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CURSO DE VENTILAÇÃO MECÂNICA EM PEDIATRIA COORDENAÇÃO DO CURSO Dr. Mário Ferreira Carpi - SP COLABORADORES DA APOSTILA DO CURSO DE VENTILAÇÃO MECÂNICA PEDIÁTRICA Albert Bousso Ana Paula Carlotti Celso de Moura Rebello Eduardo Juan Troster Felipe Souza Rossi Flávia Feijó Pânico Flavio Roberto Nogueira de Sá Jefferson Pedro Piva José Oliva Proenas Filho José Roberto Fioretto Júlio Farias Katiaci Janice de Araújo Lucilia Santana de Faria Mário Ferreira Carpi Nilzete Liberato Bresolin Norberto Antonio Freddi Olberes Vitor Braga de Andrade Patrícia Miranda Lago Paulo Ramos David João Raquel Ribeiro Romani Roberto Sapolnik Rodrigo de Freitas Nóbrega Vera Regina Fernandes Werther Brunow de Carvalho 3 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria DIRETORIA EXECUTIVA BIÊNIO 2018-2019 Presidente Dr. Ciro Leite Mendes – PB Vice-Presidente Dr. José Roberto Fioretto – SP Diretor Secretário-Geral Dr. Marcelo de Oliveira Maia – DF Diretor Tesoureiro Dr. Cristiano Franke – RS Diretora Científica Dra. Flávia Ribeiro Machado – SP Diretora Presidente - Futura Dra. Suzana Margareth Ajeje Lobo – SP Diretora Presidente - Passada Dra. Mirella Cristine Oliveira – PR AMIB Associação de Medicina Intensiva Brasileira Rua Arminda, 93 - 7º andar CEP 04545-100 - Vila Olímpia - São Paulo - SP (11)5089-2642 www.amib.org.br CURSO DE VENTILAÇÃO MECÂNICA EM PEDIATRIA SUMÁRIO 1 Fisiologia Respiratória: aspectos peculiares da criança ....................................5 2 Fisiopatologia da Insuficiência Respiratória ..........................................................9 3 Bases Físicas da Ventilação Mecânica ...................................................................17 4 Modalidades Básicas de Ventilação Mecânica ..................................................21 5 Como iniciar a ventilação mecânica? Como regular os parâmetros da ventilação mecânica? Quais as complicações da ventilação mecânica? Como evitá-las? ......................................................................................29 6 Como Ventilar Recém-nascidos com a Síndrome do Desconforto Respiratório ..........................................................................................37 7 Como Ventilar Recém-nascidos com Hipertensão Pulmonar ......................47 8 Como Ventilar Crianças com Patologia Obstrutiva? ........................................57 9 Ventilação Mecânica na Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo .....................................................................................................65 10 A Utilização da Ventilação Não Invasiva na UTI Pediátrica ...........................69 11 Monitorização Respiratória em Ventilação Mecânica ....................................75 12 Interpretação de Gasometrias ................................................................................87 13 Sedação, Analgesia e Bloqueadores Neuromusculares .................................93 14 Desmame .....................................................................................................................101 Fisiologia Respiratória: aspectos peculiares da criança Existem alguns itens indispensáveis para que a ventilação mecânica seja rea- lizada de maneira segura e eficaz no paciente pediátrico: � que se compreenda a doença específica que está sendo tratada, bem como seu curso usual e mecanismos fisiopatológicos envolvidos; � compreensão de alguns conceitos elementares de fisiologia pulmonar e fisiopatologia; � a apreciação das vantagens e desvantagens dos vários modos de venti- lação mecânica, além do conhecimento do aparelho e do circuito a serem utilizados para se fornecer o modo de ventilação escolhido; � conhecimento dos possíveis efeitos decorrentes das alterações de cada pa- râmetro ventilatório na troca gasosa; � conhecimento dos principais efeitos da ventilação mecânica sobre a fun- ção cardiopulmonar. Neste capítulo, discutiremos alguns aspectos peculiares do sistema respira- tório da criança e os principais conceitos de fisiologia pulmonar. ObjetivOs vias aéreas A via aérea da criança é relativamente maior comparada à via aérea de um adulto. O diâmetro da traqueia de um recém-nascido é um terço do diâmetro da traqueia de um adulto vinte vezes maior do que ele. Entretanto, como a resistência ao fluxo aéreo é inversa- mente proporcional à quarta potência do raio, peque- nos espessamentos da mucosa na via aérea da criança levam a grandes aumentos na resistência ao fluxo aé- reo. Exemplificando: um espessamento de 1 mm em ní- vel subglótico leva a uma diminuição da área de secção transversal a esse nível de 75% no recém-nascido e de 20% no adulto, resultando num aumento muito maior da resistência ao fluxo aéreo no recém-nascido, com consequente aumento do trabalho respiratório. Além disso, a via aérea distal é relativamente mais estreita e não está totalmente formada na criança até 5 anos de idade, levando a um grande aumento na resistência da via aérea periférica nessa faixa etária. Assim, patologias de vias aéreas como laringite, laringotraqueobronquite e bronquiolite, de pouca importância no adulto, po- dem acarretar insuficiência respiratória grave nos pa- cientes pediátricos. O suporte cartilaginoso da traqueia é essencial para a estabilidade da via aérea de condução. Após o nascimento, essa cartilagem aumenta em número até os 2 meses de idade e em área total durante toda a in- fância. Essa relativa fraqueza do suporte cartilaginoso nos lactentes comparado ao dos adultos pode levar a compressão dinâmica da traqueia em situações associa- das a um alto fluxo expiratório e aumento da resistência da via aérea, tais como bronquiolite, asma, ou mesmo durante o choro. Portanto, essas condições físicas pe- culiares contribuem para a predisposição dos pacien- tes pediátricos ao desenvolvimento de insuficiência respiratória. A resistência corresponde a uma variação de pressão para uma determinada variação de fluxo. A resistência ao fluxo de gás depende do raio, do compri- mento e do número de divisões da árvore brônquica. Na criança em ventilação, o tubo endotraqueal repre- senta uma resistência dependente do seu diâmetro e comprimento. A utilização de um volume corrente alto com uma frequência alta levará a um fluxo alto e a uma maior resistência secundário ao impacto de uma massa gasosa maior num sistema com um raio relativamente fixo. Lembramos também que a árvore respiratória não é uma estrutura rígida, e, portanto, pode haver varia- ções na sua resistência durante o ciclo respiratório. Na inspiração ocorre uma dilatação das vias aéreas e con- sequentemente a resistência é sempre menor do que na expiração. 1 6 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria O tipo de fluxo também influencia a resistência da via aérea, sendo menor durante um fluxo laminar e maior durante um fluxo turbulento. Por todos esses fatores, a resistência da via aérea no RN e na criança é maior que no adulto. Resistência RN extubado = 30 a 50 L/seg/cmH2O RN intubado = 100 a 150 L/seg/cmH2O Adulto extubado = 1,5 L/seg/cmH2O Adulto intubado = 4,5 a 6 L/seg/cmH2O alvéOlO Após o nascimento, ocorre um aumento signifi- cativo do número de alvéolos. Ao nascimento, a criança tem cerca de 20 milhões de unidades alveolares e aos 8 anos de idade esse número chega a 300 milhões. A ve- locidade de crescimento é de um alvéolo por segundo nos primeiros oito anos de vida. O fato de ter um menor número de alvéolos faz com que a criança tenha uma menor reserva de troca gasosa, constituindo outro fator predisponente para o desenvolvimento da insuficiência respiratória aguda. Por outro lado, essa elevada veloci- dade de crescimento proporciona à criança um maior potencial de recuperação mesmo em lesões pulmona- res graves. ventilaçãO cOlateral No pulmão adulto, a ventilação colateral é bem desenvolvida, de modo que é fácil ventilar o parênqui- ma mesmo com algum grau de obstrução navia aérea. Nos lactentes, os poros de Kohn (interalveolares) e os canais de Lambert (bronquioloalveolares) estão ausen- tes, ou em menor número e tamanho: assim, a ventila- ção pulmonar através de unidades obstruídas é mais difícil em crianças menores, dificultando a troca gasosa (Figura 1.1). Figura 1.1: Ventilação colateral. Figura 1.2: Contorno da caixa torácica em diferentes faixas etárias. caixa tOrácica O esterno da criança é mais maleável, constituin- do-se uma base instável para as costelas. Na infância as costelas são muito complacentes e horizontalizadas, a musculatura intercostal é pouco desenvolvida, e con- sequentemente a complacência da caixa torácica na criança é muito maior do que no adulto. O diâmetro anteroposterior do tórax é relativamente maior do que no adulto, fazendo com que a caixa torácica seja mais ovalada (Figura 1.2). Todos esses fatores acabam anulando o meca- nismo de alça de balde, importante para a respiração torácica, aumentando a importância do diafragma na ventilação espontânea da criança. Se avaliarmos o dia- fragma de uma criança podemos observar o predomí- nio das fibras musculares do tipo II (fibras de contração rápida), porém menos resistentes à fadiga. O recém- -nascido prematuro tem 20% de fibras do tipo I e 80% de fibras do tipo II, enquanto o adulto tem 60% de fibras do tipo I e 40% de fibras do tipo II. Assim, nos recém- -nascidos e lactentes jovens, um aumento do trabalho respiratório causa mais precocemente fadiga da muscu- latura respiratória. Durante a fase REM do sono ocorre uma incoor- denação entre a respiração torácica e a diafragmáti- ca, com gasto energético perdido numa respiração muitas vezes insuficiente. Esse fator assume uma importância maior porque o recém-nascido passa a maior parte do dia dormindo e o seu estado de sono predominante é REM. cOmplacência A complacência é expressa por uma variação de volume para uma determinada variação de pressão. A complacência estática (medida quando não há fluxo na via aérea) é determinada utilizando-se a pressão de pla- tô (Ps), enquanto a complacência dinâmica utiliza o pico 7 Fisiologia Respiratória: aspectos peculiares da criança de pressão inspiratória (que inclui também a pressão resistiva da via aérea). Para uma melhor compreensão, recorra ao capítulo de monitorização respiratória. Cest = Volume Corrente / Ps - PEEP total Cdin = Volume Corrente / Pd - PEEP total A complacência depende do volume corrente, que, por sua vez, depende do volume pulmonar, ou seja, do tamanho da criança. Assim, quanto menor a criança, menor a complacência. A complacência do parênquima pulmonar é de- terminada pela anatomia alveolar, pelas qualidades elásticas do pulmão e pelo surfactante. No período pe- rinatal, a anatomia alveolar é imatura, com a presença de sacos alveolares com suas paredes espessadas. Além disso, o interstício pulmonar tem uma menor quantida- de de elastina, o que produz uma menor capacidade de recolhimento elástico e uma tendência ao colapso alveolar. Durante toda a infância, a complacência do pa- rênquima pulmonar permanece relativamente menor que a do adulto. vOlumes pulmOnares A diminuição da complacência do parênqui- ma pulmonar e o aumento da complacência da caixa torácica contribuem para a redução da capacidade residual funcional (CRF), favorecendo a formação de atelectasias. Lembremos que quando medida passiva- mente a CRF é muito menor na criança, porém quando avaliada dinamicamente ela se aproxima dos valores do adulto. Outro conceito importante é o do volume crítico de fechamento, que é definido como o volume pulmonar a partir do qual a via aérea terminal começa a colapsar, gerando uma descontinuidade entre a via aérea de condução e o alvéolo, podendo levar a ate- lectasia e shunt. Acredita-se que o volume crítico de fechamento é determinado pela quantidade de tecido elástico presente nas pequenas vias aéreas. No adul- to, o tecido elástico mantém as pequenas vias aéreas abertas. Como a criança e o idoso têm uma menor quantidade de elastina, essas duas populações pos- suem um volume crítico de fechamento maior e uma maior tendência ao colapso das pequenas vias aéreas. No adulto esse volume é menor que a capacidade resi- dual funcional, o que possibilita que durante uma ex- piração normal as vias aéreas permaneçam abertas e pérvias, porém durante uma expiração forçada ocorre fechamento das vias aéreas menores (em geral peri- diafragmáticas). Por outro lado, na criança esse volu- me é maior que a capacidade residual funcional, o que significa que mesmo na expiração normal ocorre o fe- chamento dessas vias aéreas. (Figura 1.3) Quando a criança fica submetida a uma FiO2 = 100% durante algum tempo (3 a 5 min), nas áreas em que há fechamento da via aérea ocorre substituição do nitrogênio (gás não absorvido) pelo O2. O O2 alveolar é prontamente absorvido, acarretando colapso alveolar. Na figura a seguir observamos uma tomografia compu- tadorizada de uma criança em que foi mantido o nível de pressão e apenas alterado o valor da FiO2 (a direita FiO2 = 21% e a esquerda FiO2=100%). Observe o colapso na base direita (em FiO2 = 100%). Essa área corresponde a uma área com fechamento da via aérea que em FiO2 = 21% não estava colapsada devido à presença de nitro- gênio dentro do alvéolo (Figura 1.4). Figura 1.3: Volumes pulmonares na criança e no adulto . 8 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria cOnstante de tempO A constante de tempo do sistema respiratório equivale ao tempo necessário para que ocorra um equi- líbrio das pressões na via aérea e nos pulmões e para que se processem as trocas gasosas. O conceito pode ser aplicado tanto na inspiração como na expiração. Ou seja, a constante de tempo, em outras palavras, é o tem- po necessário para encher ou esvaziar os pulmões. Com uma constante de tempo se atinge o equilíbrio pressó- rico de 63%, com três constantes de tempo, 95%, e com cinco constantes de tempo, 99% (Figura 1.5). O tempo inspiratório adequado seria, portanto, o equivalente a no mínimo três constantes de tempo e de até cinco constantes de tempo. CT = resistência x complacência Uma constante de tempo é igual ao produto da resistência pela complacência. Em um RN normal uma constante de tem- po é igual a 0,15 s (Resistência = 30 a 50 cmH2O L/s e Complacência= 0,003 a 0,005 L/ cmH2O), e no adulto normal chega a 0,3 s. O tempo inspiratório adequado para um RN com a complacência normal seria então: 0,45-0,75 s. Já para um adulto seria: 0,9-1,5 s (Figura 1.5). Figura 1.4: Tomografia realizada com mesmos parâmetros de ventilação mecânica nas duas fotos acima, apenas se variou a FiO2. Figura 1.5: Gráfico do equilíbrio de pressões na via aérea em relação às constantes de tempo. Fisiopatologia da Insuficiência Respiratória Para facilitar a análise da fisiopatologia da insu- ficiência respiratória aguda, podemos dividir didatica- mente o processo da respiração em três fases: � respiração externa � transporte gasoso � respiração interna Para que a respiração externa ocorra normalmen- te são necessários três passos: ventilação, adequação entre a ventilação e perfusão e difusão (Figura 2.1). Figura 2.1: Respiração externa . O primeiro passo, a ventilação, corresponde ao movimento do ar para dentro e para fora dos pulmões. O processo de exposição do oxigênio alveolar ao san- gue do capilar pulmonar é chamado de adequação en- tre a ventilação e a perfusão. Finalmente, a membrana alveolocapilar deve permitir que ocorra uma completa difusão de oxigênio entre o alvéolo e o capilar pulmonar. Discutiremos a seguir os mecanismos fisiopato- lógicos envolvidos na insuficiência respiratória aguda. HipOventilaçãO A ventilação é mediada de minuto a minuto pelo nível arterial de CO2. Os quimiorreceptores, situados nos seios carotídeos e no sistema nervoso central, regulam a amplitude e a frequência da respiração para manter normal o nível de PCO2 arterial. A consequênciapas- siva da excreção de CO2 é o suprimento de O2 para os alvéolos. A hipoventilação é definida como uma ventilação incapaz de manter a PaCO2 dentro dos limites normais para uma determinada demanda metabólica. A ventila- ção minuto é o produto da frequência respiratória pelo volume corrente, também chamado volume minuto. VM= VC × FR em que VM é volume minuto, VC é volume cor- rente e FR é frequência respiratória. O volume corrente (VC) é composto pela soma do volume do espaço mor- to anatômico (VEM) e do volume alveolar (VA). VC= VEM + VA Assim, considera-se ventilação alveolar (VA): VA = (VC - VEM) × FR Tomando o espaço morto anatômico como constante, uma diminuição no VC corresponde a uma diminuição no volume alveolar (VA) porém não necessa- riamente na ventilação alveolar, pois pode ocorrer um aumento na frequência respiratória. Em estado de repouso a produção de CO2 (VCO2) em mL/min é igual ao CO2 total expirado. A quantidade de CO2 eliminado depende da VA e da fração de CO2 no gás alveolar (FACO2), pois o espaço morto não participa da troca gasosa. Assim: VCO2= VA × FACO2 Essa equação pode ser rearranjada e expressa em unidades comuns de medida: VA VCO PaCO � �2 2 0 865, VA (L/min) VCO2 (mL/min) PaCO2 (mmHg) 2 10 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria A constante 0,865 é necessária, pois a VCO2 é convencionalmente expressa nas condições-padrão de temperatura, umidade e pressão (STPD) e a VA é expres- sa em condições de temperatura corpórea, pressão am- biente e saturação (BTPS). A fórmula também assume que a PaCO2 (pressão arterial de CO2) é igual à PACO2 (pressão alveolar de CO2) e corresponde a uma média e não a um valor por unidade alveolar. Essa equação indica que se a ventilação alveolar for reduzida pela metade a PaCO2 dobrará (assumin- do que a produção de CO2 não se altere). O aumento da PACO2 leva a uma queda secundária da PAO2 (pres- são alveolar de O2), que se baseia na equação do gás alveolar. Equação do gás alveolar → PAO2 = PiO2 – PACO2/R em que PiO2 corresponde à pressão inspirada de oxigênio e R, ao coeficiente respiratório = 0,8. A pressão inspirada de O2 é calculada pela fórmula: PiO2 = (PB – PH2O) x FiO2 em que PB é pressão barométrica (760 mmHg ao nível do mar), PH2O é a pressão de vapor d’água (47 mmHg) e FiO2 é a fração inspirada de oxigênio. A hipoxemia associada à hipoventilação não é resultado de uma troca gasosa ineficiente, mas de uma bomba ventilatória inadequada (distúrbios de caixa to- rácica ou de conexões neuromusculares) ou uma anor- malidade do padrão ventilatório (distúrbios do SNC). A diferenciação entre hipoxemia por hipoventilação pura e outros mecanismos fisiopatológicos que afetam os gases sanguíneos se faz pela diferença alveoloarterial de oxigênio. Na hipoventilação pura a diferença alveo- loarterial de O2 é normal. Diferença Alveoloarterial de O2= PAO2 – PaO2 em que PAO2 é a pressão alveolar de O2 e PaO2 é a pressão arterial de O2. Em ar ambiente, essa diferença é normalmente de 5 a 15 mmHg em adultos jovens e de até 30 mmHg em recém-nascidos e idosos. Essa di- ferença também varia com a FiO2. Em FiO2 de 100% ela aumenta para 50 a 100 mmHg. Como a PaO2 e a PaCO2 se alteram de modo in- versamente proporcional e com variações semelhan- tes durante a hipoventilação, podemos utilizar os valores da Tabela 2.1 para o diagnóstico de hipoven- tilação pura. distúrbiOs ventilaçãO/perfusãO Os distúrbios ventilação/perfusão (V/Q) são a causa mais comum de hipoxemia tanto nas crianças quanto nos adultos. O pulmão não é constituído por uma única unidade de troca gasosa, mas por milhões de unidades, perfundidas em paralelo e ventiladas tanto em paralelo como em série. Assim, existe um desbalan- ço V/Q mesmo em indivíduos normais. Essa complexa distribuição de ventilação e fluxo sanguíneo varia com as influências gravitacionais, alterações na posição do corpo e alterações nos volumes pulmonares. A relação V/Q pode variar de zero (unidade per- fundida mas não ventilada, ou shunt) a infinito (unidade ventilada mas não perfundida, ou espaço morto). A com- posição de O2 e CO2 no final do capilar pulmonar, em uma unidade pulmonar, é determinada pela relação V/Q. Nos indivíduos normais a relação V/Q do pulmão em repouso pode variar de 0,6 a 3,3, com uma média em torno de 0,8. Nos extremos de idade a relação V/Q aumenta, ou seja, há um aumento no grau de desbalan- ço V/Q. Nas crianças com doença pulmonar, o grau de desbalanço V/Q pode ser dramático, com predomínio de relação V/Q muito baixa (shunt) ou muito alta (espa- ço morto). As principais causas de uma relação V/Q baixa são: doenças obstrutivas das vias aéreas (asma, bron- quiolite), ou patologias com diminuição do volume alveolar (preenchimento por exsudato inflamatório ou água, como ocorre nas pneumonias e no edema pul- monar), e também situações envolvendo um excesso de perfusão (tromboembolismo pulmonar, no qual o fluxo sanguíneo é desviado dos vasos embolizados para os vasos não embolizados, causando um aumento da perfusão em relação à ventilação (efeito shunt ou shunt relativo). Denomina-se shunt anatômico a porcentagem do débito cardíaco que não participa da troca gasosa. Em situações fisiológicas, essa porcentagem equivale a 3% do débito cardíaco e corresponde ao fluxo que perfunde as veias brônquicas, pleurais e os vasos de Thebesius, o qual não participa da troca gasosa. As ano- malias congênitas do sistema cardiovascular podem contribuir substancialmente para o aumento no shunt anatômico. Chama-se de shunt absoluto ou capilar a unidade alveolocapilar na qual não há ventilação alveo- lar. Na Figura 2.2 pode-se observar uma ilustração de todos os tipos de shunt descritos. Tabela 2.1: Relação entre PaCO2, PAO2 e PaO2 (todos em mmHg) na hipoventilação pura PaCO2 PAO2 PaO2 40 97 82 64 67 52 80 47 32 11 Fisiopatologia da Insuficiência Respiratória As situações de alto V/Q decorrem de uma redu- ção na perfusão pulmonar ou de um excesso de ven- tilação em relação à perfusão (efeito espaço morto ou espaço morto relativo). Nas crianças as situações clí- nicas que cursam com alto V/Q por redução da perfu- são pulmonar são a hipertensão pulmonar primária ou secundária e o tromboembolismo pulmonar (menos comum na criança do que no adulto, mas pode ocor- rer na anemia falciforme e em síndromes de hipervis- cosidade como na síndrome nefrótica). O predomínio da ventilação em relação à perfusão por excesso de ventilação ocorre no enfisema e durante a ventilação mecânica com hiperdistensão alveolar. Existe também o espaço morto anatômico, que corresponde às vias aéreas e equivale a aproximadamente um terço do volume corrente. O espaço morto absoluto, ou espa- ço morto alveolar verdadeiro, é definido como a uni- dade alveolar com ventilação normal e perfusão zero (Figura 2.2). Podemos calcular o shunt e o espaço morto utili- zando as seguintes fórmulas: shunt = Qs/Qt = CcpO2 - CaO2 / CcpO2 - CvO2 em que CcpO2 é o conteúdo capilar pulmonar de O2, CaO2 é o conteúdo arterial de O2 e CvO2 é o con- teúdo venoso misto de O2. O cálculo do conteúdo é descrito a seguir, quando se discute transporte de oxi- gênio. Em geral, preconiza-se a coleta de sangue veno- so misto, por cateter de Swan-Ganz, para o cálculo do CvO2. Na prática pediátrica tem-se utilizado sangue do átrio direito. Espaço morto = Vd/Vt = PaCO2 - EtCO2/PaCO2 em que PaCO2 é pressão arterial de CO2 e EtCO2 é o CO2 medido ao final da expiração (por capnometria). Há reflexos presentes no pulmão para minimizar o desbalanço ventilação/perfusão, entre eles o da vaso- constrição hipóxica (Figura 2.3). Uma queda na relação V/Q leva ao desenvolvimento de uma hipóxia alveolar, que resulta em uma vasoconstrição nessa região, e a melhora da perfusão em áreas mais ventiladas, levan- do a uma correção parcial do desbalanço V/Q regional e melhora da hipoxemia. A vasoconstrição hipóxica ocor- re dentro de uma variação de PAO2 (pressãoalveolar de O2) de 30 a 150 mmHg. Os mecanismos que desenca- deiam esse reflexo ainda estão em investigação, mas provavelmente incluem um ou mais fatores humorais. Muitos fatores podem abolir ou interferir signi- ficativamente na vasoconstrição hipóxica. Certas dro- gas como o nitroprussiato de sódio, a nitroglicerina, os bloqueadores de canal de cálcio, os beta-agonistas e os agentes anestésicos inalatórios podem interferir na vasoconstrição hipóxica. O uso de FiO2 elevadas em si- tuação de shunt relativo grave ou absoluto leva a um aumento da PAO2, com perda da vasoconstrição local, o que causa uma piora no desequilíbrio V/Q e piora da hipoxemia. Esse é um dos fatores que restringem a correção da hipoxemia do shunt por meio do aumento da FiO2. Quando o shunt é pequeno, a PaO2 aumenta com o au- mento da FiO2 e do conteúdo de O2 no sangue capilar dos alvéolos ventilados. Entretanto, quando o shunt chega a valores próximos a 30% ou mais (equivalem a Figura 2.2: Componentes do shunt e do espaço morto. 12 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria uma PaO2 menor que 60 em FiO2 maior que 60%), o au- mento na FiO2 não leva a aumento significativo na PaO2. Nesses casos está indicado o uso de ventilação mecâni- ca para reversão do shunt. Existe também o reflexo de broncoconstrição de- corrente da queda da pressão alveolar de CO2 secundá- ria a uma hipoperfusão regional (Figura 2.3). Figura 2.3: Alterações compensatórias na distribuição da ventilação e da perfusão. As relações V/Q variam nas diferentes regiões do pulmão. Nos ápices pulmonares predomina a ventila- ção em relação à perfusão, embora de forma absoluta ambas sejam menores do que nas bases. A perfusão pulmonar é dependente da gravidade (Figura 2.4). A ventilação pulmonar de forma absoluta é maior nas bases, onde os alvéolos são de menor tamanho e so- frem maior variação do seu volume quando submeti- dos a uma determinada pressão (Figura 2.5). Como o conteúdo de O2 e de CO2 em uma região depende da relação V/Q nessa região, a PAO2,, a PACO2 e consequen- temente a PaO2 e a PaCO variam nas diferentes regiões do pulmão. Nos ápices pulmonares, onde predomina a ventilação, observa-se uma PaO2 maior e uma PaCO2 menor em comparação às bases, onde predomina a perfusão (Figura 2.6). O aparecimento de distúrbios V/Q durante uma doença pulmonar acarreta alterações substanciais na troca gasosa. Assim, a hipoxemia e a hipercapnia deve- riam ser achados constantes nessa situação. Entretanto, a hipercapnia é um achado relativamente incomum, pois mesmo aumentos pequenos na PaCO2 levam a estimulação do centro respiratório, com subsequente aumento da ventilação que se distribui para unidades alveolares mais bem ventiladas, levan- do a sua relação V/Q a valores acima do normal. Porém, pelas características da curva de dissociação da oxie- moglobina, o sangue que deixa essas unidades já é to- talmente saturado, e um aumento na PAO2 não é capaz de aumentar o conteúdo de O2 sanguíneo de maneira significativa. À medida que piora a relação V/Q, ocorrem au- mento da ventilação para manter o PaCO2 normal e, A C B Figura 2.4: Distribuição normal da perfusão. Figura 2.6: Troca gasosa regional no pulmão normal. Figura 2.5: Distribuição normal da ventilação. 13 Fisiopatologia da Insuficiência Respiratória consequentemente, aumento no trabalho respiratório, no consumo de oxigênio e na produção de CO2, poden- do levar a fadiga da musculatura respiratória. A fadiga, por sua vez, leva a uma piora da hipoxemia, hipercap- nia com acidose respiratória e, caso não se intervenha nessa situação, acidose mista. Na criança a fadiga ocorre mais precocemente do que no adulto, pelas característi- cas da musculatura intercostal e diafragmática descritas anteriormente, justificando a necessidade de interven- ção mais precoce. Nas situações clínicas em que os distúrbios V/Q estão presentes, a diferença alveoloarterial de O2 está aumentada. distúrbiOs de difusãO O sangue normalmente permanece, em média, 0,75 segundos no capilar pulmonar, e durante esse período se equilibra com o gás alveolar. Esse é um pro- cesso passive, no qual o O2 e o CO2 se movem através da membrana alveolocapilar por gradiente de pressão parcial, com o O2 se movendo do alvéolo para o sangue e o CO2 se movendo na direção oposta. Em um pulmão normal, o equilíbrio completo ocorre em cerca de 0,25 segundos, o que garante uma grande margem de segu- rança para garantir o equilíbrio entre o gás alveolar e o sangue do capilar pulmonar (Figura 2.7). Para que a difusão ocorra satisfatoriamente deve haver tempo suficiente para se atingir o equilíbrio com- plete, além de número suficiente de unidades alveo- locapilares que permita um volume de troca gasosa adequada. A velocidade na difusão depende de vários aspectos: � o tamanho da molécula O2 tem peso molecu- lar menor que o CO2 e portanto sua difusão é mais rápida na fase gasosa; � coeficiente de solubilidade - os gases que são mais solúveis em um meio líquido se difun- dem mais rapidamente através da membrana alveolocapilar (meio essencialmente líquido). É por isso que a molécula de CO2, apesar de ser maior que o O2, se difunde cerca de 20 vezes mais rapidamente que o O2 pela membrana alveolocapilar; � lei de Graham - a difusão de um gás no meio líquido é diretamente proporcional ao seu coeficiente de solubilidade e inversamente proporcional à raiz quadrada de sua densidade; � gradiente de pressão - a administração de O2 suplementar aumenta o gradiente de pres- são e a velocidade de difusão. A diminuição da pressão inspirada de O2, por exemplo, em grandes altitudes, diminui o gradiente de pres- são e portanto a velocidade de difusão; � barreiras à difusão - qualquer acúmulo de substâncias na membrana alveolar, no líquido intersticial, na membrana do capilar, no plas- ma ou na hemácia leva a uma diminuição na velocidade de difusão. A membrana alveolo- capilar (excluindo o plasma e a hemácia) tem cerca de 1 mícron. Caso ocorra aumento da espessura dessa membrana (2x) ocorrerá tam- bém aumento correspondente do tempo de equilíbrio (2x), porém, como há um bom tem- po de reserva (0,25 s para o equilíbrio em 0,75 s de trânsito), em geral não se observa hipo- xemia nessa situação. A hipoxemia será obser- vada somente se a velocidade de trânsito da hemácia pelo capilar pulmonar também esti- ver aumentada (p. ex., exercício físico). Assim, os pacientes com distúrbio de difusão em geral apresentam hipoxemia quando submetidos a exercício. Quando o paciente apresenta hipoxemia em repouso, o mecanismo fisiopatológico que mais prova- velmente está envolvido é o aumento no shunt fisioló- gico devido ao preenchimento do espaço alveolar com diminuição da ventilação e, consequentemente, efeito shunt. Como nos distúrbios de V/Q, nas alterações de di- fusão a diferença alveoloarterial de oxigênio também se encontra aumentada. transpOrte gasOsO O oxigênio é transportado para a célula ligado à hemoglobina e dissolvido no plasma, e é impulsionado Figura 2.7: Difusão de O através da membrana alveolocapilar. 14 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria pelo fluxo sanguíneo decorrente do débito cardíaco. A oferta de oxigênio (DO2) para os tecidos pode ser esti- mada por meio da seguinte fórmula: DO2 = CaO2 x DC x 10 em que CaO2 é o conteúdo arterial de oxigênio, DC é o débito cardíaco, e esse produto é multiplicado por 10 para acerto de unidades (CaO2 é medido em mL de O2 / dL, enquanto DC é medido em L/min). O conteú- do arterial de oxigênio é calculado da seguinte maneira: CaO2 = 1,34 x Hb x SaO2 + 0,0031 x PaO2 em que 1,34 é a quantidade de O2 em mL carre- gado por 1 g de hemoglobina, Hb é a quantidade de hemoglobina no sangue e SaO2 é a saturação de O2 no sangue arterial; 0,0031 é o coeficiente de solubilidade do oxigênio no sangue (mL de O2/ 100 mL de sangue/ mmHg). Cerca de 98% do oxigênio está ligado à hemo- globina, justificando a importânciade se manter uma hemoglobina adequada nos casos de insuficiência res- piratória e também de se monitorizar a saturação de oxigênio de maneira contínua. O conteúdo arterial de O2 normal é de cerca de 20 vol%. Essa mesma fórmula pode ser utilizada para o cálculo do conteúdo venoso de oxigênio, substituindo-se a SaO2 por SvO2 e a PaO2 pela PvO2 e o conteúdo capilar pulmonar de oxigê- nio substituindo a SaO2 pela FiO2 e a PaO2 pela PAO2, respectivamente. Os fatores que alteram a curva de dissociação da hemoglobina alteram também o transporte de oxigê- nio (Tabela 2.2). Em vigência de hipoxemia e queda de satura- ção de O2, geralmente se observa um aumento do débito cardíaco como um mecanismo compensatório para manter adequada a oferta tecidual de oxigênio. Entretanto, há situações em que a insuficiência respi- ratória está associada a um débito cardíaco diminuído (p. ex.: depressão miocárdica por infecção, hipovolemia ou mesmo um efeito colateral da ventilação mecânica). Nessa situação, a queda do débito cardíaco acarreta uma diminuição da oferta de oxigênio para os tecidos, e no nível celular ocorre aumento da extração de O2 para manter o metabolismo basal, resultando conse- quentemente em uma diminuição da pressão venosa mista de oxigênio (PvO2). Essa diminuição na PvO2 vai se refletir em diminuição na PaO2 dependendo da por- centagem de shunt pulmonar presente (áreas de baixo V/Q). Quanto maior a porcentagem de shunt, maior a quantidade de sangue venoso misto com PvO2 baixa que não será oxigenado e maior o efeito na PaO2. A queda da PvO2 em um pulmão normal leva a peque- na variação na PaO2, pois o sangue venoso misto com PvO2 baixa passando por unidades alveolocapilares com relação V/Q normal é totalmente oxigenado, ge- rando uma pressão arterial de oxigênio normal. respiraçãO interna O ponto final do transporte de oxigênio da atmosfera até a célula é referido como respiração interna. A respiração interna tem sido definida espe- cificamente como a troca de gases entre os capilares sistêmicos e as células. Dos tipos de hipóxia que po- dem acometer os tecidos, três se relacionam a meca- nismos já descritos acima: hipóxia hipoxêmica (falta de captação de oxigênio pelos pulmões), hipóxia anêmi- ca (falta de hemoglobina para transportar oxigênio), hipóxia isquêmica (diminuição do fluxo sanguíneo por diminuição do débito cardíaco ou obstrução arterial); e um mecanismo se relaciona à respiração celular pro- priamente dita, a hipóxia histotóxica (intoxicação cia- nídrica, choque séptico). Tabela 2.2: Fatores que afetam a curva de disssociação da hemoglobina Fatores que desviam a curva para a direita - diminuem a afinidade do O2 pela Hb Fatores que desviam a curva para a esquerda - aumentam a afinidade do O2 pela Hb Aumento da temperatura Diminuição da temperatura Diminuição do pH/aumento da PCO2 Aumento do pH/diminuição da PCO2 Aumento do 2,3 DPG Diminuição do 2,3 DPG Hemoglobina fetal 15 Fisiopatologia da Insuficiência Respiratória bibliOgrafia 1. Dantzker DR, BrooK CH, Dehart P et al. Gas exchange in adult respiratory distress syndrome and effects of positive end expiratory pressure. Am Rev Respir Dis 1979;120:1039. 2. Dantzker DR. Pulmonary Gas Exchange. In: Dantzker DR (ed). Comprehensive Respiratory Care. Philadelphia: W.B. Saunders Company, 1995. p. 98. 3. Evans TW. Clinical assessment of the respiratory system. In: Tobin M.J (ed). Principles and Practice of Intensive Care Monitoring. New York: McGraw-Hill, 1998. pp. 187-96. 4. Faria LS. Insuficiência respiratória aguda. In: Maksoud JG (ed). Cirurgia Pediátrica. Rio de Janeiro: Revinter,1998. pp. 57-67. 5. Greene KE, Peters JI. Pathophysiology of acute respiratory failure. Clin Chest Med 1994;15(1): 1. 6. Helfaer MA. Developmental physiology of the respiratory system. In: Rogers, M (ed). Textbook of Pediatric Intensive Care. Baltimore:Williams & Wilkins, 1992. p. 104. 7. Hogg JC, Williams J, Richardson JB et al. 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O sucesso dessa abordagem marcou a introdução da ventilação com pressão positiva intermitente no tratamento da insu- ficiência respiratória. Os avanços nos conhecimentos sobre a fisiolo- gia e a fisiopatologia respiratória, os progressos tec- nológicos e os métodos de monitorização contribuem para a melhora da sobrevida de crianças com insufi- ciência respiratória. A ventilação mecânica se faz por meio de apa- relhos que, intermitentemente, insuflam as vias aéreas com volumes de ar (volume corrente), a uma determi- nada velocidade (fluxo inspiratório), gerando pressões positivas (pressão inspiratória e pressão expiratória). A interação entre o sistema respiratório que recebe a ven- tilação mecânica e o aparelho que a fornece é que de- termina a eficácia da ventilação mecânica. O estudo do sistema respiratório é baseado em um modelo matemático, concebido como uma resistência conectada a uma complacência. O comportamento me- cânico é chamado de equação do movimento. Na equação do movimento, pode-se calcular uma das três variáveis (pressão, volume ou fluxo), esta- belecendo uma variável como independente e as outras duas como dependentes. Por exemplo, durante a venti- lação com pressão controlada, esta se torna a variável independente. O fluxo e o volume passam a depender da pressão, bem como da complacência e da resistência do sistema respiratório. Durante a respiração espontânea, a contração da musculatura torácica e diafragmática leva a uma alteração da conformação da caixa torácica, gerando uma pressão negativa intratorácica. O gradiente de pressão gera um fluxo de ar que determina um volume corrente. O volume corrente a ser determinado depen- derá da resistência da via aérea e da complacência do parênquima pulmonar, caso o gradiente de pressão se mantenha constante. A compreensão da equação do movimento au- xilia no entendimento dos diferentes modos de ven- tilação que serão descritos no decorrer deste capítulo (Figura 3.1). cOnsiderações gerais A maior parte dos aparelhos comercialmen- te disponíveis, no nosso meio, para a ventilação em 3 Figura 3.1: Equação do movimento.18 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria crianças (Sechrist, Inter3, Servo900C, Servo300, Newport e VIPBird) permite a realização de ventilação ciclada a tempo e limitada a pressão, que é a forma mais frequen- temente usada em pediatria. Na ventilação ciclada a tempo com pressão limi- tada as taxas de fluxo inspiratório são altas [três a quatro vezes o volume minuto (volume corrente X frequência respiratória) ou, para alguns autores, 1 a 3 L/kg/min], para permitir que o pico de pressão inspiratória atinja um limite predeterminado antes do final da inspiração e este é mantido nesse nível até o início da expiração. O excesso de fluxo escapa pela válvula de limite de pres- são (Figura 3.2). A maioria desses aparelhos dispõe de um sistema de fluxo contínuo de gases que permite à criança respirar espontaneamente sem a necessidade da abertura de uma válvula de demanda (Figura 3.3), evi- tando a assincronia e a fadiga secundárias ao aumento do trabalho respiratório nos casos de resposta demorada ou dificuldade da abertura dessa válvula. Os aparelhos da Newport permitem ventilar desde recém-nascidos até adultos e possuem um sistema de fluxo contínuo op- cional. Os Servo 900C e 300 também permitem ventilar desde RN até adultos, e fazem uma ventilação ciclada a tempo e limitada a pressão no modo pressão controlada, sem fluxo contínuo. O Servo 300 e o Newport Wave têm um sistema de flow by que mantém a válvula de deman- da parcialmente aberta, reduzindo o tempo de resposta e esforço necessário para abri-la durante a respiração es- pontânea da criança. Nos aparelhos Servo 900C e 300 o fluxo não é predeterminado, a válvula inspiratória se fe- cha quando o pico de pressão predeterminado é atingi- do. O pico é mantido pelo restante do tempo inspiratório. A vantagem da utilização da ventilação ciclada a tempo com pressão limitada, desde que se limite a pres- são a valores não muito elevados, é a menor ocorrência de barotrauma e volutrauma. Uma desvantagem é o vo- lume corrente variável. A maior parte dos aparelhos citados acima per- mite a realização de ventilação com volume controlado; em alguns o volume corrente é regulado pelo fluxo ins- piratório e pelo tempo inspiratório, sem que se limite o pico de pressão inspiratória (Newport, por exemplo). Nos aparelhos Servo 900C, Servo 300 e no VIPBird, o volume corrente é ajustado diretamente nos modos de ventilação com volume controlado. Esses aparelhos permitem a utilização segura de volumes correntes bem baixos, de até 10 mL. A vantagem da utilização de ventilação com volume controlado é a administração de um volume corrente constante, independentemente das variações de complacência e resistência pulmonares. Contudo, o pico de pressão inspiratória é variável, com maior risco de barotrauma. Não há dados científicos suficientes para compro- var que a ventilação com pressão controlada seja superior à ventilação com volume controlado para os pacientes pediátricos. Entretanto, a ventilação com pressão contro- lada é a mais frequentemente utilizada em pediatria. Idealmente, os aparelhos de ventilação mecânica pediátricos devem ter as seguintes características: 1. tamanho pequeno, silencioso e de baixo custo; 2. a complacência e resistência do sistema de- vem ser mínimas (a criança tem uma maior resistência das vias aéreas, e a utilização de um circuito de alta complacência pode levar a uma grande perda de volume de compressão); 3. sistemas de alarme audíveis e visíveis; 4. sistemas de disparo (trigger) rápidos e sensíveis; 5. capacitação para realizar diferentes modos ven- tilatórios: ventilação com pressão positiva inter- mitente, ventilação mandatória intermitente, CPAP ou PEEP, e atualmente, pressão de suporte; 6. dispor de frequências respiratórias de até 150 mov/min; Figura 3.2: Esquema de um ventilador limitado a pressão e ciclado a tempo (curva de fluxo e pressão). Figura 3.3: Representação esquemática de um ventilador pediátrico de fluxo contínuo: (A) válvula exalatória aberta, fluxo contínuo passando pelo circuito; (B) válvula exalatória fechada, o fluxo da mandatória vai todo para o paciente; (C) no ramo inspiratório há a válvula Popoff, que, uma vez atingido o limite de pressão, deixa o fluxo excessivo escapar. 19 Bases Físicas da Ventilação Mecânica 7. capacidade de fornecer volumes correntes com grandes variações (10 mL – 500 mL). princípiOs básicOs de funciOnamentO dOs ventiladOres Didaticamente, a ventilação com pressão positi- va nas vias aéreas pode ser dividida em quatro fases: 1. fase inspiratória – o ventilador insufla os pul- mões da criança, vencendo as propriedades elásticas e resistivas do sistema respiratório; 2. mudança da fase inspiratória para a fase expi- ratória – o ventilador interrompe a fase inspi- ratória e permite o início da fase expiratória, processo denominado ciclagem; 3. fase expiratória – o ventilador permite o esva- ziamento dos pulmões, geralmente de modo passivo; 4. mudança da fase expiratória para a fase inspi- ratória – essa transição pode ser desencadeada pelo ventilador ou pelo paciente, e denomina- mos “disparo” do ciclo respiratório. Fase inspiratória A fase inspiratória se inicia com a movimentação de gás do ventilador para o interior das vias aéreas da criança. A pressão positiva do ventilador, maior que a pressão na via aérea da criança, gera um fluxo de ar. Este fluxo é diretamente proporcional ao gradiente de pres- são e inversamente proporcional à soma da resistência interna do ventilador e a resistência do sistema respira- tório do paciente. Os ventiladores, quanto à fase inspira- tória, podem ser classificados em geradores de pressão ou geradores de fluxo. Em pediatria, frequentemente se utilizam venti- ladores geradores de pressão não constante, em uma forma de ventilação com limitação de pressão e ciclada a tempo (Sechrist, Inter3, Newport). Na ventilação limi- tada a pressão as taxas de fluxo inspiratório são fixas, para permitir que o pico de pressão inspiratória atinja um limite predeterminado antes do final da inspiração, e este é mantido nesse nível até o início da expiração. O excesso de fluxo escapa pela válvula de limite de pres- são, mantendo-se um patamar fixo de pressão inspira- tória até o final do tempo inspiratório programado. O padrão de fluxo resultante é constante no início e desa- celerante no final (Figura 3.2). Também tem-se utilizado em pediatria a venti- lação com pressão controlada, na qual os ventiladores geram uma pressão constante (Servo 300 e Servo 900). Nesse caso, um fluxo desacelerante desde o início da fase inspiratória mantém a pressão constante na via aé- rea (Figura 3.4). Mudança da inspiração para a expiração Os ventiladores são classificados pelo mecanis- mo ou processo que provoca a ciclagem do aparelho, isto é, a mudança da fase inspiratória para a expiratória. Atualmente, a maioria dos respiradores dispõe de até três dos quatro mecanismos de ciclagem: volume, fluxo, tempo e pressão. Obviamente, existe uma inter-relação entre essas quatro variáveis durante a ventilação mecânica. Um dos fatores é controlado e portanto funciona como variável independente. Os outros fatores são variáveis depen- dentes que devem ser ajustados adequadamente. Ventilação a volume controlada Na ventilação a volume controlada, o ciclo ven- tilatório termina a inspiração quando um determinado volume preestabelecido é liberado no circuito do ven- tilador. O tempo necessário para liberar esse volume corrente, o fluxo inspiratório e a pressão são dependen- tes desse volume. Uma vez que o volume corrente e a frequência respiratória foram ajustados no ventilador, o fluxo inspiratório deve ser ajustado para que o volume corrente seja administrado num tempo inspiratório de- sejado. A pressão necessária para liberar o volume cor- rente estabelecido é o pico de pressão inspiratório, que vai variar dependendo da complacência e da resistência do pulmão (Figura 3.5). Figura3.4: Representação das curvas de pressão e fluxo na pressão controlada (pressão quadrada e fluxo desacelerante). 20 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria Ventilação ciclada a tempo Na ventilação ciclada a tempo, a inspiração ter- mina e a expiração começa após um determinado inter- valo de tempo. Pode-se limitar a pressão ou deixar que o volume corrente seja determinado pelo fornecimento do fluxo inspiratório por um determinado tempo. Em crianças, frequentemente utiliza-se ventilação limitada a pressão e ciclada a tempo, ou seja, o aparelho passa da fase inspiratória para a fase expiratória ao térmi- no do tempo inspiratório predeterminado (Figura 3.2). Ventilação pressão controlada Na ventilação ciclada a pressão a inspiração ter- mina e a expiração começa quando um limite pressórico máximo nas vias aéreas é atingido. O volume corrente é determinado pela pressão preestabelecida, fluxo, com- placência pulmonar do paciente, resistência do circuito e das vias aéreas e integridade do circuito do ventila- dor. Inicialmente escolhe-se uma pressão enquanto o volume corrente expiratório é monitorizado. Ajusta-se a pressão até se conseguir o volume corrente desejado. Ventilação ciclada a fluxo Na ventilação ciclada a fluxo a inspiração termina e a expiração começa quando o fluxo cai a uma percen- tagem predeterminada do pico do fluxo. O volume cor- rente e o tempo inspiratório variam de ciclo para ciclo. Nesse tipo de ventilação também se limita o pico de pressão a ser atingido. O volume liberado aos pulmões é determinado pela pressão escolhida e pela compla- cência e resistência da criança. O sistema de ciclagem a fluxo é mais confortável do que o de ciclagem a pressão, pois no primeiro o pa- ciente tem maior controle sobre o ciclo respiratório. Um exemplo desse modo de ventilação é o de pressão de suporte (Figura 3.6). Fase expiratória o esvaziamento do pulmão se faz normalmente pela abertura de uma válvula que libera o fluxo expira- tório, ou seja, põe o pulmão em contato com a atmosfe- ra. O fluxo expiratório é consequência do gradiente de pressão entre os alvéolos e a atmosfera. A manutenção de uma pressão expiratória positiva ao final da expira- ção se faz por meio da incorporação de mecanismos que fazem com que o esvaziamento pulmonar ocorra contra uma pressão constante acima da atmosférica. Mudança da expiração para a inspiração (disparo do aparelho) O ventilador deverá interromper a fase expiratória e permitir o início da fase inspiratória do ciclo seguinte. O modo seré controlado quando o início da inspiração se faz após um determinado espaço de tempo preestabe- lecido (disparo por tempo). Nas modalidades sincronizadas, assistidas ou de suporte o disparo pode ser desencadeado por uma variação de pressão, fluxo, por variação da impedância torácica (constatação da contração muscular) ou ainda por movimentação abdominal. O tipo de disparo do res- pirador é muito importante na criança. Como o esforço inspiratório na criança é menor, o sistema de detecção da respiração da criança deve ser muito sensível, e a resposta do aparelho deve ser muito rápida, para evitar um aumento do trabalho respiratório. É em decorrência disso que se desenvolveram os sistemas de detecção por impedância torácica (SAVI) e por movimentação abdominal (Infant Star) usados em neonatologia, que visam detectar a respiração no momento da contração da musculatura, antes mesmo que ocorra variação de pressão ou de fluxo na via aérea. Em pediatria utilizam-se frequentemente siste- mas de disparo por pressão ou por fluxo. Estes últimos têm se mostrado melhores por desencadearem um me- nor trabalho respiratório. Figura 3.5: Representação da ventilação a volume controlada. Acima, gráfico fluxo/tempo com fluxo constante, no meio, gráfico volume tempo e abaixo gráfico pressão tempo. A inspiração termina quando o volume predeterminado é atingido. Figura 3.6: Ventilação com pressão de suporte. Modalidades Básicas de Ventilação Mecânica mOdO cOntrOladO É uma modalidade de ventilação na qual todas as respirações são fornecidas pelo aparelho de ventila- ção, a uma frequência, pressão (ou volume), fluxo ins- piratório e tempo inspiratório predeterminados. Está indicada em situações em que a criança não tenha es- forço inspiratório, como em lesões do SNC (polirradi- culoneurite, secções de medula, intoxicações agudas ou traumatismo cranioencefálico), durante anestesia ou no pós-operatório imediato, ou em situações em que a criança precise de sedação rigorosa ou curari- zação. Pode levar a fraqueza da musculatura respira- tória e atrofia, se usada por tempo prolongado. Como o controle é totalmente realizado pelo médico, a mo- nitorização gasométrica deve ser rigorosa para que sejam corrigidos os distúrbios acidobásicos que nor- malmente seriam corrigidos pela respiração espontâ- nea do paciente (Figura 4.1). Figura 4.1: Representação esquemática da ventilação controlada (volume controlado à esquerda e pressão controlada à direita). Não se observa deflexão negativa no início da curva de pressão (controlada). mOdO assistidO/cOntrOladO É uma modalidade de ventilação na qual as res- pirações mandatórias são fornecidas a uma frequência, pressão (ou volume), fluxo e tempo inspiratório prees- tabelecidos, porém entre as respirações iniciadas pelo aparelho a criança pode desencadear uma resposta do aparelho de ventilação e receber uma respiração man- datória com os mesmos parâmetros dos ciclos iniciados pelo aparelho de ventilação, exceto pela frequência, que é determinada pelo paciente. Está indicada em si- tuações em que a criança tenha um esforço inspirató- rio normal, contudo com uma musculatura respiratória incapaz de realizar todo o trabalho respiratório para manter uma ventilação adequada. Permite ao pacien- te controlar a sua frequência respiratória. Para que esse tipo de ventilação possa ser realizado na criança, o sis- tema de disparo (trigger) deve ser bastante sensível e a válvula de demanda deve ter resposta rápida. Tem como desvantagem a possibilidade da hiperventilação por dor, ansiedade ou fatores neurológicos, levando a alcalose respiratória (Figura 4.2 e 4.3). Figura 4.2: Representação esquemática da VM assistido/ controlada. 10 0 -40 -60 2 4 6 8 10 12 14 Fluxo 40 30 20 10 0 Pressão (cmH O)2 2 4 6 8 10 12 14 Volume 800 100 0 2 4 6 8 10 12 14 Tempo (segundos) 10 0 -40 -60 2 4 6 8 10 12 14 Fluxo 40 30 20 10 0 Pressão (cmH O)2 2 4 6 8 10 12 14 Volume 800 100 0 2 4 6 8 10 12 14 Tempo (segundos) 10 0 -40 -60 2 4 6 8 10 12 14 Fluxo 40 30 20 10 0 Pressão (cmH O)2 2 4 6 8 10 12 14 Volume 800 100 0 2 4 6 8 10 12 14 Tempo (segundos) Figura 4.3: Curvas de ventilação assistido/controlada (v. pressão controlada). Ventilação mandatória intermitente (IMV) e ventilação mandatória intermitente sincronizada (SIMV). 4 22 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria A ventilação mandatória intermitente é o modo de ventilação mais usado em pediatria. Nessa modalidade as respirações mandatórias são fornecidas ao paciente a uma frequência, pressão (ou volume), fluxo e tempo ins- piratório predeterminados, porém entre as respirações mandatórias o paciente pode respirar espontaneamente, com frequência, pressão, volume e tempo inspiratório determinados por ele (Figura 4.4). Isso é possível pela existência de um fluxo contínuo entre as respirações mandatórias, ou de um fluxo de demanda desencadea- do pela detecção do esforço inspiratório do paciente. A SIMV (ventilação mecânica intermitente sincronizada) faz com que a respiração mandatória ocorra concomitante- mente ao esforço inspiratório do paciente (Figura 4.4). Está indicada quando a criança tem um drive respiratório porém sua musculatura respiratória é incapaz de realizar todo o trabalho respiratório para manter uma ventilação adequada, e constitui também uma forma de desmame da ventilação mecânica. Os efeitos cardiovascularesda ventilação mecânica são menos evidentes nesse tipo de ventilação do que na ventilação controlada ou assisto- controlada, pois a pressão média das vias aéreas (MAP) é muito menor durante a respiração espontânea, levando portanto a uma queda da MAP no decorrer do tempo. Como o paciente participa mais da ventilação, há uma menor ocorrência de atrofia da musculatura respiratória. pressãO de supOrte É um modo de ventilação no qual o esforço ins- piratório da criança é assistido pelo ventilador para se atingir um nível de pressão preestabelecido. A inspiração termina quando o fluxo inspiratório atin- ge um nível mínimo, ou uma porcentagem do pico de fluxo atingido. A criança determina sua frequên- cia respiratória, e a interação do sistema respiratório da criança com o aparelho determina o tempo ins- piratório e o volume corrente, que são variáveis de uma respiração para a outra. Tem sido indicado para o desmame da criança em ventilação mecânica ou como forma de ventilação, associado ao SIMV, para as crianças que apresentam um esforço inspiratório adequado porém com musculatura respiratória inca- paz de manter um trabalho adequado para a sua ne- cessidade ventilatória. Essa modalidade permite uma melhor sincronia entre a criança e o ventilador. Na criança a realização desse modo de ventilação pode ser dificultada pela utilização de cânulas muito peque- nas, cuja resistência inspiratória elevada pode fazer com que o pico de pressão seja atingido muito rapi- damente, com um volume corrente baixo. Ou, ainda, o escape da cânula sem cuff pode dificultar a ciclagem nessa modalidade (Figura 4.5). Figura 4.4: Representação esquemática da IMV (acima) e da SIMV (abaixo). Pressão Fluxo Limite de pressão superior Nível de pressão de suporte PEEP Sensibilidade de disparo Controle de �uxo Figura 4.5: Pressão de suporte. 23 Modalidades Básicas de Ventilação Mecânica simv + pressãO de supOrte Associa a ventilação mandatória intermitente sin- cronizada à pressão de suporte. Ou seja, mantém-se uma frequência de mandatória, com os parâmetros predeter- minados; entre as mandatórias a criança tem respiração espontânea, e esta é assistida com um suporte pressó- rico. Alguns aparelhos, como o Servo 900, por exemplo, trabalham com SIMV volume controlado + pressão de suporte. Outros, como o Servo 300 e o Newport Wave, trabalham com SIMV volume controlado ou pressão controlada + pressão de suporte (Figura 4.6). cpap A criança respira espontaneamente sob uma pressão de distensão contínua mantida na via aérea. Hoje em dia é raramente utilizada como modalidade de ventilação em crianças intubadas. É mais usada em ventilação não invasiva (duplo tubo nasal ou máscara) (Figura 4.7). Curvas de pressão e fluxo no SIMV (volume controlado + pressão do suporte) - observe que na SIMV a onda de fluxo é quadrada (característica do modo volume controlado) e na pressão de suporte a onda de fluxo é desacelerante. Curva de pressão e fluxo da SIMV (pressão controlada) + pressão de suporte. Note as curvas de fluxo com padrão desacelerante tanto na SIMV como na PS. Figura 4.6: Acima: SIMV volume controlado + pressão de suporte e abaixo: SIMV pressão controlada + pressão de suporte. Figura 4.7: CPAP de 2 cmH2O. 24 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria mOdalidades básicas e nOvas e ventilaçãO mecânica Eduardo Juan Troster � Equação do movimento � Esquema de controle � Variáveis das fases desencadeamento (trigger) limite ciclagem expiração � Modos de ventilação ventilação mecânica controlada assistocontrolada IMV/SIMV Pressão suporte � Bibliografia Equação do movimento O sistema de controle é baseado na equação do movimento do sistema respiratório. O objetivo da ven- tilação mecânica é gerar uma pressão necessária para resultar num fluxo de gás que entra nas vias aéreas e aumenta o volume pulmonar. A equação do movimento foi descrita por Chatburn em 1988.1 Gradiente de pressão volume resistência fluxo complacência mu( ssculatura respiratória aparelho) O gradiente de pressão da musculatura res- piratória resulta na expansão da caixa torácica e dos pulmões. Esquema de controle2 A pressão, o volume e o fluxo mudam com o tem- po e são variáveis. A complacência e a resistência são parâmetros que combinados constituem a sobrecarga aos músculos respiratórios e ao ventilador. Um detalhe importante a ser lembrado é que pressão, volume e fluxo são medidos em relação a seus valores basais, isto é, os valores no fim da expiração. A pressão inspiratória é medida como mudança das pressões nas vias aéreas acima do PEEP. O volume é medido como mudança do volume pulmonar acima da capacidade residual funcional (CRF). A mudança do volume pulmonar durante o período de inspiração é definida como volume corrente. O fluxo é medido em relação ao seu valor no fim da expiração (geralmente zero). O algoritmo para determinar a variável indepen- dente e que controla a ventilação é o que vemos na Figura 4.8. Os ventiladores podem ser classificados como controlados a pressão, a volume e a fluxo. Variáveis das fases Uma vez identificadas as variáveis de controle e as formas das ondas associadas, deve-se examinar os eventos durante o ciclo ventilatório, isto é, o período de tempo entre o início de uma respiração e o início da próxima. Mapleson3 propôs que esse período de tempo fosse dividido em quatro fases: a mudança da expiração para a inspiração, a inspiração, a mudança da inspira- ção para a expiração e a expiração. Essa convenção é útil para examinar como um ventilador inicia, mantém e suspende uma inspiração e a expiração. Desencadeamento (Trigger) Os ventiladores medem as variáveis associadas com a equação do movimento (pressão, volume, fluxo ou tempo). Figura 4.8: 25 Modalidades Básicas de Ventilação Mecânica A inspiração se inicia quando uma das variáveis atinge um valor preestabelecido. As possibilidades são tempo, pressão e fluxo. Quando o trigger é tempo, o ventilador inicia a respiração de acordo com uma fre- quência preestabelecida, independente do esforço es- pontâneo do paciente. Quando o trigger é pressão, o ventilador sente o esforço inspiratório na forma de uma queda da pressão na expiração e inicia uma inspiração independente da frequência preestabelecida. Limite Tempo inspiratório é definido como o intervalo de tempo do início do fluxo inspiratório ao início do fluxo expiratório. Durante a inspiração, pressão, volume e fluxo aumentam acima dos valores do fim da expira- ção. Se uma das variáveis não sobe acima de um valor preestabelecido, é referida como variável de limite. Não confundir variável de limite com a variável usada para terminar a inspiração, chamada de variável de ciclagem. A inspiração não termina quando a variável de limite atingiu seu valor preestabelecido. Um fator adicional de confusão é que, por con- venção, o pico de pressão inspiratória e a pressão expiratória são medidos em relação à pressão atmos- férica, enquanto o limite de pressão pode ser medido em relação à pressão expiratória (por exemplo, Servo Siemens 900C). A falta de padronização entre os aparelhos enfa- tiza a importância de o clínico entender os conceitos. Ciclagem A inspiração termina pois uma variável atingiu um valor preestabelecido. A variável que é medida e utilizada para terminar a inspiração é chamada de variá- vel de ciclagem. A inspiração pode ser ciclada a tempo, pressão, volume ou fluxo. Expiração A pressão transrespiratória expiratória é a dife- rença entre a pressão das vias aéreas e a pressão de su- perfície corpórea. Pode ser desejável aplicar uma alteração de pressão transrespiratória negativa para facilitar a expi- ração na vigência de aumento da resistência das vias aéreas. Schulze et al.4 descreveram a técnica como re- dução da sobrecarga resistiva. É como a utilização da pressão de suporte para reduzir o trabalho resistivo na inspiração. É ajustado um fluxo expiratório auxiliar epos- teriormente uma pressão, quando o fluxo expiratório termina, para restaurar a capacidade residual funcio- nal. Isso previne a PEEP inadvertida, sem o risco de colapso alveolar associado com a NEEP (pressão expi- ratória final negativa). Modos de ventilação Modo de ventilação pode ser definido como um conjunto particular de variáveis de controle, variáveis de fase e variáveis condicionais. O ventilador ideal sentiria as necessidades fisio- lógicas de trocas gasosas, como o SNC faz, e daria uma assistência proporcional ao déficit em desencadeamen- to (trigger), limite e ciclagem. A insuficiência ventilatória pode ser parcial ou completa, resultando na necessidade de suporte parcial ou completo. Na insuficiência ventilatória parcial, o organis- mo geralmente mantém um esforço regular de desen- cadear a inspiração, porém perdeu a capacidade de manter valores adequados de limite de ciclagem (pico inspiratório de fluxo e volume corrente).1 O organismo tenta respirar espontaneamente, e o ventilador dá o li- mite e a ciclagem. Na insuficiência ventilatória total, o organismo não consegue dar o trigger, e o ventilador acaba fazendo isso. Respiração espontânea é aquela iniciada e termi- nada pelo paciente. Se o ventilador determina o início ou o fim da inspiração, a respiração é mandatória. Uma maneira simplificada de organizar e hierar- quizar os modos de ventilação é: a. pressão controlada (PA) b. volume/fluxo controlado (VC) c. tempo controlado (TC) A organização hierarquizada pode ser dividida assim: 1. raiz do padrão da variável de controle: pressão, volume/fluxo, tempo; 2. padrão mandatório da respiração: contínuo, intermitente, ausente; 3. padrão da variável de trigger; 4. respiração espontânea assistida (sim, não); 5. assistência na expiração (sim, não). Ventilação Mecânica Controlada (VMC)5 Durante a VMC, o paciente não tem esforço inspiratório e não contribui para o trabalho respira- tório. Todas as respirações são desencadeadas pelo aparelho. As características do ciclo são determinadas pelo ventilador. O esforço da musculatura respiratória e sua con- tribuição para o consumo de oxigênio podem ser elimi- nados. O relaxamento subsequente da musculatura da parede torácica pode aumentar o recrutamento pulmo- nar. A eliminação do esforço do paciente pode aliviar o desconforto e a agitação do paciente. As desvantagens da ventilação mecânica contro- lada são: 26 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria Estabelecimento do controle ventilatório Para o controle completo da ventilação, os es- forços respiratórios do paciente devem ser suprimidos por hipoventilação intencional ou sedação e eventual suplementação com bloqueadores neuromusculares. A hiperventilação intencional por ventilação me- cânica controlada é uma técnica empregada nos pa- cientes com hipertensão intracraniana. A indução de apneia por hiperventilação intencional é inadequada, com risco de efeitos adversos hemodinâmicos e de ba- rotrauma e volutrauma. O uso dos sedativos para limitar os esforços ven- tilatórios espontâneos pode ser obtido com: � Opioides: a morfina em doses baixas tem ex- celente propriedade analgésica e reduz o dri- ve ventilatório central, porém são necessárias altas doses para a supressão completa dos esforços ventilatórios. As doses maiores resul- tam em hipotensão arterial e hipomotilidade gastrointestinal. � Benzodiazepínicos: têm propriedades ansio- líticas, de amnésia e relaxante muscular com efeitos cardiovasculares mínimos nas doses habituais. Os benzodiazepínicos não têm efei- to analgésico. � Paralisia neuromuscular: pancurônio, embo- ra seja barato e eficaz, pode liberar histamina e tem efeitos vagolíticos, que podem causar taquicardia e hipotensão. Metabólitos ativos acumulam em insuficiência hepática e renal. Vecurônio tem menor incidência de efeitos car- diovasculares, porém ocorre acúmulo de meta- bólitos ativos na insuficiência renal e hepática. O uso prolongado dos agentes bloqueadores neuromusculares pode resultar em disfunção neuro- muscular persistente, particularmente quando associa- dos aos corticosteroides. Deve-se suspender os agentes bloqueadores neuromusculares a cada 24 horas para o retorno da função muscular. A sedação profunda e a paralisia podem levar a atrofia muscular, depleção de eletrólitos e retenção de água. A inconsciência prolongada pode resultar nas se- guintes complicações: � úlceras de decúbito; � síndromes de compressão dos nervos; � tromboembolismo. Redução do esforço respiratório espontâneo Atelectasia progressiva Durante a ventilação com pressão positiva num paciente há uma preferência do gás em distribuir-se nas porções mais complacentes dos pulmões (na posição supina, são as partes anteriores). Ocorrem o desenvolvimento de infiltrado pro- gressivo e de microatelectasias nas áreas dependentes dos pulmões e, pela redistribuição gravitacional dos fluidos, prejuízo da depuração de secreções e insufla- ção inadequada. A posição prona melhora a oxigenação, aumenta a capacidade residual funcional e reduz a lesão pulmo- nar do barotrauma. Atrofia da musculatura respiratória A atrofia pode ser acentuada pela administração de corticosteroides e estados catabólicos. Entretanto, se o paciente está fazendo esforço inspiratório para desen- cadear respirações assistidas, isso previne ou diminui o risco de atrofia. Alcalose respiratória Uma alcalemia pode ocorrer durante a ventilação mecânica em pacientes com uma ventilação minuto elevada secundária a cirrose, intoxicação por aspirina, sepse ou agitação. Assistocontrolada6 Com o modo de ventilação asistocontrolada toda respiração é suportada pelo ventilador e todas as respirações são semelhantes em fluxo, tempo e volu- me preestabelecidos. Uma frequência mínima é esta- belecida, porém o paciente pode escolher qualquer FR acima dessa. Marini et al.7 mostraram a influência da sensi- bilidade do trigger e do pico de fluxo em indivíduos normais com diferentes níves de ventilação minuto. Aumentar o pico de fluxo reduz o trabalho respiratório para o mesmo volume corrente. As três vantagens do suporte parcial são: � permitir e melhorar a sincronia entre o pacien- te e o aparelho; � reduzir o esforço do paciente e otimizar o conforto; � facilitar o desmame. IMV/SIMV8 Em 1971, foi desenvolvido por Kirby o protótipo do ventilador que incorporou a IMV (ventilação manda- tória intermitente). Desse modo, um fluxo contínuo de gases permite a respiração espontânea do paciente. O fechamento da válvula (ciclada a tempo) ocorre de uma maneira semelhante ao polegar do anestesiologista no tubo T de Ayre. O fluxo necessário para uma criança é muito me- nor do que para um adulto. Posteriormente, foi sincronizada a respiração mandatória liberada pelo aparelho com o esforço inspi- ratório do paciente (SIMV: ventilação mandatória inter- mitente sincronizada). 27 Modalidades Básicas de Ventilação Mecânica Os objetivos de qualquer modo de ventilação são ajudar na ventilação (eliminação de CO2) e/ou na oxige- nação e diminuir o trabalho respiratório sem piorar as condições clínicas do paciente. As vantagens do IMV/SIMV são: Evita a alcalose respiratória Não há dúvida de que IMV/SIMV reduzem a in- cidência e a gravidade de alcalose respiratória. Isso é devido ao fato de que é o paciente que determina sua frequência respiratória e seu volume corrente para suas necessidades fisiológicas. O aparelho é utilizado para suprir a insuficiência ventilatória e normalizar a PaCO2 e o pH. Os eventos adversos da alcalose respi- ratória são: � redução do débito cardíaco; � redução do fluxo sanguíneo cerebral; � redução do cálcio ionizável; � desvio para a esquerda, isto é, maior afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, diminuindo sua liberação aos tecidos. Diminuição da necessidade de sedação e do uso de relaxantes musculares A utilização dos relaxantes musculares transfor- ma IMV/SIMV em ventilação controlada. Ossedativos/analgésicos, na IMV/SIMV, têm como objetivos indução do sono e atuar como ansiolíti- cos e analgésicos. Seu uso não tem como objetivo a supressão da respiração espontânea. Redução da pressão média nas vias aéreas A respiração espontânea diminui a pressão mé- dia nas vias aéreas, enquanto a ventilação mecânica a aumenta. Utilizar uma técnica que combina as duas for- mas de ventilação irá reduzir a pressão média das vias aéreas. Com isso, há um menor risco de barotrauma e das repercussões hemodinâmicas da pressão positiva intratorácica. Assim, podemos ser mais generosos com a PEEP (pressão expiratória final positiva), que melhora a eficá- cia da oxigenação, particularmente nas doenças pulmo- nares restritivas. Melhora da relação ventilação/perfusão (V/Q) A maioria dos pacientes em ventilação mecânica fica na posição supina. Com isso, há uma redução da ca- pacidade residual funcional. Na respiração espontânea, a maioria da ventilação ocorre nas áreas pulmonares dependentes (posteriores), onde acontece a maior per- fusão pulmonar. Quando o diafragma é paralisado pelos relaxan- tes neuromusculares ou não se contrai para eliminação da respiração espontânea, a relação V/Q é dramatica- mente alterada, visto que a ventilação ocorre predomi- nantemente nas regiões não dependentes e a perfusão permanece nas dependentes. Por causa disso, há um aumento do espaço morto anteriormente (V > Q) e au- mento do shunt posteriormente (V < Q). IMV/SIMV, por diminuir as respirações mecânicas e aumentar os esforços espontâneos, tendem a reduzir esse desbalanço V/Q. Desmame acelerado Essa vantagem é controversa. Nessa modalida- de de ventilação a frequência respiratória mandatória pode ser reduzida desde a intubação. Inicialmente esse modo de ventilação (IMV/SIMV) era utilizado como desmame. Prevenção de atrofia da musculatura respiratória O desuso da musculatura respiratória leva a atro- fia e a descoordenação da contração do diafragma e da musculatura acessória. IMV/SIMV minimizam o problema, pois a respira- ção espontânea exercita a musculatura. Forçar o paciente a respirar além de sua capa- cidade pode resultar em fadiga e no desenvolvimen- to de descoordenação da musculatura respiratória toracoabdominal. Redução da descompensação cardíaca Na IMV/SIMV, com a respiração espontânea há uma diminuição da pressão intrapleural e um aumento do retorno venoso e do débito cardíaco. Os ciclos man- datórios aumentam a pós-carga do ventrículo direito, reduzindo o débito cardíaco do ventrículo direito. Pressão suporte9 A ventilação com pressão suporte (PS) é uma forma de suporte ventilatório que assiste o paciente intubado com esforço inspiratório espontâneo com uma quantida- de de pressão positiva nas vias aéreas preestabelecida. Um fluxo de gases é liberado para prover uma pressão preestabelecida, e a inspiração termina quando um fluxo mínimo é atingido. Na pressão de suporte o aparelho apenas deter- mina o nível de pressão e o paciente controla a frequên- cia respiratória. Dois efeitos fisiológicos da PS Efeitos da musculatura ventilatória A fadiga da musculatura ventilatória frequente- mente é a causa precipitante da insuficiência respira- tória aguda. A disfunção da musculatura ventilatória 28 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria persistente é um fator contribuinte para a incapacida- de de desmame dos pacientes em ventilação mecânica prolongada. A pressão de suporte permite manipulação do trabalho respiratório. Reflexos do padrão ventilatório Os pulmões e a caixa torácica têm receptores de estiramento e irritativos que suprem o sistema nervo- so central com informações sobre aspectos mecânicos da ventilação. O controle ventilatório pelo SNC utiliza essas in- formações, bem como a troca gasosa, para determinar o padrão ventilatório (FR, volume corrente e fluxo inspira- tório), que resulta na melhor troca gasosa com a menor quantidade de trabalho respiratório. A dispneia ocorre quando essa relação não é adequada. O ideal é que o suporte ventilatório ajude na troca gasosa de uma maneira que interaja com os receptores mecânicos para produzir uma sincronia do paciente com o aparelho e minimize a dispneia. Quando o aparelho determina o fluxo, isso pode não ocorrer. Por outro lado, a PS dá ao paciente maior con- trole sobre o fluxo inspiratório, o tempo inspiratório e o volume corrente. Com a OS há uma interação melhor com os re- ceptores mecânicos com o paciente em respiração espontânea e, portanto, melhora da sincronia do pa- ciente-aparelho. Além disso, há um aumento do confor- to do paciente com PS. bibliOgrafia 1. Chatburn RL, Primiano FP Jr. Mathematical models of respiratory mechanics. In: Chatburn RL; Chaig KC, editors. Fundamentals of Respiratory Care Research. Norwalk, CT: Appleton & Lange, 1988. pp. 59-100. 2. Chatburn R. Classification of mechanical ventilators. In: Tobin MJ. Principles and Practice of Mechanical Ventilation. New York: McGraw-Hill Inc., 1994. pp. 37-64. 3. Mushin WW; Rendell-Baker L; Thompson PW; Mapleson WW. Automatic Ventilation of the Lungs. 3rd ed. Oxford: Blackwell Scientific, 1980. pp. 62-131. 4. Schulze A; Schaller P; Gerhardt B et al. An infant ventilator technique for resistive unloading during spontaneous breathing: results in rabbit model of airway obstruction. Pediatr Res 1990; 28: 79-82. 5. Marcy TW. Full ventilatory support. In: Marini JJ; Slutsky AS. Physiological Basis of Ventilatory Support. New York: Marcel Dekker, 1998. pp. 783-816. 6. Aslanian TW; Brochard LJ. Partial ventilatory support. In: Marini JJ; Slutsky AS. Physiological Basis of Ventilatory Support. New York: Marcel Dekker, 1998. pp. 817-44. 7. Marini J; Culver B; Kirk W. Flow resistance of exhalation valves and positive end-expiratory pressure devices used in mechanical ventilation. Am Rev Respir Dis 1985;131: 850-4. 8. Kirby RR. Intermittent mandatory ventilation. In: Perel A; Stock MC. Handbook of Mechanical Ventilatory Support. Baltimore: Williams & Wilkins, 1992. pp. 101-16. 9. MacIntyre, NR. Pressure support ventilation. In: Perel A; Stock MC. Handbook of Mechanical Ventilatory Support. Baltimore: Williams & Wilkins, 1992. pp. 129-35. Como iniciar a ventilação mecânica? Como regular os parâmetros da ventilação mecânica? Quais as complicações da ventilação mecânica? Como evitá-las? assistência ventilatória invasiva Para que a assistência ventilatória mecânica seja bem-sucedida, devemos levar em consideração os se- guintes aspectos: A indicação deve ser precisa e precoce Parâmetros clínicos Indicação formal: � PCR � Apneia Indicação relativa: � Fadiga � Coma – Glasgow < 8 Parâmetros gasométricos Na insuficiência respiratória aguda � PaO2 < 50 em FiO2 > 60% � PaCO2 > 60 ou subindo 5-10 mmHg/ hora Escolha da cânula endotraqueal e intubação Para a realização da intubação, devemos ter à disposição: Drogas � anestésico tópico crianças menores que 10 kg - Xilocaína solução 2% – 1 mL diluído em 1 mL de água destilada ou SF ou crianças maiores de 10 kg - 1 borrifada de Xilocaína spray. � sedativo – benzodiazepínicos (diazepam – 0,3 mg/kg ou midazolam – 0,2 mg/kg); opiáceos (fentanil – 1-3 mcg/kg) barbitúricos (tionembutal – 2 a 5 mg/kg) outros (cetamina – 1 a 2 mg/kg) � atropina – 0,02 mg/kg; � curare de ação rápida, succinilcolina (0,5 a 1,0 mg/kg, evitar em TCE ou na presença de hiper- calemia, hepatopatia, cardiopatia] ou atracú- rio (0,5 mg/kg/ dose). Laringoscópio adequado � lâmina: Tipo Número RN reta 0 Lactentes (1m-2a) reta 1 Pré-escolares (2a-7a) reta 2 Escolares (7-14a) curva 2 ou 3 Adolescentes (> 14a) curva 3 (Dica: o tamanho mais adequado seria aquele mais pró- ximo da distância da comissura labial até a implantação superior da orelha.) Cânula traqueal Diâmetro da cânula: deve-se utilizar o diâmetro máximo que não provoque trauma laríngeo. Prematuro 2,5 a 3,0 mm; RN 3,0 a 3,5 mm; até 6 meses 3,5 a 4,0 mm; 6 a 12 meses 4,0 a 4,5 mm; 12 a 18meses 4,5 a 5,0 mm; 18 a 24 meses 5,0 a 5,5 mm; 2 a 4 anos 5,5 a 6,0 mm; 4 a 7 anos 6,0 a 6,5 mm; 7 a 10 anos 6,5 a 7,0 mm. 5 30 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria Acima de anos idade mm2 4 4 0 5� � � , Em geral, não se deve utilizar cânula com cuff em crianças menores que 7-8 anos. Quando se utiliza cuff, deve-se insuflá-lo até que não haja escape, sendo a pres- são máxima de 20 mmHg. Os melhores cuffs são os de alta complacência (baixa pressão para maiores volumes). A indicação de cuff para crianças menores que 7 a 8 anos é: presença de escape e necessidade de parâ- metros máximos de VM. Intubar com cuff e, se não for necessário, não insuflar. Via de escolha Orotraqueal ou nasotraqueal. A melhor via é aquela à qual se está mais habituado. Em geral, na ur- gência, a via mais rápida é a orotraqueal. Em caso de intubação eletiva por tempo mais prolongado ou na presença de laringite pós-extubação pode-se dar preferência à via nasotraqueal, que possibi- lita melhor fixação da cânula. Antes de iniciar o procedimento, checar: � aspirador � ambu � máscara � fonte de oxigênio � monitor (FC e Sat O2) Esvaziamento gástrico pré-intubação e manobra de Sellick Compressão da cricoide que leva a uma com- pressão do esôfago e diminuição do risco de aspiração. Checar posição da cânula: � ausculta pulmonar infraxilar � RX de tórax: deixá-la a nível de T3 ou 2 a 2,5 cm acima da bifurcação da traqueia. princípiOs que devem nOrtear a ventilaçãO mecânica a. As alterações fisiopatológicas das diversas doenças modificam-se durante sua evolução temporal, e assim o modo, ajustes e inten- sidade da ventilação devem ser reavaliados repetidamente. b. A ventilação mecânica se associa a um grande número de efeitos adversos. Assim, medidas para minimizar tais complicações devem ser implementadas sempre que possível. c. Para minimizar os efeitos adversos, os objeti- vos fisiológicos não devem ser atingir a nor- malidade gasométrica. Por exemplo, muitas vezes é benéfico permitir o aumento da PaCO2 (hipoventilação controlada, hipercapnia per- missiva) para evitar os riscos da hiperinsufla- ção pulmonar. d. A hiperdistensão alveolar pode causar lesões do parênquima pulmonar, portanto medidas para evitar uma pressão alveolar excessiva devem ser instituídas sempre que possível. A pressão inspiratória de oclusão final (pressão de platô) é clinicamente a que melhor estima a pressão média de pico alveolar. A maioria dos autores concorda que uma pressão de platô superior a 35 cm H2O pode ser mais lesiva ao pulmão do que altos valores de FiO2. e. A hiperinsuflação dinâmica (aprisionamen- to de ar, auto-PEEP, PEEP intrínseca) deve ser medida ou estimada, especialmente em pa- cientes com obstrução das vias aéreas. Essa monitorização tem por objetivo limitar o de- senvolvimento da hiperinsuflação dinâmica para evitar seus efeitos adversos. ObjetivOs fisiOlógicOs da ventilaçãO mecânica Suporte à troca gasosa � Ventilação alveolar (PaCO2 e pH) – em algu- mas circunstâncias o objetivo pode ser uma ventilação alveolar maior do que o normal (hiperventilação para reduzir pressão intracra- niana), mas em outras pode ser uma ventila- ção adequada porém menor do que o normal (como na hipercapnia permissiva ou na falên- cia aguda do paciente crônico). � Oxigenação arterial (PaO2, SaO2 e CaO2) – o objetivo crítico da ventilação mecânica é atin- gir e manter um nível de oxigenação arterial aceitável usando uma concentração de oxigê- nio inspirado também aceitável, o que signifi- ca na maior parte das situações clínicas uma SaO2 em torno de 90% (equivale a uma PaO2 = 60 mmHg, assumindo uma posição normal da curva de dissociação da hemoglobina). Como a oferta de oxigênio para o tecido de- pende também da hemoglobina e do débito cardíaco, esses fatores devem ser considera- dos nessa terapêutica que visa uma melhora da oxigenação tissular. Aumento do volume pulmonar � Insuflação pulmonar ao final da inspira- ção – deve permitir uma expansão pulmonar 31 Como iniciar a ventilação mecânica? Como regular os parâmetros da ventilação mecânica? Quais as complicações da ventilação mecânica? Como evitá-las? suficiente porém não excessiva (a cada respi- ração ou intermitentemente) para prevenir ou tratar atelectasias, melhorar a oxigenação, a complacência e os mecanismos de defesa pulmonar. � Capacidade residual funcional (CRF) – atin- gir e manter uma capacidade residual aumen- tada utilizando PEEP é extremamente útil em situações em que a redução da CRF pode ser deletéria (diminuição da PaO2, lesão pulmo- nar aumentando), como na síndrome do des- conforto respiratório do adulto e na dor do pós-operatório. Reduzir o trabalho respiratório Para a redução do trabalho respiratório nos pa- cientes em que este está aumentado, seja por um aumento da resistência das vias aéreas ou por uma redução da complacência, com esforços espontâneos ineficazes ou incapazes de serem mantidos, o suporte ventilatório deve ser utilizado até que medidas terapêu- ticas específicas revertam a condição que levou ao au- mento no trabalho respiratório. ObjetivOs clínicOs � Reverter a hipoxemia – SaO2 > 90%. � Reverter a acidose respiratória aguda – corrigir uma acidemia grave (pH< 7,20), sem necessa- riamente atingir uma PaCO2 normal. � Aliviar o desconforto respiratório. � Prevenir ou reverter atelectasias. � Reverter a fadiga da musculatura respiratória. � Permitir sedação e/ou bloqueio neuromus- cular. � Diminuir o consumo de oxigênio sistêmico ou miocárdico. � Reduzir a pressão intracraniana. � Estabilizar a caixa torácica. ajustes dOs aparelHOs Um dos principais objetivos da ventilação me- cânica (VM) é efetuar um intercâmbio gasoso eficaz, promovendo a eliminação de gás carbônico (CO2) e a captação de oxigênio. Eliminação de CO2 Como o CO2 se difunde facilmente do sangue para dentro dos alvéolos, sua eliminação depende em grande parte da quantidade total de ar que passa para dentro e para fora dos alvéolos. Ventilação Alveolar = (VC - EM) x FR Portanto a ventilação alveolar (eliminação de CO2) pode ser alterada com a avaliação dos seguintes itens: � Frequência respiratória (FR) – aumentando- -se a FR se aumenta a eliminação de CO2, lem- brando que sempre que se altera a FR alteramos a relação I:E. Se mantivermos um tempo inspira- tório (Tinsp) constante à medida que aumenta a FR diminuímos o tempo expiratório (Texp) e podemos por fim ter um tempo expiratório tão curto que não damos tempo para que o ar saia dos pulmões, levando a um aprisionamento de gás e à formação da chamada PEEP inadverti- da. Nesses casos, entre outras consequências, observaremos um aumento da PaCO2. Assim, o mínimo de tempo expiratório que devemos uti- lizar seria o equivalente a 3 constantes de tem- po (≅ 0,45 segundos), porém em patologias nas quais a resistência da VA está aumentada esse tempo pode ser insuficiente. Constante de tempo é o tempo necessário para que ocorra um equilíbrio de pressões no pulmão e não haja mais fluxo aéreo tanto na inspiração quanto na expiração. A constante de tempo é um produto da resistên- cia pela complacência. 1 CT = 0,15 segundos (valor normal para RN) Em geral calculamos o Tinsp e o Texp com base no conceito de constante de tempo e supondo que em situacões normais sejam necessárias entre 3 e 5 cons- tantes de tempo para que haja uma boa distribuiçao de ar nos pulmões durante a inspiração (Tinsp- 0,4 a 0,8 s). A relação entre inspiração e expiração ideal para iniciar a ventilação mecânica é 1:2. � Volume corrente (VC) – O volume corrente depende da complacência pulmonar, do gra- diente de pressão (Pinsp - PEEP) e por fim do tempo inspiratório. A diminuição do volume corrente leva a uma retenção de CO2. Em geral utilizamos volume corrente de 6-8 mL/kg. Oxigenação A oxigenação depende da FiO2 e da pressão mé- dia das vias aéreas (MAP). Logo após a intubação devemos utilizar uma FiO2 elevada, pois o procedimentode intubação é bas- tante hipoemiante. Entretanto, logo após devemos baixar a FiO2 o mais rápido possível e se puder basea- da em oximetria de pulso. A FiO2 deve ser reduzida, 32 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria tentando atingir um objetivo clínico aceitável (PaO2 > 60 mmHg) com uma FiO2 de 50% para minimizar a to- xicidade pelo O2. Se uma FiO2 > 60% é necessária para manter uma boa oxigenação, deve- se considerar a adição de PEEP. A MAP é a medida da pressão à qual os pulmões estão expostos durante o ciclo respiratório. MAP K Pinsp PEEP Tinsp PEEP Tinsp T � � � � ( ) . ( ) exp A MAP deverá aumentar segundo o aumento dos seguintes itens: � Fluxo inspiratório – aumenta a constante K. O fluxo tem relação direta com o tempo ins- piratório e a pressão inspiratória, já que com o fluxo alto rapidamente atingimos a pressão determinada. Com fluxos baixos geralmen- te obtemos uma onda de pressão tipo “sino” (mais fisiológica, indicada em situações com mínimo comprometimento pulmonar), e com fluxos altos associado a Tinsp altos consegui- mos uma onda “quadrada” (embora menos fisiológica, estaria indicada em situações em que ocorrem comprometimento pulmonar de resistência e/ou complacência, pois fornece um maior volume corrente, uma melhor distri- buição do fluxo e uma elevação da MAP). O fluxo necessário para uma ventilação adequa- da seria três a quatro vezes o volume minuto (VM). VM = VC x FR Em geral o fluxo é dado em L/min. Podemos elevar o fluxo na dependência da pato- logia pulmonar. � Pinsp – o pico de pressão inspiratória é o pri- meiro parâmetro a ser ajustado. Varia em fun- ção da patologia de base. A pressão ideal deve promover expansão torácica adequada. Em situações em que não haja comprometimen- to pulmonar em geral se utiliza Pinsp de 15 a 20 cmH2O. Em doenças obstrutivas e em situa- ções com diminuição de complacência se ne- cessita de pressões mais elevadas, sendo que nesta última, em geral, se utilizam pressões al- tas (acima de 30 cmH2O), aumentando o risco de barotrauma e volutrauma. � Tinsp – tempo inspiratório. O aumento no Tinsp aumenta a MAP, portanto aumenta a oxigena- ção. O uso de Tinsp prolongado entre 1,5 e 2 segundos aumenta o risco de barotrauma, par- ticularmente quando associado a inversão da relação I:E, pela ocorrência de PEEP inadvertida. � PEEP – pressão expiratória final positive. A PEEP gera uma pressão de distensão que man- tém o alvéolo aberto no final da expiração. A PEEP recupera alvéolos pérvios, evita cola- bamento das vias aéreas na expiração e redistribui a água pulmonar. A PEEP redistribui a água pulmonar extravascular do alvéolo para o espaço perivascular, onde o impacto do excesso de água no pulmão na troca gasosa é menor. Por meio desses mecanismos, a PEEP diminui o shunt intrapulmonar, aumenta a ca- pacidade residual funcional (CRF) e melhora a compla- cência e a oxigenação. A aplicação clínica básica da PEEP é a prevenção e o tratamento do colapso pulmonar. Em pacientes com a PaO2< 60 mmHg – (Sat O2 < 90%) numa FiO2 > 0,5 a PEEP está indicada para melhorar a oxigenação. Com a utilização da PEEP, é possível aumentar a eficácia da oxigenação com uma FiO2 menor, reduzindo o risco de toxicidade pulmonar pelo oxigênio. PEEP fisiológica: 3 a 5 cmH2O. Em patologias com diminuição da complacência pode-se ocasionalmente atingir 15 a 20 cmH2O. manutençãO dO paciente em ventilaçãO mecânica Medidas gerais � Necessidades hídricas – em geral administra- mos volume correspondente a cerca de 80% das necessidades hídricas basais. O umidifi- cador fornece cerca de 20 mL/kg de volume ao paciente. � Aporte nutritivo – estabilizado o paciente e caso não haja contraindicações ao uso do tra- to gastrointestinal, iniciar nutrição enteral o mais precocemente possível, associada ou não a nutrição parenteral. Profilaxia de sangramento digestivo: � Cimetidina e/ou antiácido e/ou sucralfato. Sedação � A agitação é um dos sinais de hipoventila- ção. Antes de sedar o paciente, checar parâ- metros inadequados, obstrução da cânula, extubação, barotrauma, funcionamento do aparelho. � Drogas: Diazepam – 0,3 mg/kg, EV, a cada 4 a 6 horas; Midazolam µg – 0,2 mg/kg, EV, a cada 4 a 6 horas ou EV contínuo 2-8 µg/kg/min (há rela- tos de infusão de 10-20 µg/Kg/min); 33 Como iniciar a ventilação mecânica? Como regular os parâmetros da ventilação mecânica? Quais as complicações da ventilação mecânica? Como evitá-las? Meperidina – 1-2 mg/kg/dose, EV, a cada 4 a 6 horas. Fentanil µg 1-5 µg/kg/dose, EV, ou EV contí- nuo 2-8 µg/kg/hora; Hidrato de cloral – 20-50 mg/kg/dose, VO ou VR, a cada 4 a 6 horas; Cetamina – 1-4 mg/kg/dose, EV, a cada 4 a 6 horas, ou EV contínuo 10-15 µg/kg/min (não se deve utilizar em HIC ou muita secreção ou, mesmo, em utilização prolongada). Pode levar a alucinação (diminui com a associação de benzodiazepínicos). Utilizar apenas em pacientes chocados que dificultam a utiliza- ção dos opiáceos. Curarização Só deve ser utilizado quando não consegui- mos sedar um paciente que está “brigando” com a ventilação e necessitando de parâmetros altos do VM. � Pavulon – (pancurônio): ataque – 0,1 mg/kg; manutenção – 0,02 mg/kg, repetido quantas vezes necessário; não se deve utilizar curare de longa duração em infusão contínua; duração – 40-70 minutos. � Aloferine – (alcurônio): ataque – 0,5 mg/kg; manutenção – 0,25 mg/kg. � Tracrium – (atracúrio): ataque – 0,3-0,5 mg/kg; infusão contínua – 0,2-0,5 mg/kg/hora (pre- parar para no máximo 4 horas); efeito – 25 a 40 minutos. � Vercurônio: ataque – 0,07-0,1 mg/kg; infusão contínua – 0,075 mg/kg/hora; efeito – 25 a 40 minutos; sempre associar sedação. cOmplicações da ventilaçãO mecânica A abordagem ventilatória que envolve pressão positiva ao invés de negativa pode resultar em com- plicações pulmonares como a lesão induzida pela ven- tilação mecânica e os escapes aéreos (barotrauma), depressão cardiovascular e efeitos deletérios em ou- tros órgãos. Complicações pulmonares Lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica Apesar de a ventilação mecânica salvar vidas, nos últimos 10 a 15 anos diversos estudos demonstra- ram que a ventilação mecânica pode induzir uma lesão muito semelhante à SDRA. Mais recentemente, estudos identificaram o potencial da ventilação mecânica em causar ou estender a disfunção orgânica múltipla. O uso de volumes correntes altos ou pico de pres- são inspiratória elevados (que geram volumes correntes altos) com volumes expiratórios baixos leva a uma le- são pulmonar induzida pela ventilação mecânica que se caracteriza por formação de infiltrado granulocítico ao nível dos alvéolos, aumento da permeabilidade vas- cular pulmonar, formação de membrana hialina e he- morragias intra-alveolares, ou seja, a própria ventilação mecânica leva a um dano do parênquima pulmonar se- melhante à SDRA, e, no caso de uma lesão preexistente, a um agravamento da mesma. A lesão pulmonar indu- zida pelo ventilador pode ser iniciada se o volume final expiratório é muito baixo e o recrutamento alveolar e/ ou a hiperdistensão alveolar ocorrem repetidamente. Parece ideal, portanto, tentar individualizar o volume pulmonar ótimo em cada paciente com lesão pulmo- nar, idealmente mantendo o pulmão tão aberto quanto possível ao final da expiração para evitar o trauma cícli- co de recrutamento e colapso. Por essas razões, muitos autores têm recomenda- do o uso de uma estratégia ventilatória de proteção pul- monar. A estratégia ventilatória de proteção pulmonar pode ser definida como uma ventilação que minimiza o volume corrente, mantém o pico inspiratório de pres- são baixo e aplica pressão expiratória final positiva sufi- ciente para evitar abertura e fechamento das unidades pulmonares instáveis. Síndrome do escape aéreo Quando o gás é detectado radiograficamente nas camadas perivasculares, é denominado enfise- ma intersticial pulmonar. Isso geralmente precede o pneumotórax. A incidênciade barotrauma correlaciona-se com o pico de pressão inspiratória (PPI). A magnitude é mais importante do que a duração da pressão, e o barotrau- ma é raro quando o PPI é menor do que 25 mmHg. A hipodistensão alveolar geralmente está associada a PPI elevado, maior volume corrente ou distribuição de um volume corrente normal em poucos alvéolos, como pode ocorrer na intubação brônquica seletiva ou na atelectasia maciça. O papel da PEEP ou da CPAP é controvertido. Foi notada uma correlação entre o nível de PEEP e a incidência de barotrauma, porém valores elevados de PEEP normalmente estão associados a PPI altos. 34 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria A hipovolemia está associada a uma maior predispo- sição ao barotrauma pelo aumento do gradiente de pressão entre o alvéolo e o espaço perivascular. Outros fatores predisponentes incluem patologias que des- troem o parênquima pulmonar, tais como doença pul- monar obstrutiva crônica (DPOC), asma e pneumonia necrosante. O diagnóstico do barotrauma é fundamental. Enfisema intersticial pulmonar é a primeira manifestação em pacientes sob ventilação mecânica. Quando detecta- do, devem-se tomar medidas para evitar pneumotórax. O pneumotórax, em ventilação mecânica, pode tornar-se rapidamente hipertensivo. Daí a necessidade de drena- gem imediata. Os sinais precursores de pnemotórax são: enfisema intersticial pulmonar, enfisema subcutâneo e enfisema mediastinal. Na radiografia pode-se observar uma linha pleural. Nos pneumotórax maiores, na auscul- ta verifica-se uma diminuição do murmúrio vesicular. Na vigência de pneumotórax hipertensivo ocorrem desvio do mediastino e de traqueia, distensão das veias cervi- cais, hipotensão arterial e colapso cardiovascular. Qualquer medida para diminuir a pressão em vias aéreas teoricamente reduz a incidência de baro- trauma pulmonar. PPI, PEEP e volume corrente devem ser monitorizados e mantidos nos seus limites inferio- res necessários para prover uma ventilação satisfatória. A ventilação espontânea deve ser encorajada sempre que possível, visto que diminui a necessidade de pres- são nas vias aéreas. Os modos de ventilação, tais como ventilação intermitente sincronizada (SIMV), que permi- tem ventilação espontânea, devem ser preferidos à ven- tilação mecânica controlada (VMC), assim como tentar reduzir tosse e briga com o aparelho, e utilizar paralisia muscular e sedação apenas quando as tentativas de ajustar o ventilador falharem. Durante a reanimação cardiopulmonar, parti- cularmente durante compressão torácica e insuflação pulmonar simultânea, podem resultar pressões nas vias aéreas de 90 a 100 cmH2O ou mais. Esse efeito sinérgi- co pode explicar a ocorrência frequente de barotrauma pulmonar após reanimação cardiopulmonar. Após o desenvolvimento do pneumotórax, os es- forços devem ser dirigidos para minimizar PPI, além de drenagem imediata. Alterações cardiovasculares As pressões inspiratória e expiratória positivas vão determinar aumentos da pressão intratorácica e alterações nos volumes pulmonares, que podem exer- cer efeitos sobre os principais determinantes da função cardíaca: frequência cardíaca, o enchimento atrial ou pré-carga, contratilidade e a impedância ventricular ou pós-carga. À medida que os volumes pulmonares aumen- tam até situações de superdistensão alveolar, ocorrem uma redução da FC e vasodilatação arterial reflexa me- diadas, ao menos em parte, pela ativação de fibras afe- rentes vagais. O retorno venoso (RV) para o coração direito depende do gradiente de pressão entre as veias intra- torácicas e extratorácicas. Durante a inspiração com pressão positiva ocorre uma descida do diafragma que comprime o conteúdo abdominal, aumentando a pressão intra-abdominal, e ainda aumenta a resistên- cia vascular intra-hepática. Esses efeitos vão favorecer o aumento do RV para o átrio direito (AD). Por outro lado, a pressão positiva intratorácica aumenta a pres- são em AD, que se contrapõe ao aumento da pressão abdominal, de modo a reduzir o RV. O efeito final seria redução do RV para o AD. Em situações de hipovole- mia, doenças obstrutivas com armazenamento de ar nos pulmões e doenças obstrutivas do coração direito, esse efeito pode ser potencializado. A resistência vascular pulmonar (RVP) é o princi- pal determinante da pós-carga do VD e é diretamente afetada pelos volumes pulmonares. Durante a insufla- ção pulmonar, a distensão alveolar determina compres- são dos vasos alveolares graças ao aumento na pressão transpulmonar. Desse modo, a resistência aumenta e a capacitância diminui nesses vasos. À medida que ocorre a insuflação pulmonar, as pressões intersticiais reduzem em decorrência do aumento do recolhimento elástico do intestício pulmonar. De modo que os vasos extra-alveo- lares são abertos, a sua resistência diminui e a capacitân- cia aumenta. O resultado final é um aumento da RVP. A RVP pode se elevar em ambos os extremos dos volumes pulmonares. A insuflação pulmonar acima da CRF resulta em superdistensão alveolar e compressão dos vasos al- veolares. A queda dos volumes pulmonares para valores próximos do VR causa colapso dos vasos extra-alveolares, e o colapso das vias aéreas terminais acarreta hipóxia al- veolar e consequente vasoconstrição pulmonar hipóxica. Os aumentos da RVP elevam a pós-carga do VD. Portanto, no nível de coração direito, observa- mos uma redução da pré-carga e aumento da pós-car- ga, com subsequente redução do volume de ejeção sistólico e do débito cardíaco (DC). Em pacientes nor- movolêmicos, esses efeitos são habitualmente pouco significativos. A hipovolemia prévia pode agravar os efeitos hemodinâmicos da VM. No nível do coração esquerdo o aumento no vo- lume diastólico final do VD vai afetar a complacência do ventrículo esquerdo (VE), uma vez que as cavidades partilham o septo intraventricular (interdependência ventricular). E durante a inspiração ocorre ainda um au- mento da pressão pericárdica, que é transmitida para o VE, dificultando o RV pulmonar. A resposta inicial do coração íntegro à diminuição de sua complacência é aumentar a força de contração mantendo o volume sis- tólico (mecanismo de Frank-Starling). 35 Como iniciar a ventilação mecânica? Como regular os parâmetros da ventilação mecânica? Quais as complicações da ventilação mecânica? Como evitá-las? Em vigência de depressão miocárdica (hipó- xia, acidose, doença de base) a redução do DC pode ser potencializada. A contratilidade miocárdica pode ainda ser afetada quando pressões intratorácicas ele- vadas exercem uma compressão sobre a superfície do coração. Esse efeito auxilia no esvaziamento da câmara cardíaca na sístole, porém reduz o gradiente pressórico entre as artérias coronárias e a aorta duran- te a diastole, podendo afetar a perfusão miocárdica e sua contratilidade. A insuflação pulmonar pode ainda induzir a libe- ração de fatores humorais a partir das células endote- liais pulmonares, com efeitos miocárdio-depressores (provavelmente prostaglandinas). Sistema renal A ventilação com pressão positiva resulta em re- dução do débito urinário e retenção hidrossalina por vários mecanismos interativos. Um aumento da pressão intrapleural durante a ventilação mecânica reduz o re- torno venoso ao coração e deprime o débito cardíaco, tendo como resultado uma descarga do sistema nervo- so simpático. As catecolaminas resultam em constrição das arteríolas renais aferentes, reduzindo o fluxo san- guíneo renal e causando sua redistribuição dos néfrons corticais para os justamedulares. Também há um aumento da vasopressina, de- vido tanto a uma descarga dos barorreceptores após redução da pressão aórtica transmural durante a ven- tilação com pressão positiva quanto como resposta ao estiramento dos receptores do átrio esquerdo pela redução da volemia torácica. A vasopressina atua tan- to como vasoconstritor quanto como agente antidiu- rético. Promove a reabsorção tubular distal de água e reduz a depuraçãode água. Há uma inibição da libera- ção do hormônio natriurético atrial, que normalmente antagoniza os efeitos da vasopressina e do sistema reni- na-angiotensina-aldosterona. Essa inibição exacerba as reduções do fluxo sanguíneo renal, o ritmo de filtração glomerular e a excreção de sódio. Fígado Durante a ventilação mecânica, o diafragma des- ce, podendo aumentar as pressões intra-abdominais e das veias porta e hepática, resultando em redução do fluxo venoso. Na presença de diminuição do débito car- díaco e da pressão média, a redução da veia porta dei- xa o fígado mais vulnerável à isquemia, podendo haver elevação das transminases e bilirrubinas. Sistema nervoso central A hipertensão intracraniana pode ser agrava- da pela ventilação mecânica quando a pressão pleu- ral impede o retorno venoso da cabeça e aumenta a volemia intracraniana. A redução da pressão arterial média e a elevação da pressão intracraniana diminui- rão a pressão de perfusão cerebral e o fluxo sanguíneo cerebral. A sucção traqueal está associada a aumento da pressão intracraniana. Toxicidade pelo oxigênio A exposição a pressões parciais elevadas de oxi- gênio causa lesão celular pulmonar. O oxigênio gera duas espécies de radicais livres: superóxido (O2-) e ra- dical hidroxil ativado (OH–). O radical hidroxil é instável e provavelmente não tem papel importente no desen- volvimento da toxicidade pelo oxigênio. Entretanto, o superóxido pode ser muito destrutivo e provavelmente é o responsável pelas alterações bioquímicas que cau- sam alterações morfológicas. As disfunções decorren- tes incluem: atelectasia e troca gasosa prejudicada e aumento da mistura venosa pulmonar. O oxigênio irrita a traqueia, causando traqueobronquite, e inibe o movi- mento ciliar e a depuração de muco. O limite superior de oxigênio que pode ser ad- ministrado com segurança é incerto. O valor de 40 a 50% de FiO2 geralmente é aceito e pode ser adminis- trado por alguns dias sem efeitos adversos. Certamente essa concentração não resulta em alterações estrutu- rais grosseiras que culminam em fibrose pulmonar. No entanto, essa concentração “segura” pode ocasionar anormalidades sutis tais como atelectasia em alvéolos pouco ventilados, mas bem perfurados. Infecção hospitalar A infecção nosocomial das vias aéreas superio- res e inferiores ocorre com frequência em pacientes sob ventilação mecânica. A infecção pode compro- meter os seios paranasais, a faringe, a árvore traqueo- brônquica ou o parênquima pulmonar. O uso empírico e profilático de antibióticos de amplo espectro promo- ve o supercrescimento de microrganismos oportunis- tas e patogênicos. Em pacientes criticamente doentes, a flora bac- teriana normal da orofaringe é rapidamente substituída por bacilos entéricos gram-negativos, e o grau de colo- nização depende da gravidade da doença. As medidas profiláticas para evitar infecção hos- pitalar incluem: � evitar o uso indiscriminado de antibióticos; � trocar o circuito a cada 7 dias e promover sua esterilização com óxido de etileno ou desin- fecção com hipoclorito de sódio; � realizar aspirações com medidas rigorosas de assepsia; � evitar a utilização de antiácidos e anti-his- tamínicos H2, pois favorecem pneumonia aspirativa. 36 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria bibliOgrafia (bases físicas, mOdalidades básicas e cOmplicações) 1. Banner MJ, Blanch PB, Kirby RR. Imposed work of breathing and methods of triggering a demand-flow, continuos positive airway pressure system. Crit Care Med 1993;21:183. 2. Brunner JX, Thompson JD. Computerized ventilation monitoring. Respiratory Care 1993; 38(1):110. 3. Chatburn RL. Classification of mechanical ventilators. In Tobin MJ. Principles and Pratice of Mechanical Ventilation. NewYork: McGraw-Hill Inc., 1994. p. 37. 4. Cunnigham MD. Monitoring pulmonary function. In Goldsmith JP& Karotkin EH. Assisted Ventilation of the Neonate. Philadelphia: Saunders,1988. p. 233. 5. Gurevitch MJ, Van Dyke J, Young ES et al. Improved oxygenation and lower peak airway pressure in severe adult respiratory distress syndrome. Chest 1986; 80;211. 6. Hubmayr RD. Setting the ventilator. In: Tobin MJ. Principles and Practice of Mechanical Ventilation. New York:McGraw- Hill Inc., 1994. Chap. 6, p. 191. 7. Hurst JM, Branson RD, Davis Jr, K et al. 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Como Ventilar Recém-nascidos com a Síndrome do Desconforto Respiratório A síndrome do desconforto respiratório do re- cém-nascido (SDR) é a doença respiratória mais co- mum e a principal causa de morbidade e mortalidade nos prematuros.1 A incidência nos EUA é de 0,5 a 1% dos nascidos vivos. É inversamente relacionada à idade gestacional (IG), ocorrendo em 50% dos recém-nascidos com IG en- tre 26 e 28 semanas, e em 20 a 30% daqueles com IG entre 30 a 31 semanas. É uma condição típica de pre- maturos com IG menor do que 35 semanas, embora recém-nascidos com idades gestacionais maiores que apresentam atraso na maturidade pulmonar de diferen- tes etiologias também possam ser acometidos. Outros fatores de risco associados incluem: sexo masculino, grupo étnico branco, hipotermia, gemelaridade, parto cesáreo, asfixia perinatal, diabetes materno.2,3 Em rela- ção ao peso ao nascer a incidência é de 86% entre 501 e 750 g; de 79% entre 751 e 1000 g; de 48% entre 1001 e 1250 g; e de 27% entre 1250 e 1500 g.4 Na SDR o mecanismo fisiopatológico envolvido é o shunt intrapulmonar. O pulmão estruturalmente ima- turo e deficiente em surfactante, a baixa complacência pulmonar e a alta complacência da caixa torácica con- tribuem para o colapso alveolar. A presença de áreas pouco ventiladas e relativamente bem perfundidas e consequente distúrbio da relação ventilação-perfusão (V/Q) levam a hipoxemia e hipercarbia. Existem reflexos no pulmão que tentam minimi- zar o desequilíbrio V/Q, entre eles o da vasoconstrição hipóxica, que consiste na vasoconstrição da região onde está ocorrendo a hipóxia alveolar, e o aumento da per- fusão nas áreas mais ventiladas, com correção parcial do desequilíbrio V/Q regional e melhora da hipoxemia. A vasoconstrição hipóxica ocorre dentro de uma varia- ção de pressãoalveolar de O2 (PAO2) de 30-150 mmHg. Muitos fatores podem abolir ou interferir significativa- mente nesse mecanismo reflexo. O uso de FiO2 elevada em situação de shunt relativo grave ou absoluto leva a um aumento na PAO2 com perda da vasoconstrição local e piora da hipoxemia. Esse é um dos fatores que restringem a correção da hipoxemia do shunt por meio do aumento da FiO2. Na dependência do percentual de shunt existen- te não será possível corrigir a hipoxemia com aumento da fração de oxigênio inspirado (FiO2). Quando o per- centual de shunt é pequeno (<15%) a PaO2 aumenta com o aumento da FiO2 e do conteúdo de O2 no san- gue capilar dos alvéolos ventilados. Quando o shunt se aproxima de 30% ou mais, o aumento da FiO2 não leva a aumento significativo da PaO2, sendo necessário iniciar a ventilação pulmonar mecânica.5 A SDR é uma doença pulmonar primária, atelec- tásica, caracterizada por redução do volume pulmonar, da capacidade residual funcional, da constante de tem- po e da complacência pulmonar, em que a insuficiência respiratória é secundária ao comprometimento das tro- cas gasosas pulmonares. O recém-nascido com SDR ao nascer, ou logo após, apresenta taquipneia, gemido expiratório, retra- ções intercostais, batimento de asas de nariz, cianose, aumento do trabalho respiratório e da necessidade de oxigênio associado a murmúrio vesicular diminuído bi- lateralmente. Esses pacientes, se não tratados, mostram progressão dos sintomas e podem evoluir para fadiga, apneia e hipóxia. Hipoxemia e hipercarbia, associadas a vários graus de acidose metabólica e respiratória, são achados típicos da análise dos gases sanguíneos arte- riais desses pacientes. O tratamento da insuficiência respiratória pode necessitar de ventilação pulmonar mecânica com alta pressão média das vias aéreas para ventilar os pulmões não complacentes, aumentando o risco de complicações respiratórias agudas, tais como síndromes de escape de ar. Os achados radiológicos característicos são campos pulmonares homogêneos, com aparência de vidro fosco bilateralmente, hipoin- suflados, com broncogramas aéreos. Em recém-nasci- dos com doença mais grave observam-se no raio X de tórax campos pulmonares completamente brancos. O quadro clínico e radiológico é modificado em muitos recém-nascidos como resultado da administração de surfactante e assistência respiratória precoce. O tratamento desses recém-nascidos é comple- xo e requer uma abordagem multidisciplinar. Cuidados neonatais, tais como controle térmico, suporte 6 Katiací Araújo Lídia Menezes 38 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria nutricional e cardiovascular, correção dos distúrbios hi- droeletrolíticos, metabólicos e acidobásicos, tratamento de infecção neonatal precoce e prevenção de infecção nosocomial são cruciais para se alcançar os objetivos terapêuticos. A terapia de substituição de surfactante pulmonar, a pressão aérea positiva contínua em vias aé- reas (CPAP) e a ventilação mecânica em suas diferentes modalidades são o suporte respiratório principal para esses pacientes. Em alguns pacientes a vasoconstrição pulmonar leva a hipertensão pulmonar persistente e shunt direi- ta-esquerda via canal arterial patente e/ou forame oval, resultando em hipoxemia mais grave. Esse fenômeno, inicialmente pensado ser exclusivo do recém-nascido a termo, é frequentemente observado no recém-nascido prematuro com SDR e tem levado alguns clínicos a con- siderarem o uso do óxido nítrico via inalatória em pre- maturos com hipoxemia que não respondem a suporte adequado com ventilação mecânica. Na última década, os avanços nos cuidados neo- natais, o aumento do uso de esteroides no período an- tenatal e a terapêutica de substituição do surfactante reduziram substancialmente a mortalidade secundária a SDR. Entretanto, a morbidade, especialmente a displa- sia broncopulmonar (DPC) ou a doença pulmonar crôni- ca (DPC), permanece inaceitavelmente elevada.1 O principal desafio no tratamento da SDR é iden- tificar estratégias ventilatórias que maximizem os efei- tos benéficos da terapia de substituição do surfactante alveolar e reduzam a lesão pulmonar. quais as causas de lesãO pulmOnar? Atelectrauma (lesão por volume pulmonar baixo) Atelectasia, estabilidade alveolar inadequada e perda do recrutamento alveolar são consequência e causa de lesão pulmonar. As unidades alveolares estão propensas ao co- lapso em pacientes com SDRA ou na SDR na qual existe disfunção do surfactante.6 A repetição cíclica de aber- tura e fechamento das vias aéreas terminais e/ou a hi- perdistensão dos espaços aéreos, envoltos por áreas colabadas, seriam responsáveis por uma cascata de reações inflamatórias levando à formação de DPC. Esse mecanismo de lesão explica a observação de que o re- crutamento de volumes pulmonares para aumentar a capacidade residual funcional (CRF) protege contra a le- são induzida pelo aparelho de ventilação e diminui a ne- cessidade de altas concentrações de oxigênio inspirado. Estratégias ventilatórias associadas a perda da CRF (pul- mão colabado) aumentam a lesão pulmonar e reduzem a eficácia do tratamento com surfactante. Ventilação de alta frequência oscilatória (VAFO) com pressão média de vias aéreas alta reduz a lesão pulmonar e melhora a eficácia do surfactante. Muitos estudos têm mostrado que a otimização do recrutamento alveolar com PEEP, surfactante, ventilação líquida ou VAFO minimizam o processo inflamatório pulmonar, melhoram a função do surfactante e reduzem a lesão pulmonar. Volutrauma (lesão por volume pulmonar excessivo) e barotrauma (lesão por uso de pressão elevada) A principal causa de lesão pulmonar induzida pelo aparelho de ventilação mecânica é a hiperdisten- são regional do alvéolo e das vias aéreas. Volume pul- monar aumentado (pulmão esticado) promove lesão pulmonar. Em adultos saudáveis e em animais recém- -nascidos, respirações com grandes volumes correntes causam lesão do endotélio capilar pulmonar, do epité- lio das vias aéreas dos alvéolos e das membranas ba- sais. Esse mecanismo de lesão leva a escape de líquidos, proteínas e sangue para as vias aéreas, alvéolo e inters- tício pulmonar, interferindo com a mecânica pulmonar, inibindo a função do surfactante e promovendo infla- mação pulmonar.7 Em prematuros, numerosos fatores (p.ex.: infec- ção, exposição antenatal a mediadores inflamatórios, disfunção do surfactante, alta complacência da caixa torácica, deficiência de antioxidantes e desnutrição) au- mentam a suscetibilidade para volutrauma pulmonar e limitam a habilidade de reparar a lesão. Em adição, a imaturidade pulmonar, as atelectasias alveolares e o edema diminuem o volume de gás. Em pacientes com SDR, a distribuição heterogênea da doença de base ocorre de tal modo que apenas uma pequena porção do pulmão pode ser recrutada e se tornar disponível para a ventilação. Se somente um terço do pulmão está sendo ventilado, então um volume corrente de 6 mL/ kg liberado para a porção ventilada do pulmão pode ser equivalente a 12 a 18 mL/kg e resultar em volutrau- ma. Em ovelhas, o tratamento com surfactante antes de iniciar a ventilação assistida reduz o grau de lesão pulmonar, presumivelmente por promover insuflação pulmonar mais uniforme. O uso de altas pressões durante a ventilação me- cânica, atualmente menos utilizada, lesa os pulmões (barotrauma) devido ao elevado volume pulmonar secundário. Toxicidade pelo oxigênio A lesão pulmonar induzida pelo oxigênio é causa- da por produção excessiva de superóxido, peróxido de hidrogênio e radicais per-hidroxil. O prematuro extremo é particularmente vulnerável a lesão pulmonar induzida por radicais livres porque os sistemas antioxidantes se 39 Como Ventilar Recém-nascidos com a Síndrome do Desconforto Respiratório desenvolvem no último trimestre. Metabólitos reativos do oxigênio podem superar o sistema antioxidante e oxidar enzimas, inibir proteínas e a síntese de DNA, re- duzir a síntese desurfactante e causar peroxidação li- pídica. Hiperoxia prolongada inicia uma sequência de lesão pulmonar que pode levar a inflamação, lesão al- veolar difusa, disfunção pulmonar progressiva e morte. Efeitos da combinação de atelectrauma e volutrauma A combinação de colapso pulmonar (atelectrau- ma) e grandes volumes correntes (volutrauma) aumen- ta a lesão pulmonar. O recrutamento pulmonar reduz a lesão causada pelo volutrauma. Em modelos animais com lesão pulmonar aguda, o uso de pressão expirató- ria final positiva (PEEP) associada a volume corrente bai- xo (9 mL/ kg) melhora a sobrevida quando comparado ao uso de pressão expiratória final (PEF) zero. O uso de PEEP associada ao uso de suporte com grandes volu- mes correntes (16 mL/kg) reduz a elevação dos níveis de séricos de citocinas. A associação de volume corrente alto e PEF zero causou grave lesão pulmonar e aumento importante do fator de necrose tumoral e de proteínas inflamatórias circulantes.8 Resposta inflamatória sistêmica e pulmonar a lesão pulmonar aguda A ventilação mecânica (VM) pode comprometer a função de órgãos vitais distais por meio dos efeitos no débito cardíaco, prejudicando a oxigenação e a distri- buição de fluxo sanguíneo para os vários órgãos e siste- mas (perfusão mesentérica, renal e hepática). A VM inicia uma cascata inflamatória dentro dos pulmões e pode lesar a barreira alveolocapilar, permi- tindo a saída de mediadores inflamatórios do espaço alveolar para a circulação sistêmica. Uma resposta in- flamatória sistêmica pode também ser promovida por translocação bacteriana e translocação de endotoxina do espaço aéreo para a circulação. A estratégia de VM altera a função dos neutrófilos pulmonares e circu- lantes, tem impacto nas citocinas sistêmicas e pulmo- nares, e essas alterações estão associadas a falência orgânica multissistêmica. Forças mecânicas anormais produzidas duran- te a insuficiência respiratória aguda (não necessaria- mente sob VM) são agentes importantes da DPC e da síndrome de escape de ar encontrados em adultos e crianças. Os vetores dessas forças mecânicas são as altas tensões superficiais, colabamento persistente ou cíclico e as altas pressões transpulmonares agin- do contra uma estrutura tecidual comprometida por processo inflamatório. A toxicidade pelo oxigênio seria um fator modulador, assim como os fatores genéticos e a suscetibilidade individual.9 Quais as estratégias para evitar lesão pulmonar? 1. A melhor estratégia para evitar lesão pulmo- nar é, se possível, não intubar e não ventilar nenhum recém-nascido. Essa conduta pode ser aplicada em muitos recém-nascidos re- lativamente maiores (PN > 1.500 g) com SDR leve.10 2. Estando indicada a VM, é fundamental definir qual o volume pulmonar ótimo, ou seja, qual o volume pulmonar no qual o pulmão recrutável é aberto, mas não hiperinsuflado, o que signi- fica que o shunt intrapulmonar é reduzido, os efeitos do volume pulmonar no débito cardía- co são mínimos e a liberação de oxigênio é oti- mizada. Volume pulmonar ótimo é o volume corrente que cria uma liberação homogênea em cada respiração para abrir unidades pul- monares sem criar volutrauma. Volume cor- rente e CRF influenciam o volume pulmonar médio, e o volume mais importante para ser otimizado é a CRF. Um pulmão aberto permite distribuição mais uniforme do volume corren- te de cada respiração e reduz o potencial para volutrauma. Clinicamente, como mensurar o volume pulmonar ótimo? Como determinar qual a pressão média ideal em vias aéreas? O uso de raio X de tórax para determinar o vo- lume pulmonar ótimo tem sido questionado. Kinsella et al. usaram o raio X de tórax e a relação PaO2/PAO2 para estimar a insuflação pulmonar adequada, em mo- delos animais.11 A relação PaO2/PAO2 pode ser usada para estimar as alterações na insuflação pulmonar. Aumento do vo- lume pulmonar até atingir a capacidade pulmonar total está associado a redução do shunt intrapulmonar, au- mento na superfície alveolar e da PaO2, porém o débito cardíaco (DC) pode ser comprometido. Assim a relação PaO2/PAO2 pode ser alta quando o oxigênio liberado é baixo em consequência de hiperinsuflação pulmonar e comprometimento do DC. A relação PaO2/PAO2 tem sido usada em adultos para ajustar a PEEP, em conjun- to com medidas da função cardíaca. Nenhuma medida semelhante tem sido feita em neonatos. Quando o raio X de tórax mostra pulmões hiperinsuflados e existem sinais clínicos de redução do DC, então o volume pul- monar está muito alto. No momento os melhores determinantes de vo- lume pulmonar baixo são o raio X de tórax mostrando atelectasia e a relação PaO2/PAO2 demonstrando oxige- nação ineficaz. Hipercapnia permissive, definida como PaCO2 en- tre 45 e 65 mmHg e pH > 7,20, está associada a menos 40 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria volutrauma, podendo também ser utilizada como mais um critério de avaliação do volume pulmonar. Volume pulmonar ótimo seria uma situação in- termediária entre duas situações descritas, com dimi- nuição do shunt intrapulmonar, redução do efeito do volume pulmonar elevado sobre o débito cardíaco e melhora na oxigenação. Os aparelhos de ventilação mecânica mais mo- dernos calculam o volume corrente, e os mais anti- gos podem ser acoplados a pneumotacógrafos que determinam o volume corrente. Atualmente, a opção é pelo emprego de volumes correntes em torno de 4-6 mL/kg, particularmente em recém-nascidos prematu- ros extremos. Do ponto de vista clínico, como podemos evitar o atelectrauma? Como podemos com segurança normalizar a CRF em neonatos com pulmões imaturos e predispostos ao colapso? Três técnicas podem ajudar a promover o recru- tamento pulmonar. A mais antiga e mais comumente usada é a CPAP. A terapia de substituição do surfactan- te exógeno tem se mostrado bastante efetiva. A VAF é uma abordagem mais recentemente estudada. Outras estratégias incluem a posição prona, ventilação líquida e manobras de insuflação sustentada. Ventilação pulmonar não invasiva: Pressão aérea positiva contínua nasal (CPAPn) Na CPAP aplica-se uma pressão de distensão final constante durante todo o ciclo respiratório para manter o recrutamento alveolar, evitar o colapso dos alvéolos, permitir uma respiração mais homogênea e melhorar as trocas gasosas. CPAPn com ou sem administração de surfac- tante profilático para recém-nascidos com IG entre 28 e 31 semanas (PN = 1000 - 1500 g) tem sido uma estratégia sugerida em alguns estudos para minimizar a lesão pulmonar. Decisões específicas sobre as práticas de cuidados respiratórios durante o primeiro dia de vida influenciam a evolução de recém-nascidos de muito baixo peso.12 Comparando berçários que mais comumente usam ven- tilação assistida com berçários que usam CPAP no trata- mento inicial de recém-nascidos de muito baixo peso, Van Marter et al. mostraram que a DPC foi mais associada ao uso inicial de VM. Estudos descritivos e observacionais têm sido publicados antes do uso de surfactante, nos EUA e na Europa, sugerindo que o uso de CPAPn, profilático ou precoce, e a baixa frequência de intubação em sala de parto e de ventilação mecânica são estratégias associa- das a menor incidência de DPC. As técnicas para aplicar a CPAP não são equivalentes. Recém-nascidos recebendo CPAP em selo d’água têm vibração da parede torácica semelhante à associada com VAF. Quando comparada a CPAP derivada de aparelho de ventilação mecânica, a CPAP em selo d’água reduz o volume minuto em 39% (P < 0,001) e a frequência respiratória em 7% (P < 0,004).12 Estudos de coorte têm mostrado que o uso pre- coce do CPAPn em prematuros com SDR pode reduzir a necessidade de intubação endotraqueal para venti- lação por pressão positiva (VPP). Entretanto, a evidên- cia disponível no momento não define qual a melhor técnica para uso da CPAP e quando deve ser iniciada a ventilação mecânica. São necessários estudos contro- lados, randomizados, comparando a CPAP à intubaçãoprecoce, para determinar os riscos e benefícios relativos da CPAPn profilática, a duração do uso, a PEF ótima e o melhor dispositivo para recrutar a CRF e minimizar o trabalho respiratório. Esses estudos devem também ex- plorar os efeitos da administração do surfactante exó- geno em associação com CPAPn. Dados de estudos em animais e dados preliminares de um estudo controlado randomizado têm mostrado alguma evidência de que CPAPn combinada a surfactante profilático pode redu- zir a necessidade de intubação e de VPP. O Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NIH) está desenvolvendo, no momento, um estudo randomizado para definir melhor o uso da CPAP profilática (CPAPn P) iniciado em sala de parto em RNPT com IG < 28 semanas. Parâmetros do CPAP: 4-6 cmH2O para manter PaCO2 de 45-60 mmHg e a FiO2 ajustada para manter a PaO2 entre 50-70 mmHg. Usar com fluxo de ar umidificado e aquecido e, também, monitorização contínua do circuito. Terapia de substituição com surfactante exógeno O surfactante é uma ferramenta de recrutamen- to pulmonar que quando usada precocemente reduz a lesão pulmonar. Consiste em uma mistura complexa de fosfo- lipídeos e proteínas que reduz a tensão da superfície alveolar e mantém a estabilidade alveolar. A maior parte do surfactante é produzida após a 30-32ª sema- nas de gestação: � Ação: diminui a tensão superficial; aumen- ta a CRF; recruta alvéolos e evita atelectasias, levando a alterações agudas no volume pul- monar com aumento das áreas de superfície disponíveis para troca gasosa; estabiliza o vo- lume pulmonar recrutado; repõe os precurso- res para a neossíntese de surfactante; � Efeitos: melhora rápida da oxigenação associa- da a aumento da CRF, melhora a relação venti- lação-perfusão e reduz o shunt intrapulmonar. Melhora mais lentamente a complacência pul- monar e diminui o tempo de ventilação mecâni- ca. Conhecer essas características é fundamental 41 Como Ventilar Recém-nascidos com a Síndrome do Desconforto Respiratório para a orientação terapêutica, sendo necessário reduzir rapidamente a concentração de oxigê- nio inspirado (FiO2) e o suporte ventilatório para evitar lesão pulmonar. O uso de surfactante está relacionado a me- nor ocorrência de SDR e parece amenizar a gravidade da DPC. Não há redução da incidência de DPC ou HIC. Melhor ação se combinado ao uso materno de corticos- teroide no pré-natal. Surfactante exógeno administrado via endotra- queal para profilaxia ou tratamento da SDR está asso- ciado a 40% de redução na mortalidade neonatal e a 30 a 65% de redução no risco de pneumotórax.13 Em recém-nascidos com risco de desenvolver SDR, surfactante exógeno é mais efetivo quando administrado no momento do nascimento (profilático), do que quando os sintomas da doença se iniciam. O uso profilático em recém-nascidos com IG menor do que 30 semanas, em sala de parto, antes ou após VPP, apresenta distribuição mais uniforme e homogênea no pulmão com líquido, diminui a lesão pulmonar aguda, reduz a incidência de pneumotórax e de enfisema intersticial (EIP) e reduz a mortalidade; assim os benefícios do uso profilático exce- dem os riscos potenciais de intubação e os custos. O tratamento de recém-nascidos que evoluem com SDR e necessitam de doses repetidas de surfactan- te melhora a sobrevida e reduz o risco de pneumotórax, quando comparados aos recém-nascidos que recebe- ram dose única. Estudos comparativos têm também mostrado que o uso de extrato de surfactante natural, geralmente porcino ou bovino, está associado a menores taxas de mortalidade do que o uso de surfactantes sintéticos. Corticosteroides antenatais Corticosteroídes que atravessam a placenta (dexa- metasona ou betametasona) administrados a gestantes de risco para parto prematuro aceleram a produção de surfactante e a maturação pulmonar. Os efeitos benéfi- cos para os prematuros incluem a redução em 40% do risco de mortalidade, SDR e hemorragia intraventricular.14 Ventilação pulmonar mecânica invasiva Desafios: tratar a hipoxemia e a hipercapnia asso- ciadas à SDR enquanto se minimizam a lesão induzida pelo aparelho de ventilação mecânica e a toxicidade pelo oxigênio; reduzir o trabalho respiratório do pacien- te; otimizar o conforto do paciente. Recém-nascidos prematuros devem ser intubados eletivamente ou apenas quando há sinais de insuficiência respiratória? A lesão pulmonar pode ser induzida nas primei- ras ventilações manuais iniciadas em sala de parto du- rante a reanimação neonatal. Drew et al. demonstraram em um estudo rando- mizado que os recém-nascidos com menos de 1500 g intubados eletivamente e que receberam suporte res- piratório após o nascimento apresentaram melhor evo- lução e maior sobrevida do que os intubados apenas quando necessário. Outros estudos apontam desvanta- gens da intubação eletiva, demonstrando que a lesão pulmonar aguda induzida pelo aparelho de ventilação mecânica logo após o nascimento pode levar a doença pulmonar crônica.15 Tipos de ventilação mecânica 1. Ventilação convencional = Ventilação manda- tória intermitente (VMI); 2. Ventilação mecânica “tradicional” = Ventilação mandatória intermitente sincronizada (SIMV); Ventilação assistida/controlada (A/C); Pressão de suporte; Pressão regulada e volume contro- lado PRVC (Servo 300); Volume garantido (VG) (Babylog 8000 plus); 3. Ventilação de alta frequência. Estudos randomizados comparando as moda- lidades convencional e tradicional têm demonstrado benefícios a curto prazo, como menor tempo em ven- tilação, menor necessidade de sedação quando a venti- lação tradicional tem sido usada. Esses estudos não têm poder estatístico para demonstrar redução na DPC. A ventilação convencional, primariamente ci- clada a tempo, limitada a pressão, tem sido tradicio- nalmente usada nas unidades de terapia intensiva neonatal para o tratamento da SDR. As ventilações por pressão positiva são liberadas para o paciente a uma frequência predeterminada independente dos esforços respiratórios do paciente, podendo ocorrer falta de sincronia entre as ventilações liberadas pelo aparelho e as respirações espontâneas do paciente. A falta de sincronia resulta em trocas gasosa ineficien- tes, aprisionamento e escape de ar, lesão pulmonar, irregularidades na pressão arterial, aumento do fluxo sanguíneo cerebral e HIC, além de aumento do tempo de ventilação. Prematuros ventilados com frequências mais elevadas (> 40 respirações por minuto) e com tempo inspiratório mais curto (< 0,4 s) têm melhor evolução, incluindo redução do risco de pneumotórax, do que os recém-nascidos ventilados com frequência mais baixa e tempo inspiratório mais prolongado. Os aparelhos de ventilação mecânica mais mo- dernos podem ser programados para disparar ou para se integrar com os esforços inspiratórios do recém-nas- cido (ventilação disparada pelo paciente). Revisão da Cochrane publicada em 2000 compa- rando a VMI com a ventilação disparada pelo paciente, em que a pressão aérea positiva e a inspiração espon- tânea coincidem, melhorando o volume corrente, favo- recendo adequada troca de gases em baixos picos de 42 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria pressão, reduzindo escapes de ar e doença pulmonar crônica, concluiu que com a ventilação disparada pelo paciente houve redução da incidência de síndromes de escape de ar e da duração da ventilação mecânica. Atualmente as modalidades de ventilação sincro- nizadas mostram-se eficazes. Outras vantagens da ven- tilação sincronizada sobre a ventilação convencional são: redução da variação do fluxo sanguíneo cerebral, conforto para o paciente e desmame mais rápido. Geralmente, no início da ventilação mecânica o nível de PIP é estabelecido primeiro, dependendo da necessidade do recém-nascido, e o volume corrente é calculado. Inicia-se com PIP entre 16-18 cmH2O para atingir um volume corrente entre 4-6 mL/kg em pre- maturos com SDR. A PIP é modificada dependendo dos resultados das gasometrias. EvitarPIP > 20 cmH2O. Escolher um volume corrente sem perder volume pul- monar ou promover atelectasia. A PEF zero ou muito elevada e tempo inspirató- rio (Ti) longo estão associados a lesão pulmonar. O valor inicial está entre 4 e 6 cmH2O. PEEP > 4 cmH2O não deve ser usada em neonatos com shunt direita-esquerda e hipotensão arterial. Ti longo está associado a maior inci- dência de síndromes de escape de ar. Na SDR usar Ti em torno de 0,3 a 0,4 segundo. Um tempo expiratório muito curto, uma cons- tante de tempo muito longa e um VC elevado podem resultar em sequestro de ar no pulmão. Isso se manifes- ta clinicamente como retenção de CO2 e hiperexpansão pulmonar. Uma observação cuidadosa da movimen- tação da parede torácica pode ser útil para avaliar a constante de tempo da inspiração e da expiração. A PaO2 pode estar adequada durante o sequestro de ar, porém o retorno venoso e o débito cardíaco podem es- tar prejudicados, comprometendo a liberação de O2 aos tecidos. Achados clínicos que sugerem a presença de sequestro de ar incluem: 1. uso de FR alta; 2. constante de tempo prolongada; 3. hiperinsuflação pulmonar ao raio X de tórax; 4. redução da movimentação da parede torácica; 5. disfunção cardiovascular – aumento da pres- são venosa central, redução da pressão arte- rial, acidose metabólica, edema periférico e redução da diurese.17 Qual a FiO2, a PaO2 e a saturação seguras? A oferta de oxigênio deve objetivar a prevenção da lesão pulmonar induzida pelo oxigênio. O grupo de pesquisa STOP ROP (Supplemental Therapeutic Oxygen for Prethreshold Retinopathy of Prematurity) mostrou que os recém-nascidos que receberam suplemento de O2 para manter saturação entre 96 a 99% apresentaram mais pneumonia e maior incidência de doença pulmo- nar crônica quando comparados aos recém-nascidos que foram mantidos com saturação entre 89-94%. A escolha dos valores de oximetria de pulso pode influen- ciar a incidência de lesão pulmonar. A FiO2 escolhida deve ser aquela que permita uma saturação entre 90- 94% e PaO2 entre 50-70 mmHg. Quais os valores aceitáveis da PaCO2 para o recém-nascido? Definir o valor seguro do nível de PaCO2 pode ser tão importante quanto definir o volume corrente ótimo. Estudos em modelos animais demonstraram que hiper- capnia moderada protege o cérebro de lesão hipóxico- -isquêmica e que hipocapnia aumenta a lesão. Estudos animais também demonstram que hipoventilação e acidose respiratória podem proteger o pulmão de lesão aguda. Entretanto, é igualmente importante notar que hipercapnia aumenta o fluxo sanguíneo cerebral, reduz o pH sistêmico e, em animais, tem sido associada a aumen- to da retinopatia. Níveis mais elevados de PaCO2 estão as- sociados a parâmetros baixos do aparelho de ventilação mecânica e a menor possibilidade de lesão pulmonar. Estudos sugerem que a DPC ocorre mais frequentemen- te nos recém-nascidos com hipocapnia. Prematuros extremos com PaCO2 < 40 mmHg apresentam um risco relativo de 1,45 de desenvolverem DPC, comparados aos recém-nascidos com PaCO2 > 50 mmHg. 17,18 Hipercapnia permissiva, definida como PaCO2 entre 45 e 65 mmHg e pH > 7,20, tem por objetivo mi- nimizar a lesão pulmonar induzida pelo aparelho de ventilação mecânica, com a vantagem potencial de pro- teger da lesão pulmonar e de lesão hipóxico-isquêmica, com menos volutrauma, menos efeitos adversos da hi- pocapnia e aumento da liberação do O2 para os tecidos. Revisão da Cochrane de 2001 comparando hiper- capnia permissiva (PaCO2 > 55 mmHg) para prevenção de morbidade e mortalidade em RN em VPM não de- monstrou nenhum benefício significativo da estratégia hipercapnia/ventilação mínima comparada à estratégia ventilatória rotineira. Até o momento, manter a PaCO2 > 55 mmHg só está recomendado em estudos controlados.19 O Instituto Nacional de Saúde dos EUA refere que a média nacional da incidência de DPC em neonatos com peso entre 500-1000 g é de 43%. Na unidade neo- natal do Jackson Memorial Hospital, da Universidade de Miami, a incidência de DPC ocorre em torno de 23% dos prematuros extremos. A estratégia ventilatória uti- lizada na referida unidade consiste em realizar intuba- ção e ventilação precoce com gentle ventilation, ou seja, utilização de VC baixo, controle da oferta de oxigênio e tolerância de níveis mais elevados de PaCO2. Ventilação de alta frequência Ventilação mecânica com FR até 3600/min que utiliza VC muito baixo, menor do que o volume do 43 Como Ventilar Recém-nascidos com a Síndrome do Desconforto Respiratório espaço morto anatômico = 2 a 2,5 mL/kg, mantendo constante a PMVA. Os conceitos clássicos de ventilação não explicam a troca resultante de gases. Teoricamente reduz o trauma causado aos pulmões por altos volu- mes correntes e expõe os alvéolos a menor variação de pressão, reduzindo o risco de distensão (volutrauma) ou colapso (atelectrauma). As oscilações são sobrepostas a um volume pulmonar relativamente constante. Evita mudanças cíclicas no volume entre expansão e retra- ção. As duas principais vantagens sobre a ventilação convencional são a melhora da oxigenação e a redução mais eficaz da PaCO2. Estudos publicados em 2002, controlados, rando- mizados, avaliaram a eficácia da VAFO como tratamento primário da SDR: 1. UKOS – United Kingdom Oscillation Study Group: avaliou três diferentes ventiladores de VAFO e não encontrou diferença na incidência de DPC, morte ou outras complicações. 2. Courtney et al., EUA, compararam VAFO com SIMV, observando um modesto benefício na evolução respiratória, sem diferença na evolução neurológica (HIV ou leucomalacia periventricular). Como tratamento inicial após surfactante, alguns estudos apontam tendência a redução da incidência de DPC, sem diferenças entre outras variáveis (PCA, infec- ção) e sem impacto sobre a mortalidade. A nova geração de aparelhos de ventilação tem permitido uma melhor monitorização e controle do vo- lume corrente liberado, minimizando volutrauma e evi- tando atelectasia. Dados recentes não demonstram diferença significativa na evolução entre ventilação tradicio- nal e de alta frequência para tratamento da SDR. Assim, no momento a VAFO tem sido utilizada para tratamento de resgate nos casos de insuficiência respiratória grave, que não respondem à ventilação tradicional. As principais indicações são o insucesso com a ventilação convencional e tradicional, nas síndromes de escape de ar (enfisema Intersticial, pneumotórax e fístu- la broncopleural). VAF efetiva depende da otimização do volume pulmonar e da manutenção da capacidade residual funcional. Em modelos animais de SDR, o uso de VAFO com PMVA mais baixa do que na ventilação convencio- nal resultou em perda progressiva de volume pulmonar e hipoxemia grave. Manter a insuflação pulmonar ótima por meio do uso de PMVA alta melhora as trocas gaso- sas, normaliza o padrão de insuflação pulmonar e reduz a lesão pulmonar. O objetivo é manter o volume pulmo- nar médio ótimo. Estudos recentes estão preconizando a utilização de VAFO como modo primário de ventilação em RNEBP. Óxido nítrico para recém-nascidos com SDR Prematuros com SDR grave, que desenvolvem hipoxemia persistente secundária a vasoconstrição pul- monar, podem se beneficiar do óxido nítrico inalatório (NOi). Alguns estudos têm avaliado a resposta aguda de prematuros ao NOi e demonstrado melhora significa- tiva na oxigenação, sem diferença na mortalidade. Os efeitos adversos são desconhecidos. Efeitos benéficos para prevenir doença crônica estão sendo avaliados. Razões para se considerar o uso do óxido nítrico no tratamento de prematuros com SDR: a. Melhora a relação V/Q; b. Está envolvido no crescimento do parênquima pulmonar e na redução da lesão pulmonar e da doença crônica em babuínos prematuros com SDR; c. Reduz o influxo de células inflamatórias e a produção de citocinas em ovelhas prematuras. Preocupações em relação ao uso de NOi em prematuros: potencial inibidor da agregação pla- quetária(o risco de hemorragia intraventricular em prematuros é maior); menor defesa antioxidante (vul- nerável ao estresse oxidante do óxido nitroso e outros óxidos de nitrogênio); apresenta potencial para au- mentar o shunt E-D através do DA com a rápida vaso- dilatação pulmonar. Atualmente estão sendo realizados três estudos multicêntricos randomizados avaliando o uso do óxi- do nítrico inalatório no tratamento de prematuros com SDR e DPC. Esses estudos poderão dar respostas mais definitivas sobre a segurança e o impacto na doença crônica e na mortalidade nesses pacientes. Práticas com melhor potencial para reduzir DPC Lista de Práticas com Melhor Potencial (Potential Better Practices = PBP) para reduzir DPC, criada pelo Vermont Oxford Network Reduced Lung Injury Group utilizando pesquisa através da Medline e da Cochrane Database of Clinical Trials and Systemic Reviews e suge- rida para aplicação combinada em unidades neonatais da rede, para tratamento de recém-nascidos de extre- mo baixo peso ao nascer, com o objetivo de reduzir a DPC. Os dados finais ainda não estão disponíveis.10 � PBP I: Gentle ventilation na sala de parto – Nível de evidência (Classificação de Muir Gray) 2-3. Apenas poucas ventilações manuais não con- troladas no momento do nascimento em pul- mões deficientes em surfactante causam lesão pulmonar irreversível. O grau de lesão está re- lacionado à magnitude da insuflação pulmo- nar. É recomendado um balão de reanimação neonatal manual (Neopuff – Fisher & Paykes) com PIP e PEEP controlados sem risco associa- do de hipo ou hiperventilação. 44 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria � PBP II: Surfactante profilático o mais cedo pos- sível após o nascimento para RN com PN < 1000 g: Nível de evidência 1. É possível administrar surfactante antes dos primeiros movimentos respiratórios em 1/3 dos recém-nascidos com IG ≤ 27 semanas ou PN < 1.000 g. � PBP III: CPAPn profilática ou o mais precoce possível após o nascimento. Nível de evidên- cia 4-5. Necessita de mais dados. Nenhuma evidência no momento. O centro de refe- rência é a unidade de terapia intensiva neo- natal do hospital da Columbia University, que considera a prática de CPAPn precoce e evitar VM as razões principais para a baixa in- cidência de DPC. � PBP IV: VAFO (ventilação de alta frequência os- cilatória) ou ventilação com volume corrente baixo: Nível de evidência 1-2. Evidências re- centes suportam o uso de VAFO como modo primário de ventilação em RNEBP. � PBP V: Hipercapnia permissiva: Nível de evi- dência: 2. A PaCO2 é tolerada em até 60 mmHg. � PBP VI: Reduzir a administração de líquidos - Nível de evidência 3. � PBP VII: Suplementação da vitamina A - Nível de evidência 1. � PBP VIII: Redução dos dias de VM por meio de desmame precoce - Nível de evidência: 2-5. � PBP IX: CPAPn precoce pós-extubação - Nível de evidência: 1. � PBP X: Uso reduzido de esteroides pós-natal - Nível de evidência: 1-2. cOnclusãO Recomendações para abordagem tera- pêutica do recém-nascido com SDR 1. Uso de corticosteroide materno em trabalho de parto prematuro. 2. Gentle ventilation em sala de parto. 3. Uso PROFILÁTICO de surfactante para recém- -nascidos com IG ≤ 27 semanas. 4. Uso da CPAPn: PRECOCE e após extubação. 5. Uso de ventilação com sincronização e volume corrente baixo ou ventilação de alta frequên- cia oscilatória como tratamento primário ou alta frequência oscilatória para tratamento de insuficiência respiratória grave que não res- ponde à ventilação tradicional. 6. FiO2 para manter saturação entre 90-94%, PaO2 entre 50-70 mmHg. 7. PEEP que garanta uso de FiO2 <0,50. Associar avaliação clínica, relação PaO2/PAO2, gasometria sem hipocapnia e com normo/hi- percapnia permissiva a imagem de Rx de tórax ou, se possível, TC de tórax. 8. Pinsp sem gerar hiperventilação (clinicamen- te, gasometria sem hipocapnia, com normo/ hipercapnia permissiva, relação PaO2/PAO2, Rx de tórax ou, se possível, TC de tórax). 9. Hipercapnia permissiva (PaCO2 até 60 mmHg). 10. Respeitar as constantes de tempo e FR. 11. Monitorizar e evitar repercussões hemodinâ- micas negativas da ventilação. 12. Alta frequência é uma alternativa para casos graves, mas pode ser usada como abordagem primária em RNEBP. 13. Reduzir a administração de líquidos. 14. Suplementação da vitamina A. 15. Uso reduzido de esteroides no pós-natal. 16. Redução dos dias de VM por meio de desma- me precoce. questões 1. Em relação a SDR, assinale a alternativa falsa: A. O mecanismo fisiopatológico envolvido é o shunt pulmonary. B. A baixa complacência pulmonar e a alta com- placência da caixa torácica contribuem para o colapso alveolar. C. A presença de áreas mal ventiladas e mal perfundidas leva a distúrbio V/P, hipoxemia e hipocapnia. D. A SDR é uma doença atelectásica que se carac- teriza por diminuição do volume pulmonar, da CRF, CT e complacência pulmonar. 2. A vasoconstrição hipoxica: A. É um reflexo pulmonar que piora o desequilí- brio V/P. B. É um mecanismo reflexo que causa vasodila- tação pulmonar nas áreas de hipóxia alveo- lar, à custa de vasoconstrição nas áreas mais ventiladas. C. FIO2 elevada, em caso de shunt absoluto, pode abolir o reflexo de vasocontrição hipóxica. D. Cursa com aumento de ventilação nas áreas vasoconstritas. 3. O aumento da FIO2 não leva a aumento significativo da PaO2 quando o shunt pulmonar é maior que: A. 50% B. 30% C. 80% D. 40% 45 Como Ventilar Recém-nascidos com a Síndrome do Desconforto Respiratório 4. O atelectrauma A. É uma lesão pulmonar causada pelo uso de alto volume corrente. B. Está associado a estratégias ventilatórias que causam perda da CRF. C. Pode ser evitado com o uso de técnicas ven- tilatórias que causem a repetição cíclica de abertura e fechamento das vias aéreas a cada respiração. D. É menos lesivo para o pulmão do que o barotrauma. 5. Protege contra lesão pulmonar: A. PIP baixo associado a alto VC. B. PIP baixo, VC baixo, sem PEEP. C. Uso de PEEP associado a VC baixo. D. Uso de PEEP associado a VC alto. 6. Em relação ao volume pulmonar ótimo, é falso: A. O pulmão recrutável é aberto, mas não hiperestendido. B. Há diminuição do espaço morto e melhora da oxigenação. C. O aumento do volume pulmonar até atingir a capacidade pulmonar total está associado a al- terações do débito cardíaco. D. O volume mais importante a ser otimizado é a CRF. 7. Para avaliação do volume pulmonar ótimo se utili- zam principalmente: A. Rx de tórax, PaO2/PAO2. B. PaO2 e cálculo do espaço morto anatômico. C. Avaliação do débito cardíaco e FIO2 utilizada. D. PMVA, Rx de tórax. 8. Quando se usa surfactante pulmonar é falso afirmar que: A. Há melhora mais rápida da complacência do que da CRF. B. Há redução do shunt pulmonar. C. A melhora rápida da CRF faz com que seja pos- sível diminuir inicialmente a FIO2. D. Há estabilização do volume pulmonar recrutado. 9. Em relação ao surfactante exógeno, todas são verda- deiras, exceto: A. Diminui a gravidade da DPC. B. Diminui a incidência de pneumotórax. C. Diminui a incidência de DPC e HIC. D. Tem melhor ação se combinado ao uso mater- no de corticosteroide antenatal. 10. Na ventilação mecânica do paciente com SDR deve- mos utilizar: A. TI 0,3-0,4 s; PIP 25 –30 mmHg. B. TI 0,7; VC de 4 a 6 mL/kg. C. PIP < 20; VC > 10 mL/kg. D. TI 0,3 a 0,4, VC de 4 a 6 mL/kg. 11. TI curto, com CT e VC elevados, pode levar a: A. Melhora da hipoxemia. B. Sequestro pulmonary. C. Atelectasias. D. Aumento do volume pulmonar. 12. Para evitar lesão pulmonar induzida pelo oxigênio, devemos usar FIO2 para manter: A. Sat 96/ 97%; PaO2 50 a 80 mmHg. B. Sat 89/ 94%; PaO2 50 a 70 mmHg. C. Sat 98/ 100%; PaO2 80 a 90 mmHg. D. Sat 89/ 94%; PaO2 40 a 60 mmHg. 13. Hipercapnia permissiva é: A. PaCO2 entre 45 a 65 mmHg com pH > 7,2. B. PaCO2 entre 60 a 70 mmHg com pH > 7,2. C. PaCO2 entre 45 a 65 mmHg com pH > 7,4. D. PaCO2 entre 60 a 70 mmHg com pH > 7,1. 14. Em relação à VAFO, é falso que: A.Tem sido utilizada em paises do primeiro mun- do, sempre como a primeira escolha para ven- tilar pacientes com SDR. B. Está indicada em casos de PTX e enfisema intersticial. C. Está indicada como resgate nos casos de in- suficiência respiratória grave que não respon- dem à ventilação tradicional. D. Permite o uso de PMVA mais baixa do que a ventilação convencional. 15. Parece reduzir a incidência de DPC, exceto: A. Surfactante profilático, o mais cedo possível para RN < 1000 g. B. Suplementação de vitamina A. C. Insuflação pulmonar com alta PEEP, antes do uso do surfactante, para evitar o atelec- totrauma e permitir melhor distribuição do surfactante. D. Hipercapnia permissiva. 46 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria bibliOgrafia (bases físicas, mOdalidades básicas e cOmplicações) 1. Rodriguez RJ. Management respiratory distress syndrome: an update. Respir Care 2003;48(3):279-86. 2. Rodriguez RJ, Martin RJ, Fanaroff AA. The respiratory distress syndrome and its management. In: Fanaroff AA, Martin RJ, editors. Neonatal-Perinatal Medicine. 7th ed. St. Louis: Mosby-Year Book, 2002. 3. Fraser J, Walls M, McGuire W. 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Como Ventilar Recém-nascidos com Hipertensão Pulmonar cOnceitO Durante sua vida intrauterina, o feto apresenta elevada resistência de suas artérias pulmonares, de- corrente da acidemia e hipoxemia relativas a que está submetido e, principalmente, do fato de os pulmões es- tarem preenchidos de líquido, com elevada tensão su- perficial e colabados. Essa condição é interessante para o feto, garantindo que o sangue mais rico em oxigênio, que chega pelas artérias umbilicais, possa ser dirigido diretamente para sua circulação sistêmica, através do forame oval e do canal arterial. Ao nascimento, diversos fatores contribuem para a queda da resistência pulmonar, tais como: � A expansão pulmonar, propiciada pelos primeiros movimentos respiratórios, tra- zendo, consequentemente, uma abertura mecânica dos vasos pulmonares e iniciando o processo de reabsorção do líquido que inun- dava os alvéolos; � O aumento de prostaglandinas vasodilatado- ras circulantes e a liberação de óxido nítrico pelo endotélio vascular; � Maior oxigenação, garantida pelo início do uso do pulmão como órgão responsável pela cap- tação de oxigênio diretamente do ambiente, em lugar da placenta; � Reversão da acidose antenatal, à custa de me- lhor oferta de oxigênio aos tecidos e da venti- lação pulmonar; � Adaptação cardiocirculatória, com aumento da pressão arterial sistêmica devido à retirada da placenta, um sistema de alta capacitância e baixa resistência, favorecendo o fechamento do forame oval e a inversão do fluxo pelo ca- nal arterial, que passa a ser da esquerda para a direita. Esses mecanismos permitem que ocorra uma transição da circulação dita “fetal” para a circulação do tipo “adulto”, caracterizada por pressões de artérias pul- monares inferiores à sistêmica, passagem do sangue ve- noso do coração direito pelo leito vascular pulmonar e retorno deste, já oxigenado, ao coração esquerdo, para que seja oferecido aos diversos órgãos e sistemas. A falha nessa adaptação pós-natal, que a mui- tos parece absolutamente óbvia, apesar da comple- xidade das adequações cardiorrespiratórias que são necessárias, acompanha-se de uma vasodilatação pul- monar incompleta, permanecendo a dificuldade para perfusão pulmonar. Gersony descreveu e denominou essa síndrome como persistência da circulação fetal. Usaremos como sinônimo da denominação anterior a expressão “síndrome da hipertensão pulmonar persis- tente do RN” (SHPPN). etiOlOgia A síndrome da persistência da circulação fetal pode ser classificada, quanto ao seu evento determinan- te, de várias maneiras. Pode ser primária ou secundária as situações clínicas diversas e bastante heterogêneas. A seguir, descreveremos resumidamente como se expli- cam a associação das distintas etiologias e a não adap- tação da circulação no período pós-natal. Um grande número de situações clínicas pode gerar a manutenção do padrão de circulação fetal. Poderíamos destacar: � Hipertensão pulmonar primária, em que ocor- re, sem causa identificável, um aumento da muscularização das arteríolas pulmonares; � Hipertensão pulmonar secundária: À não expansão pulmonar, que pode ser se- cundária a uma asfixia perinatal e depressão respiratória, a hipoplasia pulmonar (primária ou secundária, por exemplo, a hérnia dia- fragmática, doença adenomatoide ou cistos pulmonares), a deficiência primária ou se- cundária de surfactante; Ao desbalanço na relação entre prostaglan- dinas vasodilatadoras e vasoconstritoras, com predomínio destas últimas, mantendo a circulação pulmonar “fechada”. Recentemente, alterações associadas a deficiências enzimáticas ligadas ao ciclo da ureia demonstram que RN próximo ao termo teriam um maior risco de desenvol- verem SHPPN, pois possuem apenas 40- 90% da atividade normal desse sistema 7 Felipe de Souza Rossi 48 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria enzimático, quando comparadosaos adul- tos. É interessante o encontro de baixos níveis de L-arginina (precursora da síntese de óxido nítrico pelas células endoteliais) e de metabólitos do óxido nítrico em RN com SHPPN, possivelmente secundário a baixa atividade da carbamoil-fosfato sin- tetase. Estudos genéticos tentam eviden- ciar genótipos mais associados a SHPPN (Pearson, 2001). A acidemia e/ou hipoxemia não corrigidas, mantendo o estímulo para a constrição do lei- to pulmonar e a persistência do canal arterial. A anormalidades cardiovasculares antena- tais, que podem gerar hiperfluxo pulmonar – e consequente hipermuscularização das artérias e arteríolas pulmonares –, como o fechamento intrauterino do canal arterial (que pode ser causado pelo uso, pela ges- tante, de anti-inflamatórios não hormonais), drenagem anômala parcial ou total das veias pulmonares. Ao não alinhamento alveolocapilar, impe- dindo a adequação das trocas gasosas. Ao pós-operatório de cardiopatias congê- nitas, tema que não será explorado neste capítulo. Outra maneira de se caracterizar a SHPPN é ba- seada em suas bases estruturais e nas possibilidades anatômicas das artérias pulmonares (Geggel, 1984). 1. Má adaptação pós-natal: ocorre manuten- ção da elevada resistência vascular, embora as estruturas sejam normais, não ocorrendo o au- mento da complacência das artérias conforme o esperado. 2. Aumento da muscularização: ocorre mus- cularização precoce, intrauterina, das artérias intra-acinares que, normalmente, seriam livres de camada muscular. Esses quadros se asso- ciam, também, a um aumento da espessura das artérias pré-acinares. 3. Subdesenvolvimento: As situações de hi- poplasia estão associadas a uma redução do tamanho e/ou do número de artérias do leito pulmonar. patOgenia A não transição da circulação fetal para a do tipo adulto determina o quadro de hipertensão pulmonar no RN. Assim, a elevada pressão em artérias pulmona- res mantém a passagem de fluxo sanguíneo de sangue pobre em oxigênio, através do forame oval e do canal arterial, gerando uma mistura de sangue venoso com sangue arterializado, fornecendo à circulação sistêmica uma menor quantidade de sangue oxigenado. A pós-carga aumentada para o coração direito provoca disfunção do ventrículo direito e regurgitação de valva tricúspide, achado clássico na hipertensão pulmonar do RN, podendo evoluir para insuficiência de ventrículo direito, particularmente se houve asfixia e sofrimento miocárdico associados ao quadro, tor- nando ainda mais difícil vencer a elevada resistência ao fluxo pulmonar. A baixa oferta de oxigênio predispõe à persis- tência da patência do canal arterial, com fluxo da di- reita para a esquerda, assim como a hiper-resistência pulmonar. O gradiente de pressão, com pressão pul- monar suprassistêmica, mantém o fluxo também da direita para a esquerda pelo forame oval, gerando, em conjunto com o canal arterial, um ciclo vicioso, em que o sangue que retorna ao coração direito atravessa para a circulação sistêmica sem ser oxigenado pelos pulmões. Assim, surgem dois locais de shunt extrapul- monar, um intra e outro extracardíaco, que mantêm uma menor oferta de oxigênio aos tecidos, predispon- do a acidose mista e fechando o ciclo, que tende a se autoperpetuar. Ao mesmo tempo que a falha na adaptação pós- -natal gera hipoxemia e acidemia ao RN, ela permite que não ocorra, ao menos de imediato, um colapso cardio- circulatório, que poderia ser mais letal. Isso aconteceria se, numa redução inadequada da pressão pulmonar após o nascimento, todo o sangue que retorna ao co- ração direito tivesse que ser bombeado pelo ventrículo direito contra a elevada resistência pulmonar, sem se valer dos escapes propiciados pelo canal arterial e fo- rame oval. A pós-carga excessiva ao ventrículo direito poderia predispô-lo a sua falência, e por sua vez a baixa pré-carga para o coração esquerdo poderia gerar hipo- tensão sistêmica e choque. quadrO clínicO A manutenção do padrão fetal pode ter manifes- tações clínicas bastante variáveis, sendo importante o quadro de base determinante, uma vez que os quadros secundários, além de bastante distintos, são os mais frequentes. Também o grau de hipertensão da circulação pulmonar é variável, podendo ser mais ou menos sin- tomático, ainda quando a patologia de base é a mesma. As manifestações podem ser desde praticamente assintomáticas, sugerindo um período um pouco mais prolongado que o habitual para a estabilização do RN, com leve taquidispneia e baixas necessidades de supor- te de oxigênio, até quadros de grave insuficiência res- piratória e colapso hemodinâmico, acompanhado de elevada morbimortalidade. 49 Como Ventilar Recém-nascidos com Hipertensão Pulmonar Como com a proximidade do termo há um au- mento fisiológico da muscularização das arteríolas pulmonares, esses quadros são mais comuns em RN a termo ou próximo ao termo, principalmente quando se consideram os processos primários. Porém, como vere- mos no diagnóstico, o encontro de elevadas pressões de artéria pulmonar também pode estar presente mes- mo em RN pré-termo mais extremos, confirmado por ecocardiograma. Esse fato se associa, frequentemente, a uma expansão pulmonar inadequada e consequente hiper-resistência pulmonar. Graus variáveis de desconforto respiratório, ta- quipneia, cianose, que se tornam mais intensos com dor ou manipulação do RN, devido a elevação da resistência pulmonar nesses momentos, são achados comuns. A circulação pulmonar é bastante sensível a estí- mulos agressores, como hipotermia, dor, hipóxia, acide- mia, alterações metabólicas, podendo responder aguda e intensamente com espasmo da musculatura arterio- lar, elevando a pressão pulmonar, cuja normalização pode levar horas ou dias. A ausculta cardíaca evidencia uma 2ª bulha úni- ca, hiperfonética, que deve retornar a uma bulha des- dobrada conforme há queda da pressão pulmonar. Na presença de hérnia diafragmática, abdome escavado e ausculta torácica com presença de borbo- rigmos podem ser encontrados. Em situações de hipoplasia pulmonar associada a oligoâmnio, a presença de fácies característica sugere o diagnóstico. A manutenção do fluxo pelo canal arterial de sangue pobre em oxigênio em elevadas pressões não permite o seu fechamento. Dependendo da posição da saída do canal arterial na artéria aorta (em relação à emergência do tronco braquiocefálico e das artérias carótida e subclávia esquerdas), pode ocorrer o “bebê arlequim”, com aparecimento de cianose mais acen- tuada nas regiões irrigadas por sangue que sofreu mis- tura de sangue pobre em oxigênio oriundo do canal arterial. Diferença de saturação pré e pós-ductal pode estar presente, particularmente se o principal local de shunt direita-esquerda for o canal arterial, e não o fo- rame oval. diagnósticO Embora as etiologias sejam muito distintas, os passos na suspeita e confirmação da persistência da cir- culação fetal são: 1. Quadro clínico: ver acima. 2. Exame radiológico simples de tórax – raio X simples: nos casos de SHPPN primária, a elevada resistência ao fluxo sanguíneo pul- monar aliada a pulmões sem patologias de base poderia nos levar a encontrar campos pulmonares bem aerados e pobres em iden- tificação de vasos, além de eventual aumen- to do contorno cardíaco direito. Porém, são os quadros secundários os mais frequentes, nos quais encontraremos os mais diversos pa- drões radiológicos, associados a deficiência de surfactante, síndrome de aspiração meconial, hérnia diafragmática, entre outros (ver etiolo- gia). Assim, embora seja um exame presente na avaliação inicial de toda insuficiência respi- ratória, e podendo ajudar a determinar o seu fator etiológico, o raio X não fará o diagnóstico da SHPPN. 3. Saturometria ou diferenças de PaO2 por ga- simetria: a avaliação da saturação de hemo- globina, feita de maneira não invasiva, pode ser útil no diagnóstico da SHPPN. Quando ocorre shunt importante pelo canal arterial, a comparação dos valoresobtidos em região pré-desembocadura do canal na artéria aorta (pré-ductal), por exemplo a mão direita, com regiões pós-ductais, por exemplo os pés, pode encontrar diferenças de 10 a 15% nas medidas de saturação, mais altas na região pré-ductal, sugerindo a presença de SHPPN. Porém, quan- do o fluxo é predominante pelo forame oval, essa diferença não será evidenciada, embora a situação de persistência da circulação fetal esteja presente. O mesmo vale para as coletas de gasimetria e avaliação da PaO2, comparan- do-se regiões pré e pós-ductais. São conside- rados significativos gradientes > 20 mmHg, existindo a dificuldade técnica para a obten- ção das amostras a um mesmo momento, e sem provocar dor ao RN. 4. Teste de hiperoxia: consiste em oferecer, por 5 a 10 minutos, 100% de oxigênio ao pacien- te, colhendo-se gasimetria a seguir. Aumento da PaO2>150 mmHg serve para reforçar a hi- pótese de SHPPN, tornando improvável a cia- nose por cardiopatia congênita. Porém, um resultado negativo do teste, isto é, PaO2 persis- tentemente < 150 mmHg, não é capaz de dife- renciar entre cardiopatia cianogênica e SHPPN (Fox, 1983). 5. Teste da hiperoxia-hiperventilação: em pa- ciente intubado, utilizam-se 100% de oxigê- nio e frequências respiratórias acima de 100 ciclos/minuto, por 5 a 10 minutos, buscando hiperventilação e uma PaCO2 < 30 mmHg, ocorrendo uma reversão da hipertensão pul- monar e consequente melhora da oxigenação. Embora mencionados neste capítulo, talvez mais por questões históricas, os testes de hi- peroxia e de hiperoxia-hiperventilação devem ser evitados como métodos de diferenciação entre cardiopatias congênitas cianóticas e 50 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria SHPPN. O uso de 100% de oxigênio, em car- diopatias cianogênicas canal dependentes (por ex: atresia severa pulmonar, transposição das grandes artérias com CIA restritiva) pode predispor ao fechamento do canal arterial e determinar evento fatal para o RN. Por sua vez, técnicas de hiperventilação estão bastante associadas a lesão pulmonar e sequelas neu- rológicas. Assim, atualmente, o acesso e uso do ecocardiograma são fundamentais na UTI neonatal, sendo o melhor exame subsidiário, não invasivo que podemos utilizar para a con- firmação do diagnóstico da SHPPN. 6. Ecocardiografia: o uso da ecocardiografia bidimensional, aliado ao doppler, permite a avaliação, à beira do leito e com mínima ma- nipulação do RN, das estruturas do coração e seus vasos, bem como a direção dos fluxos intracavitários e através de estruturas como o canal arterial e do forame oval. Assim, pode- -se visualizar a presença de shuntsda direita para a esquerda, estimar a pressão da artéria pulmonar, afastar ou identificar anormalida- des anatômicas que possam ser causa (p. ex.: drenagem anômala parcial ou total de veias pulmonares) ou diagnósticos diferenciais da SHPPN (p. ex.: transposição das grandes ar- térias). É achado associado à persistência da circulação fetal o encontro de regurgitação tricúspide. O exame também pode ser usado evolutivamente, evidenciando, em fase de resolução, a inversão dos fluxos (da esquerda para a direita) e o fechamento do forame oval, do canal arterial e a queda da pressão pulmo- nar. É interessante ressaltar que os achados associados a SHPPN secundária a patologias com baixa complacência pulmonar apresen- tam sensíveis melhoras com a reversão do co- lapso alveolar. 7. Cateterismo: quando persiste a dúvida diag- nóstica, apesar dos meios anteriormente listados, este método invasivo pode ser o de- terminante entre persistir com tratamento clínico ou identificar cardiopatia passível de correção cirúrgica. tratamentO Em se tratando de uma síndrome com etiologias tão heterogêneas e manifestações clínicas tão diversas, é impossível propor uma única abordagem terapêutica que se aplique a todas as situações. Deve-se buscar, em princípio, a reversão do quadro de hipertensão pulmonar – restabelecendo a adequada oxigenação do paciente –, evitando ao má- ximo sequelas pulmonares e neurológicas. Nas últimas décadas, várias são as evidências de que, ao se buscar intempestivamente a normalização da circulação pul- monar, lesões pulmonares, auditivas, cerebrais, e até maior mortalidade, ocorreramu em pacientes submeti- dos a ventilação pulmonar mais agressiva (Clark, 2000, 2001; Gannon, 1998; Kornhauser, 1994; Wung, 1985). Podemos citar, desde já, o título de dois artigos sobre a persistência da circulação fetal: “a caixa-preta re- visitada” e “controlando o incontrolável” (Hammerman, 1989; Walsh- Sukys, 1993), que demonstram a dificulda- de no conhecimento e no tratamento dessa síndrome. Com exceção do uso do óxido nítrico, que passou por estudos prospectivos e randomizados antes de sua utili- zação mais rotineira, as demais estratégias terapêuticas estão baseadas em experiências individuais de autores, com pequenos grupos de pacientes e relatos de caso, além de abordagens extrapoladas de estudos labora- toriais, com tradução clínica criticável. Desdobrando o tratamento da SHPPN, de maneira didática, podermos descrevê-lo em etapas, como a seguir: 1. Aumento da pressão arterial sistêmica. 2. Redução da pressão de artérias pulmonares Secundária a alcalose induzida. Com uso de vasodilatadores inespecíficos. Com uso de óxido nítrico inalatório. 3. Suporte inotrópico. 4. Suporte ventilatório. 5. Oxigenador de membrana extracorpórea (ECMO). Aumento da pressão arterial sistêmica Buscar uma pressão arterial mais elevada e que ultrapasse a pressão pulmonar é uma estratégia lógica, facilitando a perfusão pulmonar e tornando o fluxo de canal arterial da “esquerda para a direita”. Porém, não existem estudos clínicos que comprovem essa teoria. Na prática, busca-se manter pressão sistêmica suprapul- monar à custa de um aumento no volume endovenoso diário infundido e utilizando expansores de volume, podendo-se associar o uso de aminas vasoativas, mais comumente a dopamina, em doses superiores a 5 mcg/ kg/min. Essas doses têm efeito vasoconstritor e de es- tímulo direto sobre as fibras miocárdicas (α e β-1). Esse efeito sobre os vasos, porém, não é específico para a circulação sistêmica, devendo ter-se atenção para efei- tos indesejados sobre a circulação pulmonar – embora estes não sejam muito relatados (Keeley, 1988). Alguns estudos indicam que em RN pré-termo doses inter- mediárias de dopamina podem ser mais efetivas para o tratamento da hipotensão do que a combinação de expansores de volume associados a dobutamina, su- gerindo que, nessa população, um mau vasocontrole é mais frequente que a depleção de volume ou disfunção miocárdica (Greenough, 1993; Seri, 1995). 51 Como Ventilar Recém-nascidos com Hipertensão Pulmonar Redução da pressão de artérias pulmonares � Secundária a alcalose induzida: Embora seja uma das práticas mais utilizadas em UTIs neonatais em todo o mundo, a promoção da alcalose, metabólica e/ou respiratória, é respaldada apenas por estudos experimen- tais, em ovelhas e coelhos recém-nascidos. Demonstrou-se que, em situação de hipóxia induzindo a vasoconstrição pulmonar, esta última é minimizada quando se promove alcalemia (pH 7,5-7,65), tanto respiratória como metabólica (Fike, 1989; Lyrene, 1985; Schreiber, 1986). Em sua estratégia para tra- tamento da SHPPN, Fox (1983) sugere a busca de uma PaCO2 alvo, que induziria a uma vaso- dilatação pulmonar. O uso de bicarbonato de sódio (com doses preconizadas que variam de 0,1 a 1 mEq/kg/hora, em infusão contínua por período variável, controlado pelo pH sérico), por sua vez, está associado a distúrbios meta- bólicos, como hipernatremia e hipocalcemia. Lembramos ainda que o pH alcalino dificulta a liberação de oxigênio aos tecidos, pois aumen- ta a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio. � Com uso de vasodilatadores inespecíficos: Chamaremos de inespecíficos os vasodilata- dores que têm ação também na circulação sistêmica, apesar de serem utilizadosbuscan- do-se a redução da pressão de artérias pulmo- nares. A tolazolina foi a droga mais utilizada, com relatos de sucesso em até 80% dos pa- cientes sem doença pulmonar associada e em 58% em pacientes com doença parenqui- matosa (Stevenson, 1979). Posteriormente, análise retrospectiva evidenciou sucesso em apenas 49% dos casos (Goetzman, 1976). Seu uso inclui dose de ataque de 1-2 mg/kg em 10 minutos, quando deve-se ater a possíveis efeitos colaterais. Após, a dose de manuten- ção é de 1-2 mg/kg/hora, utilizando-se, pre- ferencialmente, veias tributárias da veia cava superior – visando um aumento do efeito pul- monar (Hammerman, 1989). Incluem-se entre os efeitos indesejados a hipotensão sistêmica – citada como significativa (redução em mais de 25% da pressão arterial média) em até 67% dos tratados (Stevenson, 1979) –, sangramento gástrico e alcalose metabólica hipoclorêmica. Não existem dados populacionais que sugiram quais pacientes terão uma boa resposta à to- lazolina, e os parâmetros considerados como melhora, nos diferentes estudos, são variáveis. A tolazolina não melhorou a sobrevida a longo prazo dos RN com SHPPN (Ward, 1984). Uma série de outros vasodilatadores é citada, mas todos sem resultados consistentes. Podemos incluir nesse grupo as prostaciclinas, os blo- queadores de canais de cálcio, o nitroprussia- to, a nitroglicerina, o captopril, entre outros (Hammermann,1989; Walsh-Sukys, 1993). Historicamente, após o reconhecimento do papel do óxido nítrico e suas possibilidades de uso na SHPPN, as demais drogas praticamente deixaram de ser utilizadas. � Com uso de óxido nítrico inalatório (NO): Divergindo das outras formas de terapêutica propostas para a SHPPN, o NO foi submetido a diversos estudos laboratoriais e clínicos, com grupo controle, prospectivos e randomizados, permitindo conclusões mais seguras em rela- ção ao seu efeito na SHPPN. Identificado como o potente “fator relaxador de- rivado do endotélio”, o NO possui as propriedades de causar vasodilatação agindo via aumento do GMPc’, trazendo redução do cálcio intracelular disponível e re- laxamento da musculatura das artérias e arteríolas pul- monares (ver capítulo correspondente). Quando usado por via inalatória, apresenta características importantes para o tratamento da SHPPN: � É rapidamente inativado ao combinar-se com a hemoglobina, presente nas hemácias que atravessam a circulação pulmonar. Assim, não tem efeito sobre a musculatura dos vasos sis- têmicos, permitindo a vasodilatação seletiva do território pulmonar; � Atua apenas nos vasos contíguos a alvéolos efetivamente ventilados, reduzindo efeito shunt que poderia ser gerado por drogas que trouxessem vasodilatação de todo o território pulmonar; � Possui dose tóxica bastante superior à tera- pêutica habitualmente empregada, reduzindo os efeitos indesejados, sendo de fácil adminis- tração e com efeitos quase imediatos. � Sua deficiência é um dos mecanismos propos- tos na fisiopatologia da SHPPN, tornando inte- ressante sua oferta a esses pacientes. Existem dezenas de estudos na literatura contan- do com diferentes estratégias de uso, incluindo dose inicial, dose de manutenção, tempo e parâmetros que indiquem sua retirada e estratégia ventilatória associa- da. Há consenso de que o NO melhora a oxigenação e reduz a necessidade de oxigenação extracorpórea por membrana (ECMO) entre os pacientes que apresentam SHPPN, sem hérnia diafragmática associada. Como já citamos, a SHPPN possui um vasto nú- mero de doenças de base a ela associadas. As doenças em que ocorre shunt direita-esquerda extrapulmo- nar apresentam melhores respostas que as que têm shunt intrapulmonar, sugerindo que o uso isolado de 52 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria vasodilatador em pulmões com parênquima mal ex- pandido (seja por atelectasias, consolidações ou hiper- distensões alveolares) é ineficaz para reverter a SHPPN (Kinsella, 2000). Assim, mesmo quando falamos em óxi- do nítrico, ajustar a ventilação mecânica, de acordo com a patologia de base, é fator fundamental para o sucesso do tratamento. Os candidatos preferenciais ao uso do NO são os RN maiores que 34 semanas. Os mais pré-termo ainda estão sob investigação, com estudos indicando res- postas variáveis ao NO, sem aumento de hemorragia intracraniana que poderia ser favorecida pelo efeito de antiagregação plaquetária do NO (Kinsella, 1999; Mercier, Skimming, 1997). São os modos mais citados para a indicação do NO: � Índice de oxigenação (IO) > 25, em que: ( )IO MAP FiO PaO � � �2 2 100 Sendo: MAP = pressão média de vias aéreas; FiO2 = fração inspirada de oxigênio; PaO2 = pressão parcial arterial de oxigênio (Clark, 2000; Day, 1996; The Franco-Belgium, 1999; Hoffman, 1997; NINOS, 2000). � Hipoxemia em duas gasometrias arteriais pós-ductais, em vigência de elevadas frações inspiratórias de oxigênio (PaO2 <55-80 mmHg; FiO2 100%); Kinsella, 1997; Roberts, 1997; INOSG � PaO2 > 40 e < 100 mmHg, pós-ductal, com MAP > 10 e FiO2 = 1,0 (Davidson, 1998, 1999). A dose a ser iniciada é variável entre os estu- dos, sendo quantificada em partes por milhão (ppm). Inicialmente, doses de até 80 ppm foram utilizadas, sem melhora na eficácia e com aumento dos riscos de efeitos colaterais (aumento de meta-hemoglobinemia e inala- ção de níveis mais elevados de NO2). Posteriormente, as doses consideradas mais baixas, iguais ou inferio- res a 20 ppm mostraram-se eficazes (Finer, Davidson, 1998; Skimming, 1997). Após iniciar-se o uso com 5 a 20 ppm, existem parâmetros diferentes que permitem a redução da dose inalada de NO (redução da fração inspirada de oxigênio, aumento da PaO2, queda do ín- dice de oxigenação), assim como pode ser diferente o tempo de intervalo de uso de cada dose, até a redução posterior (Kinsella, 1997, 1999; NINOS, 2000; Roberts, 1997; Davidson, 1998, 1999; The Franco-Belgium, 1999; Hoffman, 1997; Clark, 2000; Day, 1996). Usualmente, e sobretudo se não há hipoplasia pulmonar associada, o tempo de uso do NO não supera 5 dias, quando já ocorreu a reversão da SHPPN. O que é consenso é que, a partir do uso de doses inferiores a 5 ppm, principal- mente ao atingir-se doses de 1 a 2 ppm, que precedem a suspensão do NO, deve-se ter cautela para evitar o efeito rebote, isto é, o aumento da pressão de artéria pulmonar na retirada do NO. Acredita-se que o rebote seja facilitado pela inibição da NO sintetase endógena, após a administração exógena do NO, principalmente se em doses mais elevadas e por períodos mais pro- longados (Kinsella, 1997, 1999; NINOS, 2000; Roberts, 1997; Davidson, 1998, 1999; The Franco-Belgium, 1999; Hoffman, 1997; Clark, 2000; Day, 1996). Alguns autores estudam a terapêutica combinada com o dipiridamol, que aumenta a disponibilidade do NO por diminuir a degradação da GMPc’, potencializando o efeito do NO e reduzindo o risco do rebote após sua suspensão (Channick, 2000; Kinsella, 1997). Durante o uso do NO inalatório, deve-se proce- der ao controle dos níveis séricos de meta-hemoglo- bina e do NO2 inalado. A meta-hemoglobina não deve ultrapassar 7%, e o NO2 inalado, 3ppm. Caso sejam atin- gidos quaisquer dos valores anteriores, o NO deve ser reduzido à metade, e, se não houver reversão das doses tóxicas, suspenso. Ao concluir a abordagem de redução da pressão de artérias pulmonares, é importante lembrar que es- ses RN devem estar submetidos a mínima manipulação, com as menores ofertas possíveis de luz e som, sendo habituais os empregos de sedação e analgesia, em do- ses habituais, intermitentes ou contínuas, de midazo- lam ou fentanil. Suporte inotrópico É habitual o uso de drogas inotrópicas nas situa- ções de SHPPN. Como ocorrem sobrecarga ao coração direito e sua insuficiência secundária – demonstrável pelos achados ecocardigráficos –, muitos defendem o uso da dobutamina para esses pacientes. Não há, con- tudo, em literatura, dados objetivos que corroborem tal teoria.Se disponível, o ecocardiograma seriado, com os cálculos de desempenho miocárdico evolutivos, pode- ria ser útil na indicação, definição de dose ideal e sus- pensão de drogas inotrópicas na SHPPN. Suporte ventilatório Existem duas linhas básicas quanto à estratégia ventilatória, em ventiladores convencionais, a serem empregadas a esses pacientes. Estas nunca foram es- tudadas aprofundadamente, tampouco confrontadas entre si. 1. Fox, em 1983, baseado em estudos animais e em breve experiência clínica (Peckham, 1978; Rudolph, 1966), propôs ser a hiperventilação a base da estratégia de tratamento da SHPPN. Defendia a busca de uma alcalose respirató- ria e de uma PaCO2 alvo tão baixa quanto 16 mmHg. Para tanto, utilizava ventiladores con- vencionais em frequências suprafisiológicas, 53 Como Ventilar Recém-nascidos com Hipertensão Pulmonar para as quais os mesmos não estão adaptados (Boros, 1984). Atualmente, muitas são as evi- dências de lesões em SNC, auditivas e pulmo- nares induzidas por ventilação mecânica mais agressiva (Clark, 2000, 2001; Gannon, 1998); Kornhauser, 1994; Wung, 1985). 2. Em 1985, Wung relata uma série de casos em que limitava a pressão inspiratória e permitia níveis mais elevados de PaCO2 em pacientes com SHPPN. Nessa série, 14 dos 15 pacientes apresentavam grave insuficiência respiratória, com risco de morte de 100%. Todos os pacien- tes sobreviveram, apenas um com doença pul- monar crônica. Posteriormente, houve relato semelhante, com bons resultados com trata- mento conservador (Dworetz, 1989). Assim, parece razoável que, embora não existam trabalhos que verdadeiramente confrontem os dois mo- dos ventilatórios propostos para tratamento da SHPPN, a abordagem inicial minimize agressão ao paciente. Portanto, o uso de ventilação conservadora, além da correção dos distúrbios associados, é a estratégia por nós defendida na abordagem inicial da SHPPN. Quando esta não é suficiente, podemos associar o uso do NO e/ou associar modo de ventilação não convencional – ver abaixo –, utilizando ainda as formas terapêuticas discutíveis citadas anteriormente, como a alcalose me- tabólica e aminas vasoativas. Por outro lado, em 1991, um estudo realizado entre médicos norte-americanos que exerciam neonatologia apontou a hiperventilação como base do tratamento da SHPPN (utilizada por 81% dos respondentes), sendo também frequentes o uso de alcalinização, suporte inotrópico e paralisia. Poucos eram os neonatologistas que utilizavam a técnica con- servadora descrita por Wung, 1985; Walsh-Sukys, 1992). Assim, fica claro como permanecem variáveis as estra- tégias de tratamento no manuseio clínico dos pacientes com SHPPN. Ventilação de alta frequência Em se tratando de um modo de ventilação que utiliza baixíssimos volumes correntes, minimizando os riscos de volutrauma, o uso da ventilação de alta fre- quência é bastante pertinente em situações de doen- ças pulmonares graves. Tanto a ventilação por “jato” como a “oscilatória” foram utilizadas para tratamento da SHPPN, associando-se ou não o NO. Novamente, porém, esses estudos têm limitações em seus dese- nhos, embora traduzam o mesmo conceito que se apli- ca à ventilação convencional, em que em patologias que cursam com comprometimento parenquimatoso importante a melhora do quadro de SHPPN só ocorre quando há recrutamento alveolar e redução do shunt intrapulmonar. Assim, um estudo retrospectivo com- parou a ventilação a “jato”, como estratégia de resgate, com a ventilação convencional, sem que houvesse di- ferença na mortalidade ou nas de lesões pulmonares, agudas ou crônicas (Carlo, 1989). Posteriormente, ou- tros estudos usando a ventilação “oscilatória” como resgate em pacientes com critérios para ECMO tam- bém demonstraram bons resultados (Kinsella 1997; Kohelet, 1988). A associação de NO com alta frequên- cia oscilatória também foi avaliada em SHPPN grave, mostrando-se estratégia interessante, com resultado da asociação superior ao uso isolado de qualquer das terapêuticas. O autor enfatiza que a eficácia do NO está relacionada com a maneira com que se aborda a doença pulmonar de base, possibilitando aumento da oferta do NO ao seu local de ação (Kinsella, 1997). Oxigenador de membrana extracorpórea (ECMO) O primeiro relato de sucesso com uso de ECMO em RN foi publicado em 1976, pelo grupo do Dr. Bartlett (1976). Desde então, mais de 13.000 RN foram tratados com ECMO, com uma sobrevida acima de 80%, com os melhores resultados obtidos nos grupos de S. Aspiração meconial e SHPPN idiopática – dados de 1998, Neonatal ECMO registry. RN com peso > 2 kg e > 35 semanas, por- tador de doença pulmonar potencialmente reversível, sem diátese hemorrágica, após ausência de resposta sa- tisfatória ao uso máximo de inotrópicos, vasodilatado- res e de ventilação mecânica, são candidatos a ECMO. A ventilação durante a ECMO é mínima, apenas visando evitar o total colapso pulmonar. Porém, du- rante a ECMO, são grandes os riscos de complicações, incluindo formação de trombos e êmbolos de ar no cir- cuito, além dos riscos de sangramentos secundários à heparinização. A via para realização da ECMO pode ser a venovenosa (de uso mais recente, atualmente factível com implantação de um único cateter de duplo lúmen, parecendo mais segura, por não realizar a ligadura da carótida, reduzindo os riscos de isquemia cerbral) ou a venoarterial (a mais utilizada ao longo dos anos). Permanecem as dúvidas quanto às lesões neurológicas associadas à ECMO, embora seja difícil caracterizar se as lesões surgiram em momento anterior ou durante a rea- lização da ECMO. Por se tratar de um tratamento caro e invasivo, com riscos potenciais, o critério para seu uso inclui ris- co de mortalidade acima de 80% (usualmente, índice de oxigenação > 40). Ainda hoje, porém, a grande per- gunta a ser respondida é: qual o grupo que realmente se beneficia do uso da ECMO, principalmente após o surgimento de novos modos terapêuticos (p.ex.:NO) e de ventilação. Assim, um dos pontos mais controversos tem sido definir o parâmetro clínico que decida pelo seu uso (Beck, 1986; Cole, 1988; Marsh, 1988). Também ainda será estabelecido o momento de indicação da ECMO, se mais precoce ou apenas tardio, como resgate, principalmente com a experiência que será adquirida no seguimento de RN que foram submetidos a ECMO versus outras formas de abordagem terapêutica. Alguns 54 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria estudos prospectivos e randomizados foram publica- dos. Dois deles, realizados nos EUA, foram criticados pois utilizaram modificações de recursos estatísticos (Bartlett, 1985; O’Rourke, 1989). O estudo realizado no Reino Unido, o mais recente, demonstrou efetivi- dade no uso da ECMO para o tratamento de RN com SHPPNUKCollab. Atualmente, a sigla ECMO vem sendo substituída pela ECLS (“extra-corporeal life support”). prOgnósticO A evolução a longo prazo dos pacientes que apre- sentaram SHPPN é uma preocupação apenas recente. É óbvio que a expectativa em termos de sequelas, princi- palmente neurológicas e pulmonares, estará associada ao processo de base que gerou a SHPPN, além da gravi- dade e necessidade de intervenções iniciais a que o RN foi submetido. São grandes as dificuldades em se traçar prognósticos claros, pois temos estratégias terapêuticas não padronizadas e grupos com amostras insuficientes para conclusões definitivas. Dois estudos publicados em 1988 condenam a prática da hiperventilação como determinante de retar- do mental, de moderado a grave (Bifano, 1988), e de as- sociar-se a risco de 53% de comprometimento auditivo (Hendricks-Munoz, 1988). Existem relatos, também, de elevados índices de infarto cerebral (Klesh, 1987) e até 40% de hemorragia intracraniana (Oelberg, 1988). Do ponto de vista pulmonar, há evidência de que, em pacientes com grave insuficiência respiratória, com IO > 40 (não necessariamente SHPPN) ou que não apresentam melhora clínica em até 96 horasde vida, a indicação de ECMO reduz em até 11,5 vezes o risco de desenvolvimento de displasia broncopulmonar, suge- rindo que a agressão contínua da ventilação mecânica piora a evolução pulmonar a longo prazo, mesmo em RN mais maduros (Kornhauser, 1994). Mais recentemente, estudos que avaliam o segui- mento de RN após a introdução do óxido nítrico para tratamento da SHPPN não demonstram aumento da morbidade dos pacientes que receberam NO no perío- do neonatal. Esses estudos têm tempos de acompanha- mento após a alta variáveis, com parâmetros iniciais de IO distintos (o que pode sugerir gravidade inicial dife- rente entre os pacientes), não estando claras as estra- tégias ventilatórias iniciais adotadas pelos diferentes grupos. São referidas alterações neurológicas em cerca de 15-46% dos pacientes, incluindo paralisia cerebral, alterações motoras mais leves, valor < 70 na escala de Bailey, alterações de comportamento e perdas auditivas neurossensoriais. Reinternações, principalmente por problemas res- piratórios, ocorrem em cerca de 30% dos pacientes no 1º ano de vida. Outras limitações menos frequentes incluem a necessidade de uso de sonda gástrica para alimentação enteral domiciliar, uso de oxigênio e monitores de ap- neia após a alta hospitalar (The Neonatal Inhaled, 2000; Rosenberg, 1997; Ellington, 2001; Lipkin, 2002). bibliOgrafia (bases físicas, mOdalidades básicas e cOmplicações) 1. Bartlett RH, Gazzaniga AB, Jefferies MR. Extracorporeal membrane oxygenation (ECMO) cardiopulmonary support in infancy. Trans Am Soc Artif Intern Organs 1976; 22: 80-93. 2. Bartlett RH, Roloff DW, Cornell RG. Extracorporeal circulation in neonatal respiratory failure: a prospective randomized trial. Pediatrics 1985; 76: 479-87. 3. Beck R, Anderson KD, Pearson GD. Criteria for extracorporeal membrane oxygenation in a population of infants with persistent pulmonary hypertension of the newborn. J Pediatr Surg 1986; 21: 297-302. 4. Bifano EM, Pfannenstiel A. Duration of hyperventilation and outcome in infants with persistent pulmonary hypertension. 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Para alguns autores, essa é uma condição em que se deveria utilizar ventilação com volume controlado, para se garantir um volume corrente constante indepen- dentemente das variações de resistência na via aérea. A frequência respiratória inicial a ser utilizada deve ser baixa, 8 a 16 resp/min, com tempo inspiratório normal ou alto (até 1 s) e tempo expiratório bem maior, pelo menos duas a três vezes o tempo inspiratório, pois devido ao aumento da resistência, predominantemen- te expiratória, ocorre um aumento da constante de tempo, ou seja, é necessário um tempo maior para o esvaziamento do pulmão. Assim, preconiza-se o uso de relação I:E de no mínimo 1:2, em geral 1:3 ou mais, para se permitir uma expiração adequada e reduzir o aprisio- namento de ar (auto-PEEP). Para se conseguir ventilar com frequência respiratória baixa é necessário que a criança esteja bem sedada e nos casos mais graves até mesmo curarizada. Para sedação nos quadros obstruti- vos, a cetamina em infusão contínua é uma boa opção devido aos seus efeitos broncodilatadores. A hipoventilação com hipercapnia permissiva poderá ser realizada para que se possa limitar o pico inspiratório de pressão a níveis inferiores a 40 cmH2O, reduzindo-se assim o risco de barotrauma. O uso de PEEP elevada nos quadros obstrutivos é controverso. A adição de PEEP a um pulmão já hipe- rinsuflado, à primeira vista, parece contraprodutiva. O uso da PEEP, entretanto, parece ser útil na resolução de atelectasias, melhorando a relação ventilação/perfu- são em áreas hipoventiladas e mantendo as vias aéreas terminais abertas. Assim, em algumas situações pode ser necessário o uso de PEEP alto, mas nesse caso são importantes a monitorização da auto-PEEP e a obser- vação rigorosa de possíveis alterações hemodinâmicas. ventilaçãO mecânica na asma Rodrigo de Freitas Nóbrega Raquel Elizabete Ribeiro Romani Objetivo Discutir os parâmetros e modos ventilatórios uti- lizados em pacientes com asma grave que necessitam de ventilação mecânica, bem como a monitorização respiratória para promover os ajustes necessários. Ventilação na asma – pontos chave � Aumento da resistência de vias aéreas � Risco de falência respiratória � Possibilidade de uso de ventilação não invasiva � Evitar ao máximo intubação e ventilação invasiva � Cuidado com hiperinsuflação dinâmica e auto-PEEP � Utilizar FR baixa e TE elevado � Evitar VC ou PI elevados � Tolerar hipercapnia � Sedação e BNM � Monitorização adequada � Ajustes guiados pela monitorização e pelo ra- ciocínio fisiopatológico � Desmame o mais precoce possível intrOduçãO A asma aguda grave, ou estado de mal asmáti- co, em termos clínicos, pode ser definida como a pro- gressão da insuficiência respiratória devido à asma, por ausência de resposta às doses iniciais dos agentes bron- codilatadores nebulizados. Coloca a criança sob risco 8 58 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria de desenvolver falência respiratória, necessitando de internação em UTI pediátrica e por vezes de intubação e ventilação mecânica, levando a sério risco de vida. Estima-se que a prevalência da asma na popula- ção pediátrica seja de 5 a 12%. Todos os pacientes têm risco de desenvolver crises agudas, que são muito variá- veis em intensidade. A piora do quadro pode ser lenta ou súbita, estando esta mais frequentemente associada a casos graves (asma aguda asfíxica). A exposição a alérgenos, infecções virais ou ou- tros fatores desencadeantes (como exercício físico, me- dicamentos e fatores emocionais) leva a espasmo da musculatura brônquica, inflamação e edema de vias aé- reas, além de aumento da produção de muco, cursando com significativo aumento da resistência das vias aé- reas inferiores com marcadas alterações na mecânica e volume pulmonares. O tratamento farmacológico da asma grave con- siste em uso de broncodilatadores beta-adrenérgicos (pela via inalatória ou endovenosa) e corticosteroides. Pode-se ainda cogitar o uso de teofilina. Em pacientes com falência respiratória, mas com condições de manutenção da permeabilidade de vias aéreas, pode-se cogitar a ventilação não invasiva. ventilaçãO nãO invasiva A ventilação não-invasiva com pressão positiva (VNIPP) é efetiva em várias condições como ICC com edema pulmonar e exacerbações de DPOC. Na asma aguda grave, à semelhança da DPOC, ocorreobstrução ao fluxo de ar acompanhada de hiperinsuflação dinâ- mica e geração de uma pressão pleural negativa. O de- clínio progressivo do FEV1 durante uma crise de asma grave está relacionado a um trabalho inspiratório maior, contribuindo com a fadiga muscular. A VNIPP pode ser realizada por meio de aparelho de ventilação mecânica convencional (capaz de prover CPAP e ventilação assistida) ou de aparelhos de ventila- ção não invasiva (BIPAP), podendo ser provida por meio de uma pronga nasal ou de uma máscara nasal ou facial (boca-nariz) bem ajustada. Os ventiladores ciclados a pressão são preferidos porque compensam os possíveis escapes ao redor da pronga nasal ou da máscara. A VNIPP com máscara facial é uma opção terapêu- tica para suporte ventilatório de curto prazo na criança com falência ventilatória hipercápnica mas ainda com condições de manutenção das vias aéreas permeáveis. Tem como objetivo dar tempo aos agentes medicamen- tosos usados na asma aguda grave. O suporte ventilatório não invasivo tem como vantagens: reduzir a necessidade de sedação, diminuir o risco de infecção nosocomial, melhorar o desconfor- to do paciente e evitar as complicações da intubação intratraqueal. Algumas desvantagens do suporte ventilatório não invasivo são: sensação de claustrofobia, risco de aspiração do conteúdo gástrico e necrose da pele por pressão da máscara facial. Na asma aguda grave com utilização de pressão positiva contínua de vias aéreas por meio de máscara facial ocorrem: redução do trabalho respiratório, bron- codilatação, diminuição da resistência das vias aéreas, reexpansão de atelectasias, possibilidade de remoção de secreções, repouso dos músculos inspiratórios e do diafragma e redução dos efeitos hemodinâmicos de uma pressão pleural inspiratória negativa. Assim, alguns pacientes podem se beneficiar com o uso de pressão positiva em vias aéreas durante uma crise de asma aguda grave. A não melhora do quadro após 1 a 2 horas de suporte não invasivo, ou a piora abrupta a qualquer momento, podem indicar a necessidade de intubação e ventilação invasiva. indicações para intubaçãO e ventilaçãO mecânica na asma A decisão de intubar uma criança asmática não é fácil por estar frequentemente associada a complica- ções (agravo do broncoespasmo, barotrauma, depres- são cardiocirculatória) e consequente piora clínica, devendo ser evitada o máximo possível. Com o adven- to da terapêutica mais agressiva com agentes β2 ina- lados e injetáveis e corticosteroides injetáveis, menos de 1% das crianças asmáticas admitidas em hospitais e entre 5 a 10% das crianças asmáticas admitidas em Unidades de Terapia Intensiva Pediátricas necessi- tam de intubação para ventilação mecânica invasiva (Fluxograma 8.1). Parada cardiorrespiratória, hipóxia grave e rápida deterioração do nível de consciência constituem indi- cações absolutas para intubação e ventilação mecâni- ca invasiva. A piora progressiva do padrão respiratório, mesmo com terapêutica medicamentosa agressiva ins- tituída, constitui indicação relativa de intubação. A decisão de intubação não deve se basear ape- nas na gasometria arterial. Alguns pacientes hipercáp- nicos podem evoluir bem apenas com o tratamento medicamentoso, enquanto outros pacientes sem hiper- capnia necessitam de intubação por exaustão. Em termos práticos, podemos seguir o fluxogra- ma abaixo: Tratamento da Asma Grave � Oxigênio: FiO2 necessária para manter a SatO2 ≥95%; � Salbutamol inalado (0,15mg/kg a cada 20min durante 1h); 59 Como Ventilar Crianças com Patologia Obstrutiva? � Metilprednisolona EV: iniciar na 2ª inalação de salbutamol com bolo de 2 mg/kg e manuten- ção de 0,5 a 1,0mg/kg a cada 4 a 6 horas; � Brometo de ipratrópio nebulizado: 0,5mg a cada 4 a 6 horas; ⇓ Má Evolução � Teofilina EV (uso ainda controverso); � Salbutamol inalado contínuo (0,5mg/kg/h; no máximo 15mg/h); ⇓ PaCO2 > 45 mmHg ⇓ � β2-agonistas EV contínuo (suspender os β2 inalados) 1. Salbutamol: 0,2-4 mcg/kg/min (dose de ata- que: 10 mcg/kg-10’) 2. Terbutalina: 0,4-10 mcg/kg/min (dose de ataque: 10 mcg/kg em 10 min); dose usual: 3-6 mcg/kg/min Ajustar a dose de acordo com a resposta clínica de taquicardia e tremores; vigiar hipopotassemia. ⇓ PaCO2 > 60 mmHg com pH < 7,25 e/ou PaO2 < 60 com FiO2 > 0,5 ⇓ Ventilação Mecânica anti-hiperinsuflação dinâmica intubaçãO da criança asmática A intubação da criança asmática deve seguir al- guns passos importantes: 1. Pré-oxigenação com O2 a 100%, sucção de se- creções da orofaringe e descompressão gástri- ca via sonda nasogástrica; 2. Pré-medicação: a) Atropina: 0,01 a 0,02 mg/ kg EV (dose mínima de 0,1 mg e máxima de 0,5 mg) para evitar reflexo vagal (bradicardia e vômitos); 3. Sedoanalgesia: Midazolam (0,1 a 0,3 mg/kg) associado a cetamina (1 a 2 mg/kg) (é indicado por seus efeitos broncodilatador/analgésico/ sedativo); 4. Manobra de Sellick (compressão da cartilagem cricoide) 5. Bloqueio neuromuscular: Vecurônio (0,08 a 0,1 mg/kg), pancurônio (0,06 a 0,1 mg/kg) ou atra- cúrio (0,3 mg/kg) 6. Se necessário, ventilação manual com bolsa- -válvula-máscara e O2 a 100%, com a frequên- cia mais baixa possível, dando tempo para a expiração completa; 7. Intubação orotraqueal com tubo calibroso para reduzir a resistência ao fluxo expiratório; 8. Expansão volêmica: pode ser realizada antes da indução anestésica para a intubação, uma vez que é frequente a hipotensão, pela com- binação de efeitos dos sedativos e aprisiona- mento de ar. Pode-se realizar expansão com 10 a 20 mL/kg de solução cristaloide em 20 min. Uma vez intubado, deve-se realizar sedoanal- gesia contínua e adequada do paciente, e, muitas ve- zes, haverá a necessidade de bloqueio neuromuscular (BNM) para se manter uma ventilação efetiva. sedOanalgesia e blOqueiO neurOmuscular A sedoanalgesia diminui o consumo de oxigê- nio e a produção de CO2, assegura sincronia paciente- -ventilador, reduz a ansiedade e a hiperestimulação do centro respiratório pela acidose respiratória e elimina Fluxograma 8.1: Ventilação na asma. 60 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria o esforço muscular durante a expiração, reduzindo o aprisionamento de ar. O nível de sedação deseja- do é Escala de Ramsay 4 a 6 (se não houver bloqueio neuromuscular). Os fármacos mais utilizados são: 1. Midazolam: em infusão contínua de 0,1-0,5 mg/ kg/h (em associação ao fentanyl, pode ha- ver potencialização da ação de ambos e causar hipotensão grave); 2. Fentanil: em infusão contínua de 1-10 mcg/ kg/h. 3. Pode ser utilizado por ser um opioide não li- berador de histamina. Observar hipotensão e rigidez torácica quando em altas doses; 4. Cetamina: em infusão contínua de 0,5-2,0 mg/ kg/h; tem efeitos analgésico, sedativo, amné- sico, de relaxamento da musculatura lisa das vias aéreas, de elevação da frequência cardía- ca e da pressão arterial; deve ser utilizada em associação a um benzodiazepínico para pre- venção de seus efeitos indesejáveis (alucina- ções/delírios/sonhos animados); 5. Propofol: em infusão contínua de 25-100 mcg/ kg/ min. Não deve ser utilizado por mais de 48h, pela possibilidade de síndrome de infu- são do propofol. O bloqueio neuromuscular está indicado em pa- cientes que, apesar da sedação profunda, se mantêm desacoplados do respirador com risco de extubação e de gerar altas pressões nas vias aéreas. O fármaco de escolha é o vecurônio, por ser praticamente isento de efeitos cardiovasculares e por ser o que menos libera histamina. Deve ser infundido continuamente, em dose de 1-10 mcg/kg/ min. A monitorização do BNM deve ser feita com o método TOF (train-of-four). princípiOs da ventilaçãO mecânica na asma O paciente asmático apresenta significativa obstrução ao fluxo aéreo inspiratório e expiratório, devido ao aumento da resistência das vias aéreas. Se não houver tempo suficiente para se expirar o ar inspirado, ocorrerá um esvaziamento alveolar incom- pleto, chamado de hiperinsulflação dinâmica.O apri- sionamento desse ar gera uma pressão positiva ao final da expiração, denominada auto-PEEP. Essa con- dição pode favorecer a instalação de pneumotórax e choque cardiogênico, com significativo aumento da morbimortalidade. Dessa maneira, a ventilação mecânica deve ser direcionada no sentido de se evitar a hiperinsulflação dinâmica. Pode-se ventilar a criança com asma gra- ve com volume controlado ou pressão controlada. Tradicionalmente, utiliza-se com maior frequência o controle a volume; entretanto, a pressão controlada po- deria, teoricamente, ser vantajosa, pois frequentes mu- danças na resistência das vias aéreas não interfeririam na pressão aplicada. Inicialmente, deve-se optar pelo modo de venti- lação controlada, que permite a recuperação da fadiga da musculatura respiratória e evita volume minuto ou frequência respiratória elevados por conta de respira- ções do paciente (que poderia levar a hiperinsulflação dinâmica). Por cursar com aumento significativo de resis- tência de vias aéreas, o asmático deve ser ventilado com tempo inspiratório relativamente alto para permi- tir a entrada de ar. O tempo expiratório deve ser bem maior, visto que na ventilação mecânica convencional a inspiração ocorre de maneira ativa, enquanto a expi- ração acontece de maneira passiva. O tempo expira- tório prolongado, de pelo menos três vezes o tempo inspiratório permite a adequada saída do gás inala- do, diminuindo o risco de hiperinsulflação dinâmica. Para que se tenha um tempo expiratório prolongado, sem encurtar o tempo inspiratório, deve-se utilizar frequência respiratória baixa, inicialmente de 15 a 20 ventilações por minuto. O volume corrente utilizado (em caso de venti- lação com volume controlado) também deve ser baixo para se evitar aprisionamento de ar. Geralmente, inicia- -se com volume corrente de 6 mL/kg. Com frequência respiratória e volume corrente baixos, temos um volume minuto diminuído (VM = VC x FR), o que pode levar à retenção de CO2. Toleram-se tais valores aumentados de CO2, desde que o pH se mante- nha acima de 7,25. Tal estratégia é denominada hiper- capnia permissiva. Quando optamos por utilizar ventilação com pressão controlada, devemos evitar níveis elevados de pressão inspiratória, limitando assim o volume corrente (que é diretamente proporcional à pressão) e evitando risco de iatrogenias. Sugere-se evitar pressão inspirató- ria superior a 40 cm de água. Recordemos agora que a pressão inspiratória possui dois componentes: pressão resistiva e pressão alveolar. O aumento da resistência de vias aéreas (cau- sada pela asma) leva a incremento da pressão resistiva. Se for possível monitorizar a pressão de platô (pressão alveolar + PEEP), através de pausa inspiratória, devere- mos mantê-la em níveis inferiores a 30-35 cm H2O. Com relação ao PEEP, devemos utilizar PEEPs de 3 a 5 cm H2O; com isso, possibilitamos a abertura de vias aéreas de pequeno calibre que podem estar colabadas no mal asmático. Níveis elevados de PEEP devem ser evitados, devido à tendência de formação de auto-PEEP 61 Como Ventilar Crianças com Patologia Obstrutiva? ou PEEP Intrínseca pelo aprisionamento de ar. Caso seja possível medir a auto-PEEP; devemos evitar que a PEEP total ultrapasse 10 cm H2O, evitando-se assim possíveis complicações. Deve-se utilizar FiO2 suficiente para manter SatO2 acima de 90%. mOnitOrizaçãO A monitorização da criança com asma grave em ventilação mecânica tem por objetivos: � Evitar hiperinsulflação dinâmica e auto-PEEP, prevenindo o desenvolvimento de pneumotó- rax e choque cardiogênico; � Detectar hipoxemia e/ou hipercapnia que leve a acidose significativa (pH < 7,25); � Orientar os ajustes da ventilação mecânica para resolver os problemas acima citados; � Definir o momento de se iniciar o desmame da VPM, bem como orientar sua execução. mOnitOrizaçãO da HiperinsulflaçãO dinâmica e da autO-peep � Prova de Apneia: Diante de uma criança as- mática, ventilada; se ocorrer hipotensão ar- terial, devemos suspeitar de hiperinsuflação dinâmica. Se houver normalização da PA du- rante um período de apneia de 40 s, confirma- mos essa suspeita. � Curvas fluxo tempo e fluxo volume: O não retorno do fluxo à linha de base, no final da ex- piração, indica aprisionamento de ar. � Volume pulmonar ao final da expiração: Por meio do espirômetro do ventilador, pode-se medir, por uma apneia de 20 a 60 s, o volume pulmonar ao final da expiração. Subtraindo deste o volume corrente inspirado, tem-se como resultado o volume de gás aprisionado, que se for superior a 20 mL/kg prediz risco de complicações. � Pressão de platô: Mede-se a pressão de platô ao se produzir uma pausa inspiratória de 1 a 5 s. Neste momento, em que o fluxo é zerado, a pressão ressistiva cai a zero, sendo a pressão resultante a somatória da pressão alveolar e da PEEP. Pressão de platô inferior a 30-35 cm H2O tem boa correlação com níveis aceitáveis de volume de gás aprisionado. A pressão arterial deve ser monitorizada, pois a hiperinsuflação pulmonar pode levar a choque cardio- gênico, com queda de PA. mOnitOrizaçãO dO OxigêniO e dO gás carbônicO Deve ser feita periodicamente, por meio de gaso- metria arterial. Níveis de PaO2 acima de 60 e SatO2 maior que 90% são considerados adequados. Na asma grave ventilada, não se objetiva manter CO2 normal (35-45) através de aumento de parâmetros ventilatórios. Para se evitar parâmetros que possam levar a hiperinsufla- ção dinâmica, toleram-se elevações de CO2 desde que o pH se mantenha acima de 7,20-7,25. A oximetria de pulso que monitoriza continua- mente a SatO2 deve ser rotineiramente utilizada. A capno- grafia avalia o CO2 e auxilia na monitorização; entretanto, devido a alterações na relação ventilação-perfusão, pode não expressar com exatidão o CO2 sanguíneo. ajustes dOs parâmetrOs ventilatóriOs Devem ser feitos de acordo com os resultados de gasometrias e os indícios de hiperinsuflação dinâ- mica. Devem-se evitar aumentos na pressão inspirató- ria acima de 40 mm H2O ou de pressão de platô acima de 30-35. Ajustes na frequência respiratória devem ser feitos, visando corrigir acidose respiratória não com- pensada, mas sempre estando atento a evitar hiperin- suflação dinâmica. Sugere-se que se a pressão de platô for menor que 30-35 e o pH maior que 7,20-7,25 se mantenham os parâmetros. Se a pressão de platô for inferior a 30-35, com re- tenção de CO2 que leve o pH a ficar abaixo de 7,20-7,25, há espaço para se aumentar a frequência respiratória. Entretanto, se a pressão de platô for superior a 30- 35, sem acidose respiratória, indica-se reduzir a frequên- cia respiratória, evitando hiperinsuflação dinâmica. Quando temos pH menor que 7,20-7,25 com pressão de platô elevada devemos considerar outras medidas, como infusão de bicarbonato, uso de heliox, sulfato de magnésio e anestésicos inalatórios (halotano ou isoflorano). desmame da ventilaçãO mecânica Deve ser iniciado assim que a criança apresen- te melhora do quadro asmático. Tal melhora pode ser notada por meio de dados clínicos como a aus- culta pulmonar, dados gasométricos e de monito- rização. A diminuição da pressão resistiva (pressão inspiratória menos pressão de platô) é um bom indício 62 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria de melhora da resistência de vias aéreas, sugerindo o início do desmame. Neste momento, deve-se diminuir a sedação e se iniciar modos ventilatórios assistidos (nos quais o paciente participa da ventilação). Podemos utilizar ven- tilação assisto-controlada, mandatória intermitente ou suporte de pressão. A ventilação com suporte de pres- são constitui excelente método de desmame, por ser bastante confortável para o paciente. Com a melhora da asma, o desmame deve ser rápido, objetivando-se manter a VPM o menor tempo possível. ventilaçãO na asma – questões 1. Quais os parâmetros mais adequados para se iniciar a ventilação mecânica em um paciente de 5 anos com asmagrave? A. TI = 0,5 s; TE = 0,5 s; FR = 60 B. TI = 0,75 s; TE = 2,25 s; FR = 20 C. TI = 1,2 s; TE = 1,8 s; FR = 20 D. TI = 2 s; TE = 1 s; FR = 20 2. Qual o modo de ventilação mecânica de escolha para o tratamento inicial de uma criança com asma grave intubada? A. Assistida/controlada B. Pressão de suporte C. CPAP D. Controlada 3. Em uma criança de 8 anos com 30 kg de peso, qual estratégia ventilatória apresenta menor risco de de- senvolver hiperinsuflação dinâmica? A. VC = 6 mL/kg; FR = 15; TI = 0,8; PEEP = 3 B. VC = 10 mL/kg; FR = 30; TI = 0,8; PEEP = 3 C. VC = 5 ml/kg; FR = 30; TI = 1; PEEP = 0 D. VC = 12 mL/kg; FR = 15; TI = 0,8 PEEP = 0 4. Qual é uma possível complicação da hiperinsuflação dinâmica? A. Edema cerebral B. Distúrbios de sódio e potássio C. Hipertensão arterial D. Pneumotórax 5. Em qual situação seria desaconselhável a tentativa de ventilação não invasiva com pressão positiva em um paciente com asma aguda grave? A. Paciente no pronto atendimento com neces- sidade de FiO2=0,4, com nebulização contínua com salbutamol, metilprednisolona EV e bem consciente; B. Paciente em UTI Pediátrica, consciente, com terbutalina EV contínua, FiO2=0,5 em máscara de Venturi; C. Paciente em UTI Pediátrica, sonolento mas com vias aéreas pérvias, com desconforto respira- tório progressivo, em nebulização contínua com salbutamol e necessidade de FiO2=0,5; D. Paciente em UTI Pediátrica, sonolento, em uso de terbutalina EV contínua, FiO2=0,5 em máscara de Venturi e com vômitos volu- mosos e frequentes. 6. Na ventilação limtada a volume de uma criança asmá- tica, o aumento da pressão de platô pode significar: A. Aumento da auto-PEEP B. Diminuição da resistência de vias aéreas C. Retenção de CO2 D. Redução da hiperinsuflação dinâmica 7. Qual o significado da diminuição entre a diferença da pressão de pico inspiratório e a pressão de platô? A. Aumento da complacência B. Diminuição da complacência C. Diminuição da resistência D. Aumento da resistência 8. Qual esquema farmacológico melhor se aplicaria para um paciente intubado por asma aguda grave? A. Sedoanalgesia com morfina e propofol contí- nuos e bloqueio neuromuscular com succinil- colina em bolo. B. Sedoanalgesia com midazolam e cetamina contínuos e bloqueio neuromuscular com vecurônio contínuo. C. Sedoanalgesia com midazolam e fentanil con- tínuos e bloqueio neuromuscular com pan- curônio em bolo. D. Sedação com propofol contínuo por tempo prolongado, fentanil em bolo e bloqueio neu- romuscular se necessário. 9. Qual a sequência que melhor se aplica para o pro- cedimento de intubação de um paciente com asma aguda grave? A. Pré-oxigenação, atropina, sedoanalgesia, ma- nobra de Selick, curarização, intubação com COT bem fina (para evitar barotrauma). B. Pré-oxigenação, atropina, sedoanalgesia, manobra de Selick, curarização, intubação com COT calibrosa (para reduzir a resistên- cia ao fluxo expiratório). C. Pré-oxigenação, atropina, curarização, sedoa- nalgesia, expansão volêmica, intubação com COT calibrosa. 63 Como Ventilar Crianças com Patologia Obstrutiva? D. Expansão volêmica, pré-oxigenação, sedoanalgesia, E. intubação com COT fina (para evitar barotrauma). 10. São indicações absolutas de intubação de um pa- ciente com asma aguda grave, exceto: A. Parada cardiorrespiratória. B. Hipóxia grave. C. Piora progressiva do padrão respiratório. D. Deterioração rápida do nível de consciência. Obs: As alternativas corretas estão em negrito. bibliOgrafia 1. 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Ventilação Mecânica na Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo A síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) caracteriza-se por processo inflamatório extenso que leva a quebra da barreira alveolocapilar com desen- volvimento de edema intersticial e alveolar, diminuição da complacência pulmonar, desequilíbrio da relação ventilação/perfusão (relação V/Q) e hipoxemia refratária à administração de oxigênio. A doença é causada por agressão pulmonar direta ou por lesão sistêmica. A le- são dos pneumócitos tipo II produtores de surfactante e a inativação do surfactante pelo processo inflamatório também contribuem para o colabamento expiratório de unidades alveolares, com consequente redução da ca- pacidade residual funcional. Além disso, existe aumento da resistência vascular pulmonar (RVP) causado por uma combinação complexa de lesão pulmonar primária, em consequência de resposta inflamatória à agressão pul- monar, e de complicações do tratamento, principalmen- te a lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica (LPIVM). A hipertensão pulmonar impõe carga adicional ao ventrículo direito, limitando o débito cardíaco. A definição da SDRA passou por revisão recente. Foram estabelecidos critérios para definir o tempo da doença, eliminado o termo lesão pulmonar aguda, e a SDRA foi classificada em leve, moderada ou grave de acordo com os níveis do índice de oxigenação e índice de saturação de oxigênio, conforme ilustra a Tabela 9.1. 9 José Roberto Fioretto Tabela 9.1: Definição da síndrome do desconforto respiratório em Pediatria Idade Excluir pacientes perinatais com doença pulmonar Tempo Dentro de 7 dias de um insulto conhecido RX tórax Novo(s) infiltrado(s) consistente(s) com doença pulmonar parequimatosa aguda Oxigenação VNI VM invasiva P SDRA (sem estratificação de gravidade) Leve Moderada Grave Máscara facial com dois níveis de pressão ou CPAP PF (PaO2/FiO2) ≤ 300 SF (SaO2/FiO2) ≤ 264 ≤ IO < 8 Ou 5 ≤ ISO < 7,5 ISO: Índice de Sat. de oxigênio 8 ≤ IO < 16 Ou 7,5 ≤ ISO < 12,3 IO ≥ 16 Ou ISO ≥ 12,3 Condições especiais Doença cardíaca congênita Critério padrão acima para idade, tempo, origem do edema e RX com deterioração aguda da oxigenação não explicada por doença cardíaca Doença pulmonar crônica Critério padrão acima para idade, tempo, origem do edema e RX consistente com novo infiltrado e deterioração aguda da oxigenação do basal, que preenche os critérios acima Disfunção VE Critério padrão acima para idade, tempo, origem do edema e RX consistente com novo infiltrado e dete- rioração aguda da oxigenação que preenche o critério acima não explicado por disfunção VE esquerda. Adaptado de Khemani RG et al. Pediatric acute respiratory distress syndrome: definition, incidence, and epidemiology: proceedings from the Pediatric Acute Lung Injury Consensus Conference. Pediatr Crit Care Med 2015 Jun;16(5 Suppl 1):S23-40.66 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria tratamentO ventilatóriO da sdra Volume corrente, Pressão de Platô e Modos Ventilatórios A ventilação mecânica (VM) constitui um dos pila- res do tratamento da SDRA na medida em que melhora a oxigenação por recrutamento alveolar, com restabe- lecimento da relação V/Q. Estudo tomográfico de pul- mões de pacientes com SDRA contribuiu decisivamente para o entendimento da doença. Foi demonstrado que o comprometimento do parênquima pulmonar não é homogêneo, havendo áreas pulmonares com relação V/Q relativamente normal que coexistem com áreas totalmente consolidadas e regiões hiperdistendidas. Paralelamente, foi demonstrado que a VM pode lesar as áreas de pulmão normal ou aumentar a lesão daquelas já comprometidas, introduzindo o conceito de LPIVM. Extensas áreas alveolares tornam-se consolidadas, com diminuição de alvéolos disponíveis para as trocas ga- sosas, tornando o pulmão funcionalmente análogo ao baby lung, quanto ao seu tamanho. O emprego de volume corrente (VC) elevado dentro desse “pequeno” pulmão pode levar a hiperdistensão dos alvéolos que estão abertos. A partir desse conhecimento, foi introduzida a estratégia ventilatória chamada de ventilação mecânica protetora, utilizada em conjunto com a estratégia para manter os alvéolos abertos (open lung approach). Esses métodos objetivam proteger o pulmão contra a lesão induzida pela VM, limitando o VC (< 6 mL/kg), ofertan- do nível adequado de PEEP (acima do ponto de inflexão inferior na curva estática pressão-volume) com pressão de platô < 20 mmHg acima da PEEP, permitindo hiper- capnia e hipoxemia (SaO2 entre 88% e 90%). O valor clínico da VM protetora em adultos com SDRA foi pri- meiramente demonstrado por Amato et al. Os autores observaram redução significativa da taxa de mortalida- de dos pacientes tratados com VC, menor do que 6 mL/ kg, e pressão de platô de menos de 20 mmHg acima da PEEP, na comparação com pacientes tratados com VM convencional controlada a volume. Esses resultados fo- ram posteriormente confirmados pelo estudo da ARDS Network, que avaliou 861 adultos e demonstrou redu- ção absoluta de 9% na mortalidade com VC mais baixo (≤ 6 mL/kg) comparado com o tradicional (12 mL/kg). Estudo semelhante ainda não foi realizado em crianças. Entretanto, a dramática modificação do prog- nóstico de adultos com SDRA, demonstrada por esses estudos, provocou importante impacto no tratamento da falência respiratória de crianças. A Surviving Sepsis Campaign recomenda a utilização da estratégia ven- tilatória protetora em crianças. Também, a Diretriz de Ventilação Mecânica em Pediatria e Neonatologia da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, quanto à SDRA, relata que os princípios da estratégia pro- tetora, aplicados e validados para os adultos, são os recomendados para crianças, isto é, limitação do VC para valores (6-8 mL/kg), limitação da pressão de pla- tô entre 29 e 32 cmH2O /ou pressão de pico de até 35 cmH2O e a utilização de PEEP de moderada a alta (8 a 20 cmH2O). A SaO2 deve ficar entre 85% e 95% e a FiO2 em valores menores ou iguais a 60%, considerando-se taxas metabólicas reduzidas e estabilidade hemodinâmica. Quanto aos modos ventilatórios empregados, não foi observada vantagem de nenhum modo de ven- tilação sobre outro (pressão ou volume controlado), quando esses são utilizados em conjunto com a estra- tégia ventilatória protetora. Pressão positiva ao final da expiração Apesar de não haver em Pediatria estudos rando- mizados e controlados que tenham avaliado níveis da PEEP, sabe-se que na estratégia ventilatória para o trata- mento da SDRA a PEEP deverá ser sempre utilizada para manter aberto o maior número de unidades alveolares e prevenir seu colapso no final da expiração, possibili- tando redução da FiO2 a níveis menores do que 60%. Tal medida otimiza o recrutamento alveolar, com melhora da hipoxemia. Além disso, a PEEP estabiliza alvéolos e reduz a hiperdistensão cíclica e as forças de cisalhamen- to que atuam nos alvéolos. A titulação da “PEEP ideal” deve ser individualizada, baseando-se na monitoriza- ção hemodinâmica (frequência cardíaca, pressão ar- terial, tempo de enchimento capilar e débito cardíaco, quando disponível), nível de oxigenação e de compla- cência pulmonar (preferencialmente estática). Níveis de PEEP entre 10 e 15 cmH2O ou mesmo mais elevados podem ser necessários. Entretanto, níveis acima de 12- 15 cm H2O podem comprometer o débito cardíaco por diminuição do retorno venoso, sendo fundamental mo- nitorização rigorosa do estado volêmico. O ponto de inflexão inferior do ramo inspiratório da curva pressão/ volume (P/V) tem sido proposto como ponto de refe- rência para se encontrar a PEEP ideal, ou seja, aquela que permite oxigenação adequada com níveis seguros de FiO2. No entanto, esse nível ainda é controverso, as- sim como seu efeito sobre a mortalidade. Na prática clí- nica, entretanto, o nível ideal da PEEP tem sido obtido, à beira do leito, aumentando-se a PEEP em 2 a 3 cmH2O gradualmente e acompanhando o efeito sobre a SaO2. Hipercapnia permissiva Hipercapnia permissiva é a presença de hiper- capnia em paciente sob VM em que, com o objetivo de reduzir a lesão pulmonar induzida pela VM, a pressão de platô e o VC são limitados. O aumento do nível da PaCO2 seria consequência dessa estratégia ventilatória. A es- tratégia ventilatória protetora que inclui a hipercapnia permissiva não foi ainda sistematicamente estudada em crianças com SDRA, mas podemos concluir que ela é útil a partir de estudos em pacientes adultos. 67 Ventilação Mecânica na Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo Pressão de Distensão Recentemente, foi publicado estudo de avaliação post hoc que demonstrou que as reduções do VC e os aumentos da PEEP foram benéficos apenas quando as- sociados a redução da pressão de distensão (∆P= pres- são de platô - PEEP) para valores abaixo de 15 cmH2O. Cabem as ressalvas de que não se trata de estudo pros- pectivo e também que as conclusões são válidas apenas para ventilação na qual o paciente não está realizando esforço respiratório. Ventilação oscilatória de alta frequência (VOAF) A VOAF é um modo ventilatório que utiliza VC menor do que o volume do espaço morto anatômico (1-3 mL/kg) com frequência bem acima da fisiológica (5-10 hertz, ou seja, 300-600 ciclos/minuto), com inspi- ração e expiração ativas. Essa forma de ventilação vem sendo utilizada com sucesso para o tratamento de pa- cientes com insuficiência respiratória grave quando a VM convencional falha. Além disso, há relatos de que quando a VOAF é utilizada precocemente, em conjunto com estratégia protetora, ocorre redução na lesão pul- monar aguda e crônica em pacientes com SDRA. Esse modo ventilatório e suas aplicações foram descritos em outro capítulo. Manobras de Recrutamento Alveolar Recomendação O uso de manobras de recrutamento pode ser implementado sob rigorosa monitorização e por pes- soal experiente na presença de colapso manifestado pela necessidade de FiO2 acima de 60% para obter SaO2 de 90% a 95%. A manobra mais utilizada é a manobra da elevação gradual da PEEP com ventilação com pres- são controlada (PCV) mantida: � PCV = 15 cmH2O + PEEP = 20 cmH2O; FR = 10; Ti = 3 s; por 2 min � PCV = 15 cmH2O + PEEP = 25 cmH2O; FR = 10; Ti = 3 s; por 2 min � PCV = 15 cmH2O + PEEP = 30 cmH2O; FR = 10; Ti = 3 s; por 2 min � PCV = 15 cmH2O + PEEP = 35 cmH2O; FR = 10; Ti = 3 s; por 2 min A PEEP a ser utilizada depois da manobra de re- crutamento é aquela 2 cmH2O acima do ponto de infle- xão da curva P-V do sistema respiratório, ou um valor fixo, por exemplo, entre 12-15 cmH2O ou maior. terapias adjuvantes nãO ventilatórias na sdra Óxido Nítrico Inalatório Não é recomendado de rotina. Uso opcional pode ser considerado em casos de resgate, particu- larmente em associação com outras medidas terapêu- ticas. Também, se houver hipertensão pulmonar ou grave disfunção ventriculardireita. O benefício deve ser avaliado rapidamente, e todos os esforços e nor- mas técnicas devem ser implementados para reduzir a toxicidade. Posição prona Posição prona pode ser utilizada de maneira se- gura em pacientes pediátricos com SDRA grave, por pe- ríodos alternados com a posição supina nas 24 horas. Surfactante exógeno Atualmente o surfactante não é recomendado de rotina. O uso opcional pode ser considerado em casos de resgate, particularmente em associação com outras medidas terapêuticas. Bloqueadores neuromusculares Estudos em adultos têm mostrado melhora da oxigenação e diminuição da mortalidade. A recomen- dação é de uso precoce e por curto período. bibliOgrafia 1. Albuali WA, Singh RN, Fraser DD et al. Have changes in ventilation practice improved outcome in children with acute lung injury? Pediatr Crit Care Med 2007;8:324-30. 2. Amato MB, Barbas CS, Medeiros DM et al. Effect of a protective-ventilation strategy on mortality in the acute respiratory distress syndrome. 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A Utilização da Ventilação Não Invasiva na UTI Pediátrica intrOduçãO A ventilação mecânica não invasiva é uma técni- ca de ventilação em que uma pressão positiva é apli- cada à via aérea do paciente por meio de máscaras ou interfaces sem a utilização da intubação traqueal. A partir da década de 1930 surgiram os trabalhos pioneiros que descreveram a técnica e os benefícios do uso da ventilação com pressão positiva oferecida por meio de uma máscara. A década de 1960 trouxe novos horizontes para a ventilação mecânica não invasiva. A utilização dos conhecimentos de mecânica desenvolvidos durante a Segunda Guerra Mundial, os avanços tecnológicos, principalmente da eletrônica, e a incorporação de mi- croprocessadores tornaram os ventiladores artificiais mais sofisticados, confiáveis e acessíveis. A experiência com o uso de cânulas de traqueos- tomia e com tubos orotraqueais tornou a utilização dessas próteses o procedimento padrão para a ventila- ção mecânica. Porém não tardaram a surgir as descri- ções de complicações diretamente relacionadas ao uso das mesmas. Hoje o grande número de complicações decorrentes da ventilação mecânica invasiva, como a pneumonia nosocomial e a lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica, determinou o principal im- pulso para o desenvolvimento de estudos sobre o uso da ventilação não invasiva. A ventilação não invasiva promovediversos be- nefícios e vantagens: menor custo para o tratamento da insuficiência respiratória aguda, o uso intermitente possibilita maior interação paciente-família-equipe, fa- cilita o desmame e reduz os riscos e complicações da IOT como a pneumonia associada à ventilação mecâ- nica (PAV) e a lesão pulmonar induzida pela ventilação (LPIV). A ventilação não invasiva tem se mostrado efe- tiva em pacientes com insuficiência respiratória aguda, principalmente em casos de edema pulmonar e exacer- bações agudas de doença pulmonar obstrutiva crônica. Em recente ensaio clínico randomizado Soroksky et al. (2003) demonstraram que em determinados pacientes com crise de asma grave a VNI melhora a função pulmo- nar, promove alívio rápido do desconforto respiratório, além de reduzir também o número de internações. Esse trabalho foi realizado numa unidade de emergência de um hospital universitário. Em pediatria, o número de estudos é reduzido. Em 2002, Olugbenga et al. publicaram um estudo de três casos de crianças com crise severa de asma e hiper- capnia associada que foram tratados com VNI via bile- vel positive airway pressure (BIPAP). O tempo de uso da ventilação não invasiva ficou entre 12 e 17 horas, até a normalização de pH e redução da PCO2. Foram demons- tradas também redução da frequência respiratória e melhora da oximetria de pulso, que foi continuamente monitorizada. breve HistóricO da vni em pediatria � Década de 1970: Diversos trabalhos sobre CPAP em neonatos (Galvis e Benson, 1973); � 1990: Baydur et al. publicaram trabalho sobre o uso da VNI em crianças com distrofia muscu- lar de Duchenne; � 1995: Fauroux et al. descreveram sobre VNI em crianças com mucoviscidose; � 1998: Padman et al. (Crit. Care) publicaram um estudo de coorte prospectiva demonstrando benefícios da VNI em crianças com insuficiên- cia respiratória aguda; � 2000: Schweiz et al. realizaram revisão assiste- mática sobre VNI em crianças com insuficiên- cia respiratória aguda. princípiOs fisiOlógicOs Mecânica da ventilação A ventilação normal é uma atividade cíclica que possui duas fases: inspiração e expiração. Durante cada ciclo um volume de gás se move para dentro e para fora do trato respiratório. Esse volume, mensurado seja durante a inspiração ou durante a expiração, é deno- minado volume corrente ou Vt. O Vt normal remove o dióxido de carbono e fornece oxigênio para suprir as 10 Carolina Gonzaga 70 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria necessidades metabólicas. Deve haver reservas sufi- cientes para responder aos aumentos das demandas ventilatórias, como durante o exercício. A capacidade vital (CV) e suas subdivisões forne- cem as reservas necessárias para a ventilação aumenta- da (Tabela 10.1). A complacência e a resistência pulmonar e torá- cica criam a carga contra a qual os músculos respirató- rios trabalham para ventilar os pulmões. Nos pulmões sadios esse trabalho é realizado durante a fase inspira- tória, sendo a expiração uma manobra passiva. Diferenças de pressão durante a respiração A ventilação ocorre em resposta aos gradientes de pressão criados pela expansão e contração torácicas. A diferença entre duas pressões é denominada gra- diente de pressão. Existem três gradientes de pressão importantes envolvidos na ventilação: (1) transrespira- tório, (2) transpulmonar e (3) transtorácico. O gradiente transrespiratório faz com que o gás flua para dentro e para fora dos alvéolos durante a respiração. O gradiente de pressão transpulmonar é a diferença de pressão que mantém a insuflação alveolar. Alterações na relação V/Q na criança com insuficiência respiratória aguda e a ação da VNI Até os 5 anos de idade, a resistência das vias aé- reas está quase exclusivamente relacionada ao diminu- to diâmetro das pequenas vias aéreas inferiores. Assim, em situações de broncoespasmo, edema de mucosa e hipersecreção há um aumento exagerado dessa resis- tência ao fluxo aéreo. Para manter o volume corrente é necessário que a criança produza uma grande pressão negativa intratorácica, por meio do aumento da utiliza- ção da musculatura acessória. À medida que evolui o quadro obstrutivo, ocorre uma progressiva diminuição do volume corrente. Muitas vezes, apesar de todo o es- forço da criança em gerar grandes pressões inspirató- rias negativas e compensar a insuficiência respiratória, esse mecanismo falha em razão da maior complacên- cia torácica, da fadiga muscular ou do fluxo turbulento nas vias aéreas. Como consequência, observa-se, com a evolução da crise de asma, uma progressiva diminui- ção do volume corrente. Nessa tentativa de compen- sação, visando manter o mesmo volume minuto, essas crianças com crise de asma grave também aumentam sua frequência respiratória, hiperventilando áreas não obstruídas. O comprometimento pulmonar de crianças com crise de asma grave não se dá de maneira homogênea. Existem áreas parcialmente obstruídas e, portanto, par- cialmente ventiladas. Nessas áreas, durante a inspira- ção, por tração da caixa torácica, aumenta o diâmetro da via aérea, permitindo uma pequena entrada de ar. Entretanto, durante a expiração, quando cessa a tração da caixa torácica, ocorre diminuição da via aérea, difi- cultando a saída de ar dos alvéolos e gerando aumento da capacidade residual funcional e enfisema (áreas de hipoventilação). São vistas ainda áreas com obstrução completa (atelectásicas), que não são ventiladas e apre- sentam efeito shunt. Por outro lado, existem áreas ainda não comprometidas que são hiperventiladas e que são comprometidas no sentido de compensar a hipoxemia e tentar manter o volume minuto. O produto final desse desarranjo na relação ventilação/perfusão manifesta-se por meio de hipoxemia acompanhada de níveis variá- veis de pCO2, dependendo da predominância de áreas hipoventiladas ou de atelectasias. À medida que progride a obstrução e piora a hi- poxemia, ocorre um aumento progressivo do trabalho muscular, podendo ser observada acidose metabólica, a qual poderá associar-se a possível retenção de CO2 (IRA Tipo II) e levar a acidose mista, que tem um prog- nóstico pior e exige medidas mais agressivas. A ventilação não invasiva com pressão positiva por meio de máscara age auxiliando a respiração, à me- dida que diminui o trabalho respiratório e mantém tro- cas gasosas adequadas. Esse modo de ventilação vem sendo cada vez mais utilizado, na tentativa de se reduzir o número de intubações e suas graves complicações. vantagens da vni Não invasividade A ventilação por meio de uma máscara é fácil de se iniciar e suspender. Numa situação aguda, con- some menos tempo do que a intubação e evita as Tabela 10.1: Capacidade Pulmonar Total (CPT) Volume Inspiratório de reserva (VIR) Capacidade inspiratória (CI) Capacidade vital (CV) Volume corrente (Vt) Volume expiratório de reserva (VER) Capacidade residual funcional (CRF) Volume residual (VR) Volume residual (VR) 71 A Utilização da Ventilação Não Invasiva na UTI Pediátrica complicações associadas à colocação de um tubo en- dotraqueal. A natureza invasiva da intubação endo- traqueal é o motivo principal utilizado para justificar a postergação do início da ventilação mecânica até está- gios mais avançados de insuficiência respiratória aguda. Diminuição do desconforto respiratório A dor resultante da presença da sonda endotra- queal na cavidade oral é a principal fonte de descon- forto em pacientes intubados. Além disso, a intubação endotraqueal impede que o paciente fale. A falta de co- municação com parentes e profissionais da área de saú- de é frustrante pela incapacidade de verbalizar, o que prejudica a capacidade de cooperar. Redução da incidência de complicações Pneumonia nosocomial é uma complicação fre- quente de ventilação mecânica e fator importante de prognóstico de mortalidade. A intubação traqueal pro- voca um curto-circuito nas defesas de barreira das vias aéreas, prejudica a depuração mucociliar, resulta emdescamação das células epiteliais, levando a maior ade- rência bacteriana e colonização traqueal. Além disso, serve como um caminho para os microrganismos entra- rem na árvore traqueobrônquica. Várias complicações laríngeas, faríngeas e tra- queais são causadas pelas sondas endotraqueais. Essas complicações podem ocorrer no momento da intuba- ção (tentativa prolongada de intubação do brônquio fonte direito, hipotensão arterial, lesão das vias aéreas), durante o período da intubação (disfunção mecânica do tubo endotraqueal, escape do cuff, ulceração larín- gea), e após remoção da sonda endotraqueal (estridor pela obstrução das vias aéreas superiores, rouquidão, dificuldade para deglutição na traqueia). A sinusite é uma causa frequente de febre sem foco aparente e de bacteremia em pacientes sob venti- lação mecânica. O risco está relacionado com a presença de tubos na nasofaringe e com a duração da ventilação, podendo, então, ser minimizado pela VNI. Menor uso de sedação Para que o paciente permaneça em VNI com más- cara ou pronga nasal, muitas vezes ele nem precisa de sedação. As crianças muito pequenas ou aquelas que não colaboram precisam ser sedadas, porém a quanti- dade de sedação necessária é menor do que a utilizada durante a ventilação invasiva. Menor custo para o tratamento da insuficiência respiratória Atualmente muitas empresas estão cada vez mais investindo na produção de ventiladores específicos para VNI, que são aparelhos muito mais baratos quando comparados com os respiradores microprocessados de ventilação mecânica invasiva. desvantagens e cOmplicações da vni Distensão gástrica A distensão gástrica é uma ocorrência rara em pacientes tratados com VNI. Isso acontece porque para abrir o esfíncter esofagiano inferior é necessária uma pressão superior a 33 +/- 12 mmHg. As crianças teori- camente estariam protegidas de distensão gástrica im- portante com pressões de até 25 mmHg. Necrose de pele facial O desenvolvimento de necrose de pele no local de contato da máscara é a complicação mais comum de VNI, com uma incidência aproximada de 10%. Dentre os fatores que contribuem para necrose de pele se destaca a hipóxia tecidual pela pressão da máscara. A utilização de proteção no local de adaptação da máscara pode evitar a necrose. mOdOs ventilatóriOs mais utilizadOs BIPAP (Bilevel positive airway pressure) É um modo ventilatório que utiliza dois níveis de pressão, uma pressão inspiratória (IPAP -inspiratory positive airway) e uma pressão expiratória (EPAP - ex- piratory positive airway pressure), sendo IPAP > EPAP, ocorrendo, entretanto, a pressão positiva nos dois ci- clos da ventilação. Existem poucos estudos avaliando o uso da VNI na população pediátrica, porém seu uso vem crescen- do, e em 1995 Fortenberry publicou um estudo retros- pectivo em que 28 crianças entre 4 meses e 17 anos, idade média de 8 anos, foram submetidas a VNI no modo BIPAP por um período médio de 72 horas. Foram avaliadas variáveis clínicas e laboratoriais, houve redu- ção significativa na frequência respiratória, melhora na oximetria de pulso e da hemogasometria. Apenas três pacientes necessitaram de intubação. Em 1998 Padman publicou um estudo clínico prospectivo no qual 34 pacientes com insuficiência res- piratória, entre 6 meses e 20 anos, foram submetidos a ventilação não invasiva via bilevel positive airway pres- sure. O trabalho demonstrou uma redução na frequên- cia respiratória, na frequência cardíaca e no escore de dispneia, além de melhorar a oxigenação e reduzir a fre- quência de intubação. 72 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria CPAP (Continuous positive airway pressure) Modalidade de VNI em que a pressão positiva na via aérea se mantém constante durante todo o ciclo respiratório. interfaces A escolha do tipo e do tamanho, bem como a adaptação das interfaces, é de fundamental importân- cia para o sucesso da ventilação não invasiva. Crianças toleram melhor a máscara nasal. Tanto as máscaras quanto as prongas são comercializadas em diversos tamanhos. Os tipos de interfaces mais utilizados em Pediatria são as máscaras facial e nasal e a pronga nasal. Máscara facial Tipo de máscara que envolve nariz e boca e ofe- rece menor resistência ao fluxo de ar, permitindo uma melhor ventilação. Tem a desvantagem de facilitar a dis- tensão abdominal e aumentar o risco de broncoaspira- ção (Figura 10.1). Máscara Nasal Mais confortável, facilita a fala e a comunicação. Por não envolver cavidade oral, minimiza os riscos de broncoaspiração (Figura 10.2). Pronga nasal Mais utilizada em neonatos, e lactentes peque- nos. É importante estar atento à escolha do tamanho adequado para evitar escapes e/ou lesão de septo na- sal. A boca da criança deve ser cuidadosamente manti- da fechada para que não haja escape, impossibilitando a ventilação adequada (Figura 10.3). ventiladOres A ventilação não invasiva pode ser feita em qual- quer tipo de ventilador artificial. Porém existem venti- ladores exclusivos para VNI, que, além de serem mais baratos, dispõem de mecanismos compensatórios ao escape de ar pela máscara. Existem limitações quanto ao uso dos ventilado- res exclusivos para VNI. São elas: � Circuito inspiratório e expiratório único pro- porcionando reinalação de CO2. � Imprecisão no ajuste da fração inspirada de oxigênio. � Opções reduzidas de alarme. cuidadOs e mOnitOrizaçãO A monitorização constante da criança em ventila- ção não invasiva é indispensável para o sucesso da mes- ma, por isso toda a equipe deve estar integrada nesse propósito. É importante explicar ao paciente e/ou à família em que consiste o tratamento, quais os objetivos que se pretende atingir e sobretudo motivá-los a colaborar, mostrando que a sua adaptação e tolerância são funda- mentais para o sucesso terapêutico. Antes de iniciar a VNI, devemos posicionar a crian- ça confortavelmente, elevando sempre a cabeceira, a fim de facilitar a expansão pulmonar. Iniciada a venti- lação, dados devem ser constantemente monitorizados Figura 10.1: Máscara facial. Figura 10.3: Pronga nasal. Figura 10.2: Máscara nasal. 73 A Utilização da Ventilação Não Invasiva na UTI Pediátrica para que alterações sejam detectadas e complicações sejam prevenidas. Esses dados são: � Frequência respiratória � Frequência cardíaca � Consciência � Saturação de oxigênio (oximetria de pulso) � Ausculta pulmonar � Expansibilidade torácica � Padrão muscular ventilatório e uso de muscu- latura acessória � Volume corrente (quando possível) � PAM Alguns cuidados mais específicos da equipe de enfermagem devem ser levados em consideração: � Vigiar integridade da pele nas zonas de conta- to com a máscara � Aplicar protetores adesivos hidrocoloides nos locais de maior pressão, normalmente no nariz. � Vigiar secura excessiva das mucosas, hidratando-as. � Vigiar distensão gástrica e a necessidade de SNG. � Vigiar a quantidade de secreções e a capacida- de da criança em expeli-las. Os níveis de pressão devem ser progressivamen- te ajustados de acordo com a adaptação, a tolerância e a monitorização da criança. Níveis mínimos de pres- são devem ser considerados, e gradativamente eleva- dos em 2 cm H2O até limites que promovam ventilação adequada. A IOT não deve ser retardada quando o suporte ventilatório não invasivo não estiver sendo efetivo. exames de cOntrOle RX de Tórax De acordo com a rotina de cada serviço, e acima de tudo de acordo com a necessidade e a clínica do pa- ciente submetido à ventilação não invasiva, este deve ser submetido a exame de RX de tórax pelo menos a cada 24 horas. Esse tempo deve ser reduzido em casos de piora clínica, como aumento da frequência respirató- ria, taquicardia, dessaturação. Hemogasometria Assim como o RX, o controle de gases sanguíneos é de fundamental importância na avaliação e evolução da criança em VNI. Uma coleta de hemogasometria deve ser feita a cada 12 horas, ou sempre que ocorra alteraçãodo quadro clínico que indique piora súbita. bibliOgrafia 1. Carvalho CR R. Ventilação mecânica. Volume II Avançado. Ed. Atheneu: São Paulo, 2000. p.243. 2. Fortenberry J D. Management of pediatric acute hypoxemic respiratory insuficiency with bilevel positive pressure (BIPAP) nasal mask ventilation. Chest 1995; 108; 4: 1059-64. 3. Hertzog J H. Nasal mask positive pressure ventilation in paediatric patients with type II respiratory failure. Pediatric Anaesthesia 1996; 6:219-24. 4. Malinowski C; Wilson B. Terapia respiratória neonatal e pediátrica. In: Fundamentos da terapia respiratória de Egan. 7.ed. Manole: São Paulo, 2000. Cap.43, p.1043. 5. Olugbenga AA. Noninvasive positive-pressure ventilation in pediatric status asthmaticus. Pediatr Crit Care Med 2002; 3(2): 181-4. 6. O’Neill N. Improving ventilation in children using bilevel positive airway pressure. Pediatric Nursing 1998; 24(4):377-82. 7. Padaman R. Noninvasive ventilation via bilevel positive airway pressure support in pediatric practice. Crit Care Med 1998; 26(1):169-74. 8. Peter JV. Noninvasive ventilation in acute respiratory failure - a meta analysis update. Crit Care Med 2002. 9. Rimensberger PC. Noninvasive pressure support ventilation for acute respiratory failure in children. Schweiz Med wochenschr 2000;130:1880-6. 10. Sprague K.; Noninvasive ventilation in respiratory failure due to cystic fibrosis. Southern Medical Journal 2000 Oct; 93(10):954-61. Monitorização Respiratória em Ventilação Mecânica intrOduçãO O melhor método de monitorização da criança submetida a ventilação mecânica (VM) ainda é o con- trole clínico. É fundamental identificar precocemente as alterações da mecânica respiratória e, quando necessá- rio, corrigi-las. O intensivista pediátrico e neonatal deve estar atento a qualquer modificação na forma e simetria do tórax e na presença de sinais de dificuldade respi- ratórias (cianose, tiragem, batimentos de asa de nariz, utilização de musculatura acessória e retrações, entre outras), utilizando muitas vezes os escores clínicos para avaliação de gravidade.1 A inspeção e a ausculta pulmonar são ferramen- tas importantes na avaliação do paciente em VM, pois fornecem informações sobre a simetria da ventilação, a identificação e distribuição dos tempos respiratórios e a identificação de sinais sugestivos de afecções de vias aéreas, do parênquima pulmonar ou do espaço pleural.1 Complementares ao exame clínico, as formas de monitorização mais frequentemente empregadas em UTIP e UTINeo são o RX de tórax, a gasometria ar- terial, a oximetria de pulso, a capnografia e a avalia- ção da mecânica respiratória por meio das curvas de fluxo-volume-pressão.2,3 Na última década foi observado um intenso avan- ço tecnológico nos ventiladores disponíveis para uso pediátrico e neonatal, baseado no desenvolvimento de recursos eletrônicos e de computação que permitiram uma maior sensibilidade na determinação dos fluxos inspiratório e expiratório no circuito do ventilador. Esse fato não apenas permitiu o desenvolvimento de novos modos de ventilação iniciados ou modulados pelo paciente, como também resultou na possibilida- de de se monitorizar a mecânica respiratória, mesmo em prematuros pequenos. Hoje é comum a disponibi- lidade de ventiladores com informações sobre a me- cânica respiratória (volume corrente, volume minuto, complacência pulmonar dinâmica e resistência das vias aéreas) e curvas fluxo-tempo, pressão-tempo, fluxo-vo- lume e pressão-volume, como veremos a seguir. RX de Tórax O RX de tórax é o principal exame de imagem em- pregado na prática diária para avaliar crianças em ven- tilação mecânica. A alteração radiológica identificada com mais frequência é a posição inadequada do tubo endotraqueal. Além de definir a posição do tubo tra- queal, identifica precocemente complicações grosseiras da ventilação mecânica como hiperexpansão/hipoex- pansão pulmonar, pneumotórax, enfisema intersticial e mediastinal, edema pulmonar, pneumonias, atelecta- sias e alterações (melhora ou piora) da doença respira- tória de base (p. ex.: reexpansão de área atelectásica).4 A frequência com que se deve solicitar o RX de tórax, em pacientes submetidos a VM ainda permane- ce controversa. Vários estudos têm demonstrado que a antiga prática de realizar rotineiramente radiografia diá- ria não tem suporte científico e tampouco oferece reais vantagem no tratamento do paciente em VM. Apesar de as alterações diagnosticadas pelo estudo radiológi- co serem frequentes (ao redor de 25%), a necessidade de mudanças na conduta ocorre em menos de 5% dos casos. Recomenda-se que o RX de tórax seja realizado imediatamente após a intubação e repetido de acor- do com suspeitas clínicas ou após alguma intervenção (retirada de dreno torácico, por exemplo), assim como para confirmar a evolução da doença. Em pacientes com ventilação prolongada, sugere-se que o controle radiológico inclua, além da placa anteroposterior, uma placa de perfil, onde será possível identificar atelecta- sias, consolidações e/ou edema em áreas pulmonares dependentes (geralmente posteriores e basais). O RX no leito é um exame de fácil execução, porém não comple- tamente inócuo ao paciente.5,6,7 A exposição repetida a 11 Jefferson P. Piva Patrícia Miranda Lago Celso Rebelo 76 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria radiação em crianças pode representar o equivalente a algumas sessões de radioterapia. Gasometria e Equilíbrio acidobásico A gasometria arterial é um exame fundamental na monitorização do paciente em ventilação mecânica. Permite avaliar a eficácia das trocas gasosas e o seu efei- to no metabolismo.8 Deve-se, porém, ressaltar que for- nece dados intermitentes, podendo induzir a erros na presença de mudanças bruscas.2 Os controles gasométricos podem ser realizados de maneira intermitente (análise de amostras sanguí- neas isoladas) ou contínua. A monitorização contínua invasiva através de cateter arterial com sensor de fibra óptica é menos empregada por ser onerosa e com dis- cutível aplicabilidade em Pediatria. Teria como vanta- gem a diminuição do número de coletas, sendo útil em situações que requerem coletas seriadas, como PO de cirurgia cardíaca, ECMO e SDRA.8 A artéria radial é a mais utilizada para coletas de gasometria arterial, em razão de suas características anatômicas: ser superficial, ter um bom calibre e formar um arco com a artéria cubital, o que evita fenômenos de isquemia distal. Também, têm-se utilizado as artérias umbilical e temporal no recém-nascido e no lacten- te pequeno, assim como a artéria femoral na criança maior. As principais complicações da coleta são a dor, o vasoespasmo, a formação de trombos, a hemorragia e a infecção local.1 A coleta por capilares tem a vantagem de ser de fácil obtenção, com retirada de pequeno volume de sangue e com pequeno risco. Em algumas situações o resultado pode diferir muito daquele obtido pela coleta por punção, já que a compressão exercida para drenar o sangue capilar pode produzir hemólise com elevação do potássio. É útil em crianças pequenas, em situações críticas, quando a coleta é extremamente difícil. A amostra de sangue venoso periférico ser- ve para avaliar o equilíbrio acidobásico e, de maneira aproximada, o estado da ventilação, proporcionando pouca informação sobre a oxigenação. Por outro lado, as amostras de sangue venoso misto obtidas na artéria pulmonar ou no cateter venoso central podem ser úteis na avaliação dos quadros respiratório, metabólico e cir- culatório do paciente.2 No momento da coleta de gasometria alguns cui- dados devem ser tomados:2 1. As seringas para coleta devem ser hepariniza- das com heparina sólida, já que a líquida pode diluir a amostra, levando a erros. 2. Após a coleta sanguínea, devem ser elimina- das as bolhas da seringa e esta deve ser ve- dada e invertida várias vezes a fim de diluir a heparina, para tornar a mistura homogênea. 3. A amostra deve ser etiquetadacom a identi- ficação completa, a hora da coleta, a tempe- ratura do paciente e a FiO2 que estava sendo utilizada. 4. A análise deve ser feita no máximo 10 minutos depois da coleta ou ser mantida resfriada a até 0-4 °C por não mais que 30 minutos. 5. Antes de aceitar o resultado como válido, es- pecialmente no caso de não coincidir com a si- tuação clínica do paciente, deve-se considerar a possibilidade de algum erro na coleta ou na técnica de realização do exame. interpretaçãO da gasOmetria A interpretação da gasometria deve ser realiza- da obedecendo a uma sequência (oxigenação, ventila- ção e equilíbrio acidobásico) e sabendo que os dados obtidos de uma amostra de sangue apenas refletem o estado do paciente no momento da coleta, já que es- ses valores podem mudar de maneira significativa em muito pouco tempo. Por essa razão, os resultados en- contrados nunca devem ser avaliados isoladamente, fora do contexto da situação clínica do paciente, dos parâmetros respiratórios, da situação circulatória e de outros dados de monitorização. É importante salientar que os aparelhos analisadores de gases somente me- dem de maneira direta o pH, a PaO2 e a PaCO2, os outros parâmetros (saturação de oxigênio, HCO3 e excesso de bases) são calculados.8 (Tabela 11.1) Tabela 11.1: Interpretação da gasometria a partir do sangue Venosa Arterial Variação Acidose Alcalose pH 7,35-7,38 7,4 7,35-7,45 < 7,35 > 7,45 pCO2 (mmHg) ~45 40 35-45 > 45 < 35 HCO3 (mEq/L) 19-23 24 20-24 < 20 > 24 avaliaçãO da OxigenaçãO A respiração se inicia no meio externo (entra- da de ar nos pulmões), segue pela interface pulmonar (trocas gasosas) e transporte de oxigênio aos tecidos (dependente do débito cardíaco, da saturação da he- moglobina, do oxigênio dissolvido e da perfusão teci- dual), vindo a finalizar nas mitocôndrias (extração de oxigênio) para atender ao metabolismo celular. A ga- sometria arterial permite avaliar parte desse processo. Para avaliar a oferta de oxigênio aos tecidos é necessá- rio conhecer a oxigenação do sangue arterial e venosa mista, o gasto cardíaco e a perfusão orgânica específica. 77 Monitorização Respiratória em Ventilação Mecânica O estado de oxigenação pode ser avaliado pe- los valores da pressão arterial de oxigênio (PaO2), que refletem a captação de oxigênio pelos pulmões, e pela saturação arterial da hemglobina (SatO2), que indica a capacidade de transporte de oxigênio pela hemo- globina. A PaO2 representa a pequena quantidade de oxigênio que está dissolvida no plasma (0,003 mL/ litro), sendo expressa em mmHg, enquanto a maior parte do oxigênio é transportada através da hemoglo- bina (1,34 mL por grama de hemoglobina saturada a 100%). Respirando ar ambiente (FiO2 = 0,21) ao nível do mar, a PaO2 oscila entre 60 e 100 mmHg. Hipoxemia é definida como uma PaO2 inferior a 60 mmHg ou uma saturação de hemoglobina inferior a 90%, indepen- dentemente da FiO2. Os parâmetros mais úteis para avaliar a oxigena- ção são: a PaO2, a saturação da hemoglobina, a diferen- ça alveoloarterial de oxigênio [D(A-a)O2], a relação entre a PaO2 e a fração inspirada de oxigênio (PaO2/FiO2), a PaCO2 para analisar a ventilação, estimar o shunt pulmo- nar (Qs/ Qt) e o pH associado ao excesso de bases para controlar o equilíbrio acidobásico.8 PaO2 É o principal indicador da captação de oxigê- nio nos pulmões. Seu valor normal está entre 60 e 100 mmHg, sendo cada vez mais aceitáveis valores ao re- dor de 60 mmHg em pacientes submetidos a VM. A hipoxemia é considerada moderada quando abaixo de 60 mmHg e definida como crítica quando inferior a 45 mmHg. A hipóxia (acidose lática resultante de me- tabolismo anaeróbico) é a complicação mais temida. Assim, hipoxemia sem hipóxia associada pode ser tole- rada em pacientes submetidos a VM. O maior exemplo dessa eventualidade são os pacientes com cardiopa- tia cianótica que mantêm seu metabolismo aeróbico (sem acidose associada) mesmo com PaO2 muito bai- xas. A leitura isolada da PaO2 não oferece grandes in- formações, visto que existe uma relação direta entre ela e a FiO2. Gradiente alvéolo-arterial de oxigênio: D(A-a)O2 A D(A-a)O2 expressa a diferença de entre a PaO2 e a pressão alveolar de oxigênio (PAO2), que oscila entre 5 e 20 mmHg. Essa diferença reflete a parcela de san- gue que retorna ao coração esquerdo e que não tomou parte na oxigenação capilar pulmonar. Conhecendo-se a FiO2 é possível estimar a PaO2 por meio da seguinte fórmula: PAO2= FiO2 x (pressão atmosférica – pressão do vapor de água) – pCO2 / 0,8 em que PaO2= FiO2 x (760-47) – pCO2/0,8 em que PaO2= FiO2 x (713) – pCO2/0,8 Imaginemos um paciente recebendo uma FiO2 de 0,40 e que apresente uma gasometria com uma PaO2 de 100 mmHg. Nesse caso, aplicando a fórmula observa-se que sua PaO2 deveria situar-se ao redor de 235 mmHg [(0,4 x713)- (40/0,8)]. Logo, uma PaO2 de 100 mmHg representa um mau resultado, pois seu gradien- te alveoloarterial [D(A-a)O2] está muito elevado (ao re- dor de 135 mmHg!). Assim, pacientes em VM devem ter sua PaO2 ava- liada sempre levando em consideração a PaO2. Uma maneira aproximada (portanto não exata!) de estimar a PaO2 é multiplicar por 5 a percentagem de oxigênio inspirada e, a partir daí, estimar o gradiente. Relação PaO2/FiO2 Em condições normais essa relação deve ser su- perior a 350 mmHg. Quando seu valor for inferior a 300 mmHg é definido que há hipoxemia secundária a lesão pulmonar; entretanto, se for inferior a 200 o comprome- timento pulmonar é considerado grave. A atual defini- ção de SDRA requer uma relação igual ou inferior a 200. É um parâmetro útil e sensível para avaliar a oxigena- ção, porém tem o inconveniente de não valorizar a in- fluência de outros parâmetros utilizados na assistência respiratória (PIP, PEEP, por exemplo). Índice de oxigenação Uma maneira muito mais precisa e adequada de avaliar a PaO2 em pacientes submetidos a VM é relacio- ná-la com a pressão média de vias aéreas (MAP) e a FiO2. Essas variáveis foram agrupadas na fórmula do índice de oxigenação [(MAP x FiO2)/PaO2] x 100. Idealmente, nesse grupo de pacientes, deveria haver uma fórmula que contemplasse também os valores da pressão expi- ratória positiva final (PEEP). Saturação arterial de hemoglobina (Sat O2) Mede a porcentagem de hemoglobina oxige- nada (O2Hb) em relação com a hemoglobina total. Considera-se normal entre 95 e 99 %, sendo aceitável entre 90 e 95 %. Por definição, hipoxemia é referida como valores inferiores a 90%, enquanto a hipoxemia grave fica abaixo de 85%. A maior quantidade de oxigênio é transportada ligada à hemoglobina (1,34 mL por grama de hemo- globina). A SatO2 depende da PaO2, da concentração de hemoglobina, da presença de outras hemoglobinas não oxigenadas e da afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, avaliada por meio da curva de dissociação da hemoglobina. Em condições normais uma saturação de 50% corresponde a uma PaO2 de 28 mmHg (ver Figura 11.1), enquanto uma saturação de 90% corresponde a uma PaO2 de 60 mmHg, e uma saturação de 60%, a uma 78 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria PaO2 de 30 mmHg. Esses valores podem ser maiores ou menores dependendo da afinidade da hemoglobin, que se altera em função do pH, da PCO2 e da tempera- tura corpórea, entre outros. Deve-se ressaltar que a saturação da hemoglo- bina é inadequada para avaliar e monitorizar PaO2 ele- vadas. Uma diferença na saturação de 1% (de 98 para 99%) pode representar uma diferença superior a 150 mmHg na PaO2. Figura 11.1: Representação esquemática da relação entre a saturação arterial da hemoglobina, a respectiva PaO2 e os fatores que aumentam e diminuem a sua afinidade. Curto-circuito arteriovenoso pulmonar (shunt pulmonar Q’S / Q’T) É a porcentagem de sangue venoso que não se oxigena durante sua passagem através dos capilares pulmonares. Para calcular são necessárias uma amostra de sangue arterial e outra de sangue venoso misto (de artéria pulmonar). É calculada como a relaçãoentre as diferenças de conteúdo do oxigênio alveoloarterial e do arteriovenoso. Normalmente o shunt intrapulmonar oscila entre 5% e 7%. Na SDRA observa-se um shunt su- perior a 15%, considerado muito grave quando supe- rior a 20%, e pode ser estimado por meio da seguinte fórmula: O Q’S/ Q’T = (Cideal – CaO2) / (Cideal – CvO2) em que: Cideal= Conteúdo arterial ideal de O2 Cao2 = Conteúdo de O2 no sangue arterial, que seria calculado por meio de: =(Hb x1,36x SaO2) + PaO2 x 0,0031 CvO2 = Conteúdo de O2 no sangue venoso, que seria calculado por meio de: =(Hb x1,36x SvO2) + PvO2 x 0,0031 No paciente submetido a VM o shunt intrapulmo- nar pode ser estimado utilizando FiO2 a 100%, durante 20 minutos, com o emprego da seguinte fórmula: Q’S/ Q’T = 100[(D(A-a)1O2 x 0,0031) / (CaO2 - CvO2) + D(A-a) 1O2 x 0,0031] em que: D(A-a) 1O2 é a diferença alveoloarterial de oxigênio a 100%. avaliaçãO da ventilaçãO A pressão arterial de CO2 (PaCO2) é o parâmetro que melhor define a ventilação pulmonar, e depende diretamente da produção de CO2 e inversamente da ventilação alveolar. Quando a ventilação é normal, a PaCO2 se mantém ao redor de 40 mmHg. Se a PaCO2 for inferior a 35 mmHg se considera hiperventilação ou hipocapnia; por outro lado, quando supera os 45 mmHg chamamos de hipoventilação ou hipercap- nia. A hipercapnia pode ser moderada (entre 45 e 60 mmHg), grave (entre 60 e 80 mmHg) ou crítica (acima de 80 mmHg). A PaCO2 influencia o pH sanguíneo, pois para cada aumento de 10 mmHg na PaCO2 ocorre uma redução de 0,08 no pH (e vice-versa). Quando as altera- ções na PaCO2 ocorrem de maneira lenta, o organismo tem tempo de realizar a sua compensação (retendo ou eliminando bicarbonato). Em algumas doenças pulmonares, para minimi- zar a agressão pulmonar induzida pela ventilação me- cânica, se admitem valores de PaCO2 superiores a 80 mmHg (hipercapnia permissiva), mantendo um pH de 7,20-7,25.9 Além de avaliar a ventilação alveolar, a medida da PCO2 em pacientes submetidos a VM pode ser empre- gada para avaliar o espaço morto fisiológico (VD / VT), utilizando a seguinte fórmula: VD / VT = (PaCO2 – PECO2) / PaCO2 em que PECO2 é a medida do CO2 no gás expirado. equilibriO acidObásicO O pH é o logaritmo negativo da concentração de hidrogênio [H+] livre. Os três elementos principais do equilíbrio acidobásico são o pH, a PaCO2 (regulada pela ventilação pulmonar, componente respiratório) e a concentração de HCO no plasma (regulada pelo rim, componente metabólico). Para manter estável o pH, a PaCO2 e o HCO3 devem estar compensados. Esses três elementos se inter-relacionam segundo a fórmula: pH = 6,1 + log HCO3/PaCO2. 79 Monitorização Respiratória em Ventilação Mecânica O funcionamento normal de muitos processos metabólicos requer que o pH se encontre dentro de um limite relativamente pequeno. Apesar de o núme- ro de hidrogênios líquidos corporais ser enorme, ele se encontra neutralizado por tampões, sendo o bicarbo- nato o mais importante. Esses tampões representam a primeira linha de proteção contra as variações de pH. Sem dúvida, quando se produzem alterações bruscas na produção de H+ os tampões não são capazes de so- zinhos manter o pH em níveis normais por muito tem- po, devendo-se complementar seu efeito, em primeiro lugar, por ajustes fisiológicos compensadores e depois por correções definitivas pulmonares e renais.2 Os mecanismos de compensação do pH são mais lentos do que os conseguidos pelos tampões, porém são mais eficazes. Quando ocorre um transtorno metabóli- co, o sistema respiratório atua como compensador (au- mentando ou diminuindo a eliminação de CO2), e, por outro lado, os rins compensam os transtornos respira- tórios. Essas compensações minimizam as variações no pH, porém não são definitivas. A partir desse momento, serão os rins os encarregados de corrigir os transtornos metabólicos (eliminando H+ e recuperando bicarbona- to) e os pulmões, os transtornos respiratórios.8 O pH normal oscila entre 7,35 e 7,45. Quando in- ferior a 7,35 é definido como acidose e quando superior a 7,45, como alcalose. Nunca ocorre a “supercompensa- ção”, ou seja, o organismo corrige o fenômeno primário até o pH chegar próximo a 7,4, porém nunca “cruzando” ou ultrapassando esse valor. Portanto, para determinar o fenômeno primário, basta avaliar o valor obtido do pH em relação ao pH ideal de 7,4 (se inferior, o fenômeno primário era uma acidose; se superior a 7,4 o fenômeno primário era uma alcalose). A gasometria não mede diretamente o bicarbo- nato. Este é estimado por meio de uma equação entre o pH e a concentração de PaCO2. O excesso de base (EB) é medido pela quantidade de HCO3 ou de ácido neces- sário no sangue para que a 37 °C, com uma PaCO2 de 40 mmHg, se alcance um pH de 7,40 (seu valor normal é -2 a +2 mEq/L). Para cada 10 mmHg modificados da PaCO2 há uma alteração de 0,08 no pH, enquanto para cada 10 mEq/L modificados no HCO3 há uma alteração de 0,15 no pH.10 métOdOs de mOnitOrizaçãO nãO invasivOs Oximetria de pulso A oximetria de pulso (ou pulsioximetria) é uma técnica não invasiva de avaliar a SatO2 com base nas propriedades de absorção espectrofotométricas da he- moglobina. Para valores superiores a 70 % a sensibili- dade da técnica é de 96 %. O sensor mede a saturação de oxigênio das hemoglobinas funcionantes, utilizan- do dois emissores de luz como fontes luminosas e um detector de luz. Os sensores ficam localizados frente a frente nos dois lados de uma artéria.11 As principais vantagens da oximetria de pul- so são a não invasividade da monitorização, o caráter contínuo, possibilitando o registro gráfico, a simplicida- de do método e a rapidez de sua resposta diante das modificações na oxigenação. A introdução da oximetria de pulso permite alterar as concentrações de oxigênio oferecido seguindo as necessidades de cada paciente, diminuindo o número de gasometrias arteriais e evitan- do os efeitos deletérios pulmonares de concentrações elevadas de FiO2. As desvantagens do método estão em detectar indistintamente todas as formas de hemoglo- bina e a lesão de pele causada pelo eletrodo, sugerin- do-se que o local da monitorização seja trocado com frequência. O conceito de oximetria é fundamentado em três princípios:12 1. Espectrofotometria: cada substância tem um único espectro de absorção. A oxi-he- moglobina absorve menos a luz vermelha e mais a infravermelha do que a hemoglobina reduzida. 2. Lei de Beer-Lambert: a absorção da luz, quan- do passa através de um solvente não ab- sorvente, é proporcional à concentração do soluto e ao comprimento do trajeto que a luz tem que percorrer. 3. Pletismografia: A razão entre as amplitudes pletismográficas, nos comprimentos de ondas vermelha e infravermelha, é usada para deter- minar a saturação do oxigênio pelo oxímetro de pulso. Apesar de ser um método de monitorização confiável, existe uma série de situações que podem comprometer os achados da oximetria de pulso. É fun- damental que seja sempre feita uma correlação entre o valor de saturação encontrado e as condições clínicas do paciente para evitar erros de avaliação e condutas inadequadas. Principais fatores que interferem na leitura da sa- turação pela oximetria de pulso: 1. Colocação do sensor. O emissor e o receptor devem estar situados um em frente ao outro. Os lugares mais habituais para sua colocação em crianças são os dedos das mãos e dos pés e o lóbulo da orelha. 2. Alterações de fluxo arterial. Deve-se evitar que o sensor do oxímetro fique próximo a um ca- teter arterial ou no membro onde estiver colo- cado o manguito (cuff) do medidor de pressão arterial (PA). 80 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria 3. Situações de má perfusão periférica, como em hipotermia, hipotensão, baixo débito cardía- co e vasoconstrição, prejudicam a leitura do aparelho. 4. Os movimentos do paciente podem interferir na leitura da oximetria. É importante assegu- rar-se que exista uma boaonda de pulso no monitor para considerar que a medição da oxi- metria de pulso esteja correta. 5. A meta-hemoglobina apresenta uma absorção igual para a luz vermelha e a infravermelha; com valores elevados de meta-hemoglobina a oximetria de pulso se situa em torno de 85%. 6. Modelos de aparelho: a exatidão dos diferen- tes oxímetros de pulso pode variar segundo o modelo utilizado. A aplicação de novas técni- cas, a utilização de filtros e o uso de diferentes algoritmos de trabalho nos monitores atuais permitem minimizar os erros produzidos pelo movimento, frio ou situações de baixo débito, entre outras.13 Capnografia O CO2 é produzido por metabolismo tissular e transportado posteriormente pelo sangue aos pul- mões, onde passa para o alvéolo, sendo depois exalado. A concentração de CO2 ao final da expiração pode ser considerada um fiel reflexo da PaCO2. A concentração será invariavelmente menor que a arterial, apesar de que a diferença arterioalveolar de CO2 não é superior a 2-3 mmHg.11 O CO2 possui umas bandas de absorção caracte- rísticas, de grande intensidade, na região infraverme- lha. Por essa razão é possível a sua medição contínua nos gases respiratórios. A medida do CO2 nos gases respiratórios é um meio não invasivo que permite uma monitorização contínua em tempo real da eliminação de CO2, porém necessita que os gases expirados não estejam contaminados, sendo mais útil nos pacientes intubados. A capnometria consiste na medida da concentra- ção do CO2 expirado. Atualmente dispomos de dois ti- pos de medidores pelo método de raios infravermelhos: os que medem o gás no mesmo circuito do respirador e os que aspiram a amostra para medi-la fora do circuito. O segundo tipo tem o inconveniente de roubar parte dos volumes inspiratório e expiratório, o que pode ser limitante no caso de bebês pequenos ou recém-nasci- dos. Por outro lado, esse sistema tem a vantagem de po- der ser utilizado com máscara ou diretamente no nariz. Os sistemas para monitorização de CO2 que necessitam ser acoplados na saída do tubo podem acarretar um au- mento no espaço morto.12 No momento de iniciar a capnografia, deve-se realizar uma coleta de sangue arterial para medição de gases sanguíneos e após correlacionar-se simulta- neamente ambos os valores e calcular seu gradiente. Posteriormente pode utilizar-se apenas o CO2 expirado para efetuar o seguimento do paciente. Nos pacientes com um parênquima pulmonar normal e uma perfusão correta, a PetCO2 é um fiel refle- xo da PaCO2, este gradiente normalmente é inferior a 5. Nessas situações a capnografia diminui a necessidade de gasometrias, é útil para diagnosticar hiperventilação ou hipoventilação e para detectar de maneira imediata diversos problemas como extubação acidental ou tubo obstruído. Também pode ser utilizada para determinar a correta colocação do tubo endotraqueal após a intu- bação endotraqueal.14 Em pacientes com doenças pulmonares que têm uma distribuição desigual da ventilação o gradiente aumenta de modo imprevisível para 10 a 20 mmHg ou mais (refletindo troca gasosa ineficiente); por conse- guinte, a PetCO2 não reflete de modo confiável a PaCO2 e mesmo quando aumentada pode estar subestimando a real situação do paciente. Nesses casos de alterações extremas da relação ventilação perfusão a PetCO2 pode ser utilizada apenas para detectar tendências.12 A medida da PetCO2 é extremamente útil na clí- nica para orientar as modificações dos parâmetros de ventilação mecânica. É importante lembrar que: 1. Uma PetCO2 baixa pode indicar hiperventila- ção, hipotermia ou acidose metabólica. 2. Uma PetCO2 alta pode indicar hipoventilação, hipertermia ou alcalose metabólica. Capnografia nas alterações ventilação- perfusão Nas alterações da ventilação-perfusão secundá- rias a doença pulmonar (o ar não chega de maneira correta aos alvéolos), da perfusão (o sangue não chega adequadamente aos alvéolos para que os gases sejam trocados) ou em ambas simultaneamente, não se pro- duz uma troca gasosa adequada. Nesse caso é arris- cado confiar apenas no CO2 expirado como reflexo da PaCO2 arterial. 11 Ventilação do espaço morto Normalmente em cada inspiração existe uma parte do volume aéreo que não alcança as zonas de troca gasosa: é o espaço morto anatômico. Este espa- ço é composto pelo gás que chega nas tubulações do respirador e nas vias aéreas. Nas alterações pulmonares que produzem hipoperfusão pulmonar, como no trom- boembolismo pulmonar, na hipotensão grave, na para- da cardíaca, na ventilação mecânica com pressões altas que produzem uma sobredistensão dos alvéolos com compressão dos capilares adjacentes, ou no enfisema grave, pode ocorrer o surgimento de um espaço morto 81 Monitorização Respiratória em Ventilação Mecânica alveolar, já que existem alvéolos ventilados porém não perfundidos. A composição dos gases contidos nesses alvéolos será muito semelhante à do ar atmosférico, e ao misturar-se com outros alvéolos que foram perfundi- dos produzem uma concentração do CO2 total expirado muito inferior aos valores de CO2 arterial, aumentando o gradiente PetCO2-PaCO2. O CO2 expirado pode chegar a zero em situações de parada cardíaca, e se houver uma reanimação efetiva a capnografia demonstrará um au- mento progressivo da PetCO2. 15 Tem sido sugerido que a capnografia pode ser útil na escolha da melhor PEEP durante a ventilação mecânica. A hipótese é que a PEEP diminui o espaço morto pelo recrutamento alveolar, enquanto a PEEP elevada leva a hiperdistensão dos alvéolos, o que acar- reta aumento do espaço morto. Portanto o gradiente é menor quando o recrutamento alveolar é máximo sem hiperdistensão.11 Ressuscitação Cardiopulmonar A diminuição no débito cardíaco e do fluxo san- guíneo pulmonar durante a parada cardíaca resulta em diminuição da eliminação do PetCO2 pelos pulmões e, consequentemente, em uma PetCO2 baixa. O sucesso da ressuscitação está em aumentar o débito cardíaco, que levará por sua vez a um aumento do PetCO2. A monito- rização também serve para avaliar a eficácia das com- pressões cardíacas externas durante a ressuscitação.15 Shunt pulmonar Em algumas doenças pulmonares (atelectasia, bronconepumonia, síndrome do desconforto respi- ratório agudo, intubação bronquial seletiva) existem alvéolos perfundidos, porém não ventilados. A ventila- ção alveolar continua graças aos alvéolos saudáveis, os quais dão um valor médio de CO2 expirado ao redor de 40 mmHg. A PetCO2, nessa situação é um reflexo apenas dos alvéolos que participam da troca gasosa mostrando níveis normais, e o gradiente PetCO2-PaCO2 não aumen- ta, podendo ser pequeno ou nulo. Capnografia no esvaziamento incompleto Nas situações em que há dificuldade de esva- ziamento pulmonar como na asma, nas alterações obstrutivas crônicas ou na obstrução parcial do tubo endotraqueal, também pode ocorrer um aumento do gradiente PetCO2- PaCO2, com níveis de PetCO2 baixos. Capnografia na retirada de assistência respiratória A capnografia pode ser útil na retirada da ventila- ção mecânica. Nesse processo pode servir para: 1. Detectar respirações ineficazes e esforços ins- piratórios. Nas modalidades espontâneas, a capnografia pode detectar movimentos respi- ratórios que mobilizam unicamente o ar conti- do no espaço morto. Também pode identificar esforços respiratórios que não conseguem abrir a válvula inspiratória e distinguir as ven- tilações desencadeadas pelo ventilador das realizadas pela criança. 2. Avaliar a frequência respiratória e o padrão ventilatório. Na ventilação espontânea serve para detectar a presença de pausas respirató- rias prolongadas e/ou alterações de ritmo. 3. Detectar situações de ventilação do espaço morto ou shunt intrapulmonar mediante a avaliação do PetCO2-PaCO2. Principais indicações da capnografia 1. Em situações normais do parênquima pulmo- nar e de sua perfusão, se considera a PetCO2 um reflexo fiel da arterial, o que permite dimi- nuir o número de gasometrias.2. É muito útil na monitorização da intubação endotraqueal e no seguimento da retirada da ventilação mecânica. 3. Na alteração da relação ventilação-perfusão pode ser arriscado confiar apenas na pressão de CO2 expirado como indicativa da arterial, porém pode-se usar o gradiente e sua variação como uma orientação evolutiva. ObtençãO de dadOs da mecânica respiratória Todos os dados disponíveis na tela do ventilador provêm de três variáveis básicas: fluxo, tempo e pressão (Figura 11.2). Fluxo Tempo Pressão Volume corrente Complacência Resistência Constante de tempo Figura 11.2: Representação esquemática da sequência de obtenção de dados da mecânica respiratória . Se o fluxo for quantificado e o multiplicarmos pelo tempo de avaliação, obtemos o volume de gás que passou no período de tempo medido. Desse modo, tor- na-se possível a obtenção do volume de gás. Com a aju- da de um sistema computadorizado microprocessado é muito simples dividir tanto a fase inspiratória como a fase expiratória em intervalos de tempo muito curtos. 82 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria Calculando o fluxo a cada um desses intervalos e integrando o valor de todos os intervalos de cada fase, obtém-se o volume final tanto na fase inspiratória como na fase expiratória do ciclo. Fica claro que o ponto críti- co desse processo é a obtenção precisa do valor do flu- xo, uma vez que a obtenção dos valores de pressão e de tempo é bastante simples e precisa. Vários métodos estão disponíveis para a determi- nação do fluxo de um gás, incluindo o pneumotacógra- fo e o anemômetro termocalibrado (fio aquecido). O pneumotacógrafo consiste em um sistema de interrupção parcial do fluxo, obtido geralmente pela interposição de uma membrana multiperfurada, e de duas câmaras, uma anterior e outra posterior à interrup- ção. Com a passagem do gás, a pressão na câmara an- terior à interrupção torna-se maior do que a pressão na câmara posterior, sendo esse gradiente de pressão pro- porcional ao fluxo. Se essa relação (fluxo/gradiente de pressão) for linear, pode-se, depois da calibração inicial do sistema com fluxos e pressões conhecidos, determi- nar o fluxo a partir da diferença de pressão observada entre as câmaras, esse sim um dado facilmente obtido por meio de sensores de pressão. De modo semelhante, a passagem do fluxo de gás pelo anemômetro termocalibrado (fio aquecido) leva a uma redução na temperatura do fio, haven- do necessidade de um aumento da corrente elétrica que aquece o fio para se retornar à temperatura ori- ginal. Após uma calibração inicial do sistema pode-se aferir o fluxo de gás por meio da variação de tempe- ratura obtida, dado esse que é obtido sem maiores dificuldades. Limitação dos métodos de medida de mecânica respiratória Variabilidade da massa corpórea do paciente A crítica que deve ser feita a esses processos se refere à variabilidade de fluxos que se pretende determinar, pois nos extremos de leitura os sistemas perdem a sua linearidade e, portanto, a sua precisão. Por exemplo, um recém-nascido prematuro com mas- sa corpórea de 600 g sendo ventilado com um volume corrente de 8 mL/kg com um tempo inspiratório de 0,5 s determina um fluxo de gás da ordem de 0,576 L/ min; já um adulto de 70 kg sendo ventilado com um volume corrente de 600 mL em 1 s determina um fluxo de 36 L/min. Fica claro que um equipamento que se disponha a medir fluxos tão diversos não terá precisão na avaliação dos extremos, levando a erros na leitura do fluxo (e portanto nos cálculos subsequentes de me- cânica respiratória) quando esse valor for muito baixo. Assim, esses equipamentos podem incorrer em erros de medição que, mesmo sendo tão pequenos quanto da ordem de 5 mL, se tornam inaceitáveis para a ava- liação da mecânica respiratória no prematuro. Em resumo, na monitorização da mecânica res- piratória de recém-nascidos, principalmente nos pre- maturos, deve-se preferencialmente trabalhar com equipamentos que possuam uma faixa de massa corpó- rea de trabalho relativamente estreita, evitando utilizar equipamentos que teoricamente seriam adequados para grandes faixas de massa corpórea, abrangendo do recém-nascido ao adulto (Figura 11.3). Figura 11.3: Relação entre a resistência e a somatória dos diâmetros das vias aéreas. Local da determinação do fluxo Uma segunda crítica a esses equipamentos de monitorização se refere ao local da medição. Quando esta é feita junto ao corpo do aparelho, parte do volu- me medido reflete variações de volume do circuito do ventilador, tanto na fase inspiratória como na fase ex- piratória. Essa variação de volume será função tanto do comprimento do circuito como de sua complacência, devendo ser descontados da leitura final, o que pode resultar em erros de avaliação. De um modo geral, para a obtenção de valores mais precisos como na medição da mecânica respira- tória de prematuros extremos, em que os volumes cor- rentes absolutos são valores muito baixos (4 a 15 mL), deve-se optar por equipamentos que façam as determi- nações entre o circuito do ventilador e o intermediário da cânula traqueal, avaliando-se apenas o volume de gás que entra e sai do paciente, não sendo necessário o desconto da complacência do circuito. 83 Monitorização Respiratória em Ventilação Mecânica Interpretação dos dados de função respiratória Volume corrente, volume minuto, complacência pulmonar dinâmica e resistência das vias aéreas O volume corrente alvo ideal a ser utilizado se si- tua na faixa de 6 a 10 mL/kg, portanto equipamentos para uso em prematuros extremos devem ter precisão na medição de valores tão baixos quanto 4 a 5 mL, com erros de medida não superiores a 0,25 mL (5% do volu- me corrente desejado). De rotina deve-se observar a diferença entre os volumes medidos na fase inspiratória e na fase expirató- ria do ciclo, sendo que este último geralmente é menor do que o primeiro, em decorrência da perda de volume ao redor das cânulas fixadas sem cuff. Uma diferença de até 10% entre esses volumes é aceitável, e diferen- ças maiores sugerem que a cânula traqueal em uso não está de tamanho adequado em relação ao diâmetro da traqueia do paciente. A ausência de escape (volume corrente inspiratório igual ao expiratório) sugere que o ajuste está adequado ou que já pode estar ocorrendo algum grau de edema ao redor da cânula traqueal. O ajuste do volume corrente no ventilador se faz por emio da amplitude da pressão ventilatória (PV), ou seja, a diferença entre o pico da pressão inspiratória (PIP) e a pressão expiratória final positiva (PEEP), de- pendendo também da complacência pulmonar. Dessa maneira, em pulmões colapsados (com baixa capacida- de residual funcional) ou excessivamente distendidos (elevada capacidade residual funcional) os aumentos da pressão ventilatória produzirão menos efeito sobre o volume corrente do que em pulmões com complacên- cia próxima ao normal. O volume corrente tem influência direta na venti- lação alveolar, e quando excessivo geralmente é acom- panhado de hipocapnia. Por isso, quando a gasometria revelar PaCO2 ≤ 40 mmHg, deve-se ter em mente que o volume minuto excessivo pode não ser consequente a uma elevada frequência respiratória, mas sim a um vo- lume corrente muito elevado, facilmente corrigido pela redução do pico de pressão inspiratória (reduzindo a pressão ventilatória). A monitorização contínua do volume minuto propicia um bom acompanhamento da ventilação al- veolar, permitindo uma redução na coleta de gaso- metrias se os valores permenecerem estáveis. Como o volume corrente, o volume minuto deve ser analisado preferencialmente na fase expiratória, e é determinado pelo cálculo: Volume minuto expiratório = Frequência respira- tória X Volume corrente expiratório. A determinação da complacência pulmonar di- nâmica (CDin) é feita por meio do cálculo: CDin = ∆Vc/ ∆PV em que ∆Vc representa a variação do volume e ∆PV representa a variação da pressão nos pontos zerode fluxos inspiratório e expiratório. A complacência tem grande utilidade quando empregada de modo sequen- cial, sendo particularmente útil na determinação de sobredistensão. A resistência (R) das vias aéreas é determinada por meio de mudanças da PV e das mudanças de fluxo nas vias aéreas, através da fórmula: R = ∆PV/∆Φ em que ∆Φ representa a variação do fluxo. Na árvore respiratória normal o ponto de maior resistência é a região da glote, podendo ser elevada de maneira anormal na via distal na presença de bron- quiconstrição. A maioria das doenças respiratórias nos recém-nascidos cursa sem elevação significativa da re- sistência das vias aéreas distais, diferentemente do que ocorre na UTI Pediátrica. Monitorização da ventilação por meio da curvas de volume, fluxo e pressão A monitorização da ventilação por meio de curvas já está incorporada aos respiradores mais modernos, per- mitindo essa avaliação de maneira constante e em tem- po real. As principais curvas são de interesse clínico são: A. Curvas tempo-volume: nessa modalidade é possível acompanhar o volume inspiratório (alça ascendente), a duração de pausa inspi- ratória (igualdade de pressão entre o respira- dor e os pulmões, sem haver deslocamento de volume gasoso) e a fase expiratória (ramo descendente da curva) (Figura 11.4). Permite diagnosticar escape gasoso (folga ao redor do tubo, por exemplo); aprisionamento de ar (não há exalação completa na fase expirató- ria); pausa expiratória excessive; entre outras. Figura 11.4: Curva de volume e tempo, onde estão representadas a fase inspiratória (ramo ascendente), a pausa respiratória (platô, com igualdade de pressões no sistema) e a fase expiratória (ramo descendente). 84 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria B. Curvas tempo-pressão: nessa modalidade é possível acompanhar o efeito da pressão durante as fases inspiratória e expiratória (Figuras 11.5 e 11.6), assim como nos diver- sos modos de ventilação (pressão ou volume controlada, SIMV, pressão de suporte etc.). Figura 11.5: Curva tempo-pressão, onde estão representados os valores pressóricos obtidos durante a ventilação por pressão de suporte e durante os ciclos do respirador (SIMV). Figura 11.6: Gráfico tempo-pressão mostrando: (A) o início do ciclo inspiratório até o final da ascensão da pressão inspiratória máxima (PIP); (B) o platô da PIP; (C) o término da fase inspiratória e queda da pressão até a PEEP. C. Curvas pressão-volume: nessa modalidade é possível acompanhar a interação da pressão ofertada com a mudança de volume pulmonar, tanto na fase inspiratória como na expiratória. É possível determinar o ponto de inflexão infe- rior (Figura 11.7), onde se dão a abertura das vias aéreas e pulmonar (recrutamento), a me- lhor relação entre a PIP e o volume corrente, assim como o ponto de inflexão superior e a zona de hiperdistensão, onde grandes pres- sões inspiratórias geram volumes correntes diminutos. Figura 11.7: Curva de pressão x volume. Na etapa inferior da fase inspiratória, há incremento na pressão inspiratória positiva sem grandes mudanças no volume ofertado (hipoventilação e atelectasias), pois a PIP é inferior à pressão de abertura das vias aérea e alveolar. Ao ultrapassar o ponto de inflexão inferior observa-se a melhor relação entre o aumento da PIP e o volume corrente ofertado (janela segura). Após ultrapassar o ponto de inflexão superior, aumentos na PIP geram pequenos aumentos no volume corrente, com maior risco de volutrauma e barotrauma. D. Curva fluxo-tempo: por meio da curva de fluxo-tempo pode-se obter uma série de in- formações, desde a presença de quantidade excessiva de secreção nas vias aéreas (gráfico irregular) até a falta de sincronia entre a crian- ça e o ventilador (presença de fluxo espontâ- neo antes do final da fase inspiratória ou da fase expiratória). Uma grande utilidade prática do gráfico fluxo-tempo é para a detecção de tempo inspiratório ou expiratório excessiva- mente curto, este último causando auto-PEEP, representados graficamente pela falta de fluxo zero no final da fase inspiratória ou expiratória, respectivamente (Figura 11.8). Figura 11.8: Gráfico fluxo-tempo mostrando fluxo zero no final dos ciclos inspiratórios. 85 Monitorização Respiratória em Ventilação Mecânica E. Curva fluxo-volume: a curva fluxo-volume é útil para demonstrar limitações do fluxo tanto inspiratório como expiratório. Quando há limitação do fluxo expiratório ocorre um achatamento da fase descendente da curva, enquanto limitações do fluxo inspiratório re- sultam em achatamento da fase ascendente (Figura 11.9). É importante salientar que quan- do a criança apresenta respiração espontânea, particularmente quando ocorre assincronia com o ventilador, ocorrem deformações da cur- va fluxo-volume que não representam necessa- riamente limitação do fluxo nas vias aéreas, mas sim artefatos resultantes da assincronia. Figura 11.9: Curvas fluxo-volume (fluxo na vertical) representando: situação normal; (B) fluxo restrito em um recém-nascido prematuro sob ventilação mecânica; (C) obstrução parcial das vias aéreas; (D) resistência expiratória aumentada. bibliOgrafia 1. Ruza F, Alvarado F, Oliva P. Monitorização em UTI Pediátrica. In: Piva JP et al. Terapia Intensiva em Pediatria. 4 ed. Rio de Janeiro: Medsi 1997. pp. 677-707. 2. Alvarez AC. Monitorización de la ventilación mecánica: gasometría y equilibrio acidobasico. Ann Pediatr (Barc) 2003;59:252-8. 3. Ramirez JB Monitorización de la función respiratoria: curvas de presión, volúmen y flujo. Ann Pediatr (Barc) 2003;59:265-78. 4. Sivan Y, Pizarro C. Monitorização e avaliação da função pulmonar. In: Carvalho W et al. Ventilação pulmonary e mecânica em neonatologia e pediatria. 2 ed. São Paulo: Atheneu, 2005. pp. 387-397. 5. Prie MB, Grant M, Welnick M. Financial impact of elimination of routine chest radiographs in pediatric intensive care unit. Crit Care Med 1999;27:1588-93. 6. Helfaer M. To chest x-rays and beyond. Crit Care Med 1999;27:1676-77. 7. Hll JB, White SR, Harrison T. Efficacy of daily routine chest radiographs in intubated mechanically ventilated patients. Crit Care Med 1991:19;689-93. 8. Andrade O, Hirschheiner M. Gasometria. In: Carvalho W et al. Ventilação pulmonar mecânica em Neonatologia e Pediatria. 2 ed. São Paulo: Atheneu, 2005. pp. 369-76. 9. Piva JP, Garcia PC, Amantéa S. Ventilação mecânica em Pediatria. In: Piva JP et al. Medicina Intensiva em Pediatria. 1 ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2004. pp. 487-508. 10. Bruno F, Santana JC, Lago P. Distúrbios hidroeletrolíticos na criança. In: Piva JP et al. Medicina Intensiva em Pediatria. 1 ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2004. pp. 317-47. 11. Lasaosa FJ, Ódena MP. Pulsiometría y capnografía. Ann Pediatr (Barc) 2003;59:259-64. 12. Faiçal A, Proença Filho J. Oximetria e capnografia. In: Carvalho W et al. Ventilação pulmonar e mecânica em Neonatologia e Pediatria. 2 ed. São Paulo: Atheneu, 2005. pp. 377-86. 13. Bohnhorst B, Peter SC, Ports CHF. Pulse oximeter’s reliability in detecting hipoxemis and bradicardia. Comparison between a conventional and two new generation oximeters. Crit Care Med 2000;28:1565-8. 14. Sulivan KJ, Kisson N, Goodwin SR. 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Etiologias (Tabela 12.1) Tabela 12.1: Causas de alcalose metabólica Associadas à contração do volume extracelular Cloro urinário baixo � Perda de secreção gástrica (vômitos, drenagem gástrica) � Perda intestinal de NaCl (adenoma viloso do cólon, cloridorreia congênita) � Uso remoto de diuréticos � Pós-correção de hipercapnia crônica � Fibrose cística Cloro urinário alto � Uso atual de diuréticos � Síndrome de Bartter � Síndrome de Gitelman Associadas ao aumento do volume extracelular � Ingestão de álcali na presença de redução importante da taxa de filtração glomerular � Excesso de mineralocorticoide � Hiperaldosteronismo primário � Hiperaldosteronismo secundário Hipomagnesemia Fisiopatologia A alcalose metabólica ocorre quando há aumen- to da concentração plasmática de HCO3 - e diminuição da concentração de íons H+ no fluido extracelular. O aumento da concentração de HCO3 - pode ser devido ao aumento do conteúdo de HCO3 - no fluido extrace- lular ou à diminuição do volume do compartimento extracelular. O aumento do conteúdo de HCO3 - no flui- do extracelular pode ocorrer pela adição de HCO3 - ao compartimento extracelular, secundária à perda de um ânion, como o Cl-, ou à retenção de um cátion, como o Na+. No compartimento intracelular ocorrem eventos importantes, como a perda de potássio e o ganho de só- dio e H+, e consequentemente sobrevêm acidose intra- celular e depleção de potássio. A hipocalemia promove aumento da concentração de HCO3 - no extracelular pelo aumento da produção e da excreção de NH4 +. Além dis- so, a hipocalemia diminui a excreção de HCO3 - por cau- sa da diminuição da taxa de filtração glomerular e do aumento da reabsorção de HCO3 - pelo túbulo proximal (Fluxograma 12.1). Diagnóstico Identificar a causa básica pela anamnese: história de vômito, diarreia, uso de diurético, hipertensão arte- rial, doença pulmonar crônica, insuficiência renal, ante- cedentes familiares. Ao exame físico, avaliar o volume extracelular: pacientes com história de vômitos ou uso 12 Ana Carlotti 88 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria de diuréticos apresentam contração do volume extra- celular, enquanto hipertensão arterial e expansão do volume extracelular sugerem excesso de mineralocorti- coide (Fluxograma 12.2). Os exames urinários úteis ao diagnóstico diferencial da alcalose metabólica estão na Tabela 12.2. Tabela 12.2: Exames urinários úteis no diagnóstico de alcalose metabólica Causa [Na+] urinário [Cl–] urinário pH urinário Volume EC diminuído vômito (recente) vômito (remoto) diurético (recente) diurético (remoto) síndrome de Bartter pós-hipercapnia perda de Cl- em diarreia ↑ ↓ ↑ ↓ ↑ ↓ ↓ ↓ ↓ ↑ ↓ ↑ ↓ ↓ > 7* < 6 < 6 < 6 6-6,5 < 6 < 6 Volume EC normal ou aumentado ↑ ↑ 5-8 Legenda: EC = extracelular; ↑ = > 20 mEq/L; ↓ = < 20 mEq/L. * = urina alcalina devido a bicarbonatúria. Manifestações clínicas da alcalose metabólica Diminuição do drive respiratório, hipóxia, hiper- capnia, desvio da curva de dissociação da oxi-hemo- globina para a esquerda e diminuição da liberação de oxigênio aos tecidos. (Fluxograma 12.2) Tratamento Inicialmente deve-se identificar a base do déficit e repor de acordo. Em pacientes com contração do volume extracelular a administração de NaCl restaura o volume extracelular e diminui a concentração de HCO3 - por dilui- ção. Além disso, a expansão do volume extracelular leva a bicarbonatúria. A administração de potássio é necessária para a correção da acidose intracelular e do déficit de po- tássio. Esse grupo é denominado “responsivo a cloreto”. Ressalta-se que em situações de diminuição do volume circulante efetivo e expansão do extracelular, como em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva em uso de diuréticos, devem-se administrar somente suplemen- tos de KCl, sendo a administração de Na+ não recomen- dada, pois o K+ entra na célula e o Na+ sai, adicionando Na+ extra ao compartimento extracelular, que deverá ser eliminado pelo organismo. O outro grupo, denominado “resistente a clore- to”, não responde à administração de sais de cloro e não apresenta contração do volume extracelular. Esse tipo Fluxograma 12.1: Bases fisiopatológicas da alcalose metabólica. (Adaptado de Halperin, 2004.) Fluxograma 12.2: Abordagem diagnóstica do paciente com alcalose metabólica . 89 Interpretação de Gasometrias Interpretação de Gasometrias de alcalose metabólica ocorre mais comumente em pa- cientes com hiperaldosteronismo e requer o tratamen- to específico da causa básica. Agentes que bloqueiam a reabsorção de Na+ no duto coletor, como a amilorida, e antagonistas da aldosterona, como a espironolactona, podem ser úteis. O inibidor da anidrase carbônica ace- tazolamida tem sido utilizado para melhorar a alcalemia durante o desmame da ventilação mecânica, mas pode agravar a depleção de potássio. Alguns autores reco- mendam a infusão de soluções ácidas de HCl ou NH4Cl. Em pacientes com insuficiência renal e alcalemia grave (pH > 7,7) pode ser necessária a realização de diálise, com banhos contendo baixa concentração de HCO3 -. acidOse respiratória Definição Acidose respiratória é definida por aumento da PaCO2 e da concentração de H + no plasma, decorrente do desequilíbrio entre a produção de CO2 pelo metabo- lismo e sua eliminação pelos pulmões. [H+] = (24/[HCO3–]) x PCO2 Respostas fisiológicas: 1. Acidose respiratória aguda: para cada mmHg de aumento na PaCO2 acima de 40 mmHg a concentração de H+ sobe 0,8 nmol/L acima de 40 nmol/L. A concentração plasmática de HCO - sobe 1 mEq/L para cada 10 mmHg de aumen- to na PaCO2. 2. Acidose respiratória crônica: para cada mmHg de aumento na PaCO2 acima de 40 mmHg a concentração de H+ sobe 0,3 nmol/L acima de 40 nmol/L. A concentração plasmática de HCO3 - sobe 3 mEq/L para cada 10 mmHg de aumento na PaCO2. Etiologias (Tabela 12.3) Tabela 12.3: Causas de acidose respiratória Depressão do centro respiratório � Drogas (sedativas, anestésicas) � Encefalopatia hipóxico-isquêmica � Trauma cranioencefálico � Infecções (meningites, encefalites) Doenças neuromusculares � Síndrome de Guillain-Barré � Miastenia grave � Esclerose lateral amiotrófica Distúrbios metabólicos � Hipofosfatemia � Hipomagnesemia � Hipopotassemia � Alcalose metabólica grave Bloqueio neuromuscular por drogas Patologias obstrutivas de vias aéreas � Obstrução de vias aéreas superiores • Laringite • Epiglotite • Corpo estranho � Obstrução de vias aéreas inferiores • Asma brônquica • Bronquiolite • Compressão extrínseca Patologias restritivas do parênquima pulmonar � Fibrose pulmonar � Cifoescoliose Diminuição da complacência pulmonar � Edema pulmonar � Pneumonia � Síndrome do desconforto respiratório agudo Patologias abdominais . Aumento da pressão intra-abdominal e elevação do diafragma � Ascites volumosas � Tumores abdominais � Hemorragia intra-abdominal � Obstrução do trato gastrintestinal Diminuição do transporte de CO2 � Choque Fisiopatologia A acidose respiratória resulta de acúmulo de CO2 e geração de H + devido a falha dos pulmões em remover o CO2 produzido pelo metabolismo. Consequentemente ocorre aumento da PCO2 alveolar e da PaCO2. O aumento agudo da PaCO2 leva a um pe- queno aumento da concentração plasmática de HCO3 -, devido ao tamponamento intracelular de H+ e à perda de HCO3 - das células em troca por Cl-. Na acidose res- piratória crônica a acidemia resultante da hipercapnia prolongada leva ao aumento da excreção de NH4 + e da reabsorção indireta de HCO3 -. Além disso, ocorre au- mento da reabsorção proximal de HCO3 -, que também contribui para a elevação da concentração plasmática de bicarbonato. 90 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria Diagnóstico Pela anamnese e exame físico deve-se investigar a presençade doença pulmonar crônica. Pela avaliação da gasometria deve-se analisar o aumento da PaCO2 em relação ao estado acidobásico e à resposta fisioló- gica esperada, determinando se o quadro está compen- sado ou não e a possibilidade de um distúrbio misto (Fluxograma 12.3). Manifestações clínicas da acidose metabólica Rubor facial e de extremidades, dispneia ou bra- dipneia (em pacientes com depressão do centro respi- ratório), ansiedade, delírio, tremores, crises convulsivas e coma. Tratamento Consiste na melhora da ventilação, se necessário com a utilização de ventilação mecânica e o tratamento da causa básica. alcalOse respiratória Definição Alcalose respiratória é definida pela diminuição da PaCO2 e da concentração de H + no plasma, decor- rente da eliminação excessiva de CO2 pelos pulmões, relativa à sua produção pelo metabolismo. Respostas fisiológicas 1. Alcalose respiratória aguda: para cada mmHg de redução na PaCO2 abaixo de 40 mmHg a concentração de H+ cai 0,8 nmol/L abaixo de 40 nmol/L. A concentração plasmática de HCO3 – cai 2 mE- q/L para cada 10 mmHg de queda na PaCO2. 2. Alcalose respiratória crônica: para cada mmHg de redução na PaCO2 abaixo de 40 mmHg a concentração de H+ cai 0,2 nmol/L abaixo de 40 nmol/L. A concentração plasmáti- ca de HCO3 – cai 5 mEq/L para cada 10 mmHg de queda na PaCO2. Etiologias (Tabela 12.4) Tabela 12.4: Causas de alcalose respiratória Estímulo dos quimiorreceptores periféricos � Hipóxia � Afecções do parênquima pulmonar � Exposição a grandes altitudes � Anemia grave � Insuficiência cardíaca congestiva � Cardiopatia congênita cianosante Estímulo dos ramos aferentes pulmonares � Pneumonia � Edema pulmonar � Embolia pulmonar � Asma Estímulo do centro respiratório � Doenças do sistema nervoso central • Infecções • Trauma • Hemorragia subaracnoide • Tumor � Drogas • Salicilatos • Catecolaminas • Teofilina Miscelânea � Febre � Ansiedade � Sepse � Recuperação de acidose metabólica Ventilação pulmonar mecânica Fluxograma 12.3: Abordagem diagnóstica do paciente com acidose respiratória. (Adaptado de Halperin & Goldstein, 1998.) 91 Interpretação de Gasometrias Interpretação de Gasometrias Fisiopatologia A alcalose metabólica resulta de hiperventilação, com queda da PaCO2 e da concentração de H + no plas- ma. Consequentemente, ocorre queda da PCO2 alveo- lar e da PaCO2. A redução aguda da PaCO2 leva a uma pequena diminuição da concentração plasmática de HCO3 -, devido à captação celular de HCO3 - em troca por Cl-. Na alcalose respiratória crônica há inibição da reab- sorção de bicarbonato pelo túbulo proximal, resultando em bicarbonatúria e diminuição da concentração plas- mática de HCO3 –. Diagnóstico Pela anamnese e exame físico deve-se investigar a presença de doença associada com alcalose respirató- ria crônica. Pela avaliação da gasometria deve-se anali- sar a queda da PaCO2 em relação ao estado acidobásico e à resposta fisiológica esperada, determinando se o quadro está compensado ou não e a possibilidade de um distúrbio misto (Fluxograma 12.4). Manifestações clínicas da alcalose metabólica Arritmias cardíacas, parestesias faciais e periféri- cas, cãibras, confusão mental, síncope e crises convulsi- vas (por vasoconstrição cerebral). Tratamento Deve-se diminuir a hiperventilação, pelo uso de sedativos se necessário e tratar a causa básica. Casos comentados � Caso I: Criança de 5 anos de idade, com tumor do sistema nervoso central operado e sepse por infecção da corrente sanguínea relaciona- da a cateter venoso central, apresenta os se- guintes exames laboratoriais: Sangue arterial: pH 7,52, PO2 123 mmHg, PCO2 24 mmHg, HCO3 - 19 mEq/L, BE -2, Na+ 135 mE- q/L, K+ 3,2 mEq/L, Cl- 106 mEq/L, ureia 10 mg/ dL, creatinina 0,7 mg/ dL, lactato 1,24 mmol/L, glicemia 92 mg/dL. Urina: glicose negativa, corpos cetônicos ++. 1. Diagnóstico do distúrbio acidobásico: [H+] = (24/19) x 24 = 30 nmol/L ↑ pH, ↓ [H+] e ↓ PaCO2, sem história de alcalose respiratória crônica: Alcalose respiratória aguda. ↓ PaCO2 = 16 mmHg, ↓ [HCO3 –] = 6 mEq/L (> 2 mEq/L para cada 10 mmHg de queda na PaCO2) e ↓ [H+] = 10 nmol/L (< 0,8 nmol/L por mmHg ↓ PaCO2): Alcalose respiratória aguda e acidose metabólica. 2. Causas: alcalose respiratória por hiperventila- ção secundária a sepse e ansiedade e acidose metabólica devido ao jejum prolongado (evi- denciado por cetonúria). 3. Tratamento: antibioticoterapia, remoção do cateter contaminado, tranquilização da crian- ça e suporte nutricional. � Caso II: Lactente de 6 meses de idade, bronco- displásico, é internado no CTI Pediátrico com pneumonia, e os exames laboratoriais revelam: Sangue arterial: pH 7,34, PO2 54 mmHg, PCO2 85 mmHg, HCO3 - 44 mEq/L, BE 14, Na+ 133 mE- q/L, K+ 3,0 mEq/L, Cl- 93 mEq/L, ureia 11 mg/ dL, creatinina 0,4 mg/ dL, lactato 1,5 mmol/L, glicemia 85 mg/dL. Urina: Cl- 10 mEq/L, Na+ 8 mEq/L, pH 5. 1. Diagnóstico do distúrbio acidobásico: [H+] = (24/44) x 85 = 46 nmol/L ↓ pH, ↑ [H+] e ↑ PaCO2, com história de doen- ça pulmonar crônica: Acidose respiratória crônica. ↑ PaCO2 = 45 mmHg, ↑ [HCO3 –] = 19 mEq/L (> 3 mEq/L para cada 10 mmHg de aumento na PaCO2) e ↑ [H+] = 6 nmol/L (< 0,3 nmol/L por mmHg ↑ PaCO2): Acidose respiratória crôni- ca e alcalose metabólica. 2. Causas: acidose respiratória crônica secundária a displasia broncopulmonar e agravada pela pneumonia e alcalose metabólica secundária ao uso prolongado de diuréticos (com contra- ção do volume extracelular, evidenciada pelas baixas concentrações de sódio e cloro na urina). Fluxograma 12.4: Abordagem diagnóstica do paciente com alcalose respiratória. (Adaptado de Halperin & Goldstein, 1998.) 92 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria 3. Tratamento: melhorar a ventilação, se necessá- rio instituir ventilação pulmonar mecânica, hi- dratação cuidadosa do paciente e reposição do déficit de potássio pela administração de KCl. questões 1. Criança de 6 anos de idade, com síndrome ne- frótica idiopática, é internada na Enfermaria de Pediatria para tratamento de pneumonia lo- bar. Apresenta dispneia leve e edema generali- zado. No segundo dia de internação queixa-se de dor torácica e há piora do padrão respirató- rio. Os exames laboratoriais revelam: pH 7,40, PaO2 50 mmHg, PaCO2 25 mmHg, HCO3- 15 mEq/L, BE -9. Qual é o diagnóstico do distúrbio acidobásico? a. Alcalose respiratória aguda e acidose metabólica. b. Alcalose respiratória crônica. c. Acidose metabólica compensada. d. Alcalose respiratória aguda compensada. Resposta correta: a. 2. Qual é a provável causa do distúrbio acidobá- sico acima? a. Insuficiência renal aguda. b. Tromboembolismo pulmonar. c. Hiperventilação psicogênica. d. Perda de bicarbonato pela urina. Resposta correta: b. 3. Adolescente de 14 anos, sexo feminino, é le- vada ao serviço de saúde porque se encon- tra apática há 1 dia. Os exames laboratoriais mostraram: Sangue arterial: pH 7,48, PO2 120 mmHg, PCO2 45 mmHg, HCO3 - 32 mEq/L, BE 7, Na+ 130 mEq/L, K+ 2,5 mEq/L, Cl- 90 mEq/L. Urina: Cl- 0, Na+ 50 mEq/L, pH 8. Qual é o dis- túrbio acidobásico e qual sua causa? a. Alcalose metabólica, vômitos de início recente. b. Alcalose metabólica, uso prolongado de diurético. c. Alcalose metabólica e acidose respiratória, doença pulmonar crônica. d. Alcalose metabólica e alcalose respiratória. Resposta correta: a. 4. Escolar previamente hígido apresenta diarreia e fraqueza muscular há 1 dia. Os exames labo- ratoriais revelaram: pH 7,20, PaO2 55 mmHg, PaCO2 40 mmHg, HCO3 - 15 mEq/L, BE -9. Na+ 134 mEq/L, K+ 2,2 mEq/L, Cl- 107 mEq/L. Qual é o diagnóstico do distúrbio acidobásico? a. Acidose metabólica. b. Acidose metabólica e acidose respiratória aguda. c. Acidose respiratória aguda. d. Acidose respiratória aguda e alcalose metabólica Resposta correta: b. 5. Qual é a causa mais provável do distúrbio acima? a. Perda de bicarbonato pelas fezes. b. Perda de bicarbonato pelas fezes e hipoven- tilação secundáriaà hipocalemia. c. Acidose lática por hipóxia. d. Hipoventilação secundária à hipocalemia e perda de Cl- pelo trato gastrintestinal. Resposta correta: b. bibliOgrafia 1. Gerstler JG. Acidose e alcalose respiratória. In: Matsumoto T, Carvalho WB, Hirschheimer M. Terapia intensiva pediátrica. 2ed. São Paulo: Atheneu, 1997. 2. Gluck SL. Electrolyte quintet: Acid-base. Lancet 1998;352:474-9. 3. Halperin ML & Goldstein MB. Fluid, Electrolyte, and Acid-base Physiology. A problem-based approach. 3rd ed. Philadelphia: WB Saunders Company, 1998. 4. Halperin ML. The Acid Truth and Basic Facts with a Sweet Touch, an Enlytenment. 5th ed. Montreal: RossMark Medical Publishers, 2004. 5. Zatz R & Malnic G. Distúrbios do equilíbrio ácido-base. In: Zatz R (ed). Fisiopatologia renal. vol. 2. São Paulo: Atheneu, 2000. pp. 209-44. Sedação, Analgesia e Bloqueadores Neuromusculares intrOduçãO A necessidade de ventilação mecânica (VM) é uma das principais razões para um paciente ser admi- tido na unidade de terapia intensiva (UTI). Manter um conforto adequado é imperativo para que a VM atin- ja seus objetivos de assegurar uma via aérea, ventilar adequadamente e melhorar a oxigenação. Sedação e analgesia são, portanto, prioridade no planejamento terapêutico desses pacientes.1 A absorção, biodisponibilidade, ligação com re- ceptores, metabolismo e permeabilidade das drogas aos diversos órgãos são fatores que sofrem grandes mo- dificações desde a infância até a idade adulta. Quando comparados com adultos, por exemplo, os neonatos têm, proporcionalmente, maior quantidade de água corporal total, maior volume extracelular, maior vole- mia e maior débito cardíaco, com uma taxa de gordura significativamente menor, o que faz com que tenham uma resposta diferente quando lhes é administrada uma droga sedativa e/ou analgésica. A taxa de citocro- mo P-450 é maior em crianças, levando a uma maior de- puração de muitos medicamentos. A eliminação renal de muitas drogas está notadamente reduzida nos neo- natos, pois o fluxo sanguíneo renal e a taxa de filtração glomerular são menores. A filtração glomerular e a fun- ção tubular semelhante ao adulto só serão adquiridas por volta dos 6 meses de idade. sedaçãO Sedativos são usados de maneira rotineira em unidades de terapia intensiva pediátrica (UTIP) como adjuvantes no tratamento da ansiedade e da agitação psicomotora. A ansiedade e a agitação dificultam a ma- nutenção de uma VM sincronizada, provocam aumento do consumo de oxigênio e ocasionam remoção inad- vertida de sondas e cateteres. As causas de ansiedade e agitação nas crianças em VM são múltiplas: ruído excessivo do ambiente, ruptura do ciclo dormir-despertar, privação de sono, presença de pessoas e equipamentos não familiares, tubo endotraqueal, impossibilidade de comunicação, dor, hipoxemia, hipertensão arterial e síndrome de abs- tinência, entre outras. Deve-se identificar e remover a causa dessa agitação. A presença dos pais e palavras de conforto podem minimizar uma parte dessa ansiedade, porém, na grande maioria dos casos, será necessário o uso de sedativos e analgésicos. Os benzodiazepínicos são os sedativos mais utili- zados em unidades de terapia intensiva. Benzodiazepínicos Agem como ansiolíticos, anticonvulsivantes, hip- nóticos e relaxantes musculares. Não proporcionam alívio da dor. Causam amnésia anterógrada, isto é, im- pedem a aquisição e a codificação de novas informa- ções, o que diminui os traumas psicológicos inerentes ao estresse ao qual o paciente é submetido em uma UTI. Têm pouco ou nenhum efeito sobre a retenção ou a busca de informações previamente armazenadas, não proporcionando, portanto, amnésia retrógrada.2 Sua ação central faz-se por meio da facilitação inibitória do ácido gama-aminobutírico (GABA).2 Possuem pequena ação sobre o sistema car- diovascular, mas atuam de maneira importante sobre o sistema respiratório, podendo provocar depressão respiratória. O metabolismo é hepático e sua excreção é renal, portanto, nas insuficiências renal ou hepática, as doses devem ser reajustadas. Têm efeitos sinérgicos quando utilizados associados aos opioides, permitindo doses menores de ambas as drogas.1 Os principais ben- zodiazepínicos utilizados em UTIP são: midazolam, dia- zepam e lorazepam, e os seus efeitos sedativos podem ser revertidos pelo flumazenil. Diazepam Tem sido cada vez menos utilizado, pois possui uma meia-vida longa, de 20 a 50 horas, e um metabólito hipnoticamente ativo, o n-desmetil-diazepam, produ- zindo uma sedação prolongada, principalmente quan- do utilizado em doses repetidas.2 É pouco hidrossolúvel e tem metabolismo hepático. A dose varia de 0,1 a 0,5 mg/kg a cada 4 a 6 horas e pode ser administrado por VO, EV ou VR. Deve-se evitar a administração intramus- cular, por apresentar uma absorção imprevisível. O pico de ação, quando da administração intravenosa, ocorre em 3-4 minutos. A aplicação endovenosa rápida pode causar depressão respiratória e hipotensão.3 13 Vera Regina Fernandes Nilzete Liberato Bresoli 94 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria Midazolam Agente hidrossolúvel, duas a quatro vezes mais potente que o diazepam, com rápido início de ação e meia-vida de eliminação curta. O pico de efeito ocorre em torno de 3 a 5 minutos após a administração intrave- nosa. Possui metabolismo hepático e eliminação renal. Os efeitos sedativos podem ser prolongados por acú- mulo de metabólitos em pacientes com insuficiências hepática ou renal, em obesos ou com hipoalbumine- mia. Administração concomitantemente com opioides resulta em aumento do risco de parada respiratória. A depressão respiratória é dose-dependente.1 Hipotensão é um efeito indesejável relativamente frequente e, nos pacientes hipovolêmicos, pode ocorrer mesmo com doses baixas. Cimetidina e eritromicina interagem au- mentando o nível sérico do midazolam, e teofilina di- minui seu efeito sedativo. Seu uso prolongado induz à tolerância, e a sua retirada abrupta leva à síndrome de abstinência. A dose individual varia de 0,1 a 0,3 mg/kg EV. Em infusão contínua são preconizadas doses varian- do de 0,05 a 0,5 mg/kg/hora.3 Lorazepam Pico de ação em 1 hora, com meia-vida de 4 a 8 horas. Pode ser utilizado na retirada do midazolam em uso contínuo prolongado e também no tratamento da dependência e síndrome de abstinência aos opioides. Hipotensão e depressão respiratória poderão ocorrer, principalmente quando usado em associação com opioides. Efetivo por VO, IM ou EV, porém no Brasil só há a apresentação em comprimidos. A dose EV é de 0,03 a 0,10 mg/kg (máximo de 2 mg/dose), e a VO é de 0,05 a 0,2 mg/ kg (máximo de 4 mg/dose) a cada 4 a 8 horas. Flumazenil Antagonista puro, que atua competitivamente, inibindo o complexo receptor GABA-benzodiazepínico no sistema nervoso central. Reverte a depressão res- piratória, a amnésia, os efeitos sedativos e também a reação excitatória paradoxal que ocorre em algumas crianças com o uso dos benzodiazepínicos. A meia-vida é geralmente mais curta que a dos benzodiazepínicos. Será necessário observar o paciente por um período prolongado para assegurar-se de que os efeitos inde- sejados dos sedativos não recorrerão. Dose inicial 0,01 a 0,02 mg/kg. Se a resposta for inadequada, pode ser repetido a cada 2 minutos até uma dose máxima de 1 mg. Deve ser administrado com precaução em pacien- tes com história prévia de distúrbios convulsivos, pois pode desencadear convulsões.4 Outros Sedativos Não Benzodiazepínicos Propofol Anestésico endovenoso, de ação ultrarrápida. Está indicado para a sedação profunda durante proce- dimentos em associação com os opioides ou como dro- ga isolada. É altamente lipossolúvel, o que faz com que atravesse rapidamente a barreira hematoencefálica. Não tem ação analgésica. Pode elevar os triglicerídeos séricos. Tem rápido início de ação e meia-vida curta, levando a um rápido despertar após suspensão de sua infusão. Proporciona hipnose,sedação e leve amnésia anterógrada. Tem propriedades anticonvulsivas e dimi- nui a pressão intracraniana. Pode provocar hipotensão, bradicardia e dor no local da infusão. A depressão ven- tilatória pode ser profunda, e, por esse motivo, só deve ser usado em ambientes seguros e sob a supervisão de anestesistas ou intensivistas. É pouco utilizado em infusão contínua em Pediatria por haver relato de crianças que desenvolve- ram a síndrome de infusão do propofol, que inclui aci- dose metabólica, hiperlipidemia, insuficiência cardíaca, arritmias e morte. Essa síndrome, que foi observada ini- cialmente em crianças, também tem sido descrita em adultos.1 Mais recentemente o propofol tem sido adicio- nado à lista de agentes usados para a sedação e analge- sia de crianças durante VM por períodos de até 24 horas, como um prolongamento do estado anestésico, em ca- sos selecionados. A experiência clínica do seu uso para períodos prolongados ainda é limitada, especialmente em crianças.4,5 A dose recomendada é de 0,5 a 4 mg/kg, seguida por infusões de 25 a 250 µ/kg/min. Doses me- nores de até 75 µ/kg/min minimizam a possibilidade de ocorrência da síndrome de infusão do propofol. O uso prolongado pode levar a tolerância e abstinência.5,6 Cetamina É um anestésico dissociativo que produz sedação, amnésia e analgesia. Diminui o broncoespamo e a resis- tência das vias aéreas em asmáticos, sendo considera- da droga de escolha para a sedação desses pacientes. Pode produzir alucinações, porém esse efeito é menos incidente em crianças e pode ser reduzido com a admi- nistração prévia e concomitante de benzodiazepínicos. Pode ser usada como um suplemento em esquemas de sedação com opioides e benzodiazepínicos em crianças submetidas a VM. Tem metabolismo hepático. Embora tenha propriedades vasodilatadoras, preserva a esta- bilidade hemodinâmica por seus efeitos simpáticos se- cundários, com liberação de epinefrina e norepinefrina. Ocasiona aumento da frequência cardíaca, da pressão arterial sistêmica, das secreções em vias aéreas e espas- mo laríngeo. Aumenta o consumo cerebral de oxigênio, 95 Sedação, Analgesia e Bloqueadores Neuromusculares o fluxo sanguíneo cerebral e a pressão intracraniana, sendo contraindicada em pacientes com hipertensão intracraniana. Não deve ser utilizada em crianças me- nores de 3 meses. A dose EV individual é de 1- 4 mg/ kg. Em infusão contínua, a dose inicial para pacientes em VM é de 10 a 15 µ/kg/min, podendo ser aumenta- da a até 60 µ/kg/min, de acordo com o efeito desejado. A dose broncodilatadora oscila entre 20-40 µ /kg/min. Analgesia pode ser obtida com doses tão baixas quanto 5 µ/kg/min. O pico de ação ocorre em 1 minuto, com recuperação total do paciente em 1-2 horas. O uso pro- longado pode induzir tolerância.5,6 Clonidina Agonista central alfa-2 de adrenorreceptores que resulta em diminuição dos níveis circulantes de epinefrina e norepinefrina, e que previne muitos dos sintomas da liberação excessiva de catecolaminas durante a retirada dos opioides. Induz hipotensão, analgesia e sedação. Pode provocar bradicardia. É ra- pidamente absorvida por via oral e tem uma meia-vida de 9 a 12 horas. Tem metabolismo hepático e renal. O uso de clonidina deve ser considerado quando o es- quema padrão de sedativos analgésicos for insuficien- te ou inadequado. Outras aplicações clínicas incluem o manejo das crises autonômicas após dano cerebral grave ou síndrome de abstinência secundária à retira- da dos opioides e sedativos. A dose é de 1 a 2 µ/kg, via oral, a cada 6 horas.2 Hidrato de Cloral Sedativo e hipnótico, sem efeito analgésico, de uso oral ou retal. A dose hipnótica pode ser alcançada com 40 a 100 mg/kg com mínima possibilidade de de- pressão respiratória. Doses inferiors a 40 a 60 mg/kg/dia são geralmente suficientes para o efeito sedativo. Sua metabolização é hepática, não devendo ser administra- do nos pacientes com insuficiência hepática. Pode cau- sar irritação gástrica. Seu uso em recém-nascidos deve ser cauteloso, pela possibilidade de acúmulo de meta- bólitos ativos, podendo desenvolver acidose metabóli- ca e hiperbilirrubinemia indireta e/ou direta. Tem efeito cumulativo, portanto, quando usado em doses intermi- tentes frequentes, pode induzir bradicardia, sedação profunda, depressão respiratória e cardíaca. Tem uso li- mitado nas UTIs, no entanto pode ser útil como indutor do sono noturno ou como agente sedativo suplemen- tar na criança submetida a VM, especialmente quando estas desenvolvem tolerância a outros sedativos.6 Tiopental Os barbituratos são agentes de segunda ou ter- ceira escolha para uso em sedação prolongada na UTI, quando os opioides e benzodiazepínicos falham. O tiopental é um anestésico potente, com rápido início de ação. A dose anestésica de 2-5 mg/kg leva a depressão respiratória, com necessidade de manutenção da via aé- rea pérvia. Depressão miocárdica e hipotensão arterial dose-dependente são seus principais efeitos adversos e, por isso, devem ser evitados em pacientes com insta- bilidade cardiocirculatória. Outros efeitos adversos são depressão respiratória, tosse, laringoespasmo e anafila- xia. Em geral, os barbitúricos não devem ser adminis- trados a crianças com asma grave porque estimulam a liberação de histamina. Uma de suas indicações pode ser o manuseio de crianças com estado de mal convulsivo refratário. Neste caso é administrado em infusão contínua de 1 a 5 mg/kg/h. O uso de infusão de tiopental pressupõe o uso de vasopressores e suporte ventilatório. Em pacientes obesos ou com comprometimento hepático, e espe- cialmente após uso prolongado, pode-se observar um longo período de sedação, mesmo após a suspensão da droga. O uso prolongado pode resultar em tolerân- cia e abstinência.2,6 Analgesia As crianças, principalmente as que estão em VM, são frequentemente inábeis para comunicar ade- quadamente suas necessidades, incluindo o controle da dor. O estresse provocado pela dor pode produzir complicações pulmonares, gastrointestinais, cardio- vasculares, hematológicas, psicológicas e metabólicas, agravando o quadro clínico. O paciente agitado que está “brigando” com o respirador pode estar sentindo uma dor significativa. A dor pode ocorrer por traumas, incisões cirúrgicas, procedimentos invasivos, infecções localizadas, queimaduras, imobilização inadequada ou mesmo pela simples presença do tubo endotraqueal e aspiração da via aérea. A analgesia adequada favorece o restabelecimento das funções vitais e a diminuição do tempo de VM. A dor pode manifestar-se por aumento da fre- quência cardíaca, aumento da pressão arterial, midría- se, lacrimejamento e agitação psicomotora. Muitas intervenções não farmacológicas tais como: posição correta do paciente, redução e estabilização de fratu- ras e eliminação de irritantes físicos podem evitar ou diminuir a necessidade de analgesia. As terapias far- macológicas fundamentam-se principalmente no uso de opioides, porém analgésicos não opioides podem ser utilizados como adjuvantes ou isoladamente, nas dores de menor intensidade. Métodos para quantificar a dor deveriam ser usados rotineiramente. Estudos de diferentes popula- ções de pacientes indicam que médicos e enfermeiras 96 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria proporcionam alívio inadequado da dor. Estudos em so- breviventes de UTI indicam uma alta lembrança de dor.7 Opioides As medicações opioides têm efeito sinérgico com drogas sedativas, particularmente com os benzodia- zepínicos. A combinação de analgésicos e sedativos fre- quentemente resulta no uso de doses menores de cada um deles.,2,6 Em alguns pacientes o uso isolado de um analgésico opioide poderá proporcionar alívio da dor e tranquilidade. Morfina e seus derivados são drogas que atuam por meio da interação com receptores opioides, pro- porcionando analgesia e sedação, sem causar amné- sia, e por esse motivo são frequentemente utilizados em associação com benzodiazepínicos.Os opioides têm metabolização hepática e eliminação renal, com possibilidade de sedação prolongada nos pacientes com insuficiência renal. Podem desencadear depressão respiratória, o que aumenta a necessidade de monito- rização sempre que forem utilizados. Podem induzir to- lerância após poucos dias de uso, e a redução da dose ou a suspensão abrupta pode levar aos sintomas de abstinência. Na ocorrência de efeitos colaterais graves pode-se utilizar um antagonista opioide, sendo a nalo- xona o mais utilizado. Morfina Pode induzir à liberação de histamina, causando hipotensão, prurido, broncoespasmo e vermelhidão cutânea. Prurido, náuseas e retenção urinária são efei- tos colaterais bastante comuns. Tem eliminação renal. O início de ação é rápido, com pico em 20 minutos e dura- ção aproximada de 60 minutos. Existe grande variação da resposta individual. Sua farmacocinética é influen- ciada pela idade. Os recém-nascidos são mais suscetí- veis à depressão respiratória provocada pela morfina do que as crianças maiores e os adultos. Doses elevadas podem provocar bradicardia e depressão cardiovascu- lar e respiratória. Hipotensão ortostática poderá ocorrer mesmo em doses discretas. É útil para bloqueios locor- regionais. A dose para uso intermitente é de 0,05 - 0,2 mg/kg/dose por via EV ou SC e em infusão contínua EV é de 0,025 - 2 mg/kg/hora.2,6 Fentanil Opioide semissintético, com inicio de ação muito rápido, o que facilita o seu uso para procedimentos inva- sivos, na unidade de terapia intensiva. É cem vezes mais potente que a morfina. Libera menos histamina que a morfina, proporcionando pouca instabilidade cardio- vascular, mesmo em doses elevadas, e por isso é muito utilizado nos pós-operatórios de cirurgias cardíacas. Por possuir uma meia-vida de eliminação prolongada (de até 21 horas, após longo período de infusão), deve ser utilizado com cautela quando sob a forma de infusão contínua ou em grandes doses. A taxa de metabolismo é dependente do fluxo sanguíneo hepático, e sua elimi- nação é mais rápida nas crianças do que nos adultos. A tolerância se desenvolve rapidamente, necessitando de aumento progressivo da dose. Doses cumulativas maio- res de 1,5 mg/kg e/ou uma duração de infusão superior a 5 dias estão relacionadas a uma chance de indução de tolerância de mais de 50%. Pode ocasionar rigidez da parede torácica e/ou da glote, bradicardia e hipoten- são arterial, principalmente quando utilizado em doses maiores de 5 µ/kg/hora ou quando administrado rapida- mente, em doses individuais. A dose intermitente EV é de 1 a 5 µ/kg ou 1 a 10 µ/kg/hora em infusão contínua. A rigidez de parede torácica pode ser revertida com o uso de naloxona. Os bloqueadores neuromusculares tam- bém são úteis nessa situação, uma vez que o uso isolado de naloxona pode não reverter rapidamente o quadro.2,6 Meperidina Opioide sintético com potência menor que a morfina. Pouco utilizada nas unidades de terapia in- tensiva pediátricas, pois o seu uso frequente ou em pacientes com insuficiência renal leva ao acúmulo do seu metabólito ativo, a normoperidina, resultando em efeito opioide prolongado bem como em neurotoxici- dade, manifestada por delírios, tremores, mioclonias e convulsões.1 É utilizada usualmente por via intravenosa, e a dose recomendada é de 1-1,5 mg/kg/dose a cada 3-4 horas, com dose máxima de 100 mg/vez. Em altas doses pode causar depressão miocárdica. Metadona É muito utilizada na prevenção e no tratamento da abstinência e da dependência. Tem efeito cumula- tive, que pode levar a uma sedação mais prolongada que a desejada. As doses e o regime de administração devem ser individualizados. No entanto, usualmente se inicia com doses de 0,05 a 0,2 mg/kg, VO ou EV, a cada 4 a 6 horas. Tramadol Analgésico opioide sintético indicado no tra- tamento da dor aguda de moderada intensidade. É parcialmente antagonizado pela naloxona. Efeitos cola- terais incluem: tontura, náuseas, boca seca, constipação, cefaleia, sudorese. Crises convulsivas podem ocorrer em pacientes que usam inibidores da monoaminoxidase (IMAO). Tem menor possibilidade de causar depressão respiratória que outros opioides. Sintomas de tolerân- cia, dependência e síndrome de abstinência poderão ocorrer com o uso prolongado. Vias de administração: oral, retal, subcutânea, intramuscular ou intravenosa. Possui restrições em Pediatria, porém tem sido utilizado em adolescentes em doses de 5 mg/kg/dia (máximo de 400 mg/dia) ou de 50 a 100 mg a cada 4 a 6 horas. 97 Sedação, Analgesia e Bloqueadores Neuromusculares Naloxona É um antagonista opioide puro, isto é, que não apresenta nenhum efeito agonista. Pode prevenir ou reverter efeitos dos opioids, tais como: depressão res- piratória, sedação e hipotensão. Pode também reverter parcialmente os efeitos analgésicos. As possíveis vias de administração são EV, IM, SC e intratraqueal. O início de ação é de 2 minutos, com duração de 20 a 60 minutos. Doses repetidas eventualmente podem ser necessárias para reverter o efeito opioide. A eliminação é hepática e é mais prolongada nos recém-nascidos. Dose: 0,01-0,1 mg/kg (máximo de 2 mg/dose).6 Analgésicos Não Opioides Os anti-inflamatórios não hormonais (AINH), bem como os analgésicos/antipiréticos tais como acetomi- nofen (paracetamol) e dipirona, podem ser utilizados para o tratamento da dor de intensidade fraca ou mode- rada, isoladamente ou em associação com os opioides. Os salicilatos atualmente têm uso restrito em Pediatria, devido ao risco aumentado para o desenvol- vimento da síndrome de Reye em crianças com varicela ou outras infecções virais. Bloqueadores Neuromusculares Os bloqueadores neuromusculares (BNM) estão indicados para a intubação endotraqueal e durante a VM para eliminar o assincronismo com o ventilador em crianças com insuficiência respiratória grave ou para re- duzir o risco de extubação acidental em crianças com via aérea instável. Para os pacientes com doença pulmo- nar ou cardíaca graves, os maiores benefícios com o seu uso são a redução no consumo de oxigênio sistêmico e do gasto de energia, pela eliminação da contração muscular esquelética. É utilizado em torno de 30% das crianças em VM.8,9 As crianças em uso de BNM podem manifestar a dor por aumento da frequência cardíaca, aumento da pressão arterial, variação no diâmetro pupilar e lacri- mejamento.3 Devido à dificuldade de avaliar correta- mente a dor nesses pacientes, é preferível mantê-los com níveis maiores de sedação e analgesia a expô-los ao desconforto e à dor. Um estimulador elétrico de nervo periférico pode ser utilizado para realizar essa monitorização. Fraqueza muscular após a interrupção de infusão contínua por tempo prolongado pode ser observada com o uso de todos os agentes não des- polarizantes, porém é menos frequente em crianças do que em adultos. Alguns estudos têm atribuído a ocorrência de miopatia em pacientes em UTI devido à combinação de corticosteroides e BNM durante a VM. O fator predisponente seria a hipersensibilidade dos músculos paralisados aos glicorticoides. Por esse moti- vo, pacientes usando bloqueadores neuromusculares e corticosteroides simultaneamente devem ser inten- samente monitorados no sentido de prevenção e/ou detecção precoce de miopatia.10 Os BNM não despolarizantes, tais como o pan- curônio, o vecurônio e o rocurônio, agem bloqueando os receptores pós-sinápticos da acetilcolina. Succinilcolina É o único agente despolarizante usado em crian- ças, porém o seu uso clínico na UTIP praticamente se restringe à intubação endotraqueal e ao tratamento do laringoespasmo. Em doses de 1,0 a 2 mg/kg EV, levará a depressão muscular em torno de 60 segundos. Crianças com menos de 3 anos poderão necessitar de doses de 3 mg/kg. Os efeitos colaterais incluem arritmias, hiper- calemia, mioglobinemia, fasciculações, hipertermia maligna. Pancurônio Relaxante muscular não despolarizante de longa ação. Início de ação em torno de 3 minutos. Induz ta-quicardia pelo seu efeito vagolítico. Não libera histami- na. Como resultado a pressão arterial tende a aumentar após o seu uso. Seus efeitos são aumentados por insufi- ciência renal, hipotermia, acidose, anestésicos, voláteis, succinilcolina, hipocalemia e aminoglicosídeos. Dose: 0,08 a 0,1 mg/kg/hora EV em infusão contínua ou em doses intermitentes de 1 em 1 hora. Vecurônio É um análogo monoquartenário do pancurônio, não despolarizante, de ação intermediária (2 minutos). A vantagem sobre o pancurônio é a não ocorrência de efeitos cardiovasculares. Não aumenta a pressão arterial. A duração do efeito clínico e o tempo de recuperação são mais curtos em lactentes quando comparados com ou- tros grupos etários. É primariamente metabolizado pelo fígado e excretado pela bile. Dose: 0,1 mg/kg/h. Rocurônio Relaxante neuromuscular não despolarizante de ação intermediária. Tem uma estrutura molecular muito similar à do vecurônio, com a mesma duração de ação, porém com início de ação quase duas vezes mais rápi- do. Dose: 0,6 mg/kg/hora. tOlerância, dependência, adiçãO e abstinência Tolerância É a diminuição no efeito da droga com o passar do tempo ou a necessidade de aumentar a dose para obter o mesmo efeito.5 Refere-se a mudanças no receptor ou 98 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria distais a ele, geralmente em nível celular. Quando ocor- re a tolerância farmacodinâmica os níveis plasmáticos da droga permanecem os mesmos, mas com um menor efeito sedativo e/ou analgésico.5 Tem sido sugerido que tolerância se desenvolve mais rapidamente com a infu- são contínua do que com a intermitente.1,5 Dependência e Adição A dependência física refere-se à necessidade do organismo em continuar a receber a droga para evitar os sinais de abstinência.5 Dependência psicológica é a necessidade de receber a substância devido aos seus efeitos eufóricos.5 Adição é um padrão complexo de comportamento caracterizado pelo uso repetitivo e compulsivo da substância, com comportamento antis- social ou ilegal para obter a droga e uma alta incidência de reincidência após tratamento. Dependência psicológica e adição são extrema- mente raras após o uso de analgésicos e sedativos para alívio da dor e ansiedade nas UTIP. Essa rara possibilida- de de ocorrência não deve limitar o uso desses agentes na prevenção e no tratamento da dor e da ansiedade em crianças e adolescentes. Abstinência É o aparecimento de sinais e sintomas quando a administração de sedativos ou analgésicos é desconti- nuada em um paciente que é fisicamente tolerante. A sintomatologia varia de paciente para paciente e pode ser afetada por fatores tais como: idade, agente envolvi- do, estado cognitivo e condição clínica. A abstinência está relacionada principalmente ao uso prolongado e a doses altas, cumulativas. Os pacien- tes que desenvolvem tolerância apresentam um risco aumentado para desenvolver abstinência quando da suspensão da medicação. Pacientes expostos a altas do- ses de opioides ou sedativos, por períodos superiores a 5 dias, podem desenvolver dependência farmacológi- ca. A suspensão abrupta e intempestiva desses agentes pode desencadear síndrome de abstinência. Estudos em Pediatria demonstram que a velocidade de retirada é o principal fator desencadeante. Embora menos comuns que os problemas rela- cionados com os opioides, tolerância, abstinência e adi- ção podem ocorrer com os sedativos. Muitos dos sinais e sintomas de abstinência são semelhantes para os se- dativos e os analgésicos, com algumas sutis diferenças dependendo do agente envolvido. O risco de abstinên- cia é de 50% com o uso de fentanil por mais de 5 dias ou numa dose cumulativa maior que 1,5 mg/kg. Para o midazolam esse mesmo risco ocorre com uma dose cumulativa superior a 60 mg/kg. As manifestações podem ocorrer logo após a di- minuição ou suspensão da droga, se o agente tem uma meia-vida curta, como o fentanil ou o propofol, ou dias após se o agente ou seus metabólitos têm uma meia- -vida longa, como o diazepam, por exemplo. Pacientes com disfunção renal ou hepática também podem ter sinais e sintomas mais tardios de retirada. Os sinais e sintomas incluem: � Ativação do sistema nervoso central: ansieda- de, irritabilidade, cefaleia, insônia, tremores, hiperatividade dos reflexos tendinosos profun- dos, dificuldade de concentração, mioclonias, espirros frequentes, delírios, hipertonicidade, convulsões, alucinações visuais e auditivas, choro forte, coreoatetose, parestesias. � Distúrbios gastrointestinais: vômitos, diarreia, dificuldade de sucção, salivação, persistência de resíduo gástrico, cólicas. � Hiperatividade simpática: hipertensão arterial, taquicardia, taquipneia, midríase, obstrução nasal, rinorreia, lacrimejamento, febre, sudore- se, piloereção. A incidência dos sintomas de retirada aumenta com o uso concomitante de BNM.1,5 Isso poderia ser consequência da dificuldade em se prescrever uma dose menor de sedativos e analgésicos, já que as esca- las de avaliação não podem ser aplicadas nos pacientes com BNM. Tratamento da Abstinência O primeiro passo para o tratamento da absti- nência é a identificação dos pacientes em risco para desenvolvê-la, utilizando estratégias para evitar a sua ocorrência. A base da terapia para prevenir a abstinên- cia permanece a diminuição lenta da infusão. Isso pode ser feito rapidamente, com reduções na dose de 10 a 15% a cada 6 a 8 horas, se o paciente estiver receben- do analgésicos e sedativos por período menor do que 5 dias. No entanto, após administração prolongada a suspensão total do medicamento poderá levar de 2 a 4 semanas, com reduções diárias de até 10%. Se um período de desmame mais prolongado é necessário, a opção de trocar para um agente oral de longa duração deve ser considerada. Isso pode incluir a metadona para os opioides, o lorazepam para os benzodiazepínicos e o fenobarbital para os barbituratos.5 A clonidina, um agonista adrenérgico alfa-2 de ação central, pode ser utilizada para controlar os sinto- mas de abstinência. Devido ao seu efeito de ação pro- longada, pode ser usada uma a duas vezes ao dia, com doses iniciais de 3 a 5 µ/kg/dia. Como a tolerância se desenvolve em relação à ocupação de receptores, teoricamente é possível atrasar ou evitar a sua ocorrência com um esquema de rotatividade nos regimes de sedação, em interva- los específicos.5 99 Sedação, Analgesia e Bloqueadores Neuromusculares A interrupção diária da sedação e analgesia contí- nua até que o paciente dê sinais de que está acordando diminui o tempo de VM, porém essa prática ainda não é totalmente aceita para os pacientes pediátricos, que po- dem ficar agitados e inconsoláveis após a interrupção, necessitando reiniciar com doses maiores de sedativos. Monitorização da Sedação e Analgesia A monitorização da dor e da ansiedade nas crianças em VM é um desafio para os intensivistas devi- do às dificuldades para determinar o ponto ideal entre a agitação e o coma droga-induzido. A avaliação entre esses dois extremos é frequentemente imprecisa. A farmacocinética das drogas em crianças criticamente enfermas está frequentemente alterada por ligação às proteínas, distribuição da droga nos órgãos e tecidos, imaturidade hepática e renal. Algumas das novas es- tratégias de VM, tais como hipercapnia permissiva e as altas pressões expiratórias finais com volume corrente baixo, podem ser desconfortáveis, requerendo doses maiores de sedativos. Várias escalas para avaliar o nível de sedação têm sido desenvolvidas. Todas essas escalas objetivam ajustar a dose de sedativos e analgésicos para se obter o melhor efeito sem uma sedação excessiva. O proble- ma inerente a todas essas escalas, porém, é a natureza subjetiva dessas medidas. A utilização de algum tipo de escala facilita a comunicação entre os profissionais e ajuda na titulação da dose de sedativos e analgésicos com melhoria do conforto do paciente e diminuição da incidência de abstinênciaapós a retirada dos sedativos e analgésicos. No entanto, a maioria dos sistemas de avaliação não identifica se a agitação é provocada pela dor ou pela ansiedade. Os sistemas de avaliação são ain- da mais limitados em pacientes em uso de BNM, uma vez que estes não se movimentam espontaneamente ou aos estímulos. As principais escalas em uso atualmente são: escala de sedação de Ramsay, desenvolvida em 1974, escala de agitação e sedação de Richmond, escala de COMFORT. A escala de avaliação mais usada em Pediatria é a COMFORT, uma ferramenta observacional desenvolvida especificamente para crianças em VM.10 Embora o uso dessa ferramenta pareça oferecer uma medida objetiva do nível de dor e agitação da criança, muitas das variá- veis avaliadas são relativamente subjetivas, tais como avaliação do tônus muscular e facial.9 O índice biespectral (BIS – bispectral index) é um valor numérico que varia de zero (sedação profunda) a 100 (acordado) e que deriva de uma complexa aná- lise matemática do eletroencefalograma (EEG). Um BIS de 45 a 60 tem mostrado correlacionar-se a uma baixa probabilidade de resposta a estímulo verbal. O possível papel do BIS em minimizar as complicações da sedação ainda não está totalmente delineado. cOnclusões A necessidade de sedação e analgesia adequa- das durante o período de VM tem resultado em novos desafios para os intensivistas pediátricos, tais como a tolerância, dependência física e abstinência. Estratégias são necessárias para que esses problemas não limitem a utilização de sedação e analgesia eficientes para os pa- cientes em VM. Uma avaliação contínua da dor deve ser rotina em todas as UTIP. Quando o paciente está sendo liberado da sua medicação sedativa, deve ser assegurada avaliação cui- dadosa de sinais e sintomas de retirada de opioides e benzodiazepínicos. Os cuidados pós-UTI de pacientes submetidos a VM devem envolver monitorização cuida- dosa para sinais de depressão, abuso de drogas e trans- torno de estresse pós-traumático.1 bibliOgrafia 1. Hogarth DK, Hall J. Management of sedation in mechanicaly ventilated patients. Curr Opin Crit Care 2004, 10:40-6. 2. Rigby-Jones AE, Nolan JA, Priston MJ et al. Pharmacokinets of propofol infusion in critically ill neonates, infants and children in an intensive care unit. Anesthesiology 2002;97(6):1393-400. 3. Lago PM, Piva JPP, Garcia PCR, Sfoggia A, Knight G, Ramelet A, Duncan A. Analgesia e sedação em situações de emergência e unidades de tratamento intensivo pediátrico. J Pediatr 2003;79(Supl.2):S223-S230. 4. Rigby-Jones AE, Nolan JA, Priston MJ et al. Pharmacokinets of propofol infusion in critically ill neonates, infants and children in an intensive care unit. Anesthesiology 2002;97(6):1393-400. 5. Tobias JD. Tolerance, withdrawal and physical dependency after long-term sedation and analgesia of children in the pediatric intensive care unit. Crit Care Med 2000;28:2122-32. 100 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria 6. American Heart Association. Considerações sobre a sedação para o provedor do SAVP. In: SAVP Manual para Provedores 2003;379-96. 7. Rotondi AJ, Cheiluri L, Sirio C, et al. Patients’ recollections of stressful experiences while receiving prolonged mechanical ventilation in an intensive care unit. Crit Care Med 2002,30:746-52. 8. Playfor SD, Thomas DA, Choonara I. Sedation and neuromuscular blockade in pediatric intensive care: a revision of current practice in the UK. Paediatric Anesthesia 2003;13:147-51. 9. Carno MA, Hoffman LA, Hencker R, Carcillo J, Sanders M. Sleep monitoring in children during neuromuscular blockade in the pediatric intensive care unit: a pilot study. Pediatr Crit Care Med 2004;5(3):224-9. 10. Newman A J, MD, Singer NG, MD. Critical care myopathy in a child. JCR: Journal of Clinical Rheumatology 2005; 11(2):93-7. Desmame É a retirada gradual da assistência ventilatória mecânica. Deve ser iniciado quando o paciente apre- senta condições cardiocirculatórias, neurológicas e me- tabólicas estáveis. As condições básicas para que o desmame possa ser feito com sucesso incluem: a. troca gasosa pulmonar adequada; b. desempenho eficaz da musculatura respiratória; c. fatores psicológicos favoráveis. parâmetrOs utilizadOs para predizer desmame bem-sucedidO Embora um médico experiente possa frequen- temente predizer o sucesso de um desmame, é dese- jável que se tenha medidas objetivas para identificar os pacientes com risco de falha da tentativa precoce de desmame. Tais índices evitariam as tentativas precoces de desmame e o desenvolvimento da descompensação cardiorrespiratória grave e/ou psicológica. Por outro lado, esses índices permitem a identificação precoce do momento em que o paciente é capaz de reassumir e manter a respiração espontânea, evitando um prolon- gamento desnecessário do período de suporte venti- latório. Além disso, devido a sua capacidade de avaliar diferentes funções fisiológicas, esses escores ajudam a racionalizar o motivo da dependência da ventilação mecânica num determinado paciente e sugerir altera- ções no seu manuseio. Entre as variáveis utilizadas para predizer desma- me, temos: A. Troca gasosa � PaO2 > 60 mmHg com FiO2 < 0,35; � Gradiente alveoloarterial de O2 (PAO2 – PaO2) < 350 em FiO2 =100% � relação PaO2/FiO2 > 200. B. Bomba ventilatória (parâmetros avaliados em adultos) � capacidade vital > 10 a 15 mL/ kg de peso; � pressão inspiratória negativa máxima < -30 cm H2O; � volume minuto < 10 L/minuto; � ventilação voluntária máxima maior que o dobro do volume minuto de repouso. A literatura é escassa em relação a índices pediá- tricos. Os índices fisiológicos para predizer um desma- me bem-sucedido têm alto índice de falsos positivos e falsos negativos. métOdOs para suspender ventilaçãO mecânica Suspensão abrupta Muitos pacientes que foram submetidos a pe- ríodos curtos de suporte ventilatório podem reassumir a respiração espontânea com pouca dificuldade. Por exemplo, pacientes submetidos a cirurgia, sem com- prometimento respiratório, podem ser extubados após algumas horas. Desmame gradual em tubo T A abordagem do desmame gradual em tubo T consiste em sessões de respiração espontânea de dura- ção crescente, intercalados por períodos de ventilação mecânica. Após 30 minutos de respiração espontânea com uma gasometria arterial normal, pode ser realiza- da a extubação. Não é utilizado em crianças devido ao menor calibre do tubo, levando a um aumento da resis- tência da via aérea, e também pelo aumento do espaço morto em uma criança em respiração espontânea. Ventilação mandatória intermitente – IMV ou SIMV O paciente recebendo IMV pode respirar es- pontaneamente e, além disso, receber ventilação com pressão positiva numa frequência determinada pelo aparelho. A FR é reduzida gradualmente com medidas de gasometria arterial. Nos ventiladores atuais, a IMV é utilizada como SIMV, isto é, sincronizada, utilizando uma tecnologia com válvula de demanda. Uma redução na pressão de 14 102 Manual do Curso de Ventilação Mecânica em Pediatria vias aéreas ou a geração de um fluxo gasoso faz com que a válvula abra e permita que haja uma liberação de um fluxo de gás durante a inspiração espontânea. Foi demonstrado repetidamente que a redução excessi- va da pressão nas vias aéreas necessária para ativar a válvula de demanda combinada com a liberação inade- quada de um fluxo de gás instantâneo pode duplicar o trabalho respiratório e o consumo de oxigênio. Esse problema tem sido contrabalançado pela utilização do flow-by, que mantém a válvula de demanda parcialmen- te aberta, reduzindo o trabalho necessário para abri-la e reduzindo o tempo de resposta entre a percepção da respiração espontânea e abertura da válvula. Pressão de suporte (PS) Vários trabalhos mostram que a PS é capaz de contrabalançar o trabalho respiratório imposto pela cânula endotraqueal e pelo circuito ventilatório em adultos. É uma modalidade que tem sido utilizada comsucesso no desmame de crianças, embora não haja comprovação científica de que seja superior à IMV. Na prática, quando há a possibilidade de utilizar pressão de suporte, passamos de pressão controlada para SIMV + pressão de suporte, depois para pressão de suporte, e então procedemos à extubação. Extubação A extubação pode ser realizada se: � FiO2 < 40%; � Pinsp < 25 cmH2O; � PEEP < 5 cmH2O (quando há necessidade de extubação com pressão expiratória maior re- comenda-se a manutenção de pressão na via aérea após extubação, com ventilação não invasiva); � FR menor que 10 resp/minuto em lactentes e pré-escolares (não há necessidade de se manter o paciente em CPAP pré-extubação); em crianças maiores e adolescentes, FR < 5 resp/min; � Relação PaO2/FiO2 > 200; � Pressão de suporte menor do que 10 (por exemplo: 5 sobre PEEP de 5); Técnica � Jejum por 6 horas ou aspiração do conteúdo gástrico; � A aspiração da traqueia e da orofaringe deve ser realizada imediatamente à pré-extubação; � Colocar o paciente em um ambiente com FiO2 10% maior do que o utilizado pré-extubação. Pode-se manter o paciente com CPAP nasal pós- -extubação, principalmente recém-nascidos e lactentes jovens, ou em crianças maiores por meio da ventilação não invasiva com máscara. bibliOgrafia 1. Sasson CS, Light RW, Lodia R et al. Pressure time product during continuous positive airway pressure, pressure support ventilation and T-piece during weaning from mechanical ventilation. Am Rev Respir Dis 1991;143:469. 2. Schuster DP. A physiologic approach to initiating, maintaining, and withdrawing mechanical ventilatory support during acute respiratory failure. Am J Med 1990; 88:268. 3. Tobin MJ, Skorodin M, Alex CG. Weaning from mechanical ventilation. In: Taylor RW & Shoemaker WC. Critical Care State of Art 1991;12:373. Rua Arminda, 93 - 7º andar - Vila Olímpia - São Paulo - SP - CEP 04545-100 Fone: (11)5089-2642 www.amib.org.br Missão da AMIB Fomentar a pesquisa, formação, titulação e defesa do médico intensivista, integrando e valorizando os demais profissionais de saúde que atuam em terapia intensiva.