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Transtornos do N eurodesenvolvim ento C arina Alice de O liveira ISBN 978-65-5821-278-2 9 786558 212782 Código Logístico I000782 Transtornos do Neurodesenvolvimento Carina Alice de Oliveira IESDE BRASIL 2024 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2024 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Macrovector/shutterstock 23-87066 CDD: 618.9285889 CDU: 616.89-008.434.3-053.2 CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ O46t Oliveira, Carina Alice de Transtornos do neurodesenvolvimento / Carina Alice de Oliveira. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2024. Inclui bibliografia ISBN 978-65-5821-278-2 1. Transtornos do neurodesenvolvimento. 2. Crianças com transtorno do neurodesenvolvimento. I. Título. Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária - CRB-7/6439 13/11/2023 17/11/2023 Carina Alice de Oliveira Especialista em Saúde Mental pela Faculdade Metropolitana de Ribeirão Preto; em Psicologia Positiva pela University of Pennsylvania (UPenn); em Cuidados Paliativos pela University of Colorado (CU); em Saúde Global pela Johns Hopkins University (JHU); em Psicologia Anormal pela Wesleyan University (WES); em Neuropsicologia pela Faculdade Unyleya; e em Saúde Mental, Psicopatologia e Atenção Psicossocial pela Universidade Anhanguera (Uniderp). Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário Anhanguera Pitágoras Ampli (Unia); e em Letras – Inglês/Português pelo Centro Universitário Fundação Santo André (FSA). Atualmente é coordenadora do Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar (Conviva) da Secretaria de Educação do Governo do Estado de São Paulo – com atuação na Diretoria de Ensino da Região de Santo André. É professora há 24 anos e tem experiência na área de Letras com ênfase no ensino de língua inglesa para crianças e jovens. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 Neurodesenvolvimento 9 1.1 Sistema nervoso 10 1.2 Proteções do sistema nervoso central 14 1.3 Neurônios e suas funções 17 1.4 Etapas do neurodesenvolvimento infantil 23 2 Transtornos do neurodesenvolvimento 28 2.1 Principais transtornos do neurodesenvolvimento 29 2.2 Nature ou nurture? 35 2.3 Perspectiva epigenética do desenvolvimento humano 36 2.4 Funcionamento cerebral 39 2.5 Contribuições da neurociência cognitiva 43 3 Transtornos do neurodesenvolvimento e aprendizagem 50 3.1 O que são transtornos do neurodesenvolvimento? 51 3.2 Dificuldades e transtornos de aprendizagem 62 3.3 TDAH e TEA 63 3.4 Deficiências sensoriais 67 3.5 Aspectos biológicos, cognitivos e emocionais 72 4 Prevenção e cuidado 76 4.1 Prevenção e promoção de saúde 77 4.2 Avaliação de situações de risco 82 4.3 Identificação de vulnerabilidades 85 4.4 Fortalecimento de vínculos 87 4.5 Redes de apoio 93 5 O papel da escola e da família 98 5.1 O papel da família 99 5.2 Suporte à família 102 5.3 O papel da escola 106 5.4 Desafios no ambiente escolar 109 5.5 Contribuições da neurodiversidade 114 Resolução das atividades 120 Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! Nesta obra convidamos você a viajar pelo mundo fascinante do neurodesenvolvimento humano, explorando o cérebro, o único órgão capaz de estudar a si mesmo! No primeiro capítulo conheceremos as estruturas do sistema nervoso e seus mecanismos de ação. Identificaremos as estruturas neurais e suas funções, entendendo a relevância de cada estrutura do sistema nervoso nas etapas do neurodesenvolvimento. No segundo capítulo apresentaremos os transtornos do neurodesenvolvimento, compreendendo o impacto desses no desenvolvimento infantil. Entenderemos também o conceito de nature (natureza) versus nurture (criação) na perspectiva da epigenética, a ciência que estuda a relação entre o meio ambiente e a nossa expressão genética, bem como o impacto dessas descobertas na atualidade. No terceiro capítulo ampliaremos o nosso olhar sobre os transtornos do neurodesenvolvimento e os transtornos específicos de aprendizagem, identificando a sua gênese e conhecendo as características de cada um, tais como a dislexia e a discalculia. Estudaremos o transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) e o transtorno do espectro autista (TEA) analisando seus aspectos biológicos, cognitivos e emocionais. No quarto capítulo teremos uma reflexão sobre a importância da prevenção e do cuidado, bem como a promoção de saúde e bem-estar. Identificaremos os fatores de risco para o neurodesenvolvimento infantil e outras questões de vulnerabilidade. Conheceremos a importância do fortalecimento dos vínculos afetivos para um neurodesenvolvimento saudável, nas relações entre família, escola e comunidade. No quinto capítulo discutiremos o papel da escola e da família no suporte à criança com transtornos do neurodesenvolvimento. Apontaremos ações e intervenções APRESENTAÇÃOVídeo 8 Transtornos do Neurodesenvolvimento possíveis, entendendo a relevância da comunidade escolar no acolhimento aos estudantes com transtornos específicos de aprendizagem, analisando as contribuições da neurodiversidade no contexto escolar. Ao final desta obra, esperamos que você amplie a sua visão sobre os transtornos do neurodesenvolvimento para além de laudos e diagnósticos, valorizando as relações humanas como potências em ação e a capacidade do ser humano de crescer, desenvolver-se e superar-se, reconhecendo a força transformadora dos vínculos afetivos e do suporte comunitário. Um provérbio africano afirma que é preciso uma vila para criar uma criança. A vila, hoje, é global! Que essa obra possa contribuir para que todas as crianças tenham acesso à saúde, ao cuidado e ao suporte especializado, a fim de que possam se desenvolver e florescer, vivendo vidas plenas de sentido e de significado. Neurodesenvolvimento 9 1 Neurodesenvolvimento O cérebro, o órgão mais incrível de todo o corpo humano, faz parte do sistema mais complexo que conhecemos no organismo: o sistema ner- voso. Por isso, neste capítulo, iremos fazer uma viagem por este mundo fantástico de informações, sensações e sentidos que só é possível por meio da relação do cérebro com o sistema nervoso. Na primeira parada de nossa viagem, iremos conhecer as estruturas do sistema nervoso e identificar as suas funções, além de nos debruçar rapidamente sobre os aspectos anatômicos e fisiológicos desse sistema, de modo que possamos conhecê-lo. Em seguida, identificaremos as di- ferentes etapas de desenvolvimento humano que o transformam e apri- moram e, consequentemente, o separam em estruturas diversas, que se completam e se complementam, e tornam possível experienciarmos o mundo ao nosso redor. Diante da complexidade do sistema nervoso, e de sua aparente fra- gilidade, nossa terceira parada permitirá identificarmos as estruturas e mecanismos de proteção do sistema nervoso2016). A visão epigenética do desenvolvimento humano enfatiza o papel da epigenética no desenvolvimento e no fenótipo de um indivíduo. A epige- nética refere-se a mudanças na expressão gênica que não envolvem alte- rações na sequência de DNA subjacente, mas envolvem modificações no DNA e suas proteínas associadas que podem ativar ou desativar genes, influenciando sua atividade e expressão (PURVES et al., 2018). Os mecanismos epigenéticos desempenham um papel crucial no desenvolvimento humano, regulando os padrões de expressão gênica durante vários estágios da vida, incluindo o desenvolvimento embrio- nário, o crescimento fetal, a infância e a idade adulta. Esses mecanis- mos ajudam a determinar quais genes são ativados ou silenciados em diferentes células e tecidos, permitindo a especialização e diferencia- ção das células em tipos específicos. As modificações epigenéticas podem ser influenciadas por uma va- riedade de fatores ambientais, incluindo dieta, estresse, exposição a to- xinas, interações sociais e experiências no início da vida. Esses fatores externos podem afetar o epigenoma, que se refere ao padrão geral de modificações epigenéticas no genoma de um indivíduo. O epigenoma atua como uma memória molecular de exposições e experiências pas- sadas, deixando uma marca na expressão gênica que pode persistir ao longo do tempo (RAVEN et al., 2023). É importante ressaltarmos que as alterações epigenéticas são reversíveis, o que significa que podem ser modificadas ao longo da vida. Essa maleabilida- de do epigenoma fornece um mecanismo pelo qual as influências ambientais podem moldar a expressão gênica e, consequentemente, o desenvolvimento humano. Também implica que as intervenções destinadas a modificarem marcas epigenéticas têm o potencial de influenciar os resultados de saúde e bem-estar. De modo geral, a visão epigenética do desenvolvimento humano des- taca a interação dinâmica entre os genes e o meio ambiente. Ela enfatiza que a expressão de nossos genes não é determinada apenas por nosso código genético, mas também por modificações epigenéticas que respon- dem a estímulos ambientais. Essa visão expande nossa compreensão dos A obra de Richard Francis, Epigenética: como a ciência está revolucionando o que sabemos sobre heredita- riedade, é considerada a primeira sobre epigené- tica destinada ao público em geral. Os estudos da epigenética são realmente intrigantes e prometem revolucionar a maneira como nós enxergamos o desenvolvimento infantil e a evolução humana. A leitura desse livro abrirá novas portas e modificará a maneira pela qual você enxerga o desenvolvimen- to humano. FRANCIS, R. Rio de Janeiro: Zahar, 2015. Livro Transtornos do neurodesenvolvimento 39 processos complexos envolvidos no desenvolvimento humano e oferece caminhos potenciais para melhorar os resultados de saúde. O estudo da epigenética avançou nossa compreensão sobre doen- ças complexas e distúrbios do desenvolvimento. Alterações epigené- ticas têm sido implicadas em condições como câncer, distúrbios do neurodesenvolvimento, doenças cardiovasculares e distúrbios de saú- de mental. Ao desvendar os mecanismos epigenéticos subjacentes a essas condições, os pesquisadores esperam desenvolver intervenções e terapias direcionadas. 2.4 Funcionamento cerebral Vídeo Estima-se que o cérebro adulto tenha entre 86 e 100 bilhões de neurô- nios, sendo a maioria deles compostos por células de suporte, as chama- das células da glia. Cada neurônio se conecta diretamente com pelo menos outros mil neurônios, o que resulta em uma rede de circuitos e conexões de tal complexidade que vai além da nossa compreensão. Os neurônios se comunicam uns com os outros por sinais eletroquímicos. Esses sinais permitem a transmissão de informações dentro do cérebro – isto é, entre os neurônios – com o resto do corpo (NICHOLLS, 2018). O cérebro é um órgão complexo e notável que serve como centro de controle do sistema nervoso, sendo responsável por coordenar e re- gular várias funções corporais, processar informações sensoriais, gerar pensamentos e emoções e controlar o comportamento. Com base nisso, a seguir abordaremos de modo mais específico cada uma das funções principais desempenhadas pelo cérebro, que são: Processamento de informações Redes cerebrais Comunicação neural Circuitos neurais Plasticidade e aprendizagem Feedback e controle Jolygon/Shutterstock sutadimages/Shutterstock sutadimages/Shutterstock O processamento de informações se refere ao processo que o cére- bro realiza ao receber informações do corpo e do ambiente externo por meio de órgãos sensoriais, como olhos, ouvidos, nariz e pele. Basicamen- te, esses estímulos são convertidos em sinais elétricos e transmitidos ao cérebro pelos neurônios. A organização das atividades nas regiões e re- des cerebrais é também um processo muito importante, já que o cére- bro é dividido em diferentes regiões, com cada uma sendo responsável por funções específicas, como o lobo occipital, que processa informações visuais; o lobo temporal, que está envolvido no processamento auditivo e na memória; e o lobo frontal, que desempenha um papel na tomada de decisões e nas funções executivas. Essas regiões cerebrais trabalham juntas em redes interconectadas para processar e integrar informações. A comunicação neural permite que os neurônios se comuniquem entre si por meio de conexões especializadas, as chamadas sinapses. Quando um sinal elétrico atinge o final de um neurônio (neurônio pré- -sináptico), ele desencadeia a liberação de mensageiros químicos – os neurotransmissores – que viajam pela sinapse e se ligam a receptores no próximo neurônio (neurônio pós-sináptico), transmitindo o sinal. Quanto aos circuitos neurais, eles ocorrem quando os neurônios for- mam redes ou circuitos complexos no cérebro, permitindo assim o pro- cessamento de informações complexas, de modo que o cérebro possa executar várias tarefas. Por exemplo, o processamento visual envolve uma rede de neurônios que analisam diferentes aspectos dos estímu- los visuais, como cor, forma e movimento. A plasticidade e a aprendizagem se referem ao conceito da neuroplasticidade, ou seja, a capacidade notável do cé- rebro humano de mudar e se adaptar em resposta às ex- periências, o que permite esse órgão reorganizar e formar novas conexões neurais. Os processos de aprendizagem e memória estão intimamente ligados a essa caracte- rística, com o fortalecimento ou enfraquecimento das conexões sinápticas – causado pela intensidade com que um tipo de conhecimento é exercitado – levan- do a alterações nos circuitos neurais. A plasticidade cerebral é um fator muito importan- te quando falamos em transtornos do neurodesenvol- vimento. Isso porque a capacidade de adaptação do cérebro pode compensar uma área que está compro- 4040 Transtornos do NeurodesenvolvimentoTranstornos do Neurodesenvolvimento Transtornos do neurodesenvolvimento 41 metida, fazendo com que outra parte do cérebro possa se reorganizar e realizar a função que foi perdida ou teve o seu funcionamento prejudicado. Quanto mais as conexões entre neurônios específicos são ativadas, mais forte será a ligação entre elas. Os caminhos formados pelos im- pulsos elétricos durante a comunicação entre os neurônios (a sinapse) são o que temos de mais importante no que diz respeito à aprendiza- gem, memória e recuperação de lesões cerebrais. Podemos estabele- cer um exemplo típico de neuroplasticidade ao analisarmos como um bebê aprende a andar: de início, a criança tenta caminhar e cai repeti- das vezes, mas em algumas destas tentativas ela é capaz de manter o equilíbrio e dar um passo após o outro. Sempre que o bebê dá um pas- so à frente com sucesso, ele está usando os mesmos caminhos neurais, em outras palavras, os mesmos neurônios estão trabalhando juntos para enviar mensagens efetivas para as diferentes partes do corpo. Por meio da repetição, esse caminho neural específico se fortalecee as co- nexões entre os mesmos neurônios se torna mais fácil. É como se pegássemos uma estrada de terra cheia de buracos e valetas – o carro segue devagar, com grande dificuldade. Contudo, cada vez que passamos novamente por essa estrada, ela se torna mais lisa e plana, até que conseguimos passar por ela sem maiores problemas. Com o passar do tempo, nosso carro seguirá cada vez mais rápido, como o impulso nervoso disparado pelos neurônios. Quanto mais os caminhos neurais que levam o bebê a andar sem cair são ativados, menos são usados os demais caminhos neurais que surgiram como resultado da queda da criança, logo, as conexões entre esses neurônios são enfraquecidas e desaparecem. Seguindo a nossa analogia, é como se ninguém mais usasse aquela estrada de terra e ela acabasse sendo coberta pela vegetação. A neuroplasticidade também é responsável pela recuperação de lesões cerebrais, sendo capaz de criar “novas estradas” ao redor das áreas que foram danificadas e estruturar diferentes partes do cérebro para novas funções. Por exemplo, nos casos de hemisferectomia, em que um dos hemisférios do cérebro é removido cirurgicamente, o he- misfério remanescente do cérebro é capaz de realocar quase todas as funções do hemisfério que foi retirado. Com o auxílio de terapias, os pacientes são capazes de reaprender a linguagem, recuperar funções motoras e viver uma vida saudável, sem convulsões. Resumidamente, a hemisferectomia, por ser um procedimento cirúrgico muito invasivo, é realizada apenas em casos de crianças que apresentam quadros consultivos graves, com crises frequentes, e que correm risco de morte. Saiba mais 42 Transtornos do Neurodesenvolvimento Sabemos que a poda neuronal de algumas pessoas com transtor- no do espectro autista (TEA), por exemplo, não ocorre da mesma ma- neira nos cérebros com desenvolvimento neurotípico. É por isso que algumas crianças com TEA têm mais “estradas” neurais, o que pode resultar em altas habilidades ou mesmo habilidades extraordinárias em todas as áreas do conhecimento. Pesquisas da atualidade também afirmam que certos fatores po- dem aumentar a neuroplasticidade, tais como ambientes enriquecidos, experiências de aprendizado, exercícios físicos e treinamento focado. Dessa maneira, a neuroplasticidade é a capacidade do cérebro de mudar sua estrutura e função ao longo da vida, possibilitando nosso aprendizado, nossa adaptação e nossa recuperação de lesões. Além disso, a neuroplasticidade enfatiza a notável flexibilidade e adaptabili- dade do cérebro humano. Por fim, o feedback e o controle têm uma relação mais próxima com a homeostase, processo pelo qual os organismos vivos mantêm um am- biente interno estável, apesar das mudanças externas. Isso envolve a re- gulação de diversas variáveis fisiológicas – como temperatura corporal, níveis de pH, níveis de açúcar no sangue, equilíbrio de fluidos, entre outros – dentro de uma faixa estreita e ideal para o funcionamento do organismo. O conceito de homeostase foi proposto pela primeira vez pelo fisio- logista francês Claude Bernard, no século XIX, e é um princípio funda- mental que rege o funcionamento dos sistemas vivos, desde organismos unicelulares até organismos multicelulares complexos como os huma- nos. A homeostase é alcançada por meio de uma série de mecanismos de feedback que monitoram continuamente as condições internas de um organismo e fazem adaptações para trazê-los de volta ao ponto de ajuste desejado. Esses mecanismos normalmente envolvem três compo- nentes principais: um receptor, um centro de controle e um efetor. Receptor Detecta mudanças no ambiente interno e envia sinais para o cen- tro de controle. Centro de controle Recebe informações dos recepto- res e as compara com o ponto de ajuste ou faixa desejada, ativando o efetor apropriado se houver um desvio do ponto de ajuste. Efetor Quando ativada pelo centro de controle, é uma resposta que neutraliza o desvio e restaura as condições internas para ní- veis ideais. da vo od a/ Sh ut te rs to ck Transtornos do neurodesenvolvimento 43 O receptor detecta mudanças no ambiente interno e envia sinais para o centro de controle, geralmente localizado no cérebro ou em ór- gãos específicos, que recebe as informações dos receptores e as com- para com o ponto de ajuste ou faixa desejada. Se houver um desvio do ponto de ajuste, o centro de controle ativa o efetor apropriado – um músculo, uma glândula ou um órgão – para produzir uma resposta que neutraliza o desvio e restaura as condições internas para níveis ideais. Por exemplo, se a temperatura corporal sobe acima do ponto de ajuste, os receptores na pele e no cérebro detectam o aumento e en- viam sinais ao hipotálamo, o centro de controle. O hipotálamo então desencadeia respostas como sudorese e dilatação dos vasos sanguí- neos para liberar calor e resfriar o corpo. Uma vez que a temperatura corporal retorna ao intervalo desejado, as respostas efetoras são redu- zidas ou desligadas. A homeostase é essencial para o bom funcionamento das células e ór- gãos dentro de um organismo, pois garante que as reações bioquímicas, a atividade enzimática e os processos celulares ocorram em um ambiente ideal, promovendo a saúde e permitindo que os organismos se adaptem às mudanças nas condições externas, mantendo a estabilidade interna. Sendo assim, o cérebro recebe continuamente feedback do corpo e do ambiente para monitorar e regular as funções corporais. Ele envia si- nais para controlar as funções motoras, regular a produção de hormônios, manter a homeostase e modular as emoções e o comportamento. É importante observarmos que essa é uma visão geral simplificada, e o funcionamento real do cérebro é muito mais intrincado e complexo. Os cientistas continuam a explorar e descobrir os mistérios do cérebro para aprofundar nossa compreensão de suas funções e dos mecanis- mos subjacentes à cognição e comportamento humanos. Você sabia que o cérebro funciona como uma empresa, com cada setor sendo responsável pelo processamento de um determinado grupo de informações? Com base nessa premissa, o vídeo Co- nheça os setores do cérebro apresenta, de maneira leve e de fácil compreensão, uma explicação sobre cada uma das regiões cerebrais, contendo a sua função principal e como esse funcionamento também se dá de modo solidário entre as diversas regiões. Disponível em: https://youtu.be/ bQvYZ0TkHjk?si=CmGd3BrSltebnUXR. Acesso em: 10 out. 2023. Vídeo 2.5 Contribuições da neurociência cognitiva Vídeo A neurociência cognitiva é um campo interdisciplinar que se con- centra na compreensão dos mecanismos neurais subjacentes à cog- nição humana e aos processos mentais, e procura explorar como o cérebro processa as várias funções cognitivas, como percepção, atenção, memória, linguagem, tomada de decisão, resolução de pro- blemas e cognição social. https://youtu.be/bQvYZ0TkHjk?si=CmGd3BrSltebnUXR https://youtu.be/bQvYZ0TkHjk?si=CmGd3BrSltebnUXR 44 Transtornos do Neurodesenvolvimento In k Dr op /S hu tte rs to ck O campo combina princípios e metodologias da neu- rociência, psicologia e ciência cognitiva para investigar como o cérebro estrutura e processa informações, resultando em habilidades e comportamentos cognitivos complexos. Ao estudar a relação entre a atividade neural e os processos cognitivos, a neurociência cognitiva visa entender a base bioló- gica do pensamento e do comportamento humano (D’SOUZA; KARMILOFF-SMITH, 2016). Os avanços tecnológicos esclarecem como o cére- bro funciona, embora não permitam o estabelecimento de alterações cerebrais associadas a um determinado es- tágio do neurodesenvolvimento. O que algumas técnicas de neuroimagem têm permitido, no entanto, é a iden- tificação de alterações associadas ao desenvolvimento cerebral e cognitivo (D’SOUZA; KARMILOFF-SMITH, 2016). Pesquisadores em neurociência cognitiva empregam uma varieda- de de técnicas para investigar o envolvimento do cérebro nacognição, sendo elas: Neuroimagem Técnicas de neuroimagem funcional, como a ressonância magnéti- ca funcional (RMF) e a tomografia por emissão de pósitrons, são usadas para medir a atividade cerebral durante tarefas cognitivas, fornecendo informações sobre as regiões e redes cerebrais envolvidas em proces- sos cognitivos específicos. Go ro de nk of f/ Sh ut te rs to ck Transtornos do neurodesenvolvimento 45 Eletroencefalografia (EEG) A EEG registra a atividade elétrica do cérebro por meio de eletrodos colocados no couro cabeludo, que oferecem alta resolução temporal, permitindo que os pesquisadores estudem o tempo e a dinâmica dos processos cognitivos. Estimulação magnética transcraniana (EMT) A EMT envolve a aplicação de campos magnéticos em regiões espe- cíficas do cérebro, interrompendo temporariamente a atividade neural nessas áreas. Ao prejudicar seletivamente a função cerebral, os pesqui- sadores podem inferir o papel de certas regiões do cérebro em proces- sos cognitivos específicos. YA KO BC HU K VI AC HE SL AV /S hu tte rs to ck Im ag e So ur ce T ra di ng L td /S hu tte rs to ck 46 Transtornos do Neurodesenvolvimento Estudos de lesões Os pesquisadores estudam indivíduos com danos cerebrais, com lesões resultantes de acidentes vasculares cerebrais ou com doenças neurodegenerativas. Ao examinarem os déficits cognitivos associados a essas lesões cerebrais específicas, eles podem inferir as regiões cere- brais envolvidas em funções cognitivas específicas. Por meio da integração dessas técnicas, a neurociência cognitiva visa desvendar a intrincada relação entre o cérebro e a cognição para responder questões fundamentais sobre como o cérebro processa informações, como diferentes regiões do cérebro interagem para dar suporte a funções cognitivas e como as interrupções nos processos neurais podem levar a déficits e distúrbios cognitivos. A pesquisa em neurociência cognitiva tem amplas implicações, des- de a compreensão dos princípios fundamentais da cognição humana até o desenvolvimento de intervenções para distúrbios neurológicos e psiquiátricos. Ao elucidar os mecanismos neurais subjacentes à cog- nição, o campo contribui para nossa compreensão da mente humana e fornece insights sobre o complexo funcionamento do cérebro, bem como quais intervenções são possíveis ou benéficas para cada um dos diferentes tipos de transtornos do neurodesenvolvimento. Dessa maneira, a neurociência cognitiva e os distúrbios do neuro- desenvolvimento são campos interconectados que estudam a relação entre a função cerebral e o desenvolvimento de certas condições neu- rológicas. A neurociência cognitiva investiga como o cérebro proces- sf am _p ho to /S hu tte rs to ck Transtornos do neurodesenvolvimento 47 sa as informações e como esse processamento contribui para várias funções cognitivas, como percepção, atenção, memória, linguagem e tomada de decisão. Os distúrbios do neurodesenvolvimento, por outro lado, são um grupo de condições que surge durante a primeira infância e afeta o desenvolvimento do sistema nervoso, resultando em padrões cognitivos e comportamentais atípicos. O estudo da neurociência cognitiva fornece informações valiosas sobre os mecanismos neurais subjacentes aos distúrbios do neurode- senvolvimento. Ao examinar a estrutura, a conectividade e a atividade do cérebro usando técnicas – como a RMF, a EEG e a neuroimagem – os pesquisadores podem identificar diferenças na função e organização do cérebro entre indivíduos com distúrbios do neurodesenvolvimen- to e indivíduos com desenvolvimento típico. Essas técnicas ajudam a descobrir a base neural de deficiências cognitivas observadas em dis- túrbios como o transtorno do espectro autista, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, deficiência intelectual e transtornos especí- ficos de aprendizagem. A pesquisa em neurociência cognitiva fornece evidências de conec- tividade cerebral alterada, padrões de ativação neural aberrantes e anormalidades estruturais em indivíduos com distúrbios no desenvol- vimento neurológico. Por exemplo, estudos mostram que indivíduos com TEA podem exibir ativação atípica em regiões cerebrais envolvi- das na cognição social e no processamento facial. Da mesma forma, indivíduos com TDAH podem apresentar diferenças em áreas cerebrais associadas à atenção e ao controle de impulsos. Esses estudos ajudam a entendermos as bases neurais dos sintomas cognitivos e comporta- mentais característicos desses distúrbios (NICHOLLS, 2018). Além disso, a pesquisa em neurociência cognitiva dá suporte ao desenvolvimento de intervenções e terapias para indivíduos com dis- túrbios do neurodesenvolvimento. Ao obter uma melhor compreen- são dos mecanismos cerebrais subjacentes a esses distúrbios, os pesquisadores podem projetar intervenções direcionadas que visem modular ou compensar déficits cognitivos específicos. Técnicas como neurofeedback 1 , estimulação cerebral e treinamento cognitivo têm se mostrado promissoras para melhorar as funções cognitivas e aliviar os sintomas em indivíduos com distúrbios do neurodesenvolvimento. Em resumo, a neurociência cognitiva e os distúrbios do neurodesen- volvimento são campos de estudo intimamente ligados. A neurociência Quando foi lançado pela primeira vez, em 1988, o livro de Michael Gazzani- ga, Neurociência cognitiva: a biologia da mente, mo- dificou o modo como os estudantes da graduação enxergavam a psicologia cognitiva, a neurologia e as neurociências do comportamento. Essa é uma leitura excelente para quem deseja se aprofundar no assunto, fazendo conexões com outros campos cientí- ficos, já que esse livro, além de trazer uma abor- dagem interdisciplinar, oferece casos clínicos que ilustram e embasam a prática, não ficando restrito apenas à teoria. GAZZANIGA, M. S. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. Livro Técnica que ensina aos indivíduos o autocontrole das funções cerebrais, me- dindo as ondas cerebrais e fornecendo um sinal de feedback. O neurofeedback geralmente fornece uma resposta em áudio ou vídeo, principalmente pela análise de gráficos gerados pelas ondas cerebrais que foram captadas durante o treinamento. 1 48 Transtornos do Neurodesenvolvimento cognitiva fornece uma estrutura científica para investigar a base neural das deficiências cognitivas nos distúrbios do neurodesenvolvimento, ajudando a descobrir os mecanismos cerebrais subjacentes a essas condições. Esse conhecimento pode ser aplicado para desenvolver in- tervenções e terapias eficazes para melhorar a vida dos indivíduos afe- tados por esses distúrbios. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo, aprendemos um pouco mais sobre os transtornos do neurodesenvolvimento e sobre como as deficiências foram vistas ao longo da história – a morte e a segregação iniciais evoluíram para um cuidado familiar, social e institucional ao longo das eras. Após um período funesto de abusos e violações de direitos, as pessoas com transtornos do neuro- desenvolvimento foram reconhecidas como sujeitos e reintegradas à so- ciedade, com acesso à educação e tratamento adequados. Devemos isso ao avanço da cultura e das neurociências, que agora reconhecem que todos somos não apenas o produto dos genes que rece- bemos de nossos genitores, mas também fruto do meio no qual vivemos e nos movimentamos, logo, natureza e criação caminham juntas. Refletimos um pouco sobre o funcionamento cerebral, o processamento das infor- mações e sobre como a neuroplasticidade revolucionou o modo como pensamos esse funcionamento, que não é estanque, mas é vivo e pulsan- te, modificando-se e adaptando-se, com implicações significativas para a aprendizagem, memória, aquisição de habilidades e reabilitação. Contudo, não podemos perder de vista que por trás de todo diagnós- tico há um ser único e singular, que vivencia também de maneira única suas especificidades e limitações. É preciso pensar e viver a prática do cuidado com humanidadee inteligência, a fim de que todos possam se beneficiar das descobertas científicas com relação aos transtornos do neurodesenvolvimento. ATIVIDADES Atividade 1 Como as pessoas com deficiência e/ou transtornos do neurode- senvolvimento eram tratadas na Antiguidade? Transtornos do neurodesenvolvimento 49 Atividade 2 Quais são os transtornos do neurodesenvolvimento mais comuns em crianças? Atividade 3 Descreva o conceito científico de nature versus nurture. Atividade 4 Defina o conceito de neuroplasticidade. REFERÊNCIAS APA – American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. ARTIGAS-PALLARÉS, J.; GUITART, M.; GABAU-VILA, E. Bases genéticas de los trastornos del neurodesarrollo. Revista de Neurología, v. 56, n. 1, p. 23-33, 2013. BROWN, I.; RADFORD, J. P. The growth and decline of institutions for people with developmental disabilities in ontario: 1876-2009. Journal on Developmental Disabilities, v. 21, n. 2, p. 7-27, 2015. D’SOUZA, H.; KARMILOFF-SMITH, A. Neurodevelopmental disorders. Wiley Interdisciplinary Reviews: Cognitive Science, v. 8, p.1-2, 2016. GAUDET, I.; GALLAGHER, A. Chapter 1 – Description and classification of neurodevelopmental disabilities. Handbook of Clinical Neurology, v. 173, p. 3-6, 2020. GROFF, C. A. Mental retardation: a book of readings. 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Mas o que acontece quando esse processo é prejudicado? Neste capítulo, buscaremos definir o que são transtornos do neu- rodesenvolvimento e aprendizagem e identificar sua gênese. Com base nessa definição, identificaremos os transtornos mais comuns e como eles impactam o processo de aprendizagem. Além disso, conheceremos as características que constituem os transtornos mais comuns, como a dislexia, a disgrafia, a disortografia, a discalculia, a anaritmia e a disnomia. Embora não sejam caracterizados como transtornos específicos de aprendizagem, reconheceremos os aspectos que configuram o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) e o transtorno do espectro au- tista (TEA), já que esses transtornos do neurodesenvolvimento estão intima- mente ligados e têm um impacto direto nos processos de aprendizagem. Ao final deste capítulo, conheceremos as estruturas das deficiências sensoriais e seus impactos no neurodesenvolvimento e na aprendizagem, identificando os aspectos biológicos, cognitivos e emocionais e sua in- fluência nos transtornos de aprendizagem. Com o estudo deste capítulo, você será capaz de: • definir o que são transtornos de aprendizagem e identificar sua gênese; • identificar as características que constituem a dislexia, disgrafia, disortografia, discalculia, anarritmia e disnomia; (Continua) Objetivos de aprendizagem Transtornos do neurodesenvolvimento e aprendizagem 51 • entender os aspectos que caracterizam o TDAH e o TEA; • descrever as estruturas das deficiências sensoriais e seus impac- tos no neurodesenvolvimento; • classificar os aspectos biológicos, cognitivos e emocionais e sua influência nos transtornos do neurodesenvolvimento e aprendizagem. 3.1 O que são transtornos do neurodesenvolvimento? Vídeo Antes de abordar os transtornos de neurodesenvolvimento em si, é importante compreender como se dá o processo de aprendizagem, para que então possamos identificar com segurança as alterações que podem afetar esse processo. No geral, a aprendizagem pode ser com- preendida como a habilidade e a possibilidade que os seres humanos têm de perceber, compreender, conhecer e reter em sua memória as informações que são captadas do ambiente com o qual ele interage (TOPCZEWSKI, 2014). Por outro lado, alguns pesquisadores têm o seu foco no cérebro como o órgão responsável pela cognição, onde acon- teceria a aprendizagem, de maneira que o cérebro passa a ser a matriz de todo o conhecimento adquirido, sem levar em consideração as inte- rações com o meio ambiente e as interações sociais. Basicamente, a aprendizagem pode ocorrer baseando-se em alguns mecanismos, muito influenciados pelo modo como as interações acon- tecem entre quem aprende e os mediadores desse processo: Ocorre por meio de interações diretas do indivíduo com o ambiente. Os indivíduos aprendem com suas observações, interações e experiências e podem ajustar seu comportamento com base nos resultados de suas ações. Aprendizagem baseada na experiência Ocorre pela mediação de professores, mentores ou com recursos educacionais. Pode incluir educação formal em escolas, cursos on-line, workshops ou qualquer outra forma estruturada de transferência de informações. (continua) Aprendizagem baseada em instruções 52 Transtornos do Neurodesenvolvimento Ocorre quando os indivíduos associam um estímulo ou evento a outro, por exemplo: o condicionamento clássico é um tipo de aprendizado associativo em que um estímulo neutro (ver uma maçã) associa-se a um estímulo significativo (lembrar de ter comido uma maçã de sabor agradável) e provoca uma resposta semelhante (começar a salivar). Aprendizagem associativa Envolve pensamento de alto nível, resolução de problemas e compreensão de conceitos complexos. Esse tipo de aprendizado geralmente associa-se ao pensamento e ao raciocínio crítico. Aprendizagem cognitiva Ocorre quando os indivíduos aprendem observando os comportamentos dos outros e suas consequências. A aprendizagem social é essencial para a transmissão da cultura, normas e tradições de uma sociedade. Aprendizagem social Aprender habilidades – como tocar um instrumento musical, dirigir um carro ou dominar um esporte – envolve prática, repetição e refinamento. Aquisição de habilidades A aprendizagem pode ser intencional ou não intencional, além de poder ser influenciada por fatores internos, como motivação, atenção e memória, e fatores externos, como o ambiente de apren- dizagem e os métodos de ensino. Ao longo da vida, a aprendiza- gem desempenha um papel crucial no desenvolvimento pessoal, no crescimento profissional e na adaptação a novos desafios e si- tuações. É um processo contínuo que ocorre em diferentes níveis e em vários domínios, moldando os indivíduos e as sociedades à medida que avançam no tempo. A aprendizagem, portanto, é um processo multifacetado, no qual cada estrutura exerce uma função específica. De acordo com Sampaio e Freitas (2020), para que ocorra o processo de apren- dizagem é necessário que cada estrutura esteja adequadamente integrada em sua função. Atualmente, as neurociências classificam esse processo integrado em três níveis de funções, como podemos ver na Figura 1. Transtornos do neurodesenvolvimento e aprendizagem 53 Figura 1 Funções para a aprendizagem Controle e integridade psicoemocional. Psicodinâmicas Recepção dos estímulos sensoriais; aprendizagem simbólica. Sistema nervoso periférico Armazenamento, elaboração e processamento das informações. Sistema nervoso central Fonte: Elaborada pela autora. Sendo assim, qualquer alteração que envolva essas três funçõeses- pecíficas terão um impacto direto na aprendizagem do indivíduo, que resultará em um transtorno ou dificuldade de aprendizagem escolar (SAMPAIO; FREITAS, 2020). Os transtornos específicos de aprendizagem são um grupo de condições neurológicas que afetam a capacidade de um indivíduo de adquirir, processar ou usar informações de modo eficaz, podendo se manifestar em várias áreas do aprendizado e interferir no desempenho acadêmico, no funcionamento diário e nas interações sociais de uma pessoa. Os tipos mais comuns de transtornos específicos de aprendi- zagem incluem: Dislexia: dificuldade em ler, soletrar e reconhecer palavras escritas. Indivíduos com dislexia podem ter problemas para entender a relação entre sons e letras. Disnomia: disfunção da linguagem caracterizada pela incapacidade do indivíduo de nomear objetos ou pessoas, bem como de recordar nomes próprios. Disgrafia: desafios na escrita, incluindo dificuldades com caligrafia, ortografia e organização de pensamentos no papel. Disortografia: dificuldade de fazer uma associação entre os fonemas (som das letras) e os grafemas (escrita das letras). (Continua) 54 Transtornos do Neurodesenvolvimento Discalculia: dificuldade em compreender conceitos matemáticos, in- cluindo dificuldades com números, operações matemáticas e resolução de problemas. Distúrbio do processamento auditivo central (DPAC): desafios no processamento e interpretação das informações auditivas que podem afe- tar a audição e a compreensão da linguagem falada. É importante observar que os distúrbios de aprendizagem não são indicativos de falta de inteligência ou motivação, pois têm a sua gênese na maneira como o cérebro recebe e processa as informações rece- bidas. A identificação precoce e as intervenções apropriadas podem melhorar significativamente a experiência de aprendizagem e os resul- tados para indivíduos com transtornos de aprendizagem. O tratamento pode envolver apoio educacional especializado, estratégias de aprendi- zagem individualizadas e outras terapias adaptadas aos desafios espe- cíficos que cada pessoa enfrenta. A seguir, abordaremos de modo mais específico cada um desses transtornos, trazendo sua conceituação e características. Dislexia Este é um distúrbio específico de aprendizagem caracterizado por dificuldades na leitura, ortografia e reconhecimento de palavras, que ocorre mesmo em indivíduos de inteligência considerada pa- drão ou acima da média e com acesso a oportunidades educacionais adequadas. É um dos transtornos específicos de aprendizagem mais comuns e, de acordo com a Associação Brasileira de Dislexia (ABD), é o de maior incidência nas salas de aula, atingindo entre 5% e 17% da população mundial (DISLEXIA..., 2017). Os indivíduos com dislexia podem enfrentar desafios em várias áreas relacionadas à leitura e ao processamento da linguagem, como: • Precisão de leitura: dificuldades em reconhecer e decodificar palavras com precisão, levando a uma leitura lenta e trabalhosa. • Fluência de leitura: indivíduos disléxicos precisam se esforçar para ler o texto sem problemas e podem experimentar hesita- ções ou repetições. No livro Transtornos e dificuldades de aprendiza- gem: entendendo melhor os alunos com necessidades educativas especiais, Simaia Sampaio e Ivana de Freitas apresentam vários capítulos sobre cada um dos transtornos especí- ficos de aprendizagem. As informações estão atualizadas e o livro traz uma análise de transtor- nos ligados à infância e à adolescência, bem como a necessidade de pesquisas e uma reflexão sobre o conceito de inclusão. SAMPAIO, S; FREITAS, I. B. (org.). 2. ed. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2020. Livro Transtornos do neurodesenvolvimento e aprendizagem 55 Le on ik N at al ia /S hu tte rs to ck • Compreensão de leitura: compreender o significado do texto escrito pode ser um desafio para indivíduos com dislexia, ainda que consigam decodificar as palavras. • Ortografia: os disléxicos geralmente têm problemas para sole- trar palavras corretamente, mesmo as simples e comuns. • Consciência fonológica: refere-se à capacidade de reconhecer e manipular os sons da linguagem falada, o que é crucial para desenvolver habilidades de leitura e ortografia. É essencial entender que a dislexia é uma condição neurológica, e não resultado de preguiça, falta de inteligência ou ensino deficiente. Acredita-se que a causa raiz da dislexia esteja relacionada a diferenças em como o cérebro processa a linguagem e a informação visual, particularmente nas áreas res- ponsáveis pela leitura e habilidades de linguagem. A identificação e intervenção precoces são cruciais para indivíduos com dislexia, e com apoio adequa- do e intervenções direcionadas, os indivíduos com esse transtorno podem melhorar suas habilidades de leitura e linguagem e levar uma vida bem-suce- dida e gratificante. Diferentes abordagens e estratégias educacionais podem ser empregadas para ajudar indivíduos disléxi- cos a aprender a ler e escrever de modo mais eficaz, o que pode incluir programas estruturados de alfabetização, instrução foné- tica, técnicas de aprendizado multissensorial e tecnologia assisti- va. O objetivo é ajudar indivíduos disléxicos a desenvolver estratégias compensatórias para contornar seus desafios de leitura e explorar seus pontos fortes. A intervenção precoce e as acomodações adequadas po- dem fazer uma diferença significativa na vida acadêmica e pessoal. Disnomia A disnomia é um distúrbio de memória que se caracteriza pela di- ficuldade do indivíduo em se recordar de palavras e nomes de obje- tos. As pesquisas atuais consideram que a sua causa é potencialmente congênita, mas também pode ter como causa doenças neurológicas degenerativas e, neste caso, a condição pode se agravar com o tempo. 56 Transtornos do Neurodesenvolvimento A disnomia pode estar presente em alguns distúrbios de aprendiza- gem, como a dislexia, influenciando a aquisição da linguagem e a me- mória, além de também poder afetar as habilidades de fala, de escrita ou ambas. No que diz respeito à memória, também pode ser provoca- da por condições médicas, como intoxicação, baixos níveis de açúcar no sangue, desidratação e overdose. Indivíduos diagnosticados com esse transtorno têm conhecimento das palavras, mas não conseguem recuperá-las na memória quando precisam, e para contornar isso, podem ainda substituir a palavra por um sinônimo ou por palavras semelhantes em significado ou sonorida- de. Em casos mais graves de disnomia, essa substituição ocorre por pa- lavras inventadas que não têm qualquer correlação ou sentido com o objeto. A disnomia também pode interferir na capacidade de realização de testes cronometrados; logo, os disnômicos também podem hesitar ou parecer angustiados na tentativa de recordar palavras ou nomes, apresentando ansiedade recorrente e altos níveis de estresse. Quando a disnomia se apresenta nos transtornos específicos de aprendizagem, terapias adequadas podem auxiliar as crianças a desen- volver habilidades de enfrentamento, como colocar etiquetas com o nome dos objetos fixados a eles, e assim aprender a lidar com o distúr- bio. Porém, quando a disnomia está atrelada à uma condição genética, ela persistirá. Disgrafia Este é um distúrbio específico de aprendizagem que afeta princi- palmente as habilidades de escrita, fazendo com que indivíduos com disgrafia possam apresentar dificuldades significativas com a caligrafia, ortografia e expressão de pensamentos por escrito. Apesar de terem inteligência considerada padrão e não apresentarem nenhum proble- ma físico ou neurológico que justifique essas dificuldades, indivíduos com esse quadro têm uma grande dificuldade em produzir uma escrita legível, coerente e organizada. Existem diferentes tipos de disgrafia, e os indivíduos podem apresen- tar sintomas variados, sendo que as características mais comuns incluem: • Escrita ilegível: a disgrafia geralmente leva a uma caligrafia con- fusa,irregular ou malformada. As letras podem ser malformadas, de tamanho inconsistente ou difíceis de ler. Transtornos do neurodesenvolvimento e aprendizagem 57 • Dificuldades de ortografia: o distúrbio pode resultar em proble- mas persistentes com a ortografia, incluindo erros ortográficos de palavras comuns e dificuldade em lembrar as regras de ortografia. • Gramática e sintaxe deficientes: as frases escritas podem não ter coerência gramatical, pontuação e estrutura de frases ade- quadas, tornando a escrita difícil de compreender. • Velocidade de escrita lenta: a disgrafia pode fazer com que os indivíduos escrevam em um ritmo muito mais lento do que seus colegas, levando à frustração e à dificuldade de concluir tarefas escritas dentro do tempo previsto. • Dificuldade em organizar pensamentos no papel: esse distúr- bio pode afetar a capacidade de planejar e organizar pensamentos de modo coerente ao escrever, dificultando o desenvolvimento de parágrafos ou ensaios bem estruturados. • Dificuldade com habilidades motoras finas: alguns indivíduos com disgrafia podem ter déficits subjacentes de habilidades mo- toras finas, afetando ainda mais sua capacidade de controlar o lápis ou a caneta enquanto escrevem. A causa exata da disgrafia não é totalmente compreendida, mas acredita-se que esteja relacionada à maneira como o cérebro processa e coordena as habilidades motoras finas necessárias para a escrita e a linguagem, e os processos cognitivos envolvidos na geração da lingua- gem escrita. Dessa maneira, a criança com disgrafia apresenta dificul- dade na coordenação visuomotora e não é capaz de traçar as linhas da escrita com uma trajetória predeterminada, já que, apesar de todo o esforço empreendido, a mão não obedece ao trajeto que foi planejado (SAMPAIO; FREITAS, 2020). Como outros distúrbios de aprendizagem, a identificação e a inter- venção precoces são cruciais para o manejo da disgrafia e várias es- tratégias e adaptações podem ser empregadas para apoiar indivíduos com disgrafia em suas tarefas de escrita. A terapia ocupacional pode ser benéfica para melhorar as habilidades motoras finas e a proficiência na escrita. Além disso, o uso de tecnologia assistiva, como um software que converta a fala para um arquivo de texto, pode ajudar indivíduos com esse transtorno a expressar suas ideias sem as demandas físicas da caligrafia. 58 Transtornos do Neurodesenvolvimento Para que a disgrafia seja corretamente diagnosticada é essencial buscar uma avaliação abrangente por um profissional qualificado, pois somente assim será possível desenvolver um plano de intervenção personalizado para abordar os desafios de escrita específicos do indivíduo. Disortografia Este é um distúrbio de aprendizagem específico que afeta principal- mente as habilidades de ortografia; logo, indivíduos com disortografia têm dificuldades persistentes e significativas com a ortografia, mesmo quando têm inteligência considerada padrão e acesso a oportunidades educacionais. De acordo com as autoras Sampaio e Freitas (2020, p. 84), a disortografia consiste em confusões de letras, sílabas e pala- vras, com trocas ortográficas já conhecidas e trabalhadas pelo professor. A ortografia é o conjunto das regras e das normas que regem o código da linguagem escrita, não é aleatória ou construí- da individualmente, mas é fruto de um acordo coletivo entre os povos que compartilham uma mesma língua. É importante distinguir a disortografia de outros distúrbios de aprendizagem, como dislexia e disgrafia: enquanto a dislexia afeta prin- cipalmente a leitura e a disgrafia, sobretudo a caligrafia e a expressão escrita, a disortografia prejudica especificamente as habilidades de or- tografia (SAMPAIO; FREITAS, 2020). As principais características da di- sortografia incluem: • Dificuldades de ortografia: indivíduos com disortografia têm difi- culdade para soletrar palavras corretamente, tanto em contextos es- critos quanto orais. Eles podem ter dificuldade em lembrar padrões ortográficos, regras fonéticas e convenções ortográficas comuns. • Ortografia inconsistente: indivíduos com esse transtorno podem soletrar a mesma palavra de maneira diferente a cada vez que a escrevem, pois têm dificuldade em internalizar a ortografia correta. • Erros de ortografia fonética: a disortografia, geralmente, leva a erros de ortografia com base na forma como as palavras soam, em vez de sua representação visual correta. • Dificuldade com palavras irregulares: enquanto algumas pa- lavras seguem regras ortográficas previsíveis, outras são consi- deradas irregulares e não seguem padrões fonéticos típicos do idioma. Indivíduos com disortografia podem achar particular- mente difícil soletrar palavras irregulares. Transtornos do neurodesenvolvimento e aprendizagem 59 • Habilidades de decodificação deficientes: a disortografia pode afetar a capacidade de um indivíduo de pronunciar com precisão e decodificar palavras durante a leitura. As causas subjacentes da disortografia não são ainda totalmente compreendidas, mas acredita-se que estejam relacionadas a dificulda- des no processamento fonológico das palavras, o que afeta a capaci- dade de reconhecer e manipular os sons da linguagem falada e aplicar esse conhecimento à ortografia. Assim como outros distúrbios de aprendizagem, a identificação precoce e a intervenção apropriada são cruciais para o manejo da di- sortografia. Abordagens instrucionais que se concentram na instrução fonética explícita, análise de palavras e técnicas de aprendizado multis- sensorial podem ser benéficas. O suporte educacional e as acomodações podem ajudar os indivíduos disortográficos a desenvolverem estratégias compensatórias para melhorar suas habilidades de ortografia. Discalculia Este é um distúrbio específico de aprendizagem que afeta a capaci- dade do indivíduo de compreender e trabalhar com números e concei- tos matemáticos. Pessoas com discalculia experimentam dificuldades persistentes e significativas em aprender e aplicar habilidades mate- máticas, apesar de terem inteligência e oportunidades educacionais adequadas. As principais características desse transtorno são: • Dificuldade com aritmética básica: indivíduos com discalculia podem ter problemas para realizar operações matemáticas bási- cas, como adição, subtração, multiplicação e divisão. • Sentido numérico ruim: eles podem ter dificuldade em enten- der a magnitude dos números, seu valor relativo e o conceito de quantidade, por exemplo. • Desafios com padrões e relacionamentos numéricos: a discal- culia pode dificultar o reconhecimento e a aplicação de padrões e relacionamentos matemáticos, como a compreensão do valor posicional ou o reconhecimento de sequências numéricas. • Dificuldade com símbolos e terminologia matemática: indi- víduos com discalculia podem ter problemas para entender e lembrar símbolos matemáticos (+, -, ×) bem como termos e voca- bulário matemáticos. 60 Transtornos do Neurodesenvolvimento MrSquid/Shutterstock • Problemas com o raciocínio matemático: a discalculia pode afe- tar a capacidade de um indivíduo de resolver problemas matemá- ticos e aplicar conceitos matemáticos a situações do mundo real. • Dificuldade com conceitos espaciais e temporais: alguns indi- víduos com discalculia também podem ter dificuldades para en- tender as relações espaciais e o tempo de processamento, o que pode afetar ainda mais suas habilidades matemáticas. Assim como em outros transtornos específicos de aprendizagem, a causa exata da discalculia não é totalmente compreendida, mas acredita- -se que esteja relacionada a diferenças na função e no desenvolvimento do cérebro, particularmente nas áreas responsáveis pelo processamento matemático. A discalculia é diferente das simples dificuldades matemáticas que podem ser melhoradas com a prática e instrução direcionada. É um transtorno específico de aprendizagem que afeta os indivíduos ao longo de suas vidas, dificultando a aquisiçãode habilidades matemáticas básicas e sua aplicação efetiva em diversas situações, e não somente no contexto escolar. A identificação precoce e a intervenção apro- priada são cruciais para o tratamento da discalcu- lia. Abordagens instrucionais que se concentram em um aprendizado mais concreto e prático, bem como recursos visuais e técnicas multissensoriais, podem ser benéficas. DPAC Também conhecido como distúrbio do processamento au- ditivo (DPA), esta é uma condição neurológica que afeta a capacidade do cérebro de processar informações auditivas de modo eficaz. Indi- víduos com DPAC têm habilidades auditivas consideradas normais, ou seja, embora consigam “ouvir”, têm dificuldade de processar e in- terpretar informações auditivas com precisão, especialmente em am- bientes auditivos desafiadores (por exemplo, muitas pessoas falando ao mesmo tempo) ou ruidosos. O sistema auditivo envolve um processo complexo que inclui a capacidade do ouvido de detectar ondas sonoras, a transmissão des- Transtornos do neurodesenvolvimento e aprendizagem 61 treety/Shutterstock ses sinais sonoros ao cérebro e a interpretação do cérebro desses sinais em informações significativas (PURVES et al., 2018). Em pes- soas com DPAC há um problema com o processa- mento cerebral da informação auditiva, levando a várias dificuldades em ouvir e compreender a linguagem falada. Os sintomas do distúrbio do processamento au- ditivo central podem incluir: • Dificuldade de compreensão da fala em am- bientes ruidosos: pessoas com DPAC podem ter dificuldade para se concentrar e compreen- der a fala quando há ruído de fundo ou sons concorrentes. • Dificuldade em seguir instruções verbais: eles podem ter pro- blemas para lembrar e seguir instruções em várias etapas ou ins- truções dadas verbalmente. • Dificuldade com a discriminação auditiva: essa condição alte- ra a capacidade de distinguir entre sons semelhantes, como sons de consoantes diferentes (por exemplo, “b” e “d”) ou palavras com sons semelhantes. • Dificuldade com o sequenciamento auditivo: o DPAC envolve desafios no processamento e na lembrança da ordem dos sons ou informações verbais, como letras em uma palavra ou núme- ros em uma sequência. • Dificuldade com a consciência fonêmica: pessoas com DPAC podem ter dificuldade em reconhecer e manipular sons de fala in- dividuais, o que pode afetar as habilidades de leitura e ortografia. • Dificuldade com a memória auditiva: DPAC pode afetar a capa- cidade de reter e recordar informações auditivas, como lembrar o que foi dito em uma conversa ou palestra. É importante observar que o DPAC é uma condição complexa cujos sintomas podem variar de pessoa para pessoa. Pode estar presente em crianças e adultos e pode coexistir com outros distúrbios de apren- dizagem e de neurodesenvolvimento, como dislexia ou transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH). O diagnóstico do distúrbio do processamento auditivo central geralmente envolve uma avaliação abrangente por um fonoaudiólogo, incluindo uma avaliação detalhada das habilidades de escuta e de processamento auditivo. 62 Transtornos do Neurodesenvolvimento O tratamento para DPAC geralmente requer intervenções direciona- das para melhorar habilidades específicas de processamento auditivo, exercícios de treinamento auditivo e estratégias para lidar com desafios auditivos em vários ambientes. O diagnóstico e a intervenção precoces são cruciais para ajudar os indivíduos com DPAC a superar as dificulda- des e melhorar suas habilidades de comunicação e aprendizado. 3.2 Dificuldades e transtornos de aprendizagem Vídeo Os termos dificuldades de aprendizagem e transtornos específicos de aprendizagem são frequentemente usados de modo intercambiável, mas existem algumas distinções entre eles: no geral, dificuldades de aprendizagem referem-se a desafios que os indivíduos podem enfren- tar ao adquirir certas habilidades ou conhecimentos. Essas dificuldades podem ser temporárias e podem surgir devido a vários fatores, como falta de instrução adequada, influências ambientais, problemas de saú- de ou fatores emocionais. Por exemplo, a dificuldade de aprendizado pode ser causada por algum acontecimento ou situação frustrante, ou algo que cause alguma forma de sofrimento psíquico na criança – como uma mudança de escola, troca de professor, chegada de um irmão, morte de um familiar próximo, questões familiares ou separação dos pais –, de maneira que se torna necessário investigar quais fatores estão, de alguma forma, alterando o desempenho da criança na escola (GIROTTO; GIROTTO; OLIVEIRA JUNIOR, 2015). As dificuldades de aprendizagem geralmente não são atribuídas a deficiências neurológicas ou cognitivas específicas, mas sim a fatores externos ou situacionais. Com apoio e intervenções apropriados, os indivíduos com dificuldades de aprendizagem, muitas vezes, podem superar seus desafios e atingir seus objetivos de aprendizagem. De acordo com Moojen, Bassôa e Gonçalvez (2016), quando falamos em di- ficuldade de aprendizagem, estamos nos referindo a problemas de or- dem pedagógica, sociocultural, emocional ou até mesmo neurológica. Por outro lado, os transtornos específicos de aprendizagem têm a sua gênese nas disfunções do sistema nervoso central e estão relaciona- dos a problemas de aquisição e processamento da informação adquiridas em seu meio ambiente. Sendo assim, esses transtornos são condições mais específicas e duradouras que afetam a forma como os indivíduos Transtornos do neurodesenvolvimento e aprendizagem 63 processam, compreendem ou retêm informações. Eles são normalmente atribuídos a diferenças neurológicas ou cognitivas e podem afetar signifi- cativamente a capacidade de uma pessoa aprender e realizar determina- das tarefas, mesmo com instrução e suporte adequados. Os transtornos específicos de aprendizagem são frequentemente ca- racterizados por uma discrepância significativa entre a inteligência ou ca- pacidade cognitiva de um indivíduo e seu desempenho acadêmico real. Transtornos específicos de aprendizagem São condições mais específicas e duradouras normalmente atribuídas a diferenças neurológicas ou cognitivas; podem afetar significativamente a capacidade de uma pessoa aprender e realizar determinadas tarefas. Dificuldades de aprendizagem Geralmente, são atribuídas a fatores externos ou situacionais, podendo ser temporárias. Em resumo, a principal diferença reside na natureza e duração dos desafios: as dificuldades de aprendizagem são mais amplas e tempo- rárias, enquanto os transtornos específicos de aprendizagem são con- dições específicas e persistentes de origem neurológica ou cognitiva. É importante reconhecer e abordar esses dois conceitos de maneira adequada para fornecer o apoio e as intervenções necessárias para que os indivíduos tenham sucesso em suas atividades educacionais. No livro Dificuldades de aprendizagem: a psicope- dagogia na relação sujeito, família e escola, a autora Simaia Sampaio aborda a psicopedagogia como ciência norteadora da relação entre o estudante, a família e a escola. Além disso, trata de aspectos sobre a formação da criança como sujeito e apresenta uma reflexão dos transtornos especí- ficos de aprendizagem, fazendo uma análise de qual é o papel da família e da escola nesse contexto desafiador. SAMPAIO, S. 3. ed. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011. Livro 3.3 TDAH e TEA Vídeo O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) é um distúrbio do neurodesenvolvimento que afeta crianças e adultos, ca- racterizado por um padrão persistente de desatenção, hiperatividade e impulsividade que interfere no funcionamento e nas atividades diárias. Embora o TDAH não seja um transtorno específico de aprendizagem em si, muitas vezes apresenta comorbidade relacionada a algum transtor- no, o que pode aumentar seu impacto nos processos de aprendizagem. De maneira geral, existem três tipos principais de TDAH: o chamado de apresentação predominantementedesatenta, em que os indivíduos 64 Transtornos do Neurodesenvolvimento lutam principalmente contra a desatenção. Eles podem ter dificuldade em manter o foco, seguir instruções, organizar tarefas e, muitas vezes, parecem esquecidos ou facilmente distraídos. A desatenção, principal- mente na infância, tem um grande impacto negativo na aprendizagem. Já os indivíduos com a denominada apresentação predominante- mente hiperativa-impulsiva exibem sobretudo comportamentos de hiperatividade e impulsividade. Eles podem ter problemas para ficar parados, muitas vezes são inquietos, agem impulsivamente sem pen- sar nas consequências e podem interromper os outros com frequên- cia. Por fim, na conhecida como apresentação combinada, o tipo mais comum de TDAH, os indivíduos apresentam sintomas de desatenção e hiperatividade-impulsividade. Apresentação predominantemente desatenta Dificuldade em manter o foco, seguir instruções, organizar tarefas; muitas vezes, os indivíduos parecem esquecidos ou facilmente distraídos. Apresentação predominantemente hiperativa-impulsiva Comportamentos de hiperatividade e impulsividade, com problemas para ficar parados e a propensão a interromper os outros com frequência. Apresentação combinada Presença de sintomas de desatenção e hiperatividade-impulsividade, o tipo mais comum de TDAH. Os sintomas do TDAH geralmente aparecem durante a infância, e o diagnóstico é feito comumente antes dos 12 anos de idade, embora alguns indivíduos não recebam um diagnóstico até a idade adulta. A causa exata do TDAH não é totalmente compreendida, mas acredita-se que seja uma combinação de fatores genéticos, ambientais e neuroló- gicos. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), não há marcadores biológicos para o diagnóstico de TDAH (APA, 2014). No Quadro 1 podemos ver listados os sintomas mais comuns de TDAH relacionados à desatenção e à hiperatividade/impulsividade. Transtornos do neurodesenvolvimento e aprendizagem 65 Quadro 1 Sintomas comuns do TDAH Desatenção Hiperatividade e impulsividade Dificuldade em prestar atenção aos deta- lhes; cometimento de erros por descuido. Inquietação intensa; o indivíduo se bate ou contorce quando sentado. Dificuldade de manter o foco em tare- fas ou atividades. Impossibilidade de permanecer sentado, mesmo quando deveria. Dificuldade em organizar tarefas e per- tences. O indivíduo corre ou escala excessivamen- te quando não é apropriado. Evitamento de tarefas que exigem es- forço mental sustentado. Dificuldade de brincar ou se envolver silen- ciosamente em atividades. Perda frequente de itens necessários para completar tarefas específicas. Fala excessiva e interrupção dos outros com frequência. Esquecimento frequente de tarefas ou atividades diárias. Dificuldade de esperar a sua vez; deixa escapar as respostas ou termina as frases dos outros. Fonte: Elaborado pela autora. Jovens com TDAH podem ser hiperativos, além de tenderem a ser im- pulsivos e propensos a acidentes. Eles podem responder perguntas antes de levantar a mão, esquecer coisas, inquietar-se, contorcer-se na cadeira ou falar muito alto. Por outro lado, alguns estudantes com esse transtorno podem ser quietos ou desatentos, esquecidos e facilmente distraídos. De acordo com a Associação para Saúde Mental Infantil de Minne- sota (Minnesota Association for Children’s Mental Health), o ambiente também pode influenciar os sintomas apresentados pelo TDAH, por exemplo: estudantes com TDAH podem não exibir alguns comporta- mentos em casa se esse ambiente for menos estressante, menos esti- mulante ou mais estruturado do que a escola. Mesmo lidando com a desatenção, estudantes com TDAH podem se concentrar na tarefa ao fazer um projeto de algo que gostem, como arte. Estima-se que 5% das crianças tenham alguma forma de TDAH, com prevalência para crian- ças do sexo masculino (FREIRE; PONDÉ, 2005). Estudantes com TDAH tendem a ser negligenciados ou rotulados como quietos e desmotivados, porque não conseguem organizar seu trabalho a tempo e correm maior risco de desenvolver dificuldades de aprendizagem, transtornos de ansiedade, conduta e humor, e até mes- mo doenças mais sérias como a depressão. Esses indivíduos também podem ter dificuldade em manter amizades e sua autoestima sofrerá por experimentar falhas frequentes por causa do sentimento de inca- 66 Transtornos do Neurodesenvolvimento pacidade. Sem tratamento adequado, as crianças correm um alto risco de fracasso escolar. Abordagens multidisciplinares que incluem a família, escola e saúde mental podem ser bem-sucedidas, e crianças identificadas em tenra idade devem ser monitoradas, pois a mudança de sintomas pode indicar distúrbios relacionados, tais como transtorno bipolar, depressão, ou condições subjacentes, como transtorno do espectro alcoólico fetal 1 (TEAF). O TDAH pode afetar vários aspectos da vida de um indivíduo, in- cluindo desempenho acadêmico, produtividade no trabalho, relacio- namentos e autoestima. No entanto, com diagnóstico e tratamento adequados, a exemplo de terapia comportamental e/ou medicação, os indivíduos com TDAH podem aprender a controlar seus sintomas de modo eficaz e levar uma vida plena e saudável. O transtorno do espectro autista (TEA), por sua vez, é um transtorno do neurodesenvolvimento que afeta a comunicação, o comportamento e a interação social. Ele é caracterizado por uma ampla gama de sinto- mas e habilidades, razão pela qual é chamado de distúrbio de espectro. O TEA afeta os indivíduos de maneira diferente, e não há duas pessoas com autismo com exatamente o mesmo conjunto de características. As principais características do transtorno do espectro autista incluem: Dificuldades de comunicação: pessoas com TEA podem ter proble- mas com a comunicação verbal e não verbal. Podem ter atraso no desenvolvimento da linguagem, dificuldade de entender e usar gestos e dificuldade em manter contato visual ou entender sinais sociais. Desafios sociais: indivíduos com TEA geralmente apresentam difi- culdade de se envolver em interações sociais típicas e podem achar difícil desenvolver e manter relacionamentos. Eles podem ter dificul- dade de entender as emoções dos outros ou expressar suas próprias emoções de maneira adequada. (Continua) Comportamentos repetitivos e interesses restritos: muitos indiví- duos com TEA se envolvem em comportamentos repetitivos, como bater as mãos, balançar ou repetir frases (ecolalia). Eles também podem mostrar intenso interesse em tópicos específicos e ter dificul- dade em mudar seu foco para outras atividades. O TEAF tem como consequência alterações comportamentais bem definidas, que incluem má qualidade do sono, de- ficiência nas habilidades sociais e uma maior pre- valência do TDAH. Em tor- no de 40% dos indivíduos diagnosticados com TEAF também são diagnostica- dos com TDAH. No TDAH apresentado por crianças com diagnóstico de TEAF, as maiores dificuldades estão relacionadas ao processamento visual/es- pacial e na capacidade de adaptação e controle da impulsividade (CONANT, 2021). 1 O documentário Em um mundo interior acompa- nha a vida de famílias de crianças com TEA e tem como proposta trazer informação e entendi- mento sobre o tema para o público de uma forma séria, mostrando toda a complexidade do espectro e sinalizando que o desenvolvimento integral das crianças com TEA varia de acordo com as oportunidades que elas receberam para progredir. Direção: Flavio Frederico e Mariana Pamplona. Brasil: Elo Company, 2018. Mídia Transtornos do neurodesenvolvimento e aprendizagem 67 Sensibilidades sensoriais: pessoas com TEA podem ter sensibi- lidade aumentada ou reduzida a estímulos sensoriais, como luz, som, toque, paladar ou olfato. Certas texturas ou ruídos podem ser perturbadores ou angustiantes, enquanto outros podem ser calmantes ou fascinantes. De acordo com o DSM-5, o transtorno do espectro do autista é tipicamente diagnosticadona primeira infância, geralmente por vol- ta dos 2 ou 3 anos de idade, embora possa ser diagnosticado mais tarde, em alguns casos. Tem uma prevalência estimada de 1% na po- pulação mundial. A causa exata do TEA não é totalmente compreen- dida, mas acredita-se que seja uma combinação de fatores genéticos e ambientais. Como esse é um transtorno do espectro, o nível de deficiência e o suporte necessário podem variar amplamente. Alguns indivíduos com TEA têm desafios significativos que requerem apoio substancial, en- quanto outros podem apresentar sintomas mais leves e levar uma vida mais independente. A intervenção precoce e o suporte adequado são cruciais para indivíduos com transtorno do espectro autista. Terapias comportamentais, fonoaudio- logia, treinamento de habilidades sociais e terapia ocupacional podem ajudar os indivíduos a desenvolver seus pontos fortes e gerenciar seus desafios de modo eficaz. Os planos de tratamento geralmente são personalizados para atender as necessidades específicas do indivíduo, e quase sempre requerem uma equipe multiprofissional. É essencial reconhecer que os indivíduos com TEA têm habilida- des e perspectivas únicas. Com compreensão, aceitação e o apoio certo, eles podem fazer contribuições significativas para a sociedade e levar uma vida gratificante. 3.4 Deficiências sensoriais Vídeo As deficiências sensoriais referem-se a condições que afetam um ou mais dos sentidos, que são os canais pelos quais os indivíduos perce- bem e interagem com o mundo. Os principais sentidos são visão, au- dição, paladar, olfato e tato, e quando um ou mais deles são afetados, 68 Transtornos do Neurodesenvolvimento temos as deficiências sensoriais. Existem vários tipos de deficiências sensoriais, mas as principais são: Deficiência visual: refere-se a condições que causam perda parcial ou total da visão. Pessoas com deficiência visual podem ter dificul- dade de enxergar objetos, formas, cores e detalhes; algumas deficiên- cias visuais comuns incluem cegueira, baixa visão e várias condições oculares, como catarata, glaucoma e degeneração macular. Deficiência auditiva: envolve a incapacidade, parcial ou total, de ouvir sons. Pessoas com deficiência auditiva podem ter dificuldade de entender a fala, acompanhar conversas ou perceber certos sons. As deficiências auditivas podem variar de leve a profunda e estar presentes desde o nascimento ou serem adquiridas mais tarde du- rante a vida. Deficiências do paladar e do olfato: afetam a capacidade de uma pessoa de detectar e diferenciar sabores e cheiros, que pode experi- mentar um sentido reduzido de paladar ou olfato, ou não ser capaz de identificar certos sabores ou odores. Deficiência de toque: consiste na incapacidade de sentir pressão, temperatura, dor e outras sensações táteis. Condições como neuro- patias ou danos nos nervos podem levar a deficiências de toque. As deficiências sensoriais podem ter um impacto significativo na vida diária de um indivíduo e podem influenciar a forma como ele inte- rage com o ambiente e com outras pessoas. Pessoas com deficiências sensoriais podem enfrentar desafios de comunicação, mobilidade, au- tocuidado, interações sociais e acesso a informações. O suporte e as acomodações podem ajudar os indivíduos com defi- ciências sensoriais a se adaptar e participar plenamente das atividades diárias e da sociedade, por exemplo: pessoas com deficiência visual po- dem usar dispositivos auxiliares, como bengalas, cães-guia ou leitores de tela em computadores para acessar informações. Pessoas com de- ficiência auditiva podem usar aparelhos auditivos ou implantes coclea- res para melhorar sua audição e linguagem de sinais ou legendas para facilitar a comunicação. Transtornos do neurodesenvolvimento e aprendizagem 69 Indivíduos com deficiências de paladar e olfato podem confiar em outros sentidos e texturas para apreciar a comida, e as deficiências de toque podem exigir monitoramento cuidadoso para evitar lesões e ga- rantir a segurança. Ambientes acessíveis, ambientes educacionais inclusivos e tecnologias assistivas são essenciais para apoiar indivíduos com deficiências sensoriais e lhes proporcionar oportunidades iguali- tárias de participar da sociedade e atingir seu pleno potencial. É muito importante promover a conscientização e a compreensão das deficiências sensoriais para construirmos uma comunidade mais inclusiva e solidária para indivíduos com essas condições. As deficiências sensoriais podem ter impactos significativos no neurodesenvolvimento, particularmente durante os períodos críti- cos da primeira infância, quando o cérebro está formando conexões rapidamente e estabelecendo as bases para o aprendizado e desen- volvimento futuros. Os efeitos específicos dependem do tipo e gra- vidade da deficiência sensorial e da idade em que ocorre (PURVES et al., 2018). 3.4.1 Impactos no neurodesenvolvimento Vamos agora explorar os impactos no neurodesenvolvimento dos tipos de deficiência sensorial, sendo que para cada um deles os im- pactos têm características distintas, por exemplo, a deficiência visual pode impactar três áreas: o chamado processamento visual, em que – na ausência de entrada visual típica – as áreas de processamento visual do cérebro podem sofrer reorganização ou redirecionamento para aprimorar outro processamento sensorial, como processamento auditivo ou tátil; a denominada cognição espacial, pois indivíduos com deficiência visual geralmente dependem mais da cognição espacial e das informações auditivas para navegar em seu ambiente e interagir com o mundo; e por fim, a área conhecida como sentidos não visuais aprimorados, em que o cérebro se adapta aguçando os sentidos não visuais, como audição e tato, para compensar a falta de entrada visual. A deficiência auditiva pode ter impactos no neurodesenvolvimen- to em duas grandes áreas: no chamado processamento auditivo, devi- do ao fato de que a ausência de entrada auditiva típica pode afetar o desenvolvimento de áreas de processamento auditivo no cérebro, Af ric a St ud io /S hu tte rs to ck 70 Transtornos do Neurodesenvolvimento fazendo com que o cérebro se reorganize para alocar recursos para ou- tro processamento sensorial; e na conhecida como desenvolvimento da linguagem, pois a deficiência auditiva pode afetar o desenvolvimento da linguagem falada, levando a atrasos na aquisição da linguagem. No en- tanto, indivíduos com deficiência auditiva podem desenvolver habilida- des aprimoradas em linguagem de sinais ou comunicação não verbal. Quanto às deficiências de paladar e olfato, o cérebro pode sofrer alterações no que chamamos de integração sensorial, pois ele depende de informações de todos os sentidos para criar uma percepção coesa do ambiente, portanto a perda do paladar e do olfato pode levar a dife- renças no processamento sensorial. O olfato e o paladar são sentidos químicos e os sistemas neurais que os compõem estão entre os mais antigos do encéfalo, do ponto de vista da filogenética. As sensações que sentimos provêm da interação de molécu- las com os receptores do olfato e da gustação. Esses impulsos elétricos se propagam para o sistema límbico, que é a sede das nossas emoções, bem como para algumas áreas do córtex superior. Por isso, determinados odo- res e sabores são capazes de desencadear respostas emocionais intensas e resgatar cadeias de memórias arquivadas pelo cérebro. Sendo assim, esses distúrbios podem afetar a qualidade de vida do indivíduo (por não ser capaz, por exemplo, de identificar que um alimento esteja estragado) e sua capacidade de experimentar emoções intensas e vivenciar memórias afetivas por meio desses sentidos. Por fim, a deficiência de toque impacta duas áreas, o processamento tátil e a propriocepção. Sobre a primeira delas, como o cérebro depende de informações táteis para entender e interagir com o mundo físico, ocorre uma perda de entrada de toque que pode influenciar a forma como o cére- bro processa informaçõestáteis. É pelo sistema tátil que recebemos informações sobre o mundo que nos rodeia logo após o nascimento, e é a capacidade de processar in- formações táteis que possibilita que nos sintamos seguros e que crie- mos laços de afeto com aqueles que amamos. Este fator é de grande importância para o nosso desenvolvimento social e emocional. O sistema de processamento tátil tem um papel de grande impor- tância, de caráter protetivo, cuja função é nos alertar diante de algo desconfortável ou perigoso. Em algumas crianças essa função do siste- ma tátil não funciona adequadamente, o que pode causar problemas. Transtornos do neurodesenvolvimento e aprendizagem 71 Nessas crianças, o sistema tátil gera informações equivocadas para o cérebro, o que faz com que elas estejam sempre em um estado de aler- ta, e qualquer toque pode causar reações extremas (gritos, reações de luta ou fuga ou explosões de violência), e esse comportamento pode ser erroneamente interpretado como “mau comportamento”. A deficiência de toque não afeta, necessariamente, a capacidade de aprendizado da criança, porém o desconforto e as reações comporta- mentais causados por essa deficiência interferem muito no processo de aprendizagem. Já a propriocepção (a sensação da posição e movimento do corpo); nesse caso, o toque é comprometido, de modo que as habilidades mo- toras e a coordenação são potencialmente afetadas. Deficiência visual Pode afetar três áreas: • processamento visual; • cognição espacial; • sentidos não visuais aprimorados. Deficiência auditiva Pode afetar duas grandes áreas: • processamento auditivo; • desenvolvimento da linguagem. Deficiências de paladar e olfato O cérebro pode sofrer alterações no que chamamos de integração sensorial. Deficiência de toque Pode afetar duas áreas: • processamento tátil; • propriocepção (a sensação da posição e movimento do corpo). Como sabemos, o cérebro é altamente plástico, o que significa que tem a capacidade de se reorganizar e se adaptar às mudanças senso- riais. Em resposta às deficiências sensoriais, o cérebro utiliza-se dessa plasticidade neural e faz com que as conexões neurais existentes sejam fortalecidas, ou até mesmo forma novas conexões para compensar a perda sensorial. Essa neuroplasticidade pode variar dependendo da idade em que ocorre o comprometimento sensorial e da capacidade de adaptação do indivíduo (PURVES et al., 2018). A intervenção precoce é crucial para indivíduos com deficiências sensoriais para apoiar seu neurodesenvolvimento de modo eficaz. A estimulação sensorial e as terapias especializadas podem ajudar a oti- mizar o neurodesenvolvimento e aprimorar as habilidades adaptativas. Além disso, as tecnologias assistivas e as adequações educacionais po- Os sistemas sensoriais são responsáveis pela obtenção de informações sobre o meio ambiente e sobre nosso próprio corpo, e o cérebro é o órgão responsável pela recepção e interpretação dessas informações. No vídeo Sistemas Sensoriais - #01 Introdução - Neurofi- siologia são apresentadas as características gerais dos sistemas sensoriais de uma forma bem didáti- ca. Vale a pena conferir! Disponível em: https://youtu.be/ Hv8W2UdTmiI?si=ZIlNMzaJYFlb63Il. Acesso em: 16 nov. 2023. Vídeo https://youtu.be/Hv8W2UdTmiI?si=ZIlNMzaJYFlb63Il https://youtu.be/Hv8W2UdTmiI?si=ZIlNMzaJYFlb63Il dem capacitar indivíduos com deficiências sensoriais a acessar infor- mações, comunicar-se e participar plenamente de seu ambiente. 3.5 Aspectos biológicos, cognitivos e emocionaisVídeo Os transtornos específicos de aprendizagem são condições complexas que envolvem uma combinação de fatores biológicos, cognitivos e emocio- nais. Logo, é essencial compreender esses aspectos para desenvolver inter- venções e suporte eficazes para indivíduos com distúrbios de aprendizagem. Partindo para as definições em si, quanto aos aspectos biológicos, três fatores são influenciados por eles: • Diferenças neurológicas: acredita-se que os distúrbios de aprendizagem estejam enraizados em diferenças neurológicas que afetam a forma como o cérebro processa e integra informa- ções, além de também poder afetar áreas cerebrais específicas responsáveis pelo processamento da linguagem, leitura, escrita, habilidades matemáticas e funções executivas. • Fatores genéticos: há evidências de que os distúrbios de apren- dizagem têm um componente genético, o que significa que po- dem ocorrer em famílias. Genes específicos podem influenciar o desenvolvimento do cérebro e as funções relacionadas ao apren- dizado e à cognição. • Estrutura e função cerebral: estudos de neuroimagem identifi- caram diferenças estruturais e funcionais nos cérebros de indiví- duos com distúrbios de aprendizagem, apoiando a ideia de que a organização cerebral e a conectividade desempenham um papel nas dificuldades de aprendizagem. Quando nos referimos aos aspectos cognitivos dos transtornos de aprendizagem, também podemos identificar alguns fatores: • Processamento de informações: indivíduos com transtornos específicos de aprendizagem podem ter dificuldades com processos cognitivos es- pecíficos, como memória de trabalho, aten- ção, velocidade de processamento e funções executivas (por exemplo, planejamento, or- ganização e autorregulação). PeopleImages.com - Yuri A/Shutterstock PeopleImages.com - Yuri A/Shutterstock 7272 Transtornos do NeurodesenvolvimentoTranstornos do Neurodesenvolvimento Transtornos do neurodesenvolvimento e aprendizagem 73 • Linguagem e processamento fonológico: a linguagem e o processamento fonológico são críticos para a leitura e a escrita. Transtornos como a dislexia podem estar relacionados a dificul- dades na compreensão da relação entre sons e letras (consciên- cia fonológica). • Processamento numérico: a discalculia, que, como sabemos, afeta as habilidades matemáticas, pode estar associada a dificul- dades no processamento numérico e na compreensão de concei- tos matemáticos. Por fim, os aspectos emocionais também têm sua influência, vincu- lando-se principalmente à relação do indivíduo com transtorno especí- fico de aprendizagem com o mundo ao seu redor: • Sentimentos e sensações: os transtornos específicos de apren- dizagem podem levar à frustração e ansiedade, especialmente quando os indivíduos enfrentam desafios acadêmicos e têm di- ficuldade em acompanhar os colegas. Isso pode afetar negativa- mente a autoestima e a motivação para aprender. • Interações sociais: podem ocorrer alterações nas interações so- ciais, pois os indivíduos podem se sentir isolados. Isso pode levar a sentimentos de solidão e dificuldades em fazer amizades. • Lidar com dificuldades: alguns indivíduos com os transtornos específicos de aprendizagem podem desenvolver mecanismos de enfrentamento, como evitação ou retraimento, para admi- nistrar suas dificuldades. Essas estratégias de enfrentamento podem afetar ainda mais o bem-estar acadêmico e emocional. É preciso manter um olhar atento e acolhedor. É importante reconhecer que os indivíduos com transtornos especí- ficos de aprendizagem também têm pontos fortes e talentos, por isso fornecer apoio, intervenções e acomodações adequados – tudo isso adaptado às suas necessidades específicas – pode ajudá-los a superar desafios e explorar seus pontos fortes. Avaliação abrangente e intervenção precoce são cruciais para abor- dar os aspectos biológicos, cognitivos e emocionais dos distúrbios de aprendizagem de modo eficaz. Uma abordagem multidisciplinar envol- vendo educadores, psicólogos, terapeutas e outros profissionais pode fornecer estratégias personalizadas para promover aprendizagem, bem-estar e sucesso para indivíduos com distúrbios de aprendizagem. Você quer conhecer a importância das emoções no processo de apren- dizagem? No vídeo A importância das emoções na aprendizagem, Geraldo Almeida nos fala da ne- cessidade urgente de re- fletirmos sobre o impacto das emoções no processo educativo, chegando a afirmar que nãocentral e reconhecer suas ações no neurodesenvolvimento. Tudo no corpo humano compete para a nossa saúde e bem-estar, e com o sistema nervoso não poderia ser diferente, pois todas as suas estruturas trabalham incessantemente pela busca da homeostase, no caso, o equilíbrio. Seguiremos a nossa jornada, buscando identificar as estruturas neu- ronais e reconhecer suas funções, com foco nos neurônios, as estruturas vitais que nos permitem pensar, refletir, sonhar, amar, reconhecer um rosto querido na multidão ou cantarolar a nossa canção preferida quando ouvimos os seus primeiros acordes. Finalizamos a viagem deste primeiro capítulo entendendo a relevância de cada estrutura do sistema nervoso nas etapas do neurodesenvolvi- mento infantil, bem como a importância de analisarmos as questões biop- sicossociais que permeiam e impactam esse desenvolvimento. 10 Transtornos do Neurodesenvolvimento Com o estudo deste capítulo, você será capaz de: • reconhecer as estruturas do sistema nervoso e sua formação; • identificar as funções do sistema nervoso e as diferentes etapas do desenvolvimento humano; • descrever as estruturas e mecanismos de proteção do sistema ner- voso central e reconhecer suas ações no neurodesenvolvimento; • classificar as estruturas neuronais e descrever suas funções; • compreender a relevância de cada estrutura do sistema nervoso nas etapas do neurodesenvolvimento infantil. Objetivos de aprendizagem 1.1 Sistema nervoso Vídeo O sistema nervoso é uma rede complexa de células especializadas chamadas de neurônios, que transmitem sinais entre diferentes partes do corpo, além de serem responsáveis por controlar e coordenar as funções de vários órgãos e sistemas, permitindo-nos perceber e intera- gir com o mundo que nos rodeia. Quando pensamos nas funções do sistema nervoso, estamos diante do sistema mais complexo de todo o corpo humano, isso porque suas características únicas proporcionam a interação com o ambiente e a regulação interna de todos os sistemas que garantem o desenvolvimento do organismo e a preservação da vida. A formação do nosso sistema nervoso data de milhões de anos, perío- do no qual ele foi se aperfeiçoando e ganhando novas e mais complexas funções, um processo que se deu tanto em nível anatômico (organização estrutural) quanto fisiológico (função orgânica), por isso a fisiologia do sistema nervoso é extremamente complexa (OLIVEIRA, 2005). O sistema nervoso tem o papel de coordenar o sentir, o pensar e o controlar tudo o que acontece no corpo, atividades que aconte- cem pelas informações que o sistema coleta tanto internamente (no corpo) quanto no ambiente externo. Essas informações são extraí- das das terminações nervosas sensoriais que estão espalhadas pela nossa pele, nos tecidos internos, nos órgãos dos sentidos (olhos, ouvidos, nariz) e são transmitidas para a medula espinhal e para o encéfalo por meio dos nervos (HALL; HALL, 2021). Todos esses estímulos que o sistema nervoso recebe do corpo e do ambiente que nos rodeia precisam ser processados e corretamente in- terpretados, de maneira que sejam transformados em informações que tenham um sentido e sirvam de base para a tomada de decisões do sis- tema nervoso, seja na preservação do organismo, seja na regulação das funções vitais, como respiração, pressão arterial e temperatura corporal. Sendo assim, o sistema nervoso humano desempenha três funções principais, que podemos ver listadas no Quadro 1 (HALL; HALL, 2021). Quadro 1 Principais funções do sistema nervoso Função sensorial Coletar informações que são recebidas pelas terminações nervosas e transmiti-las para a medula espinhal e o encéfalo. Função integrativa Interpretar as informações recebidas pelas terminações nervosas, incluindo os processos de pensamento e memória. Função motora Conduzir e receber as informações do sistema nervoso central para os músculos e glândulas do corpo. Fonte: Elaborado pela autora. Tratando especificamente de cada uma delas, a função sensorial do sistema nervoso envolve a coleta e o processamento de informações sensoriais de ambientes externos e internos. Ela nos permite perceber e interpretar vários estímulos, como toque, temperatura, dor, pressão, som, luz, paladar e olfato. Os receptores sensoriais em nosso corpo detectam esses estímulos e os convertem em sinais elétricos, que são transmitidos ao sistema nervoso central (SNC) para processamento. A função integrativa do sistema nervoso envolve o processamen- to e a integração da informação sensorial, bem como a coordenação das respostas motoras, e ocorre no SNC, particularmente no cérebro. O cérebro recebe entradas sensoriais e as integra com informações ar- mazenadas e experiências passadas para darmos sentido ao mundo e tomarmos decisões. Essa função nos permite perceber, analisar e responder aos estímulos de maneira coor- denada e apropriada, além de também permitir funções cognitivas superiores, como aprendi- zado, memória, raciocínio e emoções. Já a função motora do sistema nervoso é responsável por iniciar e controlar os movimentos voluntários e involuntários. Trata-se da transmissão de sinais do SNC Para quem deseja apro- fundar-se na formação, no desenvolvimento e nas funções do sistema nervoso, o livro de Arthur Guyton, Neurociência básica – anatomia e fisiologia, é um guia completo sobre os aspectos estruturais e fun- cionais mais importantes. GUYTON, A. C. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1993. Livro De an D ro bo t/ Sh ut te rs to ck NeurodesenvolvimentoNeurodesenvolvimento 1111 Pr os to ck -s tu di o/ Sh ut te rs to ck para os músculos e glândulas por todo o corpo. Os neurônios moto- res transportam esses sinais, também conhecidos como impulsos ou comandos motores, do SNC para os músculos ou glândulas-alvo, resul- tando em ações ou respostas específicas. Essa função nos permite mover nosso corpo, manter a postura e realizar várias ações, como caminhar, falar ou pegar objetos. Em resumo, a função sensorial do sistema nervoso envolve a per- cepção e o processamento de informações sensoriais, a função motora controla os movimentos voluntários e involuntários e a função integrado- ra integra as entradas sensoriais e coordena as respostas motoras, permi- tindo a percepção, a tomada de decisões e funções cognitivas superiores. 1.1.1 Divisões do sistema nervoso De modo geral, o sistema nervoso divide-se em dois componentes principais, o sistema nervoso central (SNC), que engloba o cérebro e a medula espinhal – isto é, os órgãos do sistema nervoso protegidos pelo crânio e pelas vértebras da coluna cervical – e o sistema nervoso periférico (SNP), formado pelos nervos e os gânglios nervosos. Além disso, este segundo componente tem também uma subdivisão, o cha- mado sistema nervoso autônomo (SNA), que como o próprio nome diz, é responsável pelas funções autônomas do organismo. Na Figura 1 podemos ver um resumo das principais funções desses componentes. 1212 Transtornos do NeurodesenvolvimentoTranstornos do Neurodesenvolvimento Ve ct or M in e/ Sh ut te rs to ck SNP • Transmite todas as ações do SNC para os respectivos receptores. • Responsável pelas ações voluntárias e involuntárias do corpo. SNC • Centro de comando do sistema nervoso. • Processa informações e coordena todas as funções corporais. Figura 1 Principal divisão do sistema nervoso Fonte: Elaborada pela autora. Neurodesenvolvimento 13 Explicando de modo mais detalhado, o SNC é formado por dois órgãos: o cérebro, que é o centro de comando do sistema nervoso e o responsável por processar informações, controlar pensamentos e emoções, e coordenar todas as funções corporais. Já a medula espi- nhal é um feixe longo e cilíndrico de nervos que se estende do tronco cerebral por toda a coluna cervical do indivíduo, servindo como um caminho para os sinais entre o cérebro e o resto do corpo, além de desempenhar um papel crucial nas ações reflexas. No caso do SNP,há edu- cação sem emoção. Vale a pena assistir! Disponível em: https://youtu.be/5TdeC13looo?si Acesso em: 16 nov. 2023. Vídeo https://youtu.be/5TdeC13looo?si=nslLw2UPBu10K1Yl 74 Transtornos do Neurodesenvolvimento CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo, traçamos um panorama dos transtornos de aprendi- zagem e dos transtornos do neurodesenvolvimento que mais afetam os processos educativos, como o TEA e o TDAH. Investigamos como esses transtornos se apresentam – isto é, seus sinais e sintomas – e como eles se manifestam na vida do indivíduo, gerando consequências que se ex- pandem não apenas em nível acadêmico, mas também no campo das emoções, da cognição e das relações sociais. Enfim, aprendemos que em qualquer situação – seja ela afetada por uma dificuldade específica de aprendizagem, um transtorno de aprendi- zagem ou do neurodesenvolvimento –, o diagnóstico precoce e o trata- mento adequado, com as intervenções necessárias e com profissionais especializados e qualificados, são um fator imprescindível para que se possa assegurar o pleno desenvolvimento do indivíduo e para que ele possa fruir uma vida gratificante, plena de sentido e de significado. ATIVIDADES Atividade 1 Para que o processo de aprendizagem possa ocorrer sem dificul- dades, quais são as três funções que precisam estar preservadas? Atividade 2 O que caracteriza o transtorno do déficit de atenção/hiperativida- de (TDAH)? Atividade 3 Como podemos identificar o transtorno do espectro autista (TEA)? Transtornos do neurodesenvolvimento e aprendizagem 75 Atividade 4 Qual é a diferença entre transtornos específicos de aprendizagem e dificuldades de aprendizagem? Atividade 5 O que são deficiências sensoriais? REFERÊNCIAS APA – American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. CONANT, B. J. et al. Relationships between Fetal Alcohol Spectrum Disorder, adverse childhood experiences, and neurodevelopmental diagnoses. Open Journal of Pediatrics, v. 11, n. 4, out. 2021. DISLEXIA atinge até 17% da população mundial. Edição do Brasil, 5 maio 2017. Disponível em: https://edicaodobrasil.com.br/2017/05/05/dislexia-atinge-ate-17-da-populacao- mundial/. Acesso em: 16 nov. 2023. FREIRE, A. C. C.; PONDÉ, M. P. Estudo piloto da prevalência do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade entre crianças escolares na cidade do Salvador. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, v. 63, n. 2, p. 474–478, 2005. GIROTTO, P. R. C.; GIROTTO, E.; OLIVEIRA JUNIOR, I. B. Prevalência de distúrbios da escrita em estudantes do Ensino Fundamental: uma revisão sistemática. Revista de Ensino, Educação e Ciência Humanas, v. 16, n. 4, p. 361-366, 2015. MOOJEN, S. M. P.; BASSÔA, A.; GONÇALVES, H. A. Características da dislexia de desenvolvimento e sua manifestação na idade adulta. Revista Psicopedagogia, v. 33, n. 100, p. 50-59, 2016. PURVES, D. et al. (ed.). Neuroscience. 6. ed. Nova York: Oxford University Press, 2018. SAMPAIO, S.; FREITAS, I. B. (org.). Transtornos e dificuldades de aprendizagem: entendendo melhor os alunos com necessidades educativas especiais. 2. ed. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2020. TOPCZEWSKI, A. Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade: uma vertente terapêutica. Einstein (São Paulo), v. 12, n. 3, p. 310-313, 2014. https://edicaodobrasil.com.br/2017/05/05/dislexia-atinge-ate-17-da-populacao-mundial/ https://edicaodobrasil.com.br/2017/05/05/dislexia-atinge-ate-17-da-populacao-mundial/ 76 Transtornos do Neurodesenvolvimento 4 Prevenção e cuidado Neste capítulo discutiremos as necessidades de cuidado que envolvem os transtornos do neurodesenvolvimento na infância, refletindo sobre quanto esse cuidado impacta não apenas a fase de desenvolvimento da criança atí- pica, uma vez que isso tem consequências que se estendem por toda a vida adulta. Buscaremos compreender o processo de prevenção e promoção da saúde para um neurodesenvolvimento saudável, pensando em estratégias de cuidado materno e controle de fatores externo que podem impactar o desenvolvimento infantil. Buscaremos analisar e identificar situações de risco para o neurodesenvolvimento infantil, estejam elas no contexto do histórico familiar, da saúde da gestante ou da situação socioeconômica familiar. Também seremos capazes, neste capítulo, de entender os aspectos comportamentais e sociais envolvidos nas situações de vulnerabilidade e como identificá-los com segurança para que possamos pensar em inter- venções possíveis, bem como conhecer a importância do fortalecimento de vínculos afetivos para um neurodesenvolvimento saudável. Ao final deste capítulo saberemos identificar e fortalecer as redes de apoio à comunidade escolar, de maneira que a escola se transforme em um lugar seguro e acolhedor para os estudantes com transtornos do neurodesenvolvimento, oferecendo suporte adequado para que eles se desenvolvam na plenitude de suas habilidades, sonhos e esperanças. Com o estudo deste capítulo, você será capaz de: • compreender o processo de prevenção e promoção da saúde para um neurodesenvolvimento saudável; • identificar situações de risco para o neurodesenvolvimento infantil; • entender os aspectos comportamentais e sociais envolvidos nas situações de vulnerabilidade; • reconhecer a importância do fortalecimento de vínculos afetivos para um neurodesenvolvimento saudável; • identificar e fortalecer as redes de apoio da comunidade escolar. Objetivos de aprendizagem Prevenção e cuidado 77 RE DP IX EL .P L/ Sh ut te rs to ck RE DP IX EL .P L/ Sh ut te rs to ck 4.1 Prevenção e promoção de saúde Vídeo A promoção e prevenção da saúde são dois conceitos importantes na saúde pública, com ambos se concentrando na manutenção e me- lhoria da saúde e do bem-estar dos indivíduos e das comunidades, mas com definições e estratégias distintas. Quando falamos em promoção de saúde, estamos nos referindo a uma abordagem proativa para melhorar e manter a saúde e o bem- -estar. Ela envolve esforços a fim de capacitar indivíduos e comunida- des a fazer escolhas mais saudáveis e se envolver em comportamentos que promovam uma boa saúde. A promoção da saúde visa prevenir o aparecimento de doenças e condições abordando os determinantes subjacentes da saúde, tais como fatores de estilo de vida, condições sociais e econômicas e o ambiente físico. De uma maneira geral, as estratégias de promoção da saúde in- cluem campanhas de educação e sensibilização para a saúde, incentivo a comportamentos saudáveis (por exemplo, exercício regular e dieta equilibrada), melhoria do acesso aos serviços de saúde, criação de ambientes de apoio à saúde e abordagem dos determinantes sociais da saúde, como a pobreza e a educação. Incentivar a atividade física regular, defender hábitos alimentares nutritivos, oferecer programas de cessação do tabagismo, promover práticas sexuais seguras e apoiar campanhas de sensibilização para a saúde mental são exemplos de ini- ciativas de promoção da saúde. A prevenção, no contexto dos cuidados de saúde, refere-se às atividades e medidas tomadas para evitar ou reduzir a ocorrência de doenças, lesões ou outros problemas relacionados com a saúde. Visa identificar e mitigar os fatores de risco, prevenir a progressão das con- dições existentes e, em última análise, reduzir o peso das consequên- cias de uma determinada doença ou incapacidade. Em resumo, a promoção da saúde centra-se na capacitação dos indivíduos e das comunidades para que façam escolhas mais sau- dáveis e em abordar os determinantes subjacentes da saúde, en- quanto a prevenção abrange uma série de estratégias destinadas a evitar ou reduzir a ocorrência e o impacto das condições de saúde. Ambos os conceitos são componentes essenciais da saúde pública http://REDPIXEL.PL/Shutterstock e dos sistemas de saúde, trabalhando em conjunto para promover melho- res resultados de saúde para indivíduos e populações em geral. Prevenção Estratégiasdestinadas a evitar ou reduzir a ocorrência e o impacto das condições de saúde. Promoção da saúde Capacitação dos indivíduos e das comunidades para fazerem escolhas mais saudáveis e abordagem dos determinantes subjacentes da saúde. Os transtornos do neurodesenvolvimento são um grupo de dis- túrbios que afetam o desenvolvimento do sistema nervoso, principal- mente do cérebro. Essas condições manifestam-se frequentemente no início da vida e podem ter um impacto significativo nas capa- cidades cognitivas, sociais e motoras de uma pessoa. Embora os transtornos do neurodesenvolvimento se encaixem nos princípios da prevenção de saúde, é complexo falarmos da sua prevenção, já que todos têm a sua gênese em condições que são quase sempre multifatoriais. Ainda assim, a seguir veremos algumas diretrizes gerais para prevenção e cuidados que têm relação com os transtornos do neurodesenvolvimento. Cuidado pré-natal O pré-natal refere-se aos cuidados médicos e ao apoio que uma gestante recebe antes do nascimento do seu bebê, algo crucial para garantir uma gravidez saudável e um parto seguro. O cuidado pré-natal normalmente en- volve uma série de exames médicos e orientações sobre estilo de vida fornecidos por profissionais de saúde para monitorar a saúde da gestante e do feto em desenvolvimento. Cuidados pré-natais precoces e consistentes permitem que os prestadores de cuidados de saúde detectem quaisquer problemas poten- Pr os to ck -s tu di o/ Sh ut te rs to ck Pr os to ck -s tu di o/ Sh ut te rs to ck 7878 Transtornos do NeurodesenvolvimentoTranstornos do Neurodesenvolvimento Gorodenkoff/ShutterstockGorodenkoff/Shutterstock ciais, realizando intervenções adequadas e oferecendo suporte para que a gestante tenha uma experiência de gravidez e parto segura e saudável. Também desempenham um papel significativo na redução do risco de complicações e na garantia dos melhores resultados possí- veis para a mãe e para o bebê. Um pré-natal adequado é essencial para prevenir distúrbios do neurodesenvolvimento, e ele inclui: consultas regulares com um profissional de saúde; uma dieta equilibrada; e evitar a exposição a substâncias nocivas, como álcool, tabaco e certos medicamentos, durante a gravidez. Aconselhamento genético Este é um serviço de saúde especializado que fornece informa- ções, apoio e orientação a indivíduos e famílias que estão em risco ou são afetados por doenças genéticas ou hereditárias. Os geneti- cistas dessa área são profissionais treinados, com experiência em genética e aconselhamento, e que ajudam a compreender os aspec- tos genéticos relacionados à saúde e a tomar decisões informadas sobre cuidados médicos e planejamento familiar. O aconselhamento genético é um serviço essencial que capacita indivíduos e famílias com o conhecimento e apoio necessários para que tomem decisões informadas sobre a sua saúde genética. Ele desempenha um papel fundamental em testes genéticos, preven- ção de doenças e planejamento familiar. Os conselheiros genéticos trabalham em colaboração com os profissionais da saúde para for- necer cuidados e apoio abrangentes aos indivíduos afetados por condições genéticas. Se houver um histórico familiar de distúrbios do neurodesen- volvimento ou preocupações sobre o risco genético, o aconse- lhamento pode ajudar os indivíduos e os casais a compreender os seus fatores de risco e tomar decisões informadas sobre o planejamento familiar. Prevenção e cuidadoPrevenção e cuidado 7979 80 Transtornos do Neurodesenvolvimento Intervenção precoce O diagnóstico e a intervenção precoces são cruciais para muitos transtornos do neurodesenvolvimento, pois a identificação precoce de sinais e sintomas pode levar a um tratamento eficaz e a estratégias de apoio que podem melhorar seus resultados. Terapias e intervenções Dependendo do distúrbio específico do neurodesenvolvimento, vá- rias terapias e intervenções podem ser recomendadas – como fonoau- diologia, terapia ocupacional, fisioterapia e terapia comportamental – para ajudar os indivíduos a desenvolver as habilidades necessárias e lidar com seus desafios. Gestão de medicamentos Em alguns casos, medicamentos podem ser prescritos para contro- lar sintomas ou condições concomitantes, como transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) ou epilepsia. É essencial seguir as orienta- ções de um profissional de saúde quanto ao uso de medicamentos. Educação de apoio As crianças com perturbações do neurodesenvolvimento frequente- mente se beneficiam de programas educativos especializados e de ati- vidades adaptadas às suas necessidades. Programas de intervenção na primeira infância e planos de educação individualizados podem ser be- néficos, como o ensino da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e do Braille. Além disso, é importante a oferta de material pedagógico acessível por meio de tecnologias assistivas, como suporte emborrachado para que a Pr os to ck -s tu di o/ Sh ut te rs to ck Pr os to ck -s tu di o/ Sh ut te rs to ck Prevenção e cuidado 81 criança consiga segurar o lápis ou o uso de tablets como recurso para a utilização de textos aumentados visando uma melhor visualização. Modificações comportamentais e de estilo de vida Os cuidadores e os familiares podem desempenhar um papel sig- nificativo no apoio a indivíduos com perturbações do neurodesenvol- vimento implementando estratégias comportamentais e criando um ambiente estruturado e de apoio em casa. De acordo com Bowling et al. (2019), disparidades de saúde enfren- tadas por crianças com transtornos do neurodesenvolvimento são consideráveis. Seus estudos apontam que as crianças com diagnósti- cos como transtorno do espectro autista (TEA), TDAH, bipolaridade, de- pressão e ansiedade apresentam altos níveis de hábitos de vida não saudáveis, como baixos níveis de atividade física, dieta pobre, rotina de sono interrompida e tempo de exposição a telas muito elevado. Esses hábitos pouco saudáveis na infância provavelmente contribuem para o risco elevado de doenças crônicas nessas crianças. Pesquisas recentes começam a elucidar como os pais moldam há- bitos de saúde das crianças que predizem o risco de doenças crônicas futuras, particularmente no que diz respeito a ingestão alimentar, tempo de exposição a telas, atividade física e higiene do sono (que são as práti- cas e hábitos que permitem uma boa qualidade de sono noturno). Esses estudos também descrevem as diferenças nos comportamentos paren- tais entre famílias com crianças com desenvolvimento típico e aquelas com transtornos do neurodesenvolvimento (BOWLING, 2019). VG st oc ks tu di o/ Sh ut te rs to ck 82 Transtornos do Neurodesenvolvimento Acesso a cuidados de saúde e serviços É preciso garantir o acesso aos cuidados de saúde, incluindo exa- mes regulares e consultas especializadas, para monitorizar o progresso do indivíduo e resolver quaisquer preocupações emergentes. Redes de apoio Construir uma rede de apoio de familiares, amigos e grupos de apoio também é um passo muito importante, principalmente para for- necer apoio emocional e prático tanto para indivíduos com transtornos do neurodesenvolvimento quanto para seus cuidadores. Essa rede de apoio é organizada por meio de encontros e reuniões periódicas entre a família e a escola, entre os cuidadores e professores, bem como por meio de terapias de grupo ou grupos de ajuda mútua. Essas reuniões podem ser semanais, quinzenais ou mensais, de acordo com o objetivo e a organização de cada grupo. Pesquisa É preciso manter-se sempre informado sobre as últimas pesquisas e esforços relacionados aos transtornos do neurodesenvolvimento. Advogar a favor da causa pode ajudar a aumentar a sensibilização, pro- mover a investigação e melhorar o acesso a recursos e serviços. É importante observar que as estratégias específicas de prevenção e cuidados podem variar dependendo do tipo e da gravidade do transtor- no do neurodesenvolvimento. Consultar profissionaisde saúde – como pediatras, neurologistas e especialistas em desenvolvimento – é essencial para desenvolver um plano personalizado para cada indivíduo afetado por essas condições. A intervenção precoce e o apoio contínuo podem melhorar significativamente a qualidade de vida desses indivíduos. 4.2 Avaliação de situações de risco Vídeo A avaliação do risco relativo aos distúrbios do neurodesenvolvimen- to envolve a avaliação dos fatores que podem aumentar ou diminuir a probabilidade de esses distúrbios ocorrerem em indivíduos ou popula- ções em geral. A partir de agora, analisaremos alguns aspectos-chave da avaliação de risco para transtornos do neurodesenvolvimento. No vídeo Aula 3 - De- senvolver PRÁTICAS em crianças com Transtorno do Neurodesenvolvimento, do canal NeuroSaber, a autora aborda práticas para desenvolver a psico- motricidade em crianças com transtornos do neurodesenvolvimento. Sua abordagem é voltada para atividades que sejam totalmente inclusivas, a fim de que todas as crian- ças possam participar e se desenvolver, levando-se em consideração que a psicomotricidade engloba os aspectos emocionais, cognitivos e motores das diferentes etapas do de- senvolvimento humano. Disponível em: https:// www.youtube.com/ live/1RTtuYe18qc?si=JNt0- HUN7_kHoMF-. Acesso em: 16 nov. 2023. Vídeo https://www.youtube.com/live/1RTtuYe18qc?si=JNt0-HUN7_kHoMF- https://www.youtube.com/live/1RTtuYe18qc?si=JNt0-HUN7_kHoMF- https://www.youtube.com/live/1RTtuYe18qc?si=JNt0-HUN7_kHoMF- https://www.youtube.com/live/1RTtuYe18qc?si=JNt0-HUN7_kHoMF- Prevenção e cuidado 83 Um dos fatores de risco mais significativos para muitos transtornos do neurodesenvolvimento é o histórico familiar da doença, pois, se parentes próximos (pais ou irmãos, por exemplo) tiverem sido diagnos- ticados com algum transtorno, isso pode aumentar o risco para outros membros da família, embora não seja um fator determinante. Vários fa- tores pré-natais também podem influenciar o risco de desenvolvimen- to desses transtornos, incluindo a saúde materna (em casos de infecções durante a gravidez e diabetes gestacional, por exemplo) e exposição a substâncias (tabaco, álcool, drogas etc.). Não tomar os cuidados pré-na- tais ou ter uma nutrição inadequada durante a gestação também podem afetar o desenvolvimento fetal, transformando-se em fatores de risco. A exposição a toxinas ambientais como chumbo ou certos pro- dutos químicos durante o desenvolvimento inicial do feto pode au- mentar o risco de distúrbios do neurodesenvolvimento. Além disso, alguns eventos durante a gravidez, como nascimento prematuro, baixo peso ao nascer e complicações durante o parto também po- dem aumentar o risco. Os avanços na genética levaram à identificação de genes específicos e marcadores moleculares associados a alguns distúrbios do neurode- senvolvimento, logo testes genéticos e a triagem podem ajudar a ava- liar o risco para indivíduos com histórico familiar. Marcos de desenvolvimento atrasados ou atípicos na primeira infância podem ser indicativos de um risco aumentado de distúrbios do desenvolvimento neurológico, portanto o monitoramento desses marcos é crucial para uma intervenção precoce. Alguns exemplos de marcos do desenvolvimento típico são os seguintes: • De 0 a 6 meses: sorri e dá risada; é capaz de virar a cabeça acom- panhando o deslocamento de um objeto. • De 6 a 9 meses: responde quando é chamado pelo seu nome; consegue sentar-se sem apoio. • De 9 a 12 meses: aprende a dar tchau; consegue apontar as par- tes do corpo quando solicitado. Certos comportamentos e indicadores clínicos – como dificulda- des de comunicação social, comportamentos repetitivos, desatenção e hiperatividade – podem sinalizar um risco aumentado de distúrbios do neurodesenvolvimento, por isso a avaliação precoce pelos profissio- nais de saúde é essencial para o diagnóstico e a intervenção precoces. 84 Transtornos do Neurodesenvolvimento A presença de outras condições médicas ou psiquiátricas, como epilepsia ou perturbações do humor, pode aumentar o risco de altera- ções do desenvolvimento neurológico ou complicar o seu tratamento. É preciso mantar-se atento a esses fatores de risco. O status socioe- conômico e o acesso a recursos de saúde e educacionais também são fatores de risco, pois a baixa condição socioeconômica pode estar associada a um risco aumentado devido ao acesso limitado a serviços de intervenção precoce. Programas de intervenção precoce e serviços de apoio familiar podem mitigar alguns fatores de risco e melhorar os resultados para crianças em risco de perturbações do desenvolvimento neurológico. É importante observar que, embora certos fatores de risco possam aumentar a probabilidade de distúrbios do neurodesenvolvimento, nem todos os indiví- duos expostos a esses fatores desenvolverão um distúrbio. A avaliação de riscos é um processo complexo que envolve a ava- liação de múltiplos fatores e suas interações. A identificação e in- tervenção precoces desempenham um papel decisivo na mitigação do impacto dos distúrbios do neurodesenvolvimento e na melho- ria da qualidade de vida dos indivíduos afetados. Pais, cuidadores e profissionais de saúde devem trabalhar juntos para monitorar o desenvolvimento, identificar riscos e fornecer apoio e intervenções adequadas quando necessário. Pi xe l-S ho t/ Sh ut te rs to ck No livro Transtornos do desenvolvimento: da identificação precoce às estratégias de intervenção, a autora Sônia Rodrigues nos apresenta a importância de se estabelecer um dife- rencial quando se trata de diagnosticar os transtornos do neurodesenvolvimento, trazendo uma reflexão sobre quais comporta- mentos são esperados e considerados “normais” na sociedade em que vivemos, bem como se é possível a identificação precoce de tais transtornos. RODRIGUES, S. D. Ribeirão Preto: Book Toy, 2014. Livro Prevenção e cuidado 85 4.3 Identificação de vulnerabilidades Vídeo Identificar vulnerabilidades no momento em que surgem transtor- nos do neurodesenvolvimento envolve reconhecer fatores de risco e avaliar fatores que podem aumentar a probabilidade de um indivíduo desenvolver tais distúrbios. A identificação precoce de vulnerabilidades pode ajudar na intervenção e no apoio precoces, mitigando potencial- mente o impacto desses distúrbios. Os transtornos do neurodesenvolvimento, como o TEA e o TDAH, geralmente têm causas complexas e multifatoriais e, em muitos casos, não podem ser completamente prevenidos. No entanto, existem algu- mas estratégias gerais que podem ajudar a reduzir o risco ou mitigar o impacto desses transtornos, por exemplo: o gerenciamento de con- dições crônicas como diabetes e hipertensão durante a gravidez pode ajudar a reduzir o risco de distúrbios do desenvolvimento neurológico; tomar suplementos de ácido fólico antes e durante a gravidez tem sido associado a diminuição do risco de certos distúrbios do desenvol- vimento neurológico, como defeitos do tubo neural e algumas deficiên- cias cognitivas. Para famílias com histórico de distúrbios do neurodesenvolvimento ou predisposições genéticas, o aconselhamento genético pode aju- dar os indivíduos a tomar decisões informadas com relação ao plane- jamento familiar. Outra estratégia é minimizar a exposição a toxinas e poluentes ambientais, como chumbo, mercúrio e pesticidas, que têm sido associados a um risco aumentado de distúrbios do desenvol- vimento neurológico. A gravidez e a chegada de um novo bebê marcam um momento de mudanças sem precedentes e quase sempre de esperança para o futuro. Para muitas mulheres, porém, esse é um momento desafia- dor; para uma parte das mães, esse período pode ser dolorosamente ofuscado por transtornos de ordem psicológica, sendo agravado pelo preconceito e pelo estigma social. Devido a isso, é preciso abordar os problemas de saúde mental materna, pois há um amplo es- pectro de transtornos que podem ocorrer na gravidez e no pós-parto, desde transtornosmentais comuns – como depressão e ansiedade – até diagnósticos de mania e psicose no início do pós-parto, que SeventyFour/Shutterstock SeventyFour/Shutterstock 86 Transtornos do Neurodesenvolvimento podem impactar o desenvolvimento do bebê, principalmente no que concerne à criação do vínculo afetivo, ao desenvolvimento do apego seguro, ao desenvolvimento da linguagem e demais funções cognitivas. Outra estratégia de prevenção é incentivar a amamentação, pois ela fornece nutrientes e anticorpos essenciais que apoiam o desenvol- vimento saudável do cérebro dos bebês. Se surgirem preocupações ou dúvidas sobre o desenvolvimento de uma criança, é preciso procurar imediatamente serviços de intervenção precoce, uma vez que a identi- ficação e a intervenção precoces podem ajudar a resolver os atrasos no desenvolvimento e melhorar os resultados. Além desses fatores que estão mais ligados à gestante, uma das es- tratégias direcionadas às crianças é fornecer uma dieta balanceada, especialmente rica em nutrientes essenciais (como os ácidos graxos ômega-3), que pode contribuir para o desenvolvimento cerebral mais saudável. Além de fornecer uma dieta rica e balanceada, é preciso dimi- nuir o tempo de exposição excessiva a telas – smartphones, tablets, computadores etc. – das crianças pequenas, visto que se trata de um fator de vulnerabilidade quando se trata do neurodesenvolvimento. A di- minuição do uso desses equipamentos pode ser incentivada por brinca- deiras que desenvolvam a coordenação motora e as habilidades sociais. A família pode se tornar um grande fator de vulnerabilidade. É pre- ciso apoio e educação parental às famílias, especialmente àquelas com crianças em risco de distúrbios do desenvolvimento neurológico. Os programas parentais podem melhorar as habilidades de cuidado e criar um ambiente acolhedor. É importante notar que, embora essas estratégias possam reduzir o risco de alguns distúrbios do neurodesenvolvimento, elas não garantem a prevenção em todos os casos, pois esses distúrbios são complexos e resultam de uma combinação de fatores genéticos, ambientais e de desenvolvimento. É pre- ciso reconhecer, ainda, que as vulnerabilidades podem evoluir com o tempo. O monitoramento regular do desenvolvimento de uma criança ao longo da infância e da adolescência pode ajudar a identificar questões emergentes e ajustar as intervenções de acordo com cada necessidade apresentada. É importante abordar a avaliação da vulnerabilidade por uma perspectiva holística, considerando múltiplos fatores e as suas interações. A identificação precoce de No livro Intervenções psico- lógicas para promoção de desenvolvimento e saúde na infância e adolescência, Sônia Enumo, Tatiane Dias e Fabiana Ramos trazem uma miríade de intervenções possíveis com crianças, adoles- centes e seus familiares, identificando as vulnera- bilidades apresentadas para que seja possível agir de maneira eficaz a fim de promover o desen- volvimento integral do indivíduo. O livro é desti- nado aos profissionais da educação, da saúde e aos pais, no que diz respeito à participação da família na garantia da promoção da saúde infanto-juvenil. ENUMO, S. R. F.; DIAS, T. L.; RAMOS, F. P. (org.). Curitiba: Appris, 2021. Livro Prevenção e cuidado 87 Sv et la na Fe do se ye va /S hu tte rs to ck Sv et la na Fe do se ye va /S hu tte rs to ck vulnerabilidades é crucial para uma intervenção e um apoio opor- tunos, o que pode melhorar significativamente os resultados para indivíduos em risco de transtornos do desenvolvimento neurológi- co. A colaboração entre pais, cuidadores, educadores e profissio- nais de saúde é essencial nesse processo. 4.4 Fortalecimento de vínculos Vídeo Os laços emocionais desempenham um papel essencial no nosso desenvolvimento psicossocial ao longo da vida. Esses vínculos são for- mados principalmente por meio de relacionamentos com cuidadores durante a primeira infância, mas continuam a evoluir e a influenciar o bem-estar psicológico e social de um indivíduo no decorrer da vida. A teoria do apego, desenvolvida por John Bowlby, enfatiza a impor- tância dos laços emocionais iniciais formados entre os bebês e seus cuidadores principais. Para o autor (BOWLBY, 2021, p. 11), “o que se acredita ser essencial para a saúde mental é que o bebê e a criança pe- quena experimentem um relacionamento carinhoso, íntimo e contínuo com a mãe (ou mãe substituta permanente), no qual ambos encontrem satisfação e prazer”. Um apego seguro serve de base para um desen- volvimento psicossocial saudável. Bebês com apego seguro tendem a ser mais confiantes, ter maior autoestima e a desenvolver melhores habilidades sociais ao longo da vida. Dessa forma, os laços emocionais formados durante a infância têm uma importância crucial, pois proporcionam uma sensação de segu- rança e proteção, permitindo à criança explorar o seu ambiente e de- senvolver um autoconceito positivo. Os vínculos emocionais estabelecidos durante a infância também ajudam as crianças a aprender a regular suas emoções. Os cuida- dores que respondem com sensibilidade, consistên- cia e acolhimento às necessidades da criança ajudam-na a desenvolver as competências de regulação emocional, que são importan- tíssimas para o equilíbrio das relações sociais na vida adulta. As crianças que experimentam apoio emocional con- 88 Transtornos do Neurodesenvolvimento sistente estarão mais bem equipadas para lidar com o estresse, a ansiedade e os desafios emocionais da vida adulta. Os vínculos emocionais contribuem, ainda, para o desenvolvimento de habilidades sociais e a capacidade de formar relacionamentos saudá- veis. Por meio de interações com os cuidadores, as crianças aprendem sobre empatia, cooperação e comunicação. A qualidade dos vínculos emocionais iniciais pode influenciar a capacidade de um indivíduo em estabelecer e manter relacionamentos positivos na idade adulta. O autoconceito e a autoestima de um indivíduo são moldados signi- ficamente pela qualidade dos vínculos que ele experimentou durante o seu desenvolvimento infantil. Experiências emocionais positivas com cuidadores promovem uma autoimagem saudável e ajudam os indi- víduos a formar um senso de identidade e autoestima, que são vitais para o desenvolvimento psicossocial. Vínculos saudáveis na infância são capazes de proporcionar uma proteção psíquica contra os desafios da vida. Indivíduos com ligações emocionais seguras tendem a ser mais resilientes e mais bem equi- pados para lidar com o stress e a adversidade, permanecendo mais confiantes diante dos desafios existenciais. Dessa forma, o apoio emo- cional dos entes queridos pode ajudar os indivíduos a enfrentar even- tos difíceis da vida e a manter o bem-estar mental. Quando nos referimos à saúde e a promoção de bem-estar, po- demos identificar que a ausência de vínculos emocionais seguros ou experiências de negligência ou abuso durante a infância podem ter efeitos negativos duradouros no desenvolvimento psicossocial, o que pode impactar o desenvolvimento de modo global e não somente nas habilidades socioemocionais. Pesquisas apontam que o cérebro de uma criança institucionalizada, que recebe os cuidados de higiene e ali- mentação apenas, sem a criação de vínculo emocional com o seu cuida- dor, é notadamente menor do que o cérebro de uma criança da mesma idade que tem acesso a vínculos saudáveis, proporcionados por cuida- dores afetivamente vinculados a ela (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Em resumo, os laços emocionais são essenciais para o desenvolvi- mento psicossocial, pois fornecem a base para a regulação emocional, o desenvolvimento social, o autoconceito, a resiliência e o bem-estar mental geral. Conexões emocionais positivas com os cuidadores du- Prevenção e cuidado 89 rante a primeira infância preparam o terreno para um funcionamento psicológico e social saudável ao longo da vida de um indivíduo. E quando nos referimos a crianças com transtornos do neurodesen-volvimento? Será que esse vínculo fica comprometido? Qual é o papel do vínculo afetivo no neurodesenvolvimento dessas crianças atípicas? Os laços emocionais para as crianças com transtornos de neurodesenvol- vimento – assim como para aquelas com desenvolvimento típico – são de extrema importância, pois proporcionam um apoio crucial e transformador, facilitando o desenvolvimento positivo de várias maneiras. Partindo para os vínculos em si, a seguir falaremos de alguns deles de modo mais específico. Regulação emocional Muitas crianças com transtornos do neurodesenvolvimento, como TEA e TDAH, têm grande dificuldade com a sua própria regulação emo- cional. O vínculo afetivo saudável com os pais ou cuidadores pode aju- dar essas crianças a aprender a identificar, nomear, expressar e gerir as emoções de uma forma mais eficaz. O apoio emocional consistente e a compreensão oferecidos pelos cuidadores são imprescindíveis para ajudar as crianças a enfrentar os seus desafios emocionais. Desenvolvimento social Crianças com distúrbios do neurodesenvolvimento muitas vezes apresentam dificuldades nas interações sociais e na comunicação. Os vínculos emocionais com os cuidadores servem como modelo, como uma base segura e de apoio para que elas elaborem, experimentem, pratiquem e desenvolvam suas habilidades sociais. Por meio desses la- ços, as crianças podem aprender sobre reciprocidade, empatia e o com- portamento social adequado no ambiente e no contexto em que vivem. Sensação de segurança Crianças com neurodesenvolvimento atípico podem enfrentar ní- veis elevados de ansiedade ou estresse devido a dificuldades no pro- cessamento de informações sensoriais ou na compreensão de sinais sociais. Os vínculos afetivos com os cuidadores proporcionam uma sensação de segurança e estabilidade, o que pode ser especialmente 90 Transtornos do Neurodesenvolvimento importante para essas crianças na gestão da ansiedade e na constru- ção de resiliência. Autoestima e autoconceito Os vínculos emocionais podem contribuir significativamente para a autoestima e o autoconceito de uma criança. Quando os cuidado- res proporcionam amor e aceitação, as crianças com transtornos do neurodesenvolvimento têm maior probabilidade de desenvolver uma autoimagem positiva, mesmo frente aos desafios sociais e à estigmati- zação relacionados à sua condição. Resultados comportamentais e acadêmicos Os vínculos emocionais são capazes de influenciar positivamente o comportamento e os resultados acadêmicos de uma criança. Quando as crianças se sentem intimamente conectadas e apoiadas pelos seus cuidadores, ficam mais motivadas para se envolver na aprendizagem e apresentam um comportamento de bem-estar tanto em casa como em ambientes educativos. Progresso terapêutico Os vínculos saudáveis podem aumentar a eficácia das intervenções terapêuticas. As crianças têm maior probabilidade de se envolver e res- ponder positivamente às intervenções terapêuticas quando confiam e se sentem emocionalmente ligadas aos seus terapeutas ou profissio- nais de saúde. Bem-estar familiar Os laços emocionais dentro da família são cruciais para crianças com distúrbios do neurodesenvolvimento. Esses laços podem ajudar os membros da família a compreender melhor as necessidades e os desafios da criança, promovendo um ambiente familiar mais solidário, harmonioso e acolhedor. Fortes laços emocionais na infância podem ter efeitos positivos que se estenderão por toda a idade adulta para indivíduos com distúrbios do neurodesenvolvimento, o que contribui para melhorar a independência, a integração social e a qualidade de vida geral na fase adulta. É importante observarmos que construir e manter vínculos emo- cionais com crianças que apresentam transtornos do neurodesen- Prevenção e cuidado 91 volvimento pode ser mais desafiador. Exige paciência, compreensão, equilíbrio, consistência e adaptabilidade adicionais dos cuidadores, pois cada criança é única e suas necessidades e preferências podem va- riar. Adaptar as abordagens de prestação de cuidados às necessidades específicas da criança é fundamental para promover um forte vínculo emocional e apoiar o seu desenvolvimento global. E quanto ao contexto escolar? Como podemos fomentar a criação de vínculos afetivos saudáveis entre as crianças com neurodesenvolvi- mento atípico e seus educadores? Como inserir a importância do víncu- lo nesse contexto, que pode ser um tanto desafiador? Apoiar estudantes com transtornos do neurodesenvolvimento re- quer uma abordagem multifacetada que leve em consideração as necessidades deles e desafios individuais. No contexto escolar, esse aspecto ganha grandes proporções, pois estamos nos referindo a toda uma comunidade de estudantes, muitas vezes com necessidades com- pletamente diferentes. Com base nisso, na figura a seguir vemos algu- mas estratégias e considerações para que toda a comunidade escolar possa apoiar esses alunos. Figura 1 Abordagens no contexto escolar Identificar e avaliar precocemente1 Elaborar o PEI2 Disponibilizar acomodações adequadas3 Oferecer apoio social e emocional4 Criar estratégias de comunicação5 Colaborar com profissionais especializados6 Incentivar o apoio e a inclusão de pares7 Motivar por reforços positivos8 Fonte: Elaborada pela autora. antoniodiaz/Shutterstock antoniodiaz/Shutterstock A identificação e o diagnóstico precoces são cruciais, e tanto os professores quanto os pais devem estar atentos a sinais de transtornos do desenvolvimento neurológico em crianças pequenas. É muito im- portante que professores e cuidadores colaborem com os profissionais de saúde e especialistas para realizar testes e avaliações e determinar as necessidades e os pontos fortes específicos do estudante. O profes- sor da sala de aula deve trabalhar com a equipe de educação especial da escola na elaboração do Plano Educacional Individualizado (PEI), que deve ser adequado às necessidades do estudante e moldado de acordo com a natureza e gravidade do transtorno apresentado. É pre- ciso certificar-se de que o plano atenda às necessidades exclusivas do aluno, descreva acomodações, modificações e metas e especifique os serviços de apoio apropriados. A disponibilização de acomodações adequadas na sala de aula é também uma abordagem muito importante. Para isso, o docente pode modificar o ambiente da sala a fim de minimizar distrações sensoriais para alunos com distúrbios de processamento sensorial. Também é possível fornecer suporte visual – como horários e dicas visuais – para ajudar os alunos com transtornos do neurodesenvolvimento a com- preender as expectativas e rotinas. Talvez seja preciso oferecer tempo estendido para tarefas e testes, reduzir a carga de trabalhos de casa e ajustar os critérios de avaliação. Ainda no que se refere ao ambiente da sala, é importante que o professor esteja disponível e preparado para oferecer apoio social e emocional aos seus alunos, especialmente àqueles com transtornos de neurodesenvolvimento, de modo a construir um ambiente favorável e inclusivo, promovendo a compreensão e a aceitação entre os colegas. É possível, por exemplo, ensinar habilidades sociais explicitamente por meio de atividades estruturadas e dramatizações; ou até mesmo usar estratégias para controlar a ansiedade e a regu- lação emocional, como exercícios de atenção plena ou um espaço seguro designado. Devido a essa relação próxima que os docentes têm com seus alunos, é sempre importante criar estratégias de comunica- ção, adaptando os métodos de comunica- ção às necessidades do indivíduo. Alguns estudantes podem se beneficiar de dispo- 9292 Transtornos do NeurodesenvolvimentoTranstornos do Neurodesenvolvimento Prevenção e cuidado 93 sitivos ou ferramentas de comunicação aumentativa e alternativa, mas, para isso, os educadores devem procurar usar uma linguagem clara e concisa, fornecendo recursos visuais para reforçar as instru- ções verbais. Além da comunidade escolar –pais, funcionários, outros docentes e alunos etc. –, o educador também podem colaborar com profissionais especializados (fonoaudiólogos, terapeutas ocupacio- nais ou terapeutas comportamentais) conforme necessário. É possí- vel utilizar as estratégias aprendidas pelo estudante em sessões de terapia em sala de aula para reforçar suas habilidades. O educador pode incentivar o apoio e a inclusão de pares por meio de tutores ou sistemas de camaradagem, de modo a ajudar os alunos com transtornos do neurodesenvolvimento a se envolver com seus cole- gas de maneira significativa, estabelecendo vínculos afetivos de qualida- de. Pode-se promover a inclusão envolvendo estudantes neurodiversos em atividades regulares de sala de aula e extracurriculares, quando apropriado. Por último, mas não menos importante, o professor pode fazer uso das técnicas de reforço positivo e recompensas para motivar e reconhecer os esforços e as realizações do aluno. É importante cele- brar pequenos sucessos para aumentar a autoestima e a confiança do estudante, ajudando, assim, a fortalecer os vínculos entre professores e alunos, para promover o sentimento de pertencimento e bem-estar. É importante lembrar que cada aluno com transtorno do neurode- senvolvimento é único, por isso é essencial adaptar estratégias de apoio aos pontos fortes e desafios específicos desses alunos. A colaboração regular entre professores, pais, especialistas e os próprios estudantes pode contribuir para uma experiência educacional mais bem-sucedida. No vídeo Vínculos Afetivos e Desenvolvimento Humano vemos a importância do vínculo afetivo no neurodesenvolvimento infantil. Aprendemos que o desenvolvimento se dá por meio das relações que estabelecemos com o outro, sendo elas a chave para o desenvolvimento das crianças. É por meio da relação com o outro que vamos criando a nossa própria individua- lidade e desenvolvendo as nossas habilidades socioemocionais. Disponível em: https://youtu. be/HhmvJZlmARs?si=Dsj6_ L1M4Tukn5P1. Acesso em: 17 nov. 2023. Vídeo 4.5 Redes de apoio Vídeo Em 2013, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou que é um direito das crianças ter plena oportunidade de atividades de lazer e recreação, e, por meio da participação nessas atividades, as crianças experimentariam melhorias em sua saúde e bem-estar, o que promove- ria o seu desenvolvimento e autoeficácia, bem como seu desempenho físico e emocional e habilidades cognitivas e sociais que as ajudariam ainda mais a serem incluídas nas redes sociais das suas comunidades e a construir amizades (UN, 2013). https://youtu.be/HhmvJZlmARs?si=Dsj6_L1M4Tukn5P1 https://youtu.be/HhmvJZlmARs?si=Dsj6_L1M4Tukn5P1 https://youtu.be/HhmvJZlmARs?si=Dsj6_L1M4Tukn5P1 94 Transtornos do Neurodesenvolvimento De acordo com Araniti (2020), diversos estudos e pesquisas relatam que crianças e jovens com transtornos do neurodesenvolvimento e de- ficiências físicas participam menos de atividades de lazer do que crian- ças com neurodesenvolvimento típico. Os programas comunitários tendem a apoiar essas crianças e aumentar a participação delas na co- munidade. As intervenções educacionais e terapêuticas se concentram em facilitar atividades recreativas, esportivas e de lazer, aumentando a participação de crianças com neurodesenvolvimento atípico por meio da avaliação e adaptação do ambiente a elas (ARANITI, 2020). Afirma-se, ainda, que a participação pode ser aumentada não ape- nas pelas intervenções junto à criança como também pelas mudanças ambientais e sociais, reformulando o ambiente da criança para que ele se torne mais acessível (WHO, 2010). No entanto, as crianças com trans- tornos do neurodesenvolvimento ainda enfrentam muitas barreiras de participação, uma vez que seu acesso, muitas vezes, é restrito a esses ambientes. Há uma necessidade notável de abordagens centradas na pessoa e baseadas na comunidade que foquem o seu planejamento de intervenção nas preferências das crianças e dos jovens e nas suas plenas participações nessas atividades de lazer, sejam elas esportivas ou recreativas (ARANITI, 2020). Independentemente da existência ou não de deficiência, todas as crianças têm as mesmas necessidades e direitos de participar das suas atividades preferenciais de lazer, esportivas, recreativas e educacionais. Ok sa na S hu fry ch /S hu tte rs to ck Prevenção e cuidado 95 A participação nas atividades cotidianas em casa, na escola e na co- munidade é uma das ações mais importantes e que têm um efeito ime- diato no desenvolvimento de uma criança, principalmente no que se refere à sua saúde, ao seu bem-estar e à sua qualidade de vida. Alguns fatores vitais para o desenvolvimento e a transição para a idade adulta são alcançados durante a infância, como saúde física e mental, além de aquisição de competências e desenvolvimento de redes de apoio sociais (ARANITI, 2020). De acordo com Araniti (2020), crianças e jovens com transtornos do neurodesenvolvimento sofrem restrições em suas participações na co- munidade em comparação com seus pares neurotipicamente desenvol- vidos. Para a Araniti (2020), a participação comunitária é caracterizada por dois componentes principais: presença e envolvimento. Estar envolvido significa que uma pessoa experimenta a participação enquanto efetiva- mente participa de uma atividade, estando engajado e conectado social- mente com os outros. É importante ressaltar que, para que uma pessoa experimente envolvimento, sua participação em uma atividade é um pré- -requisito. Quando uma pessoa participa de uma atividade qualquer, a experiência de envolvimento não é garantida, pois estar fisicamente pre- sente em um ambiente não garante que o indivíduo esteja engajado nas atividades que estão sendo realizadas ali. Para identificar tanto a frequência de participação quanto o al- cance da atividade, a diversidade de atividades de que uma pessoa participa pode ser medida. Para medir a importância do envolvi- mento ou engajamento, fatores como o contexto em que a atividade ocorre precisam ser levados em conta a fim de se entender melhor o conceito de participação (IMMS et al., 2016). De acordo com Imms et al. (2016), a competência em realizar ativi- dades inclui competências e habilidades cognitivas, físicas e afetivas, sendo possível medir-se capacidade, habilidade e desempenho com essas atividades. Junto com a chamada atividade competência – isto é, a atividade que tem um caráter pedagógico –, pode ser dado ênfase ao sentido de identidade das crianças nas percepções dirigidas ao futuro (como a criança se vê no futuro?), incluindo autoeficácia, autonomia e satisfação. Fornecer oportunidades para as crianças experimentarem atividades socialmente significativas e valiosas – como um campeonato de futebol entre as turmas da escola – é um fator fundamental para aumentar a participação das crianças atípicas em atividades coletivas. O vídeo indicado traz uma discussão sobre o papel da escola e da família na inclusão e desenvolvimen- to de crianças e jovens com deficiência. Para falar sobre o tema, foram con- vidados o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB-CE, Emerson Damasceno, e o secretário executivo de Equidade e Direitos Humanos da Secretaria da Educação do Ceará, Hélder Nogueira. A apresentação é da jornalista Daniela Nogueira. Uma discussão necessária e muito atual sobre todos os atores envolvidos na inclusão de crianças e jovens. Disponível em: https:// www.youtube.com/live/ CEGlZsCj_NI?si=sPryIEynsrJS1YZz. Acesso em: 17 nov. 2023. Vídeo https://www.youtube.com/live/CEGlZsCj_NI?si=sPryIEynsrJS1YZz https://www.youtube.com/live/CEGlZsCj_NI?si=sPryIEynsrJS1YZz https://www.youtube.com/live/CEGlZsCj_NI?si=sPryIEynsrJS1YZz 96 Transtornos do Neurodesenvolvimento A comunidade é um dos ambientes do entorno das crianças ou jo- vens que mais tem impacto imediato no seu desenvolvimento. As inter- venções práticas baseadas na comunidadesão estratégias, programas ou iniciativas que visam abordar várias questões de saúde, sociais ou ambientais no âmbito comunitário. Essas intervenções são projetadas para melhorar o bem-estar, a saúde e a qualidade de vida dos indi- víduos em uma área geográfica ou comunidade específica. Elas nor- malmente envolvem a colaboração entre membros da comunidade, organizações e profissionais para identificar, planejar, implementar e avaliar soluções para desafios locais. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo aprendemos a importância da prevenção e da promo- ção em saúde quando se trata de crianças e jovens com transtornos do neurodesenvolvimento, bem como a importância do suporte para a quali- dade de vida desses indivíduos. Refletimos sobre a avaliação de situações de risco, buscando identificar os fatores que podem influenciar no neuro- desenvolvimento infantil. Aprendemos também a identificar vulnerabilidades em crianças com transtornos do neurodesenvolvimento e suas famílias, buscando oferecer acolhimento adequado, e compreendendo que o trabalho em rede – sen- do esta formada por escola, família e equipes de saúde – é imprescindível entre a escola, a família e as equipes de saúde, buscando sempre o forta- lecimento de vínculos com a comunidade na qual a criança está inserida. Assim, compreendemos a importância da construção de redes de apoio como parte fundamental no suporte às crianças e aos jovens com trans- tornos do desenvolvimento. m at im ix /S hu tte rs to ck Prevenção e cuidado 97 ATIVIDADES Atividade 1 Como podemos definir os conceitos de promoção e prevenção em saúde? Atividade 2 Qual é a importância dos vínculos afetivos no desenvolvimento infantil? Atividade 3 As crianças com transtornos do neurodesenvolvimento têm o mesmo acesso a atividades de lazer e esportes de sua preferência quando comparadas às crianças neurotípicas? Explique. REFERÊNCIAS ARANITI, A. Promoting community-based participation interventions for children and youth with neurodevelopmental disorders: a systematic literature review. 2020. Dissertação (Mestrado em Interventions in Childhood) – Escola de Educação e Comunicação, Universidade de Jönköping, Suécia. BOWLBY, J. Apego e perda. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2021. BOWLING, A. et al. Shaping healthy habits in children with neurodevelopmental and mental health disorders: parent perceptions of barriers, facilitators and promising strategies. The International Journal of Behavioral Nutrition and Physical Activity, v. 16, n. 52, p. 1-10, jun. 2019. IMMS, C. et al. Participation, both a means and an end: a conceptual analysis of processes and outcomes in childhood disability. Developmental Medicine & Child Neurology, v. 59, n. 1, p. 16-25, 2016. PAPALIA, D. E.; FELDMAN, R. D. Desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2013. UN – United Nations. Convention on the Rights of the Child, 29 maio 2013. Disponível em: https://www2.ohchr.org/english/bodies/crc/docs/gc/crc_c_gc_14_eng.pdf. Acesso em: 16 nov. 2023. WHO – World Health Organization. Social component. In: WHO. Community-based rehabilitation: CBR guidelines. Genebra: WHO, 2010. https://www2.ohchr.org/english/bodies/crc/docs/gc/crc_c_gc_14_eng.pdf 98 Transtornos do Neurodesenvolvimento 5 O papel da escola e da família Neste capítulo, abordaremos com maior profundidade o papel da es- cola e da família e como eles muitas vezes se interpõem. Analisaremos a importância não apenas do apoio mútuo, mas da urgência de ações afir- mativas e políticas públicas que promovam a Educação Especial, a fim de que ela seja inclusiva e atenda, de fato, cada estudante com transtornos do neurodesenvolvimento em sua individualidade e especificidade. De início, descreveremos o papel da família no suporte à criança com transtorno do neurodesenvolvimento: o que cabe à família? Quais são as suas responsabilidades de suporte e promoção de saúde? Como ela se organiza? Qual é o impacto de uma criança com necessidades especiais na dinâmica familiar? Em seguida, apontaremos possibilidades de ações que servem de suporte para a família: quais equipamentos podem ofe- recer apoio? O conhecimento é importante para que a família ofereça à criança oportunidades assertivas de aprendizagem? Como cada família está inserida em um contexto social e em uma comunidade específica, precisaremos entender a importância do papel da comunidade escolar no acolhimento dos estudantes com transtornos específicos de aprendizagem. Finalizando a nossa reflexão a respeito desse tema tão complexo e multifacetado, identificaremos os principais desafios enfrentados pela escola no acolhimento dos estudantes com transtornos do neurodesen- volvimento, a fim de que possamos, também, entender as contribuições da neurodiversidade no contexto escolar. Com o estudo deste capítulo, você será capaz de: • descrever o papel da família no suporte à criança com transtorno do neurodesenvolvimento; • apontar possibilidades de ações que sirvam de suporte para a família; • compreender a importância do papel da comunidade escolar no acolhimento dos estudantes com transtornos de aprendizagem; (Continua) Objetivos de aprendizagem O papel da escola e da família 99 • identificar os principais desafios enfrentados pela escola e des- crever recursos específicos que garantam a educação integral dos estudantes com transtornos do neurodesenvolvimento; • entender as contribuições da neurodiversidade no contexto escolar. 5.1 O papel da família Vídeo Ter um membro da família que vê e vivencia o mundo de modo di- ferente pode colocar uma pressão muito grande nos relacionamentos pessoais e causar efeitos em toda a dinâmica familiar, fazendo com que muitos pais tenham dificuldade em estabelecer um vínculo com os filhos, em função da necessidade de desconstrução daquele filho que foi idealizado e que não correspondeu às expectativas, gerando culpa e dificuldade de aceitação. Devido à necessidade maior de suporte e atenção, as crianças com transtornos do neurodesenvolvimento demandam mais tempo dos pais, o que pode gerar ressentimento entre os irmãos. O aumento do conflito pode gerar comportamentos desafiadores e difíceis de com- preender e gerenciar; como consequência, podem surgir rompimentos de relacionamentos e, em última instância, até mesmo prejudicar o re- lacionamento entre os pais. Todos os comportamentos têm uma função, além disso, fatores am- bientais, frustrações causadas por diferenças perceptivas, exigências e expectativas sociais podem aumentar a probabilidade e a intensidade do surgimento de algum tipo de comportamento específico. O papel da família no cuidado de crianças com transtornos do neurodesenvol- vimento é crucial e multifacetado, pois atuam dando apoio, amor e re- cursos para ajudar essas crianças a prosperarem. Com base nisso, no Quadro 1 elencamos alguns aspectos-cha- ve do papel da família no cuidado com crianças com distúrbios do neurodesenvolvimento. 100 Transtornos do Neurodesenvolvimento Quadro 1 Aspectos-chave do papel da família Apoio emocional Devem fornecer apoio emocional, oferecendo amor, aceitação e compreensão à criança, de modo a ajudarem as crianças a de- senvolverem autoestima e confiança, enfatizando seus pontos fortes e conquistas. Defesa de direitos Defendem os direitos das crianças de receberem atendimen- to adequado, tanto no sistema de saúde quanto em ambien- tes educacionais. Isso inclui trabalhar em conjunto com pro- fissionais de saúde, terapeutas e educadores para garantir que a criança receba os serviços adequados. Educação e conscientização Assumem a liderança na educação sobre o transtorno do neu- rodesenvolvimento específico das crianças, ajudando-as a com- preender melhor os desafios que irão enfrentar e como fornecer um apoio eficaz, podendo também sensibilizar as comunidades a reduzirem o estigma e promoverem o entendimento dessa condição. Tratamento e terapia São normalmente responsáveis por coordenar e facilitar diver-sas terapias e intervenções que podem ser recomendadas para as crianças, como terapia da fala, terapia ocupacional, terapia comportamental ou gerenciamento de medicamentos. Podem precisar participar de sessões de terapia com a criança e prati- car em casa as técnicas recomendadas. Ambiente estruturado Criar um ambiente estruturado e consistente em casa pode ser benéfico para crianças com transtornos do neurodesenvolvi- mento, por isso estabelecer rotinas e expectativas claras pode ajudar a reduzir a ansiedade e melhorar a capacidade da criança de funcionar de maneira eficaz. Comunicação Uma comunicação aberta e eficaz dentro da família é essencial. Isso inclui discutir o progresso da criança, partilhar preocupa- ções e trabalhar em conjunto para enfrentar quaisquer desafios que surjam. Apoio financei- ro e de recursos Podem precisar de assistência financeira ou solicitar recursos públicos para ajudar a cobrir os custos de terapia, educação especializada e outros serviços de apoio. Isso pode envolver a navegação em sistemas de seguros ou a procura de programas de assistência governamental. Apoio aos irmãos Os irmãos de crianças com transtornos do neurodesenvolvimen- to também desempenham um papel significativo na dinâmica familiar, com os pais ajudando-os a compreender a condição de seus irmãos neurodivergentes e fornecer-lhes apoio emocional, buscando dedicar tempo de qualidade a todos, sem distinção. Fonte: Elaborado pela autora. Em resumo, as famílias são parceiras essenciais no cuidado e no bem-estar das crianças com transtornos do neurodesenvolvimento, O papel da escola e da família 101 dando apoio emocional, defesa, educação e acesso aos recursos e tera- pias necessárias. Ao se envolverem ativamente nos cuidados dos seus filhos e promoverem um ambiente de apoio e inclusivo, as famílias po- dem ajudar as crianças com transtornos do neurodesenvolvimento a atingirem o seu potencial máximo e a terem vidas plenas. De acordo com algumas pesquisas, é possível abraçar a neurodiver- sidade como parte da vida familiar cotidiana, utilizando algumas estra- tégias específicas para alcançar esse objetivo, como (MCLEAN, 2022): Conversar com os filhos sobre neurodiversidade, neurodivergência e aceitação, de modo a familiarizar as crianças ao tema e resolver possíveis questionamentos delas. Por exemplo, os pais podem dizer: “o cérebro de algumas pessoas funciona de maneira diferente do que de outras. Isso significa que eles também aprendem e fazem amigos de maneira diferente”. 2 - A nd re w Kr as ov itc ki i/S hu tte rs to ck 1 - p ic s fiv e/ Sh ut te rs to ck 11 22 Pesquisar sobre neurodiversidade e neurodivergência – por meio de livros, artigos, notícias etc. – para responder corretamente aos questionamentos das crianças sobre esses temas. A intenção aqui não é realizar uma pesquisa intensa e consultar várias fontes diferentes, mas sim se preparar para responder corretamente às dúvidas que podem surgir. 2 - A nd re w Kr as ov itc ki i/S hu tte rs to ck 1 - fi zk es /S hu tte rs to ck 11 22 Incluir crianças neurodivergentes nas atividades sociais, como festas, brincadeiras etc. Entretanto, para isso é necessária uma preparação, por exemplo: caso uma criança com TEA seja convidada para uma festa de aniversário, deve-se perguntar aos pais dela como as necessidades dessa criança devem ser atendidas ou lhes dar maiores detalhes da festa (quais atividades acontecerão, se haverá ou não música ou barulhos muito altos etc.). 2 - A nd re w Kr as ov itc ki i/S hu tte rs to ck 1 - O le si a Bi lk ei /S hu tte rs to ck 11 22 No livro Como lidar com mentes a mil por hora: En- tenda o TDAH de uma vez por todas e descubra como mentes hiperativas e desa- tentas podem ter uma vida bem-sucedida, o Dr. Clay Brites traduz as desco- bertas das neurociências para a compreensão de pais sobre o TDAH. Além disso, também responde a questões instigantes sobre como lidar com os comportamentos disrup- tivos, a fim de que eles não tenham um impacto negativo no desenvolvi- mento, com estratégias úteis que promovem a superação, de maneira assertiva, das dificuldades trazidas pelo TDAH. BRITES, C. São Paulo: Gente, 2021. Livro 102 Transtornos do Neurodesenvolvimento Informar às crianças qual é a melhor forma de se comunicar com os amigos neurodivergentes, seja utilizando imagens, desenhos, comunicação não-verbal etc. É importante também que os pais informem aos filhos as práticas a serem evitadas nesses momentos, para que as brincadeiras ocorram sem maiores problemas, sempre prezando pela inclusão da criança neurodivergente em todos os momentos. 2 - A nd re w Kr as ov itc ki i/S hu tte rs to ck 1 - fi zk es /S hu tte rs to ck 11 22 Dessa maneira, compreendemos que educar uma criança com transtornos do neurodesenvolvimento apresenta muitos desafios. Os níveis de stress e o cansaço parental são mais elevados e mais frequen- tes, afetando o funcionamento familiar de maneira global. É importante observarmos que a saúde psicossocial dos pais e a presença de qualquer disfunção no núcleo familiar influenciam o de- senvolvimento da criança, independentemente de a criança ter trans- torno do neurodesenvolvimento ou não. As famílias de crianças com transtornos do neurodesenvolvimen- to podem se beneficiar muito com programas de educação para os pais que devem se concentrar em melhorar as competências co- municativas dos pais, fornecer estratégias de psicoeducação e de gestão comportamental. As intervenções devem também ter como objetivo ajudar os pais a resolverem possíveis conflitos emocionais associados ao diagnóstico dos seus filhos e promover o seu próprio bem-estar psicossocial, criando assim um suporte adequado para o desenvolvimento integral da criança. 5.2 Suporte à família Vídeo Os pais querem o melhor para os seus filhos e querem apoiá-los para que possam maximizar o seu potencial e levar uma vida feliz, sau- dável e plena. Muitas vezes, a vida familiar pode se tornar caótica e estressante e as frustrações e reações podem prejudicar as capacida- des parentais, levando à ruptura de relacionamentos, ao sofrimento psíquico e ao aumento de comportamentos desafiadores. Trabalhando com os pais, precisamos adotar uma abordagem foca- da em soluções para desenvolver estratégias e abordagens adaptadas O papel da escola e da família 103 à dinâmica única da família. O desenvolvimento de estilos de comuni- cação positiva capacita pais e filhos para serem capazes de expressar seus sentimentos, seus medos e suas necessidades de uma forma efi- caz, respeitosa e eficiente. Quando estamos fornecendo suporte à família, precisamos utilizar uma abordagem focada em soluções para apoiar os casais e seus rela- cionamentos. A falha na comunicação, as pressões da vida cotidiana e as mudanças nas aspirações podem contribuir para um relacionamen- to infeliz, sem apoio e potencialmente volátil. Muitas vezes, os casais podem ver o mundo de maneiras diferen- tes, fazendo com que seja muito difícil enxergar algo na perspectiva do outro, e por terem dificuldade em compreender alguns dos comporta- mentos – como rigidez de pensamento ou alguma especificidade nas interações sociais – podem até mesmo pensar que seus companheiros têm algum tipo de transtorno de neurodesenvolvimento. Por isso precisamos apoiar os indivíduos e o casal a identificarem problemas e estabelecer estratégias e abordagens para fortalecerem os seus relacionamentos por meio de uma compreensão partilhada das percepções de cada um, criando uma comunicação significativa, reduzindo assim as oportunidades de conflito. Irmãos de crianças com transtorno do espectro autista muitas vezes enfrentam uma série de problemas durante a infância que podem impactar suas vidas e seus relacionamentos na idade adul- ta, por exemplo: os irmãos podem sentir que lhes foi negada uma Gr ou nd P ic tu re /S hutte rs to ck Embora a obra de Débora Fava, Martha Rosa e Angela Oliva, Orientação Para Pais: o que é Preciso Saber Para Cuidar dos Filhos, não seja específica para a educação de crianças com transtornos de neurode- senvolvimento, ela traz uma leitura rica que vale a pena ser explorada, dando ao pais a oportunidade de refletir sobre a parentalida- de e seus desafios, como o impacto da chegada dos filhos e as relações de afetividade. A obra ainda aponta caminhos para o desenvolvimento de hábi- tos familiares saudáveis, como empatia, responsabi- lidade e saúde integral. FAVA, D. C.; ROSA, M.; OLIVA, A. D. (org.). Belo Horizonte: Artesã, 2018. Livro 104 Transtornos do Neurodesenvolvimento infância considerada normal, pois tiveram que assumir um papel de cuidadores desde a tenra idade. A autoestima dessas crianças também pode ser afetada e muitas ve- zes pode haver ressentimento em relação aos irmãos neurodivergentes e aos pais, logo é necessário fornecermos acompanhamento psicológico e avaliarmos qual é o impacto da dinâmica familiar sobre a criança neu- rotípica, promovendo também seu desenvolvimento e seu bem-estar. Profissionais de saúde, educadores e demais profissionais especia- lizados devem adotar uma abordagem focada em soluções, trabalhan- do com irmãos neurotípicos para ajudá-los a identificar e comunicar seus pensamentos e sentimentos e a desenvolver estratégias que lhes permitam estabelecer e manter relacionamentos saudáveis e definir aspirações de vida significativas. Uma pesquisa financiada pelo Departamento de Serviços Sociais do governo australiano nos traz algumas estratégias sobre como abraçar a neurodiversidade na comunidade (MCLEAN, 2022): Estar atento à linguagem utilizada nas interações com pessoas com transtornos de neurodesenvolvimento, mas em caso de dúvida, é possível sempre perguntar diretamente à pessoa: “você prefere ‘criança autista’ ou ‘criança com autismo’?” 2 - A nd re w Kr as ov itc ki i/S hu tte rs to ck 1 - L ig ht Fi el d St ud io s/ Sh ut te rs to ck 11 22 Agir em situações em que uma pessoa neurodivergente precise de ajuda, ou para conscientizar os demais indivíduos, por exemplo: ao presenciar um adulto gritando com uma criança em crise em um parque, é necessário agir para auxiliar a criança – oferecendo apoio e ajuda a ela – ou para conscientizar o adulto em questão.2 - A nd re w Kr as ov itc ki i/S hu tte rs to ck 1 - K ik uj ia rm /S hu tte rs to ck 11 22 O papel da escola e da família 105 Evitar suposições e possíveis comentários ao presenciar uma criança neurodivergente com comportamentos peculiares (como apenas comer sanduíches embalados em um piquenique) ou utilizando materiais incomuns (como fones de ouvido em supermercados ou alguma peça de roupa muito específica). 2 - A nd re w Kr as ov itc ki i/S hu tte rs to ck 1 - M ar ia S by to va /S hu tte rs to ck 11 22 Procurar formas de tornar a sua comunidade mais inclusiva e acolhedora, como fazer parte de uma petição incentivando o supermercado local a optar por uma hora de silêncio por semana, quando as luzes são reduzidas e nenhuma música é tocada. 2 - A nd re w Kr as ov itc ki i/S hu tte rs to ck 1 - D ra ze n Zi gi c/ Sh ut te rs to ck 11 22 Tratar temas ligados à neurodiversidade e à neurodivergência com o devido respeito, pois sempre há chance de convivermos com pessoas neurodivergentes no dia a dia, mesmo que elas não tenham informado isso aos demais. 2 - A nd re w Kr as ov itc ki i/S hu tte rs to ck 1 - S tu di o Ro m an tic /S hu tte rs to ck 11 22 Sendo assim, quando nos referimos ao suporte às famílias, preci- samos melhorar a integração de cuidados e a prestação de serviços de saúde para crianças com transtornos do neurodesenvolvimento. A falta de coordenação entre os setores de serviços de saúde e os edu- cacionais infantis é uma barreira comum no sucesso do tratamento e do apoio a essas crianças. 106 Transtornos do Neurodesenvolvimento A prestação de serviços fragmentados afeta negativamente os re- sultados dos pacientes; o funcionamento familiar e a qualidade de vida muitas vezes levam à utilização inadequada e ineficiente dos cuidados em saúde. Em função dessa desconexão entre os serviços de saúde, quase sempre a responsabilidade pela coordenação do cuidado recai em grande parte sobre a família. E quando falamos de crianças com necessidades complexas, essa coordenação do cuidado está além da capacidade de coordenação das famílias, sendo necessário o apoio dos órgãos de saúde e educacionais para a gestão do cuidado e a promo- ção de saúde e desenvolvimento integral. 5.3 O papel da escola Vídeo As escolas desempenham um papel crucial no apoio a crianças com transtornos do neurodesenvolvimento, principalmente no que diz respeito à identificação e à avaliação desses transtornos, com pro- fessores, psicólogos escolares e profissionais de Educação Especial trabalhando juntos para identificar alunos que possam estar em risco ou ter esses transtornos. Para alunos com distúrbios do neurodesenvolvimento as escolas desenvolvem Planos Educacionais Individualizados (PEI), documen- to criado com base em avaliações realizadas em um estudante que apresente necessidades educacionais específicas e descreve objetivos educacionais específicos, acomodações e serviços adaptados às ne- cessidades únicas da criança, garantindo que a criança receba apoio e instrução adequadas. Resumidamente, o objetivo principal do PEI é estabelecer um pla- nejamento acerca do desenvolvimento do estudante durante toda sua trajetória escolar, registrando cada etapa, bem como cada progresso e cada área em que ele apresente alguma dificuldade. Diante desse documento, o professor é capaz de traçar caminhos sobre como agir e quais estratégias podem se tornar mais eficazes para a promoção de competências e habilidades do estudante. Quanto à sua forma, o ideal é que qualquer PEI seja elaborado em uma colaboração entre o professor regente da sala e o profissio- nal responsável pelo Atendimento Educacional Especializado (AEE) 1 , O AEE tem como função principal identificar, organizar e elaborar estratégias e recur- sos pedagógicos para garantir a acessibilidade do estudante ao ensino integral, eliminando-se, assim, as barreiras que o impedem de participar do processo educacional, levando-se em conside- ração as suas necessida- des específicas. 1 O papel da escola e da família 107 para que as práticas desenvolvidas com o aluno em ambos os perío- dos sejam equivalentes (AMARO, 2017). Ainda para Amaro (2017), o estudante – independentemente da idade – tem papel central na apli- cação de tudo o que foi planejado, pois são suas validações e observa- ções que legitimarão se essa equivalência está sendo cumprida. Para qualquer profissional da área da docência, é importante com- preender que os estudantes são o ponto de partida do processo de aprendizagem, algo ainda mais importante no AEE, visto que, de acor- do com a Resolução n. 4/2009 do Conselho Nacional de Educação – que institui as Diretrizes Operacionais do AEE na Educação Básica: O Atendimento Educacional Especializado tem como função com- plementar ou suplementar a formação do aluno por meio da dis- ponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras para sua plena participação na socieda- de e desenvolvimento de sua aprendizagem. O PEI precisa ter como função traçar caminhos para que sejam minimizadas e/ou eliminadas as barreiras aos estudantes com deficiência, de modo que seja factível a participação de todos os estudantes no processo educacional, considerando-se as especifi- cidades de cada indivíduo nesse contexto (AMARO, 2017). Sendo assim, as escolas precisam disponibilizar uma variedade de serviços de Educação Especial para atender às diversas neces- sidades dos alunos com transtornos do neurodesenvolvimento.É preciso fornecer recursos acessíveis e estratégias que favoreçam a escolarização desses estudantes, no que tange aos processos de aprendizagem e ao currículo. As escolas, muitas vezes, implementam planos de intervenção comportamental para abordar comportamentos desafiadores as- sociados a distúrbios do neurodesenvolvimento, planos esses que envolvem métodos para promover comportamentos positivos e ge- renciar ou reduzir comportamentos problemáticos. As instituições de ensino podem ainda fornecer formação a professores e funcionários sobre metodologias para ensinar e apoiar eficazmente os alunos com transtornos do neurodesenvolvimento, de modo a auxiliar os educa- dores a compreenderem melhor essas condições e a implementarem práticas fundamentadas em evidências. Esta leitura do livro de Augusto Galery, A escola para todos e para cada um, traz-nos uma abordagem crítica sobre o modelo de escola que temos na atualidade. O paradigma da educação é colocado à prova diante da necessida- de de uma escola que seja, de fato, inclusiva, levan- do-se em consideração a complexidade do processo de aprendizagem, que é único em cada sujeito. O livro também aborda a necessidade de analisar o contexto social em que o estudante está inserido, trazendo um olhar voltado para profissionais e estudantes das áreas da educação e da saúde. GALERY, A. (org.). São Paulo: Summus Editorial, 2017. Livro 108 Transtornos do Neurodesenvolvimento As escolas devem colaborar com os pais e os cuidadores para garantir a continuidade dos cuidados e do apoio à criança, uma ação feita em conjunto e que precisa estar alinhada, pois quanto maior for o alinhamento entre a escola, os pais e os cuidadores, maiores serão as chances de sucesso na garantia do pleno atendimento das necessidades específicas do estudante, gerando assim um processo educacional ecológico, pleno de sentido e realização. Sendo assim, a comunicação regular e frequente entre a equipe escolar e as famí- lias é essencial para abordar preocupações, monitorizar o progresso e ajustar as intervenções conforme necessário. As escolas também podem desempenhar um papel crucial na sen- sibilização da comunidade para os transtornos do neurodesenvol- vimento e na defesa de políticas públicas que apoiem a inclusão e o bem-estar dessas crianças no sistema educacional. À medida que os alunos com transtornos do neurodesenvolvimento se aproximam da idade adulta, prioritariamente nos Anos Finais do Ensino Médio, as es- colas podem auxiliar os pais no planejamento da transição para além da escola, avançando para o nível universitário, o primeiro emprego ou outros cursos profissionalizantes. É importante observarmos que as funções e os recursos específi- cos disponíveis nas escolas podem variar dependendo da cidade ou do estado, embora as legislações da Educação Especial sejam do âmbito federal. A colaboração entre educadores, pais, profissionais de saúde e especialistas é essencial para fornecer o melhor apoio possível às crian- ças com perturbações do neurodesenvolvimento e para promover seu desenvolvimento global e seu bem-estar. Dr az en Z ig ic /S hu tte rs to ck O papel da escola e da família 109 5.4 Desafios no ambiente escolar Vídeo As escolas enfrentam vários desafios quando se trata de atender às necessidades de crianças com transtornos do neurodesenvolvimen- to. Esses desafios podem variar dependendo do tipo de transtorno, da gravidade e do nível de suporte necessário, dos recursos disponíveis e das características individuais da criança. Entre os desafios mais co- muns presentes nos ambientes de escolares, temos: Diagnóstico e identificação Embora a escola não tenha a função de diagnosticar os distúrbios do neurodesenvolvimento, posto que qualquer diagnóstico está res- trito à área da saúde, a falta de um diagnóstico impacta e pode ser um desafio no ambiente escolar. Apesar dessa importância, algumas crianças podem não ser diagnosticadas ou podem ter um diagnóstico equivocado por um longo período, levando a possíveis atrasos e prejuí- zos na prestação de apoio e serviços adequados. Limitações de recursos As limitações de recursos podem ter um grande impacto na inclu- são das crianças com transtornos do neurodesenvolvimento. As esco- las podem não ter os recursos necessários, incluindo professores de Educação Especial qualificados e pessoal de apoio para atender ade- quadamente às necessidades desses estudantes. As restrições orça- mentárias também podem limitar a disponibilidade de programas e serviços especializados. Ha na ne ko _S tu di o/ Sh ut te rs to ck 110 Transtornos do Neurodesenvolvimento Barreiras à educação inclusiva Embora a educação inclusiva seja ideal, podem existir barreiras à inclusão eficaz de crianças com transtornos do neurodesenvolvimento nas salas de aula regulares. Essas barreiras podem incluir turmas gran- des (o que gera maiores níveis de barulho, menor possibilidade de uma atenção mais direcionada do professor e excesso de estímulos), for- mação inadequada dos professores e falta de adaptações necessárias. Desafios comportamentais Crianças com distúrbios do neurodesenvolvimento podem apre- sentar comportamentos desafiadores, como agressão, impulsividade e dificuldade de autorregulação, principalmente no que diz respeito às emoções. Gerenciar esses comportamentos na sala de aula pode ser desafiador e exige treinamento e intervenções especializadas. Isolamento social Crianças com transtornos do neurodesenvolvimento podem so- frer com isolamento social e bullying por parte dos seus pares, o que pode ter um impacto profundamente negativo na sua autoestima e no seu bem-estar. PEI Desenvolver e implementar PEI eficazes requer tempo e experiên- cia, e sem treinamento e formações adequadas algumas escolas po- dem ter dificuldades para criar e atualizar regularmente esses planos para atender às necessidades específicas de cada criança. Estigma e conscientização O estigma em torno dos transtornos do neurodesenvolvimento pode levar a mal-entendidos e preconceitos, tanto entre estudan- tes quanto entre pais, professores e demais funcionários da escola. Trabalhar a conscientização e promover uma cultura de aceitação e eliminação do estigma é um desafio constante, que demanda ações frequentes e assertivas. Formação de professores Nem todos os professores recebem formação adequada sobre como apoiar alunos com transtornos do neurodesenvolvimento. As O papel da escola e da família 111 oportunidades de desenvolvimento profissional podem ser limitadas e os professores podem ter dificuldades para implementar práticas com base em evidências, em função de uma formação deficitária. Colaboração entre pais e escola Construir parcerias fortes entre escolas e pais pode ser um desafio, especialmente se houver divergências sobre as necessidades da crian- ça ou sobre a adequação das intervenções. De acordo com Snowling et al. (2004), os pais das crianças com dificuldades de aprendizagem e transtornos do neurodesenvolvimento costumam ser mais distantes dos professores no ambiente escolar, tendo pouco contato com eles. Por isso, muitas vezes esses pais não se sentem seguros em conversar com os professores sobre os desafios do processo educativo de seus filhos, criando-se assim uma imagem negativa entre docentes e pais. Em alguns casos, os próprios pais também experimentaram di- ficuldades na vida escolar, como dificuldade para ler, escrever ou se comportar da maneira esperada, e esse mal-estar pode se refle- tir em relação a seus filhos e à escola, gerando ansiedade e culpa (SNOWLING et al., 2004). Precisamos entender que esse contexto pode gerar obstáculos na comunicação entre os pais e a escola, muitas das vezes um responsabilizando o outro pela falta de inicia- tiva nesse diálogo. A escola precisa compreender, então, a necessidade de buscar esses pais, considerados mais inamistosos, para que efetivamente seja possível trabalhar em conjunto,ele é o sistema responsável por transmitir os sinais entre o SNC e os órgãos, músculos e receptores sensoriais por meio de nervos, que se dividem em duas categorias distintas: os chamados nervos sensoriais, que transportam informações dos órgãos sensoriais (como olhos, ou- vidos, pele etc.) para o SNC, permitindo-nos perceber e interpretar o ambiente externo; e os denominados nervos motores, que transmitem sinais do SNC para os músculos e glândulas, possibilitando movimen- tos voluntários e involuntários e controlando as funções corporais (HALL; HALL, 2021). Por fim, o SNA – responsável pelas funções involuntárias do corpo – atua como um sistema de controle que regula e mantém os processos corporais internos sem esforço consciente, estando profundamente relacionado às emoções, de maneira a responder de maneira rápida aos estímulos do meio externo. O SNA funciona de modo involuntário e contínuo, controlando atividades como fre- quência cardíaca, digestão, respiração, secreção glandular e muitos outros processos essenciais para a manutenção da homeostase, ou seja, do equilíbrio entre todas as funções do organismo (OLIVEIRA, 2005). Além disso, o sistema nervoso autônomo também tem suas subdivisões principais, quais sejam: • Sistema nervoso simpático (SNS): a divisão simpática prepara o corpo para a ação e é frequentemente associada à resposta de “lutar ou fugir”; logo, é responsável por aumentar a excitação fisiológica e o gasto de energia durante situações estressantes ou de emergência. A ativação do sistema nervoso simpático re- sulta em aumento da frequência cardíaca, dilatação das pupilas, aumento da pressão arterial, respiração acelerada e mobilização das reservas de energia (OLIVEIRA, 2005). • Sistema nervoso parassimpático (SNP): a divisão parassimpá- tica promove relaxamento, descanso e recuperação, ou seja, fun- O vídeo Neuroanatomia – divisões anatômicas do sis- tema nervoso explica sobre as divisões anatômicas do sistema nervoso de manei- ra bem didática, com foco em todas as estruturas que fazem parte dessas divisões. Vale a pena para quem quiser se aprofundar nesse tema tão incrível! Disponível em: https://youtu.be/ QwXYG96bzCI?si=F0YOJOLLIdzX- N5Em. Acesso em: 31 out. 2023. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=QwXYG96bzCI https://www.youtube.com/watch?v=QwXYG96bzCI https://www.youtube.com/watch?v=QwXYG96bzCI 14 Transtornos do Neurodesenvolvimento ciona em oposição à divisão simpática e é muitas vezes referido como o sistema “descansar e digerir” ou “alimentar e reproduzir”. O sistema nervoso parassimpático ajuda a conservar energia e promove atividades como digestão, diminuição da frequência cardíaca, constrição das pupilas, estimulação da secreção das glândulas salivares e aumento do fluxo sanguíneo para os órgãos digestivos (OLIVEIRA, 2005). Essas duas divisões do SNA trabalham juntas para manter um equilí- brio delicado e regular entre as várias funções corporais, e – a depender da situação e das necessidades do corpo – uma divisão pode dominar a outra, levando a diferentes respostas fisiológicas. O sistema nervoso autônomo funciona automática e inconsciente, permitindo que o corpo se adapte e responda às mudanças no ambiente interno e externo. O sistema nervoso também compreende diferentes tipos de células, os neurônios e as células gliais. Os neurônios são as células primárias do sistema nervoso responsáveis pela transmissão de sinais elétricos e consistem – em suas principais estruturas – de um corpo celular (cha- mado de soma), dendritos (que recebem sinais) e um axônio (que trans- mite sinais) (OLIVEIRA, 2005). No caso das células gliais, elas fornecem suporte e proteção aos neurônios e auxiliam na manutenção do am- biente químico, isolando neurônios e removendo produtos residuais. De modo geral, o sistema nervoso funciona transmitindo impulsos elé- tricos ou sinais pelos neurônios. Isso permite uma comunicação rápida entre as diferentes partes do corpo do indivíduo, além da coordenação de movimentos, regulação de funções corporais e integração de informações sensoriais, criando, assim, comportamentos e respostas complexas. 1.2 Proteções do sistema nervoso central Vídeo O sistema nervoso central, por ser o responsável por coordenar todas as ações do corpo humano, é protegido por diversas estrutu- ras anatômicas e fisiológicas que ajudam a proteger o delicado tecido neural de danos físicos e a manter seu funcionamento adequado. As formas de proteção do sistema nervoso são classificadas em: óssea, membranosa e líquida (OLIVEIRA, 2005). A proteção óssea do sistema é composta pelo crânio, que é onde está alojado o cérebro, e pela coluna vertebral, que protege a medula es- Gi ov an ni C an ce m i/S hu tte rs to ck Gi ov an ni C an ce m i/S hu tte rs to ck A obra de Mark Bear, Barry Connors e Michael Paradiso, Neurociências: desvendando o sistema nervoso, ajuda a entender melhor as divisões e fun- ções do sistema nervoso, bem como a sua forma- ção e desenvolvimento ao longo de milhões de anos. BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. Livro Neurodesenvolvimento 15 pinhal. Esses ossos fornecem uma barreira robusta e rígida que protege o tecido neural de traumas externos, como quedas ou batidas. A prote- ção membranosa é composta pelas chamadas meninges, três camadas de membranas que envolvem o sistema nervoso central e fornecem su- porte, absorção de choque e ajudam a prevenir o contato direto entre o tecido neural e os ossos circundantes (HALL; HALL, 2021). Na Figura 2 podemos ver uma representação das diversas camadas da proteção óssea e membranosa do sistema nervoso. Figura 2 Camadas das proteções óssea e membranosa Meninges Ve ct or M in e/ Sh ut te rs to ck Pele Aponeurose Periósteo Osso Dura-máter Aracnoide Pia-máter Fonte: Elaborada pela autora. Falando especificamente de cada uma das camadas das meninges, a chamada dura-máter é a camada mais externa das meninges. É uma membrana resistente e fibrosa que fornece força e proteção ao SNC, aderindo-se à superfície interna do crânio e ao canal vertebral, forman- do uma barreira protetora entre o tecido neural e as estruturas ósseas. A dura-máter, por sua vez, também tem suas próprias camadas, perios- teal externa e a meníngea interna, que são fundidas, exceto em certas regiões onde se separam para formar os seios durais, os quais são ca- nais venosos especializados que permitem a drenagem sanguínea do cérebro (PURVES et al., 2018). A denominada aracnoide é a camada intermediária das menin- ges, é uma membrana fina e delicada que leva esse nome por cau- sa de sua aparência de teia de aranha. A aracnoide é preenchida por uma rede de colágeno e fibras elásticas semelhante a uma teia, e ajuda a fornecer suporte e amortecimento ao tecido neural 16 Transtornos do Neurodesenvolvimento subjacente. Abaixo da camada aracnoide encontra-se o espaço su- baracnoideo, que contém líquido cefalorraquidiano (LCR) e vasos sanguíneos. A aracnoide não adere firmemente à superfície interna da dura-máter, criando um espaço potencial conhecido como espa- ço subdural (PURVES et al., 2018). Por fim, a mais interna das camadas das meninges, chamada de pia-máter, localiza-se mais próxima do tecido neural do cérebro e da medula espinhal. É uma membrana fina e delicada que segue os contornos do SNC e cobre sua superfície, fornecendo suporte físico direto aos neurônios e vasos sanguíneos subjacentes. A pia-máter é altamente vascularizada, o que significa que contém numerosos vasos sanguíneos que fornecem oxigênio e nutrientes ao SNC. Também está intimamente associada à camada aracnoide e ajuda a fixá-la em seu lugar (PURVES et al., 2018). Em conjunto, as três camadas das meninges formam uma bainha protetora ao redor do sistema nervoso central, fornecendo suporte, absorção ao choque e ajudando a manter o ambiente interno do SNC. As meninges desempenham um papel crucial na proteçãoem busca de uma educação in- tegral e de qualidade. M ed ia _P ho to s/ Sh ut te rs to ck 112 Transtornos do Neurodesenvolvimento Questões jurídicas e políticas As escolas precisam navegar em um cenário jurídico e político complexo relacionado com a Educação Especial. No Brasil, a legisla- ção que rege a Educação Especial é composta de diversos decretos, leis, portarias e resoluções, que podemos ver elencadas e resumidas no Quadro 2. Quadro 2 Fundamentação jurídica da Educação Especial. Decreto n. 3.298, de 20 de dezem- bro de 1999. Regulamenta a Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Porta- dora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. Decreto n. 3.956, de 8 de outubro de 2001. Promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Porta- doras de Deficiência. Lei n. 8.859, de 23 de março de 1994. Modifica dispositivos da Lei n. 6.494, de 7 de dezembro de 1977, estendendo aos alunos de ensino especial o direito à participação em atividades de estágio. Lei n. 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e dá outras providências. Portaria n. 1.793, de dezembro de 1994. Dispõe sobre a necessidade de complementar os currículos de formação de docentes e outros profissionais que intera- gem com portadores de necessidades especiais e dá outras providências. Resolução n. 2, de 11 de setem- bro de 2001. CEB/CNE – Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Espe- cial na Educação Básica. Fonte: MEC, 2023. O AEE, além de ser instrumento previsto na Lei de Diretrizes e Ba- ses da Educação (LDB) e regulamentado pelo Decreto n. 7.611 – de 17 de novembro de 2011 – foi disciplinado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) por meio da Resolução n. 4/2009. O papel da escola e da família 113 Sensibilidades sensoriais Algumas crianças com distúrbios do neurodesenvolvimento, como o transtorno do espectro autista, apresentam sensibilidades sensoriais que podem ser desencadeadas no ambiente escolar, logo gerenciar a sobrecarga sensorial ou os comportamentos de busca sensorial pode ser um desafio. Para enfrentar esses desafios, é essencial que as esco- las priorizem o desenvolvimento profissional, aloquem recursos ade- quados, promovam uma cultura de inclusão e aceitação e colaborem com as famílias e as agências de apoio externas. Além disso, as políticas públicas e as práticas escolares devem ser continuamente revistas e adaptadas para atender às necessidades crescentes dos estudantes com transtornos do neurodesenvolvimen- to. As escolas podem se ajustar para que as crianças neurodivergentes possam participar plenamente na aprendizagem e na socialização na escola, de modo a abraçarem a neurodiversidade utilizando algumas estratégias (MCLEAN, 2022): Aplicar mudanças no ambiente que auxiliem as crianças com sensibilidades sensoriais ou altos níveis de ansiedade, como espaços silenciosos e ajustes na iluminação. É possível ainda permitir que as crianças usem itens sensoriais como bolas macias nas aulas, ou variações no uniforme. 2 - A nd re w Kr as ov itc ki i/S hu tte rs to ck 1 - P eo pl eI m ag es .c om - Yu ri A/ Sh ut te rs to ck 11 22 Utilizar métodos de ensino variados para atender a diversos estilos ou necessidades de aprendizagem, por exemplo: permitir que algumas crianças criem apresentações de vídeo em vez de fazerem apresentações em sala de aula, ou – nas práticas esportivas – permitir que apenas façam o registro ou o planejamento de tudo em vez de efetivamente realizarem as práticas. 2 - A nd re w Kr as ov itc ki i/S hu tte rs to ck 1 - G ro un d Pi ct ur e/ Sh ut te rs to ck 22 11 No vídeo Educação e Neuro- diversidade, os participantes apresentam diversos te- mas referentes à educação e à neurodiversidade, am- pliando a discussão sobre as diversidades neurocog- nitivas e como elas podem ser acolhidas e aproveita- das no ambiente escolar. É possível promover uma educação que seja inclusiva e ao mesmo tempo ino- vadora? Essa é a proposta desse projeto de extensão. Vale a pena conferir! Disponível em: https://www. youtube.com/live/hXgmNbIMX- Y?si=khI15vW2N4YyKpSb. Acesso em: 17 nov. 2023. Vídeo http://PeopleImages.com https://www.youtube.com/live/hXgmNbIMX-Y?si=khI15vW2N4YyKpSb https://www.youtube.com/live/hXgmNbIMX-Y?si=khI15vW2N4YyKpSb https://www.youtube.com/live/hXgmNbIMX-Y?si=khI15vW2N4YyKpSb 114 Transtornos do Neurodesenvolvimento Oferecer apoio e orientação a todas as crianças para que incluam as crianças neurodivergentes nas interações e nas brincadeiras, de acordo com as possibilidades e as especificidades de cada estudante, por exemplo: incluir aulas sobre neurodiversidade nas aulas de projeto de vida ou eletivas. 2 - A nd re w Kr as ov itc ki i/S hu tte rs to ck 1 - G ro un d Pi ct ur e/ Sh ut te rs to ck 11 22 Quando as crianças conversam e compreendem como as crianças neurodivergentes se comunicam e brincam, isso pode encorajar todas as crianças a interagirem de maneira respeitosa e em igualdade de con- dições. Isso ajuda a eliminar a expectativa de que as crianças neurodi- vergentes devam mudar ou se adequar a um padrão estabelecido. 5.5 Contribuições da neurodiversidade Vídeo A neurodiversidade é um conceito que reconhece e celebra a va- riação natural nas características neurológicas e no funcionamento da população humana, sugerindo que diferenças neurológicas – como o TEA, TDAH, dislexia e outras – não são necessariamente déficits ou dis- túrbios, mas representam diversas formas de pensar, perceber e expe- rimentar o mundo. É importante notarmos que embora o movimento da neurodiversidade esteja recebendo reconhecimento e apoio, nem todos os membros da comunidade neurodiversificada ou da sociedade em geral concordam com todos os aspec- tos desse conceito. Algumas pessoas preferem uma terminologia diferente ou têm perspectivas diferentes sobre até que ponto determinadas condições devem ser consideradas como parte do espectro da neurodiversidade. Ainda assim, a neurodiversidade é um conceito que desafia a estig- matização e a patologização das diferenças neurológicas, promovendo a ideia de que a diversidade – na forma como o nosso cérebro funciona – é uma parte natural e valiosa da existência humana. A neurodiversi- dade reconhece que existe um amplo espectro de diferenças neuro- lógicas e que o cérebro de cada indivíduo funciona de maneira única, além de rejeitar a ideia de que existe uma única forma normal ou ideal O papel da escola e da família 115 de o cérebro funcionar. Desse modo, o paradigma da neurodiversidade promove aceitação e respeito por indivíduos com diferenças neurológi- cas, enfatizando a importância de acomodar e apoiar esses indivíduos, em vez de tentar normalizá-los. O conceito de neurodiversidade também desafia o modelo médico tradicional de deficiência, que costuma patologizar as diferenças neu- rológicas e se concentra em curá-las ou corrigi-las. Em vez disso, de- fende um modelo social que se concentra na abordagem das barreiras sociais e na criação de ambientes inclusivos que permitam indivíduos neurodiversos se desenvolverem e prosperarem. A neurodiversidade reconhece que diferenças neurológicas podem trazer pontos fortes, talentos e perspectivas únicas para a sociedade. Incentiva a adoção desses pontos fortes e a sua integração em vários aspectos da vida, incluindo a educação e o trabalho. O estudo da neurodiversidade traz contribuições significativas para a nossa compreensão das diferenças neurológicas e de desenvolvimen- to e tem um impacto positivo emvários aspectos da sociedade. Entre algumas das principais contribuições do estudo da neurodiversidade na sociedade contemporânea, temos: Promoção da inclusão e aceitação O conceito de neurodiversidade promove a ideia de que as diferen- ças neurológicas e de desenvolvimento são variações naturais da expe- riência humana, sendo assim, esse conceito incentiva a sociedade a ser mais inclusiva e a aceitar indivíduos com condições como TEA, TDAH, dislexia e outros transtornos do neurodesenvolvimento e específicos de aprendizagem. Esse fato levou a uma maior conscientização e à re- dução do estigma em torno dessas condições. Mudança de perspectiva A neurodiversidade desafia o modelo médico da deficiência, que vê as diferenças neurológicas como distúrbios que precisam ser cor- rigidos ou curados. Em vez disso, o conceito da neurodiversidade enfatiza um modelo social que se concentra na criação de ambientes e acomodações que permitem aos indivíduos prosperarem com as suas capacidades e seus desafios únicos, sem a necessidade de exis- tir um único padrão de desenvolvimento, que garanta promoção de saúde, qualidade de vida e bem-estar. No livro O que é neurodi- versidade?, o autor Tiago Abreu traz uma breve história do conceito de neurodiversidade, que teve início da década de 1990, e em seguida nos convida a uma discussão importante sobre o que significa ser neurodivergente em uma sociedade avessa à deficiência, traçando um panorama das discussões e das descobertas dos últi- mos 30 anos. Embora essa discussão esteja longe de terminar, o autor nos traz boas reflexões a respeito desse tema tão atual. ABREU, T. Goiânia: Cânone Editorial, 2022. Livro 116 Transtornos do Neurodesenvolvimento Advocacia e empoderamento O movimento da neurodiversidade capacitou indivíduos com condições neurodivergentes para defenderem seus direitos e suas necessidades. Esse empoderamento levou uma maior autonomia e au- todeterminação para muitos indivíduos com diferenças neurológicas, desbravando limites do que era ou não possível de ser atingido, dentro da singularidade de cada indivíduo. Inovação educacional O estudo da neurodiversidade influenciou as práticas educacio- nais ao destacar a importância da educação personalizada e inclusi- va, levando ao desenvolvimento de métodos de ensino mais flexíveis e apoio individualizado para alunos com condições neurodivergen- tes. Dessa forma, os professores também avançaram, no sentido em que precisaram aprofundar os seus conhecimentos, lutando por uma formação acadêmica mais sólida e de qualidade, a fim de aten- der aos seus estudantes com necessidades específicas, promovendo a educação integral para todos. Diversidade e inclusão no local de trabalho Muitas empresas da atualidade já reconheceram o valor da neurodi- versidade no local de trabalho, implementando práticas de contratação inclusivas e criando ambientes de apoio que permitem que indivíduos neurodivergentes se destaquem em vários campos, incluindo áreas como tecnologia, engenharia e indústrias criativas. Pr os to ck -s tu di o/ Sh ut te rs to ck O papel da escola e da família 117 Pesquisa e compreensão O estudo da neurodiversidade estimulou a pesquisa sobre as cau- sas subjacentes, os pontos fortes e os desafios associados às condições neurodivergentes. Essa pesquisa contribuiu para a nossa compreensão das diversas maneiras que o cérebro pode funcionar e apresenta novos campos de estudo e pesquisa na área das neurociências. Contribuições neurodivergentes Indivíduos neurodivergentes fizeram contribuições significativas em vários campos. Acredita-se que muitos cientistas, artistas, escritores e inovadores famosos – como Albert Einstein – tenham sido ou sejam neurodivergentes. O reconhecimento dessas contribuições destaca os pontos fortes e os talentos dos indivíduos neurodiversos. Construção de comunidade O estudo da neurodiversidade promoveu o desenvolvimento de co- munidades e redes de apoio para indivíduos e famílias afetadas por condições neurodivergentes. Essas comunidades fornecem recursos, informações e apoio social valiosos. O sentimento de pertencimento é uma força motriz poderosa para os avanços comunitários. Mudanças políticas e legais A defesa fundamentada nos princípios da neurodiversidade influen- ciou mudanças políticas e proteções legais para indivíduos com condi- ções neurodivergentes. Isso inclui o fornecimento de um melhor acesso à educação, aos cuidados de saúde e às oportunidades de emprego. Desafiando estereótipos Ao destacar a diversidade de experiências nas comunidades neu- rodivergentes, o estudo da neurodiversidade desafia estereótipos e suposições sobre o que significa ser neurodivergente. Ele enfatiza que não existe uma descrição única para todos os indivíduos com essas condições e que cada indivíduo vivenciará e experimentará a sua neu- rodiversidade de uma maneira única e singular. Em resumo, o estudo da neurodiversidade contribui para uma so- ciedade mais inclusiva, receptiva e equitativa, ao reconhecer e valorizar os pontos fortes e as perspectivas únicas dos indivíduos com condições 118 Transtornos do Neurodesenvolvimento neurodivergentes. Ele traz mudanças positivas na educação, na empre- gabilidade e nas atitudes sociais, de modo a promover, em última aná- lise, o bem-estar e o potencial dos indivíduos neurodiversos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo, pudemos refletir um pouco mais sobre o papel da fa- mília, da escola e da comunidade no que diz respeito às crianças com transtornos do neurodesenvolvimento. Pudemos identificar que todos es- tão interligados e que uma ação conjunta é a única possível para que seja factível o desenvolvimento pleno de todas as crianças com necessidades educacionais especiais. Foi possível identificarmos que somente quando as famílias e as comunidades abraçam a neurodiversidade podemos falar de saúde mental, bem-estar, sentido e identidade das crianças neurodivergen- tes. Abraçar a neurodiversidade elimina a pressão para que as crianças neurodivergentes se comportem de maneiras neurotípicas, escondam seus comportamentos diferentes, mascarem ou escondam quem são, ou tenham que lidar e suportar a superestimulação sensorial. Esse tipo de pressão pode ser física e mentalmente desgastante, o que pode dificultar que as crianças se concentrem nos trabalhos escolares e par- ticipem de atividades sociais. Pessoas neurodivergentes trazem muitos pontos fortes para a socie- dade, como pensamento criativo, inovador e analítico e experiência em áreas de interesse especial. Abraçar a neurodiversidade é bom para nós, como sociedade; e tal como o planeta precisa de uma diversidade de plantas e animais para sobreviver, a sociedade precisa da neurodiversi- dade para prosperar. Aprender a respeitar o outro, em sua singularidade, também faz com que aprendamos a respeitar a nós mesmos, em nossas próprias singularidades e dificuldades. ATIVIDADES Atividade 1 Qual é o papel da família na garantia da aprendizagem das crian- ças com transtornos do neurodesenvolvimento? O papel da escola e da família 119 Atividade 2 O que são os Planos Educacionais Individualizados (PEIs)? Quem é responsável por eles? Atividade 3 Quais são as contribuições da neurodiversidade no ambiente escolar? REFERÊNCIAS AMARO, D. G. Desenvolvimento, aprendizagem e avaliação na perspectiva de diversidade. In: GALERY, A. (org.). A escola para todos e para cada um. São Paulo: Summus Editorial, 2017. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução n. 4, de 2 de outubro de 2009. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 2009. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/ dmdocuments/rceb004_09.pdf. Acesso em: 17 nov. 2023. MCLEAN, S. Supporting children with neurodiversity. Southbank: Australian Institute of Family Studies, 2022. Disponível em: https://aifs.gov.au/sites/default/files/publication- documents/2112_cfca_64_supporting_children_with_neurodiversity_0.pdf. Acesso em: 17 nov. 2023. MEC– Ministério da Educação. LEGISLAÇÃO de Educação Especial. MEC, 2023. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/programa-saude-da-escola/323-secretarias-112877938/orgaos- vinculados-82187207/13020-legislacao-de-educacao-especial. Acesso em: 17 nov. 2023. SNOWLING, M. J. et al. Dislexia, fala e linguagem: um manual do profissional. Porto Alegre: Artmed, 2004. http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_09.pdf http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_09.pdf https://aifs.gov.au/sites/default/files/publication-documents/2112_cfca_64_supporting_children_with_neurodiversity_0.pdf https://aifs.gov.au/sites/default/files/publication-documents/2112_cfca_64_supporting_children_with_neurodiversity_0.pdf http://portal.mec.gov.br/programa-saude-da-escola/323-secretarias-112877938/orgaos-vinculados-82187207/13020-legislacao-de-educacao-especial http://portal.mec.gov.br/programa-saude-da-escola/323-secretarias-112877938/orgaos-vinculados-82187207/13020-legislacao-de-educacao-especial Resolução das atividades 1 Neurodesenvolvimento 1. Descreva as funções que compõem o sistema nervoso. A função sensorial busca coletar informações que são recebidas pelas terminações nervosas e transmiti-las para a medula espinhal e o encéfalo. Já a função integrativa busca interpretar as informações recebidas pelas terminações nervosas, incluindo os processos de pensamento e memória. Por fim, a função motora conduz e recebe as informações do sistema nervoso central para os músculos e glândulas do corpo. 2. Comente sobre as principais funções dos neurônios. Os neurônios desempenham três funções principais dentro do sistema nervoso: a primeira função é a de recepção e transmissão de sinais, processo em que os neurônios recebem sinais de outros neurônios ou receptores sensoriais pelos dendritos, sinais esses que são transmitidos para os terminais axônicos na forma de impulsos elétricos. A segunda função é a integração de informações, em que são processados e integrados os impulsos vindos das diferentes partes do corpo e em que se determina também se esses sinais devem ser transmitidos para outros neurônios. Essa integração de informações e sinais permite que os neurônios modulem e regulem o fluxo de informações dentro do sistema nervoso. A terceira e última função é a de transmissão de sinais para as células-alvo, que ocorre quando um impulso elétrico atinge os terminais axônicos e desencadeia uma liberação de sinais mensageiros nos neurotransmissores, que, por sua vez, ligam-se – por meio da lacuna sináptica – aos receptores das células-alvo. É justamente essa transmissão de sinais entre os diferentes neurônios que permite a coordenação e comunicação das diversas funções do corpo. 3. Na idade adulta, o cérebro tem uma estrutura rígida, pois seu desenvolvimento já se completou na infância. Essa afirmação é verdadeira? Comente. Essa afirmação não é verdadeira. Na idade adulta, o cérebro pode, sim, desenvolver-se e aprimorar-se. Isso é possível por meio do conceito da neuroplasticidade, que se refere à capacidade do cérebro de mudar e se adaptar, formando novas conexões, modificando as existentes e realocando funções. É um mecanismo essencial que fundamenta o aprendizado, a memória, a recuperação de lesões cerebrais e a capacidade do cérebro de se adaptar a novas experiências e desafios. 120 Transtornos do Neurodesenvolvimento 2 Transtornos do neurodesenvolvimento 1. Como as pessoas com deficiência e/ou transtornos do neurodesenvolvimento eram tratadas na Antiguidade? As pessoas com transtornos do neurodesenvolvimento foram discriminadas e viveram sob opressão durante todo o período antigo. Na Grécia Antiga, por exemplo, os bebês nascidos com deficiência eram jogados do topo de montanhas e não tinham qualquer chance de sobrevivência. O nascimento de uma criança com deficiência era considerado uma maldição, um castigo dos deuses para os pais. 2. Quais são os transtornos do neurodesenvolvimento mais comuns em crianças? Os transtornos mais comuns em crianças são: transtorno do espectro do autismo (TEA), transtorno do déficit de atenção/ hiperatividade (TDAH), deficiência intelectual (DI), transtorno específico de aprendizagem, transtorno da comunicação, transtorno do desenvolvimento da coordenação (TDC) ou transtornos motores, e transtornos de tique (síndrome de Tourette). 3. Descreva o conceito científico de nature versus nurture. O conceito científico de nature (natureza) versus nurture (criação) é um debate de longa data que busca entender quanto dos traços e características de um indivíduo são influenciados por sua genética (natureza) versus seu ambiente e suas experiências (criação). Na atualidade, é amplamente aceito entre os cientistas que o debate da natureza versus criação não é uma dicotomia, mas sim uma interação complexa entre fatores genéticos e ambientais. Na realidade, a maioria dos traços e características é influenciada por uma combinação de natureza e criação. 4. Defina o conceito de neuroplasticidade. O cérebro tem uma capacidade notável de mudar e se adaptar em resposta às experiências. Essa capacidade, conhecida como neuroplasticidade, permite que o cérebro reorganize e forme novas conexões neurais. Os processos de aprendizagem e memória envolvem o fortalecimento ou enfraquecimento das conexões sinápticas, levando a alterações nos circuitos neurais. A plasticidade cerebral, ou neuroplasticidade, é um fator muito importante quando falamos em transtornos do neurodesenvolvimento, isso porque a capacidade de adaptação do cérebro pode compensar uma área que está comprometida, fazendo com que outra parte do cérebro possa se reorganizar e realizar a função que foi perdida ou teve o seu funcionamento prejudicado. Resolução das atividades 121 3 Transtornos do neurodesenvolvimento e aprendizagem 1. Para que o processo de aprendizagem possa ocorrer sem dificuldades, quais são as três funções que precisam estar preservadas? A aprendizagem é um processo multifacetado, no qual cada estrutura exerce uma função específica. Para que ocorra o processo de aprendizagem é necessário que cada estrutura esteja adequadamente integrada em sua função, quais sejam: funções psicodinâmicas; funções do sistema nervoso periférico e funções do sistema nervoso central. 2. O que caracteriza o transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH)? O TDAH é caracterizado por um padrão persistente de desatenção, hiperatividade e impulsividade que interfere no funcionamento e nas atividades diárias. Os sintomas do TDAH geralmente aparecem durante a infância, e o diagnóstico é feito comumente antes dos 12 anos de idade, embora alguns indivíduos não recebam um diagnóstico até a idade adulta. A causa exata do TDAH não é totalmente compreendida, mas acredita-se que seja uma combinação de fatores genéticos, ambientais e neurológicos. 3. Como podemos identificar o transtorno do espectro autista (TEA)? O TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento que afeta a comunicação, o comportamento e a interação social. Ele é caracterizado por uma ampla gama de sintomas e habilidades, razão pela qual é chamado de distúrbio de espectro. O TEA afeta os indivíduos de maneira diferente, e não há duas pessoas com autismo com exatamente o mesmo conjunto de características. As principais características do transtorno do espectro autista são: dificuldades de comunicação, desafios sociais, comportamentos repetitivos, interesses restritos e sensibilidades sensoriais. 4. Qual é a diferença entre transtornos específicos de aprendizagem e dificuldades de aprendizagem? Dificuldades de aprendizagem referem-se a desafios que os indivíduos podem enfrentar ao adquirir certas habilidades ou conhecimentos. Essas dificuldades podem ser temporárias e podem surgir devido a vários fatores, como falta de instrução adequada, influências ambientais, problemas de saúde ou fatores emocionais. Já os transtornos específicos de aprendizagem são condições que 122 Transtornosdo Neurodesenvolvimento têm como base diferenças neurológicas, cognitivas ou genéticas e que podem afetar de modo significativo a capacidade de aprender e realizar determinadas tarefas. 5. O que são deficiências sensoriais? As deficiências sensoriais referem-se a condições que afetam um ou mais dos sentidos, que são os canais pelos quais os indivíduos percebem e interagem com o mundo. Os principais sentidos são visão, audição, paladar, olfato e tato. Quando um ou mais desses sentidos são afetados, temos as deficiências sensoriais. 4 Prevenção e cuidado 1. Como podemos definir os conceitos de promoção e prevenção em saúde? Quando falamos em promoção de saúde, estamos nos referindo a uma abordagem proativa para melhorar e manter a saúde e o bem-estar. Ela envolve esforços a fim de capacitar indivíduos e comunidades para fazerem escolhas mais saudáveis e se envolverem em comportamentos que promovam uma boa saúde. A promoção da saúde visa prevenir o aparecimento de doenças e condições, abordando os determinantes subjacentes da saúde, tais como fatores de estilo de vida, condições sociais e econômicas e o ambiente físico. A prevenção, no contexto dos cuidados de saúde, refere-se às atividades e medidas tomadas para evitar ou reduzir a ocorrência de doenças, lesões ou outros problemas relacionados com a saúde. Visa também identificar e mitigar os fatores de risco, prevenir a progressão das condições existentes e, em última análise, reduzir o peso das consequências de uma determinada doença ou incapacidade. 2. Qual é a importância dos vínculos afetivos no desenvolvimento infantil? Os laços emocionais desempenham um papel crucial no nosso desenvolvimento psicossocial ao longo da vida. Esses vínculos são formados principalmente por meio de relacionamentos com cuidadores durante a primeira infância, mas continuam a evoluir e a influenciar o bem-estar psicológico e social de um indivíduo no decorrer da vida. Esses laços podem proporcionar um apoio fundamental e transformador, facilitando o desenvolvimento positivo em vários aspectos: regulação emocional, desenvolvimento social, sensação de segurança, autoestima, resultados comportamentais e acadêmicos positivos, progresso terapêutico e bem-estar familiar. Resolução das atividades 123 3. As crianças com transtornos do neurodesenvolvimento têm o mesmo acesso a atividades de lazer e esportes de sua preferência quando comparadas às crianças neurotípicas? Explique. Crianças e jovens com transtornos do neurodesenvolvimento sofrem restrições em suas participações na comunidade em comparação com seus pares neurotipicamente desenvolvidos. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da participação nessas atividades, as crianças experimentariam melhorias em sua saúde e no seu bem-estar, o que promoveria o seu desenvolvimento, autoeficácia, bem como seu desempenho físico, emocional, habilidades cognitivas e sociais que os ajudariam ainda mais a serem incluídos nas redes sociais das suas comunidades e a construir amizades. No entanto, as crianças com transtornos do neurodesenvolvimento ainda enfrentam muitas barreiras de participação, uma vez que seu acesso, muitas vezes, é restrito a esses ambientes. Há uma necessidade notável de abordagens centradas na pessoa e baseadas na comunidade que foquem o seu planejamento de intervenção nas preferências das crianças e dos jovens e nas suas plenas participações em atividades de lazer, sejam elas esportivas ou recreativas. 5 O papel da escola e da família 1. Qual é o papel da família na garantia da aprendizagem das crianças com transtornos do neurodesenvolvimento? O papel da família no cuidado de crianças com transtornos do neurodesenvolvimento é crucial e multifacetado. Ela desempenha um papel central no fornecimento de apoio, amor e recursos para ajudar essas crianças a prosperarem. A família deverá prover apoio emocional; defender os diretos da criança em quaisquer circunstâncias; cooperar para a conscientização e educação popular à respeito dos transtornos do neurodesenvolvimento; oferecer tratamento e terapias adequadas às necessidades dela; oferecer um ambiente acolhedor e estruturado, no qual ela possa se desenvolver com segurança; prezar pela comunicação aberta; e oferecer apoios aos irmãos neurotípicos, para que não se sintam estigmatizados ou ignorados perante as demandas do irmão com transtorno do neurodesenvolvimento. 124 Transtornos do Neurodesenvolvimento 2. O que são os Planos Educacionais Individualizados (PEIs)? Quem é responsável por eles? Os PEIs são produzidos pela escola para os alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, como transtornos do neurodesenvolvimento, e são utilizados para descrever objetivos educacionais específicos, acomodações e serviços adaptados às necessidades únicas da criança. Esses planos ajudam a garantir que a criança receba apoio e instrução adequadas. 3. Quais são as contribuições da neurodiversidade no ambiente escolar? O estudo da neurodiversidade traz contribuições significativas para a nossa compreensão das diferenças neurológicas e de desenvolvimento e tem um impacto positivo em vários aspectos da sociedade, contribuindo, principalmente, para uma sociedade mais inclusiva, receptiva e equitativa, ao reconhecer e valorizar os pontos fortes e as perspectivas únicas dos indivíduos com condições neurodivergentes. Também traz mudanças positivas na educação, nas condições de emprego e nas atitudes sociais, promovendo, em última análise, o bem-estar e o potencial dos indivíduos neurodiversos. Resolução das atividades 125 Transtornos do N eurodesenvolvim ento C arina Alice de O liveira ISBN 978-65-5821-278-2 9 786558 212782 Código Logístico I000782 Página em branco Página em brancodo delicado tecido neural de traumas externos e na manutenção de seu funciona- mento adequado. No Quadro 2 vemos um resumo da função de cada uma das cama- das das meninges. Quadro 2 As meninges Dura-máter Aracnoide Pia-máter É a camada mais externa das meninges, e por ser mais resis- tente e fibrosa, forma uma barreira protetora entre o tecido neural e as estruturas ósseas. É a camada intermediária das meninges. É uma membrana fina e delicada, preenchida por uma rede de colágeno e fibras elásti- cas semelhante a uma teia. Ajuda a fornecer suporte e amortecimento ao tecido neural subjacente. É a camada mais interna das meninges, mais próxima do tecido neural do cérebro e da medula espinhal. É uma membrana fina e delicada que segue os contornos do SNC e cobre sua superfície, fornecendo suporte físico direto aos neurônios e vasos sanguíneos. Fonte: Elaborado pela autora. Neurodesenvolvimento 17 Quanto à proteção líquida, temos o líquido cefalorraquidiano (LCR), que envolve todo o SNC e atua como um fluido protetor e de amortecimento. O LCR é produzido por estruturas especializadas cha- madas de plexos coroides que ficam dentro dos ventrículos do cérebro, circula pelos ventrículos e flui ao redor do cérebro e da medula espi- nhal, proporcionando flutuabilidade e ajudando a absorver choques e impactos. Dessa maneira, o cérebro permanece flutuando dentro do crânio, o que faz com que fique mais protegido na ocorrência de trau- ma (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017). A barreira hematoencefálica é uma barreira altamente seletiva e semipermeável que separa o sangue circulante do cérebro e do tecido da medula espinhal. É uma membrana formada por junções apertadas entre as células dos vasos sanguíneos no SNC que res- tringem a passagem de substâncias da corrente sanguínea para o tecido neural como se fosse uma peneira ou um filtro, permitindo que apenas moléculas de tamanho reduzido consigam passar. Os neurônios que formam o encéfalo precisam de um ambiente ex- tremamente controlado a fim de não sofrerem lesões (OLIVEIRA, 2005), por isso essa barreira ajuda a manter um ambiente interno estável dentro do SNC e o protege de substâncias e patógenos po- tencialmente nocivos. Dessa maneira, todos esses mecanismos de proteção trabalham juntos para proteger o sistema nervoso central de lesões físicas, man- ter sua integridade estrutural e regular seu ambiente interno. Eles desempenham um papel crucial na preservação do funcionamento normal do cérebro e da medula espinhal e garantem a saúde geral do sistema nervoso. O vídeo Meninges – aspec- tos funcionais, localização e espaços oferece uma explicação mais detalhada sobre o funcionamento das meninges como estrutura protetiva do sistema nervoso. Disponível em: https:// youtu.be/AekLT_ Uuqmc?si=UpzaZeEYXmsNl4OG. Acesso em: 31 out. 2023. Vídeo 1.3 Neurônios e suas funções Vídeo Um neurônio é uma célula especializada e compõe a unidade fun- damental do sistema nervoso. Ele é responsável por transmitir sinais elétricos e químicos, permitindo a comunicação dentro do sistema ner- voso. Os neurônios são altamente especializados em suas funções e contam com propriedades estruturais e funcionais únicas. Vejamos na Figura 3 como se apresenta a estrutura de um neurônio. https://youtu.be/AekLT_Uuqmc?si=UpzaZeEYXmsNl4OG https://youtu.be/AekLT_Uuqmc?si=UpzaZeEYXmsNl4OG https://youtu.be/AekLT_Uuqmc?si=UpzaZeEYXmsNl4OG 18 Transtornos do Neurodesenvolvimento Figura 3 Estrutura do neurônio lo gi ka 60 0/ Sh ut te rs to ck Núcleo Dendritos Corpo celular Axônio Bainha de mielina Nó de Ranvier Terminais de axônio Sinapse Um neurônio típico consiste em três partes principais, o soma – também chamada de corpo celular –, os dendritos e o axônio. O corpo celular é a principal região do neurônio e onde se localiza o núcleo, que abriga o material genético e outras organelas celulares necessárias para as funções metabólicas e sintéticas do neurônio. Os dendritos são extensões semelhantes a ramificações que recebem sinais de ou- tros neurônios ou receptores sensoriais. Eles desempenham um papel crucial na coleta de informações recebidas e na transmissão para o cor- po celular. Quanto ao axônio, ele é uma extensão longa e delgada que trans- porta impulsos elétricos para longe do corpo celular e os transmite para outros neurônios, músculos ou glândulas. O axônio é coberto por uma bainha de mielina, um isolante gorduroso que acelera a condução de sinais elétricos. No final do axônio, existem pequenos ramos conhe- cidos como terminais axônicos ou terminais sinápticos, que formam co- nexões especializadas – chamadas de sinapses – com outros neurônios ou células-alvo (HALL; HALL, 2021). A bainha de mielina é outro componente vital do sistema ner- voso e desempenha um papel crucial na facilitação da transmissão Neurodesenvolvimento 19 eficiente de sinais elétricos ao longo dos neurônios. É uma cobertu- ra protetora, tal como uma camada isolante, que envolve e isola os axônios de muitos neurônios. Essa cobertura é composta por células especializadas chamadas de células gliais ou oligodendrócitos, quan- do estão no SNC, e de células de Schwann, quando presentes no SNP (HALL; HALL, 2021). A principal função da bainha de mielina é aumentar a velocidade e a eficiência da condução do impulso nervoso, isto é, atua como um isolante elétrico e impede a perda de sinal, permitindo que os impulsos elétricos se propaguem rapidamente ao longo do axônio. A bainha de mielina atinge esse objetivo formando uma estrutura segmentada ao longo do comprimento do axônio, com pequenos espaços denomina- dos nódulos de Ranvier entre os segmentos de mielina. Esses nódulos desempenham um papel crucial na condução saltatória dos impulsos nervosos (OLIVEIRA, 2005). A condução saltatória refere-se ao salto rápido do impulso elétrico de um nódulo de Ranvier para o seguinte. Esse modo de transmissão acelera significativamente a propagação do impulso nervoso, permitin- do que ele viaje de modo mais rápido e eficiente ao longo do axônio. Sem a bainha de mielina, os sinais nervosos viajariam muito mais deva- gar e de maneira mais difusa (OLIVEIRA, 2005). Figura 4 Impulso saltatório De si gn ua /S hu tte rs to ck Axônio com a bainha de mielina normal Impulso saltatório (~400 km/h) Fonte: Elaborada pela autora. Além disso, a bainha de mielina fornece suporte estrutural e pro- teção aos axônios, ajudando a manter sua integridade e estabilidade e evitando, assim, danos ou perda de sinais elétricos. Além disso, a bainha de mielina contribui para a aparência branca de regiões do cérebro e da medula espinhal – daí a origem do termo substância Quer conhecer um pouco mais sobre as células da glia, também chamadas neuroglias? O artigo Glia: dos velhos conceitos às novas funções de hoje e as que ain- da virão traz as descobertas mais atuais sobre essas importantes estruturas. Disponível em: https://www.scielo. br/j/ea/a/DZKjD5QGZFfP3bVJ6H- jGggL/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 31 out. 2023. Leitura https://www.scielo.br/j/ea/a/DZKjD5QGZFfP3bVJ6HjGggL/?format=pdf https://www.scielo.br/j/ea/a/DZKjD5QGZFfP3bVJ6HjGggL/?format=pdf https://www.scielo.br/j/ea/a/DZKjD5QGZFfP3bVJ6HjGggL/?format=pdf 20 Transtornos do Neurodesenvolvimento branca, que é mais notada nas regiões em que os axônios mielini- zados são densamente compactados. O processo de mielinização é um processo demorado, e as pesquisas da atualidade afirmam que ele só é finalizado em humanos por volta dos 25 a 30 anos de idade (PURVES et al., 2018). Distúrbios ou condições que afetam a bainha de mielina podem ter consequências neurológicas significativas, por exemplo, na es- clerose múltipla (EM), o sistema imunológico ataca por engano e danifica a bainha de mielina no SNC, levando a interrupções na transmissão do sinal nervoso. Essa falha de transmissão resulta em uma ampla gama de sintomas, incluindo disfunção motora, distúr- bios sensoriais edeficiências cognitivas. Em resumo, a bainha de mielina é uma estrutura especializada que desempenha um papel importantíssimo na transmissão rápida e efi- ciente dos sinais elétricos ao longo dos neurônios. Fornece isolamento, aumenta a velocidade de condução e contribui para a integridade es- trutural do sistema nervoso. Outra estrutura importante que encontramos nos neurônios são os nódulos de Ranvier, também conhecidos como lacunas de Ranvier, estruturas que compõem pequenas regiões não mielinizadas (sem a bainha de mielina) ao longo do comprimento dos axônios mielinizados. Eles receberam esse nome em homenagem ao histologista francês Louis-Antoine Ranvier, que os descreveu pela primeira vez no século XIX. Em cada nódulo de Ranvier o axônio está exposto e em contato direto com o líquido extracelular (PURVES et al., 2018) Os nódulos de Ranvier desempenham um papel essencial na con- dução dos impulsos nervosos ao longo dos axônios mielinizados, algo fundamental no processo de condução saltatória, em que, como vi- mos na Figura 4, o impulso nervoso “pula” de um nódulo de Ranvier para o outro, contornando as regiões isoladas do axônio cobertas pela bainha de mielina. Esse salto acelera significativamente o pro- cesso de condução em comparação com a condução contínua ao lon- go de axônios não mielinizados. Ao permitir a condução rápida, os nódulos de Ranvier são fundamentais para garantir o funcionamento eficaz do sistema nervoso. Neurodesenvolvimento 21 1.3.1 Principais funções Agora que já analisamos as estruturas funcionais mais importantes dos neurônios, vejamos quais são as principais funções que essas célu- las especializadas desempenham no sistema nervoso. São elas: Recepção e transmissão de sinais: os neurônios recebem sinais de outros neurônios ou receptores sensoriais por meio de seus dendritos. Esses sinais, que chegam na forma de impulsos elétricos – também chamados de potenciais de ação – são transmitidos ao longo do axônio para os terminais axônicos. Integração de informações: os neurônios integram e processam os sinais recebidos de várias fontes. No corpo celular, os sinais recebidos de diferentes dendritos são combinados e integrados para determinar se o neurônio deve ou não transmitir um sinal para outros neurônios. Esse processo de integração permite ao neurônio modular e regular o fluxo de informações dentro do sistema nervoso. Transmissão de sinais para células-alvo: quando um potencial de ação (impulso elétrico) atinge os terminais axônicos, ele desenca- deia a liberação de mensageiros químicos – chamados de neuro- transmissores – que atravessam a lacuna sináptica e se ligam a receptores nas células-alvo, como outros neurônios, músculos ou glândulas. Essa transmissão de sinais entre neurônios ou de neurô- nios para outras células permite a comunicação e coordenação de várias funções no corpo. Os neurônios desempenham um papel crítico na transmissão e processamento de informações, permitindo a comunicação e a coor- denação dentro do sistema nervoso. Eles formam redes e caminhos complexos que fundamentam o funcionamento de nossos sentidos, pensamentos, movimentos e processos fisiológicos gerais. Antigamente, acreditava-se que nascíamos com uma certa quanti- dade de neurônios e que, “morrendo” ao longo da vida, eles não eram substituídos por outros, o que aparentemente justificava a perda cog- nitiva com o avançar da idade cronológica. Porém, pesquisas atuais 22 Transtornos do Neurodesenvolvimento afirmam que o nosso cérebro funciona como se fosse um músculo do corpo: quanto mais você o utiliza, mais ele cresce e se desenvolve. Logo, quanto mais utilizamos nosso cérebro em atividades que o desafiam, como estudos, leituras, jogos e atividades físicas, mais ele se desenvol- ve. Novos neurônios nascem na região do hipocampo, e os neurônios antigos são capazes de ampliar os seus axônios, criando redes cada vez maiores e mais complexas (PURVES et al., 2018). Esse conceito é denominado de neuroplasticidade, que nada mais é do que a capacidade do cérebro de mudar e de se reorganizar ao longo da vida de um indivíduo em resposta a experiências, aprendizado e in- fluências ambientais. É a capacidade do cérebro de se adaptar, formar novas conexões neurais e modificar as existentes. Tradicionalmente, acreditava-se que a estrutura e a função do cé- rebro eram relativamente fixas e rígidas após uma certa idade. No entanto, pesquisas recentes demonstraram que o cérebro é altamen- te maleável e tem a capacidade de reorganizar suas vias neurais e se adaptar a novas circunstâncias. A neuroplasticidade permite que o cé- rebro modifique suas conexões, fortaleça ou enfraqueça sinapses e até gere novos neurônios (PURVES et al., 2018). Existem duas formas primárias de neuroplasticidade, a estrutural e a funcional: Plasticidade estrutural Capacidade do cérebro de reorganizar fisicamente sua estrutura. Plasticidade funcional Capacidade do cérebro de mudar funções de áreas que foram danificadas para áreas não danificadas. Ri bk ha n/ Sh ut te rs to ck A plasticidade estrutural refere-se à capacidade do cérebro de reor- ganizar fisicamente sua estrutura. Envolve mudanças no tamanho e na forma dos neurônios, a formação de novas conexões entre os neurônios (sinaptogênese) e a eliminação das conexões existentes (poda sináptica). A plasticidade estrutural é particularmente proeminente durante o de- senvolvimento inicial do cérebro nos primeiros anos de vida, mas conti- nua ao longo da vida em menor grau (PURVES et al., 2018). Neurodesenvolvimento 23 Já a plasticidade funcional corresponde à capacidade do cérebro de mudar funções de áreas que foram danificadas para áreas não dani- ficadas. Quando uma determinada região do cérebro é lesionada ou so- fre alterações, outras regiões podem assumir ou compensar as funções perdidas (PURVES et al., 2018). Por exemplo, após um acidente vascular cerebral (AVC), as áreas não afetadas do cérebro podem se reorganizar e assumir as funções anteriormente desempenhadas pela área danificada. A neuroplasticidade tem implicações muito significativas para o aprendizado, memória, aquisição de habilidades e recuperação de le- sões cerebrais ou distúrbios neurológicos. Ela permite a aquisição de novos conhecimentos e habilidades, bem como a capacidade de adap- tação a ambientes em mudança, além do potencial de reabilitação após danos cerebrais. É por meio da neuroplasticidade que o cérebro con- segue recuperar e readquirir funções após um trauma ou compensar déficits cognitivos. Fatores que influenciam a neuroplasticidade incluem enriquecimen- to ambiental, experiências ricas de aprendizagem, exercício físico e in- terações sociais. Escolhas positivas de estilo de vida e atividades que desafiem o cérebro podem promover e aumentar a neuroplasticidade do cérebro. Por outro lado, tudo aquilo que não utilizarmos em nosso cérebro pode fatalmente se perder, é o conceito de use it or lose it – que, em uma tradução livre, significa use ou perca. Por exemplo, se aprende- mos uma segunda língua, mas não fazemos uso dela regularmente, esse conhecimento vai se perdendo aos poucos, em função do enfra- quecimento das redes neurais que dão suporte a esse aprendizado ad- quirido que não é exercitado. 1.4 Etapas do neurodesenvolvimento infantil Vídeo Quando falamos em desenvolvimento humano, nos referimos ao estudo dos processos sistemáticos de mudança que ocorrem nas pessoas. Os pesquisadores do desenvolvimento humano afirmam que nos transformamos desde a nossa concepção até a maturidade, em um processo que se desenvolve ao longo de toda a vida conhecido como desenvolvimento do ciclo de vida. De acordo com as pesquisadoras Diane Papalia e Ruth Feldman (2013, p. 37): 24 Transtornos do Neurodesenvolvimento Quase desde o começo, o estudo do desenvolvimento humano tem sido interdisciplinar. Alimenta-se de um amplo espectro de disciplinas que incluem psicologia, psiquiatria, sociologia, antro-pologia, biologia, genética, ciência da família (estudo interdiscipli- nar sobre as relações familiares, educação, história e medicina). Ainda segundo as referidas autoras, os ciclos da vida referem-se aos diferentes estágios ou períodos pelos quais os indivíduos passam à medida que progridem desde o nascimento até a velhice. Do ponto de vista do neurodesenvolvimento, o desenvolvimento infantil também pode ser dividido em várias fases, cada uma caracterizada por mudan- ças significativas na estrutura e nas funções cerebrais. O período pré-natal abrange desde a concepção até o nascimento. Papalia e Feldman (2013) caracterizam o desenvolvimento pré-natal in- cluindo os estágios germinativo, embrionário e fetal, destacando-se o rá- pido crescimento e diferenciação de órgãos e sistemas durante essa fase: Hs tro ng AR T/ Sh ut te rs to ck Inicia-se na concepção e dura aproximadamente duas semanas. Durante esse período, o óvulo fertilizado sofre divisão celular e forma um blastocisto, que even- tualmente se implanta na parede uterina. Inicia-se por volta das semanas três a oito da gravidez. É caracterizado pelo rápido desenvolvimento dos princi- pais órgãos, tecidos e sistemas do corpo. O tubo neural se forma, dando origem ao cérebro e à medula espinhal. Inicia-se na semana 9 de gestação até o nascimento. O feto experimenta crescimento e desenvolvimento cere- bral significativo, refinamento das conexões neurais e formação de estruturas mais especializadas. Estágio germinal Estágio embrionário Estágio fetal Em seguida, o ciclo da primeira infância refere-se ao período desde o nascimento até aproximadamente os 3 anos de idade. Esse período é caracterizado pelo crescimento físico, desenvolvimento motor, aumen- to das capacidades sensoriais e o desenvolvimento inicial de apego e das interações sociais. Durante essa fase, que abrange os primeiros anos de vida, há um crescimento cerebral significativo e a poda sináp- tica, além de surgirem as habilidades motoras, o desenvolvimento da linguagem e as habilidades cognitivas. Experiências sensoriais e moto- O vídeo O neurodesenvolvi- mento infantil mostra como os estímulos dos pais têm influência no neurodesen- volvimento do bebê. Disponível: https://youtu.be/4ywP- KOo9W9g?si=0ESC0no5VHTFRfs9. Acesso em: 31 out. 2023. Vídeo https://www.youtube.com/watch?si=0ESC0no5VHTFRfs9.&v=4ywPKOo9W9g&feature=youtu.be https://www.youtube.com/watch?si=0ESC0no5VHTFRfs9.&v=4ywPKOo9W9g&feature=youtu.be Ol lyy /S hu tte rs to ck Ol lyy /S hu tte rs to ck ras desempenham um papel crucial na formação de conexões neurais (PAPALIA; FELDMAN, 2013). A segunda infância abrange o período de cerca de 3 aos 6 anos de idade. Durante essa fase, apreciamos o desenvolvimento de habi- lidades de linguagem, habilidades cognitivas e pensamento simbólico. As crianças já são capazes de explorar o surgimento do autoconceito, identidade de gênero e interações sociais com os pares. A imaturidade cognitiva é responsável por algumas ideias ilógicas, porém a inteligên- cia se torna mais previsível (PAPALIA; FELDMAN, 2013). O ciclo da terceira infância compreende o período dos 6 aos 11 anos de idade. Nessa fase podemos identificar o desenvolvimento con- tínuo de habilidades cognitivas, incluindo memória, resolução de pro- blemas e pensamento lógico, embora concretamente. É o período em que o cérebro continua a amadurecer e há um maior refinamento das habilidades motoras, de memória e linguagem. Há uma crescente im- portância nas relações sociais, amizades e o desenvolvimento do senso de diligência e competência (PAPALIA; FELDMAN, 2013). A adolescência é o ciclo que vai aproximadamente dos 11 aos 20 anos de idade, caracterizado por mudanças físicas, cognitivas e socioe- mocionais. Nesse período apresenta-se a formação da identidade, as relações entre pares, o desenvolvimento do pensamento abstrato e os desafios e oportunidades da adolescência (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Do ponto de vista do neurodesenvolvimento, a fase é caracterizada pelo início de mudanças hormonais significativas e pela maturação do córtex pré-frontal, que desempenha um papel fundamental nas fun- ções executivas, na tomada de decisões e no controle dos impulsos. O desenvolvimento do cérebro continua, particularmente em áreas asso- ciadas ao julgamento, raciocínio e regulação emocional. Os adolescen- tes ganham mais independência, refinam suas habilidades cognitivas e se preparam para a vida adulta. É importante observar que essas fases são aproximadas e podem ocorrer variações individuais no desenvolvimento. Além disso, o neu- rodesenvolvimento é influenciado por fatores genéticos, experiên- cias ambientais, nutrição e vários outros fatores, todos os quais contribuem para a trajetória única de cres- cimento e desenvolvimento de uma criança. O livro de Diane Papalia e Ruth Feldman, Desen- volvimento humano, é considerado referência no desenvolvimento humano e traz uma base teórica sólida sobre o desenvolvi- mento infantil. Uma leitura imperdível para quem deseja aprofundar-se neste tema. PAPALIA, D.; FELDMAN, R. D. Porto Alegre: Artmed, 2013. Livro NeurodesenvolvimentoNeurodesenvolvimento 2525 26 Transtornos do Neurodesenvolvimento CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo, aprendemos que o sistema nervoso é uma rede com- plexa de células e estruturas que desempenham um papel vital na coor- denação e regulação das funções corporais. É por meio dele que se dá a comunicação entre diferentes partes do corpo e o processamento e a interpretação da informação sensorial, por isso o sistema nervoso é essencial para a cognição, movimento, percepção sensorial e homeostase fisiológica geral. É por meio dele que interagimos com o mundo e o inter- pretamos, desenvolvendo nossas habilidades cognitivas e sociais. Além disso, é com esse sistema que construímos o nosso psiquismo e estabele- cemos o nosso lugar no mundo e na sociedade em que vivemos. Para desempenhar essas funções, o sistema nervoso é protegido por vários mecanismos de garantia de sua integridade e bom funcionamento. Essas medidas de proteção incluem o crânio e a coluna vertebral, que protegem o cérebro e a medula espinhal, respectivamente. Além disso, o SNC é cercado por membranas protetoras chamadas meninges e é ain- da amortecido pelo líquido cefalorraquidiano. Essas proteções ajudam a proteger o delicado tecido neural de lesões ou danos. Ao longo do ca- pítulo, também aprendemos sobre a importância dos neurônios como blocos de construção fundamentais do sistema nervoso. Os neurônios desempenham um papel crucial no processamento de informações, per- cepção sensorial, controle motor e funções cognitivas; são responsáveis por transmitir e integrar sinais, permitindo pensamentos, emoções e com- portamentos complexos. Quando analisamos o desenvolvimento infantil do ponto de vista da neurociência, observamos que o neurodesenvolvimento se refere às mu- danças progressivas que ocorrem no sistema nervoso durante a infância e a adolescência. O neurodesenvolvimento envolve o crescimento, ama- durecimento e refinamento das conexões neurais que moldam o desen- volvimento cognitivo, motor e socioemocional. Compreender os estágios do neurodesenvolvimento infantil é essencial para identificar possíveis atrasos, fornecer intervenções apropriadas e promover crescimento e bem-estar ideais. Nesse contexto, observamos que a questão biopsicossocial permeia o neurodesenvolvimento infantil em toda a sua extensão. O ambiente que envolve a criança tem um impacto relevante no neurodesenvolvimento saudável, bem como as interações sociais e a qualidade do vínculo de afetividade que os adultos estabelecem com ela. Neurodesenvolvimento 27 Sendo assim, o sistema nervoso é vital para coordenar as funções cor- porais e permitir a comunicação entre as diferentes partes do corpo. As divisões do sistema nervoso, as proteções do sistema nervoso central e as funções dos neurônios contribuem para o seu funcionamentoadequado. Além disso, compreender os estágios do neurodesenvolvimento infantil ajuda a identificar e apoiar o crescimento e o desenvolvimento saudável das crianças. ATIVIDADES Atividade 1 Descreva as funções que compõem o sistema nervoso. Atividade 2 Comente sobre as principais funções dos neurônios. Atividade 3 Na idade adulta, o cérebro tem uma estrutura rígida, pois seu desenvolvimento já se completou na infância. Essa afirmação é verdadeira? Comente. REFERÊNCIAS BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. Neurociências: desvendando o sistema nervoso. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. HALL, J. E.; HALL, M. E. Guyton & Hall – Tratado de Fisiologia Médica. 14. ed. Rio de Janeiro: Gen/Guanabara Koogan, 2021. OLIVEIRA, M. A. D. Neuropsicologia básica. Canoas: Ulbra, 2005. PAPALIA, D. E.; FELDMAN, R. D. Desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2013. PURVES, D. et al. (ed.). Neuroscience. 6. ed. Nova York: Oxford University Press, 2018. 28 Transtornos do Neurodesenvolvimento 2 Transtornos do neurodesenvolvimento Neste capítulo, iremos conhecer os transtornos do neurodesenvolvi- mento e como eles reverberam em todo o desenvolvimento psicossocial da criança e do adolescente, perpassando as expectativas dos pais e pro- fessores. É importante mantermos um olhar atento e gentil, compreenden- do que para além de um diagnóstico, seja ele qual for, há um ser humano único que vivencia tal diagnóstico de modo único e singular. Aprenderemos a identificar os transtornos do neurodesenvolvimento mais comuns e a compreender suas consequências para o desenvolvi- mento infantil. Também refletiremos sobre o conceito da atualidade cha- mado de nature versus nurture, que utiliza termos da língua inglesa para abordar uma ciência que estuda até que ponto nosso comportamento tem suas bases na natureza (nature), ou seja, nos nossos genes, e até que ponto esse mesmo comportamento pode ser modificado pelo conceito de criação (nurture), ou seja, aquilo que nos é ensinado em nosso ambien- te durante nosso desenvolvimento. Conheceremos a perspectiva da epigenética na compreensão do desen- volvimento humano e como se dá o funcionamento cerebral no que tange o processamento de informações. Ao final deste capítulo, refletiremos sobre as contribuições da neurociência cognitiva para a compreensão dos trans- tornos do neurodesenvolvimento e como esses estudos podem auxiliar na melhoria da qualidade de vida daqueles que são afetados por eles. Com o estudo deste capítulo, você será capaz de: • identificar os transtornos do neurodesenvolvimento mais comuns e compreender suas consequências para o desenvolvimento infantil; • refletir sobre o conceito de nature ou nurture e as pesquisas que o embasam na atualidade; • conhecer a perspectiva da epigenética na compreensão do desen- volvimento humano; (Continua) Objetivos de aprendizagem Transtornos do neurodesenvolvimento 29 • entender como se processa o funcionamento cerebral; • validar as contribuições da neurociência cognitiva para a com- preensão dos transtornos do neurodesenvolvimento. 2.1 Principais transtornos do neurodesenvolvimento Vídeo Para iniciarmos nossa discussão sobre os transtornos do neurode- senvolvimento, é preciso antes fazermos uma viagem ao passado. Ao longo da história, as pessoas com deficiências ou transtornos de neu- rodesenvolvimento foram chamadas de diversos nomes pejorativos, que não são mais utilizados na atualidade – como deficientes mentais, mente fraca, idiotas, tolos etc. Esses nomes têm base em um modelo de defectologia, que afirmava que as pessoas com deficiências e/ou limitações em suas áreas intelectuais, socioculturais ou comportamen- tais ficavam para trás em comparação com as pessoas chamadas neu- rotípicas durante o período de desenvolvimento. Logo, indivíduos com qualquer tipo de transtorno ou déficit eram classificados apenas com base em suas fragilidades (MCNABB, 2020). As pessoas com transtornos do neurodesenvolvimento foram discri- minadas e viveram sob opressão durante todo o período antigo. Na Gré- cia Antiga, por exemplo, os bebês nascidos com deficiência eram jogados de topos de montanhas ou abandonados ao relento, não tendo qualquer chance de sobrevivência. O nascimento de uma criança com deficiência era considerado uma maldição, um castigo dos deuses para os pais, e, segundo as literaturas, as mulheres eram proibidas de engravidarem se houvesse alguma possibilidade de terem um filho com algum tipo de de- ficiência. Aristóteles recomendou o infanticídio e Platão sugeriu que mu- lheres com mais de quarenta anos deveriam praticar o aborto. Na antiga região de Esparta, havia uma responsabilidade legal de abandonar crian- ças deformadas e doentes (GROFF, 1973). Durante a Idade Média, as pessoas com transtornos do neurode- senvolvimento eram cuidadas, principalmente, por seus familiares ou pela sociedade na Europa até o período de industrialização, ini- ciado no século XVIII. 30 Transtornos do Neurodesenvolvimento Tavrius/Shutterstock Na Era Moderna, com as mudanças sociais, surgiram novos desafios para as pessoas com deficiência, principalmente com o surgimento do conceito de instituições para pessoas com deficiências intelectuais e fí- sicas, que se tornaram muito populares e se desenvolveram em vários lugares durante esse período. Embora inicialmente o conceito fosse dar apoio às pessoas com deficiência, essas instituições ficaram super- lotadas e se transformaram em um palco para várias formas de abuso, especialmente as instituições financiadas com recursos públicos. Havia também outra ideia, conhecida como eugenia, que surgiu de uma interpretação deturpada da teoria de Charles Darwin sobre a evolução e sobrevivência do mais apto. Introduzida pela primeira vez pelo primo de Darwin, Sir Arthur Galton, em 1880, os defensores da eugenia acreditavam que era possível melhorar a qualidade genética da população humana por meio da reprodução seletiva, ou seja, pelo encorajamento da reprodução de indivíduos com características ditas desejáveis e o desencorajamento – ou simplesmente im- pedimento – da reprodução daqueles com características consi- deradas indesejáveis por eles (BROWN; RADFORD, 2015). O conceito de eugenia se dividia em dois: a eugenia positi- va envolvia encorajar indivíduos com características consideradas desejáveis – como inteligência, força física e boa saúde – a terem mais filhos, algo que poderia ser alcançado pela promoção do casamento e da reprodução entre tais indivíduos; a eugenia negativa, por outro lado, focava em prevenir que indivíduos com características conside- radas indesejáveis – como doenças, deficiências ou comportamento criminoso – tivessem filhos. Para Galton, isso poderia envolver a imple- mentação de políticas como esterilização, segregação ou até mesmo eutanásia (BROWN; RADFORD, 2015). Numerosos métodos evoluíram para desencorajar esses indiví- duos de grupos segregados a criarem suas famílias, um conceito que foi amplamente aceito nos países industrializados, que promoviam essas práticas ao separarem homens e mulheres internados em asi- los. Programas de esterilização foram estabelecidos para pessoas com deficiência, em que métodos perversos de esterilização forçada foram realizados (BROWN; RADFORD, 2015). Apesar de ter sido amplamente utilizada em vários países – levando a abusos de direitos humanos, dis- Transtornos do neurodesenvolvimento 31 criminação e violação da autonomia individual –, a teoria de eugenia de Galton foi completamente desacreditada e rechaçada pela comunidade científica devido a sua natureza antiética e a falta de validade científica. Avançando pela Era Contemporânea, desde meados do século XIX, algumas das instituições focadas em acolherem indivíduos com defi- ciências começaram a fechar. Com o avanço do conhecimento sobre de- ficiências intelectuais e físicas, a percepção das pessoas com relação às deficiências começou a mudar. Como resultado, programas para treinaresses indivíduos, para torná-los parte da sociedade – não mais segre- gando-os –, lentamente se desenvolveram. As pessoas com deficiência e suas famílias tornaram-se mais conscientes de seus direitos, o que tam- bém contribuiu para essas mudanças. A partir desse período, pessoas com deficiência foram autorizadas a fazerem parte do sistema escolar e receberem educação e treinamento especial (BROWN; RADFORD, 2015). Grécia Antiga O nascimento de uma criança com deficiência era considerado uma maldição, um castigo dos deuses para os pais. Idade Média Pessoas com transtornos do neurodesenvolvimento eram cuidadas principal- mente por seus familiares ou pela sociedade. Era Moderna O conceito de instituições para pessoas com deficiências intelectuais e físicas tor- nou-se popular. Também surgiu a ideia de eugenia, que encorajava a reprodução de indivíduos com características ditas desejáveis e buscava prevenir a repro- dução daqueles com características indesejáveis, como doenças, deficiências ou comportamento criminoso. Era Contemporânea Começaram a ser desenvolvidos programas para treinar pessoas com deficiência. Além disso, pessoas com deficiência foram autorizadas a fazerem parte do siste- ma escolar e receberem educação e treinamento especial. 32 Transtornos do Neurodesenvolvimento Voltando da nossa viagem ao passado para os dias atuais, podemos dizer que os distúrbios do neurodesenvolvimento são um grupo de con- dições que afeta o desenvolvimento e o funcionamento do sistema ner- voso, principalmente do cérebro. Esses distúrbios geralmente surgem durante a primeira infância e são caracterizados por deficiências em vá- rios aspectos do desenvolvimento neurológico, incluindo cognição, com- portamento, interação social, comunicação e habilidades motoras. Acredita-se que os distúrbios do neurodesenvolvimento resultem de uma combinação de fatores genéticos e ambientais que perturbam o crescimento e a organização típicos do cérebro. As causas específicas desses distúrbios costumam ser complexas, multifatoriais e não totalmente compreendidas, mas as pesquisas da atualidade sugerem que tanto as predisposições gené- ticas quanto as influências ambientais desempenham um importante papel. As classificações dos transtornos do neurodesenvolvimento foram feitas com base em suas apresentações clínicas, e há muitas sugestões para mudanças nessas classificações. Existe uma sobreposição signi- ficativa de sintomas entre os vários transtornos do neurodesenvolvi- mento e eles compartilham características comuns, como o TEA e o TDAH. Portanto, usar o termo geral transtornos do neurodesenvolvimen- to ajuda a reconhecer as semelhanças e a sobreposição de sintomas entre esses distúrbios (GAUDET; GALLAGHER, 2020). Embora exista uma ampla classificação dos transtornos do neuro- desenvolvimento, de acordo com Artigas-Pallarés, Guitart e Gabau-Vila (2013), eles podem ser divididos em três grandes grupos: transtornos sem causa específica; transtornos que residem em um gene específico; transtornos que residem em uma causa ambiental conhecida. An dr ew K ra so vit ck ii/ Sh ut te rs to ck Transtornos do neurodesenvolvimento 33 Os transtornos do neurodesenvolvimento que não têm uma causa específica – isto é, não têm base genética – compreendem todos os transtornos encontrados na quinta edição do Manual diag- nóstico e estatístico de transtornos mentais sob a denominação de distúrbios do neurodesenvolvimento, e são (APA, 2014): Deficiência Intelectual (DI), transtornos da comunicação, transtorno do espec- tro autista (TEA), transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), transtornos específicos de aprendizagem, transtornos mo- tores e transtornos de tique. No segundo grupo, encontramos os transtornos do neurodesenvol- vimento que residem em um gene específico e que estão ligados a alterações estruturais, como a síndrome de Down, a síndrome de Rett, a síndrome de Williams, entre outras. Quanto ao terceiro grupo, nele estão os transtornos do neurodesenvolvimento que residem em uma causa ambiental conhecida, como a síndrome alcoólica fetal, altera- ções embrionárias por ácido valproico etc. Os sintomas e a gravidade dos distúrbios do neurodesenvolvi- mento podem variar amplamente, com algumas crianças tendo de- ficiências leves, que afetam apenas ligeiramente suas vidas diárias, enquanto outras podem enfrentar desafios significativos, que re- querem apoio e intervenções contínuas. A identificação precoce e o diagnóstico de distúrbios do neurodesenvolvimento são cruciais para intervenção e suporte oportunos, pois com intervenções apro- priadas, como terapia comportamental, apoio educacional e, por ve- zes, medicamentos, os indivíduos com essas especificidades podem levar uma vida plena e produtiva, alcançando todo o seu potencial dentro de suas capacidades individuais. É importante observarmos que a identificação ou não de distúrbios do neu- rodesenvolvimento não é indicativo da inteligência ou do potencial de uma pessoa, pois cada indivíduo tem pontos fortes e desafios únicos e, com o apoio e a compreensão adequados, eles podem prosperar e contribuir para a sociedade de modo significativo. Partindo dessa conceituação, no Quadro 1 vemos os transtornos do neurodesenvolvimento mais comuns em crianças e suas respec- tivas características. O livro de Emanoele Freitas, Transtornos do neurodesenvolvimento: co- nhecimento, planejamento e inclusão real, traz uma abordagem humanizada da real condição da pes- soa com transtornos do neurodesenvolvimento e como este diagnóstico se manifesta no processo de aprendizagem. A obra tem uma linguagem acessível aos profis- sionais da educação e contempla os processos de adaptação em todas as etapas de ensino. FREITAS, E. Rio de Janeiro: WAK, 2019. Livro Aquarius Studio/Shutterstock Aquarius Studio/Shutterstock Quadro 1 Principais transtornos e suas características Transtorno Descrição Transtorno do espectro autista (TEA) O TEA é um transtorno do desenvolvimento caracteriza- do por dificuldades na interação social e comunicação, além de comportamentos restritos e repetitivos. Transtorno do déficit de atenção/hiperativi- dade (TDAH) O TDAH é uma condição que afeta a capacidade da criança de prestar atenção, controlar comportamentos impulsivos e pode incluir hiperatividade. Deficiência intelectual (DI) A DI refere-se a limitações significativas no funciona- mento intelectual e no comportamento adaptativo. Ge- ralmente se manifesta antes dos 18 anos. Transtornos específicos de aprendizagem Esses transtornos afetam a aquisição e o uso de habi- lidades acadêmicas específicas, como leitura, escrita ou matemática. A dislexia, por exemplo, é um distúrbio es- pecífico de aprendizagem que afeta as habilidades de leitura. Distúrbios da comuni- cação Esses distúrbios envolvem dificuldades na fala, lingua- gem e comunicação, e incluem condições como distúr- bio do som da fala, distúrbio da linguagem e gagueira. Transtorno do desen- volvimento da coorde- nação (TDC)/Transtor- nos motores Também conhecido como dispraxia, o TDC afeta a coor- denação motora da criança e pode levar a dificuldades com habilidades motoras finas e grossas. Transtornos de tique/ síndrome de Tourette A Síndrome de Tourette é um distúrbio neurológico caracterizado pelos chamados tiques, que podem ser movimentos repetitivos e involuntários e vocalizações. Fonte: Elaborado pela autora. É importante observarmos que a prevalência e a categorização específica dos transtornos do neu- rodesenvolvimento podem variar entre estudos e critérios diagnósticos. Além disso, existem ou- tros distúrbios do neurodesenvolvimento que são menos comuns. O diagnóstico e o tratamen- to devem ser conduzidos por profissionais de saúde qualificados, com base em uma avalia- ção minuciosa dos sintomas e das necessida- des da criança. Também devem ser avaliados os impactos psicossociais do transtorno na vida da criança para que ela possareceber o tratamento adequado, que leve em conside- ração o ser integral e não apenas o diagnós- tico ou suas limitações. 3434 Transtornos do NeurodesenvolvimentoTranstornos do Neurodesenvolvimento Transtornos do neurodesenvolvimento 35 2.2 Nature ou nurture? Vídeo O conceito científico de nature (natureza) versus nurture (criação) é um debate de longa data que busca entender quanto dos traços e características de um indivíduo são influenciados por sua genética (natureza) e o quanto deles é influenciado pelo ambiente e suas expe- riências (criação). O debate gira em torno das contribuições relativas dos fatores genéticos e ambientais na formação de várias característi- cas do desenvolvimento humano, como comportamento, personalida- de, inteligência e saúde. O lado da natureza do debate argumenta que nossa composição genética desempenha um papel significativo na determinação de quem somos. Isso sugere que traços e características são amplamente prede- terminados por nossos genes herdados, que foram transmitidos pelos nossos pais biológicos. De acordo com essa perspectiva, nosso código ge- nético fornece o modelo para nossos atributos físicos e psicológicos. Por outra perspectiva, o lado da criação do debate enfatiza a impor- tância das influências ambientais. Essa perspectiva afirma que fatores ex- ternos, como educação, interações sociais, contexto cultural, educação e experiências, têm um impacto substancial na formação e no desenvolvi- mento de um indivíduo. Os defensores desse ponto de vista acreditam que os indivíduos são moldados pelo ambiente e que seu comportamento e características são aprendidos por meio da interação com esse ambiente. Lado da natureza (nature) Argumenta que o nosso código genético fornece o modelo para nossos atributos físicos e psicológicos. Lado da criação (nurture) Afirma que o ambiente, ou seja, os fatores externos, tem um impacto substancial na formação e no desenvolvimento de um indivíduo. No entanto, na atualidade, é amplamente aceito entre os cientistas que o debate da natureza versus criação não é uma dicotomia, mas sim An dr ew K ra so vit ck ii/ Sh ut te rs to ck 36 Transtornos do Neurodesenvolvimento uma interação complexa entre fatores genéticos e ambientais. Na reali- dade, a maioria dos traços e características é influenciada por uma com- binação de natureza e criação. De acordo com Dr. Raymond St. Leger, em seu curso Genes and the human condition – from behavior to biotechnology (traduzido do inglês, Os genes e a condição humana – do comportamento à biotecnologia), quando comparamos os conceitos de natureza – herança genética que recebemos de nossos pais biológicos – versus criação – am- biente onde crescemos e nos desenvolvemos –, cada qual fica com 50% daquilo que nos tornamos ao longo da nossa história de vida. Pesquisas modernas em áreas como genética comportamental, biolo- gia molecular e epigenética revelaram que os genes fornecem a base para nosso potencial, mas eles interagem com o ambiente para moldar a ex- pressão desses genes. Fatores ambientais podem influenciar a expressão gênica por meio de vários mecanismos, incluindo modificações epigenéti- cas que podem ativar ou desativar os genes. Mas o que isso, de fato, sig- nifica? Isso significa que a nossa genética pode ser representada por uma parede cheia de interruptores: cada interruptor representa um gene do nosso organismo, e a interação com o ambiente durante o nosso processo de desenvolvimento é capaz de ligar ou desligar cada um desses interrup- tores. Assim sendo, o ambiente onde nos movemos é capaz de ativar ou desativar os nossos genes, incluindo os genes que nos causam doenças. Compreendermos a interação entre natureza e criação é importan- te para estudarmos o desenvolvimento e o comportamento humano. Esse conceito amplia a nossa compreensão a respeito das interações complexas e dinâmicas entre nossos genes e os ambientes que habita- mos, enfatizando que ambos os fatores contribuem para moldar quem somos como indivíduos. 2.3 Perspectiva epigenética do desenvolvimento humano Vídeo A epigenética refere-se ao estudo das mudanças na expressão gêni- ca ou no fenótipo celular que ocorrem sem alterações na sequência de DNA subjacente, envolvendo modificações no DNA e suas proteínas as- sociadas, que podem influenciar a atividade do gene, ativando-os ou de- sativando-os. Essas modificações atuam como um mecanismo regulador, determinando quais genes são expressos e quando (PURVES et al., 2018). O vídeo Nosso comporta- mento vem dos genes ou da criação? O caso dos trigêmeos separados traz uma boa reflexão sobre a influência genética e do ambiente no desenvol- vimento humano. Para ilustrar os conceitos de nature versus nurture, o professor apresenta um caso de irmãos trigêmeos que foram adotados e criados separadamente, buscando identificar em cada um dos irmãos os traços que eram oriundos da natureza (genéticos) e da criação (ambiente). Disponível em: https://youtu. be/L1ad1NO7f_g?si=Bo5- mwmuwyk2In_J. Acesso em: 10 out. 2023. Vídeo https://youtu.be/L1ad1NO7f_g?si=Bo5-mwmuwyk2In_J https://youtu.be/L1ad1NO7f_g?si=Bo5-mwmuwyk2In_J https://youtu.be/L1ad1NO7f_g?si=Bo5-mwmuwyk2In_J An us or n Na kd ee /S hu tte rs to ck O termo epigenética é derivado da palavra grega epi, que significa acima ou em cima de, indicando que as modificações epigenéticas ocor- rem acima ou além da própria sequência de DNA. Essas modificações podem ser hereditárias, o que significa que podem ser transmitidas de uma geração para outra, potencialmente levando a efeitos duradouros na expressão gênica e na função celular (PURVES et al., 2018). As modificações epigenéticas podem ocorrer por meio de vários mecanismos, mas existem dois que são os mais bem estudados. O pri- meiro é a metilação do DNA, que envolve a adição de um grupo metil à molécula de DNA. Essa modificação geralmente ocorre em regiões específicas, chamadas ilhas CpG, que são trechos de DNA em que um nucleotídeo citosina (C) é seguido por um nucleotídeo guanina (G). A me- tilação do DNA pode bloquear a expressão do gene, inibindo a ligação dos fatores de transcrição ao DNA, silenciando efetivamente a atividade do gene (PURVES et al., 2018). O segundo método são as modificações de histonas, em que as histonas – proteínas em torno das quais o DNA é enrolado – formam uma estrutura chamada de cromatina. Diferentes modificações químicas, como acetilação, metilação, fosforilação e ubi- quitinação, podem ocorrer nas histonas, alterando a acessibilidade do DNA à maquinaria transcricional. Por exemplo, a acetilação de histonas está associada à ativação de genes, enquanto a metilação pode estar ligada ao silenciamento de genes (PURVES et al., 2018). As modificações epigenéticas são dinâmicas e podem ser influencia- das por uma variedade de fatores, incluindo exposições ambientais, escolhas de estilo de vida, envelhecimento e processos de de- senvolvimento. Elas podem ser reversíveis, o que significa que podem ser alteradas ao longo da vida de um indivíduo, per- mitindo a adaptação e resposta a ambientes em mudança. Essas modificações têm sido aplicadas em vários processos biológicos, incluindo desenvolvimento, diferenciação celular, enve- lhecimento e doenças. Elas desempenham um papel crítico na orquestração de padrões de expressão gênica, garantin- do a ativação e o silenciamento apropriados de genes em diferentes tipos de células e tecidos. O estudo da epigenética fornece informações so- bre como o ambiente pode interagir com nosso ma- terial genético e influenciar os padrões de expressão Transtornos do neurodesenvolvimentoTranstornos do neurodesenvolvimento 3737 38 Transtornos do Neurodesenvolvimento gênica, moldando o desenvolvimento humano, a saúde e a suscetibili- dade a doenças. Esses estudos também oferecem caminhos potenciais para entender e potencialmente modificar a expressão gênica, melho- rando os resultados de saúde (NAUMOVA; TAKETO-HOSOTANI,