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ADIs e pareceres - Direitos Fundamentais

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Prévia do material em texto

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO 
TRIBUNAL FEDERAL 
A PROCURADORA GERAL DA REPÚBLICA, 
com fundamento no art. 102, § 1º, da Constituição Federal e nos dispositivos da 
Lei nº 9.882/99, vem propor ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE 
PRECEITO FUNDAMENTAL objetivando que se reconheça que:
(a) o art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93 não foi 
recepcionado pela Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que foi 
aprovada pelo Decreto Legislativo nº 186/2008, de acordo com o procedimento 
previsto no art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, integrando, portanto, o bloco de 
constitucionalidade brasileiro;
(b) o conceito de pessoa com deficiência, 
estabelecido no art. 1 da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, 
é de uso imperativo no direito interno brasileiro, sendo imediatamente aplicável no 
que tange aos critérios para concessão dos benefícios de prestação continuada 
disciplinados pela Lei nº 8.742/93.
Introdução
2. A Constituição Federal, em seu artigo 203, inciso V, 
estabeleceu “a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa 
portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a 
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, como dispuser a lei”. 
3. O preceito constitucional em questão foi 
regulamentado pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social), que adotou 
algumas definições que vêm suscitando intensa polêmica. De acordo com o art. 20, 
§ 3º, da norma em questão – que não será objeto de questionamento nesta ação –
“considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou 
idosa, a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário 
mínimo”1. Já o conceito de pessoa com deficiência tem o seguinte conteúdo (art. 
20, § 2º):
“§ 2º. Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa 
portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida 
independente e para o trabalho.” 
4. O Decreto nº 6.214/2007, que é a atual 
regulamentação da referida lei, reproduziu ipsis literis o mesmo conceito, em seu 
artigo 4º, inciso II. E a Instrução Normativa nº 20/2007 do INSS, por seu turno, 
estabeleceu, em seu artigo 623, § 1º, que o benefício de assistência social é devido 
ao “portador de deficiência incapacitado para a vida independente e para o 
1 O STF julgou improcedente a ADIn nº 1.232, em que se questionava a constitucionalidade desta norma, pelo valor 
excessivamente reduzido da renda mensal per capita estabelecida pelo legislador. Contudo, a Corte tem 
flexibilizado a sua orientação sobre a matéria, ao admitir que outros critérios possam ser usados para comprovação 
da miserabilidade da família do beneficiário, ainda quando a sua renda familiar per capita seja superior àquela 
definida no art. 20, § 3º, da LOAS. Neste sentido, decidiu o Min. Gilmar Mendes, ao negar liminar na Reclamação 
no 4374-6: "não se declara a inconstitucionalidade do art. 20, § 3º, da Lei n.º 8.742/93, mas apenas se reconhece a
possibilidade de que esse parâmetro objetivo seja conjugado, no caso concreto, com outros fatores indicativos do 
estado de penúria do cidadão. Em alguns casos, procede-se à interpretação sistemática da legislação superveniente 
que estabelece critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais".
2
trabalho”, tendo o seu art. 624, § 1º, determinado que “para fins de comprovação 
da deficiência e caracterização da incapacidade para a vida independente, deve-
se também considerar a incapacidade econômica do requerente de prover a sua 
própria manutenção e de sua família, não adotando a avaliação de incapacidade 
para praticar atos da vida diária, por si só, como critério determinante”2. 
5. A definição de pessoa com deficiência da Lei 
Orgânica da Assistência Social sempre suscitou polêmica, sendo considerada 
extremamente restritiva. De acordo com ela, uma pessoa que apresente uma lesão 
física, mental, intelectual ou sensorial, que comprometa gravemente a sua 
participação em igualdade de condições na sociedade, e que viva em situação 
econômica de absoluta miserabilidade, não fará jus ao benefício, se não for 
considerada “incapaz para a vida independente e para o trabalho”3. 
6. A consequência prática da adoção desta definição é 
a denegação de benefícios de prestação continuada a um número significativo de 
pessoas que têm deficiência e vivem em condições de absoluta penúria, 
comprometendo as condições materiais básicas para a sua subsistência. 
7. Há quem sustente a inconstitucionalidade originária 
do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93, apontando a sua invalidade mesmo antes da 
incorporação à ordem constitucional brasileira da Convenção dos Direitos da 
Pessoa com Deficiência. A argumentação é plausível, mas não será o foco da 
presente ação. 
8. O certo é que, até a incorporação da referida 
Convenção, não havia, em nosso bloco de constitucionalidade, um conceito de 
2 A adoção desta caracterização menos restritiva de incapacidade para a vida independente deveu-se a uma medida 
liminar concedida na Ação Civil Púbica nº 2007.30.00.000204-0, proposta pelo Ministério Público Federal e 
Defensoria Pública Federal contra o INSS, que tramita na Justiça Federal do Estado do Acre.
3 A jurisprudência já vem temperando o rigor desta definição legal extremamente restritiva de pessoa com 
deficiência. Neste sentido, veja-se a Súmula nº 29 da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos 
Juizados Especais Federais: “Para os efeitos do art. 20, §2º, da Lei 8.742, de 1993, incapacidade para a vida 
independente não é só aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a que a 
impossibilita de prover ao próprio sustento.” 
3
pessoa com deficiência expressamente consagrado. Agora há, e ele é frontalmente 
incompatível com aquele estabelecido no ato normativo ora impugnado. 
9. Com efeito, dispõe o art. 1 da Convenção sobre os 
Direitos da Pessoa com Deficiência: 
“Artigo 1
Propósito 
 O Propósito da presente Convenção é promover, proteger e 
assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos 
humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com 
deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente. 
Pessoas com deficiência são aquelas que têm 
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, 
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas 
barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na 
sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.” 
(grifei)
10. De acordo com este critério, uma pessoa pode ter 
deficiência, e, ainda assim, ser capaz de trabalhar e de manter uma vida 
independente. Se esta pessoa for economicamente miserável, deve fazer jus ao 
benefício de prestação continuada previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
11. É para expurgar da ordem jurídica brasileira o 
preceito legal impugnado, bem como, por arrastamento, as normas administrativas 
que o regulamentaram, que está sendo proposta esta ação, na qual também se 
pretende seja declarada a imediata aplicabilidade do conceito de pessoa com 
deficiência inscrito no artigo 1 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com 
Deficiência, para fins de benefícios assistenciais.
O Cabimento da Presente ADPF
4
12. A Arguição de Descumprimento de Preceito 
Fundamental ou ADPF, prevista no art. 102, § 1º, da Constituição Federal, e 
regulamentada pela Lei nº 9.882/99,volta-se contra atos comissivos ou omissivos 
dos Poderes Públicos que importem em lesão ou ameaça de lesão aos princípios e 
regras mais relevantes da ordem constitucional.
13. A doutrina reconhece a existência de duas 
modalidades diferentes de ADPF4: a autônoma, que representa uma típica 
modalidade de jurisdição constitucional abstrata, desvinculada de qualquer caso 
concreto; e a incidental, que pressupõe a existência de uma determinada lide 
intersubjetiva, na qual tenha surgido uma controvérsia constitucional relevante. 
14. A presente ADPF é de natureza autônoma. Para o 
seu cabimento, é necessário que estejam presentes os seguintes requisitos: (a) 
exista lesão ou ameaça a preceito fundamental, (b) causada por atos comissivos ou 
omissivos dos Poderes Públicos, e (c) não haja nenhum outro instrumento apto a 
sanar esta lesão ou ameaça. Estes três requisitos estão plenamente configurados, 
conforme se demonstrará a seguir.
(a) Da Lesão a Preceito Fundamental: A Convenção dos Direitos da Pessoa com 
Deficiência e o Bloco de Constitucionalidade
15. Sustenta-se nesta ADPF que o art. 20, § 2º, da Lei 
8.742/93 não foi recepcionado pela Convenção sobre os Direitos da Pessoa com 
Deficiência, que contém definição muito mais ampla e adequada de “pessoa com 
deficiência”. 
4 Veja-se, a propósito, os artigos que compõem a obra organizada por André Ramos Tavares e Walter Claudius 
Rothenburg . Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. São Paulo: Atlas, 2001; e Luis Roberto 
Barroso. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 247-249.
5
16. A referida Convenção foi incorporada seguindo o 
procedimento previsto no art. 5º, § 3º, da Constituição Federal: foi aprovada em 
duas votações sucessivas na Câmara dos Deputados e no Senado, pelo quorum de 
3/5, sendo promulgada através do Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 
2008, e publicada, em seu texto integral, no Diário Oficial da União de 20 de 
agosto de 2008. Portanto, ela integra o bloco de constitucionalidade brasileiro, 
servindo também de parâmetro normativo para o exercício da jurisdição 
constitucional. 
17. É certo que os tratados em geral dependem, para 
serem incorporados ao direito interno, da publicação através de decreto 
presidencial. Contudo, esta exigência não se aplica aos tratados de direitos 
humanos aprovados mediante procedimento previsto no art. 5º, § 3º, da Lei Maior. 
18. É que tal procedimento inspirou-se naquele adotado 
para aprovação de emendas à Constituição (art. 60, CF). E as emendas não se 
submetem ao crivo do Presidente da República, sendo promulgadas e publicadas 
pelo próprio Poder Legislativo. 
19. Daí por que a Convenção já está em pleno vigor, 
desfrutando de hierarquia constitucional. 
20. De resto, o Presidente da República já se manifestou 
favoravelmente à sua internalização, seja quando a assinou, em 30 de março de 
2007, seja quando a ratificou perante a ONU, em 1º de agosto de 2008. 
21. Por outro lado, os direitos fundamentais, em razão 
de seu protagonismo no sistema constitucional vigente, tanto que se qualificam 
como cláusulas pétreas, configuram certamente preceitos fundamentais. 
22. No caso, a discussão está centrada em direitos 
fundamentais da pessoa portadora de deficiência.
6
23. Não bastasse, é inequívoca a ligação entre os direitos 
das pessoas com deficiência e o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, 
inciso III, CF), considerado o epicentro axiológico da Constituição da República
(b) Do Ato do Poder Público
24. O ato do Poder Público impugnado nesta ação é de 
índole normativa: o art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93. 
(c) Da Inexistência de Outro Meio para Sanar a Lesividade
25. O art. 4º, § 1º, da Lei 9.882/99 instituiu o chamado 
“princípio da subsidiariedade” da ADPF. Há controvérsia sobre como deve ser 
compreendido o princípio da subsidiariedade nas argüições incidentais. Contudo, 
quando se trata de ADPF autônoma, parece fora de dúvida de que o juízo sobre o 
atendimento do princípio em questão deve ter em vista a existência de outros 
processos objetivos de fiscalização de constitucionalidade, que possam corrigir de 
maneira adequada a lesão a preceito fundamental.
26. No caso, este requisito está plenamente satisfeito, 
uma vez que o objetivo pretendido na ação, de reconhecimento de invalidade de 
ato normativo anterior à Constituição, não pode ser obtido através da propositura 
de ação direta de inconstitucionalidade, tendo em vista a orientação reiterada do 
STF, no sentido de que as normas impugnadas em ADIn devem ser posteriores ao 
parâmetro constitucional com o qual são confrontadas5.
5 ADI-MC 949, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 12.11.1993, e ADI-QO 1.836, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 
04.12,1998. Veja-se também, a propósito, Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo 
Gonet Branco. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1063.
7
27. Aliás, existe expressa previsão na Lei nº 9.882/99 
sobre o cabimento da impugnação de normas anteriores à Constituição (art. 1º, 
parágrafo único, I).
28. Como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas 
com Deficiência é posterior à Lei nº 8.742/93, a sua invalidade decorre, segundo o 
entendimento do STF, da aplicação do critério cronológico para resolução de 
antinomias: lex posterior derogat priori, e não de um exame de 
constitucionalidade. Daí por que, incabível a ADIn na espécie, resta satisfeita a 
exigência imposta pelo princípio da subsidiariedade da ADPF. 
29. De resto, o segundo pedido veiculado nesta petição 
inicial, de reconhecimento da aplicabilidade do conceito de deficiência contido na 
referida Convenção aos procedimentos de concessão de benefícios de prestação 
continuada, previstos na Lei 8.742/93, também não se coaduna com o perfil da 
ADIn ou de qualquer outro instrumento de fiscalização constitucional abstrata. 
A Flagrante Incompatibilidade entre o Art. 1 da Convenção dos Direitos das 
Pessoas com Deficiência e o Art. 20, § 2º, da LOAS
30. Como antes destacado, o conceito de pessoa com 
deficiência contido na norma impugnada é excessivamente restritivo e não se 
compatibiliza nem com critérios médicos, nem com os sociais.
31. A consequência prática da adoção do referido 
critério é o aprofundamento da exclusão social de pessoas deficientes, em 
condições econômicas de absoluta miserabilidade. 
32. Já o conceito de deficiência adotado pela 
Convenção, além de mais amplo, reflete a compreensão contemporânea sobre o 
fenômeno.
8
33. As primeiras definições sobre deficiência, presentes 
na literatura e nas legislações, se atinham a critérios exclusivamente médicos. A 
deficiência era equiparada a lesões que incidiam sobre o corpo de um sujeito. 
Tratava-se do chamado “modelo biomédico da deficiência”. Contudo, segmentos 
do movimento das pessoas com deficiência passaram a questionar tal concepção, 
vista como estigmatizante, propondo, como alternativa, um “modelo social da 
deficiência”. Neste outro paradigma, o problema essencial já não recai sobre o 
corpo da pessoa com deficiência, mas sobre a sociedade, que oprime e discrimina 
aqueles que não possuem as mesmas capacidades, organizando-se de maneira 
pouco sensível à diversidade.6 O novo discurso foi importante para a politização da 
questão da deficiência, possibilitando um questionamento mais incisivo das 
práticas e estruturas excludentes da sociedade nesta matéria.
34. Houve,porém, críticas contra os excessos a que esta 
visão poderia conduzir, pois, numa leitura mais radical, negligenciaria uma 
dimensão real e importante do fenômeno da deficiência, que é a lesão que atinge a 
pessoa e efetivamente compromete, de algum modo, as suas capacidades.
35. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com 
Deficiência, que foi precedida de longos debates, nos quais se engajaram 
organizações representativas das próprias pessoas com deficiência, se beneficiou 
de todo este fecundo debate, para construir um conceito biopsicossocial da 
deficiência, que pode ser visto como uma síntese dialética entre os modelos 
biomédico e social. 
36. O conceito estabelecido no artigo 1 da Convenção, 
portanto, incorpora a dimensão médica da deficiência, mas não olvida a 
importância da sua interação com fatores sociais. Daí a definição adotada, segundo 
a qual “pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo 
prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação 
6 Veja-se, a propósito, Débora Diniz. O que é Deficiência? São Paulo: Brasiliense, 2007.
9
com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na 
sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”
37. Tal conceito, que não exclui pessoas apenas porque 
conseguem trabalhar ou lidar com necessidades do seu dia a dia, tem agora 
hierarquia constitucional. E, tratando-se de norma de direito fundamental, ele 
desfruta de aplicabilidade imediata, nos termos do art. 5º, § 1º, da Constituição 
Federal.
38. E, por outro lado, tal conceito afasta imediatamente 
o critério mais restritivo adotado pelo art. 20, § 2º, Lei nº 8.742/93, impondo-se,
desde já, como parâmetro para concessão dos benefícios de prestação continuada. 
Custos e Mínimo Existencial
39. Não há como negar que a adoção do conceito de 
deficiência previsto na Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, 
para fins de concessão dos benefícios de prestação continuada, ampliará o universo 
de pessoas favorecidas, o que terá um custo econômico para o Estado. Diante 
disso, e considerando a limitação dos recursos públicos disponíveis – a chamada 
“reserva do possível” -, pode-se discutir a legitimidade da atuação da jurisdição 
constitucional no presente caso. 
40. De início, cumpre salientar que o benefício de 
prestação continuada visa a assegurar a garantia do mínimo existencial para 
pessoas extremamente necessitadas, que, sem ele, não conseguem sobreviver 
dignamente. O mínimo existencial, por sua vez, constitui um pressuposto para a 
1
fruição da liberdade7, bem como para a participação democrática na vida pública8. 
Ademais, a sua garantia, além de instrumental para a liberdade e para a 
democracia, pode ser concebida como um fim em si, no marco de uma concepção 
de justiça social que leve a sério as necessidades e o sofrimento humano9.
41. Uma ótima definição do mínimo existencial pode ser 
colhida em decisão da Corte Constitucional da Colômbia (Sentença C- 776, de 
2003): 
“O objeto do direito fundamental ao mínimo vital abarca todas as 
medidas positivas ou negativas constitucionalmente ordenadas 
com o fim de evitar que a pessoa se veja reduzida em seu valor 
intrínseco como ser humano devido a não contar com as condições 
materiais que a permitam levar uma existência digna (...) A 
dimensão positiva deste direito fundamental pressupõe que o 
Estado e, ocasionalmente, os particulares (...) estejam obrigados a 
subministrar a pessoa que se encontre em situação na qual ela 
mesmo não pode atuar autonomamente e que compromete as 
condições materiais da sua existência, as prestações necessárias e 
indispensáveis para sobreviver dignamente e evitar sua 
degradação ou aniquilamento como ser humano.” 
42. Em matéria de tutela do mínimo existencial, a 
doutrina10 e a jurisprudência nacional e comparada11 vêm reconhecendo a 
7 John Rawls. Liberalismo Político. Trad. Sergio Rena Madero Baéz. México: Fondo de Cultura Econômica, 
1995, p. 31-32; e Ricardo Lobo Torres. “Mínimo Existencial como Conteúdo Essencial aos Direitos 
Fundamentais”. In: Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento (Orgs.). Direitos Sociais: Fundamentos, 
Judicialização e Direitos Sociais em Espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 313-342. 
8 Jürgen Habermas. Direito e Democracia entre Facticidade e Validade. Vol I. Trad. Flávio Siebeneichler. Rio de 
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 160; Cláudio Pereira de Souza Neto. Teoria Constitucional da Democracia 
Deliberativa. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 235 ss. 
9 Cf. Rodolfo Arango. El Concepto de Derechos Fundamentales Sociales. México: Legis, 2005, p. 238-296; 
Daniel Sarmento. “A Proteção Judicial dos Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Ético-Jurídicos”. In: Cládio 
Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento (Org). Direitos Sociais: Fundamentos, Judicialização e Direitos 
Sociais em Espécie. Op. cit., p. 553-586. 
10 Veja-se, dentre outros, Robert Alexy. “Derechos Fundamentales Sociales”. In: Miguel Carbonell, Juan Antonio 
Parceo y Rodolfo Vázques. Derechos Sociales y Derechos de las Minorias. México: Editorial Porrúa, 2004, p. 
69-88; Ingo Wolfgang Sarlet. “Os Direitos Fundamentais Sociais na Constituição de 88”. In: Ingo Wolgang 
Sarlet (Org.). O Direito Público em Tempos de Crise. Livraria do Advogado, 1999, p. 129-173; Victor 
Abramovich y Christian Courtis. Los Derechos Sociales como Derechos Exigibles. Madrid: Editorial Trotta, 
2002; Ana Paula de Barcellos. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípios da Dignidade 
da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 247-302; Daniel Sarmento. “A Proteção Judicial dos 
Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Ético-Jurídicos”, Op. cit.; e Paulo Gilberto Cogo Leivas. Teoria dos 
Direitos Fundamentais Sociais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. 
11 Na Alemanha, o Tribunal Constitucional Federal reconheceu a existência de um direito sindicável ao mínimo 
existencial exatamente na área de assistência social (BVerfGE 40, 121 (133)). Em Portugal, cabe mencionar a 
importante decisão que declarou a inconstitucionalidade de lei que restringira o rendimento de inserção social 
apenas a pessoas com mais de 25 anos, reconhecendo afronta ao “conteúdo mínimo do direito a um mínimo de 
1
legitimidade e a necessidade da intervenção do Poder Judiciário, diante de 
violações comissivas ou omissivas perpetradas pelos demais poderes do Estado. 
Isto porque o mínimo existencial, pela sua relevância para a dignidade humana, 
liberdade e exercício de democracia, não pode ficar à mercê da vontade das 
maiorias legislativas de ocasião, nem dependente dos caprichos e preferências dos 
administradores públicos. 
43. O Supremo Tribunal Federal vem seguindo esta 
linha em reiterados julgados, como comprovam as seguintes ementas: 
“Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. A ques­
tão da legitimidade constitucional do controle da intervenção do 
Poder Judiciário em tema de implementação de políticas públicas, 
quando configurada hipótese de abusividade governamental. Di­
mensão política da jurisdição constitucional atribuída ao Supremo 
Tribunal Federal. Inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação 
dos direitos sociais, econômicos e culturais. Caráter relativo da li­
berdade de conformação do legislador. Considerações em torno 
da ‘cláusula da reserva do possível’. Necessidade de preservação, 
em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do 
núcleo consubstanciadordo ‘mínimo existencial’. Viabilidade ins­
trumental da Argüição de Descumprimento de Preceito 
Fundamental no processo de concretização das liberdades 
positivas (direitos constitucionais de segunda geração).” (ADPF 
45, Ministro Celso Mello, DJ de 4/5/2004)
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO – CRIANÇA DE ATÉ SEIS 
ANOS DE IDADE – ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-
ESCOLA – EDUAÇÃO INFANTIL – DIREITO ASSEGURADO 
PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, art. 208, IV) – 
COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À 
EDUCAÇÃO – DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE 
IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO 
MUNICÍPIO (CF, art. 211, § 2º).
- A educação infantil representa prerrogativa constitucional 
indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para 
efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do 
processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso 
à pré-escola (CF, art. 208, IV).
- Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, 
por efeito da alta significação social de que se reveste a educação 
infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas 
que possibilitem, de maneira concreta, em favor ‘das crianças de 
zero a seis anos de idade’ (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e 
existência condigna”. (Acórdão nº 509/02) 
1
atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de 
configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, 
injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder 
Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da 
Constituição Federal. 
- A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental 
de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a 
avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, 
nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. 
- Os Municípios – que atuarão prioritariamente, no ensino 
fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) – não 
poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente 
vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei 
Fundamental da República, e que representa fator de limitação da 
discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, 
cujas opções, tratando-se do atendimento de crianças em creche 
(CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a 
comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou 
mera oportunidade, a eficácia deste direito de índole social.
- Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e 
Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas 
públicas, revela-se possível, no entanto, ao poder Judiciário, 
determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente as 
hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, 
sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, 
cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos 
político-jurídicos que sobre elas incidem em caráter mandatório – 
mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de 
direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. 
A questão pertinente à reserva do possível.” (Ag. Reg. no Rec. Ext. 
410.715-5, 2ª T., Ministro Celso Mello, julgado em 22/11/2005). 
44. À vista desses precedentes, a conclusão que se 
impõe é de aplicação imediata da definição de deficiência, constante do art. 1 da 
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, para a concessão dos 
benefícios de prestação continuada disciplinados pela Lei nº 8.742/93. Isto porque 
não cabe invocar a “reserva do possível” contra tal pretensão, tendo em vista a 
direta correlação entre a prestação discutida e a garantia do “mínimo existencial”. 
Da Medida Cautelar
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45. Estão presentes os pressupostos necessários à 
concessão da medida liminar na presente ADPF (art. 5º, Lei 9.882/99). 
46. Por um lado, o fumus boni iuris é flagrante, pois é 
evidente a não-recepção do art. 20, § 2º, da Lei 8.742/93, pela sua franca 
incompatibilidade com a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, bem 
como a aplicabilidade imediata deste instrumento normativo revestido de 
hierarquia constitucional.
47. O periculum in mora, por sua vez, também é 
patente, tendo em vista a natureza alimentar do benefício de prestação continuada, 
bem como o universo de beneficiários da medida postulada, composto por pessoas 
extremamente carentes e vulneráveis. De fato, não haverá como reparar, no final 
desta ação, o sofrimento e as penúrias que tais pessoas padecerão pela privação do 
benefício a que fazem jus, caso a medida liminar não seja concedida. 
48. Diante do exposto, requer a Autora a concessão de 
Medida Liminar para que esta Egrégia Corte suspenda provisoriamente a eficácia 
do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, determinando que seja aplicado, na concessão 
de benefícios de prestação continuada, até o julgamento do mérito desta ação, o 
conceito de deficiência previsto no art. 1 da Convenção dos Direitos das Pessoas 
com Deficiência.
Do Pedido
49. Em face do exposto, requer a Autora sejam julgados 
procedentes os pedidos, para: 
(a) declarar, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, a 
invalidade, por não-recepção, do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93; 
e
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(b) determinar que seja empregado o conceito de pessoa com 
deficiência, previsto no artigo 1 da Convenção dos Direitos da 
Pessoa com Deficiência, na concessão dos benefícios de 
prestação continuada regulados pela Lei 8.742/93.
Brasília, 9 de julho de 2009.
DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA
PROCURADORA GERAL DA REPÚBLICA
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