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Curso: Psicologia Disciplina: Psicologia do Desenvolvimento da Criança Professor: Me. Julio Cesar Ischiara Introdução Introduziremos o campo da Psicologia do Desenvolvimento pedindo que consideremos dois dos maiores problemas sociais da atualidade. O primeiro diz respeito às crianças de grupos sociais desfavorecidas. Quando essas crianças iniciam a vida escolar, seus resultados nos testes de inteligência, habilidade de raciocínio e linguagem, são, em geral, significativamente inferiores aos de crianças da mesma idade oriundas da classe média. Além do mais, as crianças pobres parecem estar menos motivadas para a escolarização do que as de classe média. Qual a razão dessas diferenças? Os resultados dos testes de inteligência e desempenho escolar dependem do treino, experiência ou familiaridade com as tarefas acadêmicas? Ou os fatores determinantes seriam "habilidades inatas", i.e., capacidades geneticamente determinadas? Deve-se também levar em consideração a questão de fatores culturais: seriam os conteúdos dos testes de inteligência e dos padrões escolares de avaliação adequados às crianças de todas as procedências e de todas as classes sociais? Ou teriam esses conteúdos "desvios culturais" que favoreceriam a classe media branca? Ainda não temos respostas completas para todas essas complexas questões. São, no entanto, de relevância social óbvia na medida em que, enquanto uma sociedade, estamos comprometidos com as rápidas melhorias do status sócio educacional de grupos que sofrem privação socioeconômica. A fim de se atingir esses objetivos, deve-se proporcionar às crianças provenientes de meios desfavorecidos, oportunidades educacionais pelo menos equivalentes às das crianças economicamente mais favorecidas e, além disso, elas devem também ser capazes de usufruir dessas oportunidades. Através de suas pesquisas, os psicólogos do desenvolvimento contribuíram para a compreensão e, em última análise, para a solução desses problemas. Por exemplo, a pesquisa em Psicologia do Desenvolvimento demonstra que há muitos fatores ambientais relacionados a um desempenho deficiente nos testes de nível intelectual. Os testes apresentam vieses culturais, havendo muitos itens que envolvem vocabulário e informação muito mais familiares à criança de classe média do que à da classe baixa. Fatores de dieta alimentar podem ter um papel importante, na medida em que uma nutrição imprópria, especialmente na forma de deficiência proteica, durante a gestação ou durante o começo da infância, pode afetar de modo diverso a futura habilidade intelectual da criança. Os sistemas de valores das classes sociais também podem influir no desempenho, uma vez que a classe baixa não enfatiza a competição ou a realização intelectual, do mesmo modo que a classe média, e, consequentemente, as crianças de classe média tendem a estar fortemente motivadas a ser bem sucedidas na escola ou a ter bons desempenhos em testes de inteligência. Tem sido igualmente levantada a hipótese de que as crianças pequenas de lares desfavorecidos recebam menor estimulação intelectual e, provavelmente, são menos recompensadas por realizações intelectuais, curiosidade ou exploração. Teriam efeitos benéficos os programas mais amplos de educação compensatória que envolvessem estimulação intelectual precoce, além de encorajamento à realização intelectual e a curiosidade? Em caso positivo, seriam tais efeitos duradouros? Vários programas desse gênero têm sido tentados experimentalmente e o estudo sistemático de seus resultados permite uma resposta afirmativa e bem fundamentada à questão, uma vez que treino especial e estimulação, fornecidos precocemente e mantidos por um período suficientemente longo de tempo, tem consequências positivas e duradouras sobre o desempenho das crianças, em tarefas intelectuais. O segundo problema social relevante a ser considerado é o da delinquência juvenil, um problema que tem aumentado de importância e magnitude nos últimos anos. Também, neste caso, a pesquisa em Desenvolvimento tem fornecido alguns fatos e ideias que podem ser úteis na solução do problema. São tanto econômicos como psicológicos os antecedentes principais da delinquência juvenil. A maioria de delinquentes vem de lares pobres ou de renda mensal baixa e vivem em bairros pobres. Entretanto, nem todos os jovens que crescem em tais circunstâncias tornam-se delinquentes, do mesmo modo que nem todos os delinquentes provêm de meios desfavorecidos, ou de baixa renda mensal. Evidencia-se, pois, que há também fatores psicológicos envolvidos. As investigações mostram os seguintes fatores como estando relacionados à delinquência: relacionamento pais-filhos deficiente, rejeição parental, punições parentais excessivas e disciplina inconsistente, sensação de insegurança, inveja de irmãos e irmãs e frustrações das necessidades de independência e auto expressão. As crianças que se relacionam insatisfatoriamente com seus pais podem não adotar os padrões de comportamento social destes. Se os padrões dos pais são geralmente aceitos pela maioria, a rejeição que a criança faz dos padrões parentais pode ser genericamente evidenciada em muitos comportamentos delinquentes ou antissociais. Em outros casos, o comportamento e os valores sociais dos pais podem ser socialmente inaceitáveis ou discrepantes, embora os pais possam ser tomados como modelos. Em síntese, a delinquência resulta de experiências desfavoráveis. Esse conhecimento pode ser empregado na profilaxia da delinquência ou no tratamento terapêutico dos delinquentes. Do mesmo modo que a maioria das manifestações de desajustamento, a delinquência é um tipo adquirido ou aprendido de comportamento e, portanto, potencialmente modificável. A informação acumulada, a respeito dos fatores subjacentes à delinquência, pode ser empregada no desenvolvimento de programas sociológicos, de bem-estar social e educacionais mais adequados, a fim de auxiliar os pais - especialmente os de status socioeconômico mais baixo - a estabelecer um melhor relacionamento com seus filhos. Além disso, delinquentes declarados e em potencial podem ser ajudados a antecipar alguns de seus problemas e a aprender modos mais adequados de lidar com eles. Delinquência juvenil e desempenho intelectual relativamente insatisfatório de crianças socioeconomicamente desfavorecidas são apenas dois exemplos de muitos problemas sociais a serem discutidos em nossa disciplina. A Psicologia do Desenvolvimento, enquanto disciplina, pode ampliar de modo substancial nossos conhecimentos dos fatores críticos subjacentes a problemas sociais, como o abuso de drogas, a evasão escolar, o preconceito, a violência e a agressão, os distúrbios emocionais, o problema "juventude" e o assim chamado conflito de gerações. Esses problemas não podem ser solucionados sem a compreensão do desenvolvimento das características de personalidade e as motivações dos que manifestam o comportamento "problemático". Isto significa investigar o desenvolvimento de motivos, tais como agressão, dependência, competição e realização; os efeitos da frustração, da ansiedade, do medo do fracasso e do desencorajamento; o papel do adulto e os modelos apresentados pelos companheiros na formação de comportamentos aceitáveis ou reprováveis; as consequências do tratamento parental dispensado à criança, desde o início da vida, sobre seu comportamento futuro. Todos esses tópicos são de interesse fundamental para o psicólogo do Desenvolvimento que tenta obter dados científicos e sistemáticos a respeito de todas essas variáveis. Podemos compreender integralmente as contribuições e a utilidade social potencial da pesquisa em Desenvolvimento, se nos detivermos brevemente na história dessa área, como se alterou no decorrer dos anos, em resposta, muitas vezes, às pressões sociais. Essa discussão abordará os objetivos e propósitos da Psicologia do Desenvolvimento, os métodos e técnicas empregadospor ela em suas pesquisas e os problemas éticos defrontados. No final, apresentaremos, muito concisamente, as mais importantes tendências atuais no campo, aquelas que, em nossa opinião, estão investidas de maior significação social. Algumas perspectivas históricas A maioria das pessoas mais diferenciadas admite como certo que os acontecimentos do início da infância afetam o ajustamento psicológico e social futuro do indivíduo. Além disso, quase todo mundo parece estar interessado nas crianças e em seu bem-estar; em seu crescimento e desenvolvimento e em sua aquisição de habilidades, capacidades, personalidade e características sociais. A cultura ocidental contemporânea está realmente "centrada na criança", o que, evidentemente, facilitou o progresso da Psicologia Infantil. À medida que, cada vez mais, a cultura passou a centrar-se na criança, a Psicologia Infantil tornou-se uma disciplina científica mais vigorosa e substancial. Até o século XVII - período relativamente recente, se comparado à história total do Ocidente - não se dava à infância uma ênfase especial, enquanto uma fase distinta do cicio vital. Alguns eruditos e pensadores de destaque de antigamente se interessavam pelo desenvolvimento infantil porque intuitivamente sentiam que aquilo que sucede durante a infância tem forte impacto sobre o desenvolvimento subsequente. Platão, por exemplo, reconhecia a importância do treinamento infantil precoce na determinação de aptidões vocacionais e nos ajustamentos futuros do indivíduo. Em seu livro A República discutia as diferenças inerentes aos indivíduos e recomendava que se tomassem providências para descobrir as mais evidentes aptidões de uma criança, de modo que se pudesse iniciar, desde cedo, a educação e o treinamento específicos, de acordo com as tendências de seus talentos particulares. Entretanto, até três séculos atrás, as crianças ocidentais de muitos grupos europeus não eram, em geral consideradas como uma classe especial de seres humanos e nem tratadas de modo particular. É obvio que os bebês exigem cuidados e atenções especiais, mas tão logo houvessem sido desmamados e tivessem adquirido um mínimo de habilidades para tomarem cuidado de si mesmos, eram comumente tidos como "adultos em miniatura", relacionando-se, trabalhando e divertindo-se com pessoas maduras. Phillip Aries, historiador intelectual francês, argumenta que na Idade Média, no começo da era moderna e durante um longo período de tempo posterior a essa época, as crianças de classe baixa se misturavam com os adultos tão logo fossem consideradas capazes de se manterem sem suas mães e babás, não muito tempo após um desmame tardio, ou seja, ao redor dos sete anos de idade. Entravam imediatamente na comunidade maior do homem adulto, compartilhando do trabalho e dos divertimentos dos companheiros, fossem eles jovens ou velhos. Na arte medieval, as crianças eram geralmente representadas como adultos imaturos e, mesmo nos séculos XV e XVI, eram mostradas nas pinturas profanas junto a adultos, formando grupos de trabalho, lazer ou esporte. Não se distinguia sua indumentária, mas, ao contrário, eram vestidas como os homens e as mulheres de sua própria classe social. A julgar pela arte e literatura desse período, após os três ou quatro anos de idade, as crianças jogavam os mesmos jogos que os adultos, tanto com outras crianças como com adultos e participavam ativamente das celebrações e festividades da comunidade. Além disso, na escola medieval, não existia o sistema graduado de educação, no qual os assuntos vão sendo apresentados em ordem, do mais fácil ao mais difícil. Os estudantes de todas as idades, entre 10 e 20 anos, eram colocados indistintamente na mesma sala de aula. Não se pensava que as crianças eram "inocentes" e que deviam ser protegidas das referências a assuntos sexuais. As crianças participavam da vida libertina, violenta e selvagem daquela época e, mesmo na escola, eram extremamente desobedientes, violentas e impossíveis de se governarem. O século XVII marcou uma grande mudança nas atitudes em relação às crianças e sua moral. Por razões não inteiramente compreendidas, mas provavelmente relacionadas às poderosas correntes religiosas da Reforma e Contrarreforma, os clérigos e humanistas da época começaram a encorajar a separação entre crianças, adultos e mesmo adolescentes. Esses pensadores foram, aos poucos, influenciando os pais, tendo então surgido uma atitude familiar inteiramente nova, orientada para a criança e sua educação. Com a profunda mudança nas atitudes e na moral, foi aceito o conceito da inocência da infância, um período de "primitivismo, irracionalidade e pré- Iogicismo". Dalí em diante, não mais se fizeram às crianças quaisquer referências a assuntos sexuais, para não corrompê-las em sua inocência. A criança tornou-se uma pessoa "especial". Não era mais vestida do mesmo modo que o adulto. A partir do século XVII, a pintura retrata a criança exibindo vestimentas apropriadas à sua idade e que a diferenciava dos adultos. A educação moral passou a ser um dos principais objetivos da vida acadêmica. Os que se preocupavam com a reforma acreditavam que todas as crianças, mesmo as de classes mais baixas, deveriam receber instrução religiosa que, até então, havia sido o privilégio de muito poucas. Além disso, a educação moral ou religiosa tornou-se intimamente associada à instrução de habilidades pragmáticas, tais como ler e escrever, "consideradas agora como necessárias ao exercício de qualquer ocupação, mesmo que manual. Deste modo, esperava-se torná-Ias piedosas, sérias e trabalhadoras, quando antes haviam sido apenas aventureiras depravadas". Assim, a educação passou a ser reconhecida como o "único meio possível de instilar um senso de moralidade nesses tresloucados, de transformá-Ios em serviçais e trabalhadores e, assim, prover o país com uma força-trabalho adequada". Os reformistas e moralistas de elite, ocupantes de altos cargos na Igreja e no Estado, argumentavam que as crianças da classe baixa deveriam receber uma melhor educação pragmática e religiosa, e também sustentavam que, as de classe superior, deveriam esforçar-se ainda mais por cultivar modos educados de se portar. "Dever-se-ia preservar a criança bem-nascida dos obstáculos e da imoralidade, que se transformariam nas características distintivas das classes inferiores". A insistência das autoridades do século XVII, sobre a moral e sobre a importância social da educação sistemática, acompanhou-se da ênfase dada à necessidade de instituições especiais para a educação. Foi durante este período, portanto, que a estrutura das classes escolares também se modificou, ao assumir uma configuração mais próxima daquela que atualmente prevalece, a saber, anos ou turmas em salas separadas, promoção anual e uma classe por ano, essencialmente baseada na idade do aluno. Vemos nos moralistas e pedagogos do século XVII que a carinho pela infância e por sua natureza diferenciada não se expressava mais através de jogos e proteção, mas sim através de interesse psicológico e solicitude moral. A criança não era mais considerada "engraçadinha" ou agradável, mas como tendo necessidade de ajuda e orientação. A fim de corrigir o comportamento das crianças, as pessoas deveriam, em primeiro lugar, compreendê-Ias; os textos do final do século XVI e começo do XVII estão repletos de comentários sobre a Psicologia Infantil. O primeiro conceito de infância, caracterizado pela proteção, apareceu pela primeira vez, no círculo familiar, na presença da criancinha. O segundo, ao contrário, surgiu de fonte exterior à família: dos clérigos ou irmãos-Ieigos pouco numerosos, antes do século XVI, e de número bem maior que os moralistas, no século XVII, ávidos por propagar maneiras racionais e disciplinadas. Também eles vieram a influir, de certo modo, no até então negligenciado fenômeno da infância, embora não estivessem dispostos a consideraras crianças como brinquedos encantadores, na medida em que as viam como frágeis criaturas de Deus, que necessitavam ser tanto salvaguardadas quanto modificadas. Filósofos e Psicologia Infantil Essa nova conceituação de infância e educação constituiu, por outro lado, a fonte de uma literatura nova e especulativa sobre a psicologia e o desenvolvimento da criança. Os primeiros autores foram basicamente filósofos, religiosos, médicos, educadores, humanistas e reformistas, mas já naquela época, abordaram problemas que ainda são críticos, para o psicólogo do Desenvolvimento. Escreviam, por exemplo, a respeito das características inerentes à criança (aquilo que é congênito ou herdado) bem como sobre os métodos mais efetivos de educá-Ia e treiná-Ia. Alguns autores concebendo a infância como "naturalmente má", escreviam apaixonadamente sobre a "depravação inata" da criança, ao passo que outros a retratavam como "um nobre selvagem”, dotado biologicamente de virtudes e características que Ihe assegurariam um crescimento saudável, bem como um comportamento social responsável, desde que pudesse exprimir-se com liberdade. O filosofo inglês John Locke, escritor do final do século XVII, considerava a experiência e a educação infantil como os determinantes essenciais do seu desenvolvimento, embora assentisse com a existência de "propensões inatas". A mente infantil, segundo o que escreveu, é uma tabula rasa - uma tela em branco podendo receber, portanto, todo tipo de aprendizagem. Locke acreditava na racionalidade intrínseca do homem. O objetivo de toda educação, conforme opinava, seria a autodisciplina, o autocontrole e o "poder de negar a satisfação dos nossos próprios desejos, quando a razão não os autorizar". Para atingir esses propósitos, os pais deveriam começar a instruir as crianças a se auto-negarem "desde a época em que ainda estavam no berço". Jean-Jacques Rousseau, filósofo francês, escritor da última metade do século XVIII, acreditava que a criança está dotada de um senso moral inato. Fala, no seu livro Emile, da criança como sendo um "nobre selvagem", possuidora de um conhecimento intuitivo do que é certo e errado, e que seria desfigurada pelas restrições impostas pela sociedade. Rousseau sugere que não resultarão danos consideráveis tanto para a criança como para a sociedade, caso a criança cresça com pouca supervisão e orientação por parte dos adultos. A criança se tornará cada vez mais apta a viver no mundo, não em virtude da incessante vigilância dos que a governam, mas porque a natureza dotou-a com uma ordem de desenvolvimento que Ihe assegura um crescimento saudável. Mais do que isso, as típicas intervenções dos pais e professores desfiguram e distorcem a sucessão natural de mudanças da infância. A criança criada pelo homem é, quase certo, ser inferior à criada pela natureza. As perspectivas de Locke e de Rousseau, quanto ao modo como se desenvolvem as crianças, contrastam profundamente. A de Locke era essencialmente a advogada pela Psicologia associacionista: o desenvolvimento da criança é determinado por sua educação e, mais especificamente, seu comportamento é modelado por suas experiências, pelas recompensas e punições que recebe do meio ambiente. “Eu assumo que bem e mal, recompensa e punição são os únicos motivos de uma criança racional; são as esporas e rédeas que impelem e orientam toda a humanidade ao trabalho e, portanto, devem também ser utilizadas com crianças. Assim, eu advirto pais e mestres a sempre terem em mente que as crianças devem ser tratadas como criaturas racionais.” De acordo com Rousseau, a criança responde ativamente ao mundo ao seu redor, trazendo-o para si, “e manejando-o para adequar-se aos seus interesses. Enquadra-se nos padrões ambientais para o jogo tanto como para a solução de problemas, não como um recipiente passivo das instruções do professor, mas como um explorador motivado, experimentador e ativo. O conhecimento não é uma invenção dos adultos, despejada em recipientes dispostos ou não a recebê-Ia: ao contrário, uma construção conjunta da índole da criança com o mundo natural... A criança, ativamente empenhada em buscar, propondo seus próprios problemas, contrasta intensamente com a que é receptiva, bem como com a que apresenta curiosidade, mas sobre a qual a sociedade imprimiu sua marca.” Como teremos ocasião de ver mais adiante, as modernas teorias de desenvolvimento também divergem (do mesmo modo como as de Locke e Rousseau) com respeito às suas concepções do relacionamento da criança com o mundo. Alguns teóricos contemporâneos veem o desenvolvimento da criança como basicamente passivo e receptivo, respondendo às pressões ambientais na forma de recompensas e punições. Para outros, a criança se desenvolve através de um engajamento proposital e ativo no meio ambiente, organizando e interpretando suas experiências e tentando solucionar problemas. As obras de Locke e de Rousseau constituem influências de primeira grandeza no desenvolvimento infantil, embora as teorias de ambos os autores, conquanto penetrantes, sejam especulativas e não empíricas. Os teóricos e pesquisadores atuais tentam verificar suas hipóteses através de observações cuidadosas e sistemáticas, bem como através de experimentos. Biografias de Bebês Ao final do século XVIII, as crianças começaram a ser consideradas como um objeto específico de estudo. Filósofos, biólogos e educadores começaram a descobrir seus próprios filhos e alguns dentre eles, mais curiosos e corajosos, tentaram aprender sobre eles, através do procedimento inteiramente novo da observação. Deste modo, John Heinrich Pestalozzi, educador suíço, publicou em 1774 várias anotações extraídas da cuidadosa observação do desenvolvimento de seu filho de três anos e meio. Seu livro reflete sua própria teoria que à semelhança da de Rousseau, enfatizava a bondade inata da criança, bem como o papel da própria atividade desta sobre o seu desenvolvimento. Treze anos mais tarde, em 1787, Dieterich Tiedemann publicava uma espécie de diário sobre o comportamento do bebê, no qual relatava o crescimento intelectual, da linguagem, motor e sensorial de um único bebê, durante seus primeiros dois anos e meio de vida. No século XIX, começaram a surgir várias "biografias de bebês". O mais eminente escritor deste tipo de biografias foi Charles Darwin, o evolucionista, que publicou um diário de suas observações, referentes ao desenvolvimento inicial de seu filho. Darwin encarava a criança como uma fonte bastante rica de informações sobre a natureza do homem: “através de uma observação cuidadosa do bebê e da criança pode-se ver a ancestralidade do homem". Era impressionante o fato de que um cientista e teórico tão importante escrevesse tal biografia e isso fez da biografia de bebês um legítimo documento científico. Apesar do brilhantismo com que alguns autores se expressaram, essas primeiras biografias de bebês não são, em geral, fontes muito boas de dados científicos. Foram muito frequentemente baseadas em observações não sistemáticas, efetuadas a intervalos irregulares. Além disso, a maioria dos observadores, à semelhança de Darwin, tinha sua própria teoria sobre o desenvolvimento ou sobre a educação, considerando a criança que estivesse observando como a expressão viva de sua teoria. Os autores eram também pais, tios ou tias orgulhosos que, sem sombra de dúvida, enviesavam e selecionavam suas percepções. É compreensível, pois, que estivessem inclinados a enfatizar os aspectos positivos do desenvolvimento inicial e a negligenciar alguns dos fatores negativos. Por último, devido ao fato de cada relato ser baseado apenas em um caso, é quase impossível fazer generalizações válidas a partir de qualquer um deles. Não obstante, do mesmo modo que os primeiros trabalhos filosóficos, essas biografias foram valiosas. Continham certas informações e muitas hipóteses quanto à natureza do desenvolvimento.Contudo, sua importância reside em sua influência no delineamento dos principais problemas da Psicologia Infantil (muitos dos quais ainda sem solução) e no aumento notável do interesse pelo estudo científico da criança. Primórdios da Psicologia Infantil Científica Ninguém, no século XIX, influenciou mais a história da Psicologia Infantil do que Charles Darwin. A publicação de On the Origin of Species (1859) foi, provavelmente, a mais vital de todas as forças individuais empregadas no estabelecimento da Psicologia Infantil como uma disciplina científica. A noção de evolução das espécies e, principalmente, a contínua busca de Darwin pelos "sinais humanos na vida animal", levaram-no inevitavelmente a especular sobre o desenvolvimento do homem e da sociedade. A indiscutível contribuição de Darwin ao estudo da criança foi... “a sua atribuição de um valor científico à infância”. Estimulada pela teoria de Darwin, a busca de resíduos sociais e filogenéticos, na criança, caracterizaram o início de uma ciência do comportamento infantil. O homem não poderia ser compreendido através da análise de suas funções adultas, uma análise racional na sua concepção e muito próxima da lógica. Ao contrário, o homem deveria ser entendido através de um estudo de suas origens, na natureza e na infância. Quando começou a aparecer a consciência? Quais foram os primórdios da moralidade? Como poderíamos conhecer o mundo do bebê? Perguntas deste teor que, de modo mais ou menos sofisticado, deveriam por muitos anos dominar a psicologia infantil derivam sua significação da perspectiva genética no estudo do homem. O estudo sistemático de grupos maiores de crianças começou por volta do fim do século XIX. Nos Estados Unidos, um pioneiro do campo foi G. Stanley Hall, presidente da Universidade Clark e um dos iniciadores da psicologia americana. Estava interessado na investigação "do conteúdo das mentes infantis" porque, do mesmo modo que Darwin, estava convencido de que o estudo do desenvolvimento era crucial ao problema da compreensão do homem. A fim de realizar seus estudos com grupos numerosos, elaborou e refinou uma nova técnica de pesquisa, o questionário, o qual consistia de uma série de perguntas destinadas a obter informações a respeito do comportamento, atitudes e interesses de adolescentes e crianças. Hall coligiu então as respostas escritas dadas ao questionário tanto por crianças quanto por seus pais. De certo modo, a obra de Hall, continuando pelo século XX, assinala o início do estudo sistemático da criança, nos Estados Unidos. Segundo padrões mais atuais, seu trabalho não poderia ser considerado como controlado ou altamente objetivo; os problemas que o interessavam têm sido, nos últimos anos, pesquisados com um rigor científico muito maior. Não obstante, empregou um vasto número de sujeitos num esforço de obtenção de dados representativos, tendo tentado determinar as relações entre características da personalidade, problemas de ajustamento e experiências passadas. Por essas razões, a abordagem de Hall à Psicologia Infantil certamente representa um evidente progresso metodológico, em comparação às abordagens biográficas e filosóficas discutidas anteriormente. O nascimento da Psicologia Infantil como disciplina científica O estudo sistemático da criança floresceu no século XX. Durante o início deste século, o escopo da Psicologia Infantil limitou-se essencialmente à descoberta e descrição das tendências da idade, ou seja, a mensuração de alterações, segundo a idade, das características comportamentais, psicológicas e físicas. Dedicaram-se os esforços de pesquisa a detalhar as sequências de passos ou estágios na aquisição infantil de vários tipos de comportamento, tais como andar, manipular objetos e falar; por exemplo, a idade em que a maior parte das crianças consegue ficar sozinha de pé, sem ajuda, pegar um cubinho com seu polegar e indicador, ou pronunciar sua primeira palavra. A descrição precisa dos eventos e fenômenos é um dos objetivos de qualquer disciplina científica, mas uma disciplina científica madura tem propósitos mais complexos, incluindo os de explicar os fenômenos descritos e os de predizer os acontecimentos futuros. Nos últimos quarenta anos, os pesquisadores de Psicologia do Desenvolvimento tornaram-se cada vez mais interessados pelos processos subjacentes ao crescimento e ao desenvolvimento humanos; interessados pela síntese teórica dos fenômenos observados, a qual nos pode fornecer o como e o porquê das origens do comportamento e das mudanças no comportamento. Assim, os primeiros trabalhos de pesquisa na área de desenvolvimento da linguagem focalizavam o aumento de vocabulário desde as primeiras vocalizações do bebê, e estendendo-se por toda a infância. A pesquisa contemporânea em psicolinguística (estudo sistemático dos aspectos psicológicos da linguagem) está mais preocupada com os processos de desenvolvimento da linguagem, com os fatores que influenciam a aquisição da gramática e com a evolução do significado. Analogamente, as primeiras investigações sobre a inteligência e o pensamento centraram-se na acurada mensuração das mudanças, em função da idade, no funcionamento intelectual e no estabelecimento de curvas de crescimento intelectual. A atenção está, atualmente, muito mais voltada para problemas como o dos efeitos de condições antecedentes, inclusive alta motivação para realização ou estimulação ambiental, sobre o funcionamento cognitivo posterior. Mais especificamente, até há quarenta ou cinquenta anos atrás, a maior parte da pesquisa sobre o desenvolvimento da inteligência e do funcionamento cognitivo, abordava os problemas de tipo verbal, lógico e aritmético que as crianças, em diferentes idades, são capazes de resolver. Atualmente, contudo, há muito mais interesse em se investigarem os fatores que produzem níveis altos ou baixos de desempenho nesses tipos de tarefas. A pesquisa enfoca os seguintes problemas: a pertinência a uma classe social afeta o desempenho intelectual? Se assim for, por quê? Até que ponto pode o treinamento especial ou a estimulação do ambiente influir na realização intelectual? O desempenho da criança, quanto a seu raciocínio e quanto às tarefas de solução de problemas, varia de acordo com o nível de sua ansiedade ou de acordo com as forças de outras motivações? Tem melhor desempenho em testes de funcionamento cognitivo, as crianças que tendem a refletir ou as que são mais impulsivas para responder? Como se poderia esperar, mudou radicalmente a definição do campo da Psicologia do Desenvolvimento, bem como as principais linhas de orientação da pesquisa. Alguns tópicos que eram antes ignorados ou considerados de menor significação têm-se tornado pontos cruciais de pesquisa. Entre esses se poderia citar: percepção em bebês e os fatores que afetam seu desenvolvimento; a aprendizagem na infância; o desenvolvimento das ligações afetivas com outras pessoas; a influência de experiências e de treinamento sobre o pensamento e a formação de conceitos de uma criança; as diferenças individuais nos "estilos" ou abordagens de tarefas cognitivas; a relação das práticas educativas com a competência e a realização infantis. Ao apresentarmos uma perspectiva atual da Psicologia do Desenvolvimento, enfatizaremos estes e outros tópicos recentes de pesquisa, assim como as mais fecundas e modernas teorias e conceitos sobre o desenvolvimento humano. Nossa ênfase recairá também sobre as origens e os processos de desenvolvimento de muitos aspectos significativos do comportamento humano. Explicação e Teoria A explicação envolve a especificação das relações antecedente-consequente, isto é, a apresentação de fatores ou antecedentes que determinam certos produtos ou consequentes. Por exemplo, que tipos de estimulação ambiental (antecedentes) aumentam o desenvolvimento da dependência, da curiosidade, do pensamento lógico e da solução de problemas (consequentes)?Quais as práticas educativas (antecedentes) que promovem conformidade ou agressão nas crianças (consequências)? Em sua busca de relações ou explicações de tipo antecedente- consequente, o cientista formula teorias, hipóteses ou “explicações plausíveis" a respeito dos determinantes de um fenômeno em estudo. As teorias e hipóteses científicas estimulam pesquisas posteriores e orientam todas as fases da investigação, determinando as variáveis selecionadas para estudo, as espécies de dados a serem coletados e os métodos de coletá-Ios. A título de ilustração, suponha-se que um psicólogo do Desenvolvimento proponha a seguinte hipótese: um alto nível de agressão para com companheiros de idade (o evento consequente) e o resultado de uma situação familiar frustradora, de tipo convivência com pais rejeitadores, bastante restritivos, punitivos e frios (antecedente). Para testar sua hipótese, o pesquisador deve fazer avaliações significativas de agressividade em crianças. Essas avaliações podem derivar de observações intensivas do comportamento de crianças na sala de aula e na área de recreação, bem como de escalas de avaliação dos professores. Podem ser então selecionados para estudo posterior grupos de crianças altamente agressivas e não agressivas, com base nestas avaliações. Os dados, referentes à situação familiar, podem advir de entrevistas com os pais dessas crianças ou, se possível, da observação das interações destes com seus filhos, em casa. Usando tais entrevistas e observações, o psicólogo pode avaliar o grau de punição, de rejeição e de restrição empregado pelos pais. Em seguida, pode decidir, conforme havia hipotetizado, se crianças muito agressivas são ou não mais frustradas em casa do que as relativamente não-agressivas. Depois de terem sido coletados, os dados são organizados e interpretados a fim de se verificar se, na verdade, confirmam a hipótese em teste. Os dados podem indicar novas relações que modificam a hipótese, ou conduzem a novas hipóteses que permitem explicações lógicas e, em muitas circunstâncias, a predição de eventos subsequentes. A habilidade para predizer fenômenos é uma das principais vantagens da teoria científica. É porque temos uma teoria (ou um conjunto de princípios inter-relacionados), a explicar o movimento planetário, que podemos predizer quando ocorrerá o próximo eclipse. Se tivéssemos uma boa teoria para explicar porque é que algumas crianças não aprendem direito na escola, poderíamos prever fracassos escolares antes que acontecessem e estaríamos aptos a tomar decisões mais efetivas para a redução ou eliminação desses fracassos. A Psicologia do Desenvolvimento não é um campo independente nem isolado. Princípios de aprendizagem, motivação e comportamento social são tão fundamentais à Psicologia do Desenvolvimento como o são para outros ramos da Psicologia. Muitos aspectos do desenvolvimento permanecem incompreensíveis sem tais generalizações, do mesmo modo que os progressos neste campo dependem dos que acontecem no campo da Psicologia como um todo. Por exemplo, os dados e generalizações extraídos de pesquisas em áreas tão diversas como Genética do Comportamento e Psicologia Filosófica, aprendizagem e motivação podem ser, como de fato frequentemente o são, de relevância direta para os problemas centrais da Psicologia do Desenvolvimento. As contribuições desses campos são vitais para o entendimento dos determinantes genéticos do comportamento, das bases fisiológicas do desenvolvimento e da aquisição do comportamento e de características da personalidade. Alguns proeminentes psicólogos do Desenvolvimento, tais como Piaget e Werner, formularam teorias que tratam especificamente da origem e desenvolvimento de processos psicológicos básicos. Além disso, porém, algumas das teorias e técnicas mais promissoras usadas no estudo da Psicologia do Desenvolvimento são fundamentadas em outras áreas da Psicologia. A teoria psicanalítica, por exemplo, preocupa-se essencialmente com o ajustamento e o desajustamento emocional, embora haja aspectos desta teoria que abordem as origens do distúrbio psicológico, bem como hipóteses a respeito do desenvolvimento normal da personalidade. De modo similar, a teoria da aprendizagem, essencialmente formulada com base em pesquisas de laboratório (muitas vezes executadas com animais), tem sido de enorme valia na compreensão do desenvolvimento de grandes segmentos do comportamento humano. A teoria cognitiva, construída para explicar a percepção, o pensamento e a solução de problemas em adultos, tem sido a inspiração de muitas teorizações e pesquisas quanto às origens e ao desenvolvimento desses processos. Teoria na Psicologia do Desenvolvimento O objetivo de toda disciplina científica é organizar um conjunto de princípios que expliquem certos acontecimentos desconcertantes. Por exemplo, na Física, um princípio desse tipo é aquele segundo o qual o movimento de um objeto é igual ao produto de sua massa por sua velocidade. Este princípio nos ajuda a compreender o que ocorre a um caminhão em movimento que vai de encontro a um poste telefônico. Nas ciências mais desenvolvidas, como a Química e a Física, os princípios relacionam-se entre si e envolvem um mesmo conjunto de conceitos. Infelizmente, a Psicologia não é uma ciência tão amadurecida, não tendo ainda gerado um conjunto amplo de princípios básicos. Os psicólogos têm dificuldades em concordar sobre quais fenômenos são os mais importantes para estudo, bem como quais os melhores conceitos a serem utilizados na explicação de fenômenos específicos. Algumas pessoas acreditam que a tarefa da Psicologia é explicar as uniformidades e as diferenças de comportamentos observáveis como a dependência, o suicídio e o assassinato. Outros sustentam que o objetivo primordial da Psicologia é entender processos mentais como a percepção, a crença, a memória e o raciocínio. Razões para uma Psicologia do Desenvolvimento Uma segunda razão para as dificuldades inerentes à Psicologia é que as reações dos seres humanos, diferentemente das dos átomos e moléculas, são influenciadas por sua história anterior de experiências. Esse pressuposto constitui uma das razões para o estabelecimento do campo da Psicologia do Desenvolvimento. É improvável que possamos entender os adultos a menos que apreciemos as relações precisas entre as experiências da infância e meninice e as habilidades, desejos e crenças do adulto. As razões do interesse na sub-área do Desenvolvimento Infantil não são diferentes das existentes na disciplina à parte da Anatomia, denominada embriologia. Ambas as especialidades científicas descobrem fatos e propõem leis que explicam como é formado o adulto. Uma reduzida minoria de adultos, por exemplo, possui uma anatomia genital anormal, na qual estão presentes tanto o pênis quanto a vagina. O anatomista costumava refletir sobre como esse fenômeno poderia ocorrer, visto que há muitos modos possíveis pelos quais a anomalia poderia vir a se desenvolver. Foi dada a este problema uma resposta baseada em cuidadoso estudo do desenvolvimento embriológico da zona genital. Os embriões de seis semanas de vida, tanto de sexo masculino quanto feminino, têm todos uma mesma pequena protuberância. Logo após, aparece uma cisão nessa protuberância, embora todos os embriões ainda pareçam exatamente iguais, vistos na sua aparência externa. Após algumas semanas, a zona cessa de se desenvolver no feto de sexo feminino, ao passo que continua a se diferenciar no de sexo masculino. Os tecidos que denominamos os lábios, na recém - nascida, unem-se no bebê de sexo masculino até se transformarem no escroto, assim como o tecido denominado clitóris, para o sexo feminino, continua a crescer, no masculino, até vir a ser o pênis. As diferenças anatômicas entre recém-nascidos de sexo masculino e feminino são devidas ao fato de a área genital masculina continuar a diferenciar-se e a crescer após terem cessadoas transformações na zona genital feminina. Deste modo, quando nasce uma criança dotada tanto de uma vagina quanto de um pênis, é possível que a cisão não tenha se fechado completamente e que o tecido que era o clitóris continue a crescer até atingir a forma de um pênis. As habilidades, motivos e medos dos adultos são melhor entendidos se for estudado o seu desenvolvimento, desde o início da infância. Por exemplo, os homens americanos ultrapassam as mulheres americanas em realizações científicas. Há muitas explicações possíveis para esta diferença entre os sexos, mas podemos eliminar algumas delas através do estudo da criança pequena. O desenvolvimento mental das meninas procede num ritmo um pouco mais rápido do que o dos meninos, durante os primeiros anos de vida. Comparados aos bebês de sexo masculino, os de sexo feminino são mais sensíveis a sons e luzes, compreendem a língua e falam mais cedo que aqueles e aprendem a ler mais rapidamente, durante os primeiros anos de escola. Assim sendo, a diferença na realização científica, no período de maturidade, não pode ser devido a um retardo inicial no desenvolvimento intelectual, mas deve ser causada por outros fatores. Consideremos mais um exemplo de como a compreensão de um adulto é auxiliada pelo conhecimento da formação de sua personalidade. Imaginem-se duas mulheres que decidiram ficar solteiras. Uma cresceu ao lado de sua mãe biológica, divorciada duas vezes. Esta mãe recordava constantemente à filha, enquanto esta ia se desenvolvendo, como os homens são aproveitadores, persuadindo-a de quão insatisfatório é o casamento como modo de vida. Ao aproximar-se da idade adulta, a filha desenvolveu uma poderosa resistência ao casamento. A segunda moça cresceu num lar extremamente seguro, tendo tido um pai afetuoso que desejava para ela a carreira científica. A fim de preservar o amor de seu pai, obrigou-se a estudar numa universidade e depois fazer pós- graduação, decidindo que o casamento interferiria em sua carreira. Em seu caso, a decisão de permanecer solteira baseava-se no afeto pelo pai, ao passo que a decisão da primeira estava vinculada à hostilidade para com seu pai. Ambas as histórias, embora muito simplificadas, permitem-nos predizer alguns aspectos dos comportamentos futuros dessas duas mulheres. A primeira, produto de dois divórcios, estará menos inclinada a casar-se, devido a uma longa história passada de forte hostilidade contra homens em geral. Quanto à segunda, é mais provável que venha a se casar, já que sua decisão foi tomada com base na afeição por um homem. Embora ambas tenham tomado a mesma decisão, durante a adolescência, essas decisões têm pesos diferentes, pois resultaram de motivos diferentes. Ainda outra razão para o estudo do desenvolvimento é a compreensão de como se alteram as organizações de desejos, opiniões, ansiedades e habilidades, presentes nas diferentes etapas do cicio vital. O desenvolvimento psicológico não se assemelha ao crescimento de um músculo. Um feixe muscular, com o passar do tempo, torna-se somente mais forte e maior, não alterando em época alguma sua forma básica. Em contraposição, os medos infantis têm suas formas alteradas com o correr dos anos. A criança típica de três anos tem mais medo de perder o afeto de seus pais. Nos bebês e nos adolescentes, contudo, esta ansiedade específica é relativamente fraca se comparada a outros medos. O bebê de 10 meses de vida amedronta-se mais com situações desconhecidas, ao passo que o jovem de 18 anos tem mais medo de danificar sua autoimagem. A fim de compreendermos porque é que uma criança de certa idade se comporta de um determinado modo, devemos ter conhecimento de como estão organizados seus motivos, medos e crenças. Uma última razão para o estudo do desenvolvimento é de ordem mais prática. É útil podermos predizer o comportamento adulto a partir do conhecimento das primeiras experiências. Um médico que trata de um paciente deprimido, por exemplo, gostaria de saber se este é ou não um suicida em potencial. Embora muitos adultos entrem em depressão e escrevam bilhetes suicidas, a grande maioria dessas pessoas não o comete. É de importância prática fundamental ser capaz de prever quais adultos são mais propensos a se matarem, a fim de que se possa dar-Ihes alguma proteção contra seus próprios impulsos. O conhecimento do desenvolvimento humano sugere que os indivíduos inclinados a sentimentos de culpa muito intensos, por terem violado seus padrões internos, são mais propensos a atentarem contra a própria vida. Daí que entrevistar o paciente e seus parentes sobre aspectos de sua infância e personalidade, ajuda o psiquiatra a fazer predições mais apuradas do risco de suicídio. Em algumas ocasiões, a predição do comportamento adulto a partir dos fatos da infância pode prevenir distúrbios sérios na personalidade adulta. A maioria dos problemas psicológicos que assolam o homem e que, por sua vez, destroem a unidade social, são de difícil modificação no adulto. Desequilíbrios emocionais, homicídios, adição a drogas e alcoolismo são, frequentemente, o resultado de uma história passada de determinadas experiências com familiares e amigos. Se soubéssemos em que idade são mais propensas a ocorrer as experiências prejudiciais, talvez nos fosse possível interferir a essa altura dos acontecimentos, corrigindo os desvios do desenvolvimento. A agressão e a violência são problemas sérios em nossa sociedade e seria de bastante utilidade conhecer os tipos de experiências que as crianças têm durante a primeira década de vida e que as predispõem a violência patológica, quando adultos. Ainda não temos atualmente este conhecimento, porém os psicólogos do Desenvolvimento estão tentando obtê-Io. Há, portanto, várias e sólidas razões para que tenha tanta vitalidade a disciplina Psicologia do Desenvolvimento. As respostas que espera fornecer, já nos próximos 10 anos, poderão ampliar nossa compreensão do homem e contribuir para a solução de problemas sociais profundamente perturbadores. As razões do comportamento: os objetivos do desenvolvimento e a natureza da criança Como acima indicado, uma teoria ajuda a responder a questão: "por que isso aconteceu?" Uma teoria psicológica oferece uma explicação para uma determinada reação comportamental, seja ela uma resposta motora, uma crença ou uma reação fisiológica. No entanto, sempre que indaguemos pelas razões de um dado comportamento, teremos uma dentre quatro respostas possíveis. A razão imediata refere-se ao estímulo ou à situação que precedeu ou provocou diretamente aquele comportamento. Por exemplo, podemos ver uma criança soluçando e decidir que a causa imediata deste distúrbio foram algumas palmadas da mãe, porque havia mentido. A razão histórica se reporta à história de experiências passadas da criança, na situação familiar. Na medida em que nem todas as crianças choram quando recebem uma ou duas palmadas da mãe, deve haver outros fatores responsáveis pelo soluçar desta criança em particular. Poderemos decidir que ela chora porque seus pais a tratam de modo tal que ela receia que sua mãe deixe de gostar dela, em função dessa leve infração. A maioria dos psicólogos se interessa por uma ou outra das razões do comportamento, imediata ou histórica, ou por ambas. Entretanto, nenhuma dessas razões aborda o propósito do comportamento da criança. Os biólogos se interessam mais frequentemente pela qualidade adaptativa do comportamento. A razão adaptativa para o choro da criança é comunicar à mãe que está experimentando algum sofrimento. O choro serve como uma advertência à mãe para interromper a punição e demonstrar alguma afeição que dê alívio à criança, bem como para indicar-Ihe que já atingiu seu objetivo: mostrar sua desaprovação por vê-Ia mentindo. Uma última razão, normalmente de pouco interesse para o psicólogo, mas fundamental para o biólogo evolutivista, é a base evolutiva do comportamento.Por exemplo, por que as crianças humanas choram quando são punidas, ao passo que os filhotes de macacos são mais inclinados a se agachar e assumir uma postura submissa ao serem punidos pelos pais? Pressupõe-se que as forças genéticas, operativas durante a evolução do homem, são as responsáveis pelo fato de a criança humana chorar quando apanha da mãe, ao passo que o macaquinho se encolhe. Objetivos e direções do Desenvolvimento Quando o psicólogo do Desenvolvimento se volta para o propósito ou valor adaptativo do comportamento, vê-se envolvido na trama de um dos dois pontos mais controvertidos do desenvolvimento humano, a saber: acredita o teórico que a criança esteja crescendo em direção a uma meta? Dito com outras palavras, deveríamos considerar o desenvolvimento psicológico como uma sequência de estágios que definem um progresso em direção de um nível de funcionamento "mais maduro"? Ou, por outro lado, deveríamos entendê-Io apenas como uma série de mudanças legítimas, sem fazer qualquer suposição adicional de que haja um ponto terminal ótimo, do qual todas as crianças vão se aproximando aos poucos? Os psicólogos europeus e americanos que acreditam na existência de uma meta afirmam que a missão da Psicologia do Desenvolvimento é estudar os detalhes do progresso da criança em direção à maturidade. Tanto Sigmund Freud quanto Jean Piaget, cujas teorias consideraremos a seguir em alguns detalhes, fazem tal suposição. A concepção freudiana do objetivo do desenvolvimento enfatiza os motivos e as emoções. O adulto amadurecido deveria estar livre, até certo ponto, dos conflitos provocadores de ansiedade adquiridos durante a infância, sendo capaz de estabelecer um relacionamento amoroso gratificante com um membro do sexo oposto, além de estar habilitado a ter relações profissionais eficientes com outros indivíduos. Em termos mais simples, deve ser capaz de amar uma outra pessoa e derivar prazer pessoal profundo dos relacionamentos interpessoais. A perspectiva piagetiana da finalidade do desenvolvimento enfatiza as habilidades intelectuais. A pessoa madura deve ser capaz de deduzir conclusões e pensar logicamente a respeito de ideias abstratas. Não são todos os psicólogos do Desenvolvimento que acreditam em tais objetivos. Os teóricos da aprendizagem não se interessam tanto em afirmar se determinados comportamentos são mais ou menos maduros, posto que se preocupam basicamente com o modo segundo o qual o comportamento da criança vai se modificando com o correr do tempo. Os teóricos da aprendizagem não pressupõem estar a criança indo necessariamente em uma direção específica qualquer, mesmo que seu comportamento esteja sendo alterado a cada dia que passa. Neste sentido, assemelham-se aos biólogos evolutivistas. Estes acreditam que o objetivo central da espécie é sobreviver e reproduzir-se com sucesso. Uma espécie atinge esses objetivos, tornando-se cada vez melhor adaptada ao local no qual se estabelece, se alimenta e se acasala. Os hábitos particulares, desenvolvidos pelo animal, dependerão do meio ambiente específico em que viva. A par dessas exigências, não há uma meta para o desenvolvimento que seja a mesma para todas as espécies ou para todos os membros de uma mesma espécie que vivam em circunstâncias diferentes. Essa perspectiva apresenta algumas implicações instrutivas para o psicólogo do Desenvolvimento. Ao invés de assumir que todas as crianças do mundo estejam tentando atingir o "melhor" dos objetivos, é útil considerar-se a possibilidade de que cada criança esteja tentando adaptar-se às demandas de seu meio ambiente psicológico específico. O objetivo de seu desenvolvimento dependerá do lugar em que viver. Uma criança esquimó, habitando com muitas outras pessoas num pequeno iglu, durante nove meses do ano, deve aprender a bloquear todas as demonstrações de ira ou agressão, se quiser permanecer em bom contato com sua família e amigos. Consequentemente, nesta situação o adulto idealmente amadurecido deve ser autocontrolado e muito pouco agressivo. Em oposição a isto, uma criança americana urbana deve aprender a defender-se de ataques oriundos de companheiros de mesma idade, sendo que o adulto ideal deve ser capaz de reagir com raiva e agressão verbal apropriadas às situações em que for atacado ou ameaçado. Nem o controle rígido nem a livre expressão da raiva deveriam ser considerados como o traço mais amadurecido para todas as pessoas, onde quer que vivam. Cada uma destas expressões é adequada ao meio ambiente no qual criança e adulto devem funcionar. A natureza da criança: ativa ou passiva, frente às forças ambientais? Um segundo tema bastante controvertido, a respeito da criança, centra-se na discussão de se é ela inerentemente ativa ou passiva, frente ao mundo das pessoas e dos objetos. Como John Locke deixou implícito, seria a criança fundamentalmente modelada pela experiência ou, como sugeriu Piaget, seria ela capaz de selecionar de modo ativo as experiências que deseja compreender e investigar? A primeira perspectiva, que neste século foi elaborada por John Watson, Neal Miller, B. F. Skinner e Albert Bandura, concebe a criança como facilmente moldável de acordo com os padrões escolhidos por seus criadores. Os criadores são as pessoas que têm o poder de administrar recompensas e punições, consistindo nos modelos que a criança irá imitar. Embora Freud não tivesse sido um teórico da aprendizagem, também ele considerava a criança como passiva frente às forças biológicas operando dentro de si. A criança seria governada por poderosos instintos e, inevitavelmente, inundada pelos conflitos dos relacionamentos com seus pais e irmãos. A visão de uma criança basicamente ativa coloca-a como dotada de um grau maior de controle de seu próprio desenvolvimento. Há limites aos poderes do meio ambiente, para a modificação da criança. Uma criança de quatro anos de idade não consegue raciocinar de modo abstrato, não importando o nível de suas experiências anteriores, enquanto que um jovem de 15 anos começará a questionar a consistência de suas crenças, mesmo que o meio ambiente ignore ou puna uma tal curiosidade. A perspectiva de uma criança ativa pressupõe que é inerente à mente humana o ser atraída pela compreensão e que é a maturação que determinará quando um simples evento passará a ser encarado como um problema a ser entendido. Uma criança de três anos não se interessará pelo problema de porque tempestades com raios são mais frequentes no verão do que no inverno, ao passo que uma de 10 anos terá curiosidade em conhecer os padrões sazonais. São propriedades inerentes ao ser humano: (1) a exploração do incomum e (2) a construção mental de objetos ou ideias a partir de algum projeto prévio. A noção de que a criança traz consigo, durante todo o tempo, a habilidade mental essencial para compreender novas experiências e dar uma contribuição pessoal a cada nova situação com que se depara, é o ponto central do enfoque da criança como um ser ativo. A teoria tradicional da aprendizagem considerava a criança em crescimento como extremamente vulnerável às palavras e reações das pessoas que a bloqueiam, elogiam ou punem, tendo resistido à noção de que a criança possa orientar a si própria. A perspectiva ativa assume que a mente tem um programa de crescimento e pode dar um significado a uma árvore como forma inusitada, a uma dor indefinida ou ao sorriso inesperado de um desconhecido. Perspectivas alternativas de Desenvolvimento Embora Piaget seja um idealista, no que tange a metas de desenvolvimento, é possível assumir-se ser a criança ativa, sem também ter que pressupor um objetivo universal de desenvolvimento para a maturidade. Segue-se que a maior parte dos teóricos do desenvolvimento pode ser classificada em uma dentre quatro categorias, dependendo dos pressupostos que tiverem, em primeiro lugar, referentes aos objetivos do desenvolvimento e em segundo, à dimensão ativa-passiva.As diferenças nos pressupostos dos maiores teóricos - Freud, Piaget e Skinner derivam, em parte, do fato de que cada um deles se vê interessado num aspecto ligeiramente distinto da criança, querendo cada um explicar os diferentes ângulos do seu desenvolvimento. Além disso, não há atualmente teoria ou teórico de monta, associado à categoria, que descreva a criança ativa, que deixe de considerá-Ia como crescendo necessariamente em direção a um conjunto de objetivos adequados a todos os ambientes. Discutiremos agora cada uma das quatro abordagens teóricas, começando por uma breve descrição da perspectiva cognitivista, na medida em que é a menos elaborada dentre as quatro. Passaremos, em seguida, a uma consideração mais minuciosa de Piaget, Freud e dos teóricos da aprendizagem. Abordagem cognitivo-adaptativa do desenvolvimento A teoria cognitivo-adaptativa considera a criança ativa sem que necessariamente esteja crescendo para atingir algum objetivo ideal ou específico. Extensamente baseada em Piaget, essa teoria conceitua a criança como se esforçando para compreender sua experiência, não sendo o comportamento inteiramente modelado pelas recompensas ou punições ambientais. No entanto, a teoria questiona a noção de que haja um objetivo ótimo e absoluto para todas as crianças, sendo neste particular mais semelhante à teoria da aprendizagem que considera o crescimento como de término mais relativo e em aberto. Cada criança vive em uma determinada família e comunidade e tenta adaptar-se às exigências de ambos os contextos. Além disso, há algumas limitações biológicas em cada idade. A criança de dois anos não é capaz de pensar a respeito de sua experiência do mesmo modo que uma de 12 anos. O desejo de resolver incertezas é considerado uma importante força impulsora para o desenvolvimento, isto é, a criança está motivada a se comportar, quando confrontada com situações ou tarefas que apresentam uma incerteza moderada. Por exemplo, no caso de não haver qualquer dúvida quanto à consecução de um certo objetivo, a criança exibirá um desejo mínimo de lutar por ele. Se a incerteza for muito grande, poderá afastar-se. Dito mais especificamente, se a criança tem certeza de sua inabilidade para aprender uma nova tarefa como ler, por exemplo, sua expectativa de fracasso conduzi- Ia-á a não mais esforçar-se na tarefa. Há dois grandes obstáculos à elaboração de uma abordagem cognitivo- adaptativa. Um é a atual inabilidade de se especificarem os mecanismos pelos quais a criança resolve suas incertezas e passa para o estágio seguinte de desenvolvimento e o outro é que essa teoria tem certa dificuldade para afirmar porque um evento particular provoca dúvidas numa determinada idade, mas não numa anterior. A teoria de Jean Piaget O psicólogo suíço Jean Piaget considera que a criança está tentando compreender o seu mundo através de um relacionamento ativo com pessoas e objetos. A partir dos encontros com acontecimentos, a criança vai se aproximando, num ritmo consistente, do objetivo ideal que é o raciocínio abstrato. Piaget tem exercido uma influência extraordinária na moderna Psicologia do Desenvolvimento. Estimulou o interesse pelos estágios maturacionais do desenvolvimento e pela importância da cognição para muitos aspectos do funcionamento psicológico, tendo atuado como uma contra força construtiva à ideia de que as crenças, pensamentos e modos de uma criança abordar problemas são basicamente o resultado daquilo que se Ihe ensine diretamente. Piaget acredita que os objetivos do desenvolvimento incluem a habilidade (1) para raciocinar de modo abstrato, (2) para pensar sobre situações hipotéticas de modo lógico e (3) para organizar regras, por ele denominadas operações, em estruturas de nível superior mais complexo. Serão considerados abaixo os conceitos mais importantes da teoria de Piaget. Construção e Invenção A criança está ativamente empenhada em compreender sua experiência, tentando entender o heterogêneo e adequar suas ideias num todo coerente. Piaget enfatiza o fato de que as crianças inventam ideias e comportamentos que jamais presenciaram ou pelos quais nunca foram reforçadas. Por exemplo, em contraste com a típica criança de cinco anos, a de sete avalia e compreende que um conjunto de bastões de diferentes comprimentos ou um conjunto de xícaras de diferentes diâmetros podem ser arrumados em séries, de acordo com seu comprimento ou diâmetro. A criança de 7 anos não necessita já ter visto esse arranjo, nem ter recebido essa informação de algum adulto. É uma das descobertas do crescimento intelectual. O teórico da aprendizagem, em contraposição, se centraliza nos comportamentos que são cópias imitativas do que a criança já viu ou extensões de ações que já foram reforçadas. Piaget diz que: “...o problema que devemos resolver, a fim de explicarmos o desenvolvimento cognitivo, é o da invenção e não o da simples cópia. Nem generalizações do tipo estímulo-resposta, nem a introdução de respostas transformacionais podem explicar a novidade ou a invenção...” Gostaríamos de enfatizar quão peculiar é o fato de que muitos dos psicólogos soviéticos e americanos, cidadãos de nações poderosas que tentaram modificar o mundo, produziram teorias da aprendizagem que reduzem o conhecimento a uma cópia passiva da realidade externa, ao passo que efetivamente o pensamento humano sempre transforma ou transcende a realidade. Áreas de grande interesse na Matemática não têm sua contrapartida na realidade física, resultando todas as técnicas matemáticas de novas combinações que enriquecem a realidade. A fim de se apresentar uma noção adequada da aprendizagem deve-se, em primeiro lugar, explicar como Ii que o sujeito consegue construir e inventar e não apenas como Ii que repete ou copia. A aquisição das operações O conceito central da teoria piagetiana é o de operação. Uma operação é um tipo especial da rotina mental cuja característica predominante é a reversibilidade. Toda operação tem uma contra partida lógica. A regra de que elevamos 8 ao quadrado para obtermos 64 é parte de uma operação, uma vez que podemos fazer a operação inversa e extrair a raiz quadrada de 64 e obter 8. O conhecimento de que podemos dividir uma porção circular de argila em duas seções elípticas e combiná-Ias para a formação do mesmo todo circular também é uma operação. Compreendermos o fato de que uma dada quantidade de água de um copo não se altera quando a transferimos para outro recipiente de forma diferente, também é uma operação, já que sabemos poder restabelecer a condição original, vertendo a água novamente para o primeiro copo. A operação permite à criança voltar mentalmente ao ponto de partida. A aquisição das operações é o centro do crescimento intelectual. A aquisição das operações e o centro do crescimento intelectual Algumas regras não são operações. A criança de 7 anos sabe que se contar uma mentira provocará a ira dos pais, sendo esta uma regra irreversível porque não sabe como restabelecer o bom humor da mãe. A maior parte das regras fatuais (o oceano contém água, os automóveis são barulhentos, os verões são quentes) não são operações. Piaget acredita que a criança passa pelos estágios, adquirindo diferentes classes de operações até que gradualmente atinge o estágio mais amadurecido, durante a adolescência. Os dois mecanismos principais que permitem à criança passar de um estágio para o seguinte são a assimilação e a acomodação. Assimilação A assimilação é a incorporação de um novo objeto ou ideia a uma ideia ou esquema já possuído pela criança (Piaget emprega o termo esquema para significar as coordenações perceptivo-motoras do bebê; por exemplo, na busca de objetos ou ao puxar um cordão). Em cada nível de idade, a criança tem à sua disposição um conjunto de ações ou operações. Os novos objetos e ideias são assimilados aos antigos. Um bebê de 1 ano de idade já adquiriu um esquema paraobjetos pequenos que envolve sacudí-Ios e mordê-Ios. Quando Ihe é dado um objeto novo, por exemplo, um ímã, reage a ele como faz com todos os objetos pequenos, sacudindo-o ou mordendo-o. A aplicação de esquemas conhecidos de ação a uma nova situação é assimilação. Em termos mais simples, a assimilação é a aplicação de velhas ideias e hábitos a objetos novos, considerando os acontecimentos novos como partes dos esquemas existentes. Acomodação e Equilibração Acomodação é a tendência a se ajustar a um novo objeto, a alterar os esquemas de ação adquiridos a fim de se adequar a tal objeto. A criança de 2 anos que nunca havia se deparado com um ímã pode, de início, assimilá-lo aos seus esquemas anteriores e agir frente a ele do mesmo modo que frente a um brinquedo familiar. Pode batê-Io contra alguma superfície, balancá-Io, lançá-lo ou tentar fazer com que produza algum som. Mas logo que descobre a qualidade peculiar ao ímã, ou seja, a de atrair metais, acomodar-se-á, então, a essa qualidade e começará a aplicar o ímã a uma variedade de objetos para verificar se aderem a ele. O crescimento mental envolve a resolução da tensão existente entre assimilação e acomodação, do conflito entre o uso de respostas velhas para situações novas e a aquisição de respostas novas (ou a alteração das antigas) para adequar-se a novos problemas. O crescimento intelectual ocorre à medida que a criança se adapta às novas situações. De início, a criança assimila a maior parte dos problemas aos esquemas existentes. Se seu pai faz com ela um jogo no qual deve adivinhar o que está escondido na mão dele, um brinquedo pequeno, por exemplo, a criança poderá adotar como resposta um hábito posicional, escolhendo sempre a mão direita, mesmo que seu pai fique alternando o brinquedo de mão para mão. Eventualmente, a criança se acomoda ao problema e aprende a regra empregada pelo pai. Cada vez que a criança se acomoda a um novo problema ou acontecimento, o seu crescimento intelectual mais se aproxima da maturidade, posto que modificou suas ideias a respeito do mundo, tendo gerado um esquema mais adaptativo. Essa adaptação é denominada equilibração. No começo, a criança procura compreender uma nova experiência através do uso das ideias e soluções antigas. Quando estas não servem mais, a criança se vê forçada a alterar sua compreensão do mundo de tal modo que, com o tempo, o novo acontecimento se harmoniza com suas crenças anteriores. Chegará o dia em que seu funcionamento intelectual terá amadurecido de tal modo que será capaz de usar uma nova forma de pensar sobre um problema antigo, assumindo suas experiências e, nessa altura, o conhecimento estará pari-passo com seu crescimento biológico. Nesse momento, a criança passará de um estágio de inteligência ao seguinte. Estágios sequenciais de desenvolvimento Como teremos ocasião de ver, Piaget acredita que há quatro estágios principais do desenvolvimento intelectual: sensório-motor (de 0 a 18 meses), pré-operacional (dos 18 meses aos 7 anos), operatório-concreto (dos 7 aos 12 anos) e, por último, lógico-formal (dos 12 anos em diante). Esses estágios são contínuos e cada um deles é elaborado a partir do anterior, sendo também um derivado deste. Piaget acredita que nenhuma criança possa omitir qualquer um dos estágios, dado que cada um empresta do anterior seus feitos e realizações. Cada nova experiência é agregada ao material já acumulado, havendo sempre uma relação entre a habilidade e crenças atuais da criança e todo o seu passado. Essa hipótese pode ser verdadeira, mas não necessariamente. Consideremos, como uma analogia, a construção de uma casa. Durante as semanas iniciais de construção, cada novo pedaço de madeira é encaixado na estrutura existente e há uma relação direta entre cada parte nova e o que já existia anteriormente. Mas suponhamos que, após 3/4 da casa estarem prontos, um segundo grupo de trabalhadores começa a substituir paredes, encanamentos e instalações elétricas antigas por novas peças, segundo um novo projeto arquitetônico. Quando a casa estiver finalmente concluída, haverá uma relação mínima entre os componentes iniciais e os finais. Num contexto ligeiramente diferente, é possível renovar uma casa de 100 anos de existência de modo tal que eventualmente sejam novas todas as partes da nova construção, sem que isso faça a casa cair ou ser interditada. Esta é uma perspectiva diferente do crescimento de processos psicológicos que, no momento, é tão plausível quanto as sugestões piagetianas de que cada novo desenvolvimento está baseado no que se formou anteriormente. Freud e a teoria psicanalítica À semelhança de Piaget, Sigmund Freud tinha uma concepção particular quanto aos objetivos da maturidade que, segundo ele, incluíam a habilidade de estabelecer relacionamentos amorosos, gratificantes do ponto de vista sexual, com um membro do sexo oposto, o uso produtivo dos talentos pessoais e uma relativa liberdade dos conflitos e ansiedades que provocam angústia e sintomas comportamentais. Em poucas palavras, Freud acentuava a maturidade emocional como o prêmio almejado, ao passo que Piaget enfatizou o raciocínio. Ambos os teóricos também divergem quanto aos elementos particulares do funcionamento psicológico pelos quais estavam interessados. Piaget estava basicamente voltado mais para o estudo das regularidades no crescimento do pensamento do que para as diferenças individuais nessas regularidades, entre crianças de mesma idade. Freud se devotou ao estudo dos desejos, sentimentos e medos infantis, tendo-se interessado pelas diferenças de personalidade entre as crianças. Piaget obteve a maioria de suas ideias através da observação e da interação verbal com crianças de classe média. Freud derivou a maior parte de suas concepções a respeito do desenvolvimento escutando os relatos de experiências infantis feitos por adultos ansiosos que haviam procurado auxílio psiquiátrico. Os dois homens focalizaram um conjunto diferente de fenômenos, tendo coletado informações através de métodos diferentes, oriundos das mais diversas fontes. Ambos os teóricos queriam compreender aspectos diversos do desenvolvimento humano. De acordo com Freud, o bebê e a criança pequena estão desamparados face ao poder das forças sociais e biológicas, sobre as quais tem um controle mínimo. Essas forças incluem a energia dos instintos, biológica em sua origem, bem como as experiências sociais, integrantes da vida familiar. Freud acreditava que todas as crianças desenvolvem sentimentos sexuais e hostis para com seus pais, o que provoca conflito, ansiedade e, em algumas, neurose. Energia biológica O mais fundamental conceito freudiano é o de energia biológica, por ele postulado como a fonte de todos os impulsos básicos. A criança nasce com uma quantia fixa de energia que subjaz a todos os seus comportamentos, motivos e pensamentos futuros. Embora Freud nunca tenha dito explicitamente, parece que concebia a energia psicológica do mesmo modo que um físico entende a energia física de um reator atômico. A quantidade de energia é fixa, mas pode ser canalizada de muitos modos diferentes. Nos últimos anos, uma das mais importantes razões para o decréscimo da influência de alguns aspectos da teoria psicanalítica é a de que os cientistas não têm conseguido medir essa "energia psicológica". As três fontes de energia - ou instinto - (1) a sexualidade (às vezes, denominada libido). (2) os impulsos de auto conservação (dor e fome) e (3) a agressão. Posteriormente, Freud associou a agressão ao "instinto de morte". A função da experiência é unir a energia a pessoas, ações, pensamentos e objetos, do mesmo modo que uma pessoa pode ir até um caldeirão de cera em ebulição, separar porções individuais de tiras e ligá-las aos objetos e pessoas, no mundo. Cada porção individual reduziria, numa quantidade determinada, o volume total de cera. De modo semelhante, a energia de ligação com as experiências,reduziria o total de energia disponível à pessoa. O processo pelo qual as fontes de energia são ligadas ou investidas em pensamentos, ações, objetos e pessoas é denominado catéxis. Estrutura psíquica Para a teoria freudiana, a catexis é um processo tão dinâmico e central quanto a equilibração, para a teoria de Piaget. Na teoria piagetiana, o encontro com um acontecimento que não é imediatamente compreensível provoca os processos psicológicos da assimilação, da acomodação e da equilibração. Para Freud, a excitação energética é a força básica que promove a ação. O objetivo é a redução da excitação. Visto que o recém-nascido só possui energia, nasce com apenas uma estrutura psíquica, o id. O id deve ser considerado o reservatório de energia instintiva. À medida que cresce e confere energia às coisas, a criança vai aos poucos desenvolvendo duas estruturas psicológicas derivadas, o ego e o superego. O ego é aquela parte da psique infantil que contém as habilidades, desejos aprendidos, medos, linguagem, sentido de si próprio e consciência. O superego, traduzido simplesmente como consciência, emerge durante os anos pré-escolares. Quando o id, o ego e o superego estão todos em funcionamento, após os 5 ou 6 anos, é preciso que funcionem de modo harmonioso, apesar do fato de que o id demanda a obtenção imediata de prazer e o superego - atuando como uma corte de justiça severa - exige um adiamento do prazer e a manutenção das responsabilidades. A função do ego é atuar como um sábio mediador. Os inevitáveis conflitos entre id, ego e superego constituem as principais fontes de incômodo e tensão, que Freud denominou ansiedade. O ego, através de medidas realísticas, tenta continuamente reduzir a ansiedade. Quando não é bem sucedido, seja porque a ansiedade cresceu muito, seja porque o ego não tem habilidade suficiente para manejá-Ia, desenvolver-se-ão as defesas. Estas podem se transformar em pensamentos e condutas que os psiquiatras rotulam de sintomas. Alguns dos sintomas mais importantes incluem fobias, rituais, obsessões, depressão e agressão. Uma das defesas mais eficientes contra a ansiedade e a repressão, uma tentativa do ego de remover da consciência para o inconsciente as ideias produtoras de ansiedade. Um dos aspectos mais úteis e originais da teoria psicanalítica é o de que os desejos e ideias, mesmo que não disponíveis à consciência, ou seja, mesmo que inconscientes, continuam a influenciar o comportamento da criança. Mais de setenta e cinco anos após Freud ter elaborado o primeiro esboço de sua teoria, a noção de inconsciente permanece como um dos mais poderosos conceitos da Psicologia. Estágios psicanalíticos de desenvolvimento À semelhança de Piaget, Freud também era da opinião de que a criança atravessa estágios. Mas os estágios psicanalíticos não se referem à qualidade do raciocínio e, sim, às zonas corporais mais altamente catexizadas, aos lugares do corpo onde são encontradas as fontes primárias de prazer. Durante a infância, a área ao redor da boca e as atividades da alimentação são catexizadas de energia e o bebê experimenta um grande prazer com a atividade oral. Daí o nome: estágio oral. No decorrer do segundo e terceiro anos de vida, a região anal e as atividades envolvidas na defecação passam a ser catexizadas. A criança experimenta agora uma grande satisfação a partir da estimulação da área do reto, em consequência de suas próprias atividades eliminatórias, e do tato, banho e odor na região anal e de seus produtos. Daí o nome de estágio anal. Durante os anos pré-escolares, são os genitais que passam a ser catexizados como fonte básica de prazer; o nome daí resultante é estágio fálico. Nessa época, a criança inicia seu processo de identificação com o pai de mesmo sexo, devido ao complexo de Édipo. Freud acreditava que a criança, no estágio fálico, tem desejos fantasiosos de afeição sexual pelo pai de sexo oposto. Inconscientemente, a criança tem medo de que o pai de mesmo sexo que o seu venha a saber de seus desejos e fique bravo com ela. A fim de reduzir a ansiedade da possível punição do pai de mesmo sexo, a criança se defende identificando-se com este; um processo similar ocorre com um adulto que se afilia ao grupo que o domina. A identificação da criança fá-Ia adotar os valores do pai de mesmo sexo. Dado que a maior parte desses valores é do tipo "permitido- proibido" pela sociedade, nasce o superego infantil. Devido ao fato de que a força do superego da criança influirá nos tipos de sintomas que mais tarde ela desenvolverá se este for o caso, a intensidade do complexo de Édipo será um determinante fundamental da personalidade adulta. Por último, na adolescência, são os objetos do amor que são catexizados; daí o nome, estágio genital. Se, em qualquer estágio, a catexis é muito forte, a criança se torna fixada, isto é, resiste a passar para o próximo estágio. A fixação pode ocorrer nos casos em que a criança ou obtém excessiva satisfação de desejos ou recebe quase nenhuma gratificação, em determinado estágio de seu desenvolvimento. Observe-se quão passiva e desamparada Freud tornou a criança. Piaget nunca sugeriu que a criança não poderia passar do estágio sensório-motor para o das operações concretas, ou deste para o lógico-formal. Não existe o conceito de fixação na teoria piagetiana, uma vez que ela considera a criança como em constante crescimento. Em contraposição, Freud entendia que experiências ambientais desfavoráveis poderiam impedir a criança de fazer novos progressos em direção à maturidade emocional. É possível fazerem-se predições a respeito da personalidade futura da criança, caso esta se fixe em algum dos estágios iniciais. Supõe-se que a fixação em cada um deles tenha implicações diferentes na formação da personalidade adulta. Foi uma sugestão audaciosa a de que prazer insuficiente ou excessivo, durante o estágio oral, poderia ter efeitos indeléveis na criança e provocar a formação, no adulto, de sintomas tais como o alcoolismo, a depressão e o pessimismo ou o otimismo excessivos. A fixação anal conduz, presumivelmente, à avareza, ou compulsão, agressão e resistência passiva. A pompa, o narcisismo e o gabar-se em excesso derivam de uma fixação no estágio fálico. No momento atual, essas ideias devem ser consideradas hipotéticas, mas sem duvida são imaginativas. Validade da teoria freudiana As ideias de Freud têm todos os principais requisitos exigidos para uma teoria de desenvolvimento da personalidade. Freud inventou um conjunto de conceitos fundamentais, a saber, energia, id, ego, superego, ansiedade e defesas; um conjunto de mecanismos para explicar a passagem de um estágio para o seguinte, ou seja, catexis, fixação, repressão e identificação, é um conjunto de predições teóricas, derivadas das relações entre os conceitos e os mecanismos. A teoria psicanalítica é um bom modelo de como uma teoria deve ser, mesmo que contenha definições pouco precisas para alguns de seus conceitos básicos. A pesquisa e as transformações sociais em nossa sociedade puseram relativamente em dúvida, na última metade do século XX, a validade de certos aspectos da teoria freudiana. As investigações não conseguiram demonstrar que frustração ou prazer excessivos, durante os estágios oral e anal, produzem os sintomas específicos preditos na teoria. Não há evidência, a favor ou contra, de que os pacientes suicidas estejam fixados no estágio oral nem de que os adultos negativistas ou avaros estejam fixados no estágio anal. Além dessas previsões, a teoria freudiana antecipa que a diminuição da ansiedade relativa à sexualidade deve inevitavelmente conduzir a um aumento da felicidade e a uma redução das defesas neuróticas. Embora tenha havido, nos últimos 20 anos, um acentuado incremento da sexualidade não ansiógena na América contemporânea ainda há uma quantidade considerável de indivíduos ansiosos e em conflito com respeito a comprometer-se
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