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AULA 2 COACHING E LIDERANÇA COACHING Prof. Raphael Jorge Simão 2 INTRODUÇÃO Nesta etapa vamos abordar as habilidades e competências de um profissional de coaching. Veremos que a prática do coaching vai além de um simples domínio de um conjunto de ferramentas e técnicas, mas que precisa necessariamente de pessoas que tenham os valores e princípios do coaching integrados à sua visão de mundo e ao seu próprio modo de vida. Além disso, também abordaremos a visão de mudança estruturada no coaching, que é uma das principais chaves para o sucesso do processo e, por fim, apresentaremos alguns tipos de coaching. TEMA 1 – PRINCÍPIOS DO COACHING E O COACH Na etapa anterior, falamos em cinco princípios do coaching. Esses princípios e todo o referencial teórico-científico que dá sustentação ao coaching determinam as técnicas, ferramentas e modelos de aplicação do coaching como tal. No entanto, é preciso entender que o coaching não deve ser visto apenas como um conjunto de técnicas aplicadas para o desenvolvimento humano, mas antes como um estilo de vida. John Whitmore (2020) nos apresenta a ideia de “coaching como uma maneira ser”, ou seja, muito além de um domínio de técnicas aplicadas para um fim específico e previamente definido, é necessário que o profissional de coach carregue em si os princípios e valores do coaching; é preciso que esses princípios sejam a lente pela qual ele enxerga e se relaciona com o mundo. Nas palavras do próprio Whitmore (2020), “tomara que um dia a palavra coaching desapareça do nosso vocabulário e possa se tornar a forma como nos relacionamos uns com os outros no trabalho ou em qualquer outro ambiente”. Na visão do autor, essa maneira de ser se dá pelo domínio e aplicação da inteligência emocional na vida, e a palavra coaching deve ser vista como sinônimo de inteligência emocional aplicada. O autor propõe um exercício muito simples para ilustrar essa visão, que também se constituiu em uma pesquisa realizada em diversas regiões do mundo com duas perguntas básicas. A ideia é pedir a uma pessoa que ela se lembre de alguém que amava quando era mais jovem e, em seguida, que pense “no que essa pessoa fazia para que ela gostasse tanto?” e em “como ela se sentia quando isso acontecia?”. Por fim, a pesquisa se conclui com um pedido para o entrevistado anotar quais eram os comportamentos e atitudes que faziam com 3 que ela gostasse tanto da pessoa lembrada. Segue o resultado das respostas mais comuns às duas perguntas no quadro a seguir: Quadro 1 – Quadro de respostas Fonte: elaborado com base em Whitmore, 2020. O exercício parece ser muito singelo, muito simples, mas o que o autor nos chama atenção é sobre como os seus resultados são muito semelhantes mesmo quando aplicado em diversas regiões do mundo, com povos de culturas e valores aparentemente diferentes. Como vimos no quadro acima, esse estudo não apenas indica as necessidades universais de afeto das pessoas, mas também trazem em si a ideia do que, como veremos mais adiante, deve ser algumas das habilidades que um coach precisa ter, bem como dos sentimentos que deve proporcionar ao coachee para caminhar na direção dos resultados objetivados. Sem essa relação de parceria e confiança, não há qualquer processo de coaching que possa ser bem-sucedido. Mas o mais importante aqui é o fato do autor indicar que os resultados gerais obtidos com esse simples exercício falam algo sobre a pessoa lembrada: mostram que ela possui inteligência emocional. O desenvolvimento da inteligência emocional pode ser um dos grandes benefícios proporcionados pelo coaching. Evidentemente, para que seja possível conduzir o coachee a desenvolvê-la é necessário que o profissional de coach também tenha desenvolvido a sua própria inteligência emocional. Na etapa anterior, fizemos uma separação entre o que é e o que não é um processo de coaching. A principal mensagem que transmitimos ali foi a de que o coaching precisa ser especialista em coaching e não em outros assuntos. Agora, cabe dizer que um especialista em coaching não é somente alguém que conhece A pessoa Eu me senti Escutou-me Especial Acreditou em mim Valorizado Desafiou-me Confiante Confiou e me respeitou Seguro, cuidado Deu-me seu tempo e atenção total Apoiado Tratou-me como igual Entusiasmado, alegre Autoconfiante 4 ferramentas, modelos de trabalho e técnicas para conduzir as sessões, mas alguém que integrou em si o espírito do coaching, essa espécie de lente que nos permite ver e interagir com as pessoas e com o mundo por meio dos princípios fundamentais do coaching e do desenvolvimento da inteligência emocional. Em outras palavras: é preciso ter o coaching como um estilo de vida. Mais adiante vamos voltar à tabela de resultados dessa pesquisa quando falarmos mais explicitamente sobre as habilidades de um coach. Além da inteligência emocional, que nos permite acolher o próximo, ter empatia, olhar para o outro como um igual, ter e transmitir autoconfiança, saber se comunicar com clareza e adaptabilidade no convívio social, John Whitmore (2020) ainda chama a atenção para outro tipo de inteligência que vai ao encontro dos princípios do coaching e deve ser parte integrante do profissional ou líder coach: a inteligência espiritual. O termo nada tem a ver com processo religioso, mas com o senso de propósito maior na vida. Esse tipo de inteligência está localizado ao topo da pirâmide de Maslow e ligado ao senso de autorrealização, mais do que ao de obtenção de poder ou de desbloqueio de potenciais para a realização de metas. A inteligência espiritual pode ser descrita como uma espécie de inteligência integradora, que dá sentido a todos os demais objetivos e ações que tomamos para o atingimento deles em nossas vidas. Mais do que isso, a inteligência espiritual resulta de um processo de tomada e ampliação da consciência e também de responsabilidade perante nós mesmos, o outro e o mundo que nos cerca. Guarde bem esses dois termos: consciência e responsabilidade, pois voltaremos a eles com mais profundidade em breve. Por ora, fiquemos com a ideia central de que ser um coach está além do aprendizado de ferramentas e técnicas, e que as inteligências que precisamos desenvolver fazem parte da formação profissional. TEMA 2 – HABILIDADES E COMPETÊNCIAS DE UM COACH – PARTE 1 Agora vamos tratar das habilidades que um coach precisa desenvolver e aplicar. Embora as habilidades que trataremos aqui possam em algum momento se cruzar com as técnicas e serem confundidas com as ferramentas do coaching, vamos tratá-las por ora mais como soft skills que devem ser desenvolvidas pelo profissional de coaching. 5 A primeira coisa que precisamos ter em mente é que as habilidades de um coach são exercidas, juntamente com as ferramentas e técnicas, durante uma sessão de coaching. Portanto, tudo quanto dissermos neste capítulo se aplica à prática do coaching. Assim como o desenvolvimento das inteligências e do estilo de vida que tratamos no capítulo anterior, essas habilidades são parte integrante do processo de coaching e condição para o sucesso. Não conseguimos extrair o máximo de aproveitamento e benefícios que uma sessão e um ciclo de coaching podem proporcionar sem elas. Ao contrário, corremos o risco de reduzir às sessões à aplicação de um protocolo vazio de técnicas e ferramentas. 2.1 Estar presente Marie Taylor e Steve Crabb (2020) nos ensinam que o sentido de estar presente numa sessão vai muito além do comparecimento, da presença física. Da mesma forma, deve ir além de uma simples demonstração de interesse pelo cliente: “Presença é estar completamente envolvido com o cliente, e issoexige tudo do coach. É a total atenção do corpo, coração e mente” (Taylor; Crabb, 2020, p.37). Embora o enfoque dos autores para essa habilidade seja as sessões de coaching empresarial, isso vale para toda e qualquer sessão de coaching. Mas vejamos o que exatamente isso significa, qual a sua ligação com os princípios do coaching e com o estudo que apresentamos no tópico anterior. Esse esforço de presença integral nas sessões diz respeito principalmente ao segundo e ao quinto princípios que apresentamos em conteúdos anteriores . O envolvimento de um coaching com o coachee, como já dissemos, não prevê distanciamento emocional, ao contrário. É preciso que o profissional vença a barreira estritamente racional e crie um vínculo emocional com o cliente, de afeto. Essa habilidade que se traduz em uma conduta do coach proporciona as percepções e sentimentos que descrevemos na tabela do tópico anterior: “confiou e me respeitou” e “deu-me seu tempo e atenção total”. Por conseguinte, faz o cliente se sentir “seguro”, “cuidado” e “apoiado”. 2.2 Escutar ativamente Assim como a presença, a escuta também deve ser completa. Ela implica o esforço de percepção total do que está sendo dito e de comunicação dessa percepção ao cliente. A escuta ativa é uma importante chave para que 6 percebamos o cliente de forma integral e possamos extrair da escuta, na visão de Marie Taylor e Steve Crabb (2020), as seguintes respostas: Quadro 2 – Objetivos da escuta ativa “Extrair o problema para o qual o cliente quer ajuda” “Verificar sua compreensão das suposições, generalizações, opiniões e fatos da história que ouviu” “Escutar a linguagem que diz como a pessoa vivenciou o problema ou a situação” [...]. “Entender o que tirar do seu kit de ferramentas de coaching para auxiliá-lo”. “Garantir que a pessoa se sinta ouvida e se pode conquistar e sustentar uma relação”. Fonte: elaborado com base em Taylor; Crabb, 2020. Percebam que essa importante habilidade permite que identifiquemos o real problema do cliente e que façamos a escolha das ferramentas que serão utilizadas naquela sessão e/ou durante o ciclo de coaching. Mas, mais do que isso, ela pode fazer o cliente se sentir valorizado, seguro e confiante na relação de parceria que está sendo proposta. A escuta ativa também permite que você ajude “os clientes a verem a si mesmos e seu comportamento” (Taylor; Crabb, 2020, p. 39), e esse conjunto de benefícios que essa habilidade nos traz deve permear todo o processo de coaching. A escuta ativa faz com que, por exemplo, identifiquemos e avancemos corretamente para a contratação do problema que será objeto do ciclo de coaching no início do processo. Se esse passo for mal feito, todo o restante do processo ficará comprometido. 2.3 Ter a atitude mental correta Ter a atitude mental correta significa estar ao mesmo tempo aberto, limpo e atento mental e emocionalmente. Esse estado de abertura mental é obtido mediante um processo de relaxamento que pode ser feito antes das sessões, e de esvaziamento das emoções pessoais e limpeza dos pensamentos, sentimentos e emoções que você identificar que estão ocupando a sua mente antes da sessão. Mas também é possível fazer desse exercício uma prática constante, buscar sempre que possível esse estado mental de limpeza e abertura. Ele permite que nos concentremos exclusivamente e integralmente no cliente, 7 ajudando o processo de escuta ativa e garantindo que estejamos presentes de forma integral na sessão. 2.4 Garantir o ambiente adequado Trouxemos esse aspecto como uma habilidade porque ele possui pelo menos dois sentidos: o material e o subjetivo. Garantir um ambiente físico adequado, ter esse discernimento do que pode ou não atrapalhar o andamento de uma sessão de coaching é uma habilidade muito básica de um profissional. Quando você atende em um escritório próprio, isso pode ser algo mais fácil de ajustar, mas considere que muitas vezes as sessões de coaching podem acontecer, por exemplo, em uma sala de reunião dentro de uma empresa. Marie Taylor e Steve Crabb (2020) fornecem uma lista muito interessante de itens que precisamos prestar atenção para garantirmos um bom ambiente físico. As orientações vão desde cuidados com a temperatura e intensidade da luz, higiene da sala, até a garantia de materiais. Tudo isso faz parte do ambiente. Mas, quando falamos em ambiente no coaching, precisamos também levar em consideração a forma como preparamos o ambiente subjetivo, o ambiente da própria sessão de coaching. E aqui reside a habilidade de um bom profissional em saber promover o bem-estar, o clima de segurança e a relação de confiança necessária. A palavra de ordem talvez seja acolhimento e encontra respaldo nas demais habilidades citadas acima. É claro que existem inúmeras técnicas de acolhimento (rapport), mas o estado de espírito acolhedor precede todas as técnicas. TEMA 3 – HABILIDADES E COMPETÊNCIAS DE UM COACH – PARTE 2 3.1 Conhecer os seus limites (autoconsciência) Colocamos este tópico no campo das habilidades, uma vez que dele resulta uma questão prática para as sessões, mas a autoconsciência e o conhecimento claro da sua condição, potenciais e limitações como coach é muito mais uma conquista que se dá pelo desenvolvimento da inteligência emocional do que uma habilidade propriamente dita. Na visão de John Whitmore (2020), a autoconsciência é um fator que pode nos proteger de entrarmos num perigoso processo de reação inconsciente. Nas palavras dele, “aprenda a reconhecer suas tendências humanas, interferências internas e preconceitos, para que você possa 8 escolher conscientemente suas repostas, em vez de reagir inconscientemente” (Whitmore, 2020, p. 38). Podemos resumir essa afirmação do autor numa única expressão: conheça e esteja consciente dos seus limites para que eles não o traiam durante o processo de coaching e, assim, prejudiquem os resultados. Mas, se por um lado a autoconsciência protege o profissional de incorrer em reações inconscientes que podem comprometer um ciclo de coaching, por outro, ela também garante que tenhamos clareza sobre a nossa atual condição profissional. E disso resultam alguns pontos práticos na hora de fechar um contrato de coaching com o coachee. Você precisa ter e dar clareza ao cliente sobre as suas experiências, sua capacitação e sua condição profissional. Isso servirá tanto para o processo de precificação e de alinhamento das expectativas, mas, principalmente, servirá para que você decida se tem ou não condições de assumir determinado caso. Esse é o papel prático da autoconsciência num processo de contratação de coaching. Nas palavras de Marie Taylor e Steve Crabb (2020) “Pegar um cliente para o qual você não tem ainda a experiência e as habilidades para o coaching pode ser um desastre”. Lembre-se sempre que a relação que se estabelece no coaching é sempre de confiança e, portanto, deve ser pautada na honestidade. 3.2 Criar consciência Precisamos sempre lembrar que o coaching tem como objetivo a mudança, e que essa mudança só é possível com base em um processo de conscientização. Quando falamos em visão de futuro, em objetivos, o fazemos em função da visualização de um estado futuro desejado (ED), do reconhecimento do estado atual (EO) e do estabelecimento de um plano de ação (PA); falamos em descoberta e autodescoberta, falamos em responsabilização e compromisso. Ou seja: falamos o tempo todo em criar consciência. Não existe ciclo de coaching sem conscientização de si, do outro e das condições do ambiente. Sem o processo de tomada e ampliação da consciência não há mudança possível. A habilidade que um coach precisa ter aqui se traduz na condição de reunir todas as informações trazidas pelo cliente que podem aparecer de diversas formas durante as sessões, interpretá-las e comunicá-las de forma estruturadae clara para o cliente, com o objetivo de favorecer a tomada de consciência. Nas palavras de Adriano Antônio Faria (2020), essa habilidade diz respeito à capacidade de “fazer interpretações que ajudem o cliente a obter consciência e, 9 desse modo, alcançar os resultados acordados”. Percebam que essa habilidade de interpretar as informações, reuni-las e devolvê-las ao cliente só é possível se as duas primeiras habilidades que tratamos no tópico anterior estiverem muito bem desenvolvidas, pois sem estar presente integralmente e sem escutar ativamente não se pode desenvolver a habilidade de criar consciência. E sem criar consciência, não existe processo de coaching. 3.3 Definir objetivos Apesar de os modelos, ferramentas e técnicas do coaching favorecerem o processo de definição de objetivos, constitui-se uma habilidade fundamental do coach garantir que o processo de coaching caminhe nesta direção. Lembrem-se do que dissemos sobre um processo de coaching diferenciar-se, por exemplo, de um processo de psicanálise. Um ciclo de coaching sempre deve ter início e fim definidos e primeiro passo para caminharmos nessa direção é termos objetivos claros e bem definidos. 3.4 Gerenciar o progresso Um processo de coaching deve ser mantido dentro de um plano. Concentrar os esforços e atenção dentro daquilo que é importante para o plano e para o cliente, garantindo assim que o ciclo não fuja de seus objetivos também é uma habilidade fundamental de um coach. 3.5 Responsabilizar Esta habilidade está intimamente ligada ao processo de criar consciência. No entanto, o que queremos destacar aqui é a competência que um coach precisa ter para responsabilizar o coachee pela execução do plano e pela superação das dificuldades encontradas em cada etapa do processo de transição, conforme veremos a seguir. TEMA 4 – ORIENTAÇÃO PARA A MUDANÇA Agora vamos nos aprofundar um pouco no sentido que essa palavra mudança tem para o processo de coaching. Isso se faz necessário antes de avançarmos com os modelos e as ferramentas do coaching. Dissemos anteriormente que o coaching deve olhar para o futuro, para o estado desejado e 10 traçar um plano para o atingimento de objetivos específicos. Isso significa dizer, portanto, que o mote do coaching é a mudança. Também trouxemos uma série de habilidades e competências que um coaching precisa ter para favorecer o desbloqueio de potenciais e conduzir as sessões para a definição de um plano de realização futura, um plano para a mudança e transformação. No entanto, quando falamos em mudança dentro do processo de coaching, carregamos essa palavra com um sentido específico, pensamos nela de forma estruturada e consideramos os processos mentais e emocionais que são provocados por ela. 4.1 Mudanças As mudanças acontecem na vida de forma natural e contínua, eventualmente parecem acidentais e aleatórias. Mas, no coaching, sempre pensamos o objetivo da mudança como um processo de transição planejada, ou seja, é intencional e bem definida e nunca acidental. É por esse motivo que Arnaldo Marion (2017), baseado na obra de Willian Bridges (2009), faz essa distinção entre o que é mudança e o que é transição. As mudanças, como dissemos, são inerentes ao processo vital, à dinâmica da própria natureza e, portanto, são quase sempre exteriores a nós. Se a sua empresa é incorporada por outra, por exemplo, você se submeterá a um processo de mudança profunda nas relações de trabalho, na cultura da empresa, nos processos, na posição e destino da área em que você trabalha atualmente diante da nova realidade que se impõe. Portanto, muitas coisas vão acontecer e nenhuma delas depende de você. Basicamente, num processo de incorporação desses, dependendo da sua posição na empresa, a única coisa que depende de você é a sua capacidade de adaptação e resiliência. Esse exemplo é interessante, pois ele demonstra que muitas vezes o sentido da mudança na vida comum é de fora para dentro; algo acontece e exige de nós uma adaptação. Eventualmente esse tipo de mudança faz com que as pessoas busquem ajuda no coaching para obter mais clareza sobre como lidar com a situação e encontrar uma saída, mas o processo de mudança (mudança como fim) que devem encontrar no coaching é exatamente no sentido contrato, é de dentro para fora, ou seja, é uma “transição psicológica e acontece em nosso mundo interior” (Marion, 2017, p. 20). O sentido da mudança em coaching, portanto, é eminentemente interno, apesar de ter sempre como objetivo a estruturação e realização de um plano ou 11 resolução de um problema que muitas vezes também muda ou nos adapta às condições externas. Portanto, apesar de muitas vezes um evento exterior ao cliente despertar a necessidade de buscar ajuda no coaching, a direção do processo será sempre a de ajudar o cliente a entender onde e como ele está posicionado diante da mudança, o que ele pode e não pode fazer a respeito disso no curto, médio e longo prazo, o que ele fez ou deixou de fazer para que aquilo acontecesse, como ele deseja estar no futuro e o que precisa mudar e/ou que ações tomará para chegar lá etc. Em resumo, a direção será sempre a de conduzir o cliente para o locus de controle interno. Mas o fato é que, independentemente de uma mudança acontecer de forma involuntária ou de forma estruturada, ela sempre desencadeia dois processos psicoemocionais importantes: o medo e a resistência. Portanto, o processo de mudança raramente será algo que se resolve exclusivamente na esfera racional, mas, ao contrário, é preciso considerar a esfera emocional como parte crítica do processo. 4.2 Transição Assumindo esses importantes e poderosos fenômenos da mente humana, precisamos pensar as etapas do processo de mudança e estruturar um caminho para garantir que não apenas o medo e a resistência sejam vencidos, mas que também proporcione a identificação do cliente com a visão de futuro que se pretende produzir no coaching. Em outros termos, precisamos conduzir o cliente a um novo começo. Bridges (2009, citado por Marion, 2017) nos indica três etapas fundamentais do processo de transição que precisam ser alvo do coaching para que possamos garantir o sucesso e a sustentabilidade no longo prazo. O Quadro 3 resume bem essas etapas. Quadro 3 – Etapas fundamentais do processo de transição Etapa Característica Etapa 1 – Desapego Consiste em deixar para trás hábitos antigos e uma identidade que se tinha. Esta primeira etapa consiste em encerrar um ciclo, e o desafio é lidar com as perdas. Etapa 2 – Zona Neutra Trata-se de uma fase intermediária, quando o antigo já se foi, mas o novo ainda não está operacional. É nesta fase que acontece um realinhamento psicológico crítico e o estabelecimento de novos padrões. 12 Etapa 3 – Novo Começo É o término da fase de transição e o início de um novo começo. Nesse momento, as pessoas desenvolvem uma nova identidade, experimentam uma nova energia e descobrem um novo senso de propósito que permite que a mudança funcione. Fonte: elaborado com base em Bridges, citado por Marion, 2017. Precisamos ter em mente que nenhuma das etapas pode ser desconsiderada ou abordada de forma incompleta durante o ciclo de coaching. Segundo Marion (2017), isso pode inclusive resultar “na estagnação definitiva de vida ou de carreira de um indivíduo”, tamanha é a importância disso no processo de orientação para mudança. 4.2.1 Etapa do desapego A etapa de desapego está intimamente ligada à sensação de perda ou à necessidade de abandonar determinados hábitos, comportamentos e/ou relacionamentos. Ela surge quase sempre em função de uma mudança que já possa ter ocorrido, por exemplo, uma mudança de emprego ou uma promoção, mas também se faz presente quando se deseja uma mudança, quando o coachee planeja a sua transição. Toda escolha é uma recusa,e a partir do momento em que decidimos seguir um caminho, estamos automaticamente abandonando outro. O que precisamos conquistar nessa fase, como o próprio nome já diz, é a condição de terminar algo em definitivo e por completo, e “o papel central do coach é a conscientização daquilo que acabou e do que não acabou” (Marion, 2017, p. 22). O coach precisa ajudar o coachee a ajustar a sua percepção em relação aos fatos, a se responsabilizar pelo processo de mudança, a abandonar os hábitos, comportamentos e caminhar na direção da próxima etapa. 4.2.2 Etapa da zona neutra A fase neutra é a fase mais crítica do processo de mudança e de transição, pois ela se caracteriza pela superação da fase do desapego, mas frequentemente neste momento ainda não temos o novo começo bem estabelecido. É nessa fase que há o maior risco de resistência e de estagnação e mesmo de desistência da transição. Isso acontece pelo fato de ainda estarmos diante do desconhecido, estado esse que desperta naturalmente o medo e consequentemente a resistência à mudança. O papel do coach nessa etapa pode ser divido em três: 13 manter a motivação e a confiança fortalecidos, trazer compreensão para o processo, ou seja, fazer o coachee entender que essa etapa é normal e pode ser vencida, e por último o coach deve favorecer a construção de uma visão de futuro. 4.2.3 Etapa do novo começo A última etapa do processo de transição consiste em construir uma nova identidade para a nova condição. É nessa etapa que precisamos de um plano de ação bem estruturado para efetivamente desenvolvermos novos hábitos e concretizarmos a mudança a que estamos nos propondo. TEMA 5 – TIPOS DE COACHING Já sabemos o que é coaching, seus fundamentos teóricos básicos, sua origem, seus princípios e objetivos. Também sabemos como diferenciar um profissional de coaching em função de suas inteligências, habilidades e competências. Sabemos qual é o sentido do que chamamos de orientação para a mudança e quais são os papéis e responsabilidades de um coach para garantir que esse processo seja bem-sucedido. O que vimos até aqui é universal e serve para a prática do coaching em todas as áreas nas quais ele se aplica. O espectro de aplicação dos modelos, ferramentas e técnicas do coaching é muito amplo e tem se ampliado cada vez mais. Atualmente podemos ver sua prática nos ramos da educação, do esporte, no mundo corporativo, entre artistas e outras áreas do conhecimento e práticas humanas. Mas, independentemente desse espectro de aplicação ser cada vez mais vasto, basicamente, encontramos dois grandes motivos que fazem as pessoas procurarem o coaching e que podem, inclusive, se cruzar em algum momento: o desenvolvimento pessoal e o desenvolvimento profissional. É por isso que vamos destacar aqui dois tipos de coaching: o pessoal e o corporativo ou executivo. 5.1 Coaching para desenvolvimento pessoal Será que podemos afirmar que o coaching pessoal é um tipo ou um segmento de aplicação do coaching? Apesar de ser aceito como um tipo de coaching por autores renomados, numa certa perspectiva todo tipo de coaching é pessoal, pois é centrado na pessoa, tem como uma de suas bases a psicologia positiva e humanista e por objetivo o desbloqueio de potenciais ocultos para a 14 realização de objetivos. Todos os nossos objetivos são pessoais. No limite, é a nossa realização como pessoa que está sempre em jogo. Mas vamos entender melhor o motivo dessa divisão e evidenciar que ela se faz necessária. O que faz com que essa nomenclatura coaching pessoal se aplique e se justifique é justamente os motivos que fazem as pessoas buscarem esse tipo de coaching. Normalmente, a questão que leva alguém a buscar o coaching pessoal diz estritamente sobre algo particular, íntimo e muitas vezes totalmente subjetivo. Uma pessoa pode buscar o coaching para, por exemplo, emagrecer ou para resolver um problema específico nos seus relacionamentos. Uma pessoa pode buscar o coaching por conflitos existenciais mais complexos, tais como uma busca por um caminho espiritual que o atenda. Em suma, chama-se de coaching pessoal todo tipo de coaching que se aplique exclusivamente ao tratamento de questões que não necessariamente têm uma relação direta com o campo profissional da vida humana, mas a questões e limitações no campo do relacionamento, da saúde pessoal, da comunicação, da espiritualidade, da autoestima etc. O coaching pessoal acaba por se desmembrar, portanto, em diversos subtipos de coaching, tais como o coaching vocacional, o coaching de relacionamento e o coaching de comunicação. Evidentemente, esse campo de aplicação do coaching pode contemplar o desbloqueio de potenciais também para o sucesso profissional, pois as coisas muitas vezes se sobrepõem. 5.2 Coaching para desenvolvimento profissional O coaching orientado ao mundo profissional e de carreira é mais um universo dentro do coaching. São vários os segmentos que poderiam ser citados aqui. Para fins do direcionamento deste curso, vamos focar em um subtipo dentro dessa modalidade: o coaching de liderança e performance. A primeira coisa que precisamos fazer para entendermos o sentido da liderança coach é diferenciar o líder tradicional do líder coach. Mais adiante vamos nos aprofundar, mas por ora a diferenciação que faremos agora já é suficiente para termos uma visão geral do que é o coaching aplicado à liderança. Dissemos anteriormente que o coaching é uma relação baseada na parceria, que está pautada na honestidade e numa relação de confiança mútua. As habilidades de um coach que descrevemos aqui caminham todas nessa direção. Também dissemos que um processo de coaching implica responsabilização e criação de uma nova consciência sobre si, o outro e o ambiente. Mas será que essas 15 características e processos se aplicam também a uma relação de liderança e liderado? Na visão de Withmore (2020), a resposta é sim! A grande diferença aqui está no que podemos entender como o papel do líder. Enquanto a liderança tradicional tende à autocracia e ao comando e controle, o foco da liderança coaching está no desenvolvimento do colaborador e na sua responsabilização real. Whitmore (2020) resume essa ideia e destaca essa diferença essencial em dois quadros muito simples que representam o modelo de gestão tradicional e o modelo de liderança coach, conforme as Figuras 1 e 2 a seguir. Figura 1 – Gestão tradicional Figura 2 – Um estilo de liderança coaching Fonte: Whitmore, 2020. Percebam que no segundo quadro estamos muito mais pautados na responsabilização e no desenvolvimento do colaborador do que no primeiro. Por conseguinte, também estaremos menos pautados também em comando e controle e mais próximos de uma relação de parceria. 16 REFERÊNCIAS ALVES, E. et al. Manual do líder coach II – O líder positivo. Brasília: Saphi, 2016. BURTON, K. Coaching com PNL para leigos. Rio de Janeiro: Altabooks, 2014. FARIA, A. A. O coaching e o neurocoaching. Curitiba: InterSaberes, 2020. GOLDSMITH, M.; LYONS, L. S.; MCARTHUR, S. Coaching: o exercício da liderança. Rio de Janeiro: Altabooks, 2018. MARION, A. Manual de coaching – Guia prático de formação profissional. São Paulo: Atlas, 2017. MARQUES, J. R. et al. Manual do líder coach – desperte o líder que existe em você. 2. ed. Brasília: Saphi, 2016. STAINER, M. B. Faça do coaching um hábito: fale menos, pergunte mais e mude seu estilo de liderança. Rio de Janeiro: Sextante, 2019. TAYLOR, M.; CRABB, S. 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