvolvimento de nefrite intersticial, além dos efeitos tóxicos comuns de todos os AINEs. Flurbiprofeno O flurbiprofeno (nomes comerciais: Ocufen®, Tarfus Lat®) é um derivado do ácido propiônico, porém seu mecanismo de ação é mais complexo do que o de outros AINEs. Ele inibe a COX de modo não seletivo; e estudos experimentais comprovaram que ele pode afetar também a síntese de TNF-α e de óxido nítrico. Não apresenta circulação êntero-hepática, e seus enantiômeros são metabolizados de forma diferente, não sofrendo conversão quiral. Sua eficácia é comparável à do ácido acetilsalicílico e à de outros AINEs em estudos clínicos de pacientes com artrite reumatoide, espondilite ancilosante, gota e osteoartrite. Suas apresentações são na forma de soluções oftálmicas e adesivos transdérmicos, sendo indicado para o tratamento local de diversas condições que requeiram atividade anti-inflamatória e/ou analgésica. Ibuprofeno O ibuprofeno é um derivado simples do ácido fenilpropiônico, com meia-vida de 2 horas. Ele é adquirido como fármaco de venda livre em baixas doses com vários nomes comerciais (Advil®, Alivium®, Artril®, Capsfen®, Dalsy®, Ibuprofan®, Motrin®, Uniprofen®). Provoca irritação e sangramento gastrintestinal, porém com menos frequência do que com o ácido acetilsalicílico. É contraindicado para indivíduos com pólipos nasais, angioedema e reatividade broncoespástica ao ácido acetilsalicílico. Pode provocar insuficiência renal aguda, nefrite intersticial, síndrome nefrótica e desenvolvimento de hepatite. Indometacina A indometacina (nomes comerciais: Indocin®, Indocid®) é um potente inibidor não seletivo da COX, além de poder inibir a fosfolipase A e C, reduzir a migração dos 39 FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE II neutrófilos e diminuir a proliferação das células T e B. Suas indicações e seus efeitos colaterais são ligeiramente diferentes dos outros AINEs. Suas principais indicações são para afecções reumáticas, em casos de gota e espondilite ancilosante. O uso de doses mais altas de indometacina promove o aparecimento de reações adversas exigindo a interrupção do tratamento, sendo seus efeitos adversos mais comuns dor abdominal, diarreia, hemorragia gastrintestinal e pancreatite. Pode provocar diminuição do efeito anti-hipertensivo dos fármacos bloqueadores beta-adrenérgicos, captopril e enalapril. Cetoprofeno O cetoprofeno (nomes comerciais: Profenid®, Artrinid®, B-Profenid®, Cetoprofeno®) é um derivado do ácido propiônico, que inibe tanto a COX (de modo não seletivo) quanto a lipoxigenase. Sua meia-vida é de 1,8 horas. É utilizado frequentemente no tratamento da artrite reumatoide, osteoartrite, gota, dismenorreia e outras afecções dolorosas. Seus principais efeitos colaterais afetam o trato gastrintestinal, promovendo constipação, diarreia, dispepsia, náusea, vômito, desconforto abdominal e flatulência, além de afetar também o SNC, promovendo anorexia, cefaleia e tonturas. Cetorolaco O cetorolaco (nomes comerciais: Acular®, Cetrolac®, Softalm®, Neocular®, Optilar®, Terolac®, Toragesic®, Toradol®) é um AINE indicado principalmente como analgésico, e não como fármaco anti-inflamatório, mesmo tendo as propriedades típicas dos AINEs. Sua meia-vida é de 4 a 10 horas. Ele é um analgésico efetivo, utilizado para substituir a morfina em algumas situações que envolvem dorpós-cirúrgica leve ou moderada. Seus efeitos tóxicos são semelhantes aos de outros AINEs, embora a toxicidade renal seja mais comum com seu uso crônico e em associação a outros AINEs. Nabumetona A nabumetona é o único AINE não ácido de uso corrente, convertida no derivado do ácido acético ativo no corpo. Sua meia-vida é de mais de 24 horas, o que permite sua administração na forma de dose única ao dia. Seus efeitos adversos assemelham-se aos dos outros AINEs, porém, muitas vezes, são necessárias doses mais altas. Seu custo é muito alto, devido a isso não é utilizado com frequência. 40 UNIDADE II │ FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS Naproxeno O naproxeno (nomes comerciais: Flanax®, Naprox®, Naprosyn®) é um derivado do ácido naftilpropiônico. Sua meia-vida é de 14 horas. É indicado principalmente para casos de reumatismo. Além de seus efeitos adversos comuns a todos os outros AINEs, foram observados casos raros de pneumonite alérgica, vasculite leucocitoclástica e pseudoporfiria. Quando administrado em conjunto com o lítio, pode aumentar os níveis sanguíneos desse fármaco e aumentar a toxicidade também. Oxaprozina A oxaprozina (nome comercial Daypro®) é derivada do ácido propiônico, sua principal diferença em relação aos outros membros desse subgrupo reside na sua meia-vida muito longa, de 50 a 60 horas, e por não sofrer circulação êntero-hepática. Ela apresenta os mesmos benefícios e riscos associados a outros AINEs. É potencialmente mais útil no tratamento da gota. Piroxicam O piroxicam (nomes comerciais: Feldene®, Farmoxicam®, Anartrit®, Feldox®, Flamadene®, Inflamene®, Inflanan®, Inflax®, Lisedema®, Piroxene®, Piroxil®) é um inibidor não seletivo da COX e, em altas concentrações, também inibe a migração dos leucócitos polimorfonucleares, diminui a produção de radicais de oxigênio e inibe a função dos linfócitos. Sua meia-vida longa, de 57 horas, permite a administração 1 vez/dia. É utilizado para as indicações reumáticas habituais. Seus principais efeitos colaterais são sintomas gastrintestinais, tontura, zumbido, cefaleia e exantema cutâneo. Quando utilizados em conjunto com betabloqueadores, pode causar diminuição dos efeitos anti-hipertensivos; e, em combinação ao lítio, induz o aumento dos níveis séricos e maior risco de toxicidade por essa droga. Sulindaco O sulindaco é um pró-fármaco sulfóxido. Além de suas indicações semelhantes aos outros AINEs, ele pode suprimir a polipose intestinal familiar, pode inibir o desenvolvimento de câncer de cólon, mama e próstata. Suas reações adversas mais graves são a ocorrência de síndrome de Stevens-Johnson e necrólise epidérmica, trombocitopenia, agranulocitose e síndrome nefrótica. 41 FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE II Tiaprofeno O tiaprofeno é um derivado do ácido propiônico racêmico que não sofre estereoconversão. Possui uma meia-vida curta de 1 a 2 horas, que pode ser aumentada em indivíduos idosos para 2 a 4 horas. Esse fármaco diminui ligeiramente os níveis séricos de ácido úrico por inibir sua reabsorção renal. Sua eficácia e seus efeitos adversos assemelham- se aos de outros AINEs. Paracetamol O paracetamol (nomes comerciais: Dôrico®, Fervex®, Termol®, Trifen®, Tylenol®, Unigrip®; e disponível em associações como Tandrilax® e Mioflex A®) é um medicamento considerado AINE, entretanto ele possui baixo poder anti-inflamatório, mas alto poder analgésico e antipirético, além disso, possui menos efeitos colaterais gastrintestinais que os demais AINEs listados anteriormente, isso se deve a sua ação preferencial sobre a isoenzima COX-3 em relação às demais isoformas, lembrando que essa isoforma está presente em tecidos cerebrais e coração, e não se encontra no trato gastrintestinal como as demais. Estudos indicam que a isoenzima COX-3, presente principalmente no hipotálamo, centro regulador térmico, é muito sensível a analgésicos e antitérmicos que tenham baixa atividade anti-inflamatória, que é o caso do paracetamol, além disso, seus efeitos analgésicos ocorrem com doses mais baixas do que as necessárias para inibir uma inflamação (CHANDRASEKHARAN et al., 2002). Além de sua inibição preferencial pela isoenzima COX-3, seus efeitos analgésicos e antipiréticos se devem principalmente aos metabólitos obtidos após metabolização do paracetamol no fígado. Em sua metabolização inicial, é convertido em para-aminofenol, que, por sua vez, sofre conjugação intracelular com o ácido araquidônico pela ação da amino-hidrolase do ácido graxo no sistema nervoso central, gerando o N-araquidonoil- fenolamina, mais conhecido como N-acilfenolamina ou AM404. Esse último metabólito promove o aumento da concentração do endocanabinoide anandamida, e potencializa seus efeitos fisiológicos analgésicos (como explicado na sessão de dor anteriormente). Além de suas ações analgésicas, a anandamida também tem ações antipiréticas por ação em receptores canabinoides tipo 1, que são receptores acoplados a proteínas Gi presentes no hipotálamo (MÜHLBAUER, 2016). Dipirona A [(2,3-dihdro-1,5-dimetil-3-oxo-2-fenil-1H-pirazol-4-il) metilamino] metanosulfonato, ou dipirona, cuja fórmula química está apresentada na Figura 10, é um analgésico, antipirético e anti-inflamatório sintético, utilizado em larga escala em diversas composições farmacêuticas, 42 UNIDADE II │ FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS recebendo diversos nomes comerciais (Anador®, Baralgin M®, Conmel®, Magnopyrol®, Maxiliv®, Novalgina®). Seus efeitos ocorrem em função da dosagem empregada: » baixa dosagem (10 mg/Kg): grande efeito antipirético; » mediana dosagem (15 a 30 mg/Kg): grande efeito analgésico; » alta dosagem (>50 mg/Kg): efeito antiespasmódico e anti-inflamatório. Figura 10. Fórmula química da dipirona. ([(2,3-dihdro-1,5-dimetil-3-oxo-2-fenil-1H-pirazol-4-il)metilamino] metanosulfanato) ou dipirona Fonte: Vale (2011). Em ratos, foi verificado que doses muito elevadas (200 mg/Kg) apresenta também efeito anticonvulsivante. Estudos indicam que a dipirona controla a hiperalgesia decorrente da lesão tecidual, por ativação dos canais de potássio sensíveis a ATP e por inibição da ativação da adenilciclase por substâncias hiperalgésicas como por bloqueio direto do influxo de cálcio no nociceptor, também contribui a interferência de uma via arginina- óxido nítrico/GMPc/proteino cinase G/canais de K+ ATP sensíveis ao ATP (bloqueio da enzima NO-sintase). Como anti-inflamatório, por ser um AINE não seletivo, ela bloqueia as isoenzimas COX-1 e COX-2, levando à redução da síntese de PGs (VALE, 2011). Existem ainda indícios de que a dipirona cause analgesia central através da inibição da COX-3, principalmente no hipotálamo, devido a seus dois metabólitos: a 4-metil- amino-antipirina (4-MAA) e a 4-amino-antipirina (4-AA). Alguns estudos atribuem à dipirona ação sobre áreas talâmicas, sobre o núcleo magno da rafe no bulbo, sobre a substância periaquedutal cinzenta e no corpo dorsal espinhal, por meio da ativação de circuitos opioidérgicos, pois foi verificada uma ação reversível pela naloxona, um antagonista de receptores opioides (VALE, 2011). A maioria dos países do hemisfério norte como a Suécia, os Estados Unidos, a Austrália e o Japão não utilizam mais esse medicamento devido à toxicidade associada à agranulocitose (suspensão da formação de glóbulos brancos, principalmente os granulócitos) que pode ocorrer com seu uso. Entretanto, aqui no Brasil, ele é utilizado 43 FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE II em larga escala, pois o que se alega é que esse efeito tóxico não é intenso, mesmo em comparação com outros fármacos. A partir de 1980, foi realizado o International Study on Agranulocytosis and Aplastic Anemia (IAAAS), no qual se verificou a real incidência da agranulocitose na população. O estudo demonstrou que é uma doença extremamente rara, com uma incidência de 3,4 novos casos por milhão de habitantes por ano, independentemente da utilização ou não dadipirona. No entanto, quando verificado o risco relativo de agranulocitose associada à dipirona, ou seja, quantas vezes é mais provável o surgimento da doença em usuários de dipirona em comparação com não usuários do medicamento, isso variou muito entre os diversos centros participantes da pesquisa. O que ficou claro é que o risco parecia ser menor justamente nos locais onde a dipirona era mais utilizada . Uma das hipóteses levantadas é de que diferenças genéticas entre as populações ou a forma do uso de medicações, por exemplo fármacos associados ou doses maiores de dipirona, poderiam justificar as diferenças no risco (HAMERSCHLAK, 2005). Interações medicamentosas As principais interações clinicamente documentadas dos AINEs são as seguintes: » Fenitoína: ocorre na maioria dos pacientes aos quais se administra a combinação; promove diminuição do metabolismo hepático da fenitoína. » Furosemida: ocorre na maioria dos pacientes aos quais se administra a combinação, diminuindo as respostas diuréticas, natriuréticas e anti- hipertensivas à furosemida. » Hidralazina: é uma interação não estabelecida, em que se dispõem de dados insuficientes para estimar a previsibilidade. Diminui a resposta anti-hipertensiva à hidralazina. » Inibidores da enzima conversora de angiotensinogênio (ECA): ocorre na maioria dos pacientes aos quais se administra a combinação, ocorre diminuição da resposta anti-hipertensiva. » Metotrexato: é uma interação não estabelecida para a qual não se dispõem de dados suficientes para estimar a previsibilidade, ocorrendo possível aumento da toxicidade do metotrexato (particularmente com doses antineoplásicas). » Triantereno: é uma interação não estabelecida para a qual não se dispõem de dados suficientes para estimar a previsibilidade. Diminui a função renal observada com o triantereno mais indometacina, tanto em indivíduos sadios quanto em pacientes. 44 CAPÍTULO 2 Anti-inflamatórios esteroidais Esse grupo de fármacos é representado pelos esteroides, que são moléculas complexas, solúveis nas gorduras, com quatro anéis fundidos e de alta massa molecular. Os esteroides que ocorrem naturalmente incluem o colesterol, os sais biliares e muitos hormônios liberados pela região cortical da glândula adrenal (ou glândula suprarrenal), como o cortisol, que está envolvido nos processos inflamatórios e que é utilizado como fármaco anti-inflamatório esteroidal – será estudado mais adiante neste capítulo. Os esteroides hormonais podem ser classificados em esteroides com efeitos importantes sobre o metabolismo intermediário e a função imune (glicocorticoides); em esteroides onde a atividade principal é a retenção de sal (mineralocorticoides); e nos que apresentam atividade androgênica e estrogênica. Glândula adrenal e seus hormônios As glândulas adrenais estão localizadas na região superior de cada rim e são divididas em duas porções (córtex e medula). O córtex é subdividido em três zonas: zona glomerulosa, zona fasciculada e zona reticular. A medula da adrenal, por sua vez, é a região central da glândula que secreta os hormônios chamados catecolaminas. A Figura 11 representa esquematicamente a glândula adrenal, indicando suas porções bem como suas zonas distintas. Figura 11. Figura esquemática da glândula adrenal, demonstrando suas porções, córtex e medula, bem como suas zonas distintas. Cápsula Córtex Medula Cápsula Córtex Medula Zona gromerulosa Zona fasciculada Zona reticular Fonte: http://drmateusendocrino.blogspot.com/2017/11/avaliacao-hormonal-dos-incidentalomas.html. Acesso em: 24 jul. 2020. http://drmateusendocrino.blogspot.com/2017/11/avaliacao-hormonal-dos-incidentalomas.html 45 FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE II Mais de 30 esteroides são sintetizados pelo córtex da adrenal, classificados em duas classes principais: mineralocorticoides, glicocorticoides. Os mineralocorticoides são sintetizados na zona glomerulosa (aldosterona é o principal) e promovem a retenção do Na+ e a perda de K+ pelos rins, promovendo, assim, o equilíbrio salino no organismo, a alteração da volemia e, consequentemente, a alteração da pressão arterial. Outra classe de esteroides da adrenal cortical compreende os glicocorticoides, dos quais o cortisol é o mais importante. Os glicocorticoides são sintetizados na zona fasciculada da adrenal. Dentre os hormônios produzidos pela glândula adrenal, os glicocorticoides apresentam acentuada importância como anti- inflamatórios. A síntese de glicocorticoides é dependente de colesterol, suas etapas estão especificadas na Figura 12 e sua produção é regulada pelo eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal. Nesta mesma figura, já estão indicados em quadros de contorno vermelho, os principais fármacos que iremos discutir a seguir e seus locais de ação, observe que eles têm ações seletivas em diferentes tipos de células corticais. Figura 12. Etapas de formação dos hormônios adrenocorticosteroides. Colesterol Via dos mineralocorticóides Via dos glicocorticóides Via dos hormônios sexuais ACTH Angiotensina II Aminoglutetimid a HO A B C D HO CH 3 C O HO HO HO CH 3 C O O Pregnenolona 17-α-Hidroxipregnenolona Desidroepiandrosteron a Trilostan o 3-β-des. 3-β-des. 3-β-des. 17-α- hidrox. 17-α- hidrox. CH 3 C C O O O O CH 3 O O HO Progesterona 17-α-Hidroxiprogesterona Androstenedion a Testosteron a Estradiol Estriol Estrona CH2O H CH2O H HO O O O O C C 21-β- hidrox. 21-β- hidrox. 17-α- hidrox. 11-β- hidrox. 11- Desoxicorticosterona 11-Desoxicortisol 11-β- hidrox. Metirapona Angiotensina II 17-α- hidrox. Metirapona CH2O H CH2O H CH2O H HO HO HO HO C C C O O O O O O CHO Aldosterona Corticosteron a Hidrocortisona (cortisol) Fonte: adaptado de Rang et al. (2007). O eixo hipotálampo/hipófise, que controla a liberação de cortisol, corresponde a um sistema de controle que integra funções endócrinas e neurológicas. O hipotálamo secreta o fator de liberação da corticotropina (CRH); e a arginina vasopressina (AVP), 46 UNIDADE II │ FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS na microcirculação, na adeno-hipófise ou hipófise anterior. Elas estimulam a liberação do hormônio adrenocorticotrópico (ACTH), que promove, no córtex da suprarrenal, a liberação do cortisol. Esse hormônio é liberado de forma rítmica e cíclica, seguindo o ciclo circadiano, ou seja, para indivíduos que tem o hábito diurno, dormindo no período da noite, ocorre um pico de liberação por volta das 8 horas da manhã, e a mínima liberação deste hormônio ocorre pouco antes de dormir, por volta das 18 horas até as 24 horas. Em indivíduos de hábito noturno, ou seja, que trabalham a noite e dormem durante o dia, esse pico ocorre por volta das 18 horas até 24 horas. O próprio cortisol tem a função de controlar o eixo e sua liberação, através do que chamamos de feedback negativo, quando em grande quantidade, esse hormônio atua em receptores no hipotálamo e na hipófise, provocando a inibição da liberação de CRH e ACTH. Sem a estimulação desse hormônio sobre a glândula adrenal não ocorre a síntese e liberação de cortisol, e, desta maneira, ele está se autorregulando. Entretanto, o hormônio antidiurético (ADH), a ocitocina e as catecolaminas podem influenciar o ritmo circadiano de secreção de ACTH, o que pode influenciar na liberação aumentada de cortisol. Por exemplo, em situações de estresse crônico, ocorre uma maior liberação de adrenalina, o que induz a liberação de ACTH, independentemente do eixo, levando a uma maior produção e liberação de cortisol. A Figura 13 ilustra esse eixo e liberação do hormônio cortisol pela glândula adrenal. Figura 13. Eixo hipotálamo/hipófise/glândula adrenal e autorregulação do hormônio cortisol. Hormônio liberador de corticotrofina (CRH) Hipotálamo Hipófise CRH do hipotálamo estimula a liberação de corticotrofina da hipófise (ACTH) A ACTHestimula a secreção de cortisol nas suprarrenais Córtex da suprarrenal Cortisol O aumento do cortisol no sangue inibe a secreção do CRH O aumento do cortisol no sangue inibe a secreção da própria corticotrofina Corticotrofina (ACTH) Fonte: http://psiqweb.net/index.php/estresse-2/estresse-alteracoes-hormonais/. Acesso em: 24 jul. 2020. http://psiqweb.net/index.php/estresse-2/estresse-alteracoes-hormonais/ 47 FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE II O cortisol, portanto, é o produto final do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal e desempenha funções centrais e periféricas mediadas via dois tipos de receptores específicos: o tipo 1, ou receptor mineralocorticoide (MR); e o tipo 2, ou receptor glicocorticoide (GR). Os efeitos mais conhecidos dos glicocorticoides são mediados principalmente pelos GRs, amplamente distribuídos. Esse tipo de receptor interage com os promotores de genes-alvo e regulam a sua transcrição. Quando não estão ligados aos hormônios, esses receptores são citoplasmáticos, presentes em complexos oligoméricos com proteínas de choque térmico (Hsp). O hormônio, por ser lipossolúvel, penetra facilmente na célula e liga-se ao seu receptor presente no citoplasma, induzindo a alterações conformacionais que permitem a sua dissociação das proteínas de choque térmico. Em seguida, o complexo ligante-receptor é transportado ativamente até o núcleo, onde interage com o DNA e com proteínas nucleares. O receptor de glicocorticoide é formado por aproximadamente 800 aminoácidos e pode ser dividido em três domínios funcionais, conforme demonstrado na Figura 14. O domínio de ligação dos glicocorticoides se encontra na extremidade carboxiterminal da molécula; já o domínio de ligação do DNA localiza-se no meio da proteína e contém 9 resíduos de cisteína. Essa região, por sua vez, dobra-se em uma estrutura em “dois dedos”, estabilizada por íons zinco conectados com as cisteínas, formando dois tetraedros. Os “dedos” de zinco são a estrutura básica nos quais o domínio de ligação do DNA reconhece sequências específicas do ácido nucleico. O domínio aminoterminal está envolvido na atividade de transativação do receptor e aumenta sua especificidade. 48 UNIDADE II │ FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS Figura 14. Receptor de glicocorticoide e seus mecanismos. Domínio de ligação ao ligando hsp9 0 hsp9 0 Domínio transcrição- ativação Domínio de ligação ao DNA Transcrição alterada de genes específicos Esteroide Fonte: adaptado de Katzung (2010). Portanto, o cortisol é um hormônio que atua em receptores que estão dispostos por todo o organismo, promovendo a transcrição gênica e alterações moleculares em diversos locais, sendo um dos seus efeitos provocar imunossupressão; portanto, os fármacos considerados anti-inflamatórios esteroidais, ou corticoides, utilizam dos mesmos receptores para sua ação anti-inflamatória desejada. Corticoides exógenos – Farmacologia Basicamente, os glicocorticoides promovem uma imunossupressão através de sua ação gênica, que reduz a concentração, distribuição e função dos leucócitos periféricos, bem como seus efeitos supressores sobre citocinas e quimiocinas inflamatórias e outros mediadores da inflamação. A administração de um glicocorticoide de ação curta em dose única promove aumento da concentração circulante de neutrófilos e redução do número de linfócitos (células T e B), monócitos, eosinófilos e basófilos. Os glicocorticoides também podem inibir as funções dos macrófagos teciduais e de outras 49 FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE II células apresentadoras de antígenos. Eles também influenciam na resposta inflamatória ao reduzir a síntese das prostaglandinas, leucotrienos e fator de ativação das plaquetas, resultando na inativação da fosfolipase A2. Promovem também redução da expressão da COX-2, nas células inflamatórias, com consequente redução da quantidade de enzimas disponíveis para a formação de prostaglandinas e diminuem a permeabilidade capilar ao reduzirem a quantidade de histamina liberada dos basófilos e mastócitos. Como os receptores em que os corticoides atuam são os mesmos em que o cortisol endógeno atua, quando administramos esses fármacos com o intuito anti-inflamatório e/ou imunossupressor, estamos amplificando seus mecanismos de ação fisiológica e, portanto, promovendo efeitos como: aumento da glicose sérica e do glicogênio hepático, resistência à insulina, redução da síntese proteica e aumento do catabolismo muscular, depressão da função tireoidiana, depressão da função reprodutiva e síntese de hormônios sexuais, etc. Todos esses efeitos são considerados efeitos colaterais, que podem levar a complicações pelo uso prolongado desses medicamentos, o que discutiremos a seguir. Mecanismos de ação dos glicocorticoides Os glicocorticoides atuam praticamente sobre todos os órgãos e tecidos. Seus mecanismos de ação são divididos em três grupos principais: ações dependentes de modificações do genoma; ações não dependentes de modificações no genoma e que são mediadas por receptores; ações não dependentes de modificações no genoma e que são medidas de maneira físico-química. Ação dependente da modificação do genoma É o mecanismo mais conhecido. Devido à lipossolubilidade dos glicocorticoides, eles passam facilmente pela membrana das células indo se ligar a receptores intracitoplasmáticos, que são de duas formas: alfa e beta. O receptor alfa, na sua forma inativa, está ligado a uma proteína de choque térmico que impede sua ação. Quando o glicocorticoide se liga ao receptor, desfaz-se a ligação com a proteína de choque térmico, e o conjunto (ligante-receptor) migra para o núcleo celular onde irá se ligar ao DNA, iniciando a transcrição de genes e a síntese de várias proteínas. No DNA existem pontos específicos para a ligação com o glicocorticoide, que são chamados de elementos de resposta ao glicocorticoide, esses passos de interação do glicocorticoide com o receptor e a transcrição gênica estão demonstrados na Figura 15. A inibição da síntese de proteínas efetoras nem sempre é feita por mecanismos de 50 UNIDADE II │ FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS ação diretos sobre o DNA; podem ocorrer, também, em nível de pré-transcrição e pós- transcrição. Muitos mediadores inflamatórios agem sobre a proteína G e outros receptores, que levam a ativação de várias cinases e que, por sua vez, ativam o fator de transcrição AP-1. Esse fator se desloca para o núcleo e promove a indução da transcrição gênica de várias outras proteínas pró-inflamatórias. Os receptores de glicocorticoides, quando ativados, podem se ligar a AP-1 e, assim, impedir sua ação. Os glicocorticoides podem inibir também outro fator de transcrição chamado NF-κβ. Esse fator é responsável por mediar a ação de várias citocinas pró-inflamatórias, como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α). Os glicocorticoides inibem a ação do NF-κβ por aumentar a produção de proteínas inibidoras. Além disso, os glicocorticoides possuem ação a nível de pós-transcrição sobre a estabilidade do RNA mensageiro (RNAm) formado. Por exemplo, os glicocorticoides podem desestabilizar o RNAm para a síntese de COX-2, que leva à diminuição de sua ação. Os glicocorticoides podem, também, afetar o transporte e a secreção de proteínas recém-formadas. A ação dos glicocorticoides sobre a transcrição genética pode ser negativa também. Os componentes que têm sua síntese reduzida pelos glicocorticoides são várias citocinas, como interleucina 1 (IL-1), IL-2, IL-4, IL-6, interferon gama (INF-γ) e TNF-α. Ou seja, a ação genômica dos glicocorticoides pode ser feita diretamente sobre o DNA ou em nível de pré-transcrição genética por meio da ação sobre AP-1 e NF-κβ ou, ainda, em nível de pós-transcrição, sobre RNAm, transporte e secreção de proteínas. Mecanismo de ação não genômica mediada por receptor Para que esse mecanismo ocorra, são necessárias doses mais altas deglicocorticoides, e seus efeitos aparecem mais rapidamente do que os efeitos genômicos, por não precisar de síntese de novas proteínas, levando de segundos a minutos para serem notados. Ocorrem mediante receptores de membrana, diferentes dos intracitoplasmáticos já comentados anteriormente. Em humanos, esses receptores foram encontrados em células leucêmicas e de linfoma, participando da lise celular induzida pelos glicocorticoides. Entre os efeitos mediados por este mecanismo, podemos citar: feedback negativo do hormônio ACTH, supressão da prolactina, efeitos sobre estabilização de membranas, efeitos cardiovasculares e de comportamento, indução de apoptose e a ação antianafilática dos glicocorticoides. 51 FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE II Mecanismo de ação não genômica mediada por ações físico-químicas Esse mecanismo de ação exige doses muito altas de glicocorticoides e é o que aparece mais rapidamente. Ele é responsável por uma diminuição no transporte de sódio e de cálcio através da membrana citoplasmática, ocorrendo queda no consumo de ATP e diminuição do cálcio citosólico. O cálcio citoplasmático é essencial para proporcionar e manter a ativação linfocitária, assim, esse mecanismo explica o sucesso obtido com as chamadas terapias de pulso utilizadas para tratamento de doenças imunologicamente mediadas, nas quais se somam, mais tarde, os efeitos genômicos que prolongam e completam a ação terapêutica desses medicamentos. Parâmetros farmacocinéticos e farmacodinâmicos dos glicocorticoides Os glicocorticoides podem ser classificados de acordo com sua meia-vida, sua potência e sua duração de ação. Quanto a sua duração de ação, pode ser dividido em fármacos de duração curta, intermediária e longa, tendo como base a duração da supressão do ACTH após dose única, com atividade anti-inflamatória equivalente a 50mg de prednisona. São consideradas glicocorticoides de ação curta a cortisona e a hidrocortisona, por suprimirem a ACTH por 8 a 12 horas; os glicocorticoides de ação intermediária são a prednisona, a prednisolona, a metilprednisolona e a triamcinolona, que suprimem o ACTH por 12 a 36 horas; e os glicocorticoides de ação longa são a dexametasona e a betametasona, que promovem a supressão do ACTH por 36 a 72 horas. A potência dos glicocorticoides é avaliada pela sua afinidade aos receptores citoplasmáticos e pela duração de sua ação. Atualmente, várias apresentações e formas farmacêuticas de glicocorticoides estão disponíveis no mercado. São absorvidos por via oral ou parenteral – alguns dos principais estão descritos no Quadro 4. Sua metabolização ocorre no fígado, podendo aumentar a velocidade de metabolização através de administração de indutores enzimáticos e diminuída em casos de insuficiência hepática. Sua excreção é através da urina e da bile. 52 UNIDADE II │ FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS Quadro 4. Principais corticosteroides naturais e sintéticos prescritos para uso geral. Fármaco Atividade (em relação a hidrocortisona) Dose oral equivalente (mg) Formas disponíveisAnti-inflamatória Tópica De retenção de sal Glicocorticoides de ação curta a média Hidrocortisona (cortisol) nomes comerciais: Cortisonal®, Cortiston®, Cortizol®, Hidrocortex®, Hidrosone®, Solu-Cortef®, Succinato Sódico de Hidrocortisona®. 1 1 1 20 Oral, injetável, tópica Cortisona 0,8 0 0,8 25 Oral Prednisona nomes comerciais: Meticorten®, Predson®. 4 0 0,3 5 Oral Prednisolona nomes comerciais: Acetato de Prednisolona®, Predfart®, Prednild®, Oftpred®. 5 4 0,3 5 Oral, injetável Metilprednisolona nomes comerciais: Alergolon®, Unimedrol®, Acetato de Metilprednisolona®, Solupren®. 5 5 0 4 Oral, injetável Meprednisona 5 0 4 Oral, injetável Glicocorticoides de ação intermediária Triacinolona nomes comerciais: Theracort40®, Airclin®, Nasocort®, Oncilon- Aemorabase®. 5 5 0 4 Oral, injetável, tópica Parametasona 10 0 2 Oral, injetável Fluprednisona 15 7 0 1,5 Oral Glicocorticoide de ação longa Betametasona nome comercial: Celestone®. 25 a 40 10 0 0,6 Oral, injetável, tópica Dexametasona nomes comerciais: Deflaren®, Dexaden®, Deamex®, Dexazona®. 30 10 0 0,75 Oral, injetável, tópica Mineralocorticoides Fludrocortisona 10 0 250 2 Oral Acetato de desoxicorticosterona 0 0 20 Injetável, pílula Fonte: Ktzung (2010). Toxicidade Os benefícios obtidos com o uso de glicocorticoides variam consideravelmente; em todos os pacientes a utilização desses fármacos deve ser cuidadosamente avaliada em relação a seus efeitos disseminados, observados em todas as partes do organismo. Como eles atuam de forma semelhante ao cortisol, como mencionado anteriormente, 53 FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE II todos os efeitos fisiológicos desse hormônio são evidenciados, mas seus principais efeitos indesejáveis são resultados de suas ações hormonais no longo prazo (acima de duas semanas) e em altas doses, que levam ao quadro clínico de síndrome de Cushing iatrogênica. Quando os glicocorticoides são administrados por um período curto de menos de duas semanas, mesmo em doses razoavelmente altas, é difícil verificar efeitos adversos, porém, verifica-se em certos casos a ocorrência de insônia, alterações do comportamento (principalmente hipomania) e úlceras pépticas agudas mesmo depois de alguns dias de tratamento. Pode também ocorrer pancreatite aguda crônica em alguns casos de tratamento de altas doses de glicocorticoides. Nos casos de desenvolvimento de síndrome de Cushing iatrogênica, geralmente o rosto torna-se arredondado, observam-se tumefações, deposição de gordura e pletora (face em configuração de lua cheia); a gordura tende a ser redistribuída dos membros para o tronco, nuca e fossa supraclavicular. Ocorre maior crescimento de pêlos finos na face, coxas e tronco, verifica-se aparecimento de acne, insônia e aumento do apetite. Ocorre também aumento de peso corporal, deposição visceral de gordura, miopatia, adelgaçamento da pele com estrias e equimoses, hiperglicemia e, por fim, desenvolvimento de osteoporose, diabetes e necrose asséptica do quadril, com comprometimento da cicatrização nestes casos. Outros efeitos colaterais graves consistem no aparecimento de úlceras pépticas e suas consequências. Pode ocorrer, também, hipomania ou psicose aguda, principalmente em pacientes que recebem doses muito altas de corticosteroides. Também é comum ocorrer elevação da pressão intraocular, podendo desenvolver glaucoma. Quando administrados em doses superiores às fisiológicas, os esteroides, como a cortisona e a hidrocortisona, provocam retenção de sódio e líquidos, bem como perda de potássio. Em pacientes com funções cardiovasculares e renais normais, esses efeitos levam à alcalose hipoclorêmica hipopotassêmica e à elevação da pressão arterial. Em pacientes com hipoproteinemia, doença renal ou hepatopatia, pode ocorrer edema, já em pacientes com cardiopatia, pode resultar em insuficiência cardíaca. Portanto, os pacientes que receberem o tratamento com glicocorticoides devem ser cuidadosamente monitorados. Os glicocorticoides devem ser utilizados com muita cautela, principalmente em pacientes com úlcera péptica; cardiopatia ou hipertensão com insuficiência cardíaca; com certas doenças infecciosas, como varicela e tuberculose; psicoses; diabetes; osteoporose ou glaucoma. A interrupção do tratamento de longo prazo com qualquer corticoide deve ser realizada da maneira de desmame, ou seja, não se pode retirar de uma vez essa medicação, 54 UNIDADE II │ FARMACOLOGIA NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS devido à grande inibição do eixo hipotálamo/hipófise/glândula adrenal causado por esse fármaco, o que inibe a liberação de cortisol endógeno; sendo assim, uma retirada abrupta desse medicamento pode levar a insuficiência da glândula adrenal, com consequente deficiência de cortisol sistêmico. Portanto, a retirada gradual irá auxiliar na reativação do eixo e da síntese de cortisol novamentepela glândula adrenal. 55 UNIDADE III FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS CAPÍTULO 1 Classificação e mecanismos de ação de antimicrobianos Depois da Segunda Guerra Mundial, houve uma revolução na medicina para encontrar compostos com atividade antimicrobiana, por causa da grande incidência de mortes causadas por infecções bacterianas, que durante a guerra era causa de baixas em tropas que nela lutaram. Na década de 1930, eram realizados diversos estudos para buscar moléculas antimicrobianas, porém apenas em 1941 foi fabricada quantidade suficiente de penicilina para seu emprego na clínica. A penicilina foi descoberta em 1929 pelo bacteriologista inglês Alexander Fleming, por observar que placas de meios de cultura foram contaminadas com uma espécie de fungo em seu laboratório. Onde esse fungo cresceu, não cresceu nenhuma bactéria. Isso foi um marco na era dos antibióticos, tanto que existe até hoje uma estátua em homenagem ao médico em frente à Plaza de Toros, uma arena de touradas em Madri na Espanha. O tratamento antimicrobiano age nas diferenças bioquímicas que existem entre micro- organismos e seres humanos; assim, os fármacos antimicrobianos são eficazes no tratamento de infecções, pois são seletivamente tóxicos – têm a capacidade de lesar ou matar os micro-organismos invasores sem prejudicar as células do hospedeiro. Ou seja, o objetivo da terapia farmacológica antimicrobiana é a toxicidade seletiva. Essa seletividade pode ser obtida ao atacar alvos seletivos do patógeno que não estejam presentes no hospedeiro, como a parede bacteriana, que não é um componente presente em células de mamíferos; alvos presentes no patógeno que são semelhantes, mas não idênticos aos do hospedeiro, como por exemplo os fármacos que atuam sobre a membrana plasmática; alvos no patógeno que são compartilhados com o hospedeiro, mas que variam quanto a sua importância entre o patógeno e o hospedeiro, como a síntese de algumas proteínas, conferindo assim uma seletividade. 56 UNIDADE III │ FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS Alvos farmacológicos A relação entre a dose tóxica e a dose terapêutica de um fármaco é denominada índice terapêutico, ou janela terapêutica; portanto, um fármaco altamente seletivo, como a penicilina, pode ser prescrito com segurança, devido à grande diferença entre sua concentração terapêutica e sua concentração tóxica. Os fármacos podem ser divididos em três tipos de seletividade a alvos: » Exclusivo: o fármaco tem como alvo uma via genética ou bioquímica que é exclusiva do patógeno. Como exemplo, temos os inibidores da parede celular bacteriana. » Seletivo: o fármaco tem como alvo uma isoforma de determinada proteína que é exclusiva do patógeno. Como exemplo, temos o inibidor da diidrofolato redutase (DHFR). » Comum: o fármaco tem como alvo uma necessidade metabólica específica do patógeno. Como exemplo, temos a 5-fluoruracila. Alvos exclusivos de fármacos Os alvos exclusivos de fármacos são as vias metabólicas, enzimas, genes que sofrem mutação e produtos gênicos que estão presentes no patógeno, mas ausentes no hospedeiro. Os agentes antibacterianos, por exemplo, têm como alvo comum a parede celular de peptidoglicano bacteriana. A penicilina e outros antibióticos betalactâmicos (ou β-lactâmicos) inibem as enzimas transpeptidases que catalisam a etapa final de ligação cruzada na síntese de peptidoglicanos; na ausência deles, a síntese da parede celular bacteriana é comprometida, com consequente lise celular. Os fungos, por sua vez, carecem de parede celular, estando apenas envelopados por uma dupla camada lipídica semelhante àquelas das células humanas, tornando a seletividade dos fármacos, nesse caso, mais complicada. Porém existe um componente comum na membrana dos fungos que não está presente na membrana das células do hospedeiro, é o ergosterol, que constitui um dos poucos alvos exclusivos dos fármacos antifúngicos. Existem, atualmente, duas classes de fármacos cujo alvo é o ergosterol: os azólicos, que bloqueiam a síntese de ergosterol nas células fúngicas; e os polienos, que quelam o ergosterol na membrana dos fungos. As duas classes de fármacos são responsáveis por alterar a permeabilidade da membrana e provocar a morte da célula fúngica. 57 FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS │ UNIDADE III Inibição seletiva de alvos semelhantes Muitos micro-organismos possuem vias metabólicas semelhantes às dos seres humanos, porém, possuem isoformas diferentes, sendo assim, os fármacos podem apresentar especificidades quantitativamente diferentes de ligação com base nessas diferenças bioquímicas. Um exemplo importante são os inibidores da enzima DHFR e os inibidores da síntese de proteínas bacterianas. Todos os seres humanos, bactérias e protozoários utilizam a DHFR para a síntese de DNA, porém suas isoformas são genética e estruturalmente distintas entre espécies, servindo de alvo seletivo de diversos fármacos. Já o mecanismo de síntese de proteínas das bactérias é diferente do mecanismo observado nos seres humanos, pois são utilizados ribossomos de tamanho diferentes e diferentes RNA ribossomais e proteínas. Várias classes de fármacos agem inibindo a síntese de proteínas bacterianas. Alvos comuns Quando o hospedeiro e o patógeno compartilham vias bioquímicas e fisiológicas comuns, é possível encontrar uma base para a seletividade se o patógeno necessitar de uma atividade metabólica ou se for afetado pela sua inibição em maior grau do que o hospedeiro. Para isso, é muito importante o estudo da biologia celular, da biologia molecular e da bioquímica dos micróbios para identificar alvos específicos para inibição seletiva. Escolha do antimicrobiano A escolha de um antimicrobiano mais apropriado requer o conhecimento: 1) da identidade do micro-organismo; 2) da sua suscetibilidade para um fármaco em particular; 3) do local da infecção; 4) dos fatores do paciente; 5) da segurança do fármaco; e 6) do custo do tratamento. Porém alguns pacientes criticamente doentes não podem esperar a identificação do patógeno para aí receber o tratamento, assim, precisam de tratamento empírico (administração imediata de fármacos antes da identificação bacteriana e dos testes de suscetibilidade). A identificação do micro-organismo é decisiva na seleção do fármaco apropriado. Ela pode ser feita por meio de uma avaliação rápida, como na coloração de Gram, porém, geralmente, é necessário cultivar o micro-organismo para chegar a um diagnóstico conclusivo e determinar a suscetibilidade da bactéria aos antimicrobianos, o que leva no mínimo cinco dias para conclusão. 58 UNIDADE III │ FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS Idealmente, o fármaco antimicrobiano deve ser escolhido após a identificação do micro- organismo e de sua suscetibilidade ao remédio, porém, em pacientes criticamente doentes, como no caso de paciente neutropênico (que apresenta redução na contagem de neutrófilos, possivelmente indicando infecção bacteriana), ou um paciente com intensa cefaleia, rigidez no pescoço e sensibilidade à luz brilhante (sintomas característicos de meningite), esse atraso no início pode ser fatal, sendo o tratamento empírico indicado imediatamente. A escolha do fármaco na ausência de informações sobre a suscetibilidade é influenciada pelo local da infecção e pela anamnese do paciente; inicialmente, pode ser necessário um fármaco de amplo espectro (antibióticos que atingem grande número de microrganismos nas doses terapêuticas). Para a escolha do antibiótico, devem-se levar em consideração as condições do paciente, como situação do sistema imune, rins, fígado, circulação e idade. Na mulher, a gestação e a amamentação também afetam a escolha do antimicrobiano. A via oral de administração é escolhida contra infecções leves e que podem ser tratadas ambulatorialmente. Já a via parenteral é usada para fármacos mal-absorvidos no trato gastrintestinal e para o tratamento de pacientes com infecções graves, nos quais é necessário manterconcentrações séricas elevadas de antimicrobianos que poderiam ser obtidas de forma confiável por via oral. Micro-organismos e fármacos utilizados Como mencionado anteriormente, o mecanismo de ação de qualquer antimicrobiano está ligado às diferenças existentes entre o patógeno e o hospedeiro para minimizar os efeitos colaterais. Assim, precisamos entender melhor a microbiologia desses patógenos antes de saber o mecanismo de ação dos fármacos. A seguir, apresentaremos os principais micro-organismos (bactérias, fungos e vírus) e seus alvos farmacológicos, e em capítulos subsequentes serão especificados cada tipo farmacológico (antibacterianos, antifúngicos e antivirais). Bactérias As bactérias apresentam uma estrutura simples, são organismos procariotos (unicelulares que não apresentam membrana nuclear, mitocôndria, complexo de Golgi, ou retículo endoplasmático) e se reproduzem por divisão assexuada. A Figura 16 mostra esquematicamente e uma imagem real das principais estruturas de uma célula procariótica. 59 FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS │ UNIDADE III Figura 16. Estrutura típica de uma célula procariótica. Pilus Inclusão Cápsula Cápsula Parede celular Parede celular Membrana plasmática Membrana plasmática Fímbria s Plasmíde o Flagelo Citoplasma Ribossomo s Membrana plasmática Núcleo contendo DNA 0,5µm Fonte: Murray et al. (2009). O corpo humano é habitado por milhares de diferentes espécies bacterianas, algumas das quais vivem de forma transitória e outras numa relação parasítica permanente. Da mesma maneira, as bactérias estão presentes no ambiente que nos cerca, incluindo o ar que respiramos, a água que bebemos, a comida que comemos; há bactérias não virulentas bem como aquelas capazes de produzir doenças que ameaçam a vida, resultantes do efeito tóxico de produtos bacterianos (p. ex. toxinas); ou bactérias que invadem sítios anatômicos que são normalmente estéreis, levando a respostas inflamatórias que já foram discutidas anteriormente nesta apostila. Os antibióticos são desenvolvidos para atuar em alvos exclusivos que encontramos nas bactérias, como a presença de parede celular, flagelos, algumas proteínas específicas na membrana, alguns genes específicos em seu DNA; dessa maneira, não promoverem agressões ao hospedeiro, apenas auxiliam na inativação do microrganismo. Os fármacos disponíveis atuam interrompendo a replicação e o reparo do DNA bacteriano, bem como a transcrição, a tradução e a síntese da parede celular. A Figura 17 ilustra os principais alvos de fármacos antibacterianos. 60 UNIDADE III │ FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS Figura 17. Principais alvos de fármacos antimicrobianos. Parede celular de peptidoglicano PABA Plasmídio Pteridina Proteína Ribossomo Purina s Pirimidina s DHF THF DNA mRN A Inibidores da síntese da parede celular Inibidores da síntese da integridade do DNA Inibidores da transcrição e tradução Fosfomicina Ciclosserina Vancomicina Penicilinas Cefalosporinas Monobactâmicos Carbapenêmicos Etambutol Pirazinamida Isniazida Rifampicina Aminoglicosídios Espectinomicina Tetraciclinas Macrolídios Cloranfenicol Lincosamidas Estreptograminas Oxazolidinonas Sulfonamidas Trimetoprim Quinolonas 50S 30S Fonte: adaptado de Golan (2009). Os antibacterianos são classificados como bacteriostáticos e bactericidas. Os bacteriostáticos são fármacos que inibem o crescimento do patógeno sem causar a sua morte; enquanto isso, o sistema imune do paciente age para eliminar a infecção. Esses fármacos são dirigidos contra alvos de vias metabólicas necessárias para o crescimento das bactérias, mas não para sua sobrevivência. Sua eficiência clínica baseia-se na integridade do sistema imune do hospedeiro para eliminar as bactérias que não crescem, mas que permanecem viáveis. Os fármacos bactericidas matam as bactérias, diminuindo, assim, o número total de micro-organismos viáveis. Por exemplo, os inibidores da síntese da parede celular (penicilinas e cefalosporinas) provocam lise bacteriana quando as bactérias crescem em meios hipertônicos ou hipotônicos, ou quando são expostas a esses ambientes. Essa classificação, porém, é muito simplista, pois um mesmo antibiótico pode ser bacteriostático para um micro-organismo e bactericida para outro. Por exemplo, o cloranfenicol é bacteriostático contra bacilos gram-negativos e bactericida contra outros micro-organismos, como o S. pneumoniae. Portanto, as infecções bacterianas em indivíduos imunocompetentes podem ser geralmente tratadas com agentes bacteriostáticos, enquanto que o tratamento de infecções bacterianas em indivíduos imunocomprometidos geralmente é com fármacos bactericidas. Entretanto, a associação de um fármaco bacteriostático com um fármaco bactericida pode resultar em efeitos antagonistas. Já a associação de dois fármacos 61 FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS │ UNIDADE III bactericidas pode ser sinérgica, isto é, o efeito da associação é maior do que a soma dos efeitos de cada fármaco isoladamente, com as mesmas doses de ambos os fármacos. Fungos e parasitas Todas as células fúngicas são eucarióticas, portanto, possuem núcleo com membrana nuclear; em sua maioria, são aeróbios obrigatórios; além disso, os fungos se originam de uma única célula ou de um fragmento da hifa, e estas unidades apresentam estruturas variadas. Os fungos de interesse médico, agentes de micoses, apresentam-se sob dois tipos morfológicos: as leveduras (provavelmente unicelulares) e os bolores ou fungos filamentosos (multicelulares). Devido à grande semelhança entre as células humanas, fúngicas e dos parasitas, é mais difícil combater as infecções causadas por esses microrganismos do que as infecções causadas por bactérias. Os agentes antifúngicos disponíveis no momento são divididos em três classes principais: os polienos (p. ex. anfotericina, nistatina); os azólicos (p. ex. miconazol, fluconazol) – essas duas classes são seletivas para o ergosterol presente na membrana celular dos fungos – e as pirimidinas (p. ex. 5-flurocitosina), que inibe a síntese de DNA. Da mesma forma, os fármacos antifúngicos podem ser classificados como fungistáticos e fungicidas, e essa distinção é determinada pelo modo empírico. Vírus Os vírus são microrganismos não celulares que consistem em RNA ou DNA circundado por um capsídeo proteináceo; alguns vírus possuem um envelope lipídico, derivado da célula do hospedeiro que contém proteínas virais. Como a replicação viral depende dos processos de síntese normais da célula hospedeira, existem menos classes de agentes antivirais do que classes de agentes antibacterianos, e, em geral, esses agentes antivirais são mais tóxicos para o hospedeiro do que para os antibacterianos. Os vírus serão abordados mais detalhadamente na próxima unidade, em que discutiremos os principais antivirais e seus efeitos colaterais ao hospedeiro. 62 CAPÍTULO 2 Antibacterianos: inibidores da síntese da parede celular e inibidores da síntese proteica Os antibacterianos clinicamente úteis estão divididos em seis famílias: penicilina; cefalosporinas; tetraciclinas; aminoglicosídeos; macrolídeos; e fluoroquinolonas. Ainda, existe um sétimo grupo identificado como “outros”, que compreende os fármacos que não são incluídos em uma das 6 famílias. As bactérias clinicamente importantes serão apresentadas em oito grupos (cocos gram-positivos, bacilos gram-positivos, cocos gram-negativos, bastonetes gram-negativos, micro-organismos anaeróbicos, espiroquetas, micoplasma e clamídia) com base na coloração de Gram, na morfologia e nas características bioquímicas, e mais um grupo denominado “outras”, que representa qualquer micro-organismo não incluído em uma das oito categorias. Os antibióticos ainda podem ser classificados de acordo com o seu espectro de ação. » Antibióticos de espectro estreito: são os fármacos que atuam somente em um grupo únicoou limitado de micro-organismos, como a isoniazida, que é ativa somente contra micobactérias. » Antibióticos de espectro estendido: são fármacos eficazes contra micro- organismos gram-positivos e contra algumas bactérias gram-negativas, como a ampicilina, que atua contra bactérias gram-positivas e algumas gram-negativas. » Antibióticos de amplo espectro: são fármacos que afetam uma ampla variedade de espécies microbianas, como as tetraciclinas e o cloranfenicol. A administração de antibióticos de amplo espectro pode alterar a natureza da flora bacteriana normal e causar superinfecção por um micro-organismo, como a cândida albicans, cujo crescimento normal é limitado pela presença de outros micro-organismos. Inibidores da síntese da parede celular Alguns antimicrobianos interferem seletivamente na síntese da parede celular bacteriana, que é diferente da estrutura da célula de mamíferos. Para alcançarem sua eficácia, os fármacos inibidores da síntese da parede celular precisam que os 63 FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS │ UNIDADE III microrganismos estejam se proliferando ativamente e possuam pouco ou nenhum efeito em bactérias que não estão crescendo e se dividindo. Os principais fármacos desse grupo são os antibióticos betalactâmicos e a vancomicina. A Figura 18 resume os principais fármacos antimicrobianos que afetam a síntese da parede celular. Figura 18. Resumo dos antimicrobianos que afetam a síntese da parede celular. Inibidores da síntese da parede celular Inibidores da β-lactamase Antibióticos β-lactâmicos Outros antibióticos Penicilinas Cefalosporinas Carbapenemos Monobactamos 1° Geração 2° Geração 3° Geração 4° Geração Ácido clavulânico Sulbactam Tazobactam Bacitracina Vancomicina Amoxicilina Ampicilina Clixacilina Dicloxacilina Imipeném/cilastatina Meticilina Nafcilina Oxacilina Benzilpenicilina Fenoximetilpenicilina Piperacilina Ticarcilina Cefadroxila Cefazolina Cefalexina Cefalotina Cefaclor Cefamando l Cefprozila Cefuroxima Cefotetano Cefoxitina Cefdinir Cefixima Cefoperazona Cefotaxima Ceftazidima Ceftibuteno Ceftizoxima Ceftriaxona Cefepima Aztreonam Imipeném/cilastina Meropeném Ertapeném Fonte: adaptado de Ktzung (2010). Penicilinas As penicilinas são os antibióticos conhecidos por serem mais eficazes e menos tóxicos, porém o aumento da resistência a esses fármacos tem limitado o seu uso. Os membros dessa família de fármacos diferem entre si apenas no substituinte R ligado ao ácido 6-aminopenicilânico, conforme demonstrado na Figura 19. Diferenças nessa cadeia lateral afetam o espectro antimicrobiano, a estabilidade do suco gástrico e a suscetibilidade às enzimas bacterianas (betalactamases). 64 UNIDADE III │ FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS Figura 19. Estrutura dos antibióticos da família da penicilina. A natureza do grupo R determina a estabilidade do fármaco à hidrólise enzimática ou ácida e afeta o espectro antibacteriano. Local de hidrólise pela penicilinase bacteriana ou por ácido. Anel β-lactâmico Ácido 6- aminopenicilânico R H N H C H C C N O S C C H CH3 CH3 COO H Fonte: adaptado de Ktzung (2010). As penicilinas interferem na última etapa da síntese da parede bacteriana (transpeptidação ou ligações cruzadas), causando a exposição da membrana osmoticamente menos estável, podendo, então, ocorrer a lise celular, devido à pressão osmótica ou pela ativação de autolisinas. São, portanto, fármacos bactericidas. Esse grupo de fármacos é eficaz apenas a microrganismos em crescimento rápido que sintetizam a parede celular de peptidoglicano, sendo inativas contra microrganismos sem essa estrutura como, por exemplo, micobactérias, protozoários, fungos e vírus. As penicilinas, portanto, inativam inúmeras proteínas na membrana celular da bactéria, chamadas de proteínas ligadoras de penicilina (PLPs). Elas estão envolvidas na síntese da parede celular e na manutenção das características morfológicas das bactérias. O espectro antibacteriano das várias penicilinas é determinado pela sua capacidade de atravessar a parede celular de peptidoglicanos da bactéria para alcançar as PLPs no espaço periplasmático. Penicilinas naturais – Penicilina G (benzilpenicilina) São penicilinas obtidas a partir da fermentação do fungo Penicillium chrysogenum e listadas como antiestafilocócicas. Fazem parte desse grupo a benzilpenicilina, a fenoximetilpenicilina (penicilina V) e a fenoximetilpenicilina. Os microrganismos sensíveis a essa penicilina são os cocos gram-positivos (com exceção de estafilococos produtores de penicilase – betalactamase), cocos gram-negativos e bacilos gram- negativos (Clostridium Corynebacterium, Listeria). 65 FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS │ UNIDADE III A penicilina G é instável em pH ácido, sendo destruída no estômago; por isso, a dose oral necessária deve ser quatro a cinco vezes mais elevada do que a intramuscular para que se possam obter níveis plasmáticos equivalentes e terapeuticamente eficazes. Penicilinas antiestafilocócicas Pertencem a esse grupo: meticilina, nafcilina, oxacilina, cloxacilina e dicloxacilina. São penicilinas betalactamase-resistentes, de uso restrito ao tratamento de infecções causadas por estafilococos produtores de penicilinase. Penicilinas de espectro estendido Pertencem a esse grupo a ampicilina e a amoxicilina. Elas possuem espectro antibacteriano similar ao da benzilpenicilina, mas são mais eficazes contra bacilos gram-negativos. São ácido-resistentes, o que permite administração por via oral. A resistência desses antibióticos é um problema clínico importante, pois podem ser destruídas pela penicilase. Um dos representantes mais conhecidos dessa classe é a amoxicilina (nomes comerciais: Amoxil®, Amoximed®, Sinot®, Velamox®, Novocilin®), que é um derivado semissintético da ampicilina, ácido-resistente, de amplo espectro e geralmente utilizado para tratar infecções respiratórias, faringite, endocardite e outras afecções, sendo ativa contra H. influenzae, N. gonorrhoeae, pneumococos, estreptococos, E. coli e alguns tipos de estafilococos. Penicilinas antipseudomonas Devido a sua atividade contra Pseudomonas aeruginosa, pertencem a esse grupo a indanilcarbenicilina, a ticarcilina e a piperacilina. Penicilinas e aminoglicosídeos Os efeitos dos fármacos desse grupo são sinérgicos com os aminoglicosídeos, pois, como eles têm a capacidade de inibir a síntese da parede celular bacteriana, alterando assim a permeabilidade das bactérias, facilitam a entrada de outros antibióticos (como os aminoglicosídeos) que sozinhos não têm acesso aos alvos intracelulares, resultando em atividade antimicrobiana aumentada. Micro-organismos que não possuem parede celular de peptidoglicano (micoplasma) ou possuem parede celular impermeável a fármacos são resistentes às penicilinas. Pode ocorrer também a aquisição de resistência às penicilinas por transferência de 66 UNIDADE III │ FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS plasmídeo; esse fenômeno pode gerar importante resistência a vários antibióticos no micro-organismo que por acaso receber um plasmídeo resistente a vários antibióticos, e a multiplicação desse micro-organismo levará à disseminação aumentada dos genes de resistência. A via de administração dos antibióticos da classe da penicilina é determinada pela estabilidade do fármaco ao suco gástrico e à gravidade da infecção. A penicilina é incompletamente absorvida por administração oral e alcança o intestino em quantidade suficiente para afetar a composição da flora intestinal. Sua distribuição pelo organismo é boa e todas as penicilinas atravessam a barreira placentária, mas nenhuma se mostrou teratogênica. Sua meia-vida é de meia a uma hora. As penicilinas estão entre os fármacos mais seguros, porém pode haver as seguintes reações adversas: hipersensibilidade (efeito adverso mais importante); diarreia (é causado pela ruptura do equilíbrionormal entre os micro-organismos intestinais); nefrite; neurotoxicidade (podendo causar convulsões se injetadas intratecalmente ou se forem alcançados níveis sanguíneos muito elevados); toxicidade hematológica (diminuição da aglutinação); toxicidade catiônica (pois as penicilinas são administradas como sais de sódio ou potássio). Inibidores da betalactamase Algumas bactérias, como mencionado anteriormente, conseguem ser resistentes a antibióticos do grupo das penicilinas, como a amoxicilina. Essas bactérias são capazes de promover a hidrólise do anel betalactâmico do antibiótico, por hidrólise enzimática, utilizando uma enzima chamada betalactamase, ou por ácidos, o que destrói a atividade antimicrobiana dos antibióticos betalactâmicos. Os inibidores da betalactamase, portanto, ligam-se e inativam as enzimas betalactamases produzidas pelas bactérias, protegendo os antibióticos que normalmente seriam substratos dessas enzimas. Esse grupo é importante pois atua de forma sinérgica com antibióticos do grupo das penicilinas, aumentando sua eficácia bactericida; ou seja, sozinhos os fármacos inibidores da betalactamase não têm atividade antibacteriana significativa, devem então ser administrados em conjunto com outros fármacos betalactâmicos. O representante mais comum deste grupo é o ácido clavucânico, que já é encontrado em diversos antibióticos compostos, como os de nome comercial Clavulin®, Novamox® e Sigma-clav BD®. Grande parte das bactérias já possui esse tipo de resistência, sendo muito mais comum a prescrição médica de antibióticos que já contenham esses dois compostos juntos. 67 FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS │ UNIDADE III Cefalosporinas As cefalosporinas são antibióticos betalactâmicos muito parecidos estruturalmente com as penicilinas. Possuem o mesmo mecanismo de ação e são afetadas pelos mesmos mecanismos de resistência das penicilinas, porém tendem a ser mais resistentes do que as penicilinas às betalactamases. São consideradas antibióticos de médio espectro, agindo tanto em cocos gram-positivos como em bacilos gram-negativos. Elas são classificadas em primeira, segunda, terceira ou quarta geração, com base principalmente no padrão de suscetibilidade bacteriana e resistência às betalactamases. » Primeira geração: atuam em bactérias gram-positivas, sendo indicadas quando há histórico de alergia ou toxicidade à penicilina. Os representantes dessa geração são: cefadroxila (nomes comerciais: Cefadroxil® e Cefamox®), cefalexina (nomes comerciais: Betacef®, Cefacimed®, Cefanal®, Cefaxon®, Celen AF®, Celxin®, Falexina®, Keflex®, Primacef®, Uni Cefalexin®) e a cefradina – todos esses podem ser administrados por via oral –; cefalotina (nomes comerciais: Cefalotil®, Ceflen®, Kefalotin®), cefapirina e cefazolina (nomes comerciais: Cellozina®, Celozin®, Fazolon®) – administrados somente por via parenteral. » Segunda geração: apresentam maior atividade contra três micro- organismos gram-negativos adicionais – H. influenzae, Enterobacter aerogenes e algumas espécies de Neisseria – , porém sua atividade contra gram-positivo é mais fraca; possuem também maior resistência contra betalactamases produzidas por bactérias aeróbias e anaeróbias gram-negativas e gram-positivas. Os representantes dessa geração são: cefaclor (nome comercial Ceclor®), cefprozila, cefuroxima (nome comercial Zinacef®) e loracarbefe – todos esses podem ser administrados por via oral –; cefamandol e cefocinida – administrados somente por via parenteral. » Terceira geração: têm amplo espectro e atividade aumentada contra bacilos gram-negativos e contra a maioria dos outros micro-organismos entéricos. Os representantes dessa geração são: cefixima – pode ser utilizada por via oral –, cefoperazona, cefotaxima (nomes comerciais: Ceforan®, Claforan®), ceftazidima (nomes comerciais: Cefazima®, Ceftazidon®, Fortaz®), ceftizoxima e ceftriaxona (nomes comerciais: Amplospec®, Bioteral®, Ceftriax®, Ceftriaxona®, Rocefin®, Triaxton®) – todas as últimas são apenas administradas por via parenteral. 68 UNIDADE III │ FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS » Quarta geração: o único representante dessa geração é o cefapima, que apresenta amplo espectro antibacteriano. É ativa contra estreptococos e estafilococos (apenas os suscetíveis à meticilina), também é eficaz contra micro-organismos gram-negativos aeróbicos como enterobacter, E. coli, K. pneumoniae, P. mirabilis e P. aeruginosa. Todas as cefalosporinas precisam ser administradas por via intravenosa ou intramuscular, salvo algumas exceções que foram descritas anteriormente. Devido a sua absorção oral diminuída, elas distribuem-se muito bem nos líquidos corporais. Sua eliminação ocorre por meio de secreção tubular e/ou filtração glomerular, porém a cefoperazona e a ceftriaxona são excretadas através da bile pelas fezes e, portanto, são empregadas com frequência em pacientes com insuficiência renal. Seus principais efeitos adversos são: manifestações alérgicas (indivíduos alérgicos a penicilina não devem utilizar essa classe de fármacos); efeito tipo dissulfiram; e sangramento. O Quadro 5 apresenta as principais características de algumas cefalosporinas clinicamente úteis. Quadro 5. Resumo das características de algumas cefalosporinas clinicamente úteis. Características de algumas cefalosporinas clinicamente úteis Geração Fármaco Vantagens terapêuticas Desvantagens terapêuticas Outras informações Primeira geração Cefazolina Tem duração de ação mais longa e espectro de ação similar, comparada com outras de primeira geração. Penetra bem nos ossos. _______________ Mais útil clinicamente. Cefadroxila ______________ ______________ Pode ser administrada por via oral. Cefalexina Sua administração oral duas vezes ao dia é eficaz contra faringite. ______________ Mais útil clinicamente e pode ser administrada por via oral. Cefalotina ______________ ______________ ______________ Segunda geração Cefaclor ______________ Está associado a doenças do soro. Mais útil clinicamente e pode ser administrada por via oral. Cefamandol ______________ Contém cadeia lateral metiltioterrazol e pode causar hipoprotrombinemia e sangramentos bem como efeitos tipo dissulfiram, ou seja, intolerância ao etanol ingerido. ___________ Cefotetano ______________ Contém cadeia lateral metiltioterrazol e pode causar hipoprotrombinemia e sangramentos bem como efeitos tipo dissulfiram, ou seja, intolerância ao etanol ingerido. __________ 69 FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS │ UNIDADE III Características de algumas cefalosporinas clinicamente úteis Geração Fármaco Vantagens terapêuticas Desvantagens terapêuticas Outras informações Segunda geração Cefoxitina Mostra boa atividade contra anaeróbios, particularmente Bacteroides fragilis. É útil em pacientes com sepse intra-abdominal e contra sepse ginecológica, incluindo a doença inflamatória pélvica. ______________ Mais útil clinicamente. Cefuroxima Tem meia-vida maior que as similares. Atravessa a barreira sangue-cérebro e pode ser usada contra bronquites adquiridas na comunidade ou pneumonia em idosos e em pacientes imunocomprometidos. ______________ Mais útil clinicamente. Axetil cefuroxima É administrada duas vezes ao dia. É bem absorvida e ativa contra micorganismos produtores de betalactamase. ______________ Mais útil clinicamente e pode ser administrada por via oral. Terceira Geração Cefdinir Cefixima São administradas por via oral uma vez ao dia. ______________ Pode ser administrada por via oral. Cefoperazona ______________ Contém cadeia lateral metiltioterrazol e pode causar hipoprotrombinemia e sangramentos bem como efeitos tipo dissulfiram, ou seja, intolerância ao etanol ingerido. ______________ Cefotaxina Penetra bem no líquido cérebro- espinal (LCE). ______________ Mais útil clinicamente. Características de algumas cefalosporinas clinicamente úteis Geração Fármaco Vantagens terapêuticas Desvantagens terapêuticas Outrasinformações Terceira geração Ceftazidima É ativa contra Pseudomonas aeruginosa. ______________ Mais útil clinicamente. Ceftibuteno ______________ ______________ Pode ser administrada por via oral. Ceftizoxima ______________ ______________ ______________ Ceftriaxona Sua meia-vida é a mais longa das cefalosporinas, de 6 a 8 horas, o que permite uma dosagem por dia. Níveis elevados podem ser alcançados no sangue e no líquido céfalorraquidiano (LCR). É eficaz contra Neisseria gonorrhoeae genital, anal e faringeana resistente à penicilina. É excretada na bile e pode ser usada em pacientes com insuficiência renal. Tem boa penetração em ossos. ______________ Mais útil clinicamente. Quarta geração Cefepima ______________ ______________ ___________ Fonte: adaptado de Katzung (2010). 70 UNIDADE III │ FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS Carbapenemos Os carbapenemos são antibióticos betalactâmicos sintéticos diferentes das penicilinas, porque o átomo de enxofre do anel tiazolidínico foi externado e substituído por carbono. Eles desempenham papel no tratamento empírico devido a sua atividade contra micro-organismos gram-positivos e gram-negativos produtores de penicilinase, anaeróbicos e P. aeruginosa. São administrados por via intravenosa e penetram bem nos tecidos e líquidos corporais, incluindo o líquido cérebro-espinal (LCE), quando as meninges estão inflamadas; e são excretados por filtração glomerular. Podem causar náuseas, vômito e diarreia. Níveis elevados de imipeném podem provocar convulsões. São representantes desse grupo: » Imipeném/cilastatina (nome comercial: Tienam®): o imipeném é um antibiótico betalactâmico derivado da tienamicina (foi o primeiro a ser classificado neste grupo); já a cilastatina é acrescentada como um inibidor da deidropeptidase-1 (uma enzima encontrada na borda do túbulo renal que metaboliza o imipeném), o que evita a metabolização e toxicidade do imipenem ao túbulo renal. É indicado no tratamento de infecções dos tratos respiratório inferior e urinário, infecções abdominais, ginecológicas, da pele e das estruturas da pele, ósseas e articulares. » Meropeném (nome comercial Mepenox IV®): antibiótico semissintético administrado por via intravenosa, similar ao imipeném. Usado no tratamento de infecções intra-abdominais complicadas, infecções da pele e das estruturas da pele de adultos e crianças, bem como de meningite bacteriana em crianças. Possui menos efeitos colaterais que o imipeném. » Ertapenem (nome comercial Invanz®): é muito estável contra as betalactamases e é ativo contra uma grande variedade de gram-positivos, gram-negativos e anaeróbios, mas sem atividade contra Pseudomonas aeruginosa. É administrado por via intravenosa ou intramuscular uma vez ao dia. É indicado para tratamento das infecções complicadas do trato urinário, infecções da pele e de suas estruturas, infecções pélvicas, pneumonia comunitária e infecções intra-abdominais. Ele é eliminado no leite materno e atravessa a barreira placentária. 71 FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS │ UNIDADE III Monobactamos Esse grupo de fármacos também desorganiza a síntese da parede celular bacteriana, mas diferente dos outros fármacos inibidores da parede celular. Ele só possui apenas um anel betalactâmico, conforme demonstrado na Figura 20. Figura 20. Estrutura química do aztreonam, um monobactamo. CH3 H C C C O O H C H N N R SO3H Anel β-lactâmico Aztreonam (um monobactamo) Fonte: adaptado de Ktzung (2010). O único monobactamo disponível comercialmente é o aztreonam (nome comercial Azeus®); ele tem atividade antimicrobiana dirigida principalmente contra as Enterobacteriaceae; também é ativo contra bastonetes gram-negativos aeróbios, incluindo P. aeruginosa, porém não tem atividade contra gram-positivos e anaeróbios. É administrado por via intravenosa ou intramuscular e excretado na urina. Pode se acumular em pacientes com insuficiência renal, causar flebite, erupções cutâneas e testes de função hepática anormais; desta maneira, possui grande interação medicamentosa com furosemida e probenecida, que aumentam os níveis sanguíneos do antibiótico, sendo recomendado evitar o uso concomitante. Esse fármaco pode ser uma alternativa segura no tratamento de pacientes que são alérgicos a penicilinas e/ou cefalosporinas. Outros fármacos que afetam a parede celular Um representante desse grupo é a vancomicina (nomes comerciais: Vancocid®, Vancoson®), que é um glicopeptídeo tricíclico importante devido a sua eficácia contra micro-organismos de resistência múltipla. Ela inibe a síntese de fosfolipídeos da parede celular bacteriana e a polimerização do peptideoglicano, ligando-se à cadeia lateral D-Ala-D-Ala do pentapeptídeo precursor, impedindo a etapa de transglicosilação da polimerização do eptideoglicano, enfraquecendo a parede celular e lesando a membrana celular subjacente. É eficaz principalmente contra micro-organismos gram-positivos. 72 UNIDADE III │ FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS A resistência à vancomicina pode ser causada por alteração mediada por plasmídeo na permeabilidade ao fármaco ou por diminuição na ligação da vancomicina com as moléculas receptoras. Seus efeitos adversos podem ser febre, calafrios e/ou flebite no local da infusão. Inibidores da síntese proteica Vários antibióticos exercem seu efeito agindo no ribossomo bacteriano, que possui componentes diferentes estruturalmente dos ribossomos citoplasmáticos dos mamíferos; já o ribossomo mitocondrial dos mamíferos se assemelha mais com o ribossomo bacteriano. Portanto, mesmo que os fármacos antibacterianos poupem receptores do hospedeiro, concentrações elevadas podem causar efeitos tóxicos em resposta à interação com ribossomos mitocondriais. A seguir, descreveremos os principais fármacos inibidores da síntese proteica. Tetraciclinas As tetraciclinas são constituídas por quatro anéis fusionados com um sistema de ligações duplas conjugadas. Sua entrada nos micro-organismos ocorre por entrada passiva (difusão) e por mecanismo proteico de transporte dependente de energia exclusivo da membrana citoplasmática interna da bactéria. O fármaco inibe a síntese proteica bacteriana ligando-se reversivelmente na subunidade 30S do ribossomo bacteriano, bloqueando o acesso do RNAt-aminoacil do complexo RNAm-ribossomo no local do receptor. As tetraciclinas são eficazes tanto contra bactérias gram-positivas e gram-negativas como contra outros micro-organismos que não são bactérias. Elas se concentram no fígado, nos rins, no baço e na pele e se ligam aos tecidos em calcificação ou tumores que tenham elevado conteúdo de cálcio. No fígado, são biotransformadas e conjugadas para formar glicuronídeos solúveis. Seus principais efeitos adversos são: desconforto gastrintestinal, deposição nos ossos e dentição em crianças em crescimento, hepatotoxicidade fatal, fototoxicidade, tonturas, náuseas e vômitos. São contraindicados para pacientes com insuficiência renal. As representantes desse grupo são: » Tetraciclina (nomes comerciais: Ambra-Sinto®, Cinatrex®, Combitrex®, Multigram®, Parenzyme Tetraciclina®, Combutex®, Oftracin®): tem amplo espectro de ação tanto para gram-negativos como para gram- positivos, porém é inativa contra vírus e fungos. Seu uso mais comum é 73 FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS │ UNIDADE III para o tratamento de Chlamydia, Mycoplasma pneumoniae e infecções por riquétsias. Pode ser utilizada em conjunto com sais de bismuto, metronidazol e inibidores da secreção ácida do estômago no tratamento do Helicobacter pylori. » Oxitetraciclina (nome comercial: Terramicina® de uso oral e intramuscular): é indicado para o tratamento da acne, bronquite, brucelose, infecções por clamídia, gonorreia, doença de Lyme, uretrite não gonocócica, infecções por riquétsia, sífilis, diarreia do viajante e infecções do trato urinário. É contraindicada para crianças abaixo de oito anos e indivíduos com insuficiência renal,além de pacientes com hipersensibilidade ao sulfito. » Doxiciclina (nomes comerciais: Doxilina®, Protectina®, Vibramicina®): possui ação bacteriostática por uma variedade de microrganismos tanto gram-positivos como gram-negativos. É utilizada para o tratamento das uretrites e cervicites não gonocócicas e das exacerbações da bronquite em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica, e pode ser usado no tratamento de acnes. » Minociclina (nome comercial Minoderme®): é uma tetraciclina com atividade contra muitos organismos gram-negativos e gram- positivos, mas não contra vírus e fungos, considerada de longa duração. Recentemente foi observado que ela pode ser utilizada no tratamento da artrite reumatoide também, entretanto, não é utilizada com frequência. Aminoglicosídeos Os aminoglicosídeos são os antibióticos de escolha para o tratamento de infecções graves decorrentes de bacilos gram-negativos aeróbios, porém, devido a sua grande toxicidade, tem sido substituído por antibióticos mais seguros, como a terceira geração de cefalosporinas. Os termos aminoglicosídeo e aminociclitol são originários de sua estrutura: dois aminoaçúcares unidos por ligação glicosídica a um núcleo hexose central (aminociclitol). Sua entrada nos micro-organismos gram-negativos suscetíveis é através de difusão nos canais de porina na membrana externa da bactéria. Como esses micro-organismos possuem um sistema oxigênio-dependente, acabam transportando o fármaco através da membrana celular. Uma vez dentro da bactéria, o fármaco se liga à subunidade 30S antes da formação do ribossomo, interferindo na montagem do aparelho ribossomal funcionante e/ou pode fazer com que a subunidade 30S do 74 UNIDADE III │ FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS ribossomo completo leia incorretamente o código genético, causando depleção aos polissomas. Os aminosglicosídeos são eficazes no tratamento empírico de infecções suspeitas de serem decorrentes de bacilos gram-negativos. Sua resistência pode ser causada por diminuição da captação do fármaco quando não existe o sistema oxigênio-dependente de transporte para aminoglicosídeos ou os canais de porinas; quando ocorre uma diminuição da afinidade pelos aminoglicosídeos devido à alteração do local de ligação na subunidade ribossomal 30S; ou, ainda, quando a síntese de proteínas é dependente de plasmídeo que modifica e inativa os antibióticos aminoglicosídeos. Esse fármaco precisa ser administrado por via parenteral, pois, devido à estrutura policatiônica altamente polar, eles são absorvidos inadequadamente por via oral. Seu efeito bactericida é dependente do tempo e da concentração, ou seja, quanto maior a concentração do fármaco, maior a velocidade com que os micro-organismos morrem. Os aminoglicosídeos não são biotransformados no hospedeiro, sendo rapidamente excretados na urina por filtração glomerular. É de extrema importância o monitoramento dos níveis plasmáticos desses fármacos para evitar concentrações que causam toxicidade dose-dependente, nefrotoxicidade, paralisia neuromuscular e reações alérgicas. São representantes desse grupo: » Estreptomicina (de mesmo nome comercial): é utilizado principalmente contra bacilos gram-negativos, especialmente Mycobacterium; mas cocos e bacilos gram-positivos, bem como Neisseria também são moderadamente sensíveis a esse fármaco. É indicado principalmente para o tratamento da tuberculose. » Gentamicina (nomes comerciais: Gentaron®, Septopal®, Sulfato de Gentamicina®): é o antibiótico mais potente do grupo, seu maior uso é em infecções provocadas por bacilos gram-negativos como Enterobacter, E. coli, Klebsiella, Salmonella, Proteus indol-positivos, sendo altamente específica em Pseudomonas. » Neomicina (disponível somente em associações): é utilizada preferencialmente de maneira tópica – não é absorvida pela pele ou pelas mucosas. Por não ser absorvida por via oral, é empregada em infecções intestinais (Escherichia, Salmonella, Shigella, etc.). » Tobramicina (nome comercial Tobragan®): é mais ativa contra bacilos gram-negativos aeróbios e é usada em combinação com outros antibióticos 75 FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS │ UNIDADE III contra Staphylococcus aureus e certas espécies de estreptococos. É indicada no tratamento de infecções oculares. Pode ser utilizada em combinação com a penicilina para o tratamento da endocardite. Ela não é metabolizada, sendo eliminada quase exclusivamente por filtração glomerular. » Amicacina (nomes comerciais: Amicilon®, Sulfato de Amicacina®): é mais ativa contra bacilos gram-negativos aeróbios e usada em combinação com outros antibióticos contra Staphylococcus aureus e certas espécies de estreptococos, não sendo ativa contra bactérias anaeróbias. Macrolídeos Os macrolídeos são um grupo de antibióticos que possuem uma estrutura lactona macrocíclica, à qual um ou mais açúcares desoxi estão ligados. Eles se ligam irreversivelmente a um local na subunidade 50S do ribossomo bacteriano, inibindo as etapas de translocação na síntese de proteínas, podendo também interferir em outras etapas, como a transpeptização. Como a síntese de proteínas em humanos é diferente, não ocorre essa interferência. A Figura 21 mostra esquematicamente o sítio de ligação dos macrolídeos. Figura 21. Esquema demonstrando o sítio de ligação dos macrolídeos. A eritromicina e a clindamicina se ligam à subunidade 50S, inibindo, assim, a translocação 50S 50S 30S 30S RNAm RNAm Eritromicina e Clindamicina Translocação Fonte: adaptado de Ktzung (2010). 76 UNIDADE III │ FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS » Eritromicina (nomes comerciais: Eritrex®, Ilosone®, Lactobionato de Eritromicina®, Rubomicin®, Pantomicina® tópica): é eficaz contra muitos dos micro-organismos que a benzilpenicilina atua, sendo assim, é usada em pacientes alérgicos às penicilinas. Atua em cocos gram- positivos, estreptococos, pneumococos, estafilococos e cocos gram- negativos (Neisseria).. » Claritromicina (nomes comerciais: Claritron®, Klaricid®): possuem um espectro antibacteriano similar ao da eritromicina, mas também é eficaz contra Haemophilus influenzae. É indicada para o tratamento da faringite causada por Streptococcus pyogenes; bronquite crônica causada por Moraxella catarrhalis, S. pneumoniae ou Mycoplasma pneumoniae; e infecções da pele causadas por Staphylococcus aureusi ou Streptococcus pyogenes. » Azitromicina (nomes comerciais: Azi®, Clindal AZ®, Mazitrom®, Selimax®, Zidimax®, Zitromax®): é mais ativa contra as infecções respiratórias decorrentes de H. influenzae e Moraxella catarrhalis. » A resistência à eritromicina está se tornando um grave problema clínico e pode ocorrer devido: à incapacidade de o micro-organismo captar o antibiótico, ou à presença de uma bomba de efluxo, limitando a quantidade intracelular de eritromicina; à diminuição da afinidade da subunidade ribossomal 50S pelo antibiótico, resultante da metilação de uma adenina no RNA ribossomal bacteriano 23S; ou à presença de uma eritromicina esterase associada a plasmídeo. A eritromicina é destruída pelo suco gástrico, sendo assim, é administrada em formas esterificadas ou em comprimido revestido entéricos do antibiótico, mas esses compostos são adequadamente absorvidos por via oral. É um dos poucos fármacos que se difunde no líquido prostático e é o único com a característica de se acumular nos macrófagos. Seus principais efeitos adversos são distresse epigástrico, icterícia colestática e surdez transitória. É contraindicado em pacientes com disfunção hepática, pois se acumula no fígado. A eritromicina, a telitromicina e a claritromicina inibem a biotrasnformação hepática de vários fármacos, o que pode levar ao acúmulo tóxico desses compostos, e podem ocorrer, ainda, interações com digoxina em alguns pacientes. 77 FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS │ UNIDADE III Cloranfenicol O cloranfenicol (nomes comerciais: Amplobiotic®, Quemicetina®, Sintomicetina®,Visalmin®) é ativo contra uma grande variedade de micro-organismos gram-positivos e gram-negativos. Ele liga-se à subunidade ribossomal bacteriana 50S e inibe a síntese proteica na reação de peptidiltransferase, conforme esquematizado na Figura 22. Por causa da grande semelhança dos ribossomos mitocondriais de mamíferos aos bacterianos, pode ocorrer inibição da síntese proteica nessas organelas devido a níveis elevados circulantes de cloranfenicol, ocorrendo toxicidade na medula óssea. Por essa razaõ, seu uso está limitado a infecções ameaçadoras à sobrevida, para as quais não existem alternativas. Figura 22. Esquema demonstrando o sítio de ligação do cloranfenicol. O cloronfenicol inibe a peptidiltransferase. Níveis elevados também inibem a síntese de proteínas mitocondriais. 50S 50S 30S 30S RNAm RNAm Cloranfenicol Peptidiltransferase Fonte: adaptado de Ktzung (2010). O cloranfenicol é um antibiótico de amplo espectro, sendo ativo não só para bactérias, mas também contra outros micro-organismos. Sua resistência ocorre devido à presença de um fator R que codifica uma acetilcoenzima A transferase. Essa enzima inativa o 78 UNIDADE III │ FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS cloranfenicol, ou ainda, pode ocorrer resistência devido à incapacidade de o antibiótico penetrar o microrganismo. Ele pode ser administrado por via intravenosa ou oral, sendo completamente absorvido por via oral devido a sua natureza lipofílica e é amplamente distribuído através do organismo. Suas principais reações adversas são anemias, e em neonatos pode levar à má-alimentação, depressão respiratória, colapso cardiovascular, cianose e morte. Clindamicina A clindamicina (nome comercial Dalacin C®) possui o mesmo mecanismo de ação da eritromicina, sendo usada principalmente no tratamento de infecções causadas por bactérias anaeróbias, como Bacteroides fragilis, que causam infecções abdominais associadas a traumatismos. Também é ativa contra cocos gram-positivos não enterococos. Seus mecanismos de resistência são os mesmos da eritromicina. É bem absorvida por via oral e distribui-se bem em todos os líquidos corporais, exceto o LCE. Esse fármaco é excretado na bile ou com a urina por filtração glomerular. É indicada para o tratamento das infecções da pele e de tecidos moles, do trato respiratório, intra- abdominais, ginecológicas, septisemia e osteomielites. Linezolida A linizolida (nome comercial Zyvox®) é utilizada para combater micro-organismos gram-positivos, como Staphylococcus aureus vancomicina-resistentes, Enterococcus faecium e Enterococcus faecalis vancomicina-resistentes e estreptococos penicilina- resistentes. Esse fármaco é uma oxazolidinona totalmente sintética. Ele age inibindo a síntese proteica bacteriana, dificultando a formação do complexo de iniciação 70S, ligando-se a um local na subunidade 50S próximo da interface com a subunidade 30S. Sua ação antibacteriana está direcionada principalmente contra micro-organismos gram-positivos, como estafilococos, estreptococos e enterococos, bem como espécies de Corynebacterium e Listeria monocytogenes. Ela é completamente absorvida por via oral. A linesolida é bem tolerada, porém há registros de alguns distúrbios gastrintestinais, náuseas, diarreia, cefaleia e urticária. Inibidores da síntese e da integridade do DNA As sulfonamidas são inibidoras competitivas de uma enzima que catalisa uma reação necessária ao ácido fólico (necessária para a síntese de precursores de DNA e RNA) nas bactérias. O fato importante é que as células humanas obtêm o ácido fólico da 79 FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS │ UNIDADE III dieta. Não tendo essa enzima, não ocorre alteração do DNA humano, mas somente do DNA bacteriano. São utilizadas no tratamento das infecções do trato urinário por germes sensíveis especialmente por E. coli, nas meningites por meningococos e pelo H. influenzae. As principais representantes desse grupo são: » Sulfadizina (de mesmo nome comercial): é de uso oral de duração e ação intermediária. É usada em combinação com a pirimetamina no tratamento da toxoplasmose. Tem um amplo espectro contra bactérias gram-negativas e gram-positivas, incluindo Enterobacter sp., E. coli, etc. » Sulfadoxina (nome comercial Fansidar®): ação idêntica à sulfadizina. É indicada como agente primário no tratamento da malária por Plasmodium falciparum resistente a cloroquina. » Cotrimoxazol (nome comercial Bactrim®): é uma combinação da trimetoprima e do sulfametoxazol. Foi inicialmente usado para o tratamento de infecções do trato urinário, mas se tornou útil também no tratamento de ampla gama de infecções, sendo bastante utilizado na prevenção e tratamento de pneumonias causadas por Pneumocytis. Aspectos relacionados ao uso tópico de antibióticos Existem alguns antibióticos de uso tópico bastante conhecidos e utilizados pela população em geral, o que gera diversas discussões sobre eles se tornarem medicamentos isentos de prescrição (MIP), e, assim, serem de fácil acesso à população. Entretanto, por mais que eles tenham baixa absorção na pele, podem também causar efeitos colaterais ou até mesmo resistências bacterianas. Dessa maneira, ainda devem ser medicamentos que necessitam de indicação médica para serem dispensados. Suas principais indicações são para infecções da superfície cutânea em locais que a utilização de terapia sistêmica exigiria uma dosagem alta, ou seria ineficaz, como também infecções causadas por queimaduras, e ainda infecções da boca, da vagina e da pele por Candida albicans. As principais restrições para a indicação e utilização de um antibiótico tópico é devido a reações de sensibilização, pois pequenas quantidades desses antibióticos podem ser absorvidas e sensibilizar o paciente, o que gera reações do tipo eczema eritematosas com ou sem edema, que são localizadas e algumas vezes podem ser disseminadas também. Outro caso é o desenvolvimento de germes resistentes (superinfecção), que ocorre devido à elevada concentração que o antibiótico atinge quando usado localmente, o que 80 UNIDADE III │ FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS pode provocar o extermínio das cepas bacterianas ali existentes, deixando em seu lugar uma flora altamente resistente, que pode se disseminar. Dessa maneira, alguns antibióticos são de uso preferencial para esse tipo de abordagem: neomicina, bacitracina, gramicidina e polimixina B, pois não são absorvidos pela pele e provocam relativamente pouca irritação local. Alguns outros antibióticos podem ser utilizados de maneira esporádica para esse fim tópico, que é o caso da tetraciclina, cloranfenicol, espiramicina, colistina, canamicina, gentamicina e rifampicina, mas esses medicamentos podem levar ao aparecimento de resistência, mesmo sendo eficazes como uso tópico; entretanto, devem ser reservados ao uso tópico somente quando ocorre a falha com outros antibióticos, devido ao seu uso sistêmico. Já a penicilina e a estreptomicina têm seu uso tópico condenados, pois apresentam alto potencial de sensibilidade cutânea, espectro de ação relativamente pequeno e as bactérias desenvolvem resistência em tempo curto. 81 82 UNIDADE III │ FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS CAPÍTULO 3 Antifúngicos Os fungos são micro-organismos em forma de leveduras, de bolores ou de uma combinação de ambas as formas; são organismos eucarióticos – possuem vias metabólicas semelhantes as dos seres humanos. Devido a isso, há uma grande dificuldade no desenvolvimento de agentes antifúngicos seletivos. Da mesma forma que os antibacterianos, os antifúngicos procuram atingir alvos exclusivos do micro- organismo; a principal diferença reside no esterol utilizado para manter a estrutura e a função da membrana plasmática. A célula dos mamíferos utiliza o colesterol para isso, enquanto as células fúngicas utilizam o ergosterol, um esterol estruturalmente distinto. A maioria dos antifúngicos disponíveis se destina ao tratamento das micoses externas, comaplicação tópica, como no tratamento de candidíase, paroníquea fúngica e Microsporum sp., mas é menor o número de fármacos usados para o tratamento de micoses internas, como blastomicose, coccidioidomicose, criptococose, micetoma e septicemia fúngica. Os antifúngicos conhecidos agem em três locais específicos, que são os esteróis da membrana plasmática, a síntese do ácido nucleico e nos constituintes da parede celular (quitina, β1,3 glucana sintase e nanoproteína). Para ser um agente antifúngico seja ideal, é necessário ter quatro características principais: amplo espectro de ação contra uma variedade de fungos patogênicos, baixa toxicidade farmacológica, múltiplas vias de administração e excelente penetração no líquido cefalorraquidiano (LCR), na urina e no osso. Descreveremos os principais antifúngicos disponíveis hoje em dia de acordo com suas classes e seu modo de ação. Inibidor da síntese de ácido nucleico dos fungos – Flucitosina A flucitosina (nome comercial Ancobon®) é uma pirimidina fluorada, a 5-fluorucitosina. Ela é captada seletivamente pelas células fúngicas através de permeases específicas de citosina, que são apenas expressas nas membranas dos fungos – as células do hospedeiro não sofrem a ação desse medicamento, devido a essa toxicidade seletiva, por não possuírem esses transportadores. Como resultado desse processo, ocorre a inibição da síntese de DNA e da divisão celular. A Figura 24 demonstra esquematicamente o mecanismo de ação da flucitosina. 83 FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS │ UNIDADE III A indicação desse fármaco é para o tratamento de infecções fúngicas como a endocardite, meningite, pneumonia, septicemia e infecções fúngicas do trato urinário, além disso, estudos sugerem que tenha atividade contra Cryptococcus neoformans e Candida albicans também. Ele geralmente é administrado em conjunto com a anfotericina B ou fluconazol. Figura 24. Mecanismos de ação da flucitosina. NH2 F N N H O Flucitosina Citosina permease Membrana celular Citosina desaminase O N H O F NH 5-Fluoruracila (5-FU) F O NH O N O O -O O O- H H H H H OH Monofosfato ácido 5- flurodesoxiuridílico (5FdUMP) dUMP dTMP Timidilato sintase Fonte: adaptado de Golan (2009). 84 UNIDADE III │ FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS Inibidor da mitose dos fungos: griseofulvina A griseofulvina (nomes comerciais: Fulcin®, Sporostatin®) é derivada do Penicillium griseofulvum, que inibe a mitose dos fungos – através de sua ligação à tubulina e a uma proteína associada aos microtúbulos – e rompe a organização do fuso mitótico. Também inibe a síntese de RNA e de DNA pelo fungo. Esse fármaco se acumula nas células precursoras de queratina; sua associação prolongada e firme com a queratina permite o novo crescimento da pele, dos cabelos ou das unhas livres de infecções por dermatófitos. É indicada para o tratamento de várias infecções por Tinea, principalmente infecções por dermatófitos superficiais, pois se deposita em células percursoras de queratina. Inibidores da via de síntese do ergosterol Inibidores da esqualeno epoxidase: alilaminas e benzilaminas Os inibidores da esqualeno impedem a formação do lenosterol, que é um precursor do ergosterol. A Figura 25 demonstra a via de síntese do ergosterol e os locais de ação de fármacos inibidores desta síntese. Eles também promovem o acúmulo do metabólito tóxico do esqualeno nas células fúngicas, sendo fungicida na maioria das circunstâncias. Esses agentes podem ser divididos em de acordo com suas estruturas químicas: » Alilaminas: seu representante é a terbinafina (nomes comerciais: Funtyl®, Lamisil®); se encontra nas formas comerciais tópicas e sistêmicas e é indicado para as onicomicoses; possui grande interação com álcool podendo promover hepatotoxicidade. » Benzilamina: seu representante é a butenafina. 85 FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS │ UNIDADE III Figura 25. Via de síntese do ergosterol e local de ação de antifúngicos que inibem essa via. Alilaminas Benzilaminas Esqualeno epoxidase Imidazólicos Triazólicos Fluconazol Voriconazol 14α-esterol desmetilase Acetil-CoA HMG CoA Mevalonato Esqualeno Dois triazólicos representativos: Lanosterol Ergosterol Síntese da membrana HO H O H N N N N N N F F F F F N N N N N OH HO H H Fonte: adaptado de Golan (2009). Inibidores da 14α-esterol desmetilase: imizazólicos e triazólicos A 14α-esterol desmetilase é uma enzima do citocromo P450 microssomal que converte o lanosterol em ergosterol. Os azólicos são agentes antifúngicos que 14α-esterol desmetilase dos fungos. Essa diminuição de ergosterol e acúmulo de 14α-esterol desmetilase promovem o rompimento das cadeias acil estreitamente agrupadas dos fosfolipídios nas membranas dos fungos, podendo levar à morte celular. Essa classe age como fungistático e é considerada de amplo espectro. É dividida em duas classes: a dos antifúngicos imidazólicos e a dos antifúngicos triazólicos. Seus representantes serão descritos a seguir. 86 UNIDADE III │ FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS Antifúngicos imidazólicos O cetoconazol (nomes comerciais: Aciderm®, Arcolan®, Candiderm®, Candoral®, Cetocona®, Cetohexal®, Cetomed®, Cetonax®, Cetonil®, Cetonin®, Cetozin®, Fungoral®, Ketonan®, Ketonazol®, Nizoral®, Sioconazol®) é indicado para o tratamento de micoses superficiais e profundas. Há relatos de hepatotoxicidade fatal, supressão adrenal e interações medicamentosas perigosas com seu uso oral, e por isso deve ser usado somente em infecções graves como blastomicose, histoplasmose, coccidioidomicose, paracoccidioidomicose e cromomicose, quando não existir outra medicação disponível. Quando utilizado topicamente, sua ação se restringe ao local, por não ser bem absorvido. O clotrimazol (nomes comerciais: Dermazol®, Gino-canesten®, Micosten®) é de uso tópico, indicado para infecções da região genital (vaginite) causada por fungos, sendo a mais frequente por Candida albicans. O miconazol (de nome comercial Daktarin®, nas versões gel oral e ginecológico, também loção cremosa) é indicado para o tratamento da candidíase da cavidade bucofaríngea. O econazol (nome comercial Micostyl®) é indicado para o tratamento tópico de micoses superficiais causadas por dermatófitos e leveduras, como Tinea corporis (tinha do corpo), Tinea pedis (frieira, pé-de-atleta), Tinea barbae (coceira do barbeiro), Tinea curis (tinha da virilha, prurido de jóquei) e pitiríase versicolor (micose de praia). O butoconazol (nome comercial Gynazole-1®) é indicado para o tratamento da candidíase vulvovaginal. O oxiconazol (nomes comerciais: Oceral®, Oxipelle®) é indicado para infecções cutâneas devido a dermatófitos como Trichophyton, Epidermophyton e Micosporum, como também por leveduras, em particular a Candida albicans, e ainda fungos leveduriformes como a Malassezia furfur (patógeno envolvido na pitiríase versicolor) e infecções mistas por fungos e bactérias gram-positivas. Antifúngicos triazólicos O itraconazol (nomes comerciais: Itrahexal®, Itraspor®, Miconal®, Sporanox®, Traconal®) é indicado para o tratamento de diversas micoses superficiais e sistêmicas, mas com maior atividade para Aspergillus. Apresenta manifestações gastrintestinais e hepáticas em menor frequência, podendo ocorrer impotência e ginecomastia, principalmente quando usado em altas doses. 87 FARMACOLOGIA DOS ANTIMICROBIANOS │ UNIDADE III O fluconazol (nomes comerciais: Zoltec®, Exomax®, Flucanil®, Flucol®, Flucolcid®, Flucomed®, Fluconal®, Fluconeo®, Flucovil®, Flurgyn®, Frezolcan®, Hiconazol®, Pronazol®, Zelix®) tem espectro de ação mais amplo do que os agentes antifúngicos da classe dos imidazólicos. É indicado para o uso nos pacientes que receberam transplante de medula óssea ou que recebem quimioterapia e/ou radioterapia, para diminuir a incidência de candidíase. O voriconazol (nome comercial Vfend®) é indicado no tratamento de aspergiloseinvasiva, infecções invasivas graves por Candida resistentes ao fluconazol, infecções fúngicas graves causadas por Scedosporium spp. e Fusarium spp. Ao contrário do fluconazol, ele possui atividade contra Aspergillus. O terconazol (nomes comerciais: Ginconazol®, Gyno-fungix®) é indicado no tratamento da candidíase vulvovaginal (monilíase). O posaconazol (nome comercial Noxafil®) é agente antifúngico de amplo espectro, mais eficaz do que o itraconazol contra os fungos, incluindo Aspergillus e Fusarium sp., sendo eficaz também contra o Cryptococcus neoformans e Scedosporium apiospermum. Inibidores da estabilidade da membrana dos fungos: polienos A classe de antifúngicos polienos é composta pela anfotericina B (nomes comerciais: Abelcet®, Ambisome®) e pela nistatina (nomes comerciais: Inofungin®, Micostatin®, Nicostan®, Nidazolin®, Nistatina®). Esses fármacos atuam através de sua ligação ao ergosterol, com ruptura da estabilidade da membrana dos fungos. Sua ligação ao ergosterol produz canais ou poros que alteram a permeabilidade da membrana do fungo e que permitem o extravasamento de constituintes celulares essenciais, levando finalmente à morte da célula. A toxicidade desse fármaco limita seu uso clínico; os efeitos adversos associados à anfotericina B são divididos em três grupos: reações sistêmicas imediatas, efeitos renais e efeitos hematológicos. A anfotericina B é um antifúngico poliênico obtido por fermentação em culturas de Streptomyces nodosos, que é um actinomiceto do solo. É indicada para infecções fúngicas sistêmicas, histoplasmose, coccidoimicose, blastomicose, criptomicose, monilíase disseminada, aspergilose e meningite. Tem importante interação com corticoides, o que leva ao aumento da perda de potássio, e interação com digitálicos, levando ao maior risco de intoxicação digitálica (devido à baixa concentração de potássio). 88 A nistatina é indicada para infecções do trato gastrintestinal (possui baixa absorção no trato gastrintestinal), e utilizado de maneira tópica para micoses externas. Sua estrutura química é semelhante a anfotericina B. Inibidores da síntese da parede celular dos fungos: equinocandinas O alvo das equinocandinas é a síntese da parede celular dos fungos através da inibição não competitiva da síntese de β-(1,3)-D-glicanos, provocando a ruptura da integridade da parede celular e, consequentemente, estresse osmótico, lise da célula fúngica e morte do fungo. Como as células humanas não possuem parede celular, os componentes da parede celular dos fungos são alvos exclusivos para a terapia antifúngica, e os agentes antifúngicos direcionados a esses alvos são geralmente atóxicos. Os três agentes antifúngicos dessa classe são lipopeptídeos semissintéticos derivados de produtos naturais. Seus representantes são: » Caspofungina (nome comercial Cancidas®): indicado no tratamento da aspergilose invasiva em pacientes que apresentam resistência ou intolerância a outros tratamentos. » Micafungina (nome comercial Mycanime®): indicado para o tratamento de candidíase invasiva e candidíase esofágica, além de profilaxia de infecções por Candida em pacientes submetidos a transplante de medula ou pacientes com neutropenia esperada. » Anidulafangina (nome comercial Ecalta®): indicações para o tratamento da candidíase invasiva em pacientes adultos, incluindo candidemia. Pode causar reações adversas como trombocitopenia, coagulopatia, hiper ou hipocalcemia, hipomagnesemia, convulsão, cefaleia, rubor, diarreia, rash cutâneo, prurido, prolongamento do intervalo QT (eletrocardiograma), etc. 89 FARMACOLOGIA DOS ANTIVIRAIS │ UNIDADE IV UNIDADE IVFARMACOLOGIA DOS ANTIVIRAIS CAPÍTULO 1 Fisiopatologia das infecções virais Os vírus são considerados os menores agentes infecciosos existentes. Por causa de seu tamanho submicroscópico, o esclarecimento a respeito da natureza dos vírus e sua visualização só foi possível a partir de 1935, após a invenção do microscópio eletrônico. Os vírus possuem organização estrutural simples que consiste na existência de apenas um tipo de ácido nucleico, ou seja, RNA ou DNA, o qual normalmente é circundado por um capsídeo proteico que pode ou não ser envolto por um envelope contendo lipídeo. No entanto, apesar da existência de material genético, os vírus não possuem maquinaria própria para síntese celular, não sendo capazes de se replicarem sozinhos. Dessa forma, os vírus são considerados parasitas intracelulares obrigatórios,pois multiplicam-se apenas no interior das células vivas de seus hospedeiros, sendo inertes em meio extracelular. O problema é que, quando atravessam as barreiras de proteção natural de um organismo e conseguem invadir uma célula para se reproduzirem, os vírus podem causar doenças em seu hospedeiro. Isso acontece em dois cenários: (1) quando os vírus conseguem escapar do controle imunológico do hospedeiro, matando células de um tecido importante; ou ainda (2) quando sua invasão em uma célula e/ou tecido desencadeia uma resposta imunológica inflamatória que pode se tornar destruidora para o tecido infectado. Dessa forma, as respostas inflamatórias decorrentes de uma infecção viral são consequência do tipo de interação vírus-hospedeiro e da resposta do próprio hospedeiro à infecção. O tecido atacado pelo vírus define a natureza da doença e dos sintomas (por exemplo, um vírus que tem afinidade por células do tecido pulmonar, ocasiona doenças no trato respiratório), e sua intensidade é governada por fatores virais, tais como a cepa do vírus ou tamanho do inóculo; e fatores do hospedeiro, como o estado geral de saúde da pessoa infectada. Sendo assim, na maioria dos casos, a habilidade da resposta imunológica do indivíduo em controlar a infecção é que determina a intensidade e a duração da doença. 90 UNIDADE IV │ FARMACOLOGIA DOS ANTIVIRAIS Características gerais dos vírus O conjunto de características que distinguem os vírus dos demais agentes infecciosos, delimitando-os dentro do mesmo grupo, está relacionado a sua organização estrutural simples e aos mecanismos de multiplicação. Dessa forma, os vírus podem ser definidos como entidades que: 1. contêm somente um tipo de ácido nucleico, DNA ou RNA; 2. possuem um invólucro proteico envolvendo o ácido nucleico, o qual pode ou não estar recoberto por um envelope de lipídeos, proteínas e carboidratos; 3. utilizam-se da maquinaria de síntese celular das células vivas do hospedeiro para se multiplicar; e 4. induzem a síntese de estruturas especializadas na transferência do ácido nucleico viral para outras células (TORTORA; FUNKE; CASE, 2012). Apesar de constituídos por um invólucro proteico, os vírus não possuem enzimas para a síntese proteica e nem para a geração de ATP, e justamente por isso necessitam se apossar da maquinaria metabólica da célula hospedeira para se multiplicar. No entanto, apesar de possuírem características comuns que os definem dentro de um mesmo grupo, os vírus apresentam grande variação de estruturas, expressão do genoma e também nas estratégias de replicação e transmissão, fatores esses importantes a serem considerados pois são eles que vão determinar a forma de infecção e afinidade dos vírus por células específicas. Para conseguir infectar uma célula hospedeira, a superfície externa do vírus precisa interagir quimicamente com receptores específicos presentes na superfície celular. Quanto maior a combinação de sítios de ligação e receptores celulares, mais forte é a associação entre a célula hospedeira e o vírus. Assim, conhecer as características morfológicas e estruturais dos vírus é importante para a compreensão dos modos de infecção e também para o desenvolvimento de fármacos capazes de neutralizá-los. Estrutura e morfologia viral A unidade infecciosa completa, ou seja, a partícula de vírus que se encontra fora da célula hospedeira, é denominada vírion. Isso porque, para se manter íntegro e conseguir invadir uma célula a fim de utilizar sua maquinariapara replicação, o vírus necessita de uma estrutura que proteja e envolva o seu material genético. Dessa forma, o vírion 91 FARMACOLOGIA DOS ANTIVIRAIS │ UNIDADE IV consiste em um genoma empacotado por um envoltório proteico e, em alguns casos, possui uma membrana denominada envelope. Como já mencionando, o genoma dos vírus pode ser tanto DNA como RNA (mas nunca ambos). O DNA pode ser de fita simples ou dupla, linear ou circular. O RNA pode ser de sentido positivo (+) (como RNA mensageiro [mRNA]) ou negativo (−), fita dupla (+/−) ou de duplo sentido (contendo regiões de RNA + e − ligadas pela extremidade). O RNA também pode ser segmentado, com cada fragmento codificando um ou mais genes (MURRAY; ROSENTHAL; PFALLER, 2009; TORTORA; FUNKE; CASE, 2012). Seja de DNA ou RNA, o ácido nucleico dos vírus é protegido por um envoltório proteico chamado de capsídeo. Em alguns vírus, esse capsídeo é coberto por um envelope, o qual normalmente é constituído por uma combinação de lipídeos, proteínas e carboidratos. Ambas as estruturas são responsáveis pela proteção do genoma viral e funcionam como um veículo de liberação do material genético durante a infecção de uma nova célula hospedeira, pois o formato e a composição dessas estruturas interagem diretamente e são reconhecidas pela superfície externa das células hospedeiras. Em alguns tipos de vírus, os envelopes podem apresentar espículas se projetando em sua superfície. Essas espículas são constituídas por um complexo carboidrato-proteína, e os vírus que as possuem as utilizam para fixação na célula hospedeira (BROOKS et al., 2014; MURRAY; ROSENTHAL; PFALLER, 2009; TORTORA; FUNKE; CASE, 2012). Os vírus que não possuem capsídeo recoberto por envelope são chamados de vírus não envelopados. Nesses casos, é o capsídeo que cumpre a função de proteger o ácido nucleico viral, além de promover a ligação do vírus com a célula hospedeira. Normalmente esses vírus são mais resistentes ao ressecamento, a ácidos e a detergentes. Os vírus envelopados, por sua vez, podem ter esta estrutura facilmente rompida por ressecamento, solventes, detergentes e condições ácidas, justamente por causa de sua estrutura membranosa lipídica. O rompimento do envelope resulta, consequentemente, na inativação dos vírus. O Quadro 6 a seguir apresenta as diferentes famílias de vírus que afetam humanos, juntamente com algumas características e dimensões. O conhecimento das características estruturais e genéticas de um vírus possibilita uma compreensão de como ele se replica, dissemina e causa doença, além de servir como base para a produção de novos fármacos que combatam esse agente. 92 UNIDADE IV │ FARMACOLOGIA DOS ANTIVIRAIS Quadro 6. Famílias de vírus que afetam humanos. Características/dimensões Família viral Gêneros importantes Aspectos clínicos ou especiais DNA fita simples não envelopado 18 a 25nm Parvoviridae Parvovírus humano B19 A quinta doença; anemia em pacientes imunocomprometidos. DNA de fita dupla não envelopado 70 a 90nm Adenoviridae Mastadenovirus Vírus de tamanho médio que causa várias infecções respiratórias em seres humanos; alguns causam tumores em animais. 40 a 57nm Papovaviridae Papilomavírus (vírus que causa verrugas em seres humanos) Polyomavirus Vírus pequenos que induzem tumores; vírus que causam verrugas em humanos (papiloma) e determinados vírus que produzem câncer em animais (polioma e símio) DNA de fita dupla envelopado 200 a 350nm Poxviridae Orthopoxvirus (vírus da vaccínia e varíola) Molluscipoxvirus Vírus muito grande, complexo e em forma de tijolo que causa doenças como a varíola (Molluscum contagiosum) – lesões de pele semelhantes a verrugas – e a varíola bovina (Cowpox). 150 a 200nm Herpesviridae Simplexvirus (HHV-1 e 2) Varicellovirus (HHV-3) Lymphocryptovirus (HHV-4) Cytomegalovirus (HHV-5) Roseolovirus (HHV-6) HHV-7 Vírus do sarcoma de Kaposi (HHV-8) Vírus de tamanho médio que causam várias doenças em humanos, como a herpes labial, catapora, herpes zoster e mononucleose infecciosa; causam um tipo de câncer em humanos denominado linfoma de Burkitt. 42nm Hepadnaviridae Hwepadnavirus (vírus da hepatite B) Depois da síntese proteica, o vírus da hepatite B usa a transcriptase reversa para produzir o seu DNA a partir de um mRNA; causa hepatite B e tumores hepáticos. RNA de fita simples positiva não envelopado 28 a 30nm Picornaviridae Enterovirus Rhinovirus (vírus do resfriado comum) Vírus da hepatite A São conhecidos, pelo menos, 70 enterovírus humanos, incluindo poliovírus, coxsackie e ecovírus; existem mais de 100 rinovírus que são a causa mais comum dos resfriados. 35 a 40nm Caliciviridae Vírus da hepatite E Norovírus Inclui agentes causadores de gastrenterites e um tipo de hepatite humana. RNA de fita simples positiva envelopado 60 a 70nm Togaviridae Alphavirus Rubivirus (vírus da rubéola) Inclui muitos vírus transmitidos por artrópodes (Alphavirus); entre as doenças estão as encefalites equinas orientais e ocidentais. O vírus da rubéola é o transmitido por via respiratória. 93 FARMACOLOGIA DOS ANTIVIRAIS │ UNIDADE IV 40 a 50nm Flaviviridae Flavirirus Pestivirus Vírus da hepatite C Podem se replicar nos artrópodes que os transmitem; as doenças incluem a febre amarela, a dengue e as encefalites de St. Louis e do Oeste do Nilo (West Nile vírus). 80 a 160nm Coronaviridae Coronavirus Associados com infecções do trato respiratório superior e resfriado comum; vírus causador da Síndrome Respiratória Aguda Severa (SARS). RNA de fita simples negativa, fita única 70 a 180nm Rhabdoviridae Vesiculovirus (vírus da estomatite vesicular) Lyssavirus (vírus da raiva) Vírus em forma de projétil possuindo envelope com espículas; causam raiva e numerosas doenças animais. 80 a 14.000nm Filoviridae Filovirus Vírus helicoidais envelopados; os vírus Ebola e Marburg são flavivírus. 32nm Deltaviridae Hepatite D Depende de coinfecção com Hepadnavirus. RNA de fita simples negativa, segmentado 80 a 200nm Orthomyxoviridae Vírus Influenza A, B e C As espículas presentes no envelope aglutinam eritrócitos. 90 a 120nm Bunyaviridae Bunyavirus (vírus da encefalite da Califórnia) Hantavirus Os hantavírus causam febres hemorrágicas, como a febre hemorrágica coreana e a síndrome pulmonar; associados com roedores. 110 a 130nm Arenaviridae Arenavirus Os capsídeos helicoidais possuem grânulos contendo RNA; causam coriomeningite linfocitária, febre hemorrágica venezuelana e a febre de Lassa. Produz DNA 100 a 120nm Retroviridae Oncovirus Lentivirus (HIV) Incluem todos os vírus de RNA causadores de tumor. Os oncovírus causam leucemia e tumores em animais; o lentivírus HIV causa Aids. RNA de fita dupla, não envelopado 60 a 80nm Reoviridae Reovirus Rotavirus Envolvidos em infecções respiratórias brandas e gastrenterites; uma espécie sem classificação causa a febre do carrapato do Colorado. Fonte: adaptado de Tortora, Funke e Case (2012). Replicação viral e modo de infecção Como já explicado, os vírus só se multiplicam em células vivas. O ácido nucleico de um vírion possui apenas uma parte dos genes necessários à síntese de novos vírus, como aqueles que codificam a síntese de proteínas do capsídeo e algumas enzimas usadas no ciclo de multiplicação viral. No entanto, essas enzimas somente são sintetizadas e funcionam quando o vírus está dentro da célula hospedeira. Dessa forma, é a célula hospedeira que fornece toda a energia e o mecanismo de síntese de proteínas, além dos ribossomos e tRNA, necessários para a síntese de proteínas, enzimas e ácidos nucleicos virais. 94 UNIDADE IV │ FARMACOLOGIA DOS ANTIVIRAIS Um aspecto interessante a ser considerado é que, logo após a interação com a célula hospedeira, o vírion infectante se rompe e perde sua infecciosidade, dando início a uma fase de crescimento, a qual é denominada período de eclipse. Esse período é de intensa atividade de síntese, uma vez quea célula hospedeira é redirecionada para suprir as necessidades do vírus que agora a ocupa. Após a síntese das proteínas e do ácido nucleico viral, esses componentes se organizam para formar novos vírions infecciosos que saem da célula para infectar outras, iniciando um novo ciclo de infecção-replicação. Um único vírion, ao infectar uma célula, pode dar origem a apenas algumas ou até milhares de partículas virais. Esse processo altera a célula hospedeira de maneira tão drástica que pode causar sua morte em algumas ocasiões; em outras, a célula sobrevive e pode continuar produzindo vírus indefinidamente. Apesar de alguns detalhes variarem de um grupo para outro, o perfil geral dos ciclos de replicação viral é semelhante e pode ser dividido em algumas etapas: fixação (ou adsorção); penetração; desnudamento; biossíntese dos componentes virais; maturação (ou morfogênese) e liberação. A fixação é a primeira etapa na infecção viral. Ela se dá pela interação de um vírion com receptores específicos na superfície da célula. Apesar de os receptores celulares diferirem de acordo com cada tipo de vírus, em geral eles são proteínas e glicoproteínas da membrana plasmática. Nos vírus, os sítios de ligação encontram-se distribuídos por toda a superfície da partícula viral. Já os sítios receptores estão relacionados à características genéticas do hospedeiro e podem variar de indivíduo para indivíduo, explicando as diferenças na susceptibilidade a infecções entre as pessoas. Além disso, a ligação ao receptor muitas vezes reflete casuais homologias de configuração entre a estrutura superficial do vírion e um componente da superfície celular. Por exemplo, o vírus da Aids liga-se a um receptor específico (CD4) sobre células do sistema imunológico, enquanto o Epstein-Barr (herpesvírus humano 4) reconhece outro receptor específico (CD21) nas células B. Dessa forma, a presença ou a ausência de receptores apresenta papel determinante na afinidade de fixação e na patogênese viral. A compreensão desses processos de fixação pode auxiliar no desenvolvimento de drogas que previnam infecções virais (BROOKS et al., 2014; TORTORA; FUNKE; CASE, 2012). Na fase seguinte, conhecida como penetração, a partícula viral entra para dentro da célula. Na maioria das vezes, a penetração ocorre através de endocitose mediada por receptores, ou ainda, no caso dos vírus envelopados, pode ocorrer uma fusão do envelope do vírion com a membrana plasmática celular. Depois da penetração na célula, ocorre 95 FARMACOLOGIA DOS ANTIVIRAIS │ UNIDADE IV o desnudamento, ou seja, a separação física entre o ácido nucleico viral e os demais componentes estruturais do vírion. Logo após o desnudamento, com o ácido nucleico viral livre, se dá início à fase de biossíntese dos componentes virais. Apesar de apresentarem especificidades que variam de grupo para grupo, é possível dizer que, no geral, os vírus de DNA replicam seu genoma no núcleo da célula hospedeira utilizando as próprias enzimas virais e sintetizam as demais estruturas, tais como as proteínas do capsídeo, no citoplasma, utilizando enzimas do hospedeiro (BROOKS et al., 2014). A Figura 26 representa esquematicamente o processo de replicação dos vírus contendo DNA. Figura 26. Replicação de um vírus contendo DNA. Fonte: Tortora, Funke e Case (2012). Os vírus de RNA, por sua vez, se multiplicam no citoplasma das células hospedeiras, com a maioria das alterações no processo de replicação relacionadas ao fato de ser RNA de fita simples ou dupla, ou ainda uma fita de RNA + ou -, como demonstrado na Figura 27. Alguns vírus de RNA são exceções a essa regra, por exemplo os retrovírus do gênero Lentivirus, o qual inclui as subespécies HIV-1 e HIV-2 (causadores de Aids). Estes vírus contêm uma enzima denominada transcriptase reversa, a qual utiliza o RNA viral como molde para a síntese de uma fita dupla de DNA complementar. O DNA viral passa a ser integrado ao cromossomo da célula hospedeira como um provírus. Esse provírus nunca é removido do cromossomo, fazendo com que o HIV se torne protegido do sistema imunológico do hospedeiro e também de drogas antivirais (TORTORA; FUNKE; CASE, 2012). 96 UNIDADE IV │ FARMACOLOGIA DOS ANTIVIRAIS A maturação ocorre quando os genomas virais recém-replicados e os polipeptídeos do capsídeo recém-sintetizados se unem, formando a progênie de vírus. No geral, os vírus não envelopados se acumulam no interior das células infectadas que, consequentemente, sofrem um processo de lise, promovendo a liberação dos novos vírions. Já os vírus envelopados amadurecem e são liberados por um processo de brotamento no qual, após síntese e maturação do capsídeo, os novos vírions são empurrados em direção à membrana plasmática, promovendo a extrusão do vírion com uma parte da membrana passando a compor o envelope. Enquanto a liberação dos vírus não envelopados provoca a ruptura e consequente morte da célula hospedeira, o brotamento dos vírus envelopados não mata a célula imediatamente, podendo esta sobreviver em alguns casos. Depois da liberação, os novos vírions recém-sintetizados estão aptos a infectar células adjacentes, dando início a um novo ciclo de infecção- replicação viral (BROOKS et al., 2014). Figura 27. Rotas de multiplicação usadas por vírus contendo RNA. 1 2 3 4 5 Capsíde o RN A Núcleo Citoplasma Célula hospedeira Adsorção Penetração e desnudamento Replicação do RNA viral pela RNA-polimerase dependente de RNA Tradução e síntese das proteínas virais Maturação e liberação O desnudamento promove a liberação do RNA e de proteínas virais. Proteína viral Genoma viral (RNA) A fita negativa é transcrita a partir do genoma viral positivo. Proteína do capsídeo O mRNA é transcrito a partir da fita negativa. Fita positiva (a) ssRNA; fita positiva ou senso; Picornaviridae (b) ssRNA; fita negativa ou antissenso; Rhabdoviridae (c) dsRNA; fita positiva ou senso combinada com a fita negativa ou antissenso; Reoviridae A fita positiva (mRNA) deve ser previamente transcrita a partir do genoma viral negativo para que as proteínas virais sejam sintetizadas. Proteína do capsídeo Proteína do capsídeo Fitas negativas adicionais são transcritas a partir do mRNA. A RNA-polimerase inicia a produção de fitas negativas. O mRNA e as fitas negativas formam o dsRNA, que é incorporado como novo genoma viral. O mRNA é produzido dentro do capsídeo e liberado no citoplasma da célula hospedeira. Proteínas do pasídeo e RNA- polimerase dependente de RNA. LEGENDA Genoma viral Genoma viral, fita senso ou positiva Genoma viral, fita antissenso ou negativa Ss = fita simples Ds = fita dupla Fonte: adaptado de Tortora, Funke e Case (2012). 97 FARMACOLOGIA DOS ANTIVIRAIS │ UNIDADE IV Patogênese viral Para provocar doença, é necessário que um vírus, ao penetrar em um hospedeiro e entrar em contato com células suscetíveis, sofra replicação e cause lesão celular. Na maioria das vezes, os vírus se replicam no local de entrada (por exemplo o vírus Influenza que causa infecções respiratórias). Alguns outros vírus provocam doenças em locais distantes do ponto de entrada (por exemplo os enterovírus, que penetram no organismo por meio do trato gastrintestinal, mas causam doença no sistema nervoso central), e nesses casos, a via mais comum de propagação se dá através da corrente sanguínea e dos vasos linfáticos. O fato é que os vírus apresentam especificidades a órgãos e células; e é esse tropismo que se determina o padrão de doença produzida numa infecção viral. De maneira geral, a destruição de células infectadas e as alterações fisiológicas induzidas pela lesão são responsáveis pelo desenvolvimento da doença. O hospedeiro pode sucumbir ou se recuperar da infecção viral. Dentre os mecanismos pelos quais ele se recupera estão as respostas imunológicas inata e adaptativa. Diferentemente da resposta imunológica às bactérias patogênicas,na qual os leucócitos polimorfonucleares (PMN) constituem a principal resposta celular à inflamação aguda, a reação inflamatória às lesões virais normalmente é caracterizada por infiltração de células mononucleares e linfócitos. Os alvos da resposta imunológica são as proteínas codificadas pelos vírus, e, dessa forma, como consequência do reconhecimento dos polipeptídeos virais na superfície celular, as células infectadas podem ser lisadas pelos linfócitos T citotóxicos. De maneira geral, espera-se que a imunidade mediada por anticorpos proteja o hospedeiro contra uma reinfecção pelo mesmo vírus. Entretanto, algumas características de determinados vírus podem afetar a resposta imunológica do hospedeiro, como é o caso do retrovírus humano HIV associado à síndrome da imunodeficiência adquirida, que infecta os linfócitos T destruindo sua capacidade funcional. Além disso, alguns vírus podem inibir a atividade das citocinas (como o vírus do sarampo e da varíola); outros podem sofrer mutações, alterando seus locais antigênicos (vírus Influenza); ou atenuar o nível de expressão de proteínas de superfície (como o herpes-vírus), dificultando seu reconhecimento. Existe ainda a possibilidade do desenvolvimento de autoanticorpos quando o antígeno viral induz a produção de anticorpos que porventura reconheçam um determinante antigênico sobre uma proteína celular presente em outros tecidos normais e não infectados. Nesse caso, pode ocorrer uma resposta autoimune nesses tecidos, gerando lesão celular ou até mesmo perda de função sem qualquer relação com uma infecção viral (BROOKS et al., 2014). 98 CAPÍTULO 2 Mecanismos de ação dos principais antivirais O fato de os demais parasitas, como bactérias e protozoários, possuírem modo de vida independente os torna alvos mais fáceis para o desenvolvimento de fármacos, os quais atuam diretamente na eliminação destes patógenos. Como discutido em capítulos anteriores, esses fármacos conseguem atuar em estruturas ou funções bioquímicas específicas desses agentes sem, no entanto, causarem danos às estruturas e funções bioquímicas do hospedeiro. Em contrapartida, como os vírus são parasitas intracelulares obrigatórios, antivirais eficazes devem atuar inibindo seletivamente as funções virais sem lesar o hospedeiro – é isso que torna tão complexo o desenvolvimento de tais fármacos. Outra limitação está no fato de muitos ciclos de replicação viral ocorrerem durante o período de incubação. Nesses casos, o vírus se dissemina antes do surgimento de sintomas, o que torna o tratamento com fármacos relativamente ineficaz, pois a infecção viral já foi estabelecida. Assim sendo, conhecimento da estrutura dos vírus e a compreensão dos mecanismos que regem a interação de partículas virais com receptores de superfície celular e anticorpos, são de extrema importância para o planejamento racional de fármacos antivirais que sejam capazes de bloquear a fixação, o desnudamento ou a replicação e posterior reorganização dos vírus em células suscetíveis. Como visto no capítulo anterior, existe grande variação nas propriedades, modos de fixação e replicação virais. Essa variação é de grande importância para a medicina. Enquanto os vírus que possuem antígenos estáveis em sua superfície (ex. sarampo) podem ser controlados por vacinação, outros vírus que apresentam muitos tipos antigênicos (ex. rinovírus) ou que sofrem alterações frequentes (ex. Influenza A), produzindo recidivas (ex. Parainfluenza) ou persistentes (ex. retrovírus) infecções, são de difícil controle por vacinação, podendo ser mais bem controlados pelo uso de antivirais. Dessa forma, a compreensão aprofundada dos mecanismos de ação, bem como uma análise genética desses vírus ajudam na identificação dos processos específicos que possam ser considerados como alvos apropriados ao desenvolvimento da terapia antiviral. 99 PROCESSOS INFLAMATÓRIOS │ UNIDADE I Alvos para fármacos antivirais Os fármacos antivirais, em sua maioria, têm como alvo as enzimas codificadas pelos vírus ou as estruturas virais importantes para a replicação. Dessa forma, a maior parte das drogas representa inibidores bioquímicos de enzimas codificadas pelos vírus. Existem ainda alguns fármacos antivirais que funcionam como estimuladores das respostas protetoras imunológicas inatas do hospedeiro. Sendo assim, os diferentes alvos de atuação dos antivirais consistem nos passos de replicação viral que esses fármacos são capazes de inibir (MURRAY; ROSENTHAL; PFALLER, 2009). Esses diferentes e possíveis alvos de interesse são enumerados a seguir. Ruptura do vírus Romper a estrutura mais externa dos vírus é a primeira etapa a ser vencida para evitar a infecção viral. Os vírus envelopados são suscetíveis a certos lipídeos e moléculas semelhantes a detergentes, os quais têm a capacidade de romper a membrana do envelope, inativando os vírus. Nesse contexto, é possível mencionar o nonoxynol-9, um composto, semelhante a um detergente, que está presente em espermicidas e pode inativar o vírus herpes simples (HSV) e o vírus da imunodeficiência humana (HIV) por exemplo. Fixação na célula-alvo Alguns agentes podem atuar bloqueando a interação de uma proteína de ligação viral com seu receptor de superfície celular. Dentre eles, podem ser destacados os anticorpos de neutralização, que se ligam e recobrem o vírion, ou os antagonistas de receptores, que incluem peptídeos ou açúcares análogos ao receptor da célula ou à proteína de fixação viral, bloqueando competitivamente a interação do vírus com a célula. Penetração e desnudamento Atuar no impedimento da penetração e do desnudamento pode evitar que o genoma viral chegue no citoplasma da célula hospedeira. Compostos metilisoxazólicos, como arildona, disoxaril e pleconaril bloqueiam o desnudamento dos picornavírus ajustando-se a uma fenda no cânion do receptor presente no capsídeo, evitando sua desmontagem. Para vírus que penetram por vesículas: amantadina e rimantadina (com atividade mais específica contra Influenza A), bem como outras aminas hidrofóbicas atuam como agentes antivirais neutralizando o pH desses compartimentos e inibindo o desnudamento do vírion. 100 UNIDADE IV │ FARMACOLOGIA DOS ANTIVIRAIS Replicação do genoma A etapa crucial para a replicação dos vírus é a replicação de seu genoma. Após penetrar na célula, o vírus irá, de fato, utilizar sua maquinaria para se reproduzir, sendo essa etapa um dos alvos mais importantes de atuação dos antivirais. Assim, a maioria dos fármacos antivirais são conhecidos como análogos de nucleosídeos, os quais consistem em nucleosídeos com modificações de base, do açúcar, ou de ambos. Esses análogos atuam na inibição seletiva das polimerases virais, induzindo mutações inativantes. Maturação e liberação dos vírions A maturação e a liberação dos vírions consistem nas etapas finais do ciclo de replicação, permitindo um espalhamento do vírus para outras células do hospedeiro. Se nenhuma das etapas anteriores foi inibida, atuar no impedimento da maturação e/ou liberação dos vírions recém formados pode ser interessante para evitar o espalhamento da infecção viral no organismo. Nesse contexto, alguns fármacos atuam na inibição de proteases, que são cruciais à montagem de vírions e à produção de partículas virais infecciosas. Estimuladores de respostas imunes inatas do hospedeiro Sem dúvida, os melhores agentes antivirais são aqueles inatos do hospedeiro, provenientes da resposta imunológica antiviral. Portanto, o estímulo ou a complementação da resposta natural é uma abordagem eficaz para limitar ou tratar infecções virais. Nesse contexto, são utilizados tanto compostos que estimulam as respostas imunológicas inatas quanto outros produzidos artificialmente com base naqueles sintetizados naturalmente pelas células, como é o caso dos interferons. Drogas antivirais De maneira geral, os fármacos antivirais são produzidos de forma a serem ativados por enzimas celulares antes de atuaremcomo inibidores da replicação viral. Vale ressaltar que as drogas mais seletivas apresentam a característica de somente serem ativadas por enzimas codificadas pelo próprio vírus no interior da célula infectada (BROOKS et al., 2014; MURRAY; ROSENTHAL; PFALLER, 2009). Uma vez que já foram elucidados anteriormente os diferentes alvos mais prováveis para atuação dos antivirais, a seguir são apresentadas as principais classes de fármacos utilizados em terapias e tratamentos contra os vírus. 101 FARMACOLOGIA DOS ANTIVIRAIS │ UNIDADE IV Análogos dos nucleosídeos A maioria dos antivirais existentes consiste em análogos de nucleosídeos. Como já mencionado anteriormente, esses fármacos possuem a capacidade de inibir a replicação de polimerases essenciais à replicação do ácido nucleico viral. Alguns análogos ainda podem se incorporar ao ácido nucleico, bloqueando sua síntese ou alterando sua função. Os análogos de nucleosídeos podem tanto inibir enzimas celulares como enzimas codificadas pelo vírus, sendo esses últimos considerados os mais eficazes. A Figura 28 mostra a estrutura dos análogos de nucleosídeos mais comuns, listados a seguir. Na figura é possível ver em destaque as distinções químicas entre os análogos e os desoxinucleosídeos naturais. » Aciclovir (acicloguanosina) (nomes comerciais: Aciclor®, Aciveral®, Acivirax®, Anclomax®, Herpesil®, Uni Vir®, Zovirax®): indicado para o tratamento da herpes genital e labial, pode ser utilizado de forma sistêmica ou tópica, de acordo com a necessidade; » Lamivudina (3TC) (nomes comerciais: Epivir®, Vudirax®, pode ser encontrado em associação com Zidovidina): indicado para o tratamento, sempre em combinação com outros anti-retroviróticos, da infecção pelos vírus HIV-1 e HIV- 2. » Ribavirina (nomes comerciais: Ribavirin®, Viramid®, Virazole®): indicado no tratamento de infecções virais como herpes labial, gengivoestomatite herpética, herpes genital primário ou recorrente, herpes zoster e varicela, em pacientes imunocompetentes e imunodeprimidos, parotidite e hepatites virais A, B e C (agudas) ou B e C (crônicas), e infecções respiratórias por parainfluenza e influenza A e B. » Vidarabina (adenina arabinosídeo): não é medicação de escolha para nenhuma infecção viral, embora tenha sido demonstrada atividade in vitro contra o herpes simples tipo 1 e 2, varicela zoster, Epstein-Barr, influenza e alguns RNA vírus. Seus efeitos colaterais mais importantes são a toxicidade gastrintestinal, supressão da medula óssea e várias toxicidades neurológicas. » Zidovudina (azidotimidina; AZT) (nomes comerciais: Retrovir-AZT®, Revirax®, Zidovir®, disponível também em associação com Lamivudina): indicado no tratamento em combinação com outros antirretrovirais, de infecção por HIV. Possui interações farmacológicas com o aciclovir, o que pode levar a neurotoxicidade. 102 UNIDADE IV │ FARMACOLOGIA DOS ANTIVIRAIS Figura28. Estrutura dos análogos de nucleosídeos mais comuns que atuam como fármacos antivirais. As distinções químicas entre o desoxinucleosídeo natural e os análogos dos fármacos antivirais estão em destaque. As setas indicam os fármacos relacionados. Fonte: Murray, Rosenthal e Pfaller (2009). Inibidores da transcriptase reversa O primeiro membro da classe dos inibidores não nucleosídeos da transcriptase reversa foi a nevirapina. A atuação do fármaco ocorre diretamente na transcriptase reversa, 103 FARMACOLOGIA DOS ANTIVIRAIS │ UNIDADE IV rompendo o local catalítico da enzima. Ele não necessita de fosforilação para sua atividade, nem compete com os trifosfatos de nucleosídeo. Esse fármaco tem uso em combinação com outros agentes antirretrovirais na infecção pelo vírus HIV-1, e não deve ser usado isoladamente, pois há o rápido surgimento de resistência viral. O HIV-2 é resistente a nevirapina. Inibidores da protease A inibição da protease leva à produção de partículas virais não infecciosas. O primeiro inibidor de protease a ser desenvolvido foi o saquinavir (nome comercial Svir®), utilizado para o tratamento da infecção pelo HIV. Esse fármaco consiste em um agente peptideomimético capaz de se encaixar no local ativo da enzima protease do HIV, inibindo sua ação. Além do saquinavir, outros fármacos como indinavir (nomes comerciais: Crixivan®, Dinavir®), ritonavir (nome comercial Novir®), nelfinavir e amprenavir (nome comercial Agenerase®) também cumprem a mesma função, todos utilizados no tratamento do HIV. No entanto, mutações da protease podem tornar algumas cepas resistentes. Por isso, a combinação de um inibidor da protease com o análogo de nucleosídeo azidotimidina somada a um segundo análogo de nucleosídeo (que consistem na chamada terapia antirretroviral altamente ativa), pode reduzir o HIV no sangue para níveis não detectáveis. Isso porque é menos provável que se desenvolva resistência ao “coquetel” de fármacos anti-HIV em comparação à resistência que pode surgir a um único fármaco. Imunomoduladores Os imunomoduladores são compostos que atuam no estímulo às respostas imunológicas inatas do hospedeiro, podendo agir também como complementares das respostas naturais das células. Medicamentos como imiquimod, resiquimod e oligodesoxinucleotídeos CpG podem se aderir a receptores toll-like, estimulando a liberação de citocinas e a ativação de células natural killers (NK). Além destes, interferons obtidos através de engenharia genética também podem atuar como um reforço para o sistema imunológico, se ligando aos receptores da superfície das células e desencadeando uma resposta celular antiviral. Os interferons (IFNs) são proteínas, membros da grande família das citocinas, geralmente codificadas pelo hospedeiro a fim de inibir a infecção viral. Entretanto, os IFNs não protegem as células já infectadas por vírus, uma vez que são estas as células que induzem sua produção. Ou seja, quando produzidos, os IFNs se dirigem para outras células a fim de induzir um estado antiviral e impedir o espalhamento da infecção. 104 UNIDADE IV │ FARMACOLOGIA DOS ANTIVIRAIS Seu modo de ação é por meio de sua ligação a receptores específicos na superfície das células-alvo. Essa ligação desencadeia a fosforilação da tirosina e a ativação de fatores de transcrição no citoplasma, os quais se translocam para o núcleo e mediam a transcrição de genes por interferon. Como consequência, ocorre a síntese de enzimas que promovem um estado antiviral na célula, que pode ocorrer por diversas vias, tais como: 1) o impedimento da formação do complexo de iniciação necessário à síntese das proteínas virais; 2) ativação da endonuclease celular, responsável por degradar mRNA; 3) inibição da elongação da cadeia peptídica. Dentre os diferentes tipos de interferons, o IFN-α sintetizado através de engenharia genética costuma ser administrado no tratamento contra hepatite A, B e C, HSV, papilomavírus e rinovírus. A combinação com polietileno glicol (interferon α peguilado) aumenta sua potência. Ainda assim, nem todos os vírus são suscetíveis aos IFNs, pois alguns deles conseguem bloquear suas atividades inibidoras sobre a replicação viral. Vacinas A vacinação constitui o método mais eficaz de prevenção contra os vírus. Seu intuito é promover a resposta imunológica do hospedeiro a fim de evitar o desenvolvimento de doenças virais sem, no entanto, causar a doença a ser prevenida. De maneira geral, a formulação de uma vacina necessita de: 1. antígeno, que confere especificidade ao vírus e, quando reconhecido pelo organismo, desencadeia uma resposta imunológica que guia a síntese de anticorpos específicos contra a doença; 2. os adjuvantes, os quais prolongam a duração ou intensidade da resposta imunológica ao antígeno; e 3. estabilizantes e conservantes para estender a vida útil da vacina. As vacinas podem ser produzidas com vírus mortos (hepatite A, Influenza A e B e raiva), ou com vírus vivos atenuados (sarampo, caxumba, rubéola, varíola, vacina intranasal contra Influenza A e B e febreamarela). Além desses métodos, algumas tecnologias mais modernas estudam o desenvolvimento de vacinas que contenham somente as subunidades proteicas necessárias ao estímulo de anticorpos, ou ainda vacinas de DNA, com instruções genéticas necessárias à produção do antígeno do patógeno (BROOKS et al., 2014). Certas características virais podem complicar o desenvolvimento de uma vacina eficaz, como a existência de vários sorotipos ou um alto potencial de mutação. Por isso, apesar 105 FARMACOLOGIA DOS ANTIVIRAIS │ UNIDADE IV de algumas doenças virais já estarem erradicadas e/ou controladas devido ao uso de vacinas, existem muitas outras consideradas como epidemias e de difícil controle. Nesse contexto, o investimento maciço em pesquisa científica se mostra muito necessário, para que seja possível tanto o desenvolvimento de novas vacinas para a prevenção como novos e mais eficazes medicamentos para o tratamento das doenças virais. 106 CAPÍTULO 3 Risco do surgimento de novos vírus e os desafios da descoberta de novos antivirais Apesar de a ciência ainda não ter elucidado ao certo a origem evolutiva dos vírus, duas hipóteses são fortemente aceitas: a primeira delas é que os vírus podem ser derivados de DNA ou RNA de células eucarióticas que adquiriram a capacidade de replicação autônoma, passando a evoluir independentemente. A outra hipótese é que os vírus podem ser derivados de formas degeneradas de outros parasitas intracelulares, pois alguns deles são tão grandes e complexos que podem representar produtos evolutivos de algum ancestral celular. Independentemente da origem não ter sido esclarecida, sabe-se que os vírus apresentam alta variação genética, passando frequentemente por recombinações ou mutações randômicas, as quais podem levar a aumento na especialização dos vírus em infectar células, aumento de resistência dos vírus aos fármacos utilizados, ou ao surgimento de novos vírus. O surgimento de novos vírus patogênicos aos seres humanos tem ocasionado grandes problemas epidemiológicos ao longo da história recente da humanidade, como foi o caso do surto de gripe espanhola entre os anos de 1918 e 1919 ou ainda o surgimento do HIV na década de 1980. Ainda que a ciência tenha avançado nos últimos anos, com o incremento do conhecimento sobre o funcionamento dos vírus e o desenvolvimento de formas mais eficazes no tratamento das patologias severas causadas por eles, a preocupação com o surgimento de novas cepas virais é constante. Isso porque, dependendo do grau de patogenicidade, velocidade de replicação e modo de transmissão entre hospedeiros, e levando-se em consideração o estreitamento de fronteiras proporcionado pela globalização – com altas taxas de deslocamento humano (seja por força de trabalho ou pelo turismo) –, um novo vírus poderia rapidamente causar uma pandemia global. Mutação e recombinação viral Os vírus estão continuamente sofrendo alterações genéticas, seja por mutações, seja por recombinação. As mutações representam alterações permanentes no material genético e, geralmente, são fruto de erros durante a replicação. Existe aparentemente uma correlação negativa entre o tamanho do genoma e as taxas de mutação. Isso porque, quanto menor o material genético do vírus, mais direcionado à codificação das proteínas exclusivas à sua replicação ele é, não possuindo, desta forma, genes relacionados a fatores 107 FARMACOLOGIA DOS ANTIVIRAIS │ UNIDADE IV de regulação da expressão gênica (responsáveis por evitar ou corrigir erros). No geral, vírus de RNA tendem a apresentar maiores taxas de mutação em comparação aos vírus de DNA, o que pode estar relacionado à alta eficiência das DNA polimerases celulares em corrigir erros quando comparadas às RNA polimerases, que não apresentam tal característica. Aquelas mutações que não interferem nas funções essenciais do vírus podem persistir, as quais, ocasionalmente, proporcionam resistência a fármacos ou aumentam sua patogenicidade (FLEISCHMANN, 1996; SANJUÁN et al., 2010). A recombinação geralmente ocorre quando dois vírus diferentes infectam a mesma célula ao mesmo tempo. Como os dois vírus estão usando a célula para se replicarem, haverá muitas partes do genoma viral (incluindo os recém-fabricados) flutuando ao mesmo tempo na célula. No momento da maturação, partes dos dois vírus podem ser encapsuladas juntas, compondo uma progênie viral completamente nova (FLEISCHMANN, 1996). Vírus zoonóticos e seu potencial epidêmico Os vírus podem ocorrer em todas as classes de organismos existentes (invertebrados, vertebrados, plantas, protistas, fungos e bactérias); no entanto, a maioria deles costuma infectar tipos celulares específicos em uma única espécie hospedeira. Em alguns casos, os vírus podem expandir seu espectro de hospedeiros cruzando a barreira de espécies, e, dentro deste contexto, é que estão inseridos os chamados vírus zoonóticos. Zoonoses virais são caracterizadas por doenças que podem ser transmitidas entre animais e seres humanos e representam uma emergência global de saúde pública, sendo responsáveis por aproximadamente 75% das doenças infecciosas emergentes no mundo. Elas podem ser transmitidas diretamente de animais para humanos, através de mordidas (como o vírus da raiva), e através de fluidos ou pelo ar (como o vírus Influenza). Em outros casos, as zoonoses podem ser transmitidas por intermédio de um vetor, geralmente um inseto, sendo especificamente denominadas como arboviroses (como é o caso de febre amarela, dengue, zika e chikungunya). Os arbovírus ocorrem principalmente em regiões tropicais e subtropicais do mundo, e estão fortemente associados a mudanças ambientais e climáticas ou ao aumento populacional de vetores, tendo grande potencial epidêmico. Além disso, alguns vírus também podem passar de humanos para animais (SOUZA, 2017). Essa capacidade que alguns vírus possuem de cruzar a barreira de espécies, aliada à facilidade de recombinação dos genomas virais, potencializa o surgimento de novos vírus zoonóticos, os quais podem ser mais infecciosos e mortais, ocasionando surtos epidêmicos ou até mesmo pandêmicos. 108 UNIDADE IV │ FARMACOLOGIA DOS ANTIVIRAIS As pandemias de Influenza podem ilustrar bem essa situação: a sequência de genes da Influenza H1N1, causadora da pandemia de gripe espanhola em 1918, sugere que sua origem tenha sido um reservatório aviário. Mais tarde, as pandemias asiáticas de 1957 (H2N2), em Guizhou, e 1968 (H3N2), em Hong Kong , foram causadas por cepas de influenza antigenicamente distintas dos vírus influenza que já circulavam entre os humanos. Acredita-se que elas foram resultado de recombinações genéticas entre vírus humanos e aviários que podem ter ocorrido durante processos de infecção em porcos. Isso porque, tanto os vírus humanos quanto os aviários têm capacidade de infectar porcos, e a proximidade de convivência entre pessoas, porcos e patos no sul da China é tão estreita que acaba propiciando um ambiente ideal para a geração de novos vírus recombinantes (IBIAPINA; COSTA; FARIA, 2005). No último século, presenciamos o surgimento de outros vírus zoonóticos altamente infecciosos e potencialmente mortais, como Ebola (1976), que possivelmente tem os morcegos como reservatório natural; HIV (1981), com evidências que apontam os chimpanzés como reservatório natural; SARS-CoV (2002), causador da síndrome respiratória aguda grave; MERS-CoV (2012), causador da síndrome respiratória do Oriente Médio; e, mais recentemente, SARS-CoV2 (2019), causador da pandemia de Covid-19 em 2020. Estes três últimos fazem parte do grupo dos coronavírus, os quais, afirma-se, têm os morcegos como seu reservatório natural. Reposicionamento de fármacos Quando surge uma nova epidemia, ou quando ela se espalha rapidamente pelos continentes, levando a uma pandemia, inicia-se uma corrida pela descoberta das formas mais eficazes de tratamento da doença a fim de salvar o maior número de vidas e ainda diminuir ou barrarcompletamente o espalhamento do vírus. O grande entrave está no tempo de desenvolvimento de novos fármacos, pois a aprovação de novas drogas é possível apenas após inúmeras etapas e testes, que podem levar anos ou décadas. Nesse contexto, a abordagem médica geralmente consiste na aplicação de medicamentos paliativos dos sintomas e no tratamento dos processos inflamatórios ocasionados em decorrência da infecção viral, podendo ser utilizados muitos dos fármacos já mencionados nas unidades anteriores desta apostila, a depender da natureza da infecção, do órgão ou do sistema afetado, bem como do tipo de processo inflamatório. Além disso, uma metodologia bastante pertinente é a do reposicionamento de fármacos, que consiste na descoberta de novas utilizações para um medicamento ou composto já existente e aprovado, porém fora do âmbito original de indicação. Essa abordagem proporciona grande redução no tempo de pesquisa, uma vez que praticamente todas as 109 FARMACOLOGIA DOS ANTIVIRAIS │ UNIDADE IV etapas iniciais para o desenvolvimento de um fármaco já foram realizadas anteriormente, como os dados de toxicidade, dosagem máxima permitida, interação medicamentosa, entre outros, sendo necessários apenas os estudos direcionados à eficácia das drogas para a nova doença em questão. Pesquisa científica constante Diante de todos os pontos abordados nesta unidade, fica claro o quão complexa e diversificada é a classe dos vírus. As características peculiares e o fato de utilizarem a maquinaria do hospedeiro para se reproduzirem, aliado ao alto potencial recombinante e mutacional dos vírus, também deixam claro o porquê da dificuldade em combatê-los ou até mesmo erradicá-los. Nesse contexto, é crucial o papel da ciência para a promoção da saúde e prevenção de novas infecções potencialmente perigosas. Além do conhecimento acerca dos diferentes mecanismos apresentados pelos vírus já existentes e da busca pelo desenvolvimento de fármacos e vacinas eficazes contra eles, um ponto a ser destacado é o do monitoramento de reservatórios naturais de vírus com potencial causador de zoonoses. A grande maioria dos grupos animais considerados como reservatórios naturais dos vírus zoonóticos não apresenta sintomas em relação à presença desses vírus em seus organismos, sugerindo uma adaptação de seus sistemas imunológicos para responder de maneira eficiente a tais infecções. Nesse sentido, estudos que visem à compreensão de como se dá a proteção imunológica nos organismos reservatórios para que não desenvolvam doença pode trazer novas perspectivas e sugestões de terapias imunológicas eficientes em seres humanos (MANDL et al., 2015). Sendo assim, mapear, monitorar e estudar os grupos animais reservatórios de vírus com potencial zoonótico pode auxiliar na prevenção de doenças ocasionadas por novos vírus ou, ainda, no desenvolvimento de novos fármacos, terapias imunológicas e até mesmo novas vacinas. 110 Para (não) finalizar Anti-inflamatórios e antimicrobianos Como verificamos ao longo dessa apostila, os processos inflamatórios são gerados para eliminação do agente agressor, ou micro-organismo invasor, porém, esses processos inflamatórios podem ser prejudiciais ao hospedeiro. Assim, a terapia farmacológica vem para minimizar esses efeitos e auxiliar o organismo a eliminar o agente agressor. Para isso, o fármaco deve ter o mínimo de efeitos adversos e ser específico contra o micro- organismo, fato que se torna pouco complexo quando estamos falando de infecções virais, como discutido anteriormente. Além disso, ao prescrever um desses fármacos, deve-se verificar o histórico do paciente, outros fármacos que ele esteja utilizando, doenças associadas (como disfunção renal) e monitoramento dos níveis farmacológicos. Estudos nessa área são de extrema importância para que esses processos inflamatórios sejam minimizados com grande eficiência e o mínimo de efeitos colaterais ao paciente. 111 Referências ALHEIRA, F. V. et al. O papel dos glicocorticoides na expressão dos sintomas de humor – uma revisão. Rev Psiquiatr RS, maio/ago. 27(2):177-186, 2005. ANTI S. M. A. et al. Anti-inflamatórios hormonais: glicocorticoides. Einstein. 6 (Supl 1):S159-S65, 2008. AUTO, H. F.; CONSTANT, J. M. C.; CONSTANT, A. B. L. Antibióticos e quimioterápicos. 5. ed. Alagoas: UFAL, 2008. BALLONE, G. 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Apresentação Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Introdução Unidade I processos inflamatórios Capítulo 1 Fisiopatologia da resposta inflamatória: celular e vascular Capítulo 2 Autacoides e antagonistas de autacoides Unidade II farmacologia nos processos inflamatórios capítulo 1 Anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) Capítulo 2 Anti-inflamatórios esteroidais Unidade III Farmacologia dos antimicrobianos Capítulo 1 Classificação e mecanismos de ação de antimicrobianos Capítulo 2 Antibacterianos: inibidores da síntese da parede celular e inibidores da síntese proteica Capítulo 3 Antifúngicos Unidade IV Farmacologia dos antivirais Capítulo 1 Fisiopatologia das infecções virais capítulo 2 Mecanismos de ação dos principais antivirais Capítulo 3 Risco do surgimento de novos vírus e os desafios da descoberta de novos antivirais Para (não) finalizar Referências