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MARC 14 - Diarreia e Constipação ● Definir as causas de diarreia e constipação na infância ● Compreender os critérios diagnósticos de diarreia e constipação ● Revisar o tratamento da diarreia aguda na infância e adolescência ● Compreender as afecções cirúrgicas que são diagnóstico diferencial de diarreia e constipação Diarreia A diarreia é caracterizada por dois componentes principais: diminuição da consistência das fezes (pastosas ou líquidas) e aumento da frequência (> 3x/dia). Tem como principais causas o desbalanço entre a absorção e a secreção de fluidos, e/ ou o aumento da motilidade intestinal, devendo ser diferenciada da incontinência fecal, que diz respeito à perda involuntária de fezes. De acordo com a OMS, a doença diarreica pode ser classificada em três categorias: 1. Diarreia aguda aquosa: diarreia que pode durar até 14 dias e determina perda de grande volume de fluidos e pode causar desidratação. Pode ser causada por bactérias e vírus, na maioria dos casos. A desnutrição eventualmente pode ocorrer se a alimentação não é fornecida de forma adequada e se episódios sucessivos acontecem. 2. Diarreia aguda com sangue (disenteria): é caracterizada pela presença de sangue nas fezes. Representa lesão na mucosa intestinal. Pode associar-se com infecção sistêmica e outras complicações, incluindo desidratação. Bactérias do gênero Shigella são as principais causadoras de disenteria. 3. Diarreia persistente: quando a diarreia aguda se estende para 14 a 28 dias. Pode provocar desnutrição e desidratação. Pacientes que evoluem para diarreia persistente constituem um grupo com alto risco de complicações e elevada letalidade 4. Diarreia crônica: quando a diarreia se estende por mais de 28 dias. 1 2 - Diarreia Aguda Os seguintes agentes infecciosos são os que causam a maior parte dos quadros da diarreia aguda: Vírus - rotavírus, coronavírus, adenovírus, calicivírus (em especial o norovírus) e astrovírus. Bactérias - E. coli enteropatogênica clássica, E. coli enterotoxigenica, E. coli enterohemorrágica, E. coli enteroinvasiva, E. coli enteroagregativa, Aeromonas, Pleisiomonas, Salmonella, Shigella, Campylobacter jejuni, Vibrio cholerae, Yersinia Parasitas - Entamoeba histolytica, Giardia lamblia, Cryptosporidium, Isosopora Fungos – Candida albicans Pacientes imunocomprometidos ou em antibioticoterapia prolongada, podem ter diarreia causada por: Klebsiella, Pseudomonas, Aereobacter, C. difficile, Cryptosporidium, Isosopora, VIH, e outros agentes. Eventualmente outras causas podem iniciar o quadro como diarreia tais como: alergia ao leite de vaca, deficiência de lactase, apendicite aguda, uso de laxantes e antibióticos, intoxicação por metais pesados. A invaginação intestinal tem que ser considerada no diagnóstico diferencial da disenteria aguda, principalmente, no lactente. ***A investigação da etiologia da diarreia aguda não é obrigatória em todos os casos. Deve ser realizada nos casos graves e nos pacientes hospitalizados. Deve ser lembrado que os laboratórios, em geral, não dispõem de recursos para diagnosticar todas as bactérias e vírus causadores de diarreia aguda. Causas: ● Colite Pseudomembranosa A colite pseudomembranosa é uma infecção causada pelo Clostridioides difcile (antigo Clostridium difcile), que é um bacilo gram-positivo, anaeróbio, de transmissão fecal-oral, muito frequente em ambientes hospitalares e instituições de longa permanência. Os principais fatores de risco são: gravidade da doença de base, idade avançada, cirurgia gastrointestinal, supressão ácida e dieta enteral. Embora o Clostridioides difcile seja uma bactéria que colonize muitos pacientes de maneira assintomática (>20% de prevalência após 1 semana de internação), essa convivência pacífica pode ser rompida após o uso de antibióticos, desequilibrando a fora e permitindo sua proliferação indiscriminada, levando a uma produção significativa de toxinas A (enterotoxina) e B (citotoxina), culminando num processo inflamatório que gera desde uma diarreia leve à colite fulminante. Os antibióticos mais frequentemente associados são: clindamicina, amoxicilina, ampicilina, cefalosporinas e fluoroquinolonas, mas qualquer antibiótico pode desequilibrar a microbiota e levar à diarreia pelo C. difcile. O quadro clínico predominante é a diarreia, que pode iniciar dentro de um dia e durar até seis semanas após o início do antibiótico, porém ocorre mais comumente dentro de 4-9 dias. Geralmente a diarreia é líquida ou pastosa e raramente com sangue. Alguns pacientes também podem ter febre, dor abdominal e leucocitose. O diagnóstico é feito por meio da suspeita clínica (diarreia por >48h, geralmente após o uso de antibióticos) e por evidências da presença do C. difcile: pesquisa das toxinas A/B nas fezes ± GDH; OU do patógeno por PCR; OU visualização de pseudomembranas (placas esbranquiçadas ou amareladas) pela colonoscopia/retossigmoidoscopia. 3 O tratamento baseia-se na substituição do antibiótico causador por outro com potencial terapêutico. Em casos leves a moderados, utiliza-se o metronidazol por via oral (500 mg, de 8/8h, por 10-14 dias). Nos casos mais graves (como na presença de leucocitose importante ou disfunção renal), a escolha recai para a vancomicina (125 mg, de 6/6h, por 10-14 dias) ou fidaxomicina (200 mg, 1xd, por 10 dias), também por via oral. No transplante de microbiota fecal, indicado na colite pseudomembranosa refratária, as fezes de voluntários com microbiota saudável são processadas e infundidas no trato gastrointestinal do paciente por meio de exames endoscópicos ou via sonda nasoenteral, com bons resultados. *Esses pacientes têm risco aumentado de desenvolver uma complicação potencialmente grave: o megacólon tóxico, que consiste na dilatação colônica (>6 cm) associada a sinais de toxemia (febre, taquicardia, leucocitose, até mesmo hipotensão ou rebaixamento do nível de consciência). Em alguns casos, o paciente pode evoluir para necessidade de colectomia. ● Parasitoses Intestinais ○ Protozoários ■ Amebíase O agente etiológico é o Entamoeba histolytica. Vive no intestino grosso sob a forma trofozoíto, porém a forma de cisto é a responsável pela transmissão. A maioria dos indivíduos (90%) é assintomática. A forma intestinal mais comum é a apresentação sob disenteria (colite amebiana) e pseudotumoral (ameboma). As manifestações extraintestinais são o abscesso hepático e em outros órgãos (pulmão, pericárdio, SNC). A colite amebiana tem um perfil invasivo, com tenesmo, saída de sangue, muco e perda de peso, podendo evoluir para estágios mais graves, como colite grave. O acometimento cecal costuma confundir o quadro com o de apendicite. Em quadros mais arrastados, faz diagnóstico diferencial com doença inflamatória intestinal, e a disseminação hematogênica pode formar abscessos à distância, como no fígado. O diagnóstico é feito pelo proctoparasitológico de fezes (PPF), 3 amostras, e a sorologia por ELISA é o exame mais sensível na presença de doença invasiva, como no abscesso hepático amebiano. Todo paciente com amebíase deve ser tratado, independentemente dos sintomas. A terapia medicamentosa consiste no uso de agentes contra formas intraluminais (nitazoxanida, paromomicina, iodoquinol etc.) ou extraluminais (tinidazol, metronidazol, secnidazol). No caso de colite aguda e abscesso hepático, as duas modalidades de tratamento deverão ser associadas. 4 ■ Giardíase É causada pela Giardia lamblia (ou intestinalis), acomete o intestino delgado proximal e é principalmente transmitida pela água. Embora a maioria dos portadores sejam assintomáticos, caso a população parasitária seja significativa, poderá surgir diarreia com características disabsortivas. Classicamente, é uma infecção parasitária que não cursa com eosinofilia, nem há invasão intestinal. Pacientes com deficiência de IgA, hipogamaglobulinemia e AIDS podem apresentar quadros graves e dificuldade na erradicação. O diagnóstico é feito pelo PPF (3 amostras), por meio dos métodos de Faust ou exame a fresco (preferível em casos de fezes líquidas).e deficiência de nutrientes. ● Tratamento: Muitas vezes exige suplementação nutricional parenteral ou enteral e, em casos selecionados, pode ser indicada uma cirurgia de extensão do intestino. 11 Constipação A definição de constipação intestinal funcional na infância mais aceita foi proposta pelos critérios de Roma, com atualização publicada em 2016 (Roma IV): Pode-se classificar a constipação intestinal em aguda ou crônica e em orgânica ou funcional. A constipação intestinal aguda pode ocorrer em crianças que apresentem intercorrências clínicas (p.ex. doença infecciosa) por diminuição da ingestão de alimentos e de líquidos, causando redução no volume e ressecamento das fezes. Nesses casos, a normalidade é restabelecida na maioria das vezes com a recuperação do quadro clínico desencadeante, mas pode eventualmente progredir para o início de quadro de constipação intestinal funcional. Quando a constipação intestinal é causada por doença orgânica, a natureza real do problema geralmente é evidente na primeira infância e identificada na avaliação clínica. Em crianças maiores, mesmo que possível, raramente há associação com doença orgânica (constipação intestinal funcional). Na presença de sinais e sintomas de alarme para causas orgânicas, deve ser realizada investigação complementar direcionada. Alguns sintomas e sinais de alarme incluem o atraso na eliminação de mecônio (mais de 48 horas após o nascimento); o início no primeiro mês de vida; a presença de outros sintomas extraintestinais (vômitos biliosos, febre, queda do estado geral); o 12 baixo ganho de peso e estatura; as alterações ao exame neurológico ou ao exame da coluna lombar; a presença de sangue nas fezes; de tufo de pelos na região sacral, e a presença de fístulas perineais. A pseudoconstipação intestinal ocorre na vigência de aleitamento materno e corresponde ao aumento no intervalo entre as evacuações, no entanto, com fezes amolecidas e eliminadas sem dor ou dificuldade. Ao exame físico deve-se avaliar o tônus da musculatura abdominal, o conteúdo abdominal e o estado neurológico do paciente. Deve ser realizada inspeção da região perineal, para identificar a posição do orifício anal, assim como fissuras anais e escape fecal. Não há evidências para recomendar a realização de toque retal para o diagnóstico de constipação intestinal em todos os pacientes, especialmente em crianças maiores de um ano de idade sem sinais e sintomas de alarme. O toque retal não deve ser realizado quando há suspeita de violência sexual, situação que exige avaliação multiprofissional. Entretanto, o toque retal pode ser recomendado quando há suspeita de fecaloma, sinais de alarme e/ou suspeita de causas orgânicas A maioria das crianças requer mínima ou nenhuma investigação com exames complementares. Estudos radiológicos geralmente não são indicados na constipação intestinal funcional. A radiografia simples de abdômen pode eventualmente ser útil para avaliar a presença e a extensão da retenção fecal nos pacientes em que a palpação abdominal é difícil, mas não é recomendada de rotina. A principal indicação de realização de manometria anorretal é a constipação intestinal refratária, para avaliar a presença do reflexo inibitório retoanal e outros aspectos da função evacuatória. Uma vez estabelecida, a constipação intestinal deve ser tratada com um programa que inclua elementos de educação e aconselhamento; esvaziamento e manutenção (prevenção da retenção). 13 Nesse sentido, há diferentes opções de tratamento farmacológico: - Polietilenoglicol (PEG) É o medicamento de primeira escolha no tratamento da constipação intestinal funcional em crianças. O PEG é um polímero biologicamente inerte e solúvel em água que é minimamente absorvido no trato gastrointestinal. O PEG interage com as moléculas de água formando ligações de hidrogênio, em uma proporção de 100 moléculas de água por 1 molécula de PEG, o que leva a um aumento adicional na água no conteúdo do cólon. A dose nesta primeira fase de tratamento é de 1 a 1,5 g/kg/dia por três dias ou até que se perceba que houve esvaziamento das fezes retidas. ***É possível utilizar enema com solução salina 0,9% (5 a 10 ml/Kg à noite) em menores de um ano e 6 ml/Kg em maiores de um ano) ou enema de fosfato de sódio em pacientes acima de um ano (2,5 ml/Kg). No entanto, esta estratégia tende a ser mais desconfortável e invasiva para o paciente, devendo ser reservada para os casos em que o tratamento com PEG por via oral não seja possível. Pelo fato de existir algum risco de hiperfosfatemia, o enema de fosfato de sódio deve ser evitado O objetivo do tratamento de manutenção é manter a evacuação de fezes pastosas diárias ou a cada dois dias, para prevenir retenção fecal e evitar a passagem de fezes volumosas. Os elementos principais incluem o uso de medicamentos, a modificação da dieta e o recondicionamento do hábito intestinal. Nessa fase, o PEG é superior a outros laxantes orais, sendo recomendado como tratamento de manutenção de primeira linha para constipação intestinal. A dose recomendada é de 0,2 a 0,8 g/kg/dia, podendo ser aumentada ou reduzida de acordo com a consistência das fezes. - Lactulose É um dissacarídeo sintético composto de galactose e frutose, não absorvível que aumenta o conteúdo de água nas fezes por efeito osmótico, sendo bem tolerada para o uso prolongado e podendo ser recomendada como segunda opção terapêutica quando o PEG não está disponível, na dose de 1 a 3 mL/kg/dia. Como se trata de um açúcar, este produto pode sofrer fermentação pelas bactérias do cólon, levando a flatulência e cólicas. - O uso de óleo mineral, leite de magnésia e laxantes estimulantes pode ser considerado como tratamento adicional ou de segunda linha. **O óleo mineral deve ser evitado em pacientes menores de dois anos ou com distúrbios de deglutição associados, e nunca deve ser administrado à força às crianças, pelo risco de aspiração → O tratamento medicamentoso de manutenção deve ser recomendado por ao menos dois meses e, todos os sintomas de constipação intestinal devem estar ausentes por ao menos um mês, antes de a redução gradual da dosagem da medicação ser considerada. 14 Diagnóstico Diferencial para Constipação com Foco Cirúrgico a) Obstrução Intestinal ● Etiologia: Causada por barreiras mecânicas que impedem a passagem do conteúdo intestinal. Entre as causas mais comuns estão aderências (frequentes após cirurgias abdominais), hérnias encarceradas, tumores intestinais, torção do intestino e corpos estranhos. ● Sintomas: Constipação intensa, ausência de eliminação de gases (íleo paralítico), dor abdominal difusa ou localizada, náuseas e vômitos fecaloides (nos casos mais graves). Distensão abdominal visível é comum. ● Tratamento: A obstrução completa frequentemente exige intervenção cirúrgica imediata para desobstrução. Nos casos de aderências, uma laparoscopia pode ser utilizada para liberar as aderências. Hérnias necessitam de correção cirúrgica para prevenir complicações graves como estrangulamento. b) Volvo ● Etiologia: Trata-se da torção de uma parte do intestino (mais comum no cólon sigmoide). Essa torção compromete o fluxo sanguíneo e leva à obstrução. 15 ● Sintomas: Constipação severa, dor abdominal súbita e intensa, distensão abdominal e, em casos avançados, necrose do segmento intestinal. ● Tratamento: O volvo do sigmoide pode ser manejado com a descompressão endoscópica (sigmoidoscopia), mas, em casos recorrentes ou se houver sinais de necrose, uma cirurgia de ressecção é necessária para evitar complicações fatais. c) Apendicite Retrocecal ● Etiologia: Em uma posição retrocecal, o apêndice inflama e gera sintomas atípicos que incluem constipação em vez da diarreia. ● Sintomas: Dor abdominal menos localizada, especialmente na região lombar ou na fossa ilíaca direita, febre leve e, ocasionalmente, sintomas urinários. ● Tratamento: Apendicectomia é o tratamento de escolha, frequentemente por laparoscopia. Um diagnóstico tardio pode resultar em perfuração e abscesso. d) Diverticulite● Etiologia: Inflamação dos divertículos, que são pequenas bolsas no cólon, geralmente no sigmoide. Essa inflamação pode resultar em microperfurações e abscessos locais. ● Sintomas: Dor no quadrante inferior esquerdo do abdome, febre, constipação e, ocasionalmente, diarreia. Em casos graves, pode haver peritonite devido à perfuração. ● Tratamento: Casos leves são tratados com antibióticos, mas em episódios recorrentes ou complicados (peritonite ou abscesso), é indicada a ressecção do segmento afetado do cólon. e) Câncer Colorretal ● Etiologia: Tumores no intestino grosso (cólon e reto) que podem obstruir o lúmen intestinal, levando a sintomas de constipação progressiva. ● Sintomas: Constipação, alteração do hábito intestinal, presença de sangue nas fezes, dor abdominal e perda de peso. ● Tratamento: Cirurgia é frequentemente o tratamento principal, que pode envolver ressecção do segmento afetado do intestino, seguida de quimioterapia dependendo do estágio do tumor. 16 teste manejo_paciente_diarreia_2.indd 5564e217127fd27522facc35037623d99d25887fbf350569da7b31564604e929.pdf testeO tratamento pode ser feito com imidazólicos (tinidazol, secnidazol ou metronidazol), nitazoxanida, albendazol (5 dias) ou furazolidona. A maioria dos autores recomenda controle de cura com PPF em 7, 14 e 21 dias após o tratamento. ○ Helmintos ■ Ascaridíase Conhecidamente a parasitose mais prevalente no mundo, está diretamente associada a baixos índices socioeconômicos. É causada pelo Ascaris lumbricoides, cujas formas adultas convivem principalmente no jejuno, porém possuem uma fase pulmonar chamada de ciclo de Loss. A maioria dos indivíduos é assintomática, porém alguns casos podem evoluir para diarreia, dor abdominal, anorexia, desnutrição, eliminação dos vermes vivos (ânus, boca, nariz), complicações biliopancreáticas pela migração do verme e até obstrução intestinal. Durante a fase pulmonar, os pacientes podem apresentar tosse seca, broncoespasmo, pneumonia intersticial e eosinoflia: é a síndrome de Loeffler. Exames de imagem do tórax podem evidenciar múltiplos infiltrados intersticiais migratórios. O diagnóstico é feito com a identificação dos ovos de ascaris pelo PPF ou com a visualização do verme pela exteriorização ou por exames de imagem. O tratamento das formas não complicadas pode ser feito com albendazol, mebendazol, levamisol ou pamoato de pirantel. No caso de obstrução intestinal, é recomendado o uso adicional da piperazina e óleo mineral. A piperazina teria o efeito de imobilizar o verme por ação no sistema muscular, mas, na prática, é uma medicação difícil de encontrar. ■ Estrongiloidíase É causada pelo Strongyloides stercoralis, um helminto que infesta preferencialmente o delgado proximal. Curiosamente, a fêmea desse verme é capaz de se reproduzir por partenogênese, permitindo múltiplos ciclos de auto-infestação. Grande parte dos pacientes é assintomática, porém queixas gastrointestinais inespecíficas como dor, desconforto abdominal e diarreia são comuns. Alguns pacientes apresentam manifestações cutâneas devido à migração das larvas, resultando em lesões eritematosas serpiginosas, situação essa conhecida como “larva currens”. É importante ressaltar que pacientes imunossuprimidos podem complicar com estrongiloidíase disseminada e sepse por gram-negativos, pela quebra da barreira intestinal. O diagnóstico pode ser realizado por PPF (método de Baermann-Moraes) e o tratamento pode ser feito com ivermectina, albendazol, tiabendazol. ■ Ancilostomíase Trata-se de uma parasitose causada por dois agentes: o Necator americanus (o mais prevalente no Brasil) e o Ancylostoma duodenale. É popularmente conhecida como “amarelão” ou “doença do Jeca Tatu”, devido à alta associação com o ambiente rural e à prevalência de anemia em pacientes não tratados. Infestam principalmente o intestino delgado proximal e possuem um ciclo pulmonar (ciclo de Loss e Síndrome de Loeffler). A maioria dos pacientes são assintomáticos, porém alguns pacientes 5 apresentam diarreia, dor abdominal que piora com as refeições, hipoalbuminemia, eosinofilia, anemia ferropriva e manifestações dermatológicas (que não podem ser confundidas com as da estrongiloidíase). Essa última é causada pela invasão do verme na mucosa, que gera inflamação e extravasamento de substâncias para sucção desses vermes. O exame que possibilita o diagnóstico é a análise fecal pelo método de Willis. O tratamento segue a mesma linha dos helmintos, com albendazol, mebendazol, tiabendazol, ivermectina e cambendazol. ■ Teníase Os agentes etiológicos são a Taenia solium e Taenia saginata. O principal meio de transmissão é a ingestão de carne infectada e mal preparada de boi (T. saginata) e porco (T. solium). Os sintomas variam desde o assintomático a manifestações gastrointestinais inespecíficas. Entretanto, atenção à uma experiência única durante o exame físico: é relativamente comum o relato da eliminação do verme (na verdade, proglotes) nas fezes. Do ponto de vista prático, a forma de apresentação mais importante é a cisticercose. As manifestações clínicas dependem do órgão acometido, porém os sintomas neurológicos são os mais temidos. A principal apresentação é por crise convulsiva, mas, a depender da localização, outros sinais podem aparecer: hidrocefalia (obstrução de fluxo do LCR), hipertensão intracraniana, meningite crônica e até AVC. O diagnóstico é feito por meio da detecção de ovos ou das proglotes, sendo esse último um método de diferenciação entre as duas espécies. A neurocisticercose geralmente é diagnosticada por meio da junção da história clínica, da epidemiologia e de achados nos exames de imagem, sorológicos ou pela análise do líquor. Muitas vezes, o diagnóstico de certeza não pode ser realizado. O tratamento da teníase é feito principalmente com o praziquantel, mebendazol e albendazol. Em caso de neurocisticercose, somente os pacientes com sinais de doença ativa devem receber tratamento com antiparasitários. Nesse caso, é necessário o uso adjuvante de corticoides para controlar a reação inflamatória e, caso seja preciso, associar anticonvulsivantes. Quando houver acometimento ocular, o tratamento é a excisão cirúrgica dos cistos. ■ Toxocaríase Essa parasitose tem como seu hospedeiro definitivo o cão, que elimina os ovos nas fezes e contamina o solo. Geralmente, as crianças que brincam na areia despercebidamente colocam esses ovos na boca e, uma vez no intestino, são distribuídos pela corrente sanguínea ao pulmão, coração e restante do corpo. Por que essa informação é importante? Pela resposta clínica que ela dá: intensa e marcante eosinofilia. Na fase sistêmica, a toxocaríase manifesta-se com febre alta, hepatomegalia, hipergamaglobulinemia e intensa eosinofilia e, em alguns casos, podem chegar a intensos 30-50-100.000/mm3. Uma vez que o ciclo pulmonar é o responsável pelo retorno do agente infectante ao meio ambiente, não há desenvolvimento do verme adulto no intestino; portanto, não faz sentido pedir um PPF para esses pacientes. Sendo assim, o exame de escolha é a sorologia por ELISA. Casos assintomáticos não têm obrigatoriedade de tratamento, pois têm alta probabilidade de serem autolimitados. Entretanto, nos casos sintomáticos, principalmente com acometimento do miocárdio, SNC ou pulmão, os glicocorticóides podem ser utilizados para a diminuição de complicações pós-infecciosas. Em geral, anti-helmínticos parecem não ter boa eficácia, exceto pela forma ocular, na qual pode-se utilizar o albendazol. ■ Esquistossomose O agente etiológico desse circo de sinais e sintomas é o Schistosoma mansoni. A forma adulta vive no sistema venoso mesentérico, porém coloca os ovos na região retossigmoide. Por isso, o quadro clínico e a investigação do verme adulto são relacionados às alterações abdominais (sistema portal, mesentérico e alterações intestinais), enquanto o diagnóstico é direcionado à biópsia da mucosa retal, onde são postos os ovos. 6 A esquistossomose pode ser subdividida em aguda ou crônica. A fase aguda é marcada pela penetração das cercárias, que leva ao surgimento de uma dermatite pruriginosa (dermatite cercariana). Aproximadamente oito semanas depois, devido a uma reação imunológica, surge uma síndrome eosinofílica febril, a conhecida febre de Katayama. Nessa fase, o paciente apresenta sinais e sintomas inespecíficos (febre, calafrios, sudorese, anorexia) e gastrointestinais gerais (vômitos, diarreia, dor abdominal), além de acometimento neurológico periférico, polimicrolinfadenopatia e hepatoesplenomegalia. O diagnóstico pode ser feito pela biópsia da mucosa retal, respeitando o fato de que a ovipostura só ocorre após 40 dias da chegada do parasita. Portanto, exames realizados antes disso poderão gerar resultados falso-negativos. A sorologia por ELISA é um bom método nesses casos. A fase crônica é marcada pelo duplo tipo de resposta à presença dos ovos maduros nos sistemas: formação de granulomas ou fenômenos imunológicos. A formação de granulomas é o protótipo das formas intestinal, hepatoesplênica e medular. No intestino, esses granulomas auxiliam no desenvolvimento de sintomas, como dor abdominal em cólicas,anorexia, náuseas, vômitos, eructações e flatulência. No caso de um granuloma de tamanho considerável, pode manifestar-se de forma pseudotumoral. No espaço porta, os ovos depositados desencadeiam uma fibrose granulomatosa intra-hepática e pré-sinusoidal, a chamada fibrose de Symmers. Essa é a compreensão fisiopatológica da principal alteração vascular esquistossomótica: a hipertensão portal não cirrótica. O tratamento da esquistossomose, para os casos simples, é em dose única feito por meio do medicamento Praziquantel, receitado pelo médico e distribuído gratuitamente pelo Ministério da Saúde. Os casos graves geralmente requerem internação hospitalar e até mesmo tratamento cirúrgico, conforme cada situação. ■ Enterobíase Causada pelo Enterobius vermicularis, é muito associada à idade escolar, e não necessariamente aos níveis socioeconômicos. Infestam o intestino grosso, porém migram para a região perianal, onde liberam seus ovos. Essa colocação de ovos próxima ao canal anal gera o sintoma mais proeminente dessa doença: prurido anal. A progressão da colocação de ovos pode induzir sintomas ginecológicos, como prurido e corrimento vaginal. O diagnóstico é feito pela fita gomada (método de Graham) e o tratamento com albendazol (dose única), mebendazol ou pamoato de pirvínio ou pamoato de pirantel (dose única). ■ Tricuríase O agente responsável é o Trichuris trichiura, que vive no intestino grosso. Seu vínculo mental com o quadro clínico desse verme é o prolapso retal. Adicionalmente, podem existir colite e enterorragia inflamatórias. O diagnóstico é feito pela análise do PPF. O tratamento é com albendazol (dose única) ou mebendazol. 7 IDENTIFICAR DISENTERIA OU OUTRAS PATOLOGIAS ASSOCIADAS À DIARREIA D.1 VERIFICAR SE O PACIENTE TEM SANGUE NAS FEZES (DISENTERIA) E AVALIAR SEU ESTADO D.1 VERIFICAR SE O PACIENTE TEM SANGUE NAS FEZES (DISENTERIA) E AVALIAR SEU ESTADO GERAL:GERAL: D.1.1 Se apresentar sangue nas fezes e comprometimento do estado geral, conforme o quadro de avaliação do estado de hidratação do paciente e/ou febre alta persistente, dor abdominal, tenesmo ou comprometimento sistêmico: D.1.1.1 Reidratar o paciente conforme os planos A, B ou C definido segundo estado de hidratação. D.1.1.2 Iniciar antibioticoterapia: a) CRIANÇAS COM ATÉ 30 kg (até 10 anos): (a partir de 3 meses e sem imunodeficiência) Azitromicina: 10 mg/kg/dia, via oral, no primeiro dia e 5 mg/kg/dia por mais 4 dias; Ceftriaxona: 50 mg/kg intramuscular 1 vez ao dia, por 3 a 5 dias, como alternativa. b) CRIANÇAS COM MAIS DE 30kg (com mais de 10 anos), ADOLESCENTES e ADULTOS: Ciprofloxacino: 1 comprimido de 500 mg de 12/12h, via oral, por 3 dias; Ceftriaxona: 50 a 100 mg/kg intramuscular 1 vez ao dia, por 3 a 5 dias, como alternativa. Observação: crianças com quadro de desnutrição devem ter o primeiro atendimento em qualquer estabelecimento de saúde, devendo-se iniciar hidratação e antibioticoterapia de forma imediata, até que chegue ao hospital. D.1.1.3 Orientar o paciente ou acompanhante para aumento da ingestão de líquidos e manter a alimentação habitual, caso o tratamento seja realizado no domicílio. D.1.1.4 Reavaliar o paciente após 2 dias. D.1.1.5 Se persistir a presença de sangue nas fezes após 48 horas do início do tratamento: SE CRIANÇA (até 10 anos): Encaminhar para internação hospitalar. SE ADULTO, ADOLESCENTE OU CRIANÇAS COM MAIS DE 10 ANOS: • Condições gerais boas: seguir planos A, B ou C, conforme estado de hidratação – não usar antibioticoterapia. • Condições gerais comprometidas: administrar Ceftriaxona 50 a 100 mg/kg, via intramuscular, 1 vez ao dia, por 3 a 5 dias, ou encaminhar para internação hospitalar. D.2 IDENTIFICAR DIARREIA PERSISTENTE/CRÔNICAD.2 IDENTIFICAR DIARREIA PERSISTENTE/CRÔNICA D.2.1 Se tiver mais de 14 dias de evolução da doença: D.2.1.1 Encaminhar o paciente para a uma unidade hospitalar se: • For menor de 6 meses. • Apresentar sinais de desidratação. Nesse caso, reidrate-o primeiro e, em seguida, encaminhe-o a uma unidade hospitalar. Observação: quando não houver condições de encaminhar para a unidade hospitalar, orientar o responsável/acompanhante para administrar líquidos e manter a alimentação habitual no domicílio enquanto aguarda referência hospitalar. Caso apresente algum sinal de alerta (vide item A 3.2), levar imediatamente a um estabelecimento de saúde para atendimento. D.2.1.2 Pacientes maiores de 6 meses sem sinais de desidratação: encaminhar para consulta médica para investigação e tratamento. D.3 OBSERVAR SE HÁ DESNUTRIÇÃO GRAVED.3 OBSERVAR SE HÁ DESNUTRIÇÃO GRAVE D.3.1 Se o paciente estiver com desnutrição grave: D.3.1.1 E estiver hidratado: encaminhar para o tratamento no estabelecimento de saúde. D.3.1.2 E estiver desidratado: iniciar imediatamente a reidratação e em seguida encaminhar o paciente para o tratamento no estabelecimento de saúde. Entregar ao paciente ou responsável envelopes de SRO em quantidade suficiente e recomendar que continue a reidratação até que chegue ao estabelecimento de saúde em que receberá o tratamento. D.4 VERIFICAR A TEMPERATURAD.4 VERIFICAR A TEMPERATURA D.4.1 Se o paciente estiver com a temperatura de 39 ºC ou mais, além do quadro diarreico, investigar e tratar outras possíveis causas, por exemplo, pneumonia, otite, amigdalite, faringite, infecção urinária. MANEJO DO PACIENTE COM DIARREIAMANEJO DO PACIENTE COM DIARREIA AVALIAÇÃO DO ESTADO DE HIDRATAÇÃO DO PACIENTE ETAPAS A (sem desidratação) B (com desidratação) C (com desidratação grave) OBSERVE Estado geral1 Ativo, alerta Irritado, intranquilo Comatoso, hipotônico, letárgico ou inconsciente* Olhos1 Sem alteração Fundos Fundos Sede1 Sem sede Sedento, bebe rápido e avidamente Não é capaz de beber* Lágrimas Presentes Ausentes Ausentes Boca/língua Úmida Seca ou levemente seca Muito seca EXPLORE Sinal da prega abdominal1 Desaparece imediatamente Desaparece lentamente Desaparece muito lentamente (mais de 2 segundos) Pulso Cheio Cheio Fraco ou ausente* Perda de peso2 Sem perda Até 10% Acima de 10% DECIDA SEM SINAIS DE DESIDRATAÇÃO Se apresentar dois ou mais sinais: COM DESIDRATAÇÃO Se apresentar dois ou mais sinais sendo ao menos um destacado com asterisco (*): DESIDRATAÇÃO GRAVE TRATE PLANO A PLANO B PLANO C 1 Variáveis para avaliação do estado de hidratação do paciente que têm maior relação de sensibilidade e especificidade, segundo a Organização Mundial da Saúde. 2 A avaliação da perda de peso é necessária quando o paciente está internado e evolui com diarreia e vômito. OBSERVAÇÃO: caso haja dúvida quanto à classificação (variáveis de desidratação ou de desidratação grave), deve-se estabelecer o plano OBSERVAÇÃO: caso haja dúvida quanto à classificação (variáveis de desidratação ou de desidratação grave), deve-se estabelecer o plano de de tratamento considerado no pior cenário.tratamento considerado no pior cenário. PLANO A PARA PREVENIR A DESIDRATAÇÃO NO DOMICÍLIO A.1 INGERIR/OFERECER MAIS LÍQUIDO QUE O HABITUAL PARA A.1 INGERIR/OFERECER MAIS LÍQUIDO QUE O HABITUAL PARA PREVENIR A DESIDRATAÇÃO:PREVENIR A DESIDRATAÇÃO: A.1.1 O paciente deve tomar líquidos caseiros (água, chá, suco, água de coco, sopas) ou solução de sais de reidratação oral (SRO) após cada evacuação diarreica e episódio de vômito, em pequenas quantidades e maior frequência. A.1.2 Não utilizar refrigerantes e, preferencialmente, não adoçar o chá ou o suco. A.2 MANTER A ALIMENTAÇÃO HABITUAL PARA PREVENIR A A.2 MANTER A ALIMENTAÇÃO HABITUAL PARA PREVENIR A DESNUTRIÇÃO:DESNUTRIÇÃO: A.2.1 Manter a alimentação habitual – tanto as crianças como os adultos. A.2.2 Criança em aleitamento materno exclusivo – o único líquido que deve ser oferecido, além do leite materno, é a solução de SRO. A.3 LEVAR O PACIENTE IMEDIATAMENTE AO ESTABELECIMENTO DE A.3 LEVAR O PACIENTE IMEDIATAMENTE AO ESTABELECIMENTO DE SAÚDE SE:SAÚDE SE: A.3.1 Não melhorar em 2 dias. A.3.2 Apresentar qualquer um dos sinais de alerta abaixo: A.4 ORIENTAR O PACIENTEOU ACOMPANHANTE PARA:A.4 ORIENTAR O PACIENTE OU ACOMPANHANTE PARA: A.4.1 Reconhecer os sinais de desidratação e sinais de alerta. A.4.2 Preparar e administrar a solução de sais de reidratação oral. A.4.3 Praticar medidas de higiene pessoal e domiciliar (lavagem adequada das mãos, tratamento da água intradomiciliar e higienização dos alimentos). A.5 ADMINISTRAR ZINCO 1 vez ao dia, DURANTE 10 A 14 DIAS:A.5 ADMINISTRAR ZINCO 1 vez ao dia, DURANTE 10 A 14 DIAS: A.5.1 Até 6 meses de idade: 10 mg/dia. A.5.2 Maiores de 6 meses a menores de 5 anos de idade: 20 mg/dia. PLANO B PARA TRATAR A DESIDRATAÇÃO POR VIA ORAL NO ESTABELECIMENTO DE SAÚDE B.1 ADMINISTRAR SOLUÇÃO DE SAIS DE REIDRATAÇÃO ORAL: B.1.1 Apenas como orientação inicial, o paciente deverá receber de 50 a 100 ml/kg (média de 75 ml/kg) para ser administrado no período de 4-6 horas. B.1.2 A quantidade de solução ingerida dependerá da sede do paciente. B.1.3 A solução de SRO deverá ser administrada continuamente, até que desapareçam os sinais de desidratação. B.1.4 Se o paciente desidratado, durante o manejo do PLANO B, apresentar vômitos persistentes, administrar uma dose de antiemético ondansetrona: • Crianças de 6 meses a 2 anos: 2 mg (0,2 a 0,4 mg/kg); • Maiores de 2 anos a 10 anos (até 30 kg): 4 mg; • Adultos e crianças com mais de 10 anos (mais de 30 kg): 8 mg. B.2. DURANTE A REIDRATAÇÃO REAVALIAR O PACIENTE SEGUINDO AS ETAPAS DO QUADRO “AVALIAÇÃO DO ESTADO DE HIDRATAÇÃO DO PACIENTE”: B.2.1 Se desaparecerem os sinais de desidratação, utilize o PLANO A. B.2.2 Se continuar desidratado, indicar a sonda nasogástrica (gastróclise). B.2.3 Se o paciente evoluir para desidratação grave, seguir o PLANO C. B.3 DURANTE A PERMANÊNCIA DO PACIENTE OU DO ACOMPANHANTE NO SERVIÇO DE SAÚDE, ORIENTAR A: B.3.1 Reconhecer os sinais de desidratação. B.3.2 Preparar e administrar a solução de SRO. B.3.3 Praticar medidas de higiene pessoal e domiciliar (lavar adequadamente as mãos, tratar a água para consumo humano (ingestão) e higienizar os alimentos). O PLANO B DEVE SER REALIZADO NO ESTABELECIMENTO DE SAÚDE. O PACIENTE DEVE PERMANECER NO ESTABELECIMENTO DE SAÚDE ATÉ A REIDRATAÇÃO COMPLETA. PLANO C PARA TRATAR A DESIDRATAÇÃO GRAVE POR VIA ENDOVENOSA NO ESTABELECIMENTO DE SAÚDE/HOSPITAL C.1 ADMINISTRAR REIDRATAÇÃO ENDOVENOSA – FASE DE EXPANSÃO E C.1 ADMINISTRAR REIDRATAÇÃO ENDOVENOSA – FASE DE EXPANSÃO E FASE DE MANUTENÇÃO/REPOSIÇÃOFASE DE MANUTENÇÃO/REPOSIÇÃO FASE DE EXPANSÃO – MENORES DE 1 ANOFASE DE EXPANSÃO – MENORES DE 1 ANO33 SOLUÇÃO VOLUME TEMPO DE ADMINISTRAÇÃO 1º Soro Fisiológico a 0,9% ou Ringer Lactato 30 ml/kg 1 hora 2º Soro Fisiológico a 0,9% ou Ringer Lactato 70 ml/kg 5 horas FASE DE EXPANSÃO – A PARTIR DE 1 ANOFASE DE EXPANSÃO – A PARTIR DE 1 ANO33 SOLUÇÃO VOLUME TEMPO DE ADMINISTRAÇÃO 1º Soro Fisiológico a 0,9% ou Ringer Lactato 30 ml/kg 30 minutos 2º Soro Fisiológico a 0,9% ou Ringer Lactato 70 ml/kg 2 horas e 30 minutos 3 Para recém-nascidos ou menores de 5 anos com cardiopatias graves, começar com 10 ml/kg de peso. FASE DE MANUTENÇÃO/REPOSIÇÃO PARA TODAS AS FAIXAS ETÁRIASFASE DE MANUTENÇÃO/REPOSIÇÃO PARA TODAS AS FAIXAS ETÁRIAS SOLUÇÃO VOLUME TEMPO DE ADMINISTRAÇÃO 3º Soro Glicosado a 5% + Soro Fisiológico a 0,9% na proporção de 4:1 (manutenção) Peso até 10 kg 100 ml/kg 24 HORAS Peso de 10 a 20kg 1.000 ml + 50 ml/kg de peso que exceder 10 kg Peso acima de 20 kg 1.500 ml + 20 ml/kg de peso que exceder 20 kg (no máximo 2.000 ml) + Soro Glicosado a 5% + Soro Fisiológico a 0,9% na proporção de 1:1 (reposição) Iniciar com 50 ml/kg/dia. Reavaliar esta quantidade de acordo com as perdas do paciente. + KCl a 10% 2 ml para cada 100 ml de solução da fase de manutenção. C.2 AVALIAR O PACIENTE CONTINUAMENTE. SE NÃO HOUVER MELHORA C.2 AVALIAR O PACIENTE CONTINUAMENTE. SE NÃO HOUVER MELHORA DA DESIDRATAÇÃO, AUMENTAR A VELOCIDADE DE INFUSÃO/DA DESIDRATAÇÃO, AUMENTAR A VELOCIDADE DE INFUSÃO/ GOTEJAMENTO:GOTEJAMENTO: C.2.1 Iniciar a reidratação por via oral com solução de SRO, quando o paciente puder beber, geralmente 2 a 3 horas após o início da reidratação endovenosa, concomitantemente. C.2.2 Interromper a reidratação por via endovenosa somente quando o paciente puder ingerir a solução de SRO em quantidade suficiente para se manter hidratado. A quantidade de solução de SRO necessária varia de um paciente para outro, dependendo do volume das evacuações. C.2.3 Observar o paciente por pelo menos 6 horas. C.2.4 Reavaliar o estado de hidratação e orientar quanto ao tratamento apropriado a ser seguido: PLANO A, B ou continuar com o C. OS PACIENTES QUE ESTIVEREM SENDO REIDRATADOS POR VIA ENDOVENOSA DEVEM PERMANECER NO ESTABELECIMENTO DE SAÚDE ATÉ QUE ESTEJAM COMPLETAMENTE HIDRATADOS E CONSEGUINDO MANTER A HIDRATAÇÃO POR VIA ORAL. USO DE MEDICAMENTOS EM PACIENTES COM DIARREIA Antibióticos: Devem ser usados somente para casos de diarreia com sangue (disenteria) e comprometimento do estado geral ou em caso de cólera grave. Em outras condições, os antibióticos são ineficazes, causam resistência antimicrobiana e, portanto, não devem ser prescritos. Antiparasitários: Devem ser usados somente para: • Amebíase, quando o tratamento de disenteria por Shigella sp fracassar, ou em casos em que se identificam nas fezes trofozoítos de Entamoeba histolytica englobando hemácias: Metronidazol 50 mg/kg/dia 3x/dia por 10 dias. • Giardíase, quando a diarreia durar 14 dias ou mais, se identificarem cistos ou trofozoítos nas fezes ou no aspirado intestinal: Metronidazol 15 mg/kg/dia 3x/dia por 5 dias. Zinco: Deve ser administrado, conforme descrito no PLANO A, para crianças menores de 5 anos. Antiemético: Apenas deve ser usado se o paciente apresentar vômitos persistentes, conforme descrito no PLANO B, para garantir que consiga ingerir a solução de SRO e ser reidratado. ANTIDIARREICOS NÃO DEVEM SER USADOS IDADE Quantidade de líquidos que deve ser administrada/ ingerida após cada evacuação diarreica Menores de 1 ano 50-100 ml De 1 a 10 anos 100-200 ml Maiores de 10 anos Quantidade que o paciente aceitar ATENÇÃO: SE, APÓS 6 HORAS DE TRATAMENTO, NÃO HOUVER MELHORA DA DESIDRATAÇÃO, ENCAMINHAR AO HOSPITAL DE REFERÊNCIA PARA INTERNAÇÃO. • Piora da diarreia (ex.: aumento da frequência ou do volume) • Vômitos repetidos • Sangue nas fezes • Diminuição da diurese • Muita sede • Recusa de alimentos SINAIS DE SINAIS DE ALERTAALERTA ALERTA: NÃO UTILIZAR EM GESTANTES. NOTA: Crianças menores de 3 meses ou criança com imunodeficiência: • Ceftriaxona: 50 a 100 mg/kg endovenosa 1 vez ao dia. Se não estiver hospitalizada, administrar 1ª dose intramuscular e referenciar ao hospital. Departamento Científico de Gastroenterologia • Sociedade Brasileira de Pediatria 3 Eventualmente outras causas podem iniciar o quadro como diarreia tais como: alergia ao leite de vaca, deficiência de lactase, apendicite aguda, uso de laxantes e antibióticos, intoxica- ção por metais pesados. A invaginação intesti- nal tem que ser considerada no diagnóstico di- ferencial da disenteria aguda, principalmente, no lactente. A investigação da etiologia da diarreia aguda não é obrigatória em todos os casos. Deve ser rea- lizada nos casos graves e nos pacientes hospitali- zados. Deve ser lembrado que os laboratórios, em geral, não dispõem de recursos para diagnosticar todas as bactérias e vírus causadores de diarreia aguda. Novos métodos diagnósticos utilizando a técnica de PCR multiplex estão em desenvolvi- mento e têm potencial para proporcionar, no fu- turo, o diagnóstico etiológico com maior rapidez e abrangência. Os seguintes agentes infecciosos são os que causam a maior parte dos quadros da diarreia aguda: Vírus - rotavírus, coronavírus, adenovírus, ca- licivírus (em especial o norovírus) e astrovírus. Bactérias - E. coli enteropatogênica clássica, E. coli enterotoxigenica, E. coli enterohemorrágica, E.coli enteroinvasiva, E. coli enteroagregativa18, Aeromonas, Pleisiomonas, Salmonella, Shigella, Campylobacter jejuni, Vibrio cholerae, Yersinia Parasitos - Entamoeba histolytica, Giardia lamblia, Cryptosporidium, Isosopora Fungos – Candida albicans Pacientes imunocomprometidos ou em an- tibioticoterapia prolongada, podem ter diarreia causada por: Klebsiella, Pseudomonas, Aereobac- ter, C. difficile, Cryptosporidium, Isosopora, VIH, e outros agentes. Causas Princípios da avaliação clínica De acordo com a OMS, a anamnese da criança com doença diarreica deve contemplar os seguin- tes dados: duração da diarreia, número diário de evacuações, presença de sangue nas fezes, núme- ro de episódios de vômitos, presença de febre ou outra manifestação clínica, práticas alimentares prévias e vigentes, outros casos de diarreia em casa ou na escola. Deve ser avaliado, também, a oferta e o consumo de líquidos, além do uso de medicamentos e o histórico de imunizações6. É importante, também, obter informação sobre a diurese e peso recente, se conhecido. A história e o exame físico são indispensá- veis para uma conduta adequada. Não se deve esquecer que alguns pacientes têm maior risco de complicações, tais como: idade inferior a dois meses; doença de base grave como o diabete melito, a insuficiência renal ou hepática e outras doenças crônicas; presença de vômitos persis- tentes; perdas diarreicas volumosas e frequen- tes (mais de oito episódios diários) e a percep- ção dos pais de que há sinais de desidratação. Ao exame físico é importante avaliar o esta- do de hidratação, o estado nutricional, o estado de alerta (ativo, irritável, letárgico), a capacidade de beber e a diurese. O percentual de perda de peso é considerado o melhor indicador da desi- dratação. Mesmo quando o peso anterior recente não é disponível, é fundamental que seja mensu- rado o peso exato na avaliação inicial do pacien- te. A avaliação nutricional é muito importante na abordagem da criança com doença diarreica. O peso é fundamental no acompanhamento tan- to em regime de internação hospitalar como no ambulatório. Considera-se que perda de peso de até 5% represente a desidratação leve; entre 5% e 10% a desidratação é moderada; e perda de mais de 10% traduz desidratação grave. Essa classificação proporciona uma estimativa do vo- lume necessário para correção do déficit corpo- ral de fluído em consequência da doença diarrei- ca: perda de 5%, ou seja, 50 mL/Kg; de 5 a 10%, ou seja, 50 a 100 mL/Kg e mais do que 10%, ou seja, mais de 100 mL/Kg7. Diarreia aguda: diagnóstico e tratamento 4 Outro ponto fundamental na avaliação da hi- dratação da criança com doença diarreica é vin- cular os achados do exame clínico à conduta a ser adotada. Assim, apesar de existirem outras estratégias para avaliar o estado de hidratação, a proposta da OMS, também adotada pelo MS deve continuar sendo utilizada (Quadro 1)5-7,9. A avaliação do estado de hidratação do paciente com diarreia deve ser criteriosa e inclui o exa- me do estado geral do paciente, dos olhos, se há lágrimas ou não, se o paciente tem sede, o nível de consciência, presença do sinal da prega cutâ- nea, e como se encontra o pulso e o enchimento capilar. Outros achados podem ser importantes quando presentes, traduzindo a gravidade do quadro, tais como nível de alerta, fontanela bai- xa, saliva espessa, padrão respiratório alterado, ritmo cardíaco acelerado, pulso débil, aumento do tempo de enchimento capilar, extremidades frias, perda de peso, turgência da pele e sede. Quadro 1. Avaliação do estado de hidratação para crianças com doença diarreia Observar A B C Condição Bem alerta Irritado, intranquilo Comatoso, hipotônico* Olhos Normais Fundos Muito fundos Lágrimas Presentes Ausentes Ausentes Boca e língua Úmidas Secas Muito secas Sede Bebe normalmente Sedento, bebe rápido e avidamente Bebe mal ou não é capaz de beber* Examinar Sinal da prega Desaparece Rapidamente Desaparece lentamente Desaparece muito lentamente (mais de 2 segundos) Pulso Cheio Rápido, débil Muito débil ou ausente* Enchimento capilar1 Normal (até 3 segundos) Prejudicado (3 a 5 segundos) Muito prejudicado (mais de 5 segundos)* Conclusão Não tem desidratação Se apresentar dois ou mais dos sinais descritos acima, existe desidratação Se apresentar dois ou mais dos sinais descritos, incluindo pelo menos um dos assinalados com asterisco, existe desidratação grave Tratamento Plano A Tratamento domiciliar Plano B Terapia de reidratação oral no serviço de saúde Plano C Terapia de reidratação parenteral 1 – Para avaliar o enchimento capilar, a mão da criança deve ser mantida fechada e comprimida por 15 segundos. Abrir a mão da criança e observar o tempo no qual a coloração da palma da mão volta ao normal. A avaliação da perfusão periférica é muito importante, principalmente em desnutridos nos quais a avaliação dos outros sinais de desidratação é muito difícil. Departamento Científico de Gastroenterologia • Sociedade Brasileira de Pediatria 5 Após ser estabelecido o diagnóstico, confor- me as definições apresentadas acima, e realizado exame físico completo com definição do estado de hidratação, deve ser seguido o esquema clás- sico de tratamento, distribuído em três categorias segundo a presença ou não de desidratação2,6,7,9. Se o paciente está com diarreia e está hidratado deverá ser tratado com o Plano A. Se está com diarreia e tem algum grau de desidratação, deve ser tratado com o Plano B. Se tem diarreia e está com desidratação grave, deve ser tratado com o Plano C. É fundamental para o tratamento ade- quado a reavaliação pediátrica contínua. 1. Plano A: tratamento no domicílio. É obriga- tório aumentar a oferta de líquidos, incluindo o soro de reidratação oral (reposição para prevenir a desidratação) e a manutenção da alimentação Tratamento com alimentos que não agravem a diarreia. Deve- -se dar mais líquidos do que o paciente ingere normalmente. Além do soro de hidratação oral, são considerados líquidos adequados: sopa de frango com hortaliças e verduras, água de coco, água. São inadequados: refrigerantes, líquidos açucarados, chás, sucos comercializados, café. Ainda no Plano A, deve-se iniciar a suplemen- tação de zinco e manter a alimentação habitual. Os sinais de alarme devem ser enfatizados nesta fase, para serem identificados prontamente na evolução se ocorrerem (aumento da frequência das dejeções líquidas, vômitos frequentes, san- gue nas fezes, recusa para ingestão de líquidos, febre, diminuição da atividade, presença de si- nais de desidratação, piora do estado geral). O Quadro 2 especifica as condutas do Plano A6,9. Quadro 2. Plano A – Prevenção da desidratação no domicílio PLANO A Explique ao paciente ou acompanhante para fazer no domicílio: 1) Oferecer ou ingerir mais líquido que o habitual para prevenir a desidratação: • O paciente deve tomar líquidos caseiros (água de arroz, soro caseiro, chá, suco e sopas) ou solução de reidratação oral (SRO) após cada evacuação diarreica. • Não utilizar refrigerantes e não adoçar o chá ou suco. 2) Manter a alimentação habitual para prevenir a desnutrição: • Continuar o aleitamento materno. • Manter a alimentação habitual para as crianças e os adultos. 3) Se o paciente não melhorar em dois dias ou se apresentar qualquer um dos sinais abaixo levá-lo imediatamente ao serviço de saúde: SINAIS DE PERIGO • Piora na diarreia • Vômitos repetidos • Muita sede • Recusa de alimentos • Sangue nas fezes • Diminuição da diurese 4) Orientar o paciente ou acompanhante para: • Reconhecer os sinais de desidratação. • Preparar e administrar a solução de reidratação oral. • Praticar medidas de higiene pessoal e domici- liar (lavagem adequada das mãos, tratamento da água e higienização dos alimentos). 5) Administrar zinco uma vez ao dia, durante 10 a 14 dias: • Até seis meses de idade: 10 mg/dia. • Maiores de seis meses de idade: 20 mg/dia. IDADE Quantidadede líquidos que devem ser adminis- trados/ingeridos após cada evacuação diarreica Menores de 1 ano 50-100mL De 1 a 10 anos 100-200mL Maiores de 10 anos Quantidade que o paciente aceitar Diarreia aguda: diagnóstico e tratamento 6 2. Plano B: administrar o soro de reidratação oral sob supervisão médica (reparação das per- das vinculadas à desidratação). Manter o aleita- mento materno e suspender os outros alimentos (jejum apenas durante o período da terapia de reparação por via oral). Após o término desta fase, retomar os procedimentos do Plano A. De acordo com a OMS é importante que a alimenta- ção seja reiniciada no serviço de saúde para que as mães sejam orientadas quanto à importância da manutenção da alimentação. A primeira regra nesta fase é administrar a solução de terapia de reidratação oral (SRO), en- tre 50 a 100 mL/Kg, durante 2 a 4 horas. A SRO deve ser oferecida de forma frequente, em quan- tidades pequenas com colher ou copo, após cada evacuação. A mamadeira não deve ser utilizada. O Quadro 3 apresenta as condutas do Plano B. Considera-se fracasso da reidratação oral se as dejeções aumentam, se ocorrem vômitos incoercí- veis, ou se a desidratação evolui para grave6,9. Nes- ta fase deve-se iniciar a suplementação de zinco. Quadro 3. Plano B – Para evitar a desidratação por via oral na unidade de saúde PLANO B 1) Administrar solução de reidratação oral (SRO): • A quantidade de solução ingerida dependerá da sede do paciente. • A SRO deverá ser administrada continuamente, até que desapareçam os sinais de desidratação. • Apenas como orientação inicial, o paciente deve- rá receber de 50 a 100mL/kg para ser administra- do no período de 4-6 horas. 2) Durante a reidratação reavaliar o paciente seguindo os sinais indicados no quadro 1 (ava- liação do estado de hidratação) • Se desaparecerem os sinais de desidratação, uti- lize o PLANO A. • Se continuar desidratado, indicar a sonda naso- gástrica (gastróclise). • Se o paciente evoluir para desidratação grave, se- guir o PLANO C. 3) Durante a permanência do paciente ou acom- panhante no serviço de saúde, orientar a: • Reconhecer os sinais de desidratação. • Preparar e administrar a Solução de Reidratação Oral. • Praticar medidas de higiene pessoal e domici- liar (lavagem adequada das mãos, tratamento da água e higienização dos alimentos). O PLANO B DEVE SER REALIZADO NA UNIDADE DE SAÚDE OS PACIENTES DEVERÃO PERMANECER NA UNIDADE DE SAÚDE ATÉ A REIDRATAÇÃO COMPLETA E REINÍCIO DA ALIMENTAÇÃO 3. Plano C: corrigir a desidratação grave com terapia de reidratação por via parenteral (repara- ção ou expansão). Em geral, o paciente deve ser mantido no serviço de saúde, em hidratação pa- renteral de manutenção, até que tenha condições de se alimentar e receber líquidos por via oral na quantidade adequada. As indicações para reidra- tação venosa são: desidratação grave, contraindi- cação de hidratação oral (íleo paralítico, abdômen agudo, alteração do estado de consciência ou convulsões), choque hipovolêmico. Idealmente deve-se conseguir a punção de veia calibrosa. Quando necessário, sobretudo em casos de choque hipovolêmico, podem ser neces- sários dois acessos venosos. Caso não seja possí- vel infusão venosa, considerar infusão intraóssea. Podem ser utilizados os seguintes critérios para internação hospitalar11: choque hipovolêmi- co, desidratação grave (perda de peso maior ou igual a 10%), manifestações neurológicas (por exemplo, letargia e convulsões), vômitos biliosos ou de difícil controle, falha na terapia de reidrata- ção oral, suspeita de doença cirúrgica associada ou falta de condições satisfatórias para tratamen- to domiciliar ou acompanhamento ambulatorial. O Quadro 4 apresenta o plano C conforme a recomendação do MS9. No Quadro 5 são apresentadas opções para terapia de reidratação parenteral segundo as di- ferentes recomendações2,7,9. Departamento Científico de Gastroenterologia • Sociedade Brasileira de Pediatria 7 Quadro 4. Plano C – Para tratar a desidratação grave na unidade hospitalar PLANO C O PLANO C CONTEMPLA DUAS FASES PARA TODAS AS FAIXAS ETÁRIAS: A FASE RÁPIDA E A FASE DE MANUTENÇÃO E REPOSIÇÃO FASE RÁPIDA (EXPANSÃO) – MENORES DE 5 ANOS SOLUÇÃO VOLUME TEMPO DE ADMINISTRAÇÃO Soro Fisiológico a 0,9% Iniciar com 20mL/kg de peso. Repetir essa quantidade até que a criança esteja hidratada, reavaliando os sinais clínicos após cada fase de expansão administrada. 30 minutos Para recém-nascidos e cardi- opatas graves começar com 10mL/kg de peso. AVALIAR O PACIENTE CONTINUAMENTE FASE RÁPIDA (EXPANSÃO) – MAIORES DE 5 ANOS SOLUÇÃO VOLUME TOTAL TEMPO DE ADMINISTRAÇÃO 1º Soro Fisiológico a 0,9% 30mL/kg 30 minutos 2º Ringer Lactato 70mL/kg 2 horas e 30 minutos FASE DE MANUTENÇÃO E REPOSIÇÃO PARA TODAS AS FAIXAS ETÁRIAS SOLUÇÃO VOLUME EM 24 HORAS Soro Glicosado a 5% + Soro Fisiológico a 0,9% na proporção de 4:1 (manutenção) Peso até 10kg 100mL/kg Peso de 10 a 20 kg 1000mL + 50mL/kg de peso que exceder 10kg Peso acima de 20kg 1500mL + 20mL/kg de peso que exceder 20kg Soro Glicosado a 5% + Soro Fisiológico a 0,9% na proporção de 1:1 (reposição) Iniciar com 50mL/kg/dia. Reavaliar esta quantidade de acordo com as perdas do paciente. KCI a 10%* 2mL para cada 100mL de solução da fase de manutenção. AVALIAR O PACIENTE CONTINUAMENTE. SE NÃO HOUVER MELHORA DA DESIDRATAÇÃO, AUMENTAR A VELOCIDADE DE INFUSÃO • Quando o paciente puder beber, geralmente 2 a 3 horas após o início da reidratação venosa, iniciar a reidratação por via oral com SRO, mantendo a reidratação venosa. • Interromper a reidratação por via endovenosa somente quando o paciente puder ingerir SRO em quan- tidade suficiente para se manter hidratado. A quantidade de SRO necessária varia de um paciente para outro, dependendo do volume das evacuações. • Lembrar que a quantidade de SRO a ser ingerida deve ser maior nas primeiras 24 horas de tratamento. • Observar o paciente por pelo menos seis (6) horas. OS PACIENTES QUE ESTIVEREM SENDO REIDRATADOS POR VIA ENDOVENOSA DEVEM PERMANECER NA UNIDADE DE SAÚDE ATÉ QUE ESTEJAM HIDRATADOS E CONSEGUINDO MANTER A HIDRATAÇÃO POR VIA ORAL. * Ou KCl 19,1% - 1mL para cada 100mL. Diarreia aguda: diagnóstico e tratamento 8 A manutenção da alimentação com oferta energética apropriada é um dos pilares mais im- portantes no tratamento da diarreia aguda2,5-7. Todas as diretrizes são unânimes que o alei- tamento materno deve ser mantido e incentiva- do durante o episódio diarreico. Quando necessário, deve-se recomendar je- jum durante o período de reversão da desidrata- ção (etapa de expansão ou reparação). A alimen- tação deve ser reiniciada logo que essa etapa for concluída (em geral, no máximo, 4 a 6 horas). Vale destacar que, de acordo com a OMS, cer- ca de um terço das crianças com diarreia aguda, nos países em desenvolvimento, infelizmente continuam sendo mantidas em jejum ou com uma quantidade muito reduzida de alimentos durante a diarreia1,27. A alimentação deve ser reiniciada de acordo com o esquema habitual do paciente, sendo uma oportunidade para a correção de erros alimentares. A fórmula infantil ou pre- paração láctea oferecidas para crianças não devem ser diluídas. Deve-se cuidar para que as necessidades energéticas sejam plena- mente atendidas. Na diarreia aguda, não há recomendação de fórmula sem lactose para lactentes tratados ambulatorialmente com diarreia aguda11,15. En- tretanto, para os pacientes hospitalizados com diarreia aguda e nos com diarreia persistente tratados no hospital ou ambulatorialmente, há vantagens na prescrição de fórmula sem lacto- se1,15. A OMS aponta a alternativa de iogurtes, entretanto, esse alimento não faz parte da cul- tura alimentar brasileira para esta faixa etária e não atende adequadamente às necessidades nu- tricionais do lactente como pode ser conseguido com as fórmulas infantis7. Quadro 5. Opções para a terapia de reidratação parenteral Ministério da Saúde do Brasil8 Faserápida (expansão): 5 anos: 30 mL/kg de SF em 30 minutos + 70 mL/kg de Ringer lactato em 2,5 horas Fase de manutenção e reposição (qualquer idade) SG 5% + SF na proporção 4:1 (volume da regra de Holiday& Segar + KCl 10% 2 mL para cada 100 mL Fase reposição: SG5% + SF partes iguais - iniciar com 50 mL/kg/dia1. Reavaliar de acordo com as perdas diarreicas OMS, 20056 Lactentes e crianças: 100 mL/kg de Ringer Lactato sendo: 12 meses: 30 mL/kg em 30 minutos e 70 mL/kg em 2,5 horas Nota: Se o Ringer lactato não estiver disponível, usar SF. ESPGHAN, 201410 Se choque: 20 mL/kg SF em 20 minutos, duas vezes; Se desidratação grave: 20 mL/kg de SF por hora por 2-4 horas Após a reparação: usar soro de manutenção com concentração de sódio de pelo menos 77 mmoL/Litro para prevenção de hiponatremia Nota 1: este volume pode ser excessivo se o paciente estiver aceitando bem a alimentação e o soro de reidratação oral. Nota 2: Para a fase de manutenção, em nenhuma das diretrizes analisadas, foi recomendado o uso de solução com 154 mmoL/L de sódio. Cuidados com a alimentação na doença diarreica Departamento Científico de Gastroenterologia • Sociedade Brasileira de Pediatria 9 Os pacientes hospitalizados com diarreia persistente devem receber, de acordo com a OMS, 110 calorias/kg/dia7. São critérios funda- mentais para avaliar a evolução clínica: a redu- ção das perdas diarreicas e a recuperação nutri- cional ou retomada do ganho de peso esperado para a idade. Ainda, de acordo com a OMS deve-se cuidar para que o paciente com diarreia persistente receba diariamente as quantidades de micro- nutrientes: 50ug de folato, 10mg de zinco, 400µg de vitamina A, 1mg de cobre e 80mg de magnésio7. Apesar das diretrizes não abordarem esse tema, para os pacientes com diarreia persistente que não respondem adequadamente à dieta sem lactose, deve ser considerada a possibilidade do desenvolvimento de intolerância às proteínas do leite de vaca. Nessa situação, deve ser prescrita dieta isenta das proteínas do leite de vaca, ou seja, pode-se empregar fórmula hipoalergênica para sua substituição, no caso dos lactentes, (por exemplo, fórmula com proteína extensamente hidrolisada ou fórmula de aminoácidos, depen- dendo da gravidade do paciente; nas crianças maiores em algumas situações tenta-se a pro- teína de soja ou a dieta isenta de leite e deri- vados). Deve ser destacado que estas mudanças dietéticas não são necessárias em pacientes com diarreia aguda. Terapia de reidratação - Terapia de reidratação oral A TRO é considerada uma das modalidades terapêuticas que mais salvou vidas a partir do século XX1,2. O princípio fisiológico da eficácia vincula-se ao fato de que a via de transporte ati- vo, acoplada de sódio-glicose-água pelo enteró- cito está preservada na diarreia aguda, indepen- dentemente da etiologia. Vale lembrar que são outras vias que explicam o aumento da secreção e diminuição da absorção de água e eletrólitos na diarreia aguda. A desidratação pode ocorrer tanto na diarreia aguda como na diarreia persistente. A partir das décadas de 1970/1980, optou-se no Brasil, pelo emprego da solução recomenda- da pela OMS com 90 mmol de sódio por litro6. A partir de 2002, com a justificativa de reduzir as perdas diarreicas, a OMS modificou a composi- ção dos sais de reidratação oral com redução das concentrações de sódio e glicose7. Esta nova so- lução recebeu a denominação de soro oral com baixa osmolaridade. O Brasil não estabeleceu, de acordo com a OMS, política para a difusão do uso da solução com baixa osmolaridade no país2. Este aspecto não é abordado no cartaz re- centemente divulgado pelo MS9. Por outro lado, a ESPGHAN (Sociedade Europeia de Gastroen- terologia, Hepatologia e Nutrição em Pediatria) tradicionalmente preconiza o emprego de solu- ção de reidratação oral com menor concentração de sódio10,11,19. O Quadro 6 mostra a composição do soro oral tradicional, do soro oral com osmo- laridade reduzida e a solução preconizada pela ESPGHAN19. No Brasil são comercializadas solu- ções com composição variável na concentração de sódio e glicose, algumas alinhadas com as re- comendações da OMS e outras com a ESPGHAN. Quadro 6. Composição da solução de reidratação oral recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no passado e no presente e da solução recomendada pela ESPGHAN (Sociedade Euro- péia de Gastroentrologia, Hepatologia e Nutrição em Pediatria)19 Solução Tradicional (OMS, 1975) Solução com osmolaridade reduzida (OMS, 2002) Solução hipotônica da ESPGHAN (1992) Glicose (mmoL/L) 111 75 74-111 Sódio (mmoL/L) 90 75 60 Potássio (mmoL/L) 20 20 20 Cloro (mmoL/L) 80 65 60 Citrato (mmoL/L) 10 10 10 Osmolaridade (mmoL/L) 311 245 225-260 Diarreia aguda: diagnóstico e tratamento 10 Por sua vez, o soro caseiro não contém citrato (para gerar bicarbonato) e potássio. A glicose é substituída por sacarose (dissacarídeo constitu- ído por glicose e frutose). Assim, o soro caseiro é uma mistura de sal de cozinha, açúcar e água. Existem problemas na composição final das so- luções preparadas no domicílio. Os problemas são menos frequentes quando se utiliza a colher medida com dupla-concha, específica para o pre- paro do soro caseiro20. A utilização dos soros de reidratação oral pode ser feita com dois objetivos: a) Reposição de perdas para prevenir a desidratação no pa- ciente com diarreia (Plano A) e b) Reversão da desidratação, ou fase de reparação, para o pa- ciente com desidratação por diarreia (Plano B). Na prevenção da desidratação, deve-se op- tar por soros com menor concentração de sódio. Caso sejam utilizados os sais de reidratação oral distribuídos pela rede pública de saúde do Bra- sil, com 90 mmol de sódio por litro, o paciente deve receber fluídos que não contenham sódio, para evitar a ocorrência de ingestão excessiva de sódio. Nesta situação, devem ser oferecidos outros tipos de líquidos, inclusive água. Não de- vem ser administrados refrigerantes ou sucos de frutas que apresentem elevada osmolaridade. Tradicionalmente, afirma-se que o lactente com menos de 12 meses deve receber 50 mL da solu- ção para cada evacuação e os maiores de 1 ano, 100 mL após cada evacuação. Na prática, deve ser oferecida a quantidade de líquidos que a criança aceitar (Plano A, Quadro 2). O tratamento deve ser realizado no domicílio. A família deve ser orientada para retornar ao serviço de saúde caso apareçam manifestações clínicas compatí- veis com desidratação5-7. Para a reversão da desidratação com o em- prego da TRO, deve ser utilizada a solução de reidratação oral com 75 a 90 mmol de sódio por litro. Exceto para os lactentes em aleitamento materno, o soro deve ser oferecido sem outros alimentos. O volume de 50 a 100 mL/kg de peso, dependendo da gravidade, deve ser administra- do em 4 a 6 horas. O paciente deve ser pesado antes de iniciar a TRO e, depois, a cada 2 horas (Plano B)5-7. Se o paciente apresentar reversão da desi- dratação, caracterizada pelo desaparecimento dos sinais clínicos e ocorrência de diurese abun- dante, o paciente deverá ser realimentado e vol- tar ao Plano A. Caso não seja obtida melhora clínica no pa- ciente desidratado com a TRO, ou nos caso gra- ves de desidratação, deve ser iniciada a terapia de reidratação parenteral. Terapia de reidratação parenteral Indicada para pacientes com desidratação grave (ver Quadros 4 e 5) ou que não apresentam reversão da desidratação após 2 horas de TRO. Existem várias opções para este procedimen- to. No Quadro 5 são apresentadas algumas alter- nativas para a fase de reparação ou expansão. No passado, no Brasil, era recomendada so- lução de soro fisiológico e soro glicosado 5%, em partes iguais6. Esta modalidade terapêutica prevaleceu no Brasil, principalmente, entre as décadas de 1970 e 1990. Nos dias atuaisas so- luções mais empregadas são soro fisiológico ou Ringer lactato. Após a correção da desidratação pela via pa- renteral, os pacientes devem ser realimentados. Nesta fase, em geral, são mantidos com terapia de reidratação de manutenção por via parente- ral. O volume diário do soro de manutenção pode ser calculado pela regra de Holiday & Segar21: - peso corporal de até 10 kg: 100 mL/kg; - peso corporal entre 10 e 20 kg: 1000 mL + 50mL por quilo acima dos 10 kg; - peso corporal superior a 20 kg: 1500 mL + 20mL por quilo que ultrapassar os 20 quilos. Em quadros muito graves pode ser neces- sário adicionar volume adicional de soro para repor as perdas diarreicas. Deve ser lembrado que para parcela dos pacientes este objetivo pode ser atingido com os fluídos dos alimen- tos e a solução de reidratação oral. A solução de reposição para a via parenteral utilizada no Departamento Científico de Gastroenterologia • Sociedade Brasileira de Pediatria 11 Brasil é o soro fisiológico 0,9% e soro glicosa- do 5% em partes iguais que contém 77 mmol/L de sódio)6,9. O volume depende da gravidade da diarreia (20 a 50 mL/kg por dia). O paciente deve ser pesado com frequência para evitar a administração excessiva de soro. Nos casos de desidratação grave e os que não responderam a TRO, quando não for possível o início imediato de terapia de hidratação paren- teral, deve ser administrado soro de reidratação oral por sonda nasogástrica (20 mL/kg/hora por 4 a 6 horas). Se o abdome ficar distendido, deve ser reduzida a velocidade de administração do soro de reidratação através da sonda nasogástrica7. Zinco O zinco faz parte da estrutura de várias enzimas. Tem importante papel na função e no crescimento celular. Atua também no sistema imunológico1,2,7. Pode reduzir a duração do quadro de diarreia, a probabilidade da diarreia persistir por mais de sete dias e a ocorrência de novos episódios de diarreia aguda nos três meses subsequentes. O racional para seu emprego é a prevalência elevada de defi- ciência de zinco nos países não desenvolvidos. De acordo com a OMS1,2,7 deve ser usado em menores de cinco anos, durante 10 a 14 dias, sendo iniciado a partir do momento da caracte- rização da diarreia. A dose para maiores de seis meses é de 20mg por dia e 10mg para os primei- ros 6 meses de vida. Tanto a ESPGHAN como a Diretriz Íbero-Lati- noamericana questionam a validade da terapia com zinco no primeiro semestre de vida11,16. A ESPGHAN não recomenda zinco no tratamento da diarreia aguda nos países da Europa, pois con- sidera que a deficiência de zinco não é comum naquele continente11. No Brasil, é comercializado um soro de rei- dratação oral com 6 mg de gluconato de zinco em cada 100 mL. São comercializadas, também, soluções de zinco (solução com 2mg/0,5 mL na forma de gliconato de zinco; 4mg/mL na forma de sulfato de zinco), para serem administradas conforme as recomendações da OMS1,2,7 e MS9. Vitamina A Deve ser administrada a populações com risco de deficiência desta vitamina. O uso da vitamina A reduz o risco de hospitalização e mortalidade por diarreia e tem sido admi- nistrada nas zonas mais carentes do norte e nordeste. Antibióticos Na grande maioria das vezes os antibióticos não são empregados no tratamento da diarreia aguda, pois os episódios são autolimitados e grande parte se deve a agentes virais. O uso de antibióticos na diarreia aguda está restrito aos pacientes que apresentam diarreia com sangue nas fezes (disenteria), na cólera, na infecção agu- da comprovada por Giardia lamblia ou Entamoeba hystolitica, em imunossuprimidos, nos pacientes com anemia falciforme, nos portadores de próte- se e nas crianças com sinais de disseminação bac- teriana extraintestinal. Nos casos de disenteria, a antibioticoterapia está indicada, especialmente quando o paciente apresenta febre e comprome- timento do estado geral. Se possível, deve ser co- letada amostra de fezes para realização de copro- cultura e antibiograma. Inicialmente, mesmo que não comprovada laboratorialmente, prevalece a hipótese de infecção por Shigella. Outros agentes que podem necessitar antibióticos quando cau- sam casos graves: E.coli enteroinvasiva, Yersinia, V. chorelae, C. difficille, Salmonela não tifoide. De acordo com o MS9 e a OMS1,2,7 devem ser prescritos, nos quadros disentéricos, os seguin- tes antibióticos, considerando a possibilidade de infecção por Shigella: Diarreia aguda: diagnóstico e tratamento 12 1. ciprofloxacino (primeira escolha): crianças, 15mg/kg, duas vezes ao dia, por 3 dias; adultos, 500mg duas vezes por dia por 3 dias7,9. 2. como segunda escolha, pode ser adotada a recomendação da ESPGHAN11 (azitromicina, 10 a 12mg/kg no primeiro dia e 5 a 6mg/kg por mais 4 dias, via oral) para o tratamento dos casos de diar- reia por Shigella (casos suspeitos ou comprovados). 3. ceftriaxona, 50-100mg/kg EV por dia por 3 a 5 dias nos casos graves que requerem hospita- lização. Outra opção é a cefotaxima, 100mg/kg dividida em quatro doses. Até recentemente, era recomendado no Bra- sil o uso de sulfametoxazol-trimetropim ou ácido nalidíxico19. Levantamento da literatura mostrou que, no Brasil, as amostras de Shigella testadas apresentam alta taxa de resistência ao sulfameto- xazol-trimetropim22. Por sua vez, apresentam boa sensibilidade ao ciprofloxacino e ao ceftriaxone. Os estudos realizados no Brasil não testaram a sensibilidade à azitromicina23. Deve ser lembrado que no Brasil não existe ciprofloxacino na apre- sentação em suspensão ou solução para uso oral. Quando a diarreia aguda é causada por giar- díase ou amebíase comprovada, o tratamento deve ser feito com metronidazol2,7 ou análogos. Antieméticos Segundo a OMS, os antieméticos não devem ser utilizados no tratamento da diarreia agu- da1,2,7. Considera-se que os vômitos tendem a desaparecer concomitantemente à correção da desidratação. O MS não faz menção ao emprego de antieméticos9. No entanto, há algumas situações onde são necessários. A ESPGHAN11 considera que a ondan- setrona pode proporcionar redução na frequência de vômitos, na necessidade de hidratação paren- teral e de internação hospitalar. A diretriz Íbero- -Latinoamericana recomenda o emprego da on- dansetrona para os pacientes com diarreia aguda com vômitos frequentes16. A dose de ondasentro- na é de 0,1mg/kg (0,15-0,3/kg), até o máximo de 4 mg por via oral ou intravenosa. Pode ser encon- trada em duas apresentações: comprimidos com 4 mg e ampola com 4mg/2 mL. Probióticos Os probióticos são microorganismos vivos que, quando consumidos em quantidades ade- quadas, proporcionam efeito benéfico para a saúde do indivíduo24. Os probióticos interagem com a microbiota intestinal. A microbiota intes- tinal exerce várias ações no intestino, que reper- cutem em vários órgãos do indivíduo. O empre- go de probióticos no tratamento e na prevenção da diarreia aguda tem sido ultimamente bem estudado. A OMS e o MS não mencionam a possi- bilidade de uso de probióticos no tratamento da diarreia aguda1,2,6,7,9. Por outro lado, A ESPGHAN11,25 e a diretriz Íbero-Latinoamericana16, com base em evidên- cias científicas, consideram que determinados probióticos podem ser utilizados como coadju- vantes no tratamento da diarreia aguda. Ou seja, devem ser utilizados em conjunto com outras medidas terapêuticas básicas, ou seja, terapia de reidratação e manutenção da alimentação. Não há demonstração de que os probióticos diminuam as perdas diarreicas. No entanto, de- terminadas cepas, conforme demonstrado em ensaios clínicos duplo-cego, controlados por placebo e metanálises, proporcionam redução de aproximadamente 24 horas na média da du- ração da diarreia aguda11,16,25. As cepas consi- deradas como tendo evidências suficientes e que foram recomendadas tanto pela ESPGHAN como pela diretriz Íbero-Latinoamericana para o tratamento coadjuvante da diarreia aguda são: Lactobacillus GG, Saccharomyces boulardiie Lacotobacillus reuteri DSM 1793811,16,25. Vale lembrar que o Lactobacillus GG não é comer- cializado no Brasil. Abaixo são apresentadas as doses dos principais probióticos que tem efeito comprovado para reduzir a duração da diarreia aguda11,16,25 Departamento Científico de Gastroenterologia • Sociedade Brasileira de Pediatria 13 - Saccharomyces boulardii- 250-750mg/dia (ha- bitualmente 5-7 dias) - Lactobacillus GG - ≥ 1010 CFU/dia (habitualmen- te 5-7 dias) - L reuteri - 108 a 4 x 108 (habitualmente 5-7 dias) - L acidophhilus LB –min 5 doses de 1010 CFU >48 h; máximo 9 doses de 1010 CFU por 4 a 5 dias De acordo as diretrizes mencionadas11,16,25, existem outros probióticos em investigação, mas no presente, apenas estas cepas têm evidências suficientes para merecer recomendação como co- adjuvante no tratamento da diarreia aguda. Racecadotrila A racecadotrila é um inibidor da encefalinase, enzima responsável pela degradação das encefali- nas produzidas pelo sistema nervoso entérico. As encefalinas com ação mais duradoura, em função da menor atividade da encefalinase, reduzem a secre- ção intestinal de água e eletrólitos que se encontra aumentada nos quadros de diarreia aguda. A ES- PGHAN11 e a diretriz Ibero-Latinoamericana16 consi- deram que a racecadotrila pode ser utilizada como coadjuvante no tratamento da diarreia aguda, uma vez que, foi demonstrado, em ensaios clínicos e me- tanálise, seu papel na redução das perdas diarreicas e na duração da diarreia aguda. Trata-se de medica- mento com eficácia e segurança, que não interfere na motilidade intestinal. A dose recomendada é de 1,5mg/kg de peso corporal, três vezes ao dia. É con- traindicado para menores de 3 meses. Esta substân- cia é encontrada em sachês (pó) com 10mg e 30mg ou comprimidos com 100mg. Em adultos não deve ser utilizada dose superior a 400mg por dia. O tra- tamento com a racecadotrila deve ser interrompido assim que cesse a diarreia11,16. Considerações finais Os princípios fundamentais para o tratamen- to da diarreia aguda são a terapia de reidratação e a manutenção de alimentação que atenda as ne- cessidades nutricionais do paciente. Deve ser destacado que apenas o uso do soro de reidratação oral ou parenteral não proporcio- na nutrição adequada. Por esse motivo, a alimen- tação deve ser mantida com alimentos de quali- dade nas quantidades necessárias. Não deve ser usado leite ou fórmulas lácteas diluídas. Deve-se evitar sucos e refrigerantes com alta osmolari- dade. Fórmula láctea sem lactose pode ser útil no tratamento de lactentes hospitalizados com diarreia aguda. Antibióticos são recomendados para pacien- tes com disenteria, considerando a possibilida- de de Shigella. Atenção especial deve ser dada ao primeiro trimestre de vida, para crianças com desnutrição energético-proteica, imunossuprimi- dos ou com diarreia persistente e quanto à pos- sibilidade de infecções sistêmicas, que requerem o emprego de antibióticos apropriados. A suple- mentação com zinco vem sendo preconizada para diminuir a duração do episódio diarreico e evitar recorrências e a vitamina A deve ser recomenda- da nas áreas onde corre esta hipovitaminose. Determinados probióticos e a racecadotrila podem ser usados como coadjuvantes. A lopera- mida continua sendo totalmente contraindicada em pediatria. O médico deve dar recomendações claras à fa- mília sobre o tratamento, a alimentação, as medi- das de higiene e o saneamento, aproveitando esta oportunidade para educar, além de explicar quais as possíveis complicações e sinais de alarme e como proceder nesta situação. Para finalizar, devem ser destacados os prin- cípios que a OMS incentiva para erradicação de mortes por diarreia aguda até 20301: Focalizar na terapêutica da diarreia aguda as seguintes condutas: terapia de reidratação, manutenção da alimentação e terapia com zinco. Na preven- ção, devem ser destacados: imunização contra infecções por rotavirus e sarampo, ênfase no aleitamento natural prolongado e a suplementa- ção de vitamina A, bem como a disponibilidade e condições de armazenamento de água de boa qualidade, higiene pessoal (lavagem das mãos), adequado preparo de alimentos e maior cober- tura de saneamento básico. - Diarreia Crônica ● Diarreia medicamentosa ● Disabsorção Embora a má absorção e a má digestão sejam fisiopatologicamente diferentes, os processos subjacentes à digestão e à absorção são interdependentes. Como resultado, na prática clínica, o termo disabsorção passou a denotar transtornos em ambos os processos. As manifestações clínicas de disabsorção dependem da causa, da extensão e da gravidade da doença, podendo inclusive ser global, parcial ou seletiva. Pode variar desde manifestações clássicas, como diarreia, esteatorreia, emagrecimento e desnutrição, até apresentações mais discretas, com distensão abdominal e flatulência, ou mesmo manifestações extraintestinais, como anemia ferropriva, perda óssea, hipodesenvolvimento pôndero-estatural e distúrbios da menstruação. No predomínio da esteatorreia, as fezes são oleosas, grudam no vaso, têm odor mais pronunciado e são, geralmente, de grande volume e explosivas. A presença de flatulência e de distensão abdominal sugere disabsorção de carboidratos. A disabsorção seletiva manifesta-se de acordo com o nutriente acometido 8 9 ● Doença Celíaca A doença celíaca é uma desordem autoimune do intestino delgado desencadeada pela ingestão de alimentos contendo glúten, caracterizada por ativação de mecanismos inflamatórios, atrofia das vilosidades, hiperplasia das criptas e com boa resposta clínica à retirada do glúten da dieta. A principal proteína do glúten responsável por toda essa cadeia inflamatória é a gliadina. 10 Diagnóstico Diferencial para Diarreia com Foco Cirúrgico a) Apendicite Aguda ● Etiologia: Inflamação aguda do apêndice vermiforme, que pode apresentar diarreia em fases iniciais, principalmente em crianças e idosos. ● Sintomas: Dor abdominal que começa difusamente e depois se localiza no quadrante inferior direito, febre e, eventualmente, vômito e diarreia. ● Tratamento: Apendicectomia, preferencialmente por via laparoscópica. Em caso de perfuração, uma lavagem peritoneal pode ser necessária para prevenir peritonite. b) Doença de Crohn (Forma Penetrante) ● Etiologia: Doença inflamatória intestinal crônica que pode afetar qualquer parte do trato gastrointestinal, levando a fístulas, abscessos e estenoses. ● Sintomas: Diarreia crônica, dor abdominal, febre, perda de peso e fístulas perianais em casos avançados. ● Tratamento: Em casos complicados (fístulas e estenoses), pode ser necessária a ressecção do segmento afetado. Muitos pacientes também requerem terapia imunossupressora. c) Colite Isquêmica ● Etiologia: Comprometimento do fluxo sanguíneo no cólon, especialmente em pacientes idosos ou com comorbidades, como insuficiência cardíaca e diabetes. ● Sintomas: Dor abdominal súbita, geralmente no lado esquerdo, diarreia sanguinolenta e febre. ● Tratamento: Nos casos de colite isquêmica com necrose, é necessária a ressecção do segmento comprometido do cólon. Em casos leves, o tratamento conservador é possível. d) Abscessos e Infecções Intra-abdominais (Abscesso Perianal, Diverticulite Perfurada) ● Etiologia: Abscessos perianais, intra-abdominais ou pélvicos (causados por infecção de divertículos ou apendicite perfurada) podem desencadear sintomas de diarreia devido à proximidade com o intestino. ● Sintomas: Dor intensa na área afetada, febre, sintomas de sepse e, no caso de abscessos pélvicos, diarreia frequente. ● Tratamento: Incisão e drenagem cirúrgica do abscesso é geralmente necessária. Se houver peritonite generalizada, uma laparotomia com lavagem peritoneal pode ser indicada. e) Síndrome do Intestino Curto (Pós-Ressecção Intestinal) ● Etiologia: Surge após ressecção extensa de porções do intestino, o que reduz a capacidade de absorção de água e nutrientes. ● Sintomas: Diarreia crônica, má absorção, perda de peso