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13.1 Bioenergética e termodinâmica 506 13.2 Lógica química e reações bioquímicas comuns 511 13.3 Transferência de grupos fosforil e ATP 517 13.4 Reações biológicas de oxidação-redução 528 As células e os organismos vivos devem realizar traba- lho para permanecer vivos, crescer e se reproduzir. A capacidade de controlar a energia e direcioná-la para o trabalho biológico é uma propriedade fundamental de todos os organismos vivos; essa capacidade deve ter sido adquiri- da muito cedo no curso da evolução celular. Os organismos modernos realizam uma notável variedade de transduções da energia, conversões de uma forma de energia em outra. Usam a energia química dos combustíveis para sintetizar macromoléculas complexas, altamente organizadas, a par- tir de precursores simples. Também convertem a energia química dos combustíveis em gradientes de concentração e em gradientes elétricos, em movimento e calor e, em alguns organismos como o vaga-lume e peixes do fundo do mar, em luz. Os organismos fotossintéticos transformam a energia luminosa em todas essas outras formas de energia. Os mecanismos químicos envolvidos nas transduções biológicas de energia têm fascinado e desafiado biólogos por séculos a fio. O químico francês Antoine Lavoisier reconheceu que de alguma forma os animais transformam os combustíveis químicos (alimentos) em calor e que esse processo de respiração é essencial para a vida. Ele ob- servou que ...em geral, a respiração é nada mais que a combustão lenta de carbono e hidrogênio, seme- lhante à que ocorre em uma lâmpada ou vela acesa e, desse ponto de vista, animais que respiram são corpos com- bustíveis que queimam e consomem a si próprios... Al- guém poderia dizer que essa analogia entre combustão e respiração não passou despercebida pelos poetas, ou ainda pelos filósofos da antiguidade, já tendo sido re- latada e interpretada por eles. Esse fogo roubado dos céus, essa tocha de Prometeu, não representa apenas uma ideia engenhosa e poética, ela é um retrato fiel das operações da natureza, pelo menos para os animais que respiram; portanto, alguns podem dizer, com os antigos, que a tocha da vida ilumina a si mesma no momento em que a criança respira pela primeira vez, e ela só se extin- gue na morte.1 A partir do século XX, aumentou a compreensão sobre a química relacionada à “tocha da vida”. As transduções biológicas de energia obedecem às mesmas leis químicas e físicas que governam todos os outros processos naturais. Portanto, é fundamental para um estudante de bioquímica entender essas leis e como elas se aplicam no fluxo de ener- gia na biosfera. Este capítulo começa revisando as leis da termodinâmi- ca e a relação quantitativa entre energia livre, entalpia e entropia. Em seguida, revisa os tipos comuns de reações bioquímicas que ocorrem em células vivas, reações que controlam, armazenam, transferem e liberam a energia ad- quirida pelos organismos do seu meio ambiente. Focaliza, então, as reações com funções especiais nas trocas bioló- gicas de energia, particularmente aquelas envolvendo ATP. Finalmente, considera a importância das reações de oxida- ção-redução em células vivas, as variações energéticas nas transferências biológicas de elétrons, e os transportadores de elétrons comumente utilizados como cofatores nestes processos. 1Memorial redigido por Armand Seguir e Antoine Lavoisier, 1789, citado em Lavoisier, A. (1862) Oeuvres de Lavoisier. Imprimerie Impériale, Paris. 13 Bioenergética e Tipos de Reações Bioquímicas Antoine Lavoisier, 1743-1794 Nelson_6ed_13.indd 505Nelson_6ed_13.indd 505 02/05/14 17:2302/05/14 17:23 506 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX 13.1 Bioenergética e termodinâmica Bioenergética é o estudo quantitativo das transduções energéticas que ocorrem em células vivas – mudança de uma forma de energia a outra – bem como da natureza e da função dos processos químicos envolvidos nessas transdu- ções. Embora muitos dos princípios da termodinâmica te- nham sido introduzidos em capítulos anteriores, podendo, assim, já serem familiares a você, uma revisão dos aspectos quantitativos desses princípios será útil. As transformações biológicas de energia obedecem às leis da termodinâmica Muitas observações quantitativas feitas por físicos e quími- cos sobre a interconversão de diferentes formas de energia levaram, no século XIX, à formulação das duas leis funda- mentais da termodinâmica. A primeira lei é o princípio da conservação da energia: para qualquer mudança física ou química, a quantidade total de energia no universo permanece constante; a energia pode mudar de forma ou pode ser transportada de uma região para outra, mas não pode ser criada ou destruída. A segunda lei da termodinâmica, que pode ser enunciada de diferentes for- mas, diz que o universo sempre tende para o aumento da desordem: em todos os processos naturais, a entropia do universo aumenta. “Agora, na segunda lei da termodinâmica...” Organismos vivos são formados por uma coleção de moléculas, cujo grau de organização é muito maior que o dos componentes do seu meio ambiente a partir dos quais eles são formados, e os organismos produzem e mantêm a organização, aparentemente imunes a segunda lei da termodinâmica. No entanto, os organismos não violam a segunda lei; eles operam em rigorosa concordância com ela. Para discutir as aplicações da segunda lei aos sistemas biológicos, deve-se primeiro definir esses sistemas e o seu meio ambiente. O sistema reagente é a coleção de componentes que es- tão sendo submetidos a um determinado processo químico ou físico; pode ser um organismo, uma célula, ou dois com- postos reagentes. Juntos, o sistema reagente e o seu meio ambiente constituem o universo. No laboratório, alguns processos físicos e químicos podem ser realizados isolados ou em sistemas fechados, nos quais não existe troca de ma- terial ou energia com o meio. No entanto, células vivas e organismos são sistemas abertos, trocando tanto matéria quanto energia com o seu meio ambiente; os sistemas bioló- gicos jamais atingem o equilíbrio com o seu meio ambiente, e a constante interação entre o sistema e o meio explica como os organismos podem se auto-organizar enquanto operam de acordo com a segunda lei da termodinâmica. No Capítulo 1 (p. 23) foram definidos três parâmetros termodinâmicos que descrevem as trocas de energia que ocorrem em reações químicas: Energia livre de Gibbs, G, expressa a quantidade de energia capaz de realizar trabalho durante uma reação à temperatura e pressão constantes. Quando uma reação ocorre com a liberação de energia livre (ou seja, quan- do o sistema se transforma de modo a possuir menos energia livre), a variação da energia livre, DG, possui um valor negativo e a reação é chamada de exergônica. Nas reações endergônicas, o sistema adquire energia livre e o DG é positivo. Entalpia, H, é o conteúdo de calor do sistema rea- gente. Ela reflete o número e o tipo de ligações químicas nos reagentes e produtos. Quando uma reação química libera calor, ela é denominada exotérmica; o conteúdo de calor dos produtos é menor do que o dos reagentes, e DH possui, por convenção, um valor negativo. Os siste- mas reagentes que captam calor do meio são endotérmi- cos e possuem valores positivos de DH. Entropia, S, é uma expressão quantitativa da alea- toriedade ou desordem de um sistema (ver Quadro 1-3). Quando os produtos de uma reação são menos comple- xos e mais desordenados do que os reagentes, a reação ocorre com ganho de entropia. As unidades de DG e DH são joules/mol ou calorias/mol (lembre que 1 cal 5 4,184 J); a unidade de entropia é jou- les/mol · Kelvin (J/mol · K) (Tabela 13-1). Sob as condições existentes nos sistemas biológicos (in- cluindo temperatura e pressão constantes), as variações de energia livre, entalpia e entropia estão quantitativamente relacionadas pela equação DG 5 DH 2 TDS (13-1) em que DG é a variação da energia livre denão é possível no PEP e, assim, os produtos da hidrólise são estabilizados em relação aos reagentes. Tam- bém ocorre a estabilização por ressonância do Pi, como mostrado na Figura 13-11. Ácido 3-fosfoglicérico Hidrólise CHOH CH2 O P O C O2O OH O2 H1 H2O Pi Ionização 3-Fosfoglicerato P O2 2O O2 O O CHOH CH2 O P O C O 3 1 2 2O Estabilização por ressonância CHOH CH2 O P O C O2O O2 OO dd2 2 1,3-Bifosfoglicerato 42 1 H2O 3-fosfoglicerato32 1 HPO4 22 1 H1 DG98 5 249,3 kJ/mol FIGURA 1314 Hidrólise do 1,3-bi- fosfoglicerato. O produto direto da hidrólise do 1,3-bifosfoglicerato é o ácido 3-fosfoglicérico, o qual apresenta um grupo ácido carboxílico não disso- ciado. Sua dissociação favorece as es- truturas de ressonância que estabilizam o produto, em relação aos reagentes. A estabilização por ressonância do Pi re- presenta uma contribuição adicional à variação de energia livre negativa. COO2 Estabilização por ressonânciaPi Hidrólise CH2H2O CH3 Creatina H2N C N 1NH2 NH2N COO2 CH2 CH3C2O 1NH2 COO2 P CH2 N H C CH3 O N O2 Fosfocreatina H2N d1 d1 d1 creatina 1 HPO4 22Fosfocreatina 22 1 H2O DG98 5 243,0 kJ/mol FIGURA 1315 Hidrólise da fosfo- creatina. A quebra da ligação P¬N da fosfocreatina gera creatina, a qual é estabilizada pela formação de um híbri- do de ressonância. O outro produto, o Pi, também é estabilizado por ressonância. Nelson_6ed_book.indb 520 Nelson_6ed_book.indb 520 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 521 negativa. A Tabela 13-6 apresenta a energia livre padrão de hidrólise para alguns compostos fosforilados de importân- cia biológica. Os tioésteres, em que um átomo de enxofre substi- tui o oxigênio na ligação éster, também têm energia livre padrão de hidrólise elevada e negativa. A acetil-coenzima A, ou acetil-CoA (Figura 13-16), é um dos muitos tio- ésteres importantes no metabolismo. O grupo acil nesses compostos é ativado por reações de transacilação, con- densação ou oxidação-redução. Os tioésteres sofrem mui- to menos estabilização por ressonância do que os ésteres de oxigênio; consequentemente, a diferença de energia livre entre o reagente e os seus produtos de hidrólise que são estabilizados por ressonância é maior para os tioés- teres do que para os ésteres de oxigênio relacionados (Figura 13-17). Em ambos os casos, a hidrólise do éster gera um ácido carboxílico que pode ionizar e assumir vá- rios estados de ressonância. Somados, esses fatores re- sultam em um DG9° de hidrólise da acetil-CoA (231,4 kJ/ mol) elevado e negativo. Em resumo, para as reações de hidrólise com variações de energia livre padrão elevadas e negativas, os produtos são mais estáveis do que os reagentes por uma, ou mais, das seguintes razões: (1) a tensão de ligação dos reagentes devido à repulsão eletrostática é aliviada pela separação de cargas, como para o ATP; (2) os produtos são estabilizados por ionização, como no ATP, nos acil-fosfatos e nos tioés- TABELA 136 Valores de energia livre padrão de hidrólise de alguns compostos fosforilados e da acetil-CoA (um tioéster) DG9° (kJ/mol) (kcal/mol) Fosfoenolpiruvato 1,3-bifosfoglicerato 261,9 214,8 1,3-Bifosfoglicerato (S3-fosfoglicerato 1 Pi) 249,3 211,8 Fosfocreatina 243,0 210,3 ADP (S AMP 1 Pi) 232,8 27,8 ATP (S ADP 1 Pi) 230,5 27,3 ATP (S AMP 1 PPi) 245,6 210,9 AMP (S adenosina 1 Pi) 214,2 23,4 PPi (S 2Pi) 219,2 24,0 Glicose-3-fosfato 220,9 25,0 Frutose-6-fosfato 215,9 23,8 Glicose-6-fosfato 213,8 23,3 Glicerol-3-fosfato 29,2 22,2 Acetil-CoA 231,4 27,5 Fonte: Dados extraídos, na maior parte, de Jencks, W. P. (1976), Handbook of Biochemistry and Molecular Biology, 3rd ed. (Fasman, G.D., ed., Physical and Chemical Data, vol. 1, p. 296-304, CRC Press, Boca Raton, FL. O valor da energia livre para a hidrólise de PPi foi extraído de Frey, P.A. & Arabshahi, A. (1995) Standard free-energy change for the hydrolysis of the a-b-phosphoa- nhydride in ATP. Biochemistry 34, 11, 307-11, 310. CH3 acetato2 1 CoA C O OH Acetato Acetil-CoA H2O Estabilização por ressonância CoASH Hidrólise Ionização S-CoA CH3 C O CH3 C O Acetil-CoA Ácido acético H1 O 1 H2O 1 H1 d2 d2 DG98 5 231,4 kJ/mol FIGURA 1316 Hidrólise da acetil-coenzima A. A acetil-CoA é um tio- éster com energia livre padrão de hidrólise elevada e negativa. Os tioésteres contêm um átomo de enxofre na posição ocupada por um átomo de oxigê- nio nos ésteres. A estrutura completa da coenzima A (CoA ou CoASH) está representada na Figura 8-38. O CH3 C CH3 O C Tioéster O R OH Estabilização extra do éster do oxigênio por ressonância CH3 C O O R 1 R OH CH3 C O S SH En er gi a liv re , G Estabilização por ressonância Éster de oxigênio CH3 C O OH 1 R R DG para a hidrólise do éster de oxigênio DG para a hidrólise do tioéster d2 d1 FIGURA 1317 Energia livre de hidrólise para tioésteres e ésteres de oxigênio. Os produtos de ambos os tipos de reação de hidró- lise têm aproximadamente o mesmo conteúdo de energia livre (G), mas o tioéster tem conteúdo de energia livre maior que o éster de oxigênio. A sobreposição de orbitais entre os átomos de O e C possibilita a estabilização por ressonância dos ésteres de oxigênio; a sobreposição de orbitais entre os átomos de S e C é pouco expressiva e gera pouca estabilização por ressonância. Nelson_6ed_book.indb 521 Nelson_6ed_book.indb 521 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 522 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX teres; (3) os produtos são estabilizados por isomerização (tautomerização), como para o PEP; e/ou (4) os produtos são estabilizados por ressonância, como para a creatina li- berada da fosfocreatina, o íon carboxilato liberado do acil- -fosfato e dos tioésteres, e o fosfato (Pi) liberado das liga- ções anidrido ou éster. O ATP fornece energia por transferência de grupos e não por simples hidrólise Ao longo deste livro você encontrará reações ou processos para os quais o ATP fornece energia. A contribuição do ATP para essas reações é comumente indicada como na Figura 13-18a, com uma seta simples mostrando a conversão de ATP em ADP e Pi (ou, em alguns casos, de ATP em AMP e pirofosfato, PPi). Quando representadas dessa forma, essas reações de ATP parecem ser reações de hidrólise simples, na qual a água desloca Pi (ou PPi), e somos tentados a dizer que a reação dependente de ATP é “impulsionada pela hi- drólise do ATP”. Entretanto, este não é o caso. A hidrólise de ATP por de per si geralmente realiza nada mais do que a liberação de calor, que não pode impulsionar um processo químico em um sistema isotérmico. As reações represen- tadas por setas simples, como aquela da Figura 13-18a, quase sempre indicam um processo em duas etapas (Figu- ra 13-18b) em que parte da molécula de ATP, ou seja, um grupo fosforil ou pirofosforil ou a porção adenilato (AMP), é primeiro transferida para uma molécula de substrato ou para um resíduo de aminoácido de uma enzima, tornando- -se covalentemente acoplada ao substrato ou à enzima, aumentando, dessa forma, seu conteúdo de energia livre. Em seguida, em uma segunda etapa, a porção com fosfato transferida na primeira etapa é deslocada, gerando Pi, PPi ou AMP. Assim, o ATP participa covalentemente da reação enzimática, para a qual ele fornece energia livre. No entanto, alguns processos envolvem a hidrólise dire- ta do ATP (ou GTP). Por exemplo, a ligação não covalente de ATP (ou GTP), seguida da sua hidrólise a ADP (ou GDP) e Pi, pode fornecer a energia para promover a alternância de algumas proteínas entre duas conformações, produzindo movimento mecânico. Isso ocorre na contração muscular (ver Figura 5-31) e no movimento de enzimas ao longo do DNA (ver Figura 25-31) ou no deslocamento dos ribosso- mos ao longo do RNA mensageiro (ver Figura 27-31). As reações dependentes de energia catalisadas por helicases, proteína RecA e algumastopoisomerases (Capítulo 25) também envolvem a hidrólise direta de ligações fosfoanidri- do. As AAA1 ATPases envolvidas na replicação do DNA e em outros processos descritos no Capítulo 25 usam a hidró- lise do ATP para ciclar proteínas associadas entre as formas ativa e inativa. As proteínas ligadoras de GTP, que agem em vias de sinalização, hidrolisam GTP diretamente para im- pulsionar mudanças conformacionais que extinguem sinais desencadeados por hormônios ou por outros fatores extra- celulares (Capítulo 12). Os compostos de fosfato encontrados em organismos vi- vos podem ser, um tanto arbitrariamente, divididos em dois grupos com base em suas energias livres padrão de hidrólise (Figura 13-19). Os compostos de “alta energia” têm DG9° de hidrólise mais negativo do que 225 kJ/mol; os compos- tos de “baixa energia” têm DG9° menos negativo. Com base nesse critério, ATP, com DG9° de hidrólise de 230,5 kJ/mol (27,3 kcal/mol), é um composto de alta energia; glicose-6- -fosfato, com DG9° de hidrólise de 213,8 kJ/mol (23,3 kcal/ mol), é um composto de baixa energia. O termo “ligação de fosfato de alta energia”, por muito tempo usado pelos bioquímicos para descrever a ligação P¬O quebrada em reações de hidrólise, é incorreto e en- ganoso, já que sugere erroneamente que a ligação por si mesma contém a energia. De fato, a quebra de todas as ligações químicas requer um fornecimento de energia. A energia livre liberada pela hidrólise de compostos de fos- fato não vem da quebra da ligação especificamente; ela resulta dos produtos da reação com menor conteúdo de energia livre do que os reagentes. Para simplificar, algu- mas vezes será utilizado o termo “composto de fosfato de alta energia” em referência ao ATP ou a outro composto de fosfato com energia livre padrão de hidrólise elevada e negativa. Como as variações de energia livre das reações se- quenciais são aditivas (ver Seção 13.1), qualquer com- posto fosforilado pode ser sintetizado acoplando-se a reação de síntese à quebra de outro composto fosforila- do com uma energia livre de hidrólise mais negativa. Por exemplo, como a clivagem de Pi a partir de fosfoenolpi- ruvato libera mais energia do que a necessária para im- pulsionar a condensação de Pi com ADP, a doação direta i (a) Escrita como reação de uma etapa ➊ ➋ NH2 ATP ADP O NH3 NH3 O2 ATP ADP 1 P P 2O Pi Glutamato Glutamil fosfato ligado à enzima Glutamina (b) Reação de duas etapas 1 CH2 CH CH H3N C O 2 COO2 1 CH2 H3N 1 1 CH2 CHH3N C O CH2 COO2 C O O O2 CH CH2 COO2 FIGURA 1318 A hidrólise de ATP em duas etapas. (a) A contribuição do ATP para uma reação frequentemente é representada como etapa única, mas ela é quase sempre um processo em duas etapas. (b) É representada aqui a reação catalisada pela enzima dependente de ATP, a glutamina-sinte- tase. ➊ Um grupo fosforil é transferido do ATP para a glutamina; então, ➋ o grupo fosforil é deslocado pelo NH3 e liberado como Pi. Nelson_6ed_book.indb 522 Nelson_6ed_book.indb 522 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 523 de um grupo fosforil de PEP para ADP é termodinamica- mente possível: Note que, enquanto a reação global está representada como a soma algébrica das duas primeiras reações, na reali- dade essa é uma terceira reação distinta que não envolve Pi; o PEP doa um grupo fosforil diretamente ao ADP. Os com- postos fosforilados são dotados de alto ou baixo potencial de transferência de grupo fosforil com base em sua energia livre padrão de hidrólise (como listado na Tabela 13-6). O potencial de transferência do grupo fosforil do PEP é muito elevado, o do ATP é elevado, e o da glicose-6-fosfato é baixo (Figura 13-19). Uma grande parte do catabolismo é direcionada para a síntese de compostos de fosfato de alta energia, mas sua formação não é um objetivo em si; eles são os meios para ativação de uma ampla variedade de compostos utilizados nas reações químicas subsequentes. A transferência de um grupo fosforil a um composto agrega, efetivamente, energia livre a este composto, de modo que ele passa a ter mais energia livre para liberá-la durante as transformações quí- micas subsequentes. Antes foi descrito como a síntese de glicose-6-fosfato está associada à transferência de grupo fosforil do ATP. O próximo capítulo mostra como essa fos- forilação da glicose ativa, ou “prepara”, a glicose para as reações catabólicas que ocorrem em praticamente todas as células vivas. Devido à sua posição intermediária na escala de potencial de transferência de grupo, o ATP é capaz de transferir energia dos compostos de fosfato de alta energia, produzidos pelo catabolismo, para compostos como a gli- cose, convertendo-os em espécies mais reativas. Assim, o ATP serve como a moeda universal de energia em todas as células vivas. Uma característica mais química do ATP é crucial para sua função no metabolismo: embora em solução aquosa o ATP seja termodinamicamente instável, sendo, portanto, um bom doador de grupos fosforil, ele é cineticamente estável. Devido à enorme energia de ativação (200 a 400 kJ/mol) necessária para a clivagem não enzimática de sua ligação fosfoanidrido, o ATP não é capaz de doar esponta- neamente grupos fosforil para a água ou para as centenas de outras potenciais moléculas aceptoras na célula. A trans- ferência dos grupos fosforil do ATP ocorre somente quando estão presentes enzimas específicas para reduzir a energia de ativação. A célula é, portanto, capaz de regular a dispo- nibilidade de energia transportada pelo ATP por meio da regulação das várias enzimas que atuam sobre ele. O ATP doa grupos fosforil, pirofosforil e adenilil As reações do ATP geralmente são substituições nucleofíli- cas SN2 (ver Seção 13.2) em que o nucleófilo pode ser, por exemplo, o oxigênio de um álcool ou de um carboxilato, ou um nitrogênio da creatina ou da cadeia lateral de arginina ou histidina. Os três fosfatos do ATP são suscetíveis ao ata- que nucleofílico (Figura 13-20), e cada posição de ataque resulta em um tipo diferente de produto. O ataque nucleofílico por um álcool sobre o g-fosfato (Figura 13-20a) desloca ADP e produz um novo éster-fos- fato. Estudos realizados com reagentes marcados com 18O mostraram que a ligação de oxigênio no novo composto é Fosfocreatina 1 2 210 Fosfoenolpiruvato2 70 1,3-Bifosfoglicerato 2 60 2 30 2 50 2 40 2 20 ATP Compostos de baixa energia Compostos de alta energia 0 Pi P O CHOH C CH2 3 2 1 P PRib Glicerol- P P PGlicose 6- Adenina COO2 C CH2 P P P O O O NH2 COO CH2 N H C CH3N FIGURA 1319 Classificação dos compostos de fosfato biológicos por energia livre padrão de hidrólise. A figura apresenta os grupos fos- foril, representados por , partindo de doadores de grupo fosforil de alta energia, passando por ATP, até moléculas receptoras (como glicose e glice- rol) formando seus derivados fosfatados de baixa energia (a localização de cada grupo fosforil do composto doador ao longo da escala indica apro- ximadamente a DG9° de hidrólise). Este fluxo de grupos fosforil, catalisado pelas cinases, ocorre com uma perda global de energia livre em condições intracelulares. A hidrólise de compostos de fosfato de baixa energia libera Pi, que apresenta um potencial de transferência de grupo fosforil ainda menor (conforme definido no texto). Nelson_6ed_book.indb 523 Nelson_6ed_book.indb 523 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 524 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX derivada do álcool, e não do ATP; o grupo transferido do ATP é, consequentemente, um fosforil (¬PO3 22), e não um fosfato (¬OPO3 22). A transferência de grupos fosforil do ATP para o glutamato (Figura 13-18) ou para a glicose (p. 219) envolve um ataque na posição g da molécula de ATP. O ataque ao fosfato b do ATP desloca AMP e transfere um grupo pirofosforil (não pirofosfato) ao nucleófilo ata- cante (Figura 13-20b). Porexemplo, a formação de 5-fos- foribosil-1-pirofosfato (p. 892), um intermediário-chave na síntese dos nucleotídeos, é resultante do ataque de uma ¬OH da ribose sobre um fosfato b. O ataque nucleofílico na posição a do ATP desloca PPi e transfere adenilato (59-AMP) como um grupo adenilil (Figu- ra 13-20c); a reação é uma adenililação (uma das palavras mais truncadas da linguagem bioquímica). Note que a hi- drólise da ligação a-b fosfoanidrido libera consideravelmen- te mais energia (,46 kJ/mol) do que a hidrólise da ligação b-g (,31 kJ/mol) (Tabela 13-6). Além disso, o PPi formado como subproduto da adenililação é hidrolisado a dois Pi pela enzima ubíqua pirofosfatase inorgânica, liberando 19 kJ/ mol e fornecendo, portanto, energia adicional de “arranque” para a reação de adenililação. De fato, as duas ligações fosfo- anidrido do ATP são rompidas na reação global. As reações de adenililação são, portanto, termodinamicamente muito favoráveis. Quando a energia do ATP é utilizada para promo- ver uma reação metabólica particularmente desfavorável, a adenililação com frequência é o mecanismo de acoplamento de energia. A ativação de ácidos graxos é um bom exemplo dessa estratégia de acoplamento de energia. A primeira etapa na ativação de um ácido graxo – seja para a oxidação com geração de energia ou para o uso na síntese de lipídeos mais complexos – é a formação de seu éster tiol (ver Figura 17-5). A condensação direta de um ácido graxo com a coenzima A é endergônica, mas a for- mação da acil-CoA graxo torna-se exergônica pela remoção sequencial de dois grupos fosforil do ATP. Primeiramen- te, o adenilato (AMP) é transferido do ATP para o grupo carboxil do ácido graxo, formando um anidrido misto (acil graxo-adenilato) e liberando PPi. O grupo tiol da coenzima A, então, desloca o grupo adenilil e forma um tioéster com o ácido graxo. A soma dessas duas reações é energeticamen- te equivalente à hidrólise exergônica do ATP em AMP e PPi (DG9° 5 245,6 kJ/mol) e à formação endergônica de acil- -CoA graxo (DG9° 5 231,4 kJ/mol). A formação de acil-CoA graxo torna-se energeticamente favorável pela hidrólise do PPi pela pirofosfatase inorgânica. Assim, na ativação de um ácido graxo, as duas ligações fosfoanidrido do ATP são rom- pidas. O DG9° resultante é a soma dos valores de DG9° para a quebra dessas ligações, ou seja, 245,6 kJ/mol 1 (219,2) kJ/mol: ATP 1 2H2O S AMP 1 2Pi DG9º 5 264,8 kJ/mol A ativação de aminoácidos que precede sua polimeriza- ção em proteínas (ver Figura 27-19) é realizada por um gru- po análogo de reações em que a coenzima A é substituída por uma molécula de RNA de transferência. Uma utilização interessante da clivagem de ATP em AMP e PPi ocorre no vaga-lume, que utiliza ATP como fonte de energia para a produção de lampejos de luz (Quadro 13-1). A montagem de macromoléculas informacionais requer energia Quando precursores simples se reúnem formando polí- meros de alta massa molecular com sequências definidas (DNA, RNA, proteínas), como descrito em detalhe na Par- te III, é necessário energia tanto para a condensação das unidades monoméricas quanto para a criação de sequên- cias ordenadas. Os precursores para a síntese de DNA e RNA são os nucleosídeos-trifosfato, e a polimerização é acompanhada pela clivagem da ligação fosfoanidrido entre os fosfatos a e b, com a liberação de PPi (Figura 13-20). As unidades monoméricas transferidas para o polímero em crescimento nessas reações são adenilato (AMP), guanilato (GMP), citidilato (CMP) ou uridilato (UMP) para a sínte- se de RNA, e seus análogos desóxi (com TMP no lugar de UMP) para a síntese de DNA. Como mencionado anterior- mente, a ativação dos aminoácidos para a síntese de pro- FIGURA 1320 Reações de deslocamento nucleofílico do ATP. Qualquer um dos três átomos de P (a, b ou g) pode servir como o alvo eletrofílico para o ataque nucleofílico – neste caso, pelo nucleófilo marcado R¬ 18O:. O nucleófilo pode ser um álcool (ROH), um grupo carboxil (RCOO2) ou um fosfoanidrido (p. ex., um nucleosídeo mono- ou difosfato). (a) Quando o oxigênio do nucleófilo ataca a posição g, a ligação de oxigênio do produto está marcada, indicando que o gru- po transferido do ATP é um fosforil (¬PO3 22) e não um fosfa- to (¬OPO3 22). (b) O ataque na posição b desloca AMP e leva à transferência de um grupo pirofosforil (não pirofosfato) para o nucleófilo. (c) O ataque na posição a desloca PPi e transfere o grupo adenilil para o nucleófilo. Três posições no ATP atacáveis pelo nucleófilo R18Ö O OP O2 Rib Adenina2O Transferência de pirofosforil (b) Transferência de fosforil (a) Transferência de adenilil (c) Rib Adenina g b a R18O R18O R18O R18O R18OR18O 1 1 1 ADP AMP PPi O OP O2 O OP O2 O O2P O2 O OP O2 O OP O2 O O2P O2 : : : Nelson_6ed_book.indb 524 Nelson_6ed_book.indb 524 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 525 teínas envolve a doação de grupos adenilil do ATP, e o Ca- pítulo 27 mostra que várias etapas da síntese de proteínas no ribossomo também são acompanhadas pela hidrólise de GTP. Em todos esses casos, a quebra exergônica de um nu- cleosídeo-trifosfato está acoplada ao processo endergônico de sintetizar um polímero de sequência específica. O ATP fornece energia para o transporte ativo e a contração muscular O ATP é capaz de fornecer energia para transportar um íon ou uma molécula, por uma membrana, para outro com- partimento aquoso, onde sua concentração é mais elevada (ver Figura 11-38). Os processos de transporte são os prin- cipais consumidores de energia; nos rins e no cérebro hu- mano, por exemplo, dois terços da energia consumida quan- do em repouso são usados para bombear Na1 e K1 através da membrana plasmática por meio da Na1K1 – ATPase. O transporte de Na1 e K1 é movido por fosforilação e desfos- forilação cíclica da proteína transportadora, sendo o ATP o doador de grupo fosforil. A fosforilação dependente de Na1 da Na1K1-ATPase induz uma alteração na conformação da proteína, e a desfosforilação dependente de K1 favorece o retorno à conformação original. Cada ciclo no processo de transporte resulta na conversão de ATP em ADP e Pi, sendo a variação da energia livre da hidrólise do ATP responsável pelas alterações cíclicas na conformação da proteína que re- sultam no bombeamento eletrogênico de Na1 e K1. Note que, nesse caso, o ATP interage covalentemente pela transferên- cia de grupo fosforil para a enzima, e não para o substrato. QUADRO 131 Lampejos dos vaga-lumes: indicadores incandescentes de ATP A bioluminescência requer consideráveis quantidades de energia. No vaga-lume, o ATP é utilizado em um grupo de reações que convertem energia química em energia luminosa. Em 1950, a partir de milhares de vaga-lumes coletados por crianças em Baltimore e arredores, William McElroy e seus colaboradores da Universidade Johns Hopkins isolaram os principais componentes bioquími- cos: a luciferina (ácido carboxílico complexo) e a luci- ferase (enzima). A geração de um lampejo de luz requer a ativação de luciferina por uma reação enzimática en- volvendo a clivagem de pirofosfato do ATP para formar luciferil-adenilato (Figura Q-1). Na presença de oxigênio molecular e luciferase, a luciferina sofre descarboxilação oxidativa, um processo em várias etapas, formando oxi- luciferina. Esse processo é acompanhado pela emissão de luz. A cor do lampejo de luz difere de acordo com a espécie de vaga-lume e parece ser determinada por di- ferenças na estrutura da luciferase. A luciferina é rege- nerada a partir da oxiluciferina, em uma série de reações subsequentes. No laboratório, a luciferina e a luciferase purificadas de vaga-lume são utilizadas para medir quantidades mui- to pequenas de ATP através da intensidade de luz produ- zida. Quantidades tão pequenas quanto alguns picomoles (10–12 mol) de ATP podem ser detectados dessa forma. A técnica de pirossequenciamentode DNA é baseada em flashes de luz originários da reação da luciferina- -luciferase para detectar a presença de ATP após a adi- ção de nucleotídeos a uma fita de DNA em crescimento (Ver Figura 9-25). Vaga-lume, besouro da família Lampyridae. S P OO O2 N HO S C OxiluciferinaReações de regeneração CO2 1 AMP Luciferase luz O2 AMP N H H ATP S N HO S COO2N Adenina O Rib PPi Luciferina Adenilato de luciferil O H H H H S N HO S N O FIGURA Q1 Componentes importantes no ciclo de bioluminescência do vaga-lume. Nelson_6ed_book.indb 525 Nelson_6ed_book.indb 525 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 526 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX No sistema contrátil das células do músculo esquelético, a miosina e a actina são proteínas especializadas em trans- duzir a energia química do ATP em movimento (ver Figura 5-31). O ATP liga-se fortemente, mas não covalentemente, a uma determinada conformação da miosina, mantendo a proteína nessa conformação. Quando a miosina catalisa a hidrólise do ATP ligado, ADP e Pi se dissociam, permitindo o relaxamento da proteína em uma segunda conformação até que outra molécula de ATP se ligue. A ligação e a subse- quente hidrólise do ATP (pela miosina-ATPase) fornecem a energia que impulsiona as mudanças cíclicas na confor- mação da cabeça de miosina. A variação na conformação de muitas moléculas de miosina individuais resulta no desliza- mento das fibras de miosina ao longo dos filamentos de ac- tina (ver Figura 5-30), o que leva à contração macroscópica da fibra muscular. Como mencionado anteriormente, essa produção de movimento mecânico com o gasto de ATP é um dos poucos casos em que a hidrólise de ATP por si, e não a transferência de grupos do ATP, é a fonte da energia química em um processo acoplado. As transfosforilações entre nucleotídeos ocorrem em todos os tipos celulares Embora o ATP tenha sido focalizado como a moeda energé- tica da célula e o doador de grupos fosforil, todos os outros nucleosídeos-trifosfato (GTP, UTP e CTP) e todos os deso- xinucleotídeos-trifosfato (dATP, dGTP, dTTP e dCTP) são energeticamente equivalentes ao ATP. As variações de ener- gia livre padrão associadas à hidrólise de suas ligações fos- foanidrida são praticamente idênticas àquelas do ATP, mos- tradas na Tabela 13-6. Na preparação para as suas diferentes funções biológicas, esses outros nucleotídeos são gerados e mantidos na forma de nucleosídeos-trifosfato (NTP) por transferência de grupo fosforil aos nucleosídeos-difosfato correspondentes (NDP) e nucleosídeos-monofosfato (NMP). O ATP é o principal composto de fosfato de alta ener- gia produzido pelo catabolismo nos processos de glicólise, fosforilação oxidativa e, nas células fotossintéticas, foto- fosforilação. Diversas enzimas são capazes de transportar grupos fosforil do ATP para outros nucleosídeos. A nucle- osídeo-difosfato-cinase, encontrada em todas as células, catalisa a reação Embora essa reação seja totalmente reversível, a relação [ATP]/[ADP] relativamente alta nas células em geral im- pulsiona a reação para a direita, com a formação líquida de NTP e dNTP. Na realidade, a enzima catalisa a transfe- rência de grupo fosforil em duas etapas, constituindo um exemplo clássico de um mecanismo de deslocamento du- plo (pingue-pongue) (Figura 13-21; ver também Figura 6-13b). Primeiramente, a transferência de um grupo fosfo- ril do ATP ao resíduo de His do sítio ativo gera um interme- diário fosfoenzima; a seguir, o grupo fosforil é transferido do resíduo de His para um receptor NDP. Como a enzima não é específica para a base do NDP e funciona igualmente bem sobre dNDP e NDP, ela pode sintetizar todos os NTP e dNTP, desde que sejam fornecidos os NDP corresponden- tes e uma fonte de ATP. A transferência de grupos fosforil do ATP resulta em um acúmulo de ADP; por exemplo, quando o músculo está contraindo vigorosamente, ADP se acumula e interfere com a contração dependente de ATP. Durante períodos de intensa demanda por ATP, a célula reduz a concentração de ADP e, ao mesmo tempo, repõe ATP pela ação da ade- nilato-cinase: Esta reação é totalmente reversível, de modo que, após o término da demanda intensa por ATP, a enzima pode reci- clar AMP convertendo-o em ADP, que pode ser, então, fos- forilado a ATP na mitocôndria. Uma enzima semelhante, a guanilato-cinase, converte GMP em GDP com gasto de ATP. Por meio de vias como essas, a energia conservada na pro- dução catabólica de ATP é utilizada para suprir a célula com todos os NTP e dNTP necessários. A fosfocreatina (PCr; Figura 13-15), também chamada de creatina-fosfato, atua como uma fonte imediata de gru- pos fosforil para a síntese rápida de ATP a partir de ADP. A concentração de PCr no músculo esquelético é de cerca de 30 mM, quase 10 vezes a concentração de ATP, e em outros tecidos como músculo liso, cérebro e rins a [PCr] é de 5 a 10 mM. A enzima creatina-cinase catalisa a reação reversível Quando uma súbita demanda por energia esgota o ATP, o reservatório de PCr é utilizado para a reposição de ATP a uma velocidade consideravelmente maior do que a síntese PP PAdenosina (ATP) P PAdenosina (ADP) PP P P Enz His Enz His Pingue Pongue Nucleosídeo (qualquer NTP ou dNTP) P PNucleosídeo (qualquer NDP ou dNDP) FIGURA 1321 O mecanismo pingue-pongue da nucleosídeo-difosfato-cinase. A enzima liga seu primeiro substrato (ATP em nosso exemplo), e um grupo fosforil é transferido para a cadeia lateral de um resíduo de His. O ADP sai, e outro nucleosídeo (ou desoxinucleosídeo) difosfato o substitui, sendo convertido ao trifosfato correspondente por transferência do grupo fosforil do resíduo fosfo-histidina. Nelson_6ed_book.indb 526 Nelson_6ed_book.indb 526 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 527 de ATP pelas vias catabólicas. Quando a demanda por ener- gia diminui, o ATP produzido por catabolismo é utilizado para reconstituir o reservatório de PCr pela reação inversa da creatina-cinase (ver Quadro 23-2). Os organismos infe- riores utilizam outras moléculas semelhantes à PCr (coleti- vamente chamadas de fosfágenos) como reservatórios de grupos fosforil. O polifosfato inorgânico é um doador potencial de grupo fosforil O polifosfato inorgânico, poliP (ou [poliP]n, no qual n é o número de resíduos ortofosfatos) é um polímero linear, composto de dezenas ou centenas de resíduos de Pi li- gados por meio de ligações fosfoanidrido. Esse polímero, presente em todos os organismos, pode acumular-se em níveis elevados em algumas células. Em leveduras, por exemplo, a quantidade de poliP acumulada nos vacúolos representaria, se distribuída uniformemente por toda cé- lula, uma concentração de 200 mM! (Compare com as con- centrações de outros doadores de grupos fosforil listados na Tabela 13-5.) Uma função potencial do poliP é atuar como fosfáge- no, um reservatório de grupos fosforil que pode ser usado para gerar ATP, assim como a creatina-fosfato é utilizada no músculo. O poliP tem, aproximadamente, o mesmo potencial de transferência de grupo fosforil que o PPi. O polifosfato mais curto, PPi (n 5 2), pode atuar como fonte de energia para o transporte ativo de H1 através da membrana do vacúolo em células vegetais. O PPi é o doador de grupo fosforil para pelo menos uma forma da enzima fosfofrutocinase em plantas, uma função exercida por ATP em animais e micróbios (p. 550). A descoberta de altas concentrações de poliP em condensados vulcâni- cos e em fontes de vapor sugere que ele pode ter servido como fonte de energia em tempos prebióticos e na evolu- ção celular inicial. Em bactérias, a enzima polifosfato-cinase-1 (PPK-1) catalisa a reação reversível (poliP) (poliP) por um mecanismo envolvendo um intermediário fosfo- -histidina ligado à enzima (lembre-se do mecanismo da nu- cleosídeo-difosfato-cinase, descrito na Figura 13-21). Uma segunda enzima, a polifosfato-cinase-2 (PPK-2), catalisaa síntese reversível de GTP (ou ATP) a partir de polifosfato e GDP (ou ADP): (poliP) (poliP) Imagina-se que a PPK-2 atue principalmente no sentido da síntese de GTP e ATP, e que a PPK-1 atue no sentido da síntese do polifosfato. PPK-1 e PPK-2 estão presentes em uma ampla variedade de bactérias, incluindo muitas espé- cies patogênicas. Em bactérias, os níveis elevados de poliP têm sido re- lacionados com a indução da expressão de genes envolvi- dos na adaptação do organismo às condições de inanição ou outras ameaças à sobrevivência. Em Escherichia coli, por exemplo, ocorre o acúmulo de poliP quando as células estão carentes de aminoácidos ou Pi, e esse acúmulo con- fere uma vantagem de sobrevivência. A deleção dos genes que codificam as polifosfato-cinases reduz a capacidade de certas bactérias patogênicas de invadir os tecidos animais. Essas enzimas podem, portanto, ser alvos adequados no de- senvolvimento de novos antibióticos. Nenhum gene de levedura codifica uma proteína se- melhante à PPK; todavia, quatro genes – não relacionados aos genes da PPK de bactérias – são necessários para a síntese do polifosfato. O mecanismo de síntese do polifos- fato em eucariotos parece ser bem diferente daquele em bactérias. RESUMO 13.3 Transferência de grupos fosforil e ATP c O ATP é a conexão química entre catabolismo e ana- bolismo. Ele é a moeda energética das células vivas. A conversão exergônica de ATP em ADP e Pi, ou em AMP e PPi, está acoplada a muitas reações e processos en- dergônicos. c A hidrólise direta de ATP é a fonte de energia em al- guns processos impulsionados por mudanças conforma- cionais, mas em geral não é a hidrólise de ATP e sim a transferência de um grupo fosforil, pirofosforil ou adeni- lil do ATP a um substrato ou a uma enzima que acopla a energia da quebra do ATP às transformações endergôni- cas de substratos. c Por meio dessas reações de transferência de grupo, o ATP fornece energia para as reações anabólicas, in- cluindo a síntese de macromoléculas informacionais, e para o transporte de moléculas e íons através das membranas contra gradientes de concentração e de potencial elétrico. c Para manter seu elevado potencial de transferência de grupos, a concentração de ATP deve ser mantida muito acima da concentração de equilíbrio das reações gera- doras de energia do catabolismo. c As células contêm outros metabólitos com energia livre de hidrólise elevada e negativa, incluindo fosfoenolpi- ruvato, 1,3-bifosfoglicerato e fosfocreatina. Esses com- postos de alta energia, como o ATP, possuem elevado potencial de transferência de grupos fosforil. Os tioéste- res também possuem elevada energia livre de hidrólise. c O polifosfato inorgânico, presente em todas as células, pode atuar como um reservatório de grupos fosforil com elevado potencial de transferência de grupos. Nelson_6ed_book.indb 527 Nelson_6ed_book.indb 527 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 528 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX 13.4 Reações biológicas de oxidação-redução A transferência de grupos fosforil é uma característica cen- tral do metabolismo. Igualmente importante é outro tipo de transferência, a de elétrons nas reações de oxidação-redu- ção. Essas reações envolvem a perda de elétrons por uma espécie química, que é oxidada, e o ganho de elétrons por outra espécie, que é reduzida. O fluxo de elétrons nas rea- ções de oxidação-redução é responsável, direta ou indire- tamente, por todo trabalho realizado por organismos vivos. Em organismos não fotossintéticos, as fontes de elétrons são os compostos reduzidos (alimentos); em organismos fotos- sintéticos, o doador de elétrons inicial é uma espécie quími- ca excitada pela absorção de luz. O caminho do fluxo de elé- trons no metabolismo é complexo. Os elétrons movem-se de diferentes intermediários metabólicos para transportadores de elétrons especializados, em reações catalisadas enzima- ticamente. Os transportadores, por sua vez, doam elétrons para receptores com afinidade maior por elétrons, com a li- beração de energia. As células contêm uma grande varieda- de de transdutores moleculares de energia, que convertem a energia do fluxo de elétrons em trabalho útil. Inicialmente será discutido como o trabalho pode ser realizado por uma força eletromotriz, considerando em se- guida as bases teóricas e experimentais para medir as va- riações de energia em reações de oxidação, em termos de força eletromotriz, e a relação entre essa força, expressa em volts, e a variação de energia livre, expressa em joules. Para finalizar, serão descritas as estruturas e a química da oxidação-redução dos transportadores especializados de elétrons mais comuns, os quais você encontrará repetida- mente nos capítulos seguintes. O fluxo de elétrons pode realizar trabalho biológico Sempre que se usa um motor elétrico, uma lâmpada ou um aquecedor elétrico, ou ainda quando uma faísca promove a combustão da gasolina em um motor de automóveis, usa-se o fluxo de elétrons para realizar trabalho. No circuito que forne- ce energia a um motor, a fonte de elétrons pode ser uma bate- ria contendo duas espécies químicas com afinidades diferen- tes por elétrons. Os fios elétricos proporcionam um caminho para o fluxo dos elétrons entre as espécies químicas localiza- das em um polo da bateria, por meio do motor, até as espécies químicas localizadas no outro polo da bateria. Como as duas espécies químicas diferem em suas afinidades por elétrons, eles fluem espontaneamente ao longo do circuito, impulsiona- dos por uma força proporcional à diferença de afinidade por elétrons, a força eletromotriz (fem). A fem (geralmente al- guns volts) é capaz de realizar trabalho caso um transdutor de energia apropriado – nesse caso um motor – seja incluído no circuito. O motor pode ser acoplado a uma grande variedade de equipamentos mecânicos para realizar trabalho útil. As células vivas têm um “circuito” biológico análogo, com compostos relativamente reduzidos, por exemplo a gli- cose, como fonte de elétrons. À medida que a glicose é enzi- maticamente oxidada, os elétrons liberados fluem de modo espontâneo por uma série de intermediários transportado- res de elétrons para outras espécies químicas, como o O2. Esse fluxo de elétrons é exergônico, já que o O2 tem maior afinidade por elétrons do que os intermediários transpor- tadores de elétrons. A fem resultante fornece energia para uma grande variedade de transdutores moleculares de energia (enzimas e outras proteínas) que realizam trabalho biológico. Na mitocôndria, por exemplo, enzimas ligadas à membrana acoplam o fluxo de elétrons à produção de uma diferença de pH transmembrana, além de um potencial elé- trico transmembrana, realizando trabalho osmótico e elé- trico. O gradiente de prótons assim formado tem energia potencial, algumas vezes chamada de força próton-motriz, em analogia à força eletromotriz. Outra enzima, a ATP- -sintetase localizada na membrana interna da mitocôndria, usa a força próton-motriz para realizar trabalho químico: a síntese de ATP a partir de ADP e Pi à medida que os prótons fluem espontaneamente através da membrana. Similarmen- te, enzimas localizadas na membrana em E. coli convertem fem em força próton-motriz, que é posteriormente utiliza- da para impulsionar o movimento flagelar. Os princípios da eletroquímica que governam as variações de energia nos circuitos macroscópicos, como um motor elétrico e uma ba- teria, se aplicam com a mesma validade para processos mo- leculares associados ao fluxo de elétrons em células vivas. As reações de oxidação-redução podem ser descritas como semirreações Embora a oxidação e a redução ocorram em conjunto, para descrever a transferência de elétrons é conveniente consi- derar as duas metades de uma reação de oxidação-redução separadamente. Por exemplo, a oxidação do íon ferro pelo íon cobre, Fe21 1 Cu21 ∆ Fe31 1 Cu1 pode ser descrita nos termos de duas semirreações: (1) Fe21 ∆ Fe31 1 e2 (2) Cu211 e2 ∆ Cu1 A molécula doadora de elétrons em uma reação de oxida- ção-redução é chamada de agente redutor, ou simplesmen- te redutor; a molécula receptora de elétrons é o agente oxidante, ou simplesmente oxidante. Determinado agente, como um íon ferro, que existe no estado ferroso (Fe21) ou férrico (Fe31), atua como par conjugado oxidante-redutor (par redox), assim como um ácido e a base correspondente atuam como par conjugado ácido-base. Lembre-se do Capí- tulo 2 que existe uma equação geral das reações acidobá- sicas: doador de próton ∆ H1 1 aceptor de próton. Nas reações redox existe uma equação geral similar: doador de elétrons (redutor) ∆ e2 1 aceptor de elétrons (oxidan- te). Na semirreação reversível acima (1), Fe21 é o doador de elétrons e Fe31 é o aceptor de elétrons: juntos, Fe21 e Fe31 constituem um par conjugado redox. As transferências de elétrons nas reações de oxidação- -redução de compostos orgânicos não são fundamental- mente diferentes daquelas das espécies inorgânicas. Consi- dere a oxidação de um açúcar redutor (um aldeído ou uma cetona) pelo íon cobre: Nelson_6ed_book.indb 528 Nelson_6ed_book.indb 528 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 529 Esta equação global pode ser expressa como duas se- mirreações: Como são removidos dois elétrons do carbono do aldeído, a segunda metade da reação (a redução por um elétron do íon cúprico a cuproso) deve ser multiplicada por dois para equilibrar a equação global. As oxidações biológicas frequentemente envolvem desidrogenação Nas células vivas, o carbono encontra-se em diferentes es- tados de oxidação (Figura 13-22). Quando um átomo de carbono compartilha um par de elétrons com outro átomo (normalmente H, C, S, N ou O), o compartilhamento é de- sigual, em favor do átomo mais eletronegativo. A ordem crescente de eletronegatividade é H , C , S , N , O. De forma muito simplificada, porém útil, o átomo mais eletro- negativo “possui” os elétrons da ligação que ele comparti- lha com o outro átomo. Por exemplo, no metano (CH4), o carbono é mais eletronegativo que os quatro hidrogênios ligados a ele, portanto o átomo de carbono “possui” os oito elétrons da ligação (Figura 13-22). No etano, os elétrons da ligação C¬C são igualmente compartilhados, portanto cada átomo de carbono “possui” apenas sete dos seus oito elétrons de ligação. No etanol, C-1 é menos eletronegativo que o oxigênio ao qual ele está ligado, e assim o átomo de O “possui” os dois elétrons da ligação C¬O, deixando C-1 com apenas cinco elétrons de ligação. Com a perda formal de cada um dos elétrons “possuídos”, o átomo de carbono sofre oxidação – mesmo quando o oxigênio não está envol- vido, como na conversão de um alcano (¬CH2¬CH2¬) em um alceno (¬CH“CH¬). Neste caso, a oxidação (perda de elétrons) coincide com a perda de hidrogênio. Em sistemas biológicos, como mencionado anteriormen- te neste capítulo, a oxidação muitas vezes é sinônimo de desidrogenação, e muitas enzimas que catalisam reações de oxidação são desidrogenases. Note que os compostos mais reduzidos na Figura 13-22 (superior) são mais ricos em hidrogênio do que em oxigênio, enquanto os compos- tos mais oxidados (inferior) contêm mais oxigênios e me- nos hidrogênios. Nem todas as reações de oxidação-redução envolvem carbono. Por exemplo, na conversão de nitrogênio mole- cular em amônia, 6H1 1 6e2 1 N2 S 2NH3, os átomos de nitrogênio são reduzidos. Os elétrons são transferidos de uma molécula (doadora de elétrons) para outra (aceptora de elétrons) por meio de uma das quatro vias: 1. Diretamente como elétrons. Por exemplo, o par re- dox Fe21/Fe31 pode transferir um elétron para o par redox Cu1/Cu21: Fe21 1 Cu21 ∆ Fe31 1 Cu1 Metano 8 H H H HC Etano (alcano) 7 H H H C H H HC Etanol (álcool) 5 H H H C H H C HO Acetileno (alcino) 5H HC C Eteno (alceno) 6C C H H H H Acetaldeído (aldeído) 3 H H H C O C H Formaldeído 4 H H C O Monóxido de carbono 2C O Dióxido de carbono 0O C O Ácido fórmico (ácido carboxílico) 2 H H C O O Ácido acético (ácido carboxílico) 1 H H H CC H O O Acetona (cetona) 2 H H H C H H C O C H FIGURA 1322 Diferentes níveis de oxidação dos compostos de car- bono na biosfera. Para aproximar o nível de oxidação desses compostos, concentre-se no átomo de carbono em vermelho e em seus elétrons de liga- ção. Quando este carbono estiver ligado a um átomo de H, menos eletrone- gativo, os dois elétrons da ligação (em vermelho) serão cedidos ao carbono. Quando o carbono estiver ligado a outro carbono, os elétrons da ligação se- rão igualmente compartilhados, de modo que um dos dois elétrons é cedido ao carbono em vermelho. Quando o carbono em vermelho estiver ligado a um átomo de O, mais eletronegativo, os elétrons da ligação são cedidos ao oxigênio. O número à direita de cada composto é o número de elétrons “per- tencentes” ao carbono em vermelho, uma expressão aproximada do grau de oxidação de cada composto. À medida que o carbono em vermelho sofre oxidação (perde elétrons), o número torna-se menor. Assim, o estado de oxi- dação aumenta da parte superior para a inferior da lista. Nelson_6ed_book.indb 529 Nelson_6ed_book.indb 529 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 530 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX 2. Como átomos de hidrogênio. Lembre-se que o áto- mo de hidrogênio consiste em um próton (H1) e um único elétron (e2). Neste caso, a equação geral é AH2 ∆ A 1 2e2 1 2H1 onde AH2 é o doador de hidrogênio/elétron. (Não confunda a reação acima com a dissociação de um ácido que envolve um próton e nenhum elétron.) AH2 e A juntos constituem um par conjugado redox (A/AH2), o qual é capaz de reduzir outro composto B (ou par redox, B/BH2) por transferência de áto- mos de hidrogênio: AH2 1 B ∆ A 1 BH2 3. Como um íon hidreto (:H2), o qual contém dois elétrons. Isso ocorre no caso de desidrogenases li- gadas à NAD, descritas posteriormente. 4. Pela combinação direta com oxigênio. Neste caso, o oxigênio combina com um redutor orgânico e é covalentemente incorporado no produto, como na oxidação de um hidrocarboneto em um álcool: R¬CH3 1 O2 ¡ R¬CH2¡OH O hidrocarboneto é o doador de elétrons e o átomo de oxigênio é o aceptor de elétrons. Todos os quatro tipos de transferência de elétrons ocor- rem nas células. O termo equivalente redutor é comu- mente usado para designar um único equivalente eletrôni- co que participa de uma reação de oxidação-redução, não importando se este equivalente é um elétron em si, parte de um átomo de hidrogênio ou mesmo um íon hidreto, ou ainda se a transferência do elétron ocorre em uma rea- ção com oxigênio gerando um produto oxigenado. Como as moléculas combustíveis biológicas geralmente sofrem desidrogenação enzimática perdendo dois equivalentes redutores de cada vez, e já que cada átomo de oxigênio é capaz de receber dois equivalentes redutores, os bioquí- micos, por convenção, referem-se à unidade de oxidação biológica como dois equivalentes redutores que passam do substrato para o oxigênio. Os potenciais de redução medem a afinidade por elétrons Quando dois pares conjugados redox estão juntos em so- lução, a transferência de elétrons do par doador para o par aceptor pode ocorrer espontaneamente. A tendência para que a reação ocorra depende da afinidade relativa do acep- tor de elétrons de cada par redox pelos elétrons. O poten- cial de redução padrão, E°, a medida (em volts) dessa afinidade, pode ser determinado em um experimento como o descrito na Figura 13-23. Os eletroquímicos escolheram como um padrão de referência a semirreação H1 1 e2 ¡ H2 Ao eletrodo em que essa semirreação ocorre (chamado semicélula) é atribuído arbitrariamente um potencial de redução padrão E° 5 0,00 V. Quando esse eletrodo de hi- drogênio está conectado por meio de um circuito exter- no a outra semicélula em que as espécies oxidadas e suas espécies reduzidas correspondentesestão presentes em concentrações-padrão (25°C, cada soluto a 1 M, e cada gás a 101,3 kPa), os elétrons tendem a fluir pelo circuito ex- terno, partindo da semicélula de menor valor de E° para a semicélula de maior valor de E°. Por convenção, a uma semicélula que retira elétrons de uma célula padrão de hi- drogênio é designado um valor positivo de E°, e àquela que doa elétrons para a célula de hidrogênio, um valor negati- vo. Quando duas semicélulas estão conectadas, aquela com maior valor de E° (mais positiva) será reduzida; ela tem o maior potencial de redução. O potencial de redução de uma semicélula não depen- de apenas das espécies químicas presentes, mas também de suas atividades, estimadas por suas concentrações. Há aproximadamente um século, Walther Nernst derivou uma equação que relaciona o potencial de redução pa- drão (E°) ao potencial de redução real (E) em qualquer Ponte salina (solução de KCl) Aparelho para medir a fem Célula de referência com fem conhecida: o eletrodo de hidrogênio com H2 gasoso a pressão de 101,3 kPa está em equilíbrio com o eletrodo contendo H11 M. Célula de teste contendo concentrações de 1 M das espécies oxidadas e reduzidas do par redox a ser examinado. H2 gás (pressão padrão) 12 FIGURA 1323 Medida do potencial de redução padrão (E9°) de um par redox. Os elétrons fluem do eletrodo de teste para o eletrodo de refe- rência, ou vice-versa. A semicélula de referência é o eletrodo de hidrogênio, como representado aqui, a pH zero. A força eletromotriz (fem) deste eletrodo é designada 0,00 V. Em pH 7,0 (25°C) na célula de teste, o E9° do eletrodo de hidrogênio é 20,414 V. O sentido do fluxo dos elétrons depende da “pressão” relativa dos elétrons ou do potencial das duas células. Uma ponte salina con- tendo uma solução de KCl saturada fornece um caminho para o movimento dos íons entre a célula de teste e a célula de referência. A partir da fem ob- servada e a fem conhecida da célula de referência, o aparelho é capaz de medir a fem da célula de teste contendo o par redox. A célula que recebe os elétrons tem, por convenção, o potencial de redução mais positivo. Nelson_6ed_book.indb 530 Nelson_6ed_book.indb 530 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 531 concentração das espécies oxidadas e reduzidas em uma célula viva: [elétron aceptor] [elétron doador] (13-5) onde R e T têm seus significados usuais, n é o número de elétrons transferidos por molécula, e é a constante de Faraday (Tabela 13-1). A 298 K (25°C), essa expressão reduz-se a [elétron aceptor] [elétron doador] (13-6) CONVENÇÃOCHAVE: Muitas semirreações de interesse dos bio- químicos envolvem prótons. Como na definição de DG9°, os bioquímicos definem o estado-padrão para as reações de oxidação-redução como pH 7 e expressam como poten- cial de redução padrão transformado, E9°, o potencial de redução padrão a pH 7 e 25°C. Por convenção, o DE9° para qualquer reação redox é dado pelo valor de E9° do aceptor de elétrons menos o valor de E9° do doador de elétrons. ■ Os potenciais de redução padrão apresentados na Tabe- la 13-7 e utilizados ao longo deste livro são valores de E9°, sendo assim válidos apenas para sistemas em pH neutro. Cada valor representa a diferença de potencial quando o par conjugado redox, em concentrações de 1 M, 25°C e pH 7, está conectado com o eletrodo-padrão de hidrogênio (pH 0). Note na Tabela 13-7 que, quando o par conjugado 2H1/ H2 em pH 7 está conectado com o eletrodo-padrão de hidro- gênio (pH 0), os elétrons tendem a fluir partindo da célula com pH 7 para a célula-padrão (pH 0); o valor de E9° para o par 2H1/H2 é 20,414 V. Os potenciais de redução padrão podem ser usados para calcular a variação de energia livre Por que os potenciais de redução são tão úteis para os bioquí- micos? Quando os valores de E são determinados para duas semicélulas quaisquer, em relação ao eletrodo-padrão de hi- drogênio, também são conhecidos os potenciais de redução de uma semicélula em relação à outra. Assim, é possível pre- dizer o sentido em que os elétrons tenderão a fluir quando as duas semicélulas estão conectadas por um circuito externo ou quando os componentes das duas semicélulas estão pre- sentes na mesma solução. Os elétrons tendem a fluir para a célula com o valor de E mais positivo, e a intensidade dessa tendência é proporcional à diferença no potencial de redu- ção, DE. A energia que se torna disponível por esse fluxo de elétrons espontâneo (a variação de energia livre, DG, para a reação de oxidação-redução) é proporcional ao DE: DG 5 2n DE ou DG9° 5 2n DE9° (13-7) onde n é o número de elétrons transferidos na reação. Essa equação permite calcular a variação de energia livre real para qualquer reação de oxidação-redução a partir dos va- lores de E9° apresentados em uma tabela de potenciais de redução (Tabela 13-7) e das concentrações das espécies envolvidas na reação. TABELA 137 Potenciais de redução padrão de algumas semirreações de importância biológica Semirreação E9°(V) ½O2 1 2H1 1 2e2 ¡ H2O 0,816 Fe31 1 e2 ¡ Fe21 0,771 NO3 2 1 2H1 1 2e2 ¡ NO2 2 1 H2O 0,421 Citocromo ƒ (Fe31) 1 e2 ¡ citocromo ƒ (Fe21) 0,365 Fe (CN)6 32 (ferricianeto) 1 e2 ¡ Fe (CN)6 42 0,36 Citocromo a3 (Fe31) 1 e2 ¡ citocromo a3 (Fe21) 0,35 O2 1 2H1 1 2e2 ¡ H2O2 0,295 Citocromo a (Fe31) 1 e2 ¡ citocromo a (Fe21) 0,29 Citocromo c (Fe31) 1 e2 ¡ citocromo c (Fe21) 0,254 Citocromo c1 (Fe31) 1 e2 ¡ citocromo c1 (Fe21) 0,22 Citocromo b (Fe31) 1 e2 ¡ citocromo b (Fe21) 0,077 Ubiquinona 1 2H1 1 2e2 ¡ ubiquinol 1 H2 0,045 Fumarato22 1 2H1 1 2e2 ¡ succinato22 0,031 2H1 1 2e2 ¡ H2 (em condições padrão, pH 0) 0,000 Crotonil-CoA 1 2H1 1 2e2 ¡ butiril-CoA 20,015 Oxaloacetato22 1 2H1 1 2e2 ¡ malato22 20,166 Piruvato2 1 2H1 1 2e2 ¡ lactato2 20,185 Acetaldeído 1 2H1 1 2e2 ¡ etanol 20,197 FAD1 2H1 1 2e2 ¡ FADH2 20,219* Glutationa 1 2H1 1 2e2 ¡ 2 glutationas reduzidas 20,23 S 1 2H1 1 2e2 ¡ H2S 20,243 Ácido lipoico 1 2H1 1 2e2 ¡ ácido di-hidrolipoico 20,29 NAD1 1 2H1 1 2e2 ¡ NADH 20,320 NADP1 1 H1 1 2e2 ¡ NADPH 20,324 Acetoacetato 1 2H1 1 2e2 ¡ b-hidroxibutirato 20,346 a-cetoglutarato 1 CO2 1 2H1 1 2e2 ¡ isocitrato 20,38 2H1 1 2e2 ¡ H2 (em pH 7) 20,414 Ferredoxina (Fe31) 1 e2 ¡ ferredoxina (Fe21) 20,432 Fonte: Dados extraídos na maior parte de Loach, R. A. (1976), Handbook of Biochemistry and Molecular Biology, 3rd ed. (Fasman, G.D., ed.), Physical and Chemical Data, vol. 1, p. 122-130, CRC Press, Boca Raton, FL. * Este é o valor para FAD livre; FAD ligado a uma flavoproteína específica (p. ex., succinato-desidrogenase) possui um E9° diferente que depende do ambiente em que a proteína está. Nelson_6ed_book.indb 531 Nelson_6ed_book.indb 531 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 532 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX PROBLEMA RESOLVIDO 133 Cálculo de DG9° e DG de uma reação redox Calcule a variação de energia livre padrão, DG9°, para a rea- ção em que o acetaldeído é reduzido pelo transportador de elétron biológico NADH: Acetaldeído 1 NADH 1 H1 ¡ etanol 1 NAD1 Em seguida, calcule a variação de energia livre real, DG, quando a [acetaldeído] e a [NADH] forem de 1 M, e a [etanol] e a [NAD1] forem de 0,1 M. As semirreações relevantes e seus valores de E9° são: (1) Acetaldeído 1 2H1 1 2e2 ¡ etanol E9º 5 20,197 V (2) NAD1 1 2H1 1 2e2 ¡ NADH 1 H1 E9º 5 20,320 V Lembre-se que, por convenção, DE9° é o valor de E9° do aceptor de elétrons menos o E9° do doador de elétrons. Solução: Como o acetaldeído é o aceptor dos elétrons (n 5 2) vindos do NADH, DE9° 5 20,197 V 2 (20,320 V) 5 0,123 V. Portanto, DG9º 5 2n DE9º 5 22(96,5 kJ/V · mol)(0,123 V) 5 223,7 kJ/mol Esta é a variação de energia livre para a reação de oxidação- -redução a 25°C e pH 7, quando acetaldeído, etanol, NAD1 e NADH estão presentes em concentrações de 1,0 M. Para calcular o DG quando a [acetaldeído] e a [NADH] forem de 1 M e a [etanol]e a [NAD1] forem de 0,1 M, utili- zam-se a Equação 13-4 e a variação de energia livre padrão calculada acima: [acetaldeído] Esta é a variação de energia livre real dos pares redox nas concentrações especificadas. A oxidação celular da glicose em dióxido de carbono requer transportadores de elétrons especializados Os princípios da energética da oxidação-redução descritos anteriormente aplicam-se às muitas reações metabólicas que envolvem a transferência de elétrons. Por exemplo, em muitos organismos, a oxidação da glicose fornece energia para a síntese de ATP. A oxidação completa da glicose: C6H12O6 1 6O2 ¡ 6CO2 1 6H2O apresenta um DG9° de 22.840 kJ/mol. Esse valor indica uma liberação de energia livre muito maior do que a ne- cessária para a síntese de ATP nas células (50 a 60 kJ/mol; ver Problema Resolvido 13-2). As células não convertem glicose em CO2 em uma única reação com elevada liberação de energia, mas sim por meio de uma série de reações con- troladas, sendo que algumas delas são oxidações. A energia livre liberada nessas etapas de oxidação é da mesma ordem de magnitude que a necessária para a síntese de ATP a par- tir de ADP, com alguma energia extra. Os elétrons removi- dos nessas etapas de oxidação são transferidos para coenzi- mas especializadas em transportar elétrons, como NAD1 e FAD (descritos a seguir). Alguns tipos de coenzimas e proteínas servem como transportadores universais de elétrons O grande número de enzimas que catalisam as oxida- ções celulares direciona os elétrons das suas centenas de substratos diferentes para apenas alguns poucos tipos de transportadores de elétrons universais. A redução desses transportadores em processos catabólicos resulta na con- versão de energia livre liberada pela oxidação do substrato. NAD, NADP, FMN e FAD são coenzimas solúveis em água que sofrem oxidações e reduções reversíveis em muitas das reações de transferência de elétrons do metabolismo. Os nucleotídeos NAD e NADP movem-se facilmente de uma enzima para outra; os nucleotídeos de flavina FMN e FAD em geral são fortemente ligados às enzimas, chamadas de flavoproteínas, para as quais eles servem de grupos pros- téticos. As quinonas lipossolúveis como a ubiquinona e a plastoquinona atuam como transportadores de elétrons e doadores de prótons no meio não aquoso das membranas. As proteínas ferro-enxofre e citocromos, as quais têm gru- pos prostéticos fortemente ligados e que sofrem oxidação e redução reversíveis, também atuam como transportadores de elétrons em muitas reações de oxidação-redução. Algu- mas dessas proteínas são hidrossolúveis, enquanto outras são periféricas ou integrais de membrana (ver Figura 11-7). Arremata este capítulo uma descrição de algumas ca- racterísticas químicas das coenzimas nucleotídicas e de al- gumas das enzimas (desidrogenases e flavoproteínas) que as utilizam. A química de oxidação-redução das quinonas, das proteínas ferro-enxofre e dos citocromos será discutida no Capítulo 19. NADH e NADPH atuam com as desidrogenases como transportadores solúveis de elétrons O dinucleotídeo de nicotinamida-adenina (NAD, de nicoti- namide adenine dinucleotide; NAD1 na sua forma oxida- da) e seu análogo dinucleotídeo de nicotinamida-adenina- -fosfato (NADP, de nicotinamide adenine dinucleotide phosphate; NADP1 quando oxidado) são constituídos de dois nucleotídeos cujos grupos fosfato são unidos por uma ligação fosfoanidrido (Figura 13-24a). Como o anel de nicotinamida lembra a piridina, algumas vezes esses com- postos são chamados de nucleotídeos de piridina. A vitamina niacina é a fonte da porção nicotinamida dessas moléculas. As duas coenzimas sofrem redução reversível do anel de nicotinamida (Figura 13-24). Enquanto uma molécula do substrato sofre oxidação (desidrogenação), liberando Nelson_6ed_book.indb 532 Nelson_6ed_book.indb 532 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 533 dois átomos de hidrogênio, a forma oxidada do nucleotídeo (NAD1 ou NADP1) recebe um íon hidreto (:H2, o equiva- lente a um próton e dois elétrons) e é reduzida (a NADH ou NADPH). O segundo próton retirado do substrato é li- berado para o solvente aquoso. As semirreações para esses cofatores nucleotídicos são NAD1 1 2e2 1 2H1 ¡ NADH 1 H1 NADP1 1 2e2 1 2H1 ¡ NADPH 1 H1 A redução de NAD1 ou NADP1 converte o anel benzenoi- de da porção nicotinamida (com uma carga positiva fixa no nitrogênio do anel) na forma quinoide (nitrogênio sem carga). Os nucleotídeos reduzidos absorvem luz a 340 nm, mas as formas oxidadas não (Figura 13-24b); essa diferença na absorção é utilizada pelos bioquímicos para analisar rea- ções envolvendo essas coenzimas. Note que o sinal positivo nas abreviações NAD1 e NADP1 não indica a carga líquida dessas moléculas (na realidade, ambas são negativamente carregadas), mas sim que o anel de nicotinamida está em sua forma oxidada, com uma carga positiva no átomo de nitrogênio. Nas abreviações NADH e NADPH, o “H” indica o íon hidreto adicionado. Para referir-se a esses nucleotídeos sem especificar seu estado de oxidação, utilizam-se NAD e NADP. A concentração total de NAD1 e NADH na maioria dos tecidos é de cerca de 10-5 M; a de NADP1 1 NADPH é em torno de 10-6 M. Em muitas células e tecidos, a relação en- tre NAD1 (oxidado) e NADH (reduzido) é elevada, favore- cendo a transferência do íon hidreto de um substrato para o NAD1, formando NADH. Por outro lado, NADPH geral- mente está presente em maior concentração que NADP1, favorecendo a transferência do íon hidreto do NADPH para um substrato. Isso reflete as funções metabólicas especializadas das duas coenzimas: NAD1 geralmente atua em oxidações – como parte de uma reação catabó- lica; NADPH é a coenzima comum em reduções – quase sempre como parte de uma reação anabólica. Algumas en- zimas são capazes de utilizar ambas as coenzimas, mas a maioria demonstra uma forte preferência por uma em rela- ção à outra. Além disso, os processos nos quais esses dois cofatores atuam são segregados em células eucarióticas: por exemplo, a oxidação de combustíveis como piruvato, ácidos graxos e a-cetoácidos derivados dos aminoácidos ocorre na matriz mitocondrial, enquanto os processos biossintéticos redutores, como a síntese de ácidos graxos, ocorrem no citosol. Essa especialização funcional e de lo- calização permite que a célula mantenha dois grupos dis- tintos de transportadores de elétrons com duas funções também distintas. São conhecidas mais de 200 enzimas que catalisam rea- ções em que NAD1 (ou NADP1) recebem um íon hidreto de um substrato reduzido, ou reações em que NADPH (ou NADH) doam um íon hidreto a um substrato oxidado. As reações gerais são: AH2 1 NAD1 ¡ A 1 NADH 1 H1 A 1 NADPH 1 H1 ¡ AH2 1 NADP1 H ? 2H1 H H1 C A 1 N NH2 H ? N C NH2 B O H C A NH2 N B O H B H HH O RR Oxidado (NAD 1) Reduzido (NADH) CH2 POP OH H O H H OH NH2 PO O2 O O O P O CH2 OH H H H H OH O O2O Lado B N (b) N N H N ou NADH (reduzido) 1 No NADP1 este grupo hidroxil é esterificado com fosfato. 2e2 A b so rb ân ci a NAD1 Lado A (oxidado) 1,0 Comprimento de onda (nm) 0,0 220 240 260 280 300 320 340 360 380(a) 0,6 0,4 0,2 0,8 Adenina FIGURA 1324 NAD e NADP. (a) O dinucleotídeo de nicotinamida- -adenina, NAD1, e seu análogo fosforilado NADP1 sofrem redução a NADH e NADPH, recebendo um íon hidreto (dois elétrons e um próton) de um substrato oxidável. O íon hidreto é adicionado tanto à porção anterior (lado A) quando à porção posterior (lado B) do anel planar da nicotinamida (ver Tabela 13-8). (b) Espectro de absorção no UV de NAD1 e NADH. A redução do anel de nicotinamida gera uma banda de absorção ampla, com máximo em 340 nm. A produção de NADH durante uma reação enzimática pode ser convenientemente monitorada observando-se o aparecimento da banda de absorção em 340 nm (coeficiente de extinção molar: «340 5 6.200 M21cm21). Nelson_6ed_book.indb533 Nelson_6ed_book.indb 533 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 534 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX nas quais AH2 é o substrato reduzido, e A é o substrato oxi- dado. A nomenclatura geral para as enzimas desse tipo é oxidorredutase, também comumente chamadas de desi- drogenases. Por exemplo, a álcool-desidrogenase catalisa a primeira etapa do catabolismo do etanol, em que o etanol é oxidado a acetaldeído: Note que um dos átomos de carbono do etanol perdeu um hidrogênio; o composto foi oxidado de álcool a aldeído (ve- rifique novamente na Figura 13-22 os estados de oxidação do carbono). Quando NAD1 ou NADP1 estiver reduzido, em princí- pio o íon hidreto poderia ser transferido para qualquer um dos lados do anel de nicotinamida: para a parte da frente (lado A) ou para a parte de trás (lado B), como represen- tado na Figura 13-24a. Estudos com substratos marcados isotopicamente demonstraram que uma dada enzima pode catalisar transferências do tipo A ou do tipo B, mas nunca ambas. Por exemplo, a álcool-desidrogenase de leveduras e a lactato-desidrogenase de coração de vertebrados transfe- rem um íon hidreto para o (ou removem um íon hidreto do) lado A do anel de nicotinamida; elas são classificadas como desidrogenases do tipo A, para distingui-las de outro grupo de enzimas que transferem um íon hidreto para o (ou remo- vem um íon hidreto do) lado B do anel de nicotinamida (Ta- bela 13-8). A especificidade por um lado ou por outro pode ser muito expressiva; por exemplo, a lactato-desidrogenase prefere o lado A, por um fator de 5 3 107! Os princípios para essa preferência têm como base a posição exata dos grupos enzimáticos envolvidos na ligação de hidrogênio com o gru- po ¬CONH2 da nicotinamida. A maioria das desidrogenases que utilizam NAD ou NADP liga o cofator em um domínio proteico conservado chamado de estrutura de Rossmann (de Michael Rossmann, que deduziu a estrutura da lactato-desidrogenase e foi o pri- meiro a descrever esse motivo estrutural). A estrutura de Rossmann consiste, geralmente, em uma folha b com seis fi- tas paralelas e quatro hélices a associadas (Figura 13-25). A associação entre a desidrogenase e NAD ou NADP é relativamente fraca; a coenzima difunde-se facilmente de uma enzima para a outra, atuando como transportador hi- drossolúvel de elétrons de um metabólito para outro. Por (a) (b) Estrutura de Rossmann 2 Estrutura de Rossmann 1 NAD FIGURA 1325 A estrutura de Rossmann. Este motivo estrutural é en- contrado no sítio de ligação a NAD de muitas desidrogenases. (a) Consiste em um par de motivos estruturalmente semelhantes (apenas um deles está mostrado aqui), cada um contendo três folhas b paralelas e duas hélices a (b-a-b-a-b). (b) Domínio de ligação ao nucleotídeo da enzima lactato- -desidrogenase (derivado do PDB ID 3LDH) com NAD (estrutura em esfera-e- -bastão) ligado, em uma conformação estendida, por ligações de hidrogênio e pontes salinas aos motivos b-a-b-a-b pareados da estrutura de Rossmann (sombras em vermelho e azul). TABELA 138 Estereoespecificidade das desidrogenases que utilizam NAD 1 ou NADP 1 como coenzimas Enzima Coenzima Especificidade estereoquímica para o anel de nicotinamida (A e B) Página do texto Isocitrato-desidrogenase NAD1 A 643 a-Cetoglutarato-desidrogenase NAD1 B 644 Glicose-6-fosfato-desidrogenase NADP1 B 577 Malato-desidrogenase NAD1 A 647 Glutamato-desidrogenase NAD1 ou NADP1 B 702 Gliceraldeído-3-fosfato-desidrogenase NAD1 B 553 Lactato-desidrogenase NAD1 A 563 Álcool-desidrogenase NAD1 A 565 Nelson_6ed_book.indb 534 Nelson_6ed_book.indb 534 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 535 exemplo, na produção de álcool durante a fermentação da glicose pelas células de leveduras, um íon hidreto é remo- vido do gliceraldeído-3-fosfato por uma enzima (a gliceral- deído-3-fosfato-desidrogenase, uma enzima tipo B) e trans- ferido para NAD1. O NADH produzido deixa a superfície da enzima e difunde-se para outra enzima (a álcool-desidro- genase, uma enzima tipo A), que transfere um íon hidreto para o acetaldeído, produzindo etanol: Gliceraldeído-3-fosfato Gliceraldeído-3-fosfato fosfoglicerato fosfoglicerato etanol Acetaldeído etanol acetaldeídoSoma: Note que na reação global não existe produção ou consumo líquido de NAD1 ou NADH; as coenzimas atuam catalitica- mente e são repetidamente recicladas sem variação líquida na concentração de NAD1 1 NADH. A deficiência de niacina na dieta, a forma vitamínica de NAD e NADP, causa pelagra Como mencionado no Capítulo 6, e ainda a ser esmiu- çado nos capítulos seguintes, a maioria das coenzimas é derivada de substâncias chamadas de vitaminas. Os anéis semelhantes à piridina de NAD e NADP são derivados da vitamina niacina (ácido nicotínico; Figura 13-26), sinteti- zada a partir do triptofano. Os humanos geralmente são in- capazes de sintetizar quantidades suficientes de niacina, em especial as pessoas com dieta pobre em triptofano (p. ex., o milho tem baixo conteúdo de triptofano). A deficiên- cia de niacina, que afeta todas as desidrogenases depen- dentes de NAD(P), causa uma patologia humana grave cha- mada de pelagra (“pele áspera”, em italiano) e uma doença relacionada, em caninos, chamada de língua negra. Essa patologia é caracterizada pelos “três D”: dermatite, diarreia e demência, em muitos casos, seguidas de morte. Há um século, a pelagra era uma doença comum entre humanos; no sul dos Estados Unidos, onde o milho era a base da dieta, aproximadamente 100.000 pes- soas foram afetadas e em torno de 10.000 morreram em razão dessa doença, entre 1912 e 1916. Em 1920, Joseph Goldber- ger demonstrou que a pelagra é causada por uma deficiência na dieta, e em 1937, Frank Strong, D. Wayne Woolley e Conrad Elvehjem identificaram a niaci- na como o agente curativo para a língua negra. A suplementação da dieta humana com esse pro- duto de baixo custo erradicou a pelagra nas populações do mun- do desenvolvido, com uma ex- ceção significativa: as pessoas que sofrem de alcoolismo, ou as que ingerem quantidades signi- ficativas de álcool. Nesses indi- víduos, a absorção intestinal de niacina é muito reduzida, e as necessidades calóricas com fre- quência são supridas pelo álcool contido nas bebidas destiladas, praticamente destituídas de vi- taminas, inclusive niacina. Em algumas partes do mundo, in- cluindo o Deccan Plateau na Ín- dia, a pelagra ainda ocorre na população em geral, especial- mente entre pessoas que vivem na pobreza. ■ Os nucleotídeos de flavina são fortemente ligados às flavoproteínas As flavoproteínas (Tabela 13- 9) são enzimas que catalisam reações de oxidação-redução utilizando como coenzima tanto os mononucleotídeos de flavina (FMN, de flavin mononucleotides) quanto os di- nucleotídeos de flavina-adenina (FAD, de flavin adenine dinucleotides) (Figura 13-27). Essas coenzimas, os nu- cleotídeos de flavina, são derivadas da vitamina ribo- flavina. A estrutura de anéis fusionados dos nucleotídeos de flavina (anel de isoaloxazina) sofre redução reversível, recebendo um ou dois elétrons na forma de um ou dois átomos de hidrogênio (cada átomo: um elétron mais um próton) de um substrato reduzido. As formas totalmen- te reduzidas são abreviadas FADH2 e FMNH2. Quando um nucleotídeo de flavina totalmente oxidado recebe apenas um elétron (um átomo de hidrogênio), é produzida a for- ma semiquinona do anel de isoaloxazina, abreviado como FADH• e FMNH•. Como os nucleotídeos de flavina possuem características químicas ligeiramente diferentes daquelas das coenzimas nicotinamidas – a capacidade de participar O O2 N C O N NH2 1NH3 CH3 CH2 CH COO2C N N N H Niacina (ácido nicotínico) Nicotina Nicotinamida Triptofano FIGURA 1326 Niacina (ácido nicotínico) e seu derivado nicotinami- da. O precursor biossintético desses compostos é o triptofano. No labora- tório, o ácido nicotínico foi produzido,pela primeira vez, por oxidação do produto natural, a nicotina – daí seu nome. Tanto o ácido nicotínico quanto a nicotinamida são capazes de curar a pelagra, mas a nicotina (do cigarro ou de outras fontes) não tem atividade curativa. Frank Strong, 1908-1993 D. Wayne Woolley, 1914-1966 Conrad Elvehjem, 1901-1962 Nelson_6ed_book.indb 535 Nelson_6ed_book.indb 535 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 536 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX na transferência de um ou dois elétrons – as flavoproteínas estão envolvidas em uma diversidade maior de reações do que as desidrogenases ligadas a NAD(P). Assim como as coenzimas nicotinamidas (Figura 13-24), a redução dos nucleotídeos de flavina é acompanhada por uma mudança da sua principal banda de absorção de luz (mais uma vez útil aos bioquímicos que desejam monitorar reações envolvendo essas coenzimas). As flavoproteínas completamente reduzidas (que receberam dois elétrons) geralmente possuem um máximo de absorção em 360 nm. Quando parcialmente reduzidas (um elétron), elas apresen- tam outro máximo de absorção em cerca de 450 nm; quan- do totalmente oxidadas, a flavina tem um máximo em 370 nm e 440 nm. Na maioria das flavoproteínas, o nucleotídeo de flavina encontra-se fortemente ligado à proteína, e em algumas enzimas, como na succinato-desidrogenase, ele está liga- do covalentemente. Essas coenzimas fortemente ligadas são apropriadamente chamadas de grupos prostéticos. Elas não transferem elétrons por difusão de uma enzima para a outra; em vez disso, elas fornecem um meio pelo qual as flavoproteínas podem reter os elétrons tempora- riamente enquanto catalisam a transferência do elétron de um substrato reduzido para um aceptor de elétrons. Uma característica importante das flavoproteínas é a variabilidade do potencial de redução padrão (E9°) do nucleotídeo de flavina ligado. A forte associação entre a enzima e o grupo prostético confere ao anel de flavina um potencial de redução típico da flavoproteína em par- ticular, algumas vezes bastante diferente do potencial de redução do nucleotídeo de flavina livre. O FAD ligado à succinato-desidrogenase, por exemplo, tem um valor de E9° próximo de 0,0 V, comparado com 20,219 V para o FAD livre; o valor de E9° para outras flavoproteínas varia de 20,40 V a 10,06 V. As flavoproteínas frequentemen- te são muito complexas; algumas possuem, além de um nucleotídeo de flavina, íons inorgânicos fortemente liga- dos (p. ex., ferro ou molibdênio) capazes de participar da transferência de elétrons. Certas flavoproteínas têm funções bastante diferentes, como receptores de luz. Os criptocromos, família de fla- voproteínas amplamente distribuídas nos filos eucarióticos, são responsáveis por mediar os efeitos da luz azul sobre o desenvolvimento das plantas e, nos mamíferos, os efeitos da luz sobre o ritmo circadiano (oscilações fisiológicas e bio- TABELA 139 Algumas enzimas (flavoproteínas) que utilizam coenzimas de nucleotídeos de flavina Enzima Nucleotídeo de flavina Página do texto Acil-CoA-desidrogenase FAD 673 Di-hidrolipoil-desidrogenase FAD 637 Succinato-desidrogenase FAD 646 Glicerol-3-fosfato-desidrogenase FAD 759 Tiorredoxina-redutase FAD 917 NADH-desidrogenase (Complexo I) FMN 738–739 Glicolato-oxidase FMN 813 OH N H H OH R H NH HCOH N O O N HCOH HCOH P O O O P O O H N N N O NH N NN O R NH N NN O H O H H FAD FMN 1 • 2O 2O Dinucleotídeo de flavina-adenina (FAD) e mononucleotídeo de flavina (FMN) CH2 NH2 CH2 CH2 CH3 CH3 Anel de isoaloxazina H1 e2 1H1 e2CH3 CH3 N1 O2 FADH• (FMNH•) (semiquinona) CH3 CH3 FADH2 (FMNH2) completamente reduzido FIGURA 1327 Formas oxidadas e reduzidas de FAD e FMN. O FMN é a estrutura que está acima da linha pontilhada na estrutura do FAD (forma oxidada). Os nucleotídeos de flavina recebem dois átomos de hidrogênio (dois elétrons e dois prótons), ambos aparecem no sistema de anel da flavi- na. Quando o FAD ou o FMN recebe apenas um átomo de hidrogênio, forma- -se a semiquinona, um radical livre estável. Nelson_6ed_book.indb 536 Nelson_6ed_book.indb 536 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 537 químicas em um período de 24 horas). Os criptocromos são homólogos de outra família de flavoproteínas, as fotoliases. Encontradas em bactérias e em eucariotos, as fotoliases utilizam a energia absorvida da luz para reparar defeitos químicos no DNA. No Capítulo 19, serão estudadas as funções das flavo- proteínas como transportadoras de elétrons, bem como suas funções na fosforilação oxidativa (em cloroplastos). As reações da fotoliase serão descritas no Capítulo 25. RESUMO 13.4 Reações biológicas de oxidação-redução c Em muitos organismos, o processo central de conserva- ção de energia é a oxidação gradual da glicose em CO2, de forma que parte da energia de oxidação é conservada no ATP à medida que os elétrons passam para o O2. c As reações biológicas de oxidação-redução podem ser descritas em termos de duas semirreações, cada uma com um potencial de redução padrão, E9°, característico. c Quando duas semicélulas eletroquímicas estão conecta- das, cada uma contendo os componentes de uma semir- reação, os elétrons tendem a fluir para a semicélula com o maior potencial de redução. A força dessa tendência é proporcional à diferença entre os dois potenciais de redução (DE), sendo uma função das concentrações das espécies oxidadas e reduzidas. c A variação de energia livre padrão para uma reação de oxidação-redução é diretamente proporcional à diferen- ça dos potenciais de redução padrão das duas semicélu- las: DG9° 5 2n DE9°. c Muitas reações biológicas de oxidação são desidroge- nações em que um ou dois átomos de hidrogênio (H1 1 e2) são transferidos de um substrato para um aceptor de hidrogênio. Reações de oxidação-redução em célu- las vivas envolvem transportadores especializados de elétrons. c NAD e NADP são as coenzimas livremente difusíveis de muitas desidrogenases. Tanto NAD1 quanto NADP1 aceitam dois elétrons e um próton. c FAD e FMN, os nucleotídeos de flavina, atuam como grupos prostéticos fortemente ligados às flavoproteínas. Eles são capazes de aceitar um ou dois elétrons e um ou dois prótons. As flavoproteínas também servem como receptores de luz em criptocromos e fotoliases. Termos-chave Os termos em negrito estão definidos no glossário. autotrófico 501 heterotrófico 501 metabolismo 502 vias metabólicas 502 metabólito 502 metabolismo intermediário 502 catabolismo 502 anabolismo 502 constantes-padrão aparentes 507 clivagem homolítica 512 radical 512 clivagem heterolítica 512 nucleófilo 512 eletrófilo 512 carbânion 512 carbocátion 512 condensação aldólica 513 condensação de Claisen 513 cinases 516 potencial de fosforilação (DGp) 518 tioéster 521 adenilação 524 pirofosfatase inorgânica 524 nucleosídeo-difosfato- cinase 526 adenilato-cinase 526 creatina-cinase 526 fosfágenos 527 polifosfato-cinase-1, -cinase-2 527 força eletromotriz (fem) 528 par conjugado redox 528 desidrogenação 529 desidrogenases 529 equivalente redutor 530 potencial de redução padrão (E9°) 530 nucleotídeo de piridina 532 oxidorredutase 534 flavoproteína 535 nucleotídeos de flavina 535 criptocromo 536 fotoliase 537 Leituras adicionais Bioenergética e termodinâmica Atkins, P.W. (1984) The Second Law, Scientific American Books, Inc., New York. Discussão bem ilustrada e elementar da segunda lei e suas implicações. Atkinson, D.E. (1977) Cellular Energy Metabolism and Its Regulation, Academic Press, Inc., New York. Clássico tratamento do papel de ATP, ADP e AMP no controle da taxa do metabolismo. Bergethon, P.R. (1998) The Physical Basis of Biochemistry, Springer Verlag, New York. Os capítulos 11 ao 13 deste livro, e os livros de Tinoco e colaboradores e van Holde e colaboradores (listados na sequência), são excelentes referências gerais sobreGibbs do siste- ma reagente, DH é a variação da entalpia do sistema, T é a temperatura absoluta, e DS é a variação na entropia do sistema. Por convenção, DS possui sinal positivo quando a entropia aumenta e DH, como mencionado anteriormente, possui sinal negativo quando o sistema libera calor para o meio. Qualquer uma dessas condições, típicas de processos Nelson_6ed_book.indb 506 Nelson_6ed_book.indb 506 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 507 energeticamente favoráveis, tendem a tornar negativo o va- lor de DG. De fato, o valor de DG de um sistema reagente espontâneo é sempre negativo. A segunda lei da termodinâmica afirma que a entropia do universo aumenta durante todos os processos químicos e físicos, embora o aumento da entropia não ocorra necessa- riamente no próprio sistema reagente. A organização pro- duzida dentro das células, à medida que elas crescem e se dividem, é mais do que compensada pela desordem gerada no meio no curso do crescimento e da divisão (ver Quadro 1-3, caso 2). Em resumo, os organismos vivos preservam sua organização interna por captarem a energia livre do meio na forma de nutrientes ou luz solar, e devolverem a ele uma quantidade de energia igual, na forma de calor e entropia. As células necessitam de fontes de energia livre As células são sistemas isotérmicos – elas funcionam es- sencialmente em temperaturas constantes (e também em pressão constante). O fluxo de calor não é uma fonte de energia para as células, já que o calor é capaz de realizar trabalho somente quando passa por uma região ou por um objeto com temperatura inferior. A energia que as células podem e devem utilizar é a energia livre, descrita como uma função da energia livre de Gibbs, G, que permite predizer o sentido das reações químicas, sua posição de equilíbrio exa- ta, e a quantidade de trabalho que elas podem (em teoria) realizar em temperatura e pressão constantes. As células heterotróficas adquirem energia livre a partir das moléculas de nutrientes, e as células fotossintetizantes adquirem ener- gia livre da radiação solar absorvida. Os dois tipos de células tranformam essa energia livre em ATP e em outros com- postos ricos em energia, capazes de fornecer energia para a realização de trabalho biológico em temperatura constante. A variação da energia livre padrão está diretamente relacionada à constante de equilíbrio A composição de um sistema reagente (uma mistura de reagentes e produtos químicos) tende à variação contínua até que o equilíbrio seja atingido. Nas concentrações de equilíbrio dos reagentes e dos produtos, as velocidades das reações direta e inversa são exatamente as mesmas, e não ocorre variação líquida adicional do sistema. As concentra- ções dos reagentes e dos produtos no equilíbrio definem a constante de equilíbrio, Keq (p. 25). Na reação geral aA 1 bB ∆ cC 1 dD, onde a, b, c e d são o número de molécu- las de A, B, C e D que participam da reação, a constante de equilíbrio é dada por (13-2) onde [A], [B], [C] e [D] são as concentrações molares dos componentes da reação no ponto de equilíbrio. Quando o sistema reagente não está em equilíbrio, a tendência em direção ao equilíbrio representa uma força motriz cuja intensidade pode ser expressa como a variação de energia livre para a reação, DG. Em condições-padrão (298 K 5 25°C), quando os reagentes e os produtos estão presentes em concentração igual a 1 M ou, para os gases, em pressão parcial de 101,3 quilopascais (kPa), ou 1 atm, a força que move o sistema na direção do equilíbrio é definida como a variação de energia livre padrão, DG°. Por esta de- finição, o estado-padrão para as reações que envolvem íons hidrogênio é [H1] 5 1 M, ou pH 0. A maior parte das reações bioquímicas, no entanto, ocorre em soluções aquosas devi- damente tamponadas em valores de pH próximos a 7; tanto o pH como a concentração da água (55,5 M) são essencial- mente constantes. CONVENÇÃOCHAVE: Para conveniência dos cálculos, os bio- químicos definem o estado-padrão como diferente daquele utilizado por químicos e físicos: no estado-padrão bioquími- co, [H1] é 1027 M (pH 7) e [H2O] é 55,5 M. Para as reações que envolvem Mg21 (que inclui a maioria daquelas nas quais o ATP é um reagente), a [Mg21] em solução é comumente considerada constante em 1 mM. ■ As constantes físicas com base nesse estado-padrão bio- químico são chamadas de constantes-padrão aparentes e são escritas com uma apóstrofe (como DG9° e K9eq) para distingui-las das constantes não aparentes utilizadas pelos químicos e físicos. (Note que a maioria dos outros livros- -texto usa o símbolo DG°9 em vez de DG9°. O uso de DG9°, recomendado por um comitê internacional de químicos e bioquímicos, visa enfatizar que a energia livre aparente, DG9, é o critério para o equilíbrio.) Por simplicidade, daqui por diante essas constantes aparentes serão chamadas de variações de energia livre padrão. CONVENÇÃOCHAVE: Em uma outra convenção para simpli- ficação utilizada pelos bioquímicos, quando H2O, H1 e/ou Mg21 são reagentes ou produtos, as suas concentrações não são incluídas nas equações, como na Equação 13-2, mas es- tão incorporadas nas constantes K9eq e DG9°. ■ Assim como a K9eq é uma constante física característica para cada reação, DG9° também é uma constante. Conforme TABELA 131 Algumas constantes físicas e unidades utilizadas na termodinâmica Constante de Boltzmann, k 5 1,381 3 10223 J/K Número de Avogadro, N 5 6,022 3 1023 mol21 Constante de Faraday, 5 96.480 J/V · mol Constante dos gases, R 5 8,315 J/mol · K (5 1,987 cal/mol · K) A unidade de DG e DH é J/mol (ou cal/mol) A unidade de DS é J/mol · K (ou cal/mol · K) 1 cal 5 4,184 J A unidade de temperatura absoluta, T, é o grau Kelvin, K 25°C 5 298 K A 25°C, RT 5 2,478 kJ/mol (5 0,592 kcal/mol) Nelson_6ed_book.indb 507 Nelson_6ed_book.indb 507 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 508 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX foi mencionado no Capítulo 6, existe uma relação simples entre K9eq e DG9°: DG9° 5 2RT ln K9eq (13-3) A variação de energia livre padrão de uma reação quí- mica é simplesmente uma forma matemática alternati- va para expressar sua constante de equilíbrio. A Tabela 13-2 mostra a relação entre DG9° e K9eq. Se a constante de equilíbrio para uma determinada reação for igual a 1,0, a variação de energia livre padrão dessa reação é igual a zero (o logaritmo natural de 1,0 é zero). Se a K9eq de uma reação for maior que 1,0, seu DG9° é negativo. Se K9eq for menor que 1,0, seu DG9° é positivo. Como a relação entre DG9° e K9eq é exponencial, variações relativamente pequenas em DG9° correspondem a uma grande mudança em K9eq. Pode ser útil pensar na variação de energia livre de ou- tra forma. DG9° é a diferença entre o conteúdo de energia livre dos produtos e o conteúdo de energia livre dos rea- gentes, em condições-padrão. Quando DG9° é negativo, os produtos contêm menos energia livre do que os reagen- tes e a reação ocorrerá espontaneamente em condições- -padrão; todas as reações químicas tendem a seguir no sentido que resulta em um decréscimo na energia livre do sistema. Um valor positivo de DG9° significa que os produ- tos da reação contêm mais energia livre do que os reagen- tes, e essa reação tenderá a seguir no sentido inverso, se iniciarmos com concentrações iguais a 1,0 M para todos os componentes (condições-padrão). A Tabela 13-3 resume esses pontos. PROBLEMA RESOLVIDO 131 Cálculo de DG9° Calcule a variação de energia livre padrão da reação catali- sada pela enzima fosfoglicomutase: Glicose-1-fosfato ∆ glicose-6-fosfato sendo que, iniciando a reação com 20 mM de glicose-1- -fosfato e ausência de glicose-6-fosfato, o equilíbrio final da mistura a 25°C e pH 7,0 contém 1,0 mM de glicose-1-fosfato e 19 mM de glicose-6-fosfato. A reação no sentido da for- mação de glicose-6-fosfato ocorre com perda ou ganho de energia livre?bioquímica física, com boas discussões das aplicações da termodinâmica em bioquímica. Edsall, J.T. & Gutfreund, H. (1983) Biothermodynamics: The Study of Biochemical Processes at Equilibrium, John Wiley & Sons, Inc., New York. Hammes, G. (2000) Thermodynamics and Kinetics for the Biological Sciences, John Wiley & Sons, Inc., New York. Claramente escrita, bem ilustrada com exemplos e problemas excelentes. Harold, F.M. (1986) The Vital Force: A Study of Bioenergetics, W. H. Freeman and Company, New York. Bela e clara discussão sobre a termodinâmica em processos biológicos. Harris, D.A. (1995) Bioenergetics at a Glance, Blackwell Science, Oxford. Haynie, D.T. Biological Thermodynamics, Cambridge University Press, Cambridge. Loewenstein, W.R. The Touchstone of Life: Molecular Information, Cell Communication, and the Foundations of Life, Oxford University Press, New York. Discussão primorosamente escrita sobre relação entre a entropia e a informação. Nicholls, D.G. & Ferguson, S.J. (2002) Bioenergetics 3, Academic Press, Inc., New York. Discussão clara, bem ilustrada, de nível intermediário sobre a teoria da bioenergética e os mecanismos das transduções de energia. Tinoco, I., Jr., Sauer, K., Wang, J.C., & Puglisi, J.D. (2002) Physical Chemistry: Principles and Applications in Biological Sciences, 4th ed, Prentice-Hall, Inc., Upper Saddle River, NJ. Os capítulos 2 ao 5 envolvem termodinâmica. Nelson_6ed_book.indb 537 Nelson_6ed_book.indb 537 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 538 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX van Holde, K.E., Johnson, C., & Ho, P.S. (2006) Principles of Physical Biochemistry, 2nd ed, Prentice-Hall, Inc., Upper Saddle River, NJ. Os capítulos 2 e 3 são especialmente relevantes. Lógica química e reações bioquímicas comuns Frey, P.A. (2001) Radical mechanisms of enzymatic catalysis. Annu. Rev. Biochem. 70, 121–148. Uma pesquisa muito útil sobre as reações que ocorrem via radical livre. Frey, P.A. & Hegeman, A.D. (2006) Enzymatic Reaction Mechanisms, Oxford University Press, New York. Uma fonte oficial e atualizada sobre as reações que ocorrem em sistemas vivos. Gutteridge, A. & Thornton, J.M. (2005) Understanding nature’s catalytic toolkit. Trends Biochem. Sci. 11, 622–629. Kraut, D.A., Carroll, K.S., & Herschlag, D. (2003) Challenges in enzyme mechanism and energetics. Annu. Rev. Biochem. 72, 517–571. Um bom resumo sobre os princípios da catálise enzimática, tal como atualmente entendida e o que ainda não é compreendido. Transferência de grupos fosforil e ATP Alberty, R.A. (1994) Biochemical thermodynamics. Biochim. Biophys. Acta 1207, 1–11. Explica a diferença entre as equações bioquímicas e químicas, além do cálculo e do significado das propriedades termodinâmicas transformadas para o ATP e outros campostos fosforilados. Bridger, W.A. & Henderson, J.F. (1983) Cell ATP, John Wiley & Sons, Inc., New York. A química do ATP, seu papel na regulação do metabolismo e suas funções catabólicas e anabólicas. Brown, M.R.W. & Kornberg, A. (2004) Inorganic polyphosphate in the origin and survival of species. Proc. Natl. Acad. Sci. USA 101, 16,085–16,087. Fraley, C.D., Rashid, M.H., Lee, S.S.K., Gottschalk, R., Harrison, J., Wood, P.J., Brown, M.R.W., & Kornberg, A. (2007) A polyphosphate kinase 1 (ppk1) mutant of Pseudomonas aeruginosa exhibits multiple ultrastructural and functional defects. Proc. Natl. Acad. Sci. USA 104, 3526–3531. Frey, P.A. & Arabshahi, A. (1995) Standard free-energy change for the hydrolysis of the a-b-phosphoanhydride bridge in ATP. Biochemistry 34, 11,307–11,310. Hanson, R.W. (1989) The role of ATP in metabolism. Biochem. Educ. 17, 86–92. Resumo excelente da química e da biologia do ATP. Kalckar, H.M. (1991) Fifty years of biological research: from oxidative phosphorylation to energy requiring transport regulation. Annu. Rev. Biochem. 60, 1–37. Uma discussão em nível intermediário sobre a história dos estudos do ATP, em que o autor era o personagem principal. Kornberg, A. (1999) Inorganic polyphosphate: a molecule of many functions. Annu. Rev. Biochem. 68, 89–125. Lipmann, F. (1941) Metabolic generation and utilization of phosphate bond energy. Adv. Enzymol. 11, 99–162. Clássica discussão sobre o papel dos compostos de fosfato de alta- energia na biologia. Pullman, B. & Pullman, A. (1960) Electronic structure of energy- rich phosphates. Radiat. Res., Suppl. 2, 160–181. Discussão avançada sobre a química do ATP e outros compostos ricos em energia. Rees, D.C. & Howard, J.B. (1999) Structural bioenergetics and energy transduction mechanisms. J. Mol. Biol. 293, 343–350. Discussão sobre as bases estruturais para o acoplamento eficiente de dois processos energéticos através de mudanças em estados conformacionais. Veech, R.L., Lawson, J.W.R., Cornell, N.W., & Krebs, H.A. (1979) Cytosolic phosphorylation potential. J. Biol. Chem. 254, 6538–6547. Determinação experimental das concentrações de ATP, de ADP e de Pi no cérebro, no músculo e no fígado, e também uma discussão sobre as dificuldades em determinar a real variação de energia para a síntese de ATP nas células. Westheimer, F.H. (1987) Why nature chose phosphates. Science 235, 1173–1178. Uma descrição química sobre a adequação química única dos ésteres de fosfato e dos anidridos nas reações metabólicas. Reações biológicas de oxidação-redução Cashmore, A.R., Jarillo, J.A., Wu, Y.J., & Liu, D. (1999) Cryptochromes: blue light receptors for plants and animals. Science 284, 760–765. Dolphin, D., Avramovic, O., & Poulson, R. (eds). (1987) Pyridine Nucleotide Coenzymes: Chemical, Biochemical, and Medical Aspects, John Wiley & Sons, Inc., New York. Excelente coleção com dois volumes de revisões oficiais. Entre as mais úteis estão os capítulos do Kaplan, Westheimer, Veech e Ohno e Ushio. Fraaije, M.W. & Mattevi, A. (2000) Flavoenzymes: diverse catalysts with recurrent features. Trends Biochem. Sci. 25, 126–132. Hosler, J.P., Ferguson-Miller, S., & Mills, D.S. (2006) Energy transduction: proton transfer through the respiratory complexes. Annu. Rev. Biochem. 75, 165–187. Massey, V. (1994) Activation of molecular oxygen by flavins and flavoproteins. J. Biol. Chem. 269, 22,459–22,462. Breve revisão sobre a química das interações entre flavina- oxigênio em flavoproteínas. Rees, D.C. (2002) Great metalloclusters in enzymology. Annu. Rev. Biochem. 71, 221–246. Uma revisão avançada sobre os tipos de aglomerados de íons metálicos encontrados em enzimas e seus modos de ação. Roehm, K.-H. (2001) Electron carriers: proteins and cofactors in oxidative phosphorylation. In Encyclopedia of Life Sciences, John Wiley & Sons, Inc./Wiley InterScience, www.els.net. Uma boa visão global sobre as diferentes classes de transportadores de elétrons que participam da respiração. Williams, R.E. & Bruce, N.C. (2002) New uses for an old en- zyme—the old yellow enzyme family of flavoenzymes. Microbiology 148, 1607–1614. Problemas 1. Variações na entropia durante o desenvolvimento do ovo. Considere um sistema consistindo em um ovo em uma incubadora. A clara e a gema do ovo contêm proteínas, carboidratos e lipídeos. Se fertilizado, o ovo é transformado de uma única célula em um organismo complexo. Discuta esse processo irreversível em termos da variação de entropia do sis- tema, do meio e do universo. Não esqueça de definir primeiro, claramente, o sistema e o meio. 2. Cálculo do DG9° de uma constante de equilíbrio. Cal- cule a variação de energia livre padrão para cada uma das se- Nelson_6ed_book.indb 538 Nelson_6ed_book.indb 538 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 539 guintes reações enzimáticas, metabolicamente importantes, utilizando as constantes de equilíbrio dadas para as reações a 25°C e pH 7,0. 3. Cálculo da constante de equilíbrio a partir do DG9°. Calcule a constante de equilíbrio K9eq para cada uma das rea- çõesseguintes a pH 7,0 e 25°C, usando os valores de DG9° na Tabela 13-4. 4. Determinação experimental de K9eq e DG9°. Se uma so- lução de glicose-1-fosfato de 0,1 M a 25°C é incubada com uma quantidade catalítica de fosfoglicomutase, a glicose-1-fosfato é transformada em glicose-6-fosfato. No equilíbrio, as concentra- ções dos componentes da reação são Calcule K9eq e DG9° para essa reação. 5. Determinação experimental de DG9° para a hidrólise de ATP. Uma medida direta da variação da energia livre pa- drão associada com a hidrólise de ATP é tecnicamente difícil, já que é complicado medir com precisão a quantidade mínima de ATP remanescente no equilíbrio. No entanto, o valor de DG9° pode ser calculado indiretamente, a partir das constantes de equilíbrio de duas outras reações enzimáticas com constantes de equilíbrio menos favoráveis: Glicose-6-fosfato 1 H2O ¡ glicose 1 Pi K9eq 5 270 ATP 1 glicose ¡ ADP 1 glicose-6-fosfato K9eq 5 890 Usando essa informação para as constantes de equilíbrio deter- minadas a 25°C, calcule a energia livre padrão para a hidrólise de ATP. 6. Diferença entre DG9° e DG. Considere a seguinte inter- conversão, que ocorre na glicólise (Capítulo 14): Frutose-6-fostato ∆ glicose-6-fosfato K9eq 5 1,97 (a) Qual é o DG9° para a reação (K9eq medido a 25°C)? (b) Se a concentração de frutose-6-fosfato é ajustada para 1,5 M e a da glicose-6-fosfato é ajustada para 0,5 M, qual é o DG? (c) Por que DG9° e DG são diferentes? 7. Energia livre de hidrólise do CTP. Compare a estrutu- ra do nucleosídeo trifosfato CTP com a estrutura do ATP. Trifosfato de adenosina (ATP) OH N H H OH H O OP O O2 H N N NO O P O2 O O P O2 2O CH2 NH2 Trifosfato de citidina (CTP) O OH H H OH H O OP O O2 H NH N O O P O2 O O P O2 2O CH2 NH2 Agora prediga os valores de K9eq e DG9° para a seguinte reação: ATP 1 CDP ¡ ADP 1 CTP 8. Dependência de DG em relação ao pH. A energia livre liberada pela hidrólise do ATP em condições-padrão é 230,5 kJ/mol. Se ATP é hidrolisado em condições-padrão, porém em pH 5,0, a energia livre liberada é maior ou menor? Explique. Use o gráfico interativo para explorar essa relação. 9. O DG9° para reações acopladas. Glicose-1-fosfato é con- vertida em frutose-6-fosfato em duas reações sucessivas: Glicose-1-fosfato ¡ glicose-6-fosfato Glicose-6-fosfato ¡ frutose-6-fosfato Usando os valores de DG9° da Tabela 13-4, calcule a constante de equilíbrio, K9eq, para a soma das duas reações: Glicose-1-fosfato S frutose-6-fosfato 10. Efeito da relação [ATP]/[ADP] sobre a energia livre de hidrólise do ATP. Utilizando a Equação 13-4, construa o gráfico DG contra ln Q (razão da ação das massas) a 25°C para as concentrações de ATP, ADP e Pi dadas na tabela abaixo. DG9° para a reação é 230,5 kJ/mol. Use o resultado do gráfico para explicar por que o metabolismo é regulado para manter alta a razão [ATP]/[ADP]. Concentração (mM) ATP 5 3 1 0,2 5 ADP 0,2 2,2 4,2 5,0 25 Pi 10 12,1 14,1 14,9 10 11. Estratégia para superar reações desfavoráveis: aco- plamento químico dependente de ATP. A fosforilação da gli- cose a glicose-6-fosfato é a etapa inicial no catabolismo da glico- se. A fosforilação direta da glicose por Pi é descrita pela equação Glicose 1 Pi ¡ glicose-6-fosfato 1 H2O DG9° 5 13,8 kJ/mol Nelson_6ed_book.indb 539 Nelson_6ed_book.indb 539 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 540 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX (a) Calcule a constante de equilíbrio para a reação a 37°C. No hepatócito de rato, as concentrações fisiológicas de glicose e Pi são mantidas a 4,8 mM, aproximadamente. Qual é a con- centração de equilíbrio de glicose-6-fosfato obtida pela fosfori- lação direta da glicose por Pi? Esta reação representa um passo metabólico aceitável para o catabolismo da glicose? Explique. (b) Em princípio, pelo menos uma forma de aumentar a concentração de glicose-6-fosfato é direcionar o equilíbrio da reação para a direita elevando as concentrações intracelula- res de glicose e Pi. Assumindo uma concentração fixa de Pi em 4,8 mM, quão elevada teria que ser a concentração de glicose intracelular para gerar uma concentração de equilíbrio de gli- cose-6-fosfato de 250 mM (a concentração fisiológica normal)? Esse caminho seria fisiologicamente aceitável, dado que a solu- bilidade máxima da glicose é menor que 1 M? (c) A fosforilação da glicose na célula está acoplada à hi- drólise de ATP; isto é, parte da energia livre da hidrólise de ATP é usada para fosforilar a glicose: Calcule K9eq a 37°C para a reação global. Para a fosforilação da glicose dependente de ATP, qual é a concentração de gli- cose necessária para atingir uma concentração intracelular de 250 mM de glicose-6-fosfato quando as concentrações de ATP e ADP são de 3,38 mM e 1,32 mM, respectivamente? Esse pro- cesso de acoplamento produz uma rota adequada, pelo menos em princípio, para a fosforilação da glicose na célula? Explique. (d) Embora o acoplamento da hidrólise de ATP à fosforila- ção de glicose faça sentido termodinamicamente, ainda não foi especificado como esse acoplamento ocorre. Dado que o aco- plamento requer um intermediário comum, uma rota possível é o uso da hidrólise do ATP para elevar a concentração intrace- lular de Pi e assim impulsionar a fosforilação desfavorável da glicose por Pi. Essa rota é viável? (Pense sobre a solubilidade dos intermediários metabólicos.) (e) A fosforilação da glicose acoplada ao ATP é catalisa- da em hepatócitos pela enzima glicocinase. Essa enzima liga ATP e glicose formando um complexo glicose-ATP-enzima, e o grupo fosforil é transferido diretamente do ATP para a glicose. Explique as vantagens dessa rota. 12. Cálculos de DG9° para as reações acopladas ao ATP. A partir dos dados na Tabela 13-6, calcule o valor de DG9° para as seguintes reações. (a) Fosfocreatina 1 ADP ¡ creatina 1 ATP (b) ATP 1 frutose ¡ ADP 1 frutose-6-fosfato 13. Acoplamento da hidrólise de ATP a uma reação desfavorável. Para explorar as consequências do acoplamen- to da hidrólise de ATP a uma reação bioquímica termodinami- camente desfavorável, em condições fisiológicas, considere a transformação hipotética X S Y, em que DG9° 5 20,0 kJ/mol. (a) Qual é a razão [Y]/[X] no equilíbrio? (b) Suponha que X e Y participem de uma sequência de rea- ções durante a hidrólise de ATP em ADP e Pi. A reação global é X 1 ATP 1 H2O ¡ Y 1 ADP 1 Pi Calcule a relação [Y]/[X] para essa reação no equilíbrio. Assuma que a temperatura é de 25°C e as concentrações no equilíbrio de ATP, ADP e Pi são de 1 M. (c) Sabe-se que [ATP], [ADP] e [Pi] não são 1 M em condi- ções fisiológicas. Calcule [Y]/[X] para a reação acoplada ao ATP quando os valores de [ATP], [ADP] e [Pi] são aqueles encontra- dos nos miócitos de ratos (Tabela 13-5). 14. Cálculos de DG em concentrações fisiológicas. Cal- cule o DG real fisiológico para a reação Fosfocreatina 1 ADP ¡ creatina 1 ATP a 37°C, como ocorre no citosol dos neurônios, com 4,7 mM de fosfocreatina, 1,0 mM de creatina, 0,73 mM de ADP e 2,6 mM de ATP. 15. Energia livre necessária para a síntese de ATP em condições fisiológicas. No citosol de hepatócitos de ratos, a temperatura é de 37°C e a razão da ação das massas, Q, é Calcule a energia livre necessária para a síntese de ATP em um hepatócito de rato. 16. Lógica química. Na via glicolítica, um açúcar de seis carbonos (frutose-1,6-bifosfato) é clivado para formar dois açúcares de três carbonos, que sofrem metabolismo adicional (ver Figura 14-6). Nesta via, ocorre isomerização da glicose-6- -fosfato a frutose-6-fosfato (mostrada abaixo) dois passos an- tes da reação de clivagem (o passo seguinte é a fosforilação de frutose-6-fosfato a frutose-1,6-bifosfato [p. 549]). OH H C C O C C C H HHO OH H OH H 22 CH2OPO3 H C C OH HC H C C O HO OH H OH H 22 CH2OPO3 Glicose-6-fosfato Frutose-6-fosfato Fosfoexose- -isomerase O que a isomerização faz a partir de uma perspectiva bioquí- mica? (Dica: considere o quepoderia acontecer se a ligação de clivagem C¬C procedesse sem a isomerização.) 17. Mecanismos de reação enzimática I. A lactato- -desidrogenase é uma das muitas enzimas que necessitam de NADH como coenzima. Ela catalisa a conversão de piruvato em lactato: NADH 1 H1 NAD1 HCHO C O2O C O O2 C O lactato- -desidrogenase CH3CH3 Piruvato L-Lactato Represente o mecanismo dessa reação (mostre setas da trajetória dos elétrons). (Dica: esta é uma reação comum por todo o metabolismo; o mecanismo é semelhante àquele ca- talisado por outras desidrogenases que usam NADH, como a álcool-desidrogenase.) Nelson_6ed_book.indb 540 Nelson_6ed_book.indb 540 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 541 18. Mecanismos de reação enzimática II. As reações bioquímicas frequentemente parecem mais complicadas do que elas realmente são. Na via das pentoses-fosfato (Capítulo 14), sedoeptulose-7-fosfato e gliceraldeído-3-fosfato reagem formando eritrose-4-fosfato e frutose-6-fosfato em uma reação catalisada pela transaldolase. 1 Gliceraldeído-3- -fosfato Eritrose-4- -fosfato Frutose 6-fosfato Transaldolase O C 1 H C CH2OPO3 22 H OH CH OH C CH2OPO3 22 H OHC CH2OPO3 22 H OH C O H CH OH CHO H Sedoeptulose-7- -fosfato CH OH CH OH C CH2OPO3 22 H OH CHO H CH2OH C O CH2OH C O Represente um mecanismo para essa reação (mostre setas da trajetória dos elétrons). (Dica: olhe mais uma vez as condensa- ções aldólicas, e então considere o nome dessa enzima.) 19. A utilização diária de ATP por humanos adultos. (a) Um total de 30,5 kJ/mol de energia livre é necessário para sintetizar ATP a partir de ADP e Pi quando os reagentes e produtos estão a concentrações de 1 M e a temperatura é de 25°C (estado-padrão). Como as concentrações fisiológicas reais de ATP, ADP e Pi não são de 1 M, e a temperatura é de 37°C, a energia livre necessária para sintetizar ATP em con- dições fisiológicas é diferente do DG9°. Calcule a energia livre necessária para sintetizar ATP no hepatócito humano quando as concentrações fisiológicas de ATP, ADP e Pi são de 3,5, 1,5 e 5,0 mM, respectivamente. (b) Um adulto de 68 kg requer uma ingesta calórica de 2.000 kcal (8.360 kJ) de alimento por dia (24 horas). O alimen- to é metabolizado e a energia livre é utilizada para sintetizar ATP, que por sua vez fornece energia para o trabalho quími- co e mecânico diário do corpo. Assumindo que a eficiência de conversão da energia do alimento em ATP é de 50%, calcule a massa de ATP usada por um humano adulto em 24 horas. Qual a porcentagem da massa corporal que esse valor representa? (c) Embora indivíduos adultos sintetizem uma grande quantidade de ATP diariamente, sua massa corporal, estrutu- ra e composição não varia significativamente durante esse pe- ríodo. Explique essa aparente contradição. 20. Taxas de reciclagem dos fosfatos g e b do ATP. Se uma quantidade pequena de ATP marcado com fósforo radiati- vo na posição terminal, [g32P]ATP, for adicionada a um extrato de levedura, cerca de metade da radioatividade do 32P é encon- trada no Pi em poucos minutos, mas a concentração de ATP permanece inalterada. Explique. Se o mesmo experimento é realizado utilizando ATP marcado com 32P na posição central, [b32P]ATP, o 32P não aparece em Pi em tão curto período de tempo. Por quê? 21. A clivagem de ATP em AMP e PPi durante o meta- bolismo. A síntese da forma ativada do acetato (acetil-CoA) é realizada em um processo dependente de ATP: Acetato 1 CoA 1 ATP ¡ acetil-CoA 1 AMP 1 PPi (a) O DG9° para a hidrólise de acetil-CoA em acetato e CoA é 232,2 kJ/mol e o para a hidrólise de ATP em AMP e PPi é 230,5 kJ/mol. Calcule o DG9° para a síntese dependente de ATP de acetil-CoA. (b) Quase todas as células contêm a enzima pirofosfata- se inorgânica, que catalisa a hidrólise de PPi em Pi. Qual o efeito da presença dessa enzima na síntese de acetil-CoA? Explique. 22. Energia para o bombeamento de H1. As células pa- rietais que recobrem o estômago contêm “bombas” na mem- brana que transportam íons hidrogênio do citosol (pH 7,0) para o estômago, contribuindo para acidificar o suco gástrico (pH 1,0). Calcule a energia livre necessária para transportar 1 mol de íons hidrogênio por essas bombas. (Dica: consultar Capítulo 11.) Assuma uma temperatura de 37°C. 23. Potenciais de redução padrão. O potencial de redu- ção padrão, E9°, de qualquer par redox é definido para a reação da semicélula: agente oxidante 1 n elétrons ¡ agente redutor Os valores de E9° para os pares conjugados redox NAD1/NADH e piruvato/lactato são 20,32 V e 20,19 V, respectivamente. (a) Qual par redox apresenta a maior tendência em perder elétrons? Explique. (b) Qual é o agente oxidante mais forte? Explique. (c) Iniciando com reagentes e produtos em concentrações iguais a 1 M, em pH 7,0 e a 25°C, em qual sentido a reação se- guinte ocorrerá? Piruvato 1 NADH 1 H1 ∆ lactato 1 NAD1 (d) Qual é a variação de energia livre padrão (DG9°) para a conversão de piruvato em lactato? (e) Qual a constante de equilíbrio (K9eq) para essa reação? 24. Extensão da energia da cadeia respiratória. A transferência de elétrons na cadeia respiratória mitocondrial pode ser representada pela equação da reação global (a) Calcule DE9° para a reação global da transferência de elétrons mitocondrial. Use os valores de E9° da Tabela 13-7. (b) Calcule DG9° para essa reação. (c) Quantas moléculas de ATP podem teoricamente ser geradas por essa reação se a energia livre para a síntese de ATP nas condições celulares é de 52 kJ/mol? 25. Dependência da força eletromotriz sobre as con- centrações. Calcule a força eletromotriz (em volts) regis- trada por um eletrodo imerso em uma solução contendo as seguintes misturas de NAD1 e NADH em pH 7,0 e 25°C, com relação à semicélula de E9° 0,0 V. (a) 1,0 mM NAD1 e 10 mM NADH Nelson_6ed_book.indb 541 Nelson_6ed_book.indb 541 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 542 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX (b) 1,0 mM NAD1 e 1,0 mM NADH (c) 10 mM NAD1 e 1,0 mM NADH 26. A afinidade por elétrons dos compostos. Relacione as seguintes substâncias em ordem crescente de tendência em receber elétrons: (a) a-cetoglutarato 1 CO2 (gerando isocitra- to); (b) oxaloacetato; (c) O2; (d) NADP1. 27. Sentido das reações de oxidação-redução. Qual das reações a seguir você esperaria que ocorresse no sentido re- presentado, em condições-padrão, na presença das enzimas apropriadas? (a) Malato 1 NAD1 ¡ oxaloacetato 1 NADH 1 H1 (b) Acetoacetato 1 NADH 1 H1 ¡ b-hidroxibutirato 1 NAD1 (c) Piruvato 1 NADH 1 H1 ¡ lactato 1 NAD1 (d) Piruvato 1 b-hidroxibutirato ¡ actato 1 acetoacetato (e) Malato 1 piruvato ¡ oxaloacetato 1 lactato (f) Acetaldeído 1 succinato ¡ etanol 1 fumarato Problema de análise de dados 28. A termodinâmica pode ser complicada. A termodi- nâmica é uma área de estudo desafiadora e com muitas opor- tunidades para confusão. Um exemplo interessante é encon- trado em um artigo dos pesquisadores Robinson, Hampson, Munro e Vaney, publicado no periódico Science em 1993. Ro- binson e colaboradores estudaram o movimento de pequenas moléculas entre células vizinhas do sistema nervoso, por meio de canais entre as células (junções tipo fenda). Eles demons- traram que o corante amarelo Lucifer (pequena molécula car- regada negativamente) e a biocitina (pequena molécula zwit- teriônica) movem-se em apenas um sentido entre dois tipos particulares de células da glia (célula não neuronal do sistema nervoso). O corante injetado em astrócitos passaria rapida- mente para astrócitos, oligodendrócitos ou células de Müller adjacentes, mas o corante injetado em oligodendrócitos ou em células de Müller passaria lentamente, se passasse, para os astrócitos. Todos esses tipos celulares estão conectados por junções tipo fenda. Embora este não tenha sido o ponto central do artigo, os autores apresentaram um modelo molecular de como esse transporteem sentido único deve ocorrer, como demonstrado em sua Figura 3: Astrócito Astrócito Oligodendrócito Oligodendrócito (A) (B) Lê-se na legenda da figura: “Modelo de difusão do coran- te em sentido único entre oligodendrócitos e astrócitos aco- plados, com base nas diferenças de diâmetro dos poros de conexão. Como um peixe em uma armadilha, as moléculas de corante (círculos pretos) passam de um astrócito para um oli- godendrócito (A), mas não são capazes de voltar no sentido oposto (B)”. Embora esse artigo tenha passado pela revisão de uma re- vista científica muito respeitada, foram enviadas várias cartas ao editor (1994), mostrando que o modelo de Robinson e cola- boradores violara a segunda lei da termodinâmica. (a) Explique como o modelo viola a segunda lei. Dica: con- sidere o que aconteceria com a entropia do sistema com con- centrações iniciais iguais de corante nos astrócitos e oligoden- drócitos, conectados pelas junções tipo fenda semelhantes à “armadilha de peixe”. (b) Explique por que esse modelo não funciona para molé- culas pequenas, embora permita apanhar peixes. (c) Explique por que uma armadilha de peixe funciona para peixes. (d) Forneça dois mecanismos plausíveis para o transporte em sentido único das moléculas de corante entre as células que não violem a segunda lei da termodinâmica. Referências Letters to the editor. (1994) Science 265, 1017–1019. Robinson, S.R., Hampson, E.C.G.M., Munro, M.N., & Vaney, D.I. (1993) Unidirectional coupling of gap junctions between neuroglia. Science 262, 1072–1074. Nelson_6ed_book.indb 542 Nelson_6ed_book.indb 542 03/04/14 07:4303/04/14 07:43Solução: Primeiro calcula-se a constante de equilíbrio: [glicose-6-fosfato] [glicose-1-fosfato] Agora, é possível calcular a variação de energia livre padrão: Como a variação de energia livre padrão é negativa, a con- versão de glicose-1-fosfato em glicose-6-fosfato ocorre com perda (liberação) de energia livre. (Para a reação inversa, o DG9° contém a mesma magnitude, mas o sinal oposto.) A Tabela 13-4 fornece a variação de energia livre padrão para algumas reações químicas representativas. Note que a hidrólise de ésteres simples, amidas, peptídeos e glicosíde- os, assim como os rearranjos e as eliminações, ocorre com variações relativamente pequenas de energia livre padrão, enquanto a hidrólise de anidridos ácidos é acompanhada pelo decréscimo relativamente grande da energia livre pa- drão. A oxidação completa de compostos orgânicos como a glicose ou o palmitato em CO2 e H2O, reações que requerem muitas etapas nas células, resulta em um decréscimo muito grande da energia livre padrão. No entanto, as variações de energia livre padrão, como aquelas da Tabela 13-4, indicam o quanto de energia livre está disponível a partir de uma reação em condições-padrão. Para descrever a energia li- berada sob as condições existentes nas células, é essencial uma expressão para a variação de energia livre real. TABELA 132 Relação entre as constantes de equilíbrio e as variações de energia livre das reações químicas K9eq DG9° (kJ/mol) (kcal/mol)* 103 217,1 24,1 102 211,4 22,7 101 25,7 21,4 1 0,0 0,0 1021 5,7 1,4 1022 11,4 2,7 1023 17,1 4,1 1024 22,8 5,5 1025 28,5 6,8 1026 34,2 8,2 * Embora joules e quilojoules sejam as unidades padrão de energia e as utilizadas neste texto, algumas vezes os bioquímicos e nutricionistas expressam os valores de DG9° em quilocalorias por mol. Consequentemente, foram incluídos valores tanto em quilojoules como em quilocalorias nesta tabela e nas Tabelas 13-4 e 13-6. Para converter quilojoules em quilocalorias, divida o número de quilojoules por 4,184. TABELA 133 Relação entre os valores de K9eq e DG9° e o sentido das reações químicas Quando K9eq é... DG9° é... Iniciando com 1 M de todos os componentes, a reação... . 1,0 negativo ocorre no sentido direto 1,0 zero está no equilíbrio , 1,0 positivo ocorre no sentido inverso Nelson_6ed_book.indb 508 Nelson_6ed_book.indb 508 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 509 A variação de energia livre real depende das concentrações dos reagentes e dos produtos É preciso ter cuidado ao distinguir entre duas grandezas diferentes: a variação de energia livre real, DG, e a varia- ção de energia livre padrão, DG9°. Cada reação química possui uma variação de energia livre padrão característi- ca, que pode ser positiva, negativa ou nula, dependendo da constante de equilíbrio da reação. A variação de ener- gia livre padrão nos diz em que sentido e até onde uma dada reação deve seguir para atingir o equilíbrio quando a concentração inicial de cada componente é 1,0 M, em pH 7,0, temperatura de 25°C e pressão de 101,3 kPa (1 atm). Assim, DG9° é constante, tendo um valor carac- terístico e imutável para uma dada reação. No entanto, a variação da energia livre real, DG, é uma função das concentrações dos reagentes e produtos e da tempera- tura que prevalece durante a reação, e nenhum desses parâmetros será necessariamente igual às condições-pa- drão, como definidas anteriormente. Além disso, o DG de qualquer reação que ocorra espontaneamente em direção ao seu equilíbrio é sempre negativo, torna-se menos ne- gativo ao longo da reação, e é zero no ponto de equilíbrio, indicando que não pode mais ser realizado trabalho pela reação. DG e DG9° para uma determinada reação aA 1 bB ∆ cC 1 dD estão relacionados pela equação (13-4) na qual os termos em vermelho são aqueles que realmente prevalecem no sistema em observação. A concentração dos termos nessa equação expressa o efeito comumente cha- mado de ação das massas, e o termo [C]c[D]d/[A]a[B]b é cha- mado de razão da ação das massas, Q. Assim, a Equação 13-4 pode ser expressa como DG 5 DG9° 1 RT ln Q. Como exemplo, supõe-se que a reação A 1 B ∆ C 1 D esteja TABELA 134 Variações de energia livre padrão de algumas reações químicas Tipo de reação DG9° (kJ/mol) (kcal/mol) Reações de hidrólise Anidridos de ácidos Anidrido acético 1 H2O ¡ 2 acetato ATP 1 H2O ¡ ADP 1 Pi ATP 1 H2O ¡ AMP 1 PPi PPi 1 H2O ¡ 2Pi UDP-glicose 1 H2O ¡ UMP 1 glicose-1-fosfato 291,1 230,5 245,6 219,2 243,0 221,8 27,3 210,9 24,6 210,3 Ésteres Acetato de etila 1 H2O ¡ etanol 1 acetato Glicose-6-fosfato 1 H2O ¡ glicose 1 Pi 219,6 213,8 24,7 23,3 Amidas e peptídeos Glutamina 1 H2O ¡ glutamato 1 NH1 4 Glicilgliena 1 H2O ¡ 2 glicina 214,2 29,2 23,4 22,2 Glicosídeos Maltose 1 H2O ¡ 2 glicose Lactose 1 H2O ¡ glicose 1 galactose 215,5 215,9 23,7 23,8 Rearranjos Glicose-1-fosfato ¡ glicose-6-fosfato Frutose-6-fosfato ¡ glicose-6-fosfato 27,3 21,7 21,7 20,4 Eliminação de água Malato ¡ fumarato 1 H2O 3,1 0,8 Oxidação com oxigênio molecular Glicose 1 6O2 ¡ 6CO2 1 6H2O Palmitato 1 23O2 ¡ 16CO2 1 16H2O 22.840 29.770 2686 22.338 Nelson_6ed_book.indb 509 Nelson_6ed_book.indb 509 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 510 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX ocorrendo em condições-padrão de temperatura (25°C) e pressão (101,3 kPa), mas que as concentrações de A, B, C e D não sejam iguais e nenhum dos componentes esteja presente na concentração-padrão de 1,0 M. Para determi- nar a variação de energia livre real, DG, nessa condição não padrão de concentração à medida que a reação ocorre da esquerda para a direita, simplesmente aplicam-se as con- centrações reais de A, B, C e D na Equação 13-4; os valo- res de R, T e DG9° são os valores-padrão. DG é negativo e se aproxima do zero à medida que a reação evolui, já que as concentrações reais de A e B diminuem e as concentra- ções de C e D aumentam. Note que quando a reação está no equilíbrio – quando não há mais força que estimule a reação em nenhum dos sentidos e DG é zero – a Equação 13-4 reduz-se a ou DG9° 5 2RT ln K9eq que é a equação que relaciona a variação de energia livre padrão e a constante de equilíbrio (Equação 13-3). O critério para avaliar a espontaneidade de uma reação é o valor de DG, e não de DG9°. Uma reação com DG9° po- sitivo pode ocorrer no sentido direto se o DG for negativo. Isto é possível se o termo RT ln ([produtos]/[reagentes]) na Equação 13-4 for negativo e possuir valor absoluto maior que DG9°. Por exemplo, a remoção imediata dos produtos de uma reação pode manter a relação [produtos]/[reagen- tes] muito abaixo de 1, de forma que o termo RT ln ([produ- tos]/[reagentes]) apresenta um grande valor negativo. DG9° e DG são expressões da quantidade máxima de energia li- vre que uma dada reação pode teoricamente liberar – uma quantidade de energia que poderia ser utilizável apenas me- diante a presença de um dispositivo muito eficiente para captá-la ou dirigi-la. Já que tal dispositivo não é factível (parte da energia sempre é perdida para a entropia durante qualquer processo), a quantidade de trabalho realizada pela reação a temperatura e pressão constantes é sempre menor que a quantidade teoricamente disponível. Outro ponto importante é que algumas reações termo- dinamicamente favoráveis (ou seja, reações em que o DG9° é grande e negativo) não ocorrem em velocidades mensu- ráveis. Por exemplo, a combustão da lenha em CO2 e H2O é muito favorável termodinamicamente, mas a lenha perma- nece estável por anos já que a energia de ativação (ver Fi- guras 6-2 e 6-3) para a reação de combustão é maior do que a energia disponível à temperatura ambiente. Se a energia de ativação necessária é fornecida (p. ex., por um fósforo aceso), a combustão terá início, convertendo a madeira nos produtos mais estáveis CO2 e H2O, e liberando energia nasformas de calor e luz. O calor liberado por essa reação exo- térmica fornece a energia de ativação para a combustão das regiões vizinhas à lenha; o processo é autopropagável. Em células vivas, as reações que seriam extremamente lentas, caso não fossem catalisadas, prosseguem não pelo fornecimento de calor adicional, mas sim pela redução da energia de ativação pelo uso de enzimas. Uma enzima for- nece uma via de reação alternativa com energia de ativação menor do que a reação não catalisada, de tal forma que, à temperatura ambiente, uma grande fração das moléculas de substrato possui energia térmica suficiente para supe- rar a barreira de ativação, aumentando drasticamente a velocidade da reação. A variação de energia livre para uma reação é independente da via pela qual a reação ocorre; ela depende apenas da natureza e das concentra- ções dos reagentes iniciais e produtos finais. Portanto, as enzimas não podem alterar as constantes de equilíbrio; mas o que elas fazem é aumentar a velocidade pela qual a reação ocorre no sentido determinado pela termodinâmica (ver Seção 6.2). As variações de energia livre padrão são aditivas No caso de duas reações químicas sequenciais, A ∆ B e B ∆ C, cada reação possui sua própria constante de equilíbrio e cada uma possui sua variação de energia livre padrão característica, DG91° e DG92°. Como as duas reações são sequenciais, B é cancelado, resultando na reação geral A ∆ C, que possui sua própria constante de equilíbrio e, consequentemente, sua própria variação de energia livre padrão, DG9°total. Os valores de DG9° de reações químicas sequenciais são aditivos. Para a reação geral A ∆ C, o DG9°total é a soma das variações de energia livre padrão indi- viduais, DG91° e DG92°, das duas reações separadas: DG9°total 5 DG91° 1 DG92°. Este princípio da bioenergética explica como uma reação termodinamicamente desfavorável (endergônica) pode ocorrer no sentido direto, acoplando-a a uma reação alta- mente exergônica, por meio de um intermediário comum. Por exemplo, a síntese de glicose-6-fosfato é o primeiro passo na utilização de glicose em muitos organismos: Glicose 1 Pi ¡ glicose-6-fosfato 1 H2O DG9º 5 13,8 kJ/mol O valor positivo de DG9° indica que, em condições-padrão, a reação não tenderá a ocorrer espontaneamente no sentido representado. Outra reação celular, a hidrólise de ATP em ADP e Pi, é muito exergônica: ATP 1 H2O S ADP 1 Pi DG9º 5 230,5 kJ/mol Essas duas reações compartilham os intermediários co- muns, Pi e H2O, e podem ser expressas como reações se- quenciais: Nelson_6ed_book.indb 510 Nelson_6ed_book.indb 510 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 511 A variação de energia livre padrão global é obtida pelo so- matório dos valores de DG9° para as reações individuais: DG9º 5 13,8 kJ/mol 1 (230,5 kJ/mol) 5 2 16,7 kJ/mol A reação global é exergônica. Neste caso, a energia arma- zenada no ATP é utilizada para promover a síntese de gli- cose-6-fosfato, ainda que sua formação a partir de glicose e fosfato inorgânico (Pi) seja endergônica. A via de formação de glicose-6-fosfato a partir de glicose pela transferência de grupo fosforil do ATP é diferente das reações (1) e (2) des- critas anteriormente, embora o resultado final seja equiva- lente ao somatório das duas reações. Nos cálculos termodi- nâmicos, tudo o que importa é o estado do sistema no início e no final do processo; o caminho entre os estados inicial e final é irrelevante. Foi mencionado que DG9° é uma forma de expressar a constante de equilíbrio para uma reação. Para a reação (1) anterior, Note que a H2O não está incluída nessa expressão, e assu- me-se que a sua concentração (55,5 M) mantém-se inalte- rada durante a reação. A constante de equilíbrio para a hi- drólise de ATP é Portanto, a constante de equilíbrio para as duas reações acopladas é Este cálculo ilustra um ponto importante sobre as cons- tantes de equilíbrio: embora os valores de DG9° para duas reações cujo somatório resulte em uma terceira sejam adi- tivos, o K9eq para a reação global é o produto dos valores dos K9eq individuais das duas reações. As constantes de equilíbrio são multiplicativas. Devido ao acoplamento da hidrólise de ATP à síntese de glicose-6-fosfato, o K9eq para a formação de glicose-6-fosfato a partir de glicose aumenta na ordem de 2 3 105. Esta estratégia envolvendo intermediários comuns é utilizada por todas as células vivas na síntese de interme- diários metabólicos e de componentes celulares. Obviamen- te, a estratégia funciona apenas se compostos como o ATP estiverem continuamente disponíveis. Nos capítulos se- guintes, serão consideradas algumas das mais importantes vias celulares para a produção de ATP. RESUMO 13.1 Bioenergética e termodinâmica c As células vivas realizam trabalho constantemente. Elas necessitam de energia para manter suas estru- turas altamente organizadas, sintetizar componentes celulares, gerar correntes elétricas e muitos outros processos. c A bioenergética é o estudo quantitativo das relações de energia e conversões energéticas em sistemas biológi- cos. As transformações biológicas de energia obedecem às leis da termodinâmica. c Todas as reações químicas são influenciadas por duas forças: a tendência de atingir o estado de ligação mais estável (para o qual a entalpia, H, é uma expressão útil) e a tendência de atingir o mais alto grau de desordem, expresso pela entropia, S. A força motriz líquida de uma reação é o DG, a variação de energia livre, que represen- ta o efeito líquido desses dois fatores: DG 5 DH 2 TDS. c A variação de energia livre padrão aparente, DG9°, é uma constante física característica para uma dada rea- ção e pode ser calculada a partir da constante de equilí- brio da reação: DG9° 5 2RT ln K9eq. c A variação de energia livre real, DG, é uma variável que depende de DG9° e das concentrações dos reagen- tes e dos produtos: DG 5 DG9° 1 RT ln([produtos]/ [reagentes]). c Quando DG é elevado e negativo, a reação tende a se- guir no sentido direto; quando DG é elevado e positivo, a reação tende a seguir no sentido inverso; quando DG 5 zero, o sistema está em equílibrio. c A variação de energia livre de uma reação é independen- te da via pela qual a reação ocorre. As variações de ener- gia livre são aditivas; a reação química final resultante de sucessivas reações que compartilham intermediários comuns possui uma variação de energia livre global que é a soma dos valores de DG para as reações individuais. 13.2 Lógica química e reações bioquímicas comuns As transduções biológicas de energia abordadas neste livro são reações químicas. A química celular não abran- ge todo tipo de reação estudada em um curso típico de química orgânica. Quais reações ocorrem em sistemas biológicos e quais não é algo determinado por (1) sua re- levância para um sistema metabólico em particular e (2) sua velocidade. As duas considerações são importantes no formato das vias metabólicas que serão estudadas ao longo deste livro. Uma reação relevante é aquela que faz uso de um substrato disponível e o converte em um produto útil. No entanto, mesmo uma reação potencialmente relevante pode não ocorrer. Algumas transformações químicas são muito lentas (possuem energias de ativação muito altas) para contribuir com os sistemas vivos, mesmo com a ajuda de poderosos catalisadores enzimáticos. As reações que ocorrem nas células representam uma “caixa de ferra- mentas” que a evolução teria utilizado para construir as vias metabólicas que contornam as reações “impossíveis”. Aprender a reconhecer as reações plausíveis pode ser uma ótima ajuda para desenvolver um conhecimento profundo em bioquímica. Nelson_6ed_book.indb 511 Nelson_6ed_book.indb 511 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 512 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX Mesmo assim, o número de reações metabólicas que ocor- rem em uma célula típica pode parecerexagerado. A maior parte das células tem a capacidade de realizar milhares de reações específicas, catalisadas por enzimas: por exemplo, a transformação de um nutriente simples como a glicose em aminoácidos, nucleotídeos ou lipídeos; a extração de energia a partir da oxidação de combustíveis; ou a polimerização de subunidades monoméricas em macromoléculas. Para estudar essas reações, é essencial alguma organi- zação. Existem padrões na química da vida; você não preci- sa estudar todas as reações individuais para compreender a lógica molecular da bioquímica. A maior parte das reações nas células vivas pertence a uma das cinco categorias ge- rais: (1) reações que criam ou quebram ligações carbono- -carbono; (2) rearranjos internos, isomerizações e elimina- ções; (3) reações com radicais livres; (4) transferência de grupos; e (5) oxidação-redução. A seguir, cada uma dessas categorias será discutida em maior detalhe. Nos capítulos posteriores, serão citados alguns exemplos de cada tipo de reação. Note que os cinco tipos de reações não são mutua- mente excludentes; por exemplo, uma reação de isomeri- zação pode envolver um intermediário do tipo radical livre. No entanto, antes de dar continuidade, é preciso revi- sar dois princípios químicos básicos. Primeiro, uma ligação covalente consiste em um par de elétrons compartilhados, e a ligação pode ser rompida, em geral, de duas formas (Fi- gura 13-1). Na clivagem homolítica, cada átomo deixa a ligação na forma de um radical, carregando um elétron desemparelhado. Na clivagem heterolítica, que é a mais comum, um átomo retém os dois elétrons da ligação. As espécies mais frequentemente geradas quando as ligações C¬C e C¬H são clivadas estão ilustradas na Figura 13-1. Carbânions, carbocátions e íons hidreto são altamente ins- táveis; como será visto, essa instabilidade caracteriza a quí- mica desses íons. O segundo princípio básico é que muitas reações bio- químicas envolvem interações entre nucleófilos (grupos funcionais ricos em elétrons e capazes de doá-los) e ele- trófilos (grupos funcionais deficientes em elétrons e que os procuram). Os nucleófilos doam elétrons e combinam- -se com os eletrófilos. Nucleófilos e eletrófilos comuns em biologia estão representados na Figura 13-2. Note que um átomo de carbono pode agir tanto como um nucleófilo quanto um eletrófilo, dependendo das ligações e dos grupos funcionais que o rodeiam. Reações que criam ou quebram ligações carbono-carbono. A cliva- gem heterolítica de uma ligação C¬C gera um carbânion e um carbocátion (Figura 13-1). Inversamente, a formação de uma ligação C¬C envolve a combinação de um carbâ- C C Radicais de carbono C 1 C C H PrótonCarbânion C 1 HClivagem heterolítica C H Radical de carbono C 1 HClivagem homolítica C H HidretoCarbocátion C 1 C C CarbocátionCarbânion C 1 C Átomo de H H – – – + + + : : : . . . . FIGURA 131 Dois mecanismos para a clivagem de uma ligação C¬C ou C¬H. Em uma clivagem homolítica, cada átomo mantém um dos elé- trons da ligação, resultando na formação de radicais de carbono (carbonos contendo elétrons não pareados) ou átomos de hidrogênio não carregados. Em uma clivagem heterolítica, um dos átomos retém os dois elétrons da li- gação. Isso pode resultar na formação de carbânions, carbocátions, prótons ou íons hidreto. Nucleófilos Eletrófilos NHN :: S–: C–: O–H : O–: C O R: N + C H R: H+ R: P R: Fósforo de um grupo fosfato Próton Sulfidril carregada negativamente Carbânion Grupo amino descarregado Imidazol Íon hidróxido O– O– –O O Oxigênio negativamente carregado (como em um grupo hidroxil desprotonado ou um ácido carboxílico ionizado) Átomo de carbono de um grupo carbonil (o oxigênio mais eletronegativo do grupo carbonil retira elétrons do carbono) Grupo imino protonado (ativado devido ao ataque nucleofílico ao carbono pela protonação da imina) N : FIGURA 132 Nucleófilos e eletrófilos comuns em reações bioquími- cas. Os mecanismos de reações químicas, que descrevem a formação e a quebra de ligações covalentes, estão representados por pontos e setas cur- vas, uma convenção informalmente conhecida como “trajetória do elétron”. Uma ligação covalente consiste em um par de elétrons compartilhado. Os elétrons importantes para o mecanismo da reação, que não participam da li- gação, estão representados por pontos (:). As setas curvas ( ) representam o movimento do par de elétrons. Para o movimento de um único elétron (como em uma reação com radical livre), é usada uma seta de ponta única (tipo anzol) ( ). A maioria dos passos da reação envolve um par de elé- trons não compartilhado. Nelson_6ed_book.indb 512 Nelson_6ed_book.indb 512 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 513 nion nucleofílico e um carbocátion eletrofílico. Carbânions e carbocátions geralmente são tão instáveis que a sua for- mação como intermediários de reação pode ser energetica- mente inacessível, mesmo com catálise enzimática. Para a finalidade da bioquímica celular, essas reações impossíveis – a não ser que seja fornecido um auxílio químico na forma de grupos funcionais contendo átomos eletronegativos (O e N) que podem alterar a estrutura eletrônica dos átomos de carbonos adjacentes, de modo a estabilizar e facilitar a formação dos intermediários carbânion e carbocátion. Os grupos carbonil são particularmente importantes nas transformações químicas das vias metabólicas. O áto- mo de carbono de um grupo carbonil possui uma carga positiva parcial devido à propriedade de retirar elétrons do oxigênio carbonílico, sendo portanto um carbono ele- trofílico (Figura 13-3a). Um grupo carbonil pode então facilitar a formação de um carbânion em um carbono adja- cente por deslocar as cargas negativas do carbânion (Figu- ra 13-3b). Um grupo imino (ver Figura 1-16) pode ter uma função similar (Figura 13-3c). A capacidade de deslocar elétrons dos grupos carbonil e imino pode ainda ser poten- cializada por catálise ácida ou por um íon metálico, como o Mg21 (Figura 13-3d). A importância do grupo carbonil é evidente nas três principais classes de reações em que ligações C¬C são for- madas ou quebradas (Figura 13-4): condensações aldóli- cas, condensação de Claisen e descarboxilações. Em cada tipo de reação, um intermediário carbânion é estabilizado por um grupo carbonil, e em muitos casos outro grupo car- bonil fornece o eletrófilo com o qual o carbânion nucleofí- lico reage. A condensação aldólica é uma rota comum para a formação de ligações C¬C; a reação da aldolase na glicó- lise, que converte um composto de seis átomos de carbono em dois compostos de três átomos de carbono, é o inverso de uma condensação aldólica (ver Figura 14-6). Em uma condensação de Claisen, o carbânion é estabilizado pelo carbonil de um tioéster adjacente; um exemplo é a sínte- se de citrato no ciclo do ácido cítrico (ver Figura 16-9). A descarboxilação também envolve, geralmente, a geração de um carbânion estabilizado por um grupo carbonil; um exemplo é a reação da acetoacetato-descarboxilase, que leva à formação de corpos cetônicos durante o catabolismo dos ácidos graxos (ver Figura 17-19). Todas as vias meta- bólicas estão organizadas em torno da introdução de um grupo carbonil em uma localização particular, de modo que uma ligação carbono-carbono adjacente possa ser formada ou clivada. Em algumas reações, uma imina ou um cofator especializado, como piridoxal-fosfato, exerce a função de retirar elétrons do grupo carbonil. O intermediário carbocátion que ocorre em algumas reações que formam ou clivam ligações C¬C é gerado pela eliminação de um grupo de saída muito bom, como o pi- rofosfato (ver as reações de transferência de grupos, a se- guir). Um exemplo é a reação da preniltransferase (Figura 13-5), uma etapa inicial na via de biossíntese do colesterol. Rearranjos internos, isomerizações e eliminações. Outro tipo co- mum dereação celular é um rearranjo intramolecular em que a redistribuição de elétrons resulta em alterações de muitos tipos diferentes, sem alterar o estado de oxidação global da molécula. Por exemplo, grupos diferentes em uma molécula podem sofrer oxidação-redução, sem variar o estado líquido de oxidação da molécula; grupos conten- do ligação dupla podem sofrer um rearranjo cis-trans; ou as posições das ligações duplas podem ser mudadas. Um exemplo de uma isomerização envolvendo oxidação-redu- ção é a formação de frutose-6-fosfato a partir de glicose-6- C(a) O C C C· C(b) O O (c) C CC NH2 C C C NH2 · Me2 (d) C O HA C O FIGURA 133 Propriedades químicas do grupo carbonil. (a) O átomo de carbono de um grupo carbonil é um eletrófilo devido à capacidade de retirar elétrons do átomo de oxigênio eletronegativo, resultando em uma estrutura em que o carbono tem carga positiva parcial. (b) No interior de uma molécula, o deslocamento dos elétrons para um grupo carbonil facilita e estabiliza a formação de um carbânion em um carbono adjacente. (c) As iminas atuam como os grupos carbonil, facilitando a retirada dos elétrons. (d) Os grupos carbonil não atuam sempre sozinhos; sua capacidade como escoadouro de elétrons frequentemente é potencializada pela interação com um íon metálico (Me21, como Mg21) ou com um ácido (HA). 1 2R1 C Condensação aldólica C O R2 H C R3 R4 O H1 R1 C C O R2 H C R3 R4 OH CoA-S C Condensação de Claisen C O H H C R1 S — R2 S — R2H O H1 CoA-S C C O H H C R1 O R C Descarboxilação de um b-ceto ácido C O H H C O O2 H1 R C C O H H H CO2 2 FIGURA 134 Algumas reações comuns de formação e quebra de li- gações C¬C em sistemas biológicos. Tanto para a condensação aldólica como para a condensação de Claisen, um carbânion atua como nucleófilo e o carbono de um grupo carbonil atua como eletrófilo. O carbânion é es- tabilizado em cada caso por outro grupo carbonil no carbono adjacente ao carbânion. Na reação de descarboxilação, um carbânion é formado no car- bono sombreado em azul quando o CO2 é liberado. A reação não ocorreria em velocidade adequada sem o efeito estabilizador do carbonil adjacente ao carbânion. Em qualquer lugar em que um carbânion é mostrado, assume- -se também a presença de uma ressonância estabilizadora com o carbonil adjacente, como representado na Figura 13-3b. Uma imina (Figura 13-3c) ou outro grupo removedor de elétrons (incluindo certos cofatores enzimáticos como o piridoxal) pode substituir o grupo carbonil na estabilização dos car- bânions. Nelson_6ed_book.indb 513 Nelson_6ed_book.indb 513 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 514 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX -fosfato na glicólise (Figura 13-6; esta reação é discutida em detalhes no Capítulo 14): C-1 é reduzido (aldeído para álcool) e C-2 é oxidado (álcool para cetona). A Figura 13- 6b mostra os detalhes dos movimentos dos elétrons neste tipo de isomerização. Um rearranjo cis-trans está ilustrado na reação da prolil-cis-trans-isomerase no enovelamento de certas proteínas (ver Figura 4-8). Uma simples mudan- ça de uma ligação C“C ocorre durante o metabolismo do ácido oleico, um ácido graxo comum (ver Figura 17-10). Alguns exemplos espetaculares de reposicionamento de duplas ligações ocorrem na biossíntese do colesterol (ver Figura 21-33). Um exemplo de uma reação de eliminação que não afeta o estado de oxidação global é a perda de água por um ál- cool, resultando na introdução de uma ligação C“C: R C C H H OH R1 H2O H H C H2O H R C R1 Reações similares podem resultar de eliminações em aminas. Reações envolvendo radicais livres. Antigamente considerada rara, a clivagem homolítica de ligações covalentes com ge- ração de radicais livres é, atualmente, encontrada em uma ampla gama de processos bioquímicos. Alguns exemplos são: isomerizações que fazem uso de adenosilcobalamina (vitamina B12) ou S-adenosilmetionina, que são iniciadas com um radical 59-desoxiadenosil (ver a reação da metil- malonil-CoA-mutase no Quadro 17-2); certas reações de descarboxilação iniciadas por radicais (Figura 13-7); al- gumas reações da redutase, como a catalisada pela ribonu- PPiIsopentenil- -pirofosfato P2O O O2 PO O C O O2 Dimetilalil-pirofosfato C CH3 CH3 ”≈ ≈C ≈ H2 H H1 ” C C CH3 CH3 ” ≈ HP2O 1C O O2 PO O C O O2 Isopentenil-pirofosfato Carbocátion dimetil-alílico C CH3 H2 CH2 ≈ ≈≈C ≈H2 HH C ≈≈ Geranil-pirofosfato P2O O O2 PO O O O2 FIGURA 135 Os carbocátions na formação da ligação carbono-car- bono. Em uma das primeiras etapas da biossíntese do colesterol, a enzima preniltransferase catalisa a condensação de isopentenil-pirofosfato e dimetil- -pirofosfato, formando geranil-pirofosfato (ver Figura 21-36). A reação é ini- ciada pela eliminação do pirofosfato do dimetil-pirofosfato para gerar um carbocátion, estabilizado por ressonância com a ligação C“C adjacente. H 1C 2C B1 H O OH Glicose-6-fosfato B2 H C C H O OH C OH H C H OH C H OH C H H O P O2 O O2 H 1C 2C OH O Frutose-6-fosfato Intermediário enediol H C OH H C H OH C H OH C H H O P O2 O O2 (a) (b) Fosfoexose- -isomerase ➊ B1 retira um próton. ➍ B2 retira um próton, possibilitando a formação de uma ligação C“O. ➋ Isso possibilita a formação de uma ligação dupla C“C. ➌ Elétrons do grupo carbonil formam uma ligação O¬H com o íon hidrogênio doado por B2. ➎ Um par de elétrons é deslocado da ligação C“C para formar uma ligação C¬H com o próton doado por B1.C B1 H H C H OO H C OH H C O B1 B2 B2 : : : FIGURA 136 As reações de isomerização e eliminação. (a) Conversão de glicose-6-fosfato a frutose-6-fosfato, reação do metabolismo de açúcares catalisada pela fosfoexose-isomerase. (b) Esta reação ocorre por meio de um intermediário enediol. Os quadros em cor salmão indicam a via de oxidação da esquerda para a direita. B1 e B2 são grupos ionizáveis da enzima; eles são capazes de doar e receber prótons (atuando como ácidos ou bases) à medi- da que a reação ocorre. Nelson_6ed_book.indb 514 Nelson_6ed_book.indb 514 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 515 cleotídeo-redutase (ver Figura 22-41); e algumas reações de rearranjo, como as catalisadas pela DNA-fotoliase (ver Figura 25-26). Reações de transferência de grupos. A transferência de grupos acil, glicosil e fosforil de um nucleófilo para outro é comum em células vivas. A transferência de grupo acil geralmente envolve a adição de um nucleófilo ao carbono do carbonil de um grupo acil para formar um intermediário tetraédrico: R C Intermediário tetraédrico O Y X R C O2 Y X R C O Y X2: : A reação da quimotripsina é um exemplo de transfe- rência de grupo acil (ver Figura 6-22). A transferência de grupos glicosil envolve a substituição nucleofílica no C-1 do anel de um açúcar, que é o átomo central de um ace- tal. Em princípio, a substituição poderia prosseguir por via SN1 ou SN2, como descrito na Figura 6-28 para a enzima lisozima. A transferência de grupos fosforil exerce função espe- cial em vias metabólicas, e essas reações de transferência são discutidas em detalhes na Seção 13.3. Um tema geral no metabolismo é a ligação de um bom grupo de saída a um intermediário metabólico a fim de “ativá-lo” para as reações subsequentes. Entre os melhores grupos de saída em reações de substituição nucleofílica estão o ortofosfato inorgânico (a forma ionizada de H3PO4 em pH neutro, uma mistura de H2PO4 2 e HPO4 22, geralmente abreviado como Pi) e o pirofosfato inorgânico (P2O7 42, abreviado como PPi); os ésteres e os anidridos do ácido fosfórico são efetiva- mente ativados para reação. A substituição nucleofílica torna-se mais favorável pela ligação de um grupo fosforil a um grupo de saída pobre, como o hidroxil ¬OH. As subs- tituições nucleofílicas, nas quais o grupo fosforil (¬PO3 22)atua como um grupo de saída, ocorrem em centenas de reações metabólicas. O fósforo pode formar cinco ligações covalentes. A re- presentação convencional de Pi (Figura 13-8a), com três e2 CO2 Coproporfirinogênio III H R R NH 1 H3C X • 2OOC • Radical coproporfirinogenil III 12XH H3C R R NH 2OOC Protoporfirinogênio IX H3C R R NH FIGURA 137 Uma reação de descarboxilação iniciada por radicais livres. A biossíntese do heme (ver Figura 22-26) em Escherichia coli inclui uma etapa de descarboxilação em que a cadeia lateral propionil do inter- mediário coproporfirinogênio III é convertida na cadeia lateral vinil do pro- toporfirinogênio IX. Quando a bactéria está crescendo anaerobiamente, a enzima independente de oxigênio coproporfirinogênio III-oxidase, também chamada de proteína HemN, promove a descarboxilação pelo mecanismo de radical livre mostrado aqui. O receptor do elétron liberado não é conheci- do. Para simplificar, são mostradas apenas as porções relevantes das grandes moléculas de coproporfirinogênio III e protoporfirinogênio; as estruturas completas são mostradas na Figura 22-26. Quando E. coli está crescendo na presença de oxigênio, esta reação é uma descarboxilação oxidativa, sendo catalisada por uma enzima diferente. O O O 32 PO (b) O P O O O O2 OP O2 O2 2O O O2P2O O2 O2P O O2 O2 2O O2PO (a) (c) Adenina Ribose O O P O P O2 HO R O2 P O O2 O2 O O Glicose ATP Adenina Ribose O O P O 2O P OO2 1 O2 P R O2 2O OO ADP Glicose-6-fosfato, um éster-fosfato O O O P WZ (d) OHZ 5 R W 5 ADP FIGURA 138 Transferência de grupos fosforil: alguns dos participan- tes. (a) Em uma representação (inadequada) de Pi, três oxigênios estão liga- dos ao fósforo por ligações simples, e o quarto está ligado por ligação dupla, possibilitando as quatro estruturas de ressonância diferentes mostradas aqui. (b) As estruturas de ressonância de Pi podem ser representadas mais acurada- mente mostrando todas as quatro ligações fósforo-oxigênio com caráter de ligação dupla parcial; os orbitais híbridos assim representados estão arranja- dos em um tetraedro com o P na posição central. (c) Quando um nucleófilo Z (neste caso, a ¬OH do C-6 da glicose) ataca o ATP, ele desloca ADP (W). Nesta reação SN2, um intermediário pentacovalente (d) é formado transitoriamente. Nelson_6ed_book.indb 515 Nelson_6ed_book.indb 515 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 516 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX ligações P¬O e uma ligação P“O, é conveniente, mas não é acurada. No Pi, quatro ligações fósforo-oxigênio equiva- lentes compartilham parcialmente o caráter de ligação du- pla, e o ânion tem uma estrutura tetraédrica (Figura 13- 8b). Como o oxigênio é mais eletronegativo que o fósforo, o compartilhamento dos elétrons é desigual: o fósforo central fica com uma carga positiva parcial e, portanto, atua como um eletrófilo. Em um número muito grande de reações me- tabólicas, um grupo fosforil (¬PO3 22) é transferido do ATP para um álcool, formando um éster fosfato (Figura 13-8c), ou para um ácido carboxílico, formando um anidrido misto. Quando um nucleófilo ataca o átomo de fósforo eletrofíli- co do ATP, forma-se um intermediário de reação com uma estrutura pentacovalente relativamente estável (Figura 13- 8d). Com a partida do grupo de saída (ADP), a transferên- cia de um grupo fosforil está completa. A grande família de enzimas que catalisam a transferência de grupos fosforil, com o ATP como doador, é chamada de cinase (do grego, kinein, “mover”). A hexocinase, por exemplo, “move” um grupo fosforil do ATP para a glicose. Os grupos fosforil não são os únicos grupos que ativam moléculas para reação. Os tioálcoois (tióis), em que o áto- mo de oxigênio de um álcool é substituído por um átomo de enxofre, também são bons grupos de saída. Os tióis ativam os ácidos carboxílicos pela formação de tioésteres (ou tiol ésteres). Em capítulos posteriores serão discutidas diversas reações, inclusive aquelas catalisadas pela acil graxo-sinte- tase na síntese de lipídeos (ver Figura 21-2), em que a subs- tituição nucleofílica no carbono do carbonil de um tioéster resulta na transferência do grupo acil para outra região. Reações de oxidação-redução. Os átomos de carbono podem existir em cinco estados de oxidação, dependendo dos ele- mentos com que eles compartilham os elétrons (Figura 13-9), e as transições entre esses estados de oxidação são de importância crucial no metabolismo (as reações de oxi- dação-redução são o tópico da Seção 13.4). Em muitas oxi- dações biológicas, um composto perde dois elétrons e dois íons hidrogênio (ou seja, dois átomos de hidrogênio); essas reações são comumente chamadas de desidrogenações, e as enzimas que as catalisam são chamadas de desidrogena- ses (Figura 13-10). Em algumas oxidações biológicas, mas não em todas, um átomo de carbono é covalentemente liga- do a um átomo de oxigênio. As enzimas que catalisam essas oxidações geralmente são chamadas de oxidases ou, se o átomo de oxigênio é derivado diretamente de um oxigênio molecular (O2), oxigenases. Cada oxidação deve ser acompanhada por uma re- dução, em que um receptor de elétrons recebe os elé- trons removidos na oxidação. As reações de oxidação geralmente liberam energia (pense em uma fogueira: os compostos na madeira são oxidados por moléculas de oxigênio do ar). A maioria das células vivas obtém ener- gia necessária para o trabalho celular pela oxidação de combustíveis metabólicos como carboidratos ou gorduras (os organismos fotossintéticos também podem captar e usar a energia da luz solar). As vias catabólicas (que libe- ram energia) descritas nos Capítulos 14 a 19 são sequên- cias de reações oxidativas que resultam na transferência de elétrons das moléculas combustíveis para o oxigênio por meio de uma série de transportadores de elétrons. A alta afinidade do O2 por elétrons torna o processo global de transferência de elétrons altamente exergônico, for- necendo energia que leva à síntese de ATP – o objetivo central do catabolismo. Muitas das reações dessas cinco classes são facilitadas por cofatores, na forma de coenzimas e metais (vitamina B12, S-adenosilmetionina, folato, nicotinamida e ferro são alguns exemplos). Os cofatores ligam-se às enzimas – em alguns casos reversivelmente, em outros casos quase irre- versivelmente – e conferem a elas a capacidade de promo- ver um tipo particular de reação química (p. 190). A maior parte dos cofatores participa em uma estreita faixa de reações diretamente relacionadas. Os capítulos seguintes apresentam e discutem cada cofator biologicamente im- portante. Os cofatores fornecem outra forma de organizar o estudo dos processos bioquímicos, já que as reações fa- cilitadas por um determinado cofator costumam ser meca- nisticamente relacionadas. CH2 AlcanoCH3 CH2 CH2 Álcool Aldeído (cetona) Ácido carboxílico Dióxido de carbono CH2OH O H(R) C CH2 O OO OH C C FIGURA 139 Os níveis de oxidação do carbono em biomolécu- las. Cada composto é formado por oxidação do carbono em vermelho no composto mostrado imediatamente acima. O dióxido de carbono é a forma de carbono mais altamente oxidado encontrada em sistemas vivos. CH3 Lactato PiruvatoLactato- -desidrogenase CH3CH OH C C C O O O2 2H1 2e21 2H1 2e21 O O2 FIGURA 1310 Uma reação de oxidação-redução. Está representada aqui a oxidação do lactato a piruvato. Nesta desidrogenação, dois elétrons e dois íons hidrogênio (o equivalente a dois átomos de hidrogênio) são re- movidos do C-2 do lactato, um álcool, formando piruvato, uma cetona. Nas células, a reação é catalisada pela lactato-desidrogenase, e os elétrons são transferidos para o cofator dinucleotídeo de nicotinamida-adenina (NAD). Esta reação é totalmente reversível; o piruvato pode ser reduzido pela trans- ferência dos elétrons do cofator. Nelson_6ed_book.indb 516 Nelson_6ed_book.indb 516 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 P R I N C Í PI O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 517 As equações bioquímicas e químicas não são idênticas Os bioquímicos representam as equações metabólicas de forma simplificada, e isso é particularmente evidente para as reações envolvendo ATP. Os compostos fosforilados po- dem existir em vários estados de ionização e, conforme já mencionado, as diferentes espécies podem ligar Mg21. Por exemplo, em pH 7,0 e 2 mM de Mg21, o ATP existe na forma de ATP42, HATP32, H2ATP22, MgHATP2 e Mg2ATP. Conside- rando a função biológica do ATP, no entanto, nem sempre há interesse em todos esses detalhes e, assim, considera- -se o ATP como uma entidade constituída pela soma des- sas espécies e representa-se sua hidrólise como a equação bioquímica ATP 1 H2O ¡ ADP 1 Pi na qual ATP, ADP e Pi correspondem ao somatório das es- pécies. A constante de equilíbrio padrão aparente corres- pondente, K9eq 5 [ADP][Pi]/[ATP], depende do pH e da con- centração de Mg21 livre. Note que H1 e Mg21 não aparecem na equação bioquímica, pois são mantidos constantes. Por- tanto, uma equação bioquímica não inclui necessariamente o equilíbrio de H, Mg ou de cargas, embora ela inclua o equi- líbrio entre todos os outros elementos envolvidos na reação (C, N, O e P na equação acima). É possível escrever uma equação química que inclui o equilíbrio de todos os elementos e cargas. Por exemplo, quando o ATP é hidrolisado em valores de pH acima de 8,5 na ausência de Mg21, a reação química é representada por ATP42 1 H2O S ADP32 1 HPO4 22 1 H1 A constante de equilíbrio correspondente, K9eq 5 [ADP32] [HPO4 22][H1]/[ATP42], depende apenas da temperatura, da pressão e da força iônica. As duas formas de representar uma reação metabólica são relevantes em bioquímica. As equações químicas são utilizadas quando se quer levar em consideração todos os átomos e cargas em uma reação, como quando se estuda o mecanismo de uma reação química. As equações bioquí- micas são utilizadas para determinar em qual sentido uma reação ocorrerá espontaneamente, dado um valor de pH e [Mg21] específicos, ou para calcular a constante de equilí- brio da reação. Ao longo deste livro serão utilizadas equações bioquí- micas, a não ser quando o foco for o mecanismo químico envolvido, sendo utilizados os valores de DG9° e K9eq deter- minados em pH 7 e 1 mM de Mg21. RESUMO 13.2 Lógica química e reações bioquímicas comuns c Os sistemas vivos fazem uso de um grande número de reações químicas que podem ser classificadas em cinco tipos gerais. c Os grupos carbonil exercem função especial nas reações que formam ou clivam ligações C¬C. Os intermediários carbânions são comuns e estabilizados por grupos car- bonil adjacentes ou, menos frequentemente, por grupos imino e certos cofatores. c A redistribuição dos elétrons pode produzir rearranjos internos, isomerizações e eliminações. Essas reações incluem oxidação-redução intramolecular, alteração do arranjo cis-trans de ligações duplas e transposições de ligações duplas. c A clivagem homolítica de ligações covalentes com a ge- ração de radicais livres ocorre em algumas vias, como em certas reações de isomerização, descarboxilação, re- dutase e rearranjos. c As reações de transferência de grupos fosforil são um tipo especialmente importante de transferência de gru- pos nas células, necessário para a ativação de moléculas para as reações que de outra forma seriam altamente desfavoráveis. c As reações de oxidação-redução envolvem a perda ou o ganho de elétrons: um reagente ganha elétrons e é re- duzido, enquanto outro perde elétrons e é oxidado. As reações de oxidação geralmente liberam energia e são importantes no catabolismo. 13.3 Transferência de grupos fosforil e ATP Uma vez tendo sido apresentados alguns princípios fun- damentais da variação de energia em sistemas químicos, sendo revisadas as classes comuns de reações, agora é possível examinar o ciclo de energia nas células e a fun- ção especial do ATP como a moeda energética que re- laciona catabolismo e anabolismo (ver Figura 1-29). As células heterotróficas obtêm energia livre de forma quí- mica pelo catabolismo de moléculas de nutrientes, e elas usam essa energia para fazer ATP a partir de ADP e Pi. O ATP, então, doa parte da sua energia química para pro- cessos endergônicos como a síntese de intermediários metabólicos e de macromoléculas a partir de precursores menores, para o transporte de substâncias por meio de membranas contra gradientes de concentração, e para o movimento mecânico. Essa doação de energia do ATP ge- ralmente envolve a sua participação covalente na reação, com a eventual conversão de ATP em ADP e Pi, ou, em algumas reações, em AMP e 2 Pi. Serão discutidas aqui as bases químicas para a grande variação de energia livre que acompanha a hidrólise de ATP e de outros compos- tos de fosfato altamente energéticos, e será mostrado que a maior parte dos casos de doação de energia por ATP envolve a transferência de grupo, e não simplesmente a hidrólise de ATP. Para ilustrar a gama de transduções de energia em que o ATP fornece a energia, será abordada a síntese de macromoléculas ricas em informação, o trans- porte de solutos através das membranas e o movimento produzido pela contração muscular. Nelson_6ed_book.indb 517 Nelson_6ed_book.indb 517 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 518 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX A variação de energia livre para a hidrólise do ATP é grande e negativa A Figura 13-11 resume as bases químicas da energia livre padrão da hidrólise de ATP, relativamente grande e nega- tiva. A hidrólise da ligação do anidrido do ácido fosfórico (fosfoanidrido) terminal do ATP separa um dos três fos- fatos negativamente carregados, aliviando assim parte da repulsão eletrostática no ATP; o Pi liberado é estabilizado pela geração de formas de ressonância que não são possí- veis no ATP. A variação de energia livre para hidrólise de ATP é 230,5 kJ/mol em condições padrão, mas a energia livre real da hi- drólise do ATP (DG) em células vivas é muito diferente: as concentrações celulares de ATP, ADP e Pi não são idênticas e são muito mais baixas do que 1,0 M das condições-padrão (Tabela 13-5). Além disso, o Mg21 no citosol liga ATP e ADP (Figura 13-12), e, para a maioria das reações enzimáticas que envolve ATP como doador de grupo fosforil, o verda- deiro substrato é MgATP22. O DG9° relevante é, portanto, aquele da hidrólise de MgATP22. Pode-se calcular o DG para a hidrólise de ATP usando os dados da Tabela 13-5. A energia livre real para a hidrólise de ATP em condições intracelulares frequentemente é chamada de potencial de fosforilação, DGp. FIGURA 1311 Bases químicas para a grande variação de energia livre associada à hidrólise de ATP. ➊ A separação de cargas resultante da hidrólise atenua a repulsão eletrostática entre as quatro cargas negativas do ATP. ➋ O fosfato inorgânico liberado (Pi) é estabilizado pela formação de um híbrido de ressonância, em que cada uma das quatro ligações fósforo- -oxigênio apresenta o mesmo grau do caráter de ligação dupla e os íons hidrogênio não se encontram permanentemente associados a nenhum dos átomos de oxigênio. (Certo grau de estabilização por ressonância também ocorre nos fosfatos envolvidos nas ligações éster ou anidrido, mas em me- nor quantidade que no Pi.). Um terceiro fator (não mostrado) que favorece a hidrólise de ATP é o maior grau de solvatação (hidratação) dos produtos Pi e ADP em relação ao ATP, que proporciona uma estabilização adicional dos produtos em relação aos reagentes. ADP32 1 HPO4 22 1 H1 DG98 5 230,5 kJ/mol ATP42 1 H2O ƒ ‘ P¬ P 2 ¬ O ‘ ƒ 2O O ¬¬ O ¬ Rib AdeninaO O ¬HO ƒ ‘ 2O ¬ O O ¬¬ Rib AdeninaP¬P¬2O ¬ ‘ ƒ 2 O O O H1 1 ¬P ‘ ƒ O2 ¬ O P¬2O ¬ ‘ ƒ 2O O O ƒ ¬ ‘ P 2O O ¬ O O ¬¬ Rib Adenina ATP42 ADP22 ADP32 H OH Pi 2 P¬O ¬ ƒ O O O P¬O ¬ ‘ ƒ 2O O 32 OH Estabilização por ressonância ƒ H1 Ionização Hidrólise comalívio da repulsão entre as cargas ➊ ➋ d2 d2 d2 d2 TABELA 135 Concentrações de nucleotídeos de adenina, fosfato inorgânico e fosfocreatina em algumas células Concentração (mM)* ATP ADP** AMP Pi PCr Hepatócito de rato 3,38 1,32 0,29 4,8 0 Miócito de rato 8,05 0,93 0,04 8,05 28 Neurônio de rato 2,59 0,73 0,06 2,72 4,7 Eritrócito humano 2,25 0,25 0,02 1,65 0 E. coli 7,90 1,04 0,82 7,9 0 *Para os eritrócitos, as concentrações são aquelas do citosol (eritrócitos humanos não possuem nú- cleo e mitocôndria). Nos outros tipos celulares, os dados são para o conteúdo total da célula, embora o citosol e a mitocôndria possuam concentrações muito diferentes de ADP. PCR é fosfocreatina, dis- cutida na p. 526. **Este valor reflete a concentração total; o valor real de ADP livre deve ser muito menor (p. 519). ¬P Mg21 ƒ 2 ¬PO ¬ ‘ ƒ O O O ¬¬ Rib Adenina ¬P ‘ Mg21 ƒ O2 ¬ O P¬2O ¬ ‘ ƒ 2O O O ¬ ‘ P 2O O ¬ O O ¬¬ Rib Adenina Á Á Á Á O2 O2 ¬ O ‘ ƒ MgATP22 MgADP2 FIGURA 1312 Mg21 e ATP. A formação dos comple- xos com o Mg21 isola parcialmente as cargas negativas e influencia a conformação dos grupos fosfato em nu- cleotídeos como ATP e ADP. Nelson_6ed_book.indb 518 Nelson_6ed_book.indb 518 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 519 Como as concentrações de ATP, ADP e Pi diferem de um tipo de célula para a outra, os valores de DGp para a hi- drólise do ATP também são diferentes. Além disso, em uma célula específica, DGp pode variar com o tempo, dependen- do das condições metabólicas da célula e de como elas in- terferem nas concentrações de ATP, ADP, Pi e H1 (pH). É possível calcular a variação de energia livre real para qual- quer reação metabólica, nas condições em que ela ocorre na célula, desde que sejam conhecidas as concentrações de todos os reagentes e produtos da reação, além de outros fatores (como pH, temperatura e [Mg21]) que podem afetar a variação de energia livre real. Para complicar ainda mais o assunto, as concentrações totais de ATP, ADP, Pi e H1 em uma célula podem ser subs- tancialmente maiores que as concentrações livres, que são os valores termodinamicamente relevantes. A diferença se deve à ligação forte de ATP, ADP e Pi a proteínas celulares. Por exemplo, a [ADP] livre no músculo em repouso tem sido alternadamente estimada entre 1 e 37 mM. Utilizando o va- lor de 25 mM do Problema Resolvido 13-2, obter-se-ia um valor de DGp de 264 kJ/mol. O cálculo do valor exato de DGp, no entanto, talvez seja menos instrutivo do que a pos- sível generalização sobre as variações de energia livre real: in vivo, a energia liberada pela hidrólise do ATP é maior do que a variação de energia livre padrão, DG9°. Nas discussões seguintes será usado o valor de DG9° para a hidrólise de ATP, já que esse valor permite a compa- ração, na mesma base, com os valores energéticos de outras reações celulares. No entanto, sempre tenha em mente que em células vivas o DG é a quantidade relevante – para a hidrólise do ATP e todas as outras reações – e pode ser bem diferente do DG9°. Agora, é preciso fazer uma observação importante so- bre os níveis de ATP. É mostrado (e discutido adiante) como as propriedades químicas do ATP o tornam uma forma conveniente de moeda de energia nas células. Con- tudo, não são meramente as propriedades químicas in- trínsecas da molécula que dão ao ATP essa capacidade de direcionar as reações metabólicas e outros processos que requerem energia. Ainda mais importante é que, ao longo da evolução, ocorreu uma pressão de seleção muito forte a favor de mecanismos regulatórios que mantenham as concentrações de ATP muito abaixo das concentrações de equilíbrio da reação de hidrólise. Quando o nível de ATP diminui, não apenas a quantidade de combustível diminui, mas o combustível por si só perde seu potencial: o DG da sua hidrólise (ou seja, seu potencial de fosforila- ção, DGp) está diminuído. Como as discussões sobre as vias metabólicas que produzem e consomem ATP mostra- rão, as células vivas desenvolveram mecanismos elabora- dos – o que frequentemente pode nos parecer à custa de eficiência e de bom senso – para manter altas concentra- ções de ATP. PROBLEMA RESOLVIDO 132 Cálculo do DGp Calcule a energia livre real para a hidrólise de ATP, DGp, em eritrócitos humanos. A energia livre padrão para a hidrólise do ATP é 230,5 kJ/mol, e as concentrações de ATP, ADP e Pi em eritróci- tos estão mostradas na Tabela 13-5. Assuma que o pH é 7,0 e a temperatura é 37°C (temperatura corporal). O que isso revela sobre a quantidade de energia necessária para sintetizar ATP sob as mesmas condições celulares? Solução: As concentrações de ATP, ADP e Pi em eritrócitos humanos são de 2,25, 0,25 e 1,65 mM, respectivamente. A energia livre real para a hidrólise do ATP sob essas condições é dada pela re- lação (ver Equação 13-4) Substituindo os valores apropriados, obtém-se (Note que a resposta final foi arredondada para o número correto de dígitos significativos [52,5 arredondado para 52], de acordo com regras de arredondamento de números que terminam em 5 para o dígito inferior mais próximo.) Assim, a variação de energia livre real, DGp, para hidrólise de ATP em eritrócitos intactos (252 kJ/mol) é muito maior do que a variação de energia livre padrão (230,5 kJ/mol). Da mesma forma, a energia livre necessária para sintetizar ATP a partir de ADP e Pi, sob as condições que prevalecem nos eritrócitos, seria de 52 kJ/mol. Nelson_6ed_book.indb 519 Nelson_6ed_book.indb 519 03/04/14 07:4303/04/14 07:43 520 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX Outros compostos fosforilados e tioésteres também apresentam energia livre de hidrólise elevada O fosfoenolpiruvato (PEP; Figura 13-13) contém uma liga- ção éster-fosfato que sofre hidrólise para gerar a forma enó- lica do piruvato, e esse produto direto pode tautomerizar-se gerando a forma cetônica mais estável. Como o reagente (PEP) tem apenas uma forma (enol) e o produto (piruvato) contém duas formas possíveis, o produto é estabilizado em relação ao reagente. Este é o fator que mais contribui para a elevada energia livre padrão de hidrólise do fosfoenolpiru- vato: DG9° 5 261,9 kJ/mol. Outro composto de três átomos de carbono, o 1,3-bi- fosfoglicerato (Figura 13-14), tem uma ligação anidrido entre o C-1 do grupo carboxil e um ácido fosfórico. A hi- drólise desse acil-fosfato é acompanhada por uma variação de energia livre elevada e negativa (DG9° 5 249,3 kJ/mol) que pode, mais uma vez, ser explicada nos termos da estru- tura dos reagentes e produtos. Quando H2O é adicionada à ligação anidrido do 1,3-bifosfoglicerato, um dos produtos diretos, o ácido-3-fosfoglicérico, pode perder um próton ge- rando um íon carboxilato, o 3-fosfoglicerato, o qual contém duas formas de ressonância igualmente prováveis (Figura 13-14). A remoção do produto direto (ácido-3-fosfoglicéri- co) e a formação do íon estabilizado por ressonância favore- cem a reação no sentido direto. Na fosfocreatina (Figura 13-15), a ligação P¬N pode ser hidrolisada para gerar creatina livre e Pi. A liberação de Pi e a estabilização por ressonância da creatina favore- cem a reação no sentido direto. A variação de energia livre padrão da hidrólise da fosfocreatina também é elevada, 243,0 kJ/mol. Em todas essas reações em que ocorre a liberação de fosfato, as várias formas de ressonância disponíveis para o Pi (Figura 13-11) estabilizam esse produto em relação ao reagente, contribuindo para uma variação de energia livre Tautomerização Piruvato (forma cetônica) PEP32 1 H2O PEP piruvato 2 1 HPO4 22 Piruvato (forma enólica) C OH O 2O C CH2 C O2O C CH3 O Hidrólise 2O P C O 2O CH2 O O C O2 H2O Pi DG98 5 261,9 kJ/mol FIGURA 1313 Hidrólise do fosfoenolpiruva- to (PEP). Catalisada pela piruvato-cinase, esta reação é seguida pela tautomerização espontânea do produto, o piruvato. A tautomerização