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TESTE DE DEONTOLOGIA PROFISSIONAL 1.º Curso Estágio 2007 (Repetição) I. Considere a seguinte hipótese: Filipa, Advogada Estagiária da 2ª fase do Estágio, encontrando-se perto do final do seu estágio, resolveu aceitar um convite de uma empresa de cobrança de créditos de terceiros, com sede em Espanha mas com actividade em Portugal, para com ela colaborar através do patrocínio dos processos de cobrança dos seus clientes. Esta empresa era desenvolvida pela sociedade FMJL – Serviços de Abogacia SL constituída por dois advogados, um economista, dois solicitadores e um técnico de contas. Filipa celebrou com esta sociedade contrato de trabalho. Paralelamente, Filipa resolveu expedir uma carta-circular a diversas entidades públicas e privadas oferecendo os sues serviços profissionais como futura Advogada, enviando o seu “curriculum vitae”, no qual incluiu, entre outros elementos, a sua fotografia, uma relação com identificação concreta dos clientes aos quais já prestara serviços enquanto advogada estagiária, e a invocação da sua qualidade de especialista em direito do ambiente, justificando em exclusivo essa especialidade na frequência de uma pós-graduação nessa área. Sucedeu então que Filipa recebeu instruções da FMJL para instaurar uma acção ordinária de condenação para cobrança de um crédito de € 25.000,00 de que era titular Luís Carlos, cliente dessa entidade, contra Manuel Matias, que havia sido ex-cliente de João Paulo, patrono de Filipa, numa acção já finda de divórcio por mútuo consentimento em que esta também interviera e onde Manuel Matias havia assumido essa dívida através de documento particular que redigira e assinara no âmbito da partilha extrajudicial que fizera com sua ex-mulher. Filipa ainda hesitou em aceitar esse patrocínio, mas como a FMJL, sua entidade patronal, lhe reiterasse as instruções dadas, Filipa, com receio das consequências da desobediência, aceitou propor a acção, que Manuel Matias viria a contestar, negando a existência da dívida. Atingida a fase de julgamento, como Filipa não dispusesse de outro meio de prova, resolveu requerer a junção aos autos de uma cópia do documento de confissão de dívida que havia ficado no seu arquivo, facultada por Manuel Matias. Manuel Matias, ao ser confrontado com a aceitação por Filipa do patrocínio de Luís Carlos, e da junção do documento que confiara ao seu advogado João Paulo, sentiu-se ofendido e participou criminalmente contra este e contra Filipa. II. Responda às seguintes questões, justificando as respostas com recurso aos textos legais e regulamentares aplicáve is: A – Que comentários lhe suscita o facto de Filipa ter aceite o convite para trabalhar como Advogada Estagiária na FMJL – Serviços de Abogacia SL? (3 valores) B – Esta sociedade poderia ser registada em Portugal e aqui praticar actos próprios de Advocacia? (2 valores) C – Independentemente do que entender em relação aos pontos A e B, poderia Filipa ter celebrado contrato de trabalho para exercer a advocacia? (1 valor) D – Aprecie criticamente apontando o que porventura se lhe afigurar ilícito, a iniciativa de Filipa quanto à expedição da carta circular e o conteúdo do seu “curriculum vitae”. (3 valores) E – Havia razões deontológicas que justificassem a hesitação de Filipa em aceitar o patrocínio de Manuel Matias? Terá feito a melhor opção? Justifique a resposta. (3 valores) F – Justificava-se, no seu entender, o receio de Filipa em contrariar as instruções da sua entidade patronal? Se estivesse no papel de Filipa como actuaria nas mesmas circunstâncias? (3 valores) G – Comente a acção de Filipa como advogada de Luís Carlos no domínio da produção da prova na acção que instaurou contra Manuel Matias. Como agiria se estivesse no lugar de Filipa? (3 valores) H – Havia fundamento bastante para justificar a participação criminal de Manuel Matias contra João Paulo e Filipa? (2 valores) Grelha de Correcção A – A FMJL tem por actividade a cobrança de créditos a benefício de terceiros, o que implica negociações em representação destes e eventual mandato judicial no interesse de terceiros, actividades que assim constituem actos próprios de advocacia, conforme artºs 62º a) e b) do EOA e artºs 1º nº 5 a) e 6º b) das Leis 49/2004 de 24 de Agosto – 1 valor; Assim, tal actividade só pode ser exercida por advogados, advogados estagiários da 2ª fase e solicitadores, com respeito das limitações do processo (artºs 61º nº 1 e 189º do EOA) sociedades de advogados e por escritórios ou gabinetes compostos exclusivamente por advogados, advogados estagiários e solicitadores (artº 203º do EOA e artº 6º da Lei 49/2007 de 24 de Agosto) – 1 valor Filipa, ao aceitar trabalhar para a FMJL, que é uma sociedade multidisciplinar, proibida em direito português de praticar actos próprios de advocacia, está a participar e a colaborar com a prática destes actos, incorrendo em responsabilidade disciplinar (artº 110º do EOA) e ainda em responsabilidade criminal (artº 7º da Lei 49/2004) - 1 valor B – A FMJL é uma sociedade multidisciplinar proibida em Portugal por força dos artº 202º nº 4, 203º nº3, 61º nº 1, todos do EOA, artº 6º da Lei 49/2004 de 24 de Agosto e artsº 1º nº2 e 5º nº 1 do DL 229/2004 de 10 de Dezembro – 1 valor Sendo uma sociedade multidisciplinar com sede em Espanha, o seu registo em Portugal para praticar actos próprios de advocacia em território português está vedado pelo artº 202º nº2 do EOA, já que o seu estatuto é incompatível com o nosso EOA – 0,5 valor – assim como os advogados dessa sociedade também não poderão exercer a advocacia em Portugal em nome da sociedade, conforme prevê o nº 4 do mesmo artº 202º do EOA – 0,5 valor C – Sim, o EOA permite que o exercício da advocacia possa ser desenvolvido com base numa relação de trabalho subordinado, como é previsto nos artºs 68º e 76º nº 3 a 5 – 1 valor D – Filipa não deveria ter tomado a iniciativa de emitir e distribuir a carta- circular, solicitando directamente a sua prestação de trabalho, porquanto tal iniciativa é censurada pelo artº 85º nº 2 h), na medida em que a relação de confiança com os clientes (92º nº1) exige que a escolha dos advogados pelos clientes seja feita de forma livre (artº 93º nº1), todos dos EOA – 1 valor. O “curriculum” enviado conte elementos de informação permitidos e proibidos pelo regime constante do artº 89º do EOA. Assim, sendo lícita a inclusão da fotografia, já o não era a divulgação do nome de clientes e a invocação do título de especialista. A divulgação pública da carteira de clientes, excepto em condições especiais e com autorização expressa destes, é proibida por imperativo da reserva do segredo profissional, conforme artºs 87º 1 e 89º 3 h) do EOA, pelo que Filipa incorreu em infracção disciplinar e em eventual infracção criminal (artº 110º do EOA e artº 95º do C Penal) – 1 valor O título de especialista só pode ser invocado mediante prévio reconhecimento e atribuição do título pela AO (artº 86 2 f)), e em conformidade com o Regulamento Geral das Especialidades – Reg. 204/2006 de 30/10/06 – 1 valor E – Tinha Filipa razões de peso para ter hesitado, acabando por optar pela atitude errada, já que lhe era exigível recusar o patrocínio de Manuel Matias – 1 valor Em primeiro lugar, estava confrontada com um claro conflito de interesses, já que Manuel Matias fora cliente de João Paulo, patrono de Filipa e esta própria havia participado no patrocínio da acção de divórcio do qual resultara a confissão de dívida a favor de Luís Carlos. Assim, a hipótese cai na previsão dos nº 1 e 5 do artº 94º do EOA, já que existe uma conexão entre as duas causas e pela aceitação do patrocínio, Filipa pôs em risco, como aliás sucedeu a violação do segredo profissional contraído a beneficio da Manuel Matias, a favor do seu posterior cliente Luís Carlos – 1 valor Depois, a acção de cobrança, seria instaurada emprocesso comum e forma ordinária e pelo seu valor excedia em muito os limites da competência de Filipa, ainda advogada estagiária da 2ª fase, com violação do art. 189º 1 a) do EOA, o que constitui exercício irregular da profissão (artºs 82º e 116º do EOA) – 1 valor. F – A solução está no regime legal resultante dos artºs 68º e 76º nº3 ambos do EOA, onde o legislador pretendeu defender os advogados do exercício abusivo do dever de subordinação típico da relação jurídica de trabalho, para defesa da liberdade e independência dos Advogados e Advogados estagiários e da sua discricionariedade técnica. Assim, Filipa poderia desde logo recusar-se cumprir as instruções recebidas da FMJL, porquanto eram nulas por violarem o seu estatuto deontológico e os princípios fundamentais da profissão – artºs 68º nº3 e 76º nº 2 e 4 do EOA – 1 valor Podia ainda Filipa solicitar o apoio institucional da Ordem em sua defesa, caso houvesse divergência com a sua entidade patronal, a abrigo do artº 76º nº5 e 68º nº5 do EOA – 1 valor E ainda poderia, em caso de litígio judicial, solicitar o patrocínio da Ordem dos Advogados para a sua defesa em juízo e para a defesa dos valores da deontologia ofendidos, com recurso aos mecanismos previstos nos artºs 66º nº5 e nº2 e 3 todos do EOA – 1 valor G – Ao ter aceite (mal) o patrocínio de Manuel Matias, Filipa acabou por não resistir a usar contra este seu ex-cliente um documento que este lhe confiara e que agora sentiu ter de revelar no interesse do seu novo cliente, Luís Carlos. Assim, violou a sua obrigação de segredo profissional já que tal documento estava sobre a protecção do sigilo profissional por força dos artº 87º nº1 a) e 3 todos do EOA – 1 valor Filipa só poderia juntar esse documento ao processo se tivesse solicitado e obtida a autorização prévia para dispensa de obrigação de segredo profissional, através do pedido nesse sentido ao Presidente do Conselho Distrital, com recurso para o Bastonário, onde teria de alegar e provar a verificação dos pressupostos que permitiriam o levantamento do sigilo – 1 valor Todavia, era de prever que tal autorização não lhe fosse concedida, porquanto a revelação ser fundamentada para tutelar interesse de cliente contra o seu ex- cliente, sendo que a obrigação de segredo em causa fora constituída a benefício de Manuel Matias, “contra” quem agora seria usada a revelação do facto sigiloso, o que frontalmente contrairia o nº 4 do artº 87º do EOA – 1 valor H – Sim contra Filipa e, eventualmente, contra João Paulo, em relação a este conforme o seu grau de responsabilidade pelo comportamento de Filipa, a quem deveria orientar e acompanhar como seu patrono. Na verdade, a actuação de Filipa violou numerosas regras legais e regulamentares, incorrendo em infracções disciplinares graves – artº 110º do EOA e ainda em diversos crimes, como o de violação de segredo profissional – artº 195º do C Penal, crime de prevaricação – 370º do C. Penal e crime de procuradoria ilícita, previsto no artº 7º da Lei 49/2004 de 24 de Agosto – 2 valores.