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SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 4 2. NEUROFISIOLOGIA ................................................................................................... 5 3. SISTEMA NERVOSO E SUAS PRINCIPAIS DIVISÕES ............................................ 5 3.1Células do Sistema Nervoso....................................................................................7 4. NEURÔNIO ................................................................................................................. 8 4.1 O Axônio e a Mielinização.....................................................................................12 4.2 Tipos de Neurônios................................................................................................14 5. CÉLULAS GLIAIS .................................................................................................... 16 6. COMUNICAÇÃO NEURONAL POR MEIO DO POTENCIAL DE AÇÃO ................. 19 6.1 O potencial de membrana.....................................................................................20 6.2 Depolarização e hiperpolarização..........................................................................20 6.3 Mecanismo de Transmissão do Impulso Nervoso.................................................21 7. COMUNICAÇÃO NEURONAL POR MEIO DA NEUROTRANSMISSÃO ................ 22 7.1 Sinapse..................................................................................................................22 8. NEUROTRANSMISSOR ........................................................................................... 24 8.1 Tipos de Neurotransmissor....................................................................................25 8.2 Recaptação e Localização dos Neurotransmissores............................................26 9. FORMAÇÃO RETICULAR........................................................................................ 27 10.FISIOLOGIA DO HIPOTÁLAMO...............................................................................33 11.FISIOLOGIA DO SISTEMA LÍMBICO.......................................................................40 12.REGIÕES SENSITIVAS DO CÓRTEX CEREBRAL.................................................48 12.1 Regiões Corticais Relacionadas à Sensibilidade Somática ............................. 48 12.2 Regiões Corticais Referentes à Visão Área Visual Primária ........................... 51 12.3 Regiões Corticais Referentes à Audição Área ................................................ 53 12.4 Área Vestibular ................................................................................................ 54 12.5 Área Olfatória .................................................................................................. 54 13.CÓRTEX CEREBRAL, MOTRICIDADE E ASSOCIAÇÕES TERCIÁRIAS...............55 13.1 Região Motora Primária ................................................................................... 55 13.2 Regiões Motoras Secundárias......................................................................... 56 13.3 Sistema Neurônios-Espelho ............................................................................ 58 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 62 1. INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI , esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 2. NEUROFISIOLOGIA A neurofisiologia é uma área da ciência que estuda o funcionamento do sistema nervoso, focando em como os neurônios e as redes neurais se comunicam e processam informações. Essa disciplina combina conhecimentos de biologia, fisiologia e psicologia para entender os mecanismos que sustentam as funções cerebrais, desde a transmissão de impulsos elétricos até a regulação de comportamentos e emoções. Os neurônios, células fundamentais do sistema nervoso, são responsáveis pela condução de sinais elétricos e pela liberação de neurotransmissores, substâncias químicas que permitem a comunicação entre as células. A neurofisiologia investiga esses processos em diferentes níveis, desde a atividade elétrica das células individuais até a dinâmica das redes neuronais que integram informações sensoriais e motoras. Além de ser essencial para a compreensão da saúde mental e física, a neurofisiologia desempenha um papel crucial no desenvolvimento de tratamentos para diversas condições neurológicas e psiquiátricas. Ao explorar a complexidade do sistema nervoso, essa área do conhecimento contribui significativamente para o avanço da medicina e da psicologia, promovendo uma melhor compreensão do comportamento humano e das suas bases biológicas. 3. SISTEMA NERVOSO E SUAS PRINCIPAIS DIVISÕES Fonte: https://shre.ink/bSyN. A massa ovoide, com peso aproximado de 1.400 gramas, apresenta uma coloração acinzentada, textura macia semelhante à geleia e aspecto que remete ao miolo de uma noz. Esta estrutura está envolvida pela caixa craniana e é acompanhada pela medula espinhal, que possui 1 cm de espessura e 45 cm de comprimento, formando a base fundamental para o comportamento humano na fase adulta. O cérebro é uma parte integrante do sistema nervoso, que consiste em uma rede de tecido nervoso interconectivo e interativo. O sistema nervoso se divide em dois componentes principais: o Sistema Nervoso Central (SNC) e o Sistema Nervoso Periférico (SNP). O Sistema Nervoso Central (SNC) é constituído pelo tecido nervoso protegido pela caixa craniana e pela coluna vertebral, englobando o cérebro e a medula espinhal. O Sistema Nervoso Periférico (SNP) abrange o tecido nervoso localizado fora dessas estruturas ósseas, incluindo os nervos cranianos, os nervos espinhais e alguns nervos relacionados aos órgãos sensoriais (HALL, 2017). Além disso, o SNP é composto por dois sistemas distintos: O Sistema Nervoso Somático, responsável por receber informações sensoriais dos músculos e da pele, além de transmitir mensagens aos músculos esqueléticos; e O Sistema Nervoso Autônomo (SNA), que inerva as glândulas e os órgãos do corpo. O Sistema Nervoso Autônomo (SNA) apresenta duas ramificações principais: O Sistema Nervoso Simpático, responsável por promover a excitação do organismo por meio do aumento da frequência cardíaca, da liberação de adrenalina e da supressão das atividades do sistema digestivo; e O Sistema Nervoso Parassimpático, que desempenha a função oposta, ou seja, reduz a frequência cardíaca e facilita as atividades do sistema digestivo. Dessa forma, enquanto um sistema atua como consumidor de energia, o outro se configura como conservador de energia. Ademais, existe uma interação significativa entre o Sistema Nervoso Central (SNC) e o Sistema Nervoso Periférico (SNP). Os nervos do SNP têm a capacidadeinibem os neurônios monoaminérgicos do sistema reticular ativador ascendente, promovendo o sono (MACHADO; HAERTEL, 2014). Com a aproximação do despertar, o núcleo supraquiasmático descontinua essa inibição, estimulando os neurônios orexinérgicos, que, por sua vez, ativam o sistema de vigília. Além disso, os neurônios orexinérgicos inibem os neurônios colinérgicos do núcleo pendúculo-pontino, essenciais para o sono REM. Lesões nos neurônios orexinérgicos podem levar a episódios súbitos de sono REM, característicos da narcolepsia, e ocasionar cataplexia, que se manifesta como perda de tônus muscular e quedas repentinas. Associação com o comportamento sexual A sinalização química e neural em nosso organismo está intimamente ligada ao comportamento sexual, envolvendo o hipotálamo e outras áreas cerebrais. A excitação sexual, por exemplo, envolve regiões como o sistema límbico, o córtex pré- frontal e o estriado ventral, todas conectadas ao hipotálamo. Especificamente, a excitação está associada a dois núcleos pré-ópticos do hipotálamo, ativados em situações de excitação sexual, como ao assistir a filmes eróticos, conforme demonstrado por ressonância magnética funcional. A ejaculação e a ereção dependem do sistema nervoso autônomo, também controlado pelo hipotálamo, enquanto o prazer sexual está relacionado ao sistema dopaminérgico mesolímbico, especialmente ao núcleo accumbens, que também se liga ao hipotálamo (MACHADO; HAERTEL, 2014). Adicionalmente, ao comparar o hipotálamo de humanos de diferentes sexos, nota-se que um núcleo na região pré-óptica é significativamente maior em homens, evidência que se torna mais pronunciada no final da gravidez, quando os níveis de testosterona no feto aumentam consideravelmente. 11. FISIOLOGIA DO SISTEMA LÍMBICO Fonte: https://shre.ink/bSwU. Observa-se a presença de um anel cortical contínuo na face medial dos hemisférios cerebrais, formado pelo giro para-hipocampal, giro do cíngulo e hipocampo, que circunda as estruturas inter-hemisféricas, configurando o grande lobo límbico. Este lobo, de origem evolutiva antiga, é comum a todos os vertebrados e apresenta uma organização celular semelhante, sendo seu córtex menos complexo que o isocórtex adjacente. Para a compreensão das emoções, foram analisadas as partes constituintes do lobo límbico, incluindo os núcleos do hipotálamo e do tálamo, interligados pelo circuito de Papez, que abrange o fórnix, hipocampo, trato mamilotalâmico, corpo mamilar, cápsula interna, núcleos anteriores do tálamo, giro do cíngulo e giro para-hipocampal, culminando em outro hipocampo (MACHADO; HAERTEL, 2014). O papel do circuito emocional foi evidenciado por Heinrich Klein e Paul Bucy, que observaram alterações comportamentais em macacos com lesões nos lobos temporais. Essas mudanças, conhecidas como Síndrome de Klein e Bucy, incluem: Domesticação de animais tipicamente agressivos; Apetite exacerbado, levando ao consumo de itens antes não ingeridos; Agnosia visual, caracterizada pela incapacidade de reconhecer objetos ou animais visualmente; Perda do medo em relação a criaturas anteriormente temidas, como escorpiões e cobras; Comportamento de colocar objetos na boca, incluindo pequenos seres vivos; Aumento do apetite sexual, manifestado em masturbação frequente e tentativas de cópula com indivíduos do mesmo sexo ou de outras espécies (MACHADO; HAERTEL, 2014). Sintomas semelhantes aos observados em humanos foram identificados como complicações de uma ablação bilateral do lobo temporal, realizada para tratar casos severos de epilepsia. A agnosia visual associada à Síndrome de Klüver-Bucy decorre de lesões nas regiões visuais de associação secundária do córtex temporal. Outros sintomas resultam da remoção da amígdala, sem vínculo com o hipocampo. Assim, o sistema límbico pode ser entendido como um conjunto de estruturas subcorticais e corticais inter-relacionadas, tanto funcional quanto morfologicamente, e associadas à memória e às emoções. Anatomicamente, o centro do sistema límbico é constituído pelo lobo límbico e estruturas adjacentes. Funcionalmente, o sistema límbico pode ser dividido em dois grupos: um voltado à memória e outro às emoções (GUYTON; HALL, 2007). Estudos demonstram que o giro do cíngulo, em particular sua porção anterior, está diretamente relacionado ao reconhecimento das emoções. Pesquisas com indivíduos saudáveis mostraram ativação desse córtex durante a evocação de memórias emocionais, como a tristeza, ao passo que pacientes com depressão crônica apresentaram um córtex mais delgado e uma ausência dessa ativação (MACHADO; HAERTEL, 2014). Em casos de depressão grave, com resistência ao tratamento medicamentoso, a estimulação elétrica do córtex cingular anterior resultou na melhora dos sintomas. Contudo, é importante notar que a fisiopatologia da depressão é complexa e envolve outras regiões cerebrais, além do córtex cingular anterior, como os núcleos de habênula. Córtex Pré-Frontal Orbitofrontal A porção orbitofrontal da estrutura em questão é a única diretamente relacionada ao processamento emocional, estabelecendo conexões com o núcleo dorsomedial do tálamo e o corpo estriado, sendo parte do circuito orbifrontal. Pesquisas recentes indicam que disfunções antes associadas exclusivamente à região pré-frontal orbitofrontal agora são atribuídas ao circuito que ela integra (MACHADO; HAERTEL, 2014). Hipotálamo Lesões ou estímulos elétricos em determinadas regiões do hipotálamo, na presença de consciência, podem provocar reações emocionais como medo e raiva, sendo que danos no núcleo ventromedial podem aumentar a agressividade do indivíduo. Um estudo com gatos demonstrou que a remoção dos hemisférios cerebrais, preservando apenas a porção posterior do hipotálamo, resultou em um estado de raiva que se atenuou com a lesão total do hipotálamo. Além disso, o hipotálamo é essencial no controle das manifestações periféricas das emoções, influenciando o sistema nervoso autônomo. Mudanças comportamentais observadas em pesquisas com mamíferos também foram identificadas em humanos, após cirurgias ou em decorrência de tumores, traumatismos, infecções ou lesões vasculares na área hipotalâmica (GUYTON; HALL, 2007). Região Septal A região septal, situada na parte inferior do rosto do corpo caloso, ventral à comissura anterior e à lâmina terminal, abriga um conjunto de neurônios subcorticais conhecido como núcleo septal. Esta região apresenta conexões complexas, através do feixe prosencéfalo medial, com estruturas como hipocampo, amígdala, giro de cíngulo, tálamo, formação reticular e hipotálamo. Essas ligações permitem que a região septal receba aferências dopaminérgicas da região tegumentar ventral, integrando-se ao sistema de recompensa cerebral. Lesões bilaterais na região septal em animais resultam no quadro denominado raiva septal, caracterizado por ferocidade, hiperatividade emocional e reações exacerbadas em situações normalmente neutras. A estimulação desta área provoca variações no ritmo respiratório e na pressão arterial, evidenciando seu papel no controle das funções viscerais. Além disso, a região septal atua como um centro de prazer, uma vez que sua estimulação provoca sensações de euforia. A destruição dessa região pode levar a reações extremas de raiva e sexualidade (MACHADO; HAERTEL, 2014). Núcleo Accumbens O núcleo accumbens, situado entre o putâmen e a cabeça do núcleo caudado, é um componente essencial do sistema de recompensa cerebral. Ele recebe estímulos dopaminérgicos da região tegumentar ventral do mesencéfalo e envia sinais à área orbifrontal da região pré-frontal (MACHADO; HAERTEL, 2014). Fonte: https://shre.ink/bSJl. Habênula A habênula, situada no trígono das habênulas dentro do hipotálamo, na região lateral inferior da glândulapineal, é composta por dois núcleos: o lateral e o medial. O núcleo lateral apresenta conexões complexas, recebendo estímulos dos núcleos septais e estabelecendo ligações com neurônios dopaminérgicos do sistema mesolímbico e com o núcleo interpeduncular do mesencéfalo via fascículo retroflexo, resultando em um efeito inibitório nessas áreas. Além disso, a habênula inibe regiões do sistema serotoninérgico por meio de conexões com os núcleos da rafe, regulando assim os níveis de dopamina no sistema mesolímbico (MACHADO; HAERTEL, 2014). Esses impulsos direcionados aos núcleos habenulares têm implicações na fisiopatologia de transtornos de humor, como a depressão, onde a inibição do sistema mesolímbico pode ser exacerbada. Pacientes com depressão grave que não respondem à terapia medicamentosa têm se beneficiado de tratamentos com impulsos elétricos de alta frequência no núcleo lateral da habênula, que bloqueiam a atividade desse núcleo, resultando em uma forma de ablação funcional dos neurônios. Os sintomas da depressão, como a anedonia e a tristeza intensa, podem ser associados à redução da atividade dopaminérgica na via mesolímbica. Estudos demonstram que, ao incentivar macacos a puxar uma alavanca por recompensas, ocorre ativação dessa via, enquanto a estimulação do núcleo habenular lateral se dá em situações de frustração, quando a recompensa não é obtida. Dessa forma, conclui- se que a habênula está relacionada às reações de frustração, enquanto o sistema mesolímbico é responsável pelo prazer e recompensa (MACHADO; HAERTEL, 2014). Amígdala Conhecida como corpo amigdaloide, a amígdala, termo derivado do grego "amygdala", que significa "amêndoa" em alusão ao seu formato, é um componente essencial do sistema límbico. Por essa razão, será abordada com maior profundidade. Ligações e estrutura A amígdala, embora de pequeno tamanho, é composta por doze núcleos, sendo frequentemente referida como complexo amigdalóide. Esses núcleos são divididos em três grupos: basolateral, corticomedial e central. O grupo corticomedial está relacionado ao sistema olfatório e ao comportamento sexual, enquanto o grupo basolateral integra a maioria dos estímulos recebidos pela amígdala. Por sua vez, o grupo central é responsável pelas conexões aferentes. Localizada na região subcortical, a amígdala apresenta a maior quantidade de ligações do sistema nervoso, com cerca de 20 eferentes e 14 aferentes. As conexões aferentes provêm de regiões de associação secundária do córtex, transmitindo informações sensoriais processadas, além de receber aferências de núcleos dorsomediais do tálamo, hipotalâmicos, septais e do núcleo do trato solitário. As vias amigdalofugas dorsal e ventral conectam-se a diversas áreas, incluindo o núcleo accumbens e regiões talâmicas, corticais e hipotalâmicas. Adicionalmente, os núcleos da amígdala comunicam-se internamente por meio de fibras predominantemente glutamatérgicas, indicando um intenso processamento informacional. No aspecto neuroquímico, a amígdala contém uma ampla gama de neurotransmissores, como GABA, acetilcolina, noradrenalina, serotonina, encefalinas e substância P (MACHADO; HAERTEL, 2014). A amígdala apresenta uma complexa estrutura neuroquímica e funcional, refletindo a relevância de suas funções, que incluem a regulação do comportamento emocional e o processamento das emoções. Os impulsos que atingem os núcleos do grupo basolateral resultam em sensações de medo, levando a reações de fuga, enquanto aqueles que se direcionam aos núcleos do grupo corticomedial geram comportamentos mais agressivos e defensivos, sendo a raiva uma resposta que pode ser estimulada tanto pela amígdala quanto pelo hipotálamo. Adicionalmente, a amígdala contém uma abundância de receptores sexuais, o que a torna a região do sistema nervoso central com o maior número desses receptores. Sua estimulação pode induzir comportamentos sexuais variados, enquanto lesões nessa área podem resultar em hipersexualidade (MACHADO; HAERTEL, 2014). Entre as diversas funções da amígdala, o processamento do medo se destaca, uma vez que indivíduos com lesões bilaterais nessa região não apresentam reações de medo, mesmo diante de ameaças evidentes. Exames de neuroimagem funcional demonstram que a ativação da amígdala ocorre ao observar expressões de medo e também participa do reconhecimento de outras expressões faciais, como a alegria. Embora a região visual secundária, localizada no lobo temporal, seja a principal responsável por esse reconhecimento, pacientes com lesões nessa área ainda conseguem identificar algumas expressões através da amígdala (MACHADO; HAERTEL, 2014). A amígdala é importante na resposta ao medo, sinalizando potenciais perigos e resultando na secreção de adrenalina pela glândula suprarrenal. Esse processo ativa o sistema simpático, caracterizado pela “Síndrome de Emergência de Cannon”, que prepara o organismo para uma reação de luta ou fuga (VANVOSSEN, 2016). Ao observarmos um boi mugindo, a informação visual é processada pelo tálamo e, em seguida, direcionada às regiões visuais primárias e secundárias. A partir daí a informação pode seguir por duas vias: a direta, que leva rapidamente à amígdala, onde o medo é acionado, ou a indireta, que passa pelo córtex pré-frontal, proporcionando uma análise mais detalhada da situação. Embora a via direta resulte em uma resposta imediata e inconsciente, a via indireta permite a avaliação do contexto, desativando a resposta do medo caso a ameaça se prove infundada, como no caso de um boi não agressivo (VANVOSSEN, 2016). O medo nos animais é uma reação inata, manifestando-se desde o nascimento em resposta a perigos comuns em seu habitat. Por exemplo, um macaco demonstra medo ao ver uma cobra, mesmo sem ter tido contato anterior. Além disso, é possível condicionar essa emoção. Em um estudo, ratos expostos a um som, como o de uma campainha, seguido de um choque elétrico, aprenderam a temer o som, mesmo na ausência do choque. Tanto o estímulo condicionado quanto o não condicionado são processados no núcleo lateral, com a resposta mediada pelo sistema nervoso simpático. Nos seres humanos, o condicionamento ocorre de forma similar, podendo ser ativado por informações externas, como alertas sobre perigos, levando o indivíduo a temer algo que nunca vivenciou. Sistema de prazer e recompensa Em 1954, os psicólogos James Olds e Peter Milner realizaram um experimento significativo ao implantar eletrodos no cérebro de ratos, permitindo que os animais estimulassem seu sistema nervoso por meio de uma alavanca. Os resultados mostraram que os ratos ativavam determinadas áreas do cérebro com uma frequência impressionante, chegando a 800 estimulações por hora, a ponto de negligenciarem a alimentação e a hidratação, até a exaustão. Essa região do cérebro foi denominada área de recompensa (MACHADO; HAERTEL, 2014). A autoestimulação proporcionava um prazer comparável à satisfação de necessidades básicas, como fome e sede, além de se assemelhar às sensações prazerosas associadas ao sexo. Estudos semelhantes em pacientes humanos corroboraram a existência dessas áreas que geram prazer quando estimuladas. Atualmente, é amplamente reconhecido que as estimulações intensas no sistema mesolímbico ocorrem por meio dos neurônios dopaminérgicos que se originam na região tegmentar ventral, atravessam o feixe prosencefálico medial e se conectam ao núcleo accumbens e aos núcleos septais, seguindo para o córtex pré- frontal orbitofrontal. Existem ligações diretas entre a região tegmentar ventral e a região pré-frontal, além de conexões de retroalimentação entre ambas. Esse sistema mesolímbico é responsável pela sensação de prazer associada a comportamentos essenciais para a sobrevivência, sendo ativado em situações cotidianas de alegria, como rir de uma piadaou celebrar conquistas. Contudo, essa mesma sensação é intensificada pelo uso de substâncias como crack e heroína, que estimulam o sistema dopaminérgico, especialmente o núcleo accumbens. A dependência dessas drogas pode ser explicada pela diminuição da sensibilidade dos receptores neurológicos, resultante da superexposição a estímulos, levando à necessidade de doses crescentes para alcançar o prazer desejado (MACHADO; HAERTEL, 2014). Estresse e ansiedade Os tópicos anteriores abordaram a função do medo como mecanismo de preparação do organismo para emergências. Nesse contexto, a ansiedade emerge como um transtorno psíquico comum, caracterizado por reações exageradas de medo, frequentemente prolongadas e provocadas por situações de perigo pouco familiares ou experiências passadas que reforçam a percepção de ameaça. A exposição contínua à ansiedade pode resultar em estresse e comprometer a saúde do indivíduo. Em contraste, uma pessoa saudável aprende a regular suas reações ao medo, como exemplificado pelo medo de voar, que tende a diminuir em viagens subsequentes, à medida que a ameaça se torna menos evidente (MACHADO; HAERTEL, 2014). Nos indivíduos ansiosos, a amígdala pode ser ativada mesmo na ausência de perigo, resultando em impulsos que estimulam o hipotálamo a liberar o ACTH, levando à produção de cortisol pelas glândulas adrenais. O excesso de cortisol pode causar a morte ou disfunção de neurônios no hipocampo, que desempenha um papel crucial na regulação da resposta ao estresse. Estudos de neuroimagem revelam uma redução no volume do hipocampo, afetando a memória em pacientes com transtorno de estresse pós-traumático. Assim, a resposta ao estresse está relacionada não apenas à hiperatividade da amígdala, mas também à diminuição da função hipocampal. Fonte: https://shre.ink/bS0N. 12. REGIÕES SENSITIVAS DO CÓRTEX CEREBRAL O córtex cerebral abriga áreas sensitivas localizadas nos lobos temporal, parietal e occipital, sendo a região visual a mais proeminente no lobo occipital humano. Essas áreas sensitivas podem ser classificadas em primárias, responsáveis pela projeção da sensação, e secundárias, que realizam a associação e o reconhecimento de características específicas do estímulo. No que diz respeito às regiões visuais, existem diversas áreas secundárias, cada uma dedicada ao processamento de atributos como cor, forma e movimento. 12.1 Regiões Corticais Relacionadas à Sensibilidade Somática Área Somestésica Primária A área somestésica, também conhecida como S1, localiza-se no giro pós- central e abrange as áreas 1, 2 e 3 de Brodmann. A área 3 está situada no fundo do sulco central, enquanto as áreas 1 e 2 se encontram na superfície do giro, conforme ilustrado nas imagens abaixo. Essa região recebe aferências dos núcleos ventrais posteromedial e posterolateral do tálamo, transmitindo estímulos relacionados à dor, temperatura, tato, pressão e propriocepção. Quando impulsos nervosos são enviados à área somestésica, o indivíduo pode apresentar manifestações sensitivas difusas em determinadas partes do corpo, como formigamento ou dormência. Parte medial das áreas corticais de Brodmann. Primárias em vermelho, secundárias em amarelo e terciárias em azul Fonte: Adaptado de Machado e Haertel, 2014. Fonte: Adaptado de Machado e Haertel, 2014. Por outro lado, quando os impulsos são direcionados aos receptores exteroceptivos ou quando uma pessoa movimenta articulações para estimular esses receptores, podem ser registrados potenciais evocados nas áreas correspondentes à somestesia. Essa observação revela a relação entre determinadas regiões do corpo e a área somestésica, fenômeno denominado somatotopia. A ilustração da abaixo, elaborada por Penfield e Rasmussen (1968), demonstra essa somatotopia por meio do "homúnculo sensitivo" invertido, localizado no giro pós-central. Homúnculo sensitivo Fonte: Penfield e Rasmussen, 1968. Na região superior do giro pós-central, observa-se a representação sensitiva dos pés e dos órgãos genitais. Na porção superolateral do hemisfério, encontram-se as áreas correspondentes ao tronco, à perna e ao braço, que ocupam um espaço menor. Abaixo, há uma região maior dedicada à sensibilidade da mão, seguida pela área que representa a cabeça, onde as regiões da boca e do rosto ocupam uma extensão significativa. No sulco lateral, localizam-se as áreas referentes à faringe e à língua. Essa organização somatotópica é semelhante à observada na área motora, onde a representação da mão, especialmente dos dedos, é considerável. Essa configuração evidencia que a extensão da representação cortical de partes do corpo está relacionada à sua relevância funcional e à densidade de aferências, conforme a biologia da espécie. Lesões na área cerebral podem resultar de acidentes vasculares cerebrais que afetam a artéria cerebral média ou a artéria cerebral anterior, levando à perda da capacidade de diferenciação no lado oposto à lesão. Isso se traduz na dificuldade do paciente em perceber movimentos das partes do corpo, discernir dois pontos ou avaliar a intensidade de estímulos. Além disso, o paciente pode não reconhecer a região do corpo tocada, nem diferenciar peso, temperatura e textura dos objetos. Essa condição implica a ausência de estereognosia, que é a habilidade de identificar objetos apenas pelo tato. Entretanto, as sensibilidades mais rudimentares, como a protopática (que inclui dor, temperatura e tato não discriminativo), permanecem praticamente preservadas, dado que estão associadas ao tálamo. Área Somestésica Secundária A referida área localiza-se no lobo parietal superior, logo posterior à área somestésica primária, correspondendo à área 5 e a uma parte da área 7 de Brodmann. Lesões nessa região podem resultar em agnosia tátil, caracterizada pela incapacidade de reconhecer objetos pelo toque. Fonte: https://shre.ink/btct 12.2 Regiões Corticais Referentes à Visão Área Visual Primária A região conhecida como V1, localizada nos lábios do sulco calcarino, corresponde à área 17 de Brodmann, também designada como córtex estriado. É através dessa área que as fibras do trato genículo-calcarino, provenientes do corpo geniculado lateral, se conectam. A estimulação elétrica da área visual primária pode induzir alucinações visuais, nas quais o indivíduo percebe círculos luminosos, sem a capacidade de distinguir formas definidas. Estudos demonstraram que a retina está organizada de maneira retinotópica: a parte superior se projeta para o lábio superior do sulco calcarino, enquanto a inferior se direciona ao lábio inferior; a porção posterior da retina se conecta à parte posterior do sulco, e a anterior à parte anterior. A ablação bilateral da área 17 resulta na perda total da visão em humanos. No entanto, muitos mamíferos não têm a visão completamente corticalizada, sendo capazes de perceber luz e evitar obstáculos, mesmo com lesões bilaterais na região visual. A percepção dos contornos dos objetos é uma função do córtex primário VI, que contribui para a formação de uma representação visual mais elaborada nas áreas visuais secundárias. Áreas Visuais Secundárias As regiões unimodais associativas são aquelas que estabelecem conexões exclusivamente com a visão. Anteriormente, essa área era considerada única e localizada no lobo occipital, à frente da área visual primária, correspondendo às áreas 18 e 19 de Brodmann. Recentemente, descobriu-se que sua extensão é significativamente maior, abrangendo grande parte do lobo temporal em primatas, incluindo os seres humanos. Por meio de ressonância magnética funcional aplicada a lesões corticais isoladas, identificamos diversas áreas visuais secundárias, conforme ilustrado na figura abaixo. Essas áreas estão interconectadas por duas vias corticais que se originam daárea visual primária: a via cortical dorsal, que se conecta à porção posterior do lobo parietal, e a via cortical ventral, que se liga às regiões visuais do lobo temporal. Áreas Visuais Secundárias Fonte: https://shre.ink/btU2. A via ventral é responsável pela identificação de objetos, enquanto a via dorsal se encarrega de determinar sua localização e movimento. Lesões nas áreas visuais secundárias podem resultar em agnosias, caracterizadas pela incapacidade de reconhecer objetos ou suas características, mesmo com a área visual primária intacta. Casos de agnosia associados a lesões no lobo temporal, especialmente na via cortical ventral, são comuns. Pacientes podem apresentar dificuldades em reconhecer desenhos, cores e rostos familiares, um fenômeno conhecido como prosopagnosia. Por outro lado, lesões na via dorsal, especialmente na região V5, podem levar à acinetopsia, resultando na incapacidade de perceber movimento visual. Isso gera dificuldades em situações cotidianas, como atravessar ruas movimentadas ou perceber o fluxo da água em cachoeiras. 12.3 Regiões Corticais Referentes à Audição Área Auditiva Primária A região conhecida como A1, localizada no giro de Heschl e representando as áreas 41 e 42 de Brodmann, está conectada ao corpo geniculado medial por meio das fibras de radiação auditiva. Estímulos elétricos nessa área podem induzir alucinações auditivas, frequentemente percebidas como zumbidos. Lesões bilaterais no giro lateral transverso anterior resultam em surdez completa, enquanto lesões unilaterais provocam apenas uma limitação auditiva, devido ao incompleto cruzamento das vias auditivas em comparação com outras vias sensitivas. Cada cóclea possui uma representação em um dos hemisférios do córtex, com uma organização tonotópica na área auditiva, onde frequências sonoras específicas são processadas em porções especializadas, evidenciando a correspondência entre a cóclea e essas áreas. Área Auditiva Secundária Localizada no lobo temporal, a área 22 de Brodmann está adjacente à área auditiva primária. Embora a literatura não defina claramente sua função, há evidências de que esta região está associada a formas específicas de processamento auditivo. Área Vestibular Atualmente, verifica-se que a área vestibular está localizada no lobo parietal, especificamente em uma região próxima à área somestésica responsável pela percepção facial. Essa área apresenta uma relação mais significativa com a sensibilidade proprioceptiva do que com a auditiva. Os receptores vestibulares, anteriormente considerados proprioreceptores especiais, detectam e transmitem informações sobre o movimento e a posição da cabeça. Alguns pesquisadores argumentam que a área vestibular do córtex desempenha um papel essencial na percepção consciente da orientação espacial (MACHADO; HAERTEL, 2014). Área Olfatória A região em questão abrange uma área extensa nos mamíferos, mas é restrita a uma pequena porção anterior do giro para-hipocampal e do úneus no ser humano, também denominado córtex piriforme. Em casos de epilepsia localizada no úneus, observam-se alucinações olfatórias, onde os pacientes frequentemente relatam odores inexistentes, geralmente descritos como extremamente desagradáveis. Esse fenômeno é denominado crise uncinada, podendo ocorrer como um sintoma isolado ou como parte de uma crise epilética do tipo "grande mal". Área Gustativa Embora haja controvérsias sobre sua localização exata na literatura, atualmente está estabelecido que a região gustativa no ser humano se localiza na parte posterior da ínsula, ausente em outros primatas e composta por isocórtex heterotípico granular. É interessante notar que o pensamento ou a visualização de alimentos saborosos ativa esta área. Além disso, os neurônios presentes nessa região são sensíveis ao paladar, olfato e à sensibilidade somestésica da boca, ressaltando a importância biológica dos estímulos orais. 13. CÓRTEX CEREBRAL, MOTRICIDADE E ASSOCIAÇÕES TERCIÁRIAS A movimentação tem um objetivo formulado previamente pelo córtex pré- frontal, que transmite os impulsos referentes à essa decisão para as regiões motoras do córtex, sendo elas: as áreas motoras secundárias e primárias, bem como as áreas motoras suplementares e pré-motoras. 13.1 Região Motora Primária A área motora primária, conhecida como M1, está situada na porção posterior do giro pré-central, correspondendo à área 4 de Brodmann. Esta região é caracterizada por um isocórtex heterotípico agranular, composto predominantemente por grandes células piramidais, denominadas “células de Betz”. A M1 apresenta o menor limiar para a indução de movimentos por meio de estímulos elétricos, controlando a movimentação dos músculos do lado oposto do corpo (GUYTON; HALL, 2007). Além disso, focos epiléticos localizados na área 4 podem provocar movimentos em músculos isolados, com a possibilidade de expansão para outros conjuntos musculares, dependendo da velocidade de propagação dos impulsos. O monitoramento de episódios epilépticos focais permite o mapeamento do córtex motor primário, evidenciando a somatotopia, que, assim como a área sensorial, pode ser representada por um homúnculo, conforme ilustrado na figura abaixo. Homúnculo motor Fonte: Adaptado de Penfield e Rasmussem (1968) Na área motora do cérebro, observa-se uma representação significativa da mão em comparação às regiões do membro inferior e do tronco, o que indica a complexidade dos movimentos realizados por seus músculos. Essa configuração somatotópica pode ser alterada por lesões ou por experiências de aprendizagem ao longo da vida. As principais conexões aferentes dessa região estão ligadas ao tálamo, que recebe informações dos núcleos da base e do cerebelo (GUYTON; HALL, 2007). A partir da área 4, originam-se a maioria das fibras dos tratos corticonuclear e corticoespinhal, responsáveis por transmitir dados sobre a movimentação voluntária, especialmente para a musculatura distal dos membros. 13.2 Regiões Motoras Secundárias Área Pré-Motora A área pré-motora, situada no lobo frontal, anterior à região motora primária (área 4) e abrangendo completamente a área 6 de Brodmann, localiza-se na face lateral do hemisfério cerebral. Essa região requer impulsos elétricos mais intensos para gerar respostas motoras em comparação à área primária, devido à sua menor excitabilidade. As respostas motoras da área pré-motora são menos específicas, envolvendo grupos musculares da base dos membros inferiores e do tronco. Lesões nessa área podem resultar em paresia, caracterizada pela perda parcial de força muscular, dificultando o movimento completo de pernas ou braços. A área pré-motora é essencial para a execução de movimentos sutis através da via córtico-retículo-espinhal, especialmente nas musculaturas proximal e distal dos membros. Além disso, ela se conecta à região motora primária e recebe estímulos de diversas áreas do córtex de associação e do cerebelo, por meio do tálamo. O papel mais significativo dessa área está relacionado ao planejamento motor (MACHADO; HAERTEL, 2014). Área Motora Suplementar Se trata de uma região que preenche uma boa porção da área 6, estando presente na face medial do giro frontal superior. Possui ligações com a área motora, com o corpo estriado e com a área pré-frontal, sendo a segunda por meio do tálamo. Essa área também cumpre um papel relevante no planejamento motor, especialmente em sequências de movimentos mais complicadas (MACHADO; HAERTEL, 2014). Planejamento motor A neuroimagem funcional demonstra que, ao realizar um gesto como esticar o braço para alcançar um objeto, ocorre uma ativação da área motora suplementar ou pré-motora, indicando um aumento da atividade neurológica nessas regiões. Após aproximadamente doissegundos, essa atividade é interrompida para dar início à estimulação da região motora primária, momento em que o movimento se concretiza. Essa dinâmica envolve uma fase de planejamento, mediada pelas áreas motoras secundárias, e uma fase de execução, promovida pela região primária. O planejamento abrange a seleção dos grupos musculares a serem ativados em termos de velocidade, trajetória e distância, informações então enviadas para a região primária para a execução do movimento conforme o planejamento prévio (MACHADO; HAERTEL, 2014). Adicionalmente, o cerebelo, especificamente seu núcleo denteado, também participa do planejamento motor, sendo ativado antes da região motora primária. Contudo, a iniciativa do planejamento provém exclusivamente da área pré-frontal, sem interação com as regiões motoras secundárias. Evidências clínicas destacam a importância das regiões secundárias no planejamento motor, uma vez que lesões nessas áreas podem resultar em apraxias, caracterizadas pela incapacidade de realizar movimentos simples, mesmo na ausência de paralisia. Nesse contexto, a região motora primária permanece funcional, permitindo a execução do gesto, embora os ajustes sutis não sejam realizados, o que sugere um comprometimento das regiões secundárias. Em resumo, a região primária executa o gesto, mas carece de orientação sobre como realizá-lo, função que recai sobre as regiões secundárias. Por exemplo, ao escolher entre cerveja e vinho em uma mesa de jantar, essa decisão é atribuída ao córtex pré-frontal, dada sua complexidade, que envolve variáveis como preferências pessoais e preço das bebidas. A escolha é então transferida para a área motora suplementar, responsável pela formulação do plano motor e pela coordenação dos músculos necessários. Para isso, essa área recebe impulsos do cerebelo e do cérebro via vias dentro-talâmico- corticais. Com o plano motor estabelecido, a execução é iniciada por estímulos do trato corticoespinhal e do retículo espinhal, que direcionam antebraço e braço para a garrafa de vinho, culminando na ação de agarrá-la com os dedos (MACHADO; HAERTEL, 2014). 13.3 Sistema Neurônios-Espelho Os neurônios-espelho constituem uma categoria de neurônios que se ativam tanto durante a execução de um ato motor quanto na observação desse ato realizado por outra pessoa. Localizados na região frontoparietal, esses neurônios preenchem parte da área pré-motora e se estendem à porção inferior do lobo parietal, apresentando uma configuração somatotópica semelhante à da região motora primária. Eles modulam a estimulação dos neurônios motores, facilitando a execução de movimentos e servindo como base para a aprendizagem motora através da imitação (MACHADO; HAERTEL, 2014). Assim, a observação de um movimento específico, como na ginástica, permite um aprendizado mais rápido do que a simples descrição verbal ou ilustração. Essa funcionalidade é especialmente relevante para a aprendizagem motora em crianças, que aprendem observando a movimentação de adultos. Em seguida, abordaremos algumas regiões de associação terciária. Área Pré-Frontal A área pré-frontal está situada na porção anterior não motora do lobo frontal, cobrindo aproximadamente um quarto da superfície do córtex cerebral. Esta região estabelece conexões com a maioria das áreas corticais e diversos núcleos talâmicos, como a amígdala, o núcleo dorsomedial, os núcleos da base, o hipocampo, o tronco encefálico e o cerebelo, demonstrando uma ampla integração com quase todo o encéfalo, além de incluir projeções monoaminérgicas dos sistemas de modulação difusa. A funcionalidade da área pré-frontal é evidenciada por casos clínicos, como o de Phineas Gage, um funcionário de ferrovia que, em 1868, sofreu um acidente que resultou na destruição de seu córtex pré-frontal. Embora tenha sobrevivido e mantido suas capacidades cognitivas, Gage apresentou mudanças drásticas em sua personalidade, perdendo a responsabilidade social e exibindo comportamentos inadequados, o que levou seus amigos a questionar sua identidade. A área pré-frontal pode ser subdividida em duas regiões: a dorsolateral e a orbitofrontal. A região dorsolateral, localizada na parte superior do lobo frontal, é crucial para funções executivas, como planejamento e execução de ações sociais adequadas, considerando suas consequências. Já a região orbitofrontal, situada na porção anterior do lobo frontal, está envolvida na contenção de comportamentos socialmente inaceitáveis, no processamento emocional e na manutenção da atenção (MACHADO; HAERTEL, 2014). Área Pariental Posterior A área parietal posterior, que abrange os giros angulares (área 39 de Brodmann) e os giros supramarginais (área 40), está situada próxima às regiões secundárias visual, auditiva e somestésica. Essa região integra informações provenientes dessas áreas, permitindo a formação de uma representação global dos objetos com base em percepções como odor, aparência, textura, som e nome. Além de contribuir para a atenção seletiva e o planejamento motor, a área parietal posterior é crucial na identificação das relações entre o ambiente e os objetos, bem como na construção da imagem mental do próprio corpo em relação ao espaço. Lesões nessa área podem resultar em desorientação espacial severa, dificultando a locomoção do indivíduo, como se deslocar entre o trabalho e a casa ou até mesmo encontrar sua cama. Os sintomas frequentemente observados são típicos da síndrome da negligência, que surge a partir de lesões no hemisfério direito do cérebro, responsável pelos mecanismos visuoespaciais. Isso resulta em uma percepção deficiente do próprio corpo em relação ao espaço. Pacientes podem não reconhecer ou ignorar o lado esquerdo do corpo, apresentando comportamentos como não fazer a barba ou não calçar o pé esquerdo. Em casos que envolvem a percepção do espaço extrapessoal e peripessoal, a pessoa pode desconsiderar completamente o que está localizado à esquerda, escrevendo apenas no lado direito do papel, lendo frases incompletas e ignorando alimentos à esquerda do prato. Nesse cenário, um neurologista pode estabelecer comunicação com o paciente e se posicionar à sua direita (MACHADO; HAERTEL, 2014). Córtex Insular Anterior A ínsula é uma região cerebral dividida pelo sulco central em porções anterior e posterior, que diferem em função e estrutura. O córtex insular posterior é caracterizado como um isocórtex heterotípico agranular, associado a áreas sensoriais viscerais e gustativas. Em contraste, o córtex insular anterior é um isocórtex homótipo, presente em áreas de associação. A neuroimagem revela que a região do córtex insular anterior desempenha funções fundamentais, incluindo: Empatia: Este córtex é ativado em indivíduos saudáveis ao observar situações dolorosas, como um dedo preso em uma porta, mas não em casos de toque leve. Lesões nessa área podem levar à perda dessa capacidade, resultando em distúrbios psicopatológicos. Reconhecimento Facial: A ativação do córtex insular anterior é crucial para a discriminação da própria imagem em fotos ou espelhos, em conjunto com áreas visuais secundárias. Sensação de Nojo: Essa região também é estimulada ao se deparar com elementos repulsivos, como vômitos ou fezes, e ao observar expressões de nojo em outros. O nojo é uma resposta adaptativa que protege contra doenças. Lesões na ínsula podem abolir essa resposta. Identificação Emocional: O córtex insular anterior contribui para o reconhecimento emocional, uma função que também envolve estruturas do sistema límbico (MACHADO; HAERTEL, 2014). Áreas Límbicas As regiões do alocórtex, que incluem o giro denteado, o hipocampo e o giro para-hipocampal, assim como áreas do isocórtex e do mesocórtex, como a ínsula anterior e o giro do cíngulo, integram o sistema límbico, associadoàs emoções. O giro do cíngulo apresenta funções distintas: sua porção anterior, ocupando cerca de um terço da região, está relacionada ao processamento emocional, enquanto a porção posterior, que representa dois terços, está ligada à memória (MACHADO; HAERTEL, 2014). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AIRES, M. M. Fisiologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2012. ALÓE, F.; AZEVEDO, A. P.; HASAN, R. Mecanismos do ciclo sono-vigília. Revista Brasileira de Psiquiatria. São Paulo, v. 27, n. 1, p. 33-35, 2005. BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. Neurociências: desvendando o sistema nervoso. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. CARDINALI, D. P. Manual de neurofisiologia. Madrid: Ediciones Díaz de Santos, 1992. GUYTON, A.; HALL, J. E. 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Tese (Doutorado em Farmacologia) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Biológicas, Programa de Pós-Graduação em Farmacologia, Florianópolis, 2016. ZORZETTO, R. Recontagem de neurônios põe em xeque ideias da neurociência. Pesquisa FAPESP, v. 192, p. 18-23, 2012. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2012/02/018- 023_192.pdf?a34f0f. Acesso em: 03 fev. 2025.de detectar estímulos provenientes do ambiente externo e transmitir informações sobre esses estímulos ao cérebro. Por sua vez, o cérebro também pode enviar mensagens ao SNP. Neste contexto, os nervos cranianos e espinhais do SNP serão abordados de maneira mais detalhada no próximo tópico, juntamente com uma análise da anatomia básica e da estrutura do cérebro. O presente tópico, por sua vez, se dedica a explorar a composição do SNC e como suas estruturas fundamentais interagem e se comportam, permitindo a manifestação do comportamento. 3.1 Células do Sistema Nervoso O Sistema Nervoso Central (SNC) e o Sistema Nervoso Periférico (SNP) são compostos por distintos tipos de células, sendo estas predominantemente classificadas em dois grupos: as células nervosas, conhecidas como neurônios, e as células de suporte, denominadas células gliais, que incluem os astrócitos, oligodendrócitos, ependimócitos, células de Schwann e micróglia. Estudos indicam que o cérebro humano abriga aproximadamente 86 bilhões de neurônios, enquanto a medula espinal contém cerca de 20 milhões. Além disso, o número de células gliais no cérebro é estimado em aproximadamente 84 bilhões (LENT et al., 2012). Embora esses números sejam impressionantes, a complexidade do sistema nervoso se torna ainda mais evidente quando se considera que os neurônios se comunicam entre si, formando uma rede intrincada de interações. Essa interconexão resulta em uma estimativa de, no mínimo, 100 trilhões de conexões neurais no cérebro humano adulto. A intricada natureza da comunicação neural é amplificada pela especificidade dos mecanismos pelos quais os neurônios interagem, um aspecto que será explorado em maior profundidade ao longo deste tópico (ZORZETTO, 2012). As células gliais, denominadas assim em alusão à sua função de "cola" que mantém os neurônios interligados, desempenham um papel fundamental no SNC. Embora essa descrição não reflita com precisão sua natureza — uma vez que as células gliais não possuem a função de unir fisicamente os neurônios —, é inegável que elas estão intimamente associadas a esses neurônios, atendendo às suas diversas necessidades. Enquanto os neurônios são responsáveis pelas funções primordiais do SNC, as células gliais oferecem o suporte físico e funcional indispensável para o adequado desempenho neuronal. Ademais, essas células têm a capacidade de reparar danos nos neurônios, moldar sua estrutura e influenciar seu desenvolvimento. Embora a média de células gliais seja semelhante à do número de neurônios no SNC, a distribuição dessas células varia entre as diferentes estruturas do sistema nervoso (HERCULANO-HOUZEL, 2014). Os neurônios comunicam-se entre si por meio de sinais elétricos, conhecidos como impulsos nervosos. Esses impulsos, que consistem em descargas elétricas, possibilitam a comunicação entre os neurônios ao longo de grandes distâncias. Caracterizados por sua rapidez — na ordem de milissegundos —, os impulsos podem ser transmitidos tanto entre os neurônios do SNC e do SNP quanto entre os neurônios situados em diferentes regiões desses sistemas. 4. NEURÔNIO Os seres humanos nascem com todos os neurônios que terão ao longo de suas vidas. Estudos indicam que, desde o nascimento, ocorre uma perda aproximada de 100.000 neurônios diariamente. Entretanto, entre as idades de 20 e 60 anos, a perda anual de tecido cerebral é estimada entre 1,1 a 3,1 gramas. Após os 60 anos, essa perda aumenta para uma faixa de 3,1 a 4 gramas anualmente. Portanto, a alegação de que perdemos 100.000 neurônios por dia é considerada um mito. Segundo o autor, embora realmente haja perda celular diária, esta ocorre em uma escala significativamente menor, estimada em apenas um décimo do número mencionado (HALL, 2017). Ao contrário de outras células do corpo, os neurônios não possuem a capacidade de regeneração após a morte. A busca por métodos que possibilitem a regeneração neuronal é frequentemente referida como o "Santo Graal" da neurobiologia (NICOLELIS, 2011). Desde o nascimento, portanto, enfrentamos uma considerável perda de neurônios. Com base nas estimativas citadas, é possível concluir que a perda anual de neurônios é substancial. Entretanto, isso não implica necessariamente em um comprometimento da função cerebral, visto que a quantidade de neurônios remanescentes ainda é elevada. De fato, a perda neuronal pode ser considerada um processo necessário, uma vez que neurônios redundantes são eliminados, enquanto as conexões entre os neurônios funcionais existentes são fortalecidas (MACKAY, 2006). Os neurônios apresentam uma série de características identificáveis e propriedades físicas que podem ser visualizadas por meio de técnicas de coloração. Estas técnicas utilizam corantes especiais que realçam partes específicas do neurônio. Algumas metodologias destacam determinadas regiões, enquanto outras evidenciam diferentes áreas. Como resultado, as várias partes do neurônio podem aparecer como manchas escuras ou coloridas, contrastando com a coloração mais clara ao seu redor. A estrutura básica do neurônio é ilustrada na figura a seguir. O neurônio e seus processos Fonte: Kandel et al., 2014. A célula é envolta por uma estrutura lipídica denominada membrana, que desempenha a função de delimitar um neurônio em relação a outros. Esta membrana é composta por substâncias que têm duas funções principais: (1) detectar materiais presentes no ambiente extracelular e (2) permitir a saída de substâncias da célula. Essas substâncias são responsáveis pelo transporte ativo de materiais para dentro e fora da célula. Além disso, a membrana possui propriedades específicas que possibilitam a condução de impulsos nervosos, sendo as cargas elétricas necessárias para a comunicação entre os neurônios. O neurônio possui uma parte central conhecida como corpo celular, também denominado soma ou pericário. No interior do corpo celular, localiza-se o núcleo, que abriga um nucléolo. O núcleo, de grandes dimensões, confere ao neurônio uma distinção clara em relação a outras células do sistema nervoso. O neurônio é circundado por fluido extracelular, denominado assim por estar localizado fora da célula, também conhecido como fluido intersticial. Por outro lado, o fluido presente no interior da célula é denominado fluido intracelular. A partir do corpo celular, estendem- se diversas projeções que têm a função de receber ou transmitir sinais elétricos, conhecidas como dendritos e axônios (HALL, 2017). Normalmente, os neurônios apresentam uma estrutura caracterizada pela presença de múltiplos dendritos que se estendem a partir do corpo celular, enquanto possuem um único axônio. Os dendritos têm a capacidade de se ramificar, formando uma complexa rede de processos dendríticos, o que se revela vantajoso, uma vez que sua função primordial é a recepção de sinais provenientes de outros neurônios. Ademais, os dendritos podem conter pequenas protrusões conhecidas como espinas dendríticas, as quais aumentam a área de superfície e, consequentemente, possibilitam a captação de um volume maior de informações. Por sua vez, o axônio desempenha a função de conduzir o impulso nervoso a outros neurônios, apresentando variações em seu comprimento, que podem ser curtos ou extremamente longos, sendo o mais longo um pouco superior a 1 metro. A diversidade no comprimento dos axônios é benéfica, pois facilita a comunicação entre neurônios localizados a diferentes distâncias (KANDEL et al., 2014). O axônio emerge do corpo celular em um local denominado “Cone de Implantação”, ou segmento inicial, também conhecido como “zona de disparo”. Na extremidade do axônio, encontra-se um alargamento característico, denominado terminal axonal, que é também conhecido como botão terminal ou botão sináptico. Geralmente, o terminal axonal localiza-se próximo aoneurônio que irá receber a mensagem transmitida pelo axônio. O ponto de contato entre o botão terminal e o neurônio receptor é denominado “sinapse”, sendo este o local onde a informação é transferida de um neurônio para outro. No SNP, os botões terminais podem estabelecer sinapses com células musculares. A comunicação sináptica é viabilizada pela liberação de substâncias químicas conhecidas como neurotransmissores, armazenadas em vesículas sinápticas localizadas no botão terminal. Embora exista uma variedade de neurotransmissores, a sua identificação pode ser complexa. A liberação desses neurotransmissores ocorre em resposta ao impulso nervoso, o qual induz a saída dessas substâncias do botão terminal, permitindo que elas invadam o espaço entre o botão e o neurônio receptor, denominado fenda sináptica, que possui aproximadamente 20 nanômetros de largura (cerca de 0,00002 mm). Após a liberação dos neurotransmissores, a membrana do neurônio que se encontra voltada para a fenda (o botão do terminal) apresenta uma espessura superior àquela do neurônio receptor, facilitando a transmissão da informação. A membrana mais espessa é denominada membrana pré-sináptica, uma vez que se localiza anterior à fenda sináptica, justificando assim a designação "pré- sináptica". A superfície celular que estabelece contato com esta membrana é referida como membrana pós-sináptica. De modo análogo, os neurônios situados antes da fenda sináptica são classificados como neurônios pré-sinápticos, enquanto aqueles que recebem os neurotransmissores são denominados neurônios pós-sinápticos. As sinapses podem ocorrer em diversas regiões do neurônio, conforme indicado por Krebs, Weinberg e Akesson (2013). Exemplos incluem sinapses que se formam no corpo celular, conhecidas como sinapses axossomáticas, nas dendrites, denominadas sinapses axodendríticas, e até mesmo no próprio axônio, referidas como sinapses axoaxônicas, conforme ilustrado na figura. Exemplos de sinapses axonais Fonte: Kandel et al., 2014. Há centenas, possivelmente milhares, de sinapses em cada neurônio. O volume dessa quantidade é tão expressivo que o neurobiologista Gerald Edelman, laureado com o Prêmio Nobel, estimou que seria necessário um período de 32 milhões de anos para contabilizar o total de sinapses presentes no sistema nervoso central. 4.1 O Axônio e a Mielinização O axônio representa um dos processos mais significativos que se estendem a partir do corpo celular dos neurônios. Este componente é revestido por uma membrana denominada membrana axonal ou axolema. No sistema nervoso central (SNC), a maioria dos axônios é envolvida por uma bainha de mielina, que consiste em múltiplas camadas (lamelas) de lipídios e proteínas, conhecidas coletivamente como mielina. Essa bainha desempenha um importante papel ao isolar o axônio de seu entorno e de outros neurônios, composta por aproximadamente 80% de lipídios e 20% de proteínas. O isolamento proporcionado pela mielina é altamente benéfico, pois favorece a condução rápida dos impulsos nervosos, minimizando a perda de fluxo de corrente do axônio para o fluido circundante. Os axônios que possuem a cobertura de mielina são denominados axônios mielinizados, enquanto aqueles que não apresentam essa cobertura são classificados como axônios não mielinizados. A espessura da bainha de mielina está diretamente relacionada à velocidade de condução do sinal neural: quanto mais espessa for a bainha, maior será a rapidez na transmissão do impulso. Em certas patologias, os axônios podem sofrer desmielinização, como ocorre na esclerose múltipla, o que resulta em uma considerável redução na velocidade de condução dos impulsos ou até mesmo em sua interrupção total. Caso a condição se agrave, pode haver degeneração tanto do axônio quanto da bainha de mielina (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2010). A bainha de mielina apresenta uma configuração cilíndrica e confere uma coloração esbranquiçada devido ao seu elevado teor de lipídios. Este componente essencial do sistema nervoso é produzido por um tipo específico de célula glial. Entretanto, ao longo do axônio, existem intervalos em que a membrana não está mielinizada, o que expõe essa região ao fluido circundante. Essas áreas não mielinizadas são denominadas Nódulos de Ranvier e servem para segmentar os trechos mielinizados do axônio, os quais possuem um comprimento aproximado de 1 mm, enquanto os nódulos têm entre 1 e 2 mm de extensão. A presença dos Nódulos de Ranvier é fundamental, pois contribui para a aceleração da condução do impulso nervoso, permitindo que o sinal elétrico salte de um nódulo para o outro. (A) Um oligodendrócito; (B) Uma célula de schwann Fonte: Kandel et al., 2014. No Sistema Nervoso Central (SNC), a mielina é produzida por células gliais conhecidas como oligodendrócitos, enquanto no Sistema Nervoso Periférico (SNP), essa função é desempenhada pelas células de Schwann. A mielinização é um processo essencial para o funcionamento adequado do sistema nervoso, pois está diretamente ligado à maturação funcional. Este processo inicia-se antes do nascimento e se prolonga até cerca dos dois anos, podendo se estender até a adolescência ou juventude. 4.2 Tipos de Neurônios No sistema nervoso central (SNC), existem diversos tipos de neurônios que podem ser classificados com base no comprimento e no número de seus processos. Um exemplo são os neurônios de projeção, que transmitem impulsos elétricos por meio de axônios longos, conectando-se a outros neurônios a grandes distâncias, também conhecidos como células de Golgi tipo 1. Além disso, os axônios desses neurônios podem apresentar colaterais axônicos, que se ramificam ao longo do trajeto em direção ao seu local de destino. Esses colaterais, processos adicionais que se estendem do axônio, podem, portanto, se ramificar em diferentes pontos e localizações ao longo do axônio. Tipos de neurônios e interneurônios Fonte: Kandel et al., 2014. Um segundo tipo de neurônio é denominado interneurônio, ou célula de Golgi tipo 2. Esses neurônios apresentam processos curtos próximos ao corpo celular. Embora se possa argumentar que todos os neurônios funcionam como interneurônios, uma vez que enviam e recebem sinais de diversos outros neurônios, o termo "interneurônio" é especificamente reservado para aqueles que se comunicam com um grupo restrito de neurônios. Além disso, os neurônios são classificados de acordo com a quantidade de axônios e dendritos que possuem, conforme ilustrado na figura a seguir. Tipos de células: (A) Célula unipolar; (B) Célula bipolar; (C) Célula pseudounipolar; (D) Três tipos de células multipolar Fonte: Kandel et al., 2014. Os corpos celulares dos neurônios do SNC frequentemente se agrupam, formando núcleos, enquanto no SNP esses agrupamentos são denominados gânglios. A partir desses núcleos, grupos de axônios podem se estender em formações paralelas, estabelecendo tratos, que, no SNP, correspondem a nervos. Os tratos axonais podem ser acompanhados por feixes menores de axônios, que costumam se ramificar antes de atingir seu destino, terminando em outros neurônios. Embora esses feixes menores desempenhem um papel importante, são os tratos que oferecem a principal rota para a condução do impulso nervoso. Devido à presença de axônios mielinizados, esses tratos apresentam uma coloração esbranquiçada (TORTORA; DERRICKSON, 2017). Assim, o tecido rico em axônios mielinizados é denominado substância branca, enquanto o tecido que contém predominantemente corpos celulares e dendritos é conhecido como matéria cinzenta. Apesar da complexidade do sistema, que envolve inúmeras conexões, existe uma organização subjacente que será explorada posteriormente. 5. CÉLULAS GLIAIS As células gliais, embora não conectem diretamenteas partes do sistema nervoso, desempenham um papel fundamental na interligação de neurônios e seus processos. Representando cerca de 50% das células do cérebro, essas células foram tradicionalmente consideradas como tendo funções secundárias, voltadas para o suporte dos neurônios. Contudo, evidências recentes sugerem que as células gliais podem influenciar significativamente a formação de sinapses no cérebro (HERCULANO-HOUZEL, 2014). Um achado notável revela que sinapses de neurônios cultivados com astrócitos – um tipo de célula glial – demonstram uma atividade dez vezes maior em comparação com aquelas cultivadas sem a presença desses glóbulos. Além disso, neurônios em contato com células gliais podem formar até sete vezes mais sinapses do que os que não têm essa interação. Existem três tipos principais de células gliais, cada uma com funções e estruturas distintas. Fonte: https://shre.ink/bSzu. Astrócitos (Astróglia) Os astrócitos são as células gliais mais abundantes no sistema nervoso central, reconhecíveis por sua forma estelar. Sua principal função é fornecer suporte físico às células. Além disso, desempenham um papel crucial na fagocitose, eliminando células mortas e resíduos, o que é fundamental para evitar a acumulação de detritos no sistema nervoso central. Em situações de dano ou lesão, os astrócitos também são responsáveis pela formação de tecido cicatricial. Essas células têm a capacidade de interagir com os neurônios, removendo ou degradando neurotransmissores na fenda sináptica, o que evita a sobrecarga de substâncias no fluido extracelular. Os astrócitos também regulam a concentração de íons de potássio nesse ambiente, uma função vital, pois a excitabilidade neuronal depende desses níveis. Quando um neurônio é excessivamente ativado, pode haver acúmulo de potássio no fluido extracelular, e os astrócitos atuam na remoção desse excesso. Astrócito Fonte: Kandel et al., 2014. Oligodendrócitos e Células Microgliais Os oligodendrócitos, pertencentes à oligodendróglia, constituem um tipo de célula glial responsável pelo suporte do sistema nervoso central (SNC), com a função primordial de produção de mielina. Quando localizados próximos ao corpo celular, são denominados células satélites. As células microgliais, que representam entre 5% e 20% da população glial, são pequenas e estão distribuídas uniformemente pelo SNC. Com propriedades fagocíticas, acredita-se que a microglia seja ativada em resposta a danos no cérebro, como inflamações, tumores ou infecções, frequentemente referida como "células varredoras". Elas desempenham um papel essencial na eliminação de patógenos, na remoção de material nocivo e na promoção da reparação tecidual por meio da secreção de fatores de crescimento. Sua morfologia discreta dificulta a identificação, levando alguns autores a sugerir que possam ser uma variante dos oligodendrócitos (LEYSER, 2018). Células de Schwann No contexto da mielinização, o SNP é assistido pelas células de Schwann, que desempenham funções de suporte e isolamento dos axônios. Essas células oferecem orientação física durante o crescimento ou reparo de axônios danificados, promovendo a degradação do material celular morto e organizando-se em torno dos axônios para facilitar sua regeneração. Existem células de Schwann mielinizantes e não mielinizantes, estas últimas denominadas células Schwann terminais, que têm mostrado evidências de que mantêm e reparam neurônios nas sinapses neuromusculares, detectando e respondendo a mudanças sinápticas (LEYSER, 2018). 6. COMUNICAÇÃO NEURONAL POR MEIO DO POTENCIAL DE AÇÃO Os neurônios comunicam-se por impulsos elétricos denominados potenciais de ação, que representam uma forma de atividade elétrica essencial para essa interação. Essa comunicação é influenciada pela excitabilidade neuronal, ou seja, a capacidade do neurônio de responder a estímulos por meio de descargas elétricas. O potencial de ação é gerado pela movimentação de íons, partículas carregadas que atravessam a membrana celular. O meio intracelular e extracelular contém íons que podem ser positivos (cátions) ou negativos (ânions), e a interação entre íons de cargas opostas resulta em atração, enquanto íons de mesma carga se repelem. Esse fenômeno é denominado pressão eletrostática. A distribuição desigual desses íons ao longo da membrana celular confere ao sistema um potencial elétrico, conhecido como potencial de membrana, mantido pela presença de íons positivos e negativos nas suas proximidades. A membrana celular apresenta permeabilidade seletiva, permitindo a passagem de determinados íons, em especial Na+ (sódio), K+ (potássio), Ca2+ (cálcio) e Cl- (cloreto). Os íons de sódio e cloreto predominam nos fluidos extracelulares, enquanto o potássio é mais abundante no fluido intracelular, sendo o cloreto o ânion extracelular mais significativo. Os canais iônicos podem ser regulados por neurotransmissores, denominados ligantes, ou pela variação do potencial de membrana, caracterizando-se como canais iônicos sensíveis à voltagem, responsáveis pela geração do potencial de ação. A permeabilidade da membrana, que influencia a movimentação do potássio, está relacionada à quantidade, distribuição e abertura dos canais, além do gradiente de concentração dos íons (LEYSER, 2018). 6.1 O potencial de membrana Quando o interior da membrana celular apresenta uma carga negativa em relação ao exterior, ocorre a atração de íons positivos para dentro da célula, resultando na expulsão de íons negativos, em virtude da repulsão entre cargas semelhantes. O grau dessa atração ou repulsão é definido pelo potencial de membrana, que, em neurônios em repouso, situa-se entre -60 e -70 milivolts (mV), denominado potencial de repouso. Este potencial é gerado pela permeabilidade seletiva da membrana aos íons e pelas diferentes concentrações iônicas intracelulares e extracelulares, mantidas por "bombas" celulares. Durante o repouso, o potássio atravessa a membrana com facilidade, enquanto o sódio o faz com dificuldade. A saída de potássio resulta na perda de íons positivos no interior da célula, conferindo-lhe uma carga negativa. Contudo, o potássio não é expelido indefinidamente, pois, em determinado ponto, a membrana promove seu retorno. A uma carga de -70 mV, as forças de fluxo de potássio para fora e para dentro da célula se igualam, estabelecendo o potencial de equilíbrio do potássio. O potencial de repouso é levemente inferior ao potencial de equilíbrio do potássio devido à permeabilidade da membrana a íons de sódio, embora de forma limitada. Assim, enquanto os íons de potássio saem, uma pequena quantidade de íons de sódio entra, reduzindo a negatividade interna. A bomba sódio-potássio regula esse fluxo, expulsando três íons de sódio para cada dois íons de potássio admitidos (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2010). 6.2 Depolarização e hiperpolarização A abertura dos canais de sódio aumenta a permeabilidade da célula a esse íon, fazendo com que o potencial de repouso se aproxime do potencial de equilíbrio do sódio (55 mV). Esse fenômeno, denominado despolarização, ocorre quando os íons positivos tornam o potencial de membrana menos negativo. Se o influxo de sódio continuar, a carga intracelular pode inverter-se, passando de negativa para positiva, ultrapassando temporariamente o potencial de repouso antes de ocorrer a hiperpolarização. O intervalo entre a despolarização e a hiperpolarização é de aproximadamente 2-3 milissegundos, caracterizando o potencial de ação, que resulta do aumento da permeabilidade aos íons de sódio. Para que um potencial de ação seja gerado, a membrana deve alcançar um limiar de excitação. A frequência de potenciais de ação pode atingir até 100 por segundo, sendo que, apesar da aparente grande troca de íons, a quantidadeefetivamente mobilizada é relativamente pequena (por exemplo, um íon para cada 3000 íons de potássio) (LEYSER, 2018). Fluxo de potássio através de uma membrana celular Fonte: Kandel et al., 2014. A intensidade de um potencial de ação é constante, independentemente da força do estímulo, podendo resultar de estímulos fracos ou fortes. Contudo, a frequência e o padrão de estimulação influenciam sua geração. Em algumas situações, múltiplos estímulos são necessários para provocar um potencial de ação. O cálcio, embora menos mencionado que o sódio e o potássio, é crucial para a excitabilidade da membrana celular, atuando por meio de canais voltagem- dependentes e sendo essencial para a liberação de neurotransmissores nos botões terminais dos axônios (TORTORA; DERRICKSON, 2017). Após um potencial de ação, ocorre um período refratário, dividido em duas fases: o período refratário absoluto, onde a célula não pode gerar outro potencial, e o período refratário relativo, que requer uma despolarização maior que o normal. 6.3 Mecanismo de Transmissão do Impulso Nervoso O axônio, apesar de transmitir correntes elétricas, opera de forma distinta em comparação a um fio de cobre, apresentando alta resistência interna e a possibilidade de perda de partículas. Consequentemente, o potencial de ação é repropagado ao longo do axônio, evitando sua dissipação. A transmissão do impulso varia conforme a mielinização do axônio. Nos axônios não mielinizados, a despolarização ocorre no cone de implantação, onde o potencial de ação é iniciado e, subsequentemente, repolarizado. Em axônios mielinizados, o impulso é regenerado nos nódulos de Ranvier, as regiões expostas ao fluido extracelular. A condução entre o cone de implantação e o primeiro nódulo é eletrotônica, sendo que, ao atingir o nódulo, ocorre uma nova despolarização devido à abertura de canais de sódio voltagem-dependentes. Dessa forma, o impulso é repropagado em cada nódulo, resultando em uma transmissão mais intensa nos axônios mielinizados, em contraste com a condução mais suave nos axônios não mielinizados. É importante notar que, em cada nódulo, há um pequeno atraso na propagação do impulso, pois a membrana deve abrir canais para o fluxo iônico (LEYSER, 2018). 7. COMUNICAÇÃO NEURONAL POR MEIO DA NEUROTRANSMISSÃO Os neurônios possuem habilidades distintas para a sinalização intracelular e intercelular, fundamentais para a função do sistema nervoso. Para garantir uma comunicação rápida e eficiente, eles utilizam sinais elétricos, conhecidos como potenciais de ação, que se propagam ao longo dos axônios. Esse processo, denominado condução, permite que o corpo celular se conecte aos terminais axonais. A interação entre neurônios ocorre nas sinapses por meio da neurotransmissão. A seguir, abordaremos o funcionamento das sinapses. 7.1 Sinapse Em síntese, o envio de um potencial de ação pelo axônio resulta na despolarização do botão terminal, o que inicia um processo de comunicação que se estende além desse ponto. Durante a despolarização, os canais de cálcio se abrem, permitindo a entrada desse íon na célula. O aumento da concentração de cálcio intracelular induz a secreção de neurotransmissores a partir das vesículas sinápticas. Esses neurotransmissores são liberados na fenda sináptica por meio da exocitose, onde a vesícula se funde com a membrana do botão terminal pré-sináptico, liberando o neurotransmissor no espaço sináptico. Este, então, se liga ao receptor do botão pós-sináptico de outro neurônio, dando continuidade à comunicação neuronal. Em algumas situações, a liberação do neurotransmissor ocorre em pacotes quânticos denominados quanta (PINTO, 2006). O neurotransmissor influencia o potencial da membrana, alterando sua permeabilidade e gerando um potencial sináptico que ocorre mais lentamente do que o potencial de ação. Caso esse potencial seja despolarizante, o neurônio pós- sináptico pode disparar um potencial de ação, caracterizando um efeito excitatório do neurotransmissor. Nesse contexto, ocorre a entrada de íons de sódio e cálcio, enquanto íons de potássio são ejetados, resultando no potencial pós-sináptico excitatório (PPSE). Fonte: https://shre.ink/bSOu. A quantidade de neurotransmissor liberada é geralmente proporcional à entrada de cálcio no neurônio pré-sináptico após despolarização; assim, um aumento na concentração de cálcio está associado a uma maior liberação de neurotransmissores. Entretanto, essa relação pode não ser linear, pois aumentos na transmissão sináptica nem sempre correspondem a um aumento no fluxo de cálcio. Ademais, a diminuição do cálcio pode favorecer a liberação do neurotransmissor, tornando-a independente do cálcio. O mecanismo pelo qual o potencial de ação é gerado na célula receptora permanece desconhecido. Para que isso ocorra, é necessário mais do que um Potencial Pós-Sináptico Excitatório (PPSE); geralmente, requer-se a estimulação repetida, resultando na soma dos PPSEs até que um limiar de despolarização seja alcançado. Esse fenômeno é denominado soma, sendo que a estimulação repetida com intervalos curtos é chamada de somação temporal (LEYSER, 2018). Contrapõe-se a isso a possibilidade de hiperpolarização da membrana no botão pós-sináptico, que impede o disparo de um potencial de ação. Nesse contexto, o efeito do neurotransmissor é classificado como inibitório, resultando em Potenciais Pós- Sinápticos Inibitórios (PPSI). Essa hiperpolarização ocorre devido à saída de íons de potássio e à entrada de íons de cloreto, tornando o interior celular negativamente carregado. O ponto de inibição é crucial para evitar a superestimulação neuronal, que pode levar a danos celulares ou morte, como observado em crises epilépticas, onde há disparos incontroláveis de impulsos. Assim, os neurotransmissores são categorizados como excitatórios ou inibitórios, conforme seu efeito sobre a atividade neuronal. 8. NEUROTRANSMISSOR O texto aborda os efeitos dos neurotransmissores, substâncias químicas liberadas pelos botões pré-sinápticos que influenciam a atividade dos neurônios pós- sinápticos, podendo exercer funções inibitórias ou excitadoras. Os neurotransmissores, predominantemente baseados em proteínas, variam em tamanho: as pequenas moléculas incluem aminoácidos e suas aminas, enquanto as maiores são formadas por peptídeos, conhecidos como neuropeptídeos, cuja função é menos compreendida. Estima-se que existam entre 30-40 neuropeptídeos identificáveis no SNC (KREBS; WEINBERG; AKESSON, 2013). A complexidade da ação dos neurotransmissores se deve à variabilidade dos efeitos gerados, que dependem dos receptores com os quais se interagem. Esses neurotransmissores são sintetizados no corpo celular e armazenados em vesículas, sendo frequentemente liberados em conjunto, o que dificulta a análise dos efeitos específicos de cada um. Os neurotransmissores são sintetizados no botão terminal por enzimas provenientes do corpo celular, enquanto os neuropeptídeos são produzidos no corpo celular e transportados para o botão terminal. A natureza efêmera dos neuropeptídeos os torna mais suscetíveis a bloqueios, o que pode dificultar seu transporte de volta ao corpo celular, ao contrário dos neurotransmissores. A seguir, são apresentadas algumas das principais classes de neurotransmissores e suas respectivas funções. 8.1 Tipos de Neurotransmissor Os neurotransmissores, também chamados de mensageiros químicos, são substâncias endógenas que possibilitam a neurotransmissão, transmitindo sinais entre neurônios e células-alvo, como células musculares ou glandulares, por meio de sinapses químicas. Eles são liberados de vesículas sinápticas na fenda sináptica e se ligam a receptores nas células-alvo. Muitos neurotransmissores são derivados de precursores simples, como aminoácidos, disponíveis na dieta, e suasíntese requer poucas etapas biossintéticas. Embora o número exato de neurotransmissores seja desconhecido, mais de 100 já foram identificados. Eles podem ser classificados de diversas maneiras, sendo uma das mais comuns a divisão em aminoácidos, péptidos e monoaminas. A seguir, serão descritos alguns dos neurotransmissores mais estudados. Acetilcolina A acetilcolina é um neurotransmissor de pequena molécula, sintetizado pela união da colina com a acetil coenzima A, mediada pela enzima colina acetiltransferase (ChAT). Os neurônios que a produzem são denominados colinérgicos e estão predominantemente localizados no sistema motor, especialmente nos neurônios motores do tronco encefálico e da medula espinal, que inervam os músculos esqueléticos. A interação da acetilcolina com seus receptores, conhecidos como nicotínicos, gera potenciais de ação que resultam na contração muscular. O bloqueio desses receptores pode levar a comprometimentos motores, sendo o “curare” e a “atropina” exemplos de bloqueadores da acetilcolina (STERNBERG; STERNBERG, 2016). Monoaminas (Aminas Biogênicas) As monoaminas são neurotransmissores de pequenas moléculas, incluindo noradrenalina (norepinefrina), adrenalina (epinefrina), dopamina, serotonina (5-HT) e histamina. Os três primeiros, conhecidos como catecolaminas, são sintetizados a partir do aminoácido tirosina, enquanto a serotonina e a histamina são derivadas do triptofano e da histidina, respectivamente. As catecolaminas são essenciais em comportamentos como movimento, humor e cognição (HALL, 2017). Os efeitos desses neurotransmissores nos neurônios pós-sinápticos são complexos, uma vez que cada um possui diferentes tipos de receptores. Por exemplo, a dopamina apresenta receptores D1 e D2, que variam em função e distribuição. A noradrenalina e a adrenalina interagem com receptores alfa e beta, que podem gerar respostas distintas. A serotonina possui múltiplos tipos de receptores. Essa diversidade de receptores implica que uma monoamina pode ter efeitos inibitórios ou excitadores, dependendo do receptor envolvido (MACKAY, 2006). Glutamato O glutamato é um aminoácido excitatório que atua por meio de receptores ionotrópicos e metabotrópicos. Entre os receptores ionotrópicos, o ácido α-amino-3- hidroxi-5-metil-4-isoxazol propiônico (AMPA) e o cainato são responsáveis pela despolarização rápida. Neurônios pré-sinápticos contendo glutamato podem regular a liberação do neurotransmissor em locais específicos, utilizando autorreceptores pré- sinápticos que fornecem feedback sobre a ação do neurotransmissor previamente liberado (RANG et al., 2016). Ácido Γ-Aminobutírico O ácido γ-aminobutírico (GABA) é o principal neurotransmissor inibitório do sistema nervoso central, responsável por provocar hiperpolarização ao abrir canais de cloreto ou potássio. Existem dois tipos de receptores para o GABA: GABAA, que medeia a inibição pré-sináptica e a permeabilidade ao cloreto, e GABAB, que regula a permeabilidade ao potássio. Medicamentos como benzodiazepinas e barbitúricos, utilizados como ansiolíticos, atuam nesses receptores, aumentando os efeitos do GABA ao intensificar a frequência de abertura dos canais de cloreto ou prolongar sua abertura (HALL, 2017). Glicina A glicina, um neurotransmissor inibitório presente no tronco encefálico e nos interneurônios da medula espinal, é importante na inibição dos neurônios motores. A estricnina, um bloqueador de receptores de glicina, provoca espasmos musculares (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2010). 8.2 Recaptação e Localização dos Neurotransmissores A continuidade da neurotransmissão não é recomendada devido à necessidade de evitar estimulação excitatória ou inibitória constante. Este processo possui uma duração específica, variando conforme o tipo de neurotransmissor e receptor envolvidos. O excesso de neurotransmissores no fluido extracelular, que não se liga à membrana pós-sináptica, é removido por mecanismos de recaptação, onde o neurotransmissor é reabsorvido no botão pré-sináptico para armazenamento, reutilização ou degradação. Por exemplo, a acetilcolina é degradada por enzimas na fenda sináptica. Entretanto, substâncias como cocaína e anfetaminas inibem a recaptação, amplificando os efeitos excitatórios do neurotransmissor (HALL, 2017). Os neurotransmissores estão organizados em núcleos neuronais distintos, sendo que alguns, como a dopamina, são encontrados em núcleos específicos, enquanto outros, como a noradrenalina, predominam em núcleos da formação reticular no tronco encefálico, como o núcleo locus ceruleus. A dopamina se localiza principalmente em núcleos do mesencéfalo e na substância negra. A serotonina é predominante nos núcleos da rafe do tronco encefálico, enquanto a acetilcolina está presente no tronco encefálico e em regiões do prosencéfalo, especialmente no núcleo basal de Meynert. 9. FORMAÇÃO RETICULAR A formação reticular é um conjunto difuso de neurônios de diferentes tipos e tamanhos, localizado no tronco encefálico e separado por fibras nervosas. Sua estrutura não se assemelha completamente à massa cinzenta ou branca, apresentando características intermediárias (MACHADO; HAERTEL, 2014). Trata-se de uma área evolutivamente antiga do sistema nervoso, predominantemente no tronco encefálico, mas com partes também no diencéfalo e na medula. A formação reticular ocupa a região não preenchida por feixes e núcleos compactos, e, por meio de técnicas de impregnação metálica, é possível observar seus neurônios com axônios longos que se bifurcam, formando ramos ascendentes e descendentes que se estendem pelo tronco encefálico até o diencéfalo e telencéfalo. A estrutura em questão não é homogênea, tanto em termos bioquímicos quanto na organização celular, apresentando agrupamentos definidos de neurônios e diversos neurotransmissores, especialmente monoaminas como serotonina, noradrenalina e dopamina. De acordo com Machado e Haertal (2014), esses neurônios pertencem a núcleos da formação reticular e desempenham funções distintas. Destacam-se os seguintes núcleos: Núcleos da rafe: Agrupamento de nove núcleos, sendo o núcleo magno da rafe o mais proeminente, estendendo-se pela rafe mediana do encéfalo e contendo neurônios ricos em serotonina. Locus ceruleus: Núcleo localizado na região homônima, no assoalho do quarto ventrículo, composto por neurônios ricos em noradrenalina. Área tegumentar ventral: Situada na porção ventral do tegumento do mesencéfalo, medial à substância negra, onde se encontram neurônios ricos em dopamina. Conexões da Formação Reticular A formação reticular estabelece diversas conexões amplas e variadas, recebendo estímulos de múltiplas fontes, incluindo nervos cranianos, cerebelo, estruturas cerebrais e medula espinhal. Conexões com o Cérebro: A formação reticular está interligada ao córtex cerebral por meio de fibras das vias extratalâmica e talâmica, além de se conectar com a região do diencéfalo e com áreas do hipotálamo, córtex cerebral e sistema límbico via fibras descendentes. Conexões com o Cerebelo: Existem interações bidirecionais entre a formação reticular e o cerebelo. Conexões com a Medula Espinhal: A formação reticular possui dois conjuntos principais de fibras que se conectam à medula: os tratos reticuloespinhais e as fibras rafe espinhais, além de receber estímulos por meio das fibras espinorreticulares. Conexões com os Núcleos dos Nervos Cranianos: A formação reticular é estimulada por informações dos nervos cranianos sensitivos, recebidas através de fibras que se dirigem a seus núcleos (GUYTON; HALL, 2007). Funções da Formação Reticular Embora de forma simplificada, o tópico anterior destacou as amplas conexões da formação reticular, que impactam diversas regiões do sistema nervoso central e desempenham múltiplas funções. Entreas mais relevantes, destacam-se: Regulação da dor e da sensibilidade; Controle da atividade elétrica cortical, incluindo os ciclos de sono e vigília; Gestão do sistema nervoso autônomo; Coordenação da postura e da motricidade somática; Associação de reflexos, como os vasomotores e respiratórios; Regulação do sistema neuroendócrino. Atividade Elétrica Cortical e seus Efeitos no Sono e na Vigília A atividade elétrica espontânea do córtex cerebral é fundamental para a definição dos diferentes níveis de consciência e pode ser monitorada por meio do eletroencefalograma (EEG). Os traçados elétricos obtidos de indivíduos durante o sono, conhecidos como traçados de sono, apresentam diferenças significativas em relação aos traçados de vigília, que ocorrem quando os indivíduos estão despertos. Durante a vigília, observa-se um traçado dessincronizado, caracterizado por uma alta frequência e baixa amplitude. Em contraste, durante o sono, o traçado se torna sincronizado, apresentando alta amplitude e ondas mais lentas. Assim, o EEG não é apenas uma ferramenta clínica, mas também um importante recurso para estudar a atividade cortical relacionada aos estados de vigília e sono (ALOÉ; AZEVEDO; HASAN, 2005). Ciclo vigília-sono O ciclo de controle do sono é regulado pelo Sistema Ativador Reticular Ascendente (SARA) através dos neurônios hipotalâmicos, cuja atividade pode ser medida pela taxa de disparos dos potenciais de ação. Durante o dia, em estado de vigília, essa taxa é elevada, indicando a ativação do córtex, geralmente mediada por aferências dos núcleos talâmicos sensitivos (ALOÉ; AZEVEDO; HASAN, 2005). À medida que se aproxima o momento de dormir, a atividade dos neurônios monoaminérgicos no SARA é inibida por neurônios do hipotálamo anterior, resultando na desativação do córtex. Simultaneamente, o núcleo reticular do tálamo bloqueia a ação dos núcleos talâmicos sensitivos, evitando que estímulos sensoriais alcancem o córtex. Esses processos conduzem à transição para o sono de ondas lentas, caracterizado por uma atividade elétrica do córtex que ocorre predominantemente através de circuitos intrínsecos, sem a interferência de estímulos externos, sincronizando-se com o eletroencefalograma. Antes de acordar, os neurônios do sistema ativador reticular ascendente (SARA) reativam-se, suspendendo o bloqueio anterior e iniciando um novo estado de vigília. O sono não deve ser considerado uniforme, pois o eletroencefalograma revela traçados de vigília de 4 a 5 vezes durante a noite, mesmo com o corpo relaxado. Esse fenômeno é denominado sono paradoxal ou sono REM (rapid eye movement), caracterizado pelo movimento rápido dos olhos (ALOÉ; AZEVEDO; HASAN, 2005). O sono pode ser classificado em duas categorias: sono não REM e sono REM. Durante o sono REM, o cérebro consome oxigênio em níveis semelhantes ou superiores aos do estado de vigília, evidenciando atividade cortical, enquanto os olhos se movem rapidamente e a pessoa sonha. Em contraste, o sono não REM proporciona um descanso cerebral, com redução significativa no consumo de oxigênio e predominância do tônus parassimpático, resultando em diminuição da frequência respiratória e cardíaca. Assim, o sono REM é caracterizado por um cérebro ativo em um corpo imóvel, enquanto o sono não REM apresenta um cérebro adormecido em um corpo em movimento. O sono REM, que representa entre 20% e 25% do tempo total de sono em jovens adultos saudáveis, desempenha um papel crucial na consolidação da memória. Essa fase do sono é caracterizada pela ativação de áreas corticais, resultando em imagens oníricas frequentemente estranhas, consequência da ativação intermitente do córtex (ALOÉ; AZEVEDO; HASAN, 2005). O sono REM é gerado por neurônios colinérgicos localizados na formação reticular do núcleo pedúnculo-pontino, que ativam várias regiões corticais, simulando um estado de vigília. No entanto, a inibição motora impede a execução de movimentos, resultando em atonia corporal. Essa atonia é mediada por vias colinérgicas descendentes provenientes do núcleo pedúnculo-pontino. Observa-se, especialmente em idosos, que essa inibição pode falhar, levando ao transtorno comportamental do sono REM, onde os indivíduos podem se machucar durante movimentos oníricos, como em um caso de uma pessoa que, ao sonhar que está brigando, acaba se ferindo ao acordar (ALOÉ; AZEVEDO; HASAN, 2005). Os neurônios localizados no locus coeruleus são responsáveis pela finalização do sono REM, cuja atividade aumenta na transição do sono paradoxal para a vigília, sendo frequentemente chamados de neurônios do despertar. Manejo eferente da sensibilidade O sistema nervoso não recebe estímulos sensoriais de forma passiva; ao contrário, ele media a transmissão de tais estímulos por meio de fibras eferentes, especialmente direcionadas aos núcleos relés nas grandes vias aferentes. Essa mediação justifica a capacidade de selecionar informações relevantes, caracterizando o fenômeno da atenção seletiva, que pode ocorrer simultaneamente à habituação, onde se ignora informações repetitivas (MACHADO; HAERTEL, 2014). Por exemplo, ao assistir a um filme, frequentemente não percebemos a sensação da cadeira do cinema ou um ruído constante, como o do ventilador, devido a um mecanismo ativo que envolve fibras eferentes que regulam a transmissão de estímulos. O manejo da sensibilidade no sistema nervoso geralmente ocorre por inibição, iniciando no córtex cerebral e na formação reticular, sendo relevante destacar as fibras que bloqueiam estímulos dolorosos no SNC, especialmente em contextos clínicos relacionados as vias de analgesia (MACHADO; HAERTEL, 2014). Manejo da postura e da motricidade somática A formação reticular desempenha a função de coordenar a motricidade somática por meio dos tratos reticuloespinhais bulbar e pontino, os quais são responsáveis por manter a postura e a motricidade voluntária das musculaturas apendiculares proximais e axial. Além disso, essa estrutura recebe estímulos do córtex motor e do cerebelo para executar suas funções motoras. Os tratos reticuloespinhais também transmite informações motoras descendentes geradas pela formação reticular, associadas a padrões estereotipados e complexos de movimentação, como a caminhada. Manejo do sistema nervoso autônomo O hipotálamo e o sistema límbico são duas das áreas mais importantes na regulação do sistema nervoso autônomo. Ambas estão fortemente interligadas à formação reticular, que se conecta a neurônios pré-ganglionares do sistema nervoso autônomo. Essa rede de conexões possibilita que a formação reticular exerça controle sobre esse sistema. Manejo do sistema neuroendócrino Há um consenso de que os impulsos elétricos originados na formação reticular do mesencéfalo podem ativar a liberação do hormônio antidiurético e do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). Além disso, é reconhecido que os sistemas serotoninérgicos e noradrenérgicos estão relacionados à regulação da liberação de vários hormônios adeno-hipofisários pelo hipotálamo. Essa interação envolve, por sua vez, a formação reticular, uma vez que a maioria das fibras que contêm as monoaminas mencionadas se originam dessa região e se dirigem ao hipotálamo. Associação de reflexos Ao longo dos anos, evidências demonstraram que diversas regiões da formação reticular são capazes de gerar respostas motoras estereotipadas em resposta a estímulos adequados. Entre essas respostas, destacam-se a deglutição, vômito, mastigação, locomoção, alterações vasomotoras e respiratórias, além de movimentos oculares. Essas áreas contêm neurônios que podem iniciar ou modificar padrões de atividade motora respiratória, influenciados tanto por aferências sensoriais quanto por comandos do hipotálamo ou do córtex. As aferências sensoriais atuam como um mecanismode associação de reflexos, onde os estímulos aferentes induzem padrões motores complexos, envolvendo múltiplas regiões e núcleos. O núcleo parabducente, situado na formação reticular da ponte, é responsável pela coordenação dos movimentos oculares horizontais. Adicionalmente, a formação do mesencéfalo abriga a região locomotora, que interage com os centros de locomoção na medula espinhal. Os neurônios da formação reticular próximos aos núcleos motores dos nervos facial (lábios), trigêmeo (mandíbula) e hipoglosso (língua) são responsáveis pela coordenação da mastigação (MACHADO; HAERTEL, 2014). Os neurônios localizados na formação reticular do tronco cerebral são cruciais no controle da respiração e na regulação de reflexos motores, menos suscetíveis à coordenação voluntária pelo córtex cerebral. Esses neurônios recebem retroalimentação sensorial do núcleo do trato solitário, que está associado ao paladar, e do trigêmeo, responsável pela percepção de temperatura, textura dos alimentos e posição da mandíbula. Além disso, os neurônios que circundam o núcleo motor facial regulam gestos relacionados a emoções, como choro e sorriso, difíceis de serem executados voluntariamente. Os sistemas vasomotor e respiratório são essenciais para a manutenção da vida, pois coordenam a frequência respiratória e os batimentos cardíacos. Ambos os sistemas apresentam atividades rítmicas espontâneas, sincronizadas com os ritmos cardíaco e respiratório, caracterizando uma atividade endógena que não depende de estímulos sensoriais (MACHADO; HAERTEL, 2014). Manejo do sistema respiratório Os estímulos relacionados à distensão alveolar são transmitidos ao núcleo do trato solitário por fibras aferentes do nervo vago. A partir desse núcleo, os sinais nervosos são enviados ao centro respiratório na formação reticular do bulbo, que se divide em uma porção posterior responsável pela inspiração e uma anterior pela expiração. Fibras reticuloespinhais partem do centro respiratório e sinaptam com neurônios motores nas regiões torácica e cervical da medula. Os neurônios cervicais inervam o diafragma via nervo frênico, enquanto os torácicos ativam a musculatura intercostal através dos nervos intercostais, coordenando os movimentos respiratórios automáticos e reflexos. Além disso, alguns neurônios mantêm espontaneamente a frequência de disparos, gerando atividade motora independentemente de estímulos. Os neurônios motores associados aos nervos intercostais e frênicos conectam- se com fibras corticoespinhais, permitindo o controle voluntário da respiração. No que diz respeito ao sistema vasomotor, localizado na formação reticular do bulbo, este é responsável pela regulação do calibre das artérias, influenciando diretamente a pressão arterial e a frequência cardíaca. As informações sobre a pressão arterial são transmitidas pelos barorreceptores do seio carotídeo ao núcleo do trato solitário, por meio das fibras aferentes do nervo vago. A partir desse núcleo, os estímulos se propagam pela região vasomotora, ativando neurônios pré-ganglionares do núcleo dorsal do vago e gerando respostas parassimpáticas e simpáticas. Adicionalmente, os quimiorreceptores da aorta e os mecanorreceptores do coração desempenham papéis essenciais na estabilização da pressão arterial, enquanto o hipotálamo regula a pressão em resposta a variações emocionais ou estresse (MACHADO; HAERTEL, 2014). 10. FISIOLOGIA DO HIPOTÁLAMO O hipotálamo é predominantemente constituído por uma massa cinzenta organizada em grupos que são, em geral, difíceis de separar. Associadas a essa estrutura, encontram-se fibras, como o fórnix, que se estende verticalmente por suas metades, terminando nos corpos mamilares. O fórnix divide o hipotálamo em duas regiões: a medial e a lateral. A região medial, situada entre as paredes do terceiro ventrículo e o fórnix, é rica em massa cinzenta e abriga núcleos hipotalâmicos significativos. Em contraste, a região lateral, localizada lateralmente ao fórnix, possui menor quantidade de corpos neuronais e é caracterizada por uma densa rede de fibras longitudinais. Atravessando essa região, encontra-se o feixe presenfálico medial, um complexo sistema de fibras com conexões bidirecionais entre a formação reticular do mesencéfalo e a região septal do sistema límbico. O hipotálamo pode ser dividido em três planos frontais: tuberal, supraótico e mamilar (AIRES, 2012). O hipotálamo pode ser dividido em três regiões: o hipotálamo supraóptico, que abrange o quiasma óptico e a área superior até o sulco hipotalâmico; o hipotálamo tuberal, que inclui o tuber cinéreo e o infundíbulo; e o hipotálamo mamilar, que se estende pelas paredes do terceiro ventrículo até os corpos mamilares, finalizando no sulco hipotalâmico. É importante mencionar a região pré-óptica, situada na porção ventral da parede do terceiro ventrículo, próxima à lâmina terminal. Esta região, de origem embrionária na vesícula telencefálica, não pertence ao diencéfalo, mas é frequentemente discutida em conjunto com ele devido à sua conexão funcional com o hipotálamo supraóptico. Adicionalmente, a região pré-óptica contém o órgão vascular da lâmina terminal, que detecta sinais químicos relacionados ao metabolismo salino e à termorregulação, sendo caracterizada pela ausência de uma barreira hematoencefálica (AIRES, 2012). O hipotálamo desempenha diversas funções essenciais, sendo responsável pela manutenção da homeostase e pela regulação do sistema endócrino e do sistema nervoso autônomo, alinhando-os às necessidades do cotidiano. Além disso, coordena processos motivacionais fundamentais para a sobrevivência, como sede, fome e reprodução, que atuam como estímulos internos, provocando adaptações corporais e ações específicas. Por exemplo, a sensação de calor pode desencadear a busca por ambientes frescos e a sudorese. Similarmente, as sensações de sede, fome e frio resultam em ações e ajustes internos que visam garantir a estabilidade do indivíduo em relação ao ambiente. As funções mais relevantes do hipotálamo serão discutidas nos tópicos seguintes (AIRES, 2012). Administração do sistema nervoso autônomo O hipotálamo é uma região suprassegmentar essencial para o funcionamento do sistema nervoso autônomo, atuando em conjunto com outras áreas do cérebro, especialmente o sistema límbico. A resposta do organismo pode variar conforme a área do hipotálamo que recebe os impulsos elétricos, revelando reações associadas ao sistema nervoso simpático ou parassimpático. Quando os impulsos são enviados ao hipotálamo anterior, ocorre uma intensificação da contração da bexiga, do peristaltismo gastrointestinal, da constrição da pupila, além de uma diminuição da pressão arterial e da frequência cardíaca, caracterizando um predomínio de respostas parassimpáticas. Em contrapartida, os impulsos que atingem o hipotálamo posterior desencadeiam reações opostas, uma vez que essa região regula o sistema nervoso simpático (MACHADO; HAERTEL, 2014). Fonte: https://shre.ink/bSJS. Regulação da temperatura corporal Os mecanismos de controle da temperatura corporal, essenciais para os animais homeotérmicos, são regulados pelo hipotálamo, que integra informações dos termorreceptores periféricos e neurônios sensoriais. Funciona como um termostato, detectando variações na temperatura do sangue e ativando processos de conservação ou perda de calor conforme necessário. O hipotálamo possui dois centros: o centro da conservação do calor, localizado na parte posterior, e o centro da perda de calor, na parte anterior (GUYTON; HALL, 2007). Estímulos à região anterior promovem sudorese e vasodilatação periférica, resultando em perda de calor, enquanto estímulos à região posterior desencadeiam calafrios, vasoconstrição e, em alguns casos, a liberação de hormônios tireoidianos que elevam a temperaturacorporal. Lesões nessas áreas podem provocar um aumento descontrolado da temperatura, conhecido como febre central. Além disso, Machado e Haerter (2013) sugerem que o hipotálamo pode ativar áreas corticais para promover comportamentos como a busca por ventilação ou abrigo, dependendo das condições térmicas. Coordenação da pressão sanguínea e do equilíbrio hidrossalino Para manter o equilíbrio hidrossalino, são necessários processos automáticos que gerenciem a quantidade de líquido no organismo, evidenciada pela osmolaridade, especialmente pela concentração de íons de sódio extracelular, e pela volemia. A pressão sanguínea está diretamente relacionada à concentração de sódio e ao volume sanguíneo. Nesse sentido, o hipotálamo libera o hormônio antidiurético, produzido pelos neurônios dos núcleos paraventricular e supraóptico, que é então secretado na neuro-hipófise. Esses neurônios recebem informações do órgão subfornical e do órgão vascular da lâmina terminal para desempenhar essa função (MACHADO; HAERTEL, 2014). Os órgãos mencionados não possuem barreira hematoencefálica, permitindo a detecção dos níveis sanguíneos da angiotensina II e da osmolaridade, processos ativados em situações de redução da pressão arterial, como em hemorragias, resultando em um aumento na liberação do hormônio antidiurético. O hipotálamo, portanto, coordena a volemia de forma inconsciente e automática, estimulando o consumo de sal e água, o que pode intensificar a sensação de sede. A região lateral do hipotálamo, conhecida como centro da sede, responde a impulsos que podem aumentar a sede, embora a ingestão excessiva de água possa ser fatal. Lesões nesta área podem inibir o estímulo da sede, levando à desidratação. Recentemente, foi identificado que essa região lateral do hipotálamo coordena os mecanismos da sede por meio de suas conexões com o órgão subfornical (MACHADO; HAERTEL, 2013). Controle no consumo de alimentos A região lateral do hipotálamo está associada à sensação de fome, levando ao consumo excessivo de alimentos, enquanto o núcleo ventromedial do mesmo hipotálamo está relacionado à saciedade, inibindo o desejo de comer, mesmo diante de alimentos apetitosos. Lesões na região lateral podem resultar em perda completa do apetite, semelhante a casos de anorexia, enquanto lesões no núcleo ventromedial podem provocar hiperfagia, aumentando o risco de obesidade. Assim, o hipotálamo pode ser dividido em dois centros: o centro da fome, na região lateral, e o centro da saciedade, no núcleo ventromedial. É importante notar que essa divisão é uma simplificação, pois os mecanismos de regulação alimentar são complexos e envolvem processos endócrinos e neurais (MACHADO; HAERTEL, 2014). Um aspecto endócrino crucial é a leptina, um hormônio produzido pelos adipócitos e liberado na corrente sanguínea, que informa ao núcleo arqueado do hipotálamo sobre os níveis de gordura no organismo. A quantidade de leptina liberada está diretamente relacionada à quantidade de gordura armazenada. Em resposta, o hipotálamo secreta o hormônio alfa-melanócito-estimulante, que promove a saciedade. A obesidade pode ter um componente genético, sendo frequentemente associada à falta de receptores de leptina nos neurônios do núcleo arqueado do hipotálamo. Relação entre Neuro-hipófise e Hipotálamo no Controle Endócrino A relação entre diabetes insipidus e a redução do hormônio antidiurético (ADH) foi inicialmente investigada devido à natureza desta condição, caracterizada pela produção excessiva de urina, distinta da diabetes mellitus, que está relacionada ao excesso de açúcar (MACHADO; HAERTEL, 2014). Observou-se que a diabetes insipidus não se limita a disfunções na neuro-hipófise, podendo também ser causada por lesões hipotalâmicas, uma vez que o ADH é sintetizado nos núcleos paraventricular e supraóptico do hipotálamo e transportado à neuro-hipófise via trato hipotálamo-hipofisário. A liberação do ADH na corrente sanguínea é facilitada pela estrutura fenestrada dos capilares da neuro-hipófise e pela ausência da barreira hematoencefálica. A ação do ADH nos túbulos renais promove a reabsorção de água. Adicionalmente, a ocitocina, além de sua função na contração uterina e nas células mioepiteliais das glândulas mamárias, desempenha um importante papel na regulação do comportamento social, das emoções e do vínculo afetivo, especialmente entre mães e filhos. A liberação do leite ocorre por meio de um reflexo neuroendócrino, ativado pela sucção do mamilo, que envia impulsos à medula espinhal e, em seguida, ao hipotálamo, onde a ocitocina é produzida nos núcleos paraventricular e supraóptico, sendo liberada na neuro-hipófise. O choro do bebê também contribui para a liberação de ocitocina. Relações entre a adeno-hipófise e o hipotálamo O hipotálamo é importante na regulação da liberação dos hormônios da adeno- hipófise, por meio de um sistema que combina conexões vasculares e nervosas. Os neurônios do núcleo arqueado e regiões adjacentes do hipotálamo tuberal liberam substâncias que, através do fluxo axoplasmático das fibras do trato túbero- infandibular, são transportadas para capilares especiais localizados na haste infundibular e na eminência mediana. Esses hormônios, ao serem direcionados para os capilares, transitam pelas veias do sistema porta até a segunda rede capilar da adeno-hipófise, onde podem estimular ou inibir a liberação dos hormônios adeno-hipofisários, como o TSH, ACTH e GH (MACHADO; HAERTEL, 2014). Assim, a influência do hipotálamo sobre a adeno-hipófise reformulou a compreensão de que esta última atuaria isoladamente no controle do sistema endócrino, passando a ser vista como um elo entre as glândulas endócrinas e o hipotálamo neurossecretor. Controle e criação de ritmos circadianos Os padrões metabólicos, fisiológicos e comportamentais dos seres humanos variam ao longo do dia, evidenciados por flutuações em parâmetros como a contagem de eosinófilos, temperatura corporal, níveis de glicose e hormônios, além de comportamentos relacionados a sono e vigília. Essas oscilações, muitas vezes endógenas, ocorrem mesmo em ambientes permanentemente escuros, mas podem perder sincronia com os ciclos externos de dia e noite, afetando o funcionamento normal do organismo nas 24 horas. O termo "circadiano", derivado do latim "circadies" (cerca de um dia), refere-se a ritmos observados na maioria dos organismos vivos, regulados por relógios biológicos. O principal desses relógios está localizado no núcleo supraquiasmático dos mamíferos, cuja lesão pode alterar significativamente o ritmo circadiano (MACHADO; HAERTEL, 2014). Além disso, existem relógios biológicos no sistema nervoso central que funcionam independentemente do núcleo supraquiasmático, como os núcleos arqueados e supraópticos, responsáveis pela regulação dos hormônios hipofisários. Relógios biológicos também foram identificados fora do sistema nervoso, como nos hepatócitos, que controlam o ritmo circadiano de funções hepáticas, incluindo a glicogênese. A sincronização dos ritmos circadianos é possibilitada pelo envio de informações de iluminação local ao núcleo supraquiasmático através do trato retino-hipotálamo (MACHADO; HAERTEL, 2014). Administração do mecanismo de vigília e sono Desde 1930, o papel do hipotálamo na regulação do sono e da vigília foi reconhecido, inicialmente identificado por Constantine Von Economo, que correlacionou lesões hipotalâmicas com os sintomas da encefalite letárgica, incluindo sonolência intensa. A relevância do hipotálamo nesse processo foi aprofundada posteriormente. A sincronização do ritmo circadiano inicia-se no núcleo supraquiasmático e é transmitida ao núcleo pré-óptico ventrolateral e a neurônios na região lateral do hipotálamo, onde a orexina atua como neurotransmissor. Os neurônios do núcleo pré-óptico ventrolateral