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1 FEPAM Centro Universitário de Patos de Minas Professor Orientador: Luiz Henrique Borges Varella A Fundamentação das Decisões Judiciais no Novo Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015 “Todo homem investido de poder é tentado a abusar dele”. (Montesquieu) Gabriel Batista Rodrigues Maio/2015 2 Sumário A FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS COMO GARANTIA FUNDAMENTAL – FATOR DE LEGITIMAÇÃO DO PODER JURISDICIONAL. ......................................................... 3 FUNÇÃO ENDOPROCESSUAL E EXTRAPROCESSUAL DA MOTIVAÇÃO DOS PRONUNCIAMENTOS JURISDICIONAIS ....................................................................................... 4 FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES NO NCPC: INCONFORMISMO DA MAGISTRATURA NACIONAL E PEDIDOS DE VETO. .................................................................................................. 5 SISTEMAS DE VALORAÇÃO DAS PROVAS – ALTERAÇÃO IMPLEMENTADA PELO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ......................................................................................... 7 I - Critério Positivo ou Legal ............................................................................................................ 8 II - Livre Convicção ou Julgamento de Acordo com a Consciência ......................................... 8 III - Persuasão Racional do Juiz ou o Livre Convencimento Motivado (Art. 131 do CPC/73) ............................................................................................................................................................. 9 LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO: SERÁ ENTERRADO JUNTO COM O CPC/73? ... 10 FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES NO CPC DE 1973 .......................................................... 12 INOVAÇÃO/ALTERAÇÃO TRAZIDA PELO NCPC ...................................................................... 13 PRECISAMOS DE REGRAS SOBRE A FUNDAMENTAÇÃO DE DECISÕES? ..................... 14 FIM DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO E IMPLEMENTAÇÃO DA PONDERAÇÃO? CONTRADIÇÃO INSANÁVEL? (ART. 489, §2°) ........................................................................... 15 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO: GAMBIARRA HERMENÊUTICA? JEITINHO BRASILEIRO? (CRÍTICAS À SUA MANUTENÇÃO NO NOVO CPC) ...................................... 17 CONCLUSÃO ..................................................................................................................................... 18 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 20 3 A FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS COMO GARANTIA FUNDAMENTAL – FATOR DE LEGITIMAÇÃO DO PODER JURISDICIONAL. À margem da importância dispensada à fundamentação das decisões judiciais, este dever somente alcançou o status de garantia fundamental do cidadão na década de oitenta, com a promulgação de nossa Constituição. Em que pese o tardio reconhecimento desta garantia Constitucional, não implica dizer que antes da promulgação de nossa Lex Mater nossos magistrados não detinham o dever de apresentar as razões que consubstanciavam suas decisões. É de longa data este dever atribuído à magistratura nacional, de modo que, desde as Ordenações Filipinas 1 , vigente na primeira metade do século XIX, até o regulamento 737 2 de 1850, passando ainda pelos códigos de processo estaduais e o código de processo civil de 1939, observa-se a obrigação de fundamentar as decisões judiciais. A legitimidade democrática de nosso Judiciário se manifesta na aceitação e respeito de suas decisões pelos demais “poderes”/funções por ele fiscalizados e, principalmente, pela opinião pública 3 , motivo pelo qual todos os seus pronunciamentos devem ser públicos e devidamente fundamentados, conforme se verifica do comando contido no artigo 93, inciso IX da Constituição da República, in verbis: Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as 1 Ordenações Filipinas, Título III, Livro LXVI, §7°, primeira parte: “E para as partes saberem se lhes convém apelar, ou agravar das sentenças (sic) definitivas, ou vir com embargo a ellas, e os Juízes da mor alçada entenderem melhor os fundamentos, por que os Juízes inferiores se movem a condenar, ou absolver, mandamos que todos nossos Desembargadores, e quaisquer outros Julgadores, ora seja Letrados, ora não sejam, declarem specificamente em suas sentenças definitivas, assim na primeira instância, como no caso de apellação; ou agravo ou revista, as causas, em que se fundaram a condenar, ou absolver, ou a confirmar, ou revogar”. 2 A título de curiosidade, o regulamento 737 foi a primeira norma genuinamente brasileira a determinar a obrigatoriedade da fundamentação das decisões judiciais, prevendo em seu artigo 232 que “a sentença deve ser clara, sumariando o juiz o pedido e a contestação com os fundamentos respectivos, motivando com precisão o seu julgado, e declarando sob sua responsabilidade a lei”. 3 Conforme ressalta Henry Abraham: “as decisões que contrariam o consenso geral simplesmente acabam não perdurando” 4 decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; Neste sentido, é dever inescapável do Poder Judiciário fundamentar suas decisões, o que se constitui garantia das partes e da própria sociedade como instrumento de controle do exercício da função jurisdicional. Somente por meio dela (fundamentação) que todos os cidadãos poderão ter condições de verificar se o juiz decide com imparcialidade e com conhecimento da causa. Em síntese, conforme magistério de Sérgio Noriji: “no Estado Democrático de Direito, em que o exercício do poder é limitado, não há espaço para exercentes de funções públicas irresponsáveis. Não há lugar para tiranos. Dessa forma, o juiz não pode ser visto como o “senhor” do processo. A despeito de expedir ordens, o magistrado tem o dever de se pautar por um critério objetivo fundamental em sua conduta: a lei. Além disso, deve justificar a decisão tomada, através de motivadas razões e serem amplamente expostas a quem tiver interesse em conhecê-las”.4 FUNÇÃO ENDOPROCESSUAL E EXTRAPROCESSUAL DA MOTIVAÇÃO DOS PRONUNCIAMENTOS JURISDICIONAIS Em sua origem, o dever de fundamentação das decisões judiciais se deu em benefício das partes e do juiz (controle endoprocessual). Entretanto, observou-se ainda que esta nuance do dever de fundamentação não era 4 NORIJI, Sérgio. O dever de fundamentar as decisões judiciais. São Paulo: RT, 1999. 5 suficientemente forte para abraçar uma necessidade geral de fundamentação das decisões. O provimento jurisdicional não surte efeitos apenas para os participantes do processo, extrapolando os limites do processo e sendo incorporada no mundo jurídico. Logo, a fundamentação de uma decisão poderá servir de argumento para outra, na solução de casos semelhantes. Desta maneira, percebeu-se que ao Poder Judiciário seria necessário este aporte hierárquico do povo, sendo que oscidadãos em geral somente têm a possibilidade de controlar a atividade dos juízes se os seus pronunciamentos forem públicos e motivados – eis o controle extraprocessual. Quanto à fundamentação da decisão direcionada às partes litigantes, destaca-se um viés persuasivo da fundamentação dada pelo magistrado. A ratio decidendi teria o escopo de demonstrar, notadamente ao perdedor da contenda, a bondade, precisão e justiça da decisão proferida. Extraprocessualmente convém fundamentar as decisões por três motivos. O primeiro deles é a de verificar se todos os direitos e garantias das partes foram observados e respeitados pelo Estado-Juiz. O segundo motivo dispõe que, é através da motivação que os juízes podem demonstrar que suas razões de decidir são suficientemente válidas e boas no intuito de aceitá-las como coerentes com o ordenamento vigente. Somente com a apresentação das razões de decidir que se pode verificar que a sentença mostra que responde a critérios que guiam o ordenamento jurídico. Por fim, a terceira razão para a fundamentação das decisões e seu controle extraprocessual refere-se ao fator de racionalização da jurisprudência. Conforme já dito, a sentença prolatada nos autos de determinado processo extrapolará os limites do mesmo, atravessando suas barreiras e incorporando-se no mundo jurídico, servindo de fonte argumentativa para outras decisões em casos semelhantes. FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES NO NCPC: INCONFORMISMO DA MAGISTRATURA NACIONAL E PEDIDOS DE VETO. 6 A Associação dos Magistrados do Brasil – AMB, a Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE e a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho – ANAMATRA, ignorando a importância da fundamentação dos pronunciamentos jurisdicionais, pugnaram pelo veto dos arts. 12, 153, parágrafos 1°, 2° e 3° do art. 489, §1° do art. 927 e artigo 942, do NCPC. A AMB se justifica em seu site aduzindo que, “(...) a preocupação é com o impacto que esses itens vão causar no congestionamento da justiça. Atualmente, temos quase 100 milhões de processos em tramitação no país. Cada magistrado julga, em média, 1,5 mil processos por ano. O judiciário está no limite (...)”. Ademais, as entidades citadas alhures informam que tais dispositivos “(...) terão impactos severos, de forma negativa, na gestão do acervo de processos, na independência pessoal e funcional dos juízes e na própria produção de decisões judiciais em todas as esferas do país, com repercussão deletéria na razoável duração dos feitos (...)”. Ainda, justificando os pedidos de veto, em especial aos que abordam o dever de fundamentação das decisões judiciais, afirma Paulo Luiz Schmidt, Presidente da ANAMATRA, que "(...) o Poder Legislativo não pode ditar ao Poder Judiciário como deve interpretar a Constituição. Esse papel cabe sumamente ao próprio Judiciário; e, em derradeira instância, ao Supremo Tribunal Federal, guardião constitucional da Carta Maior (...)”. Em que pese o clamor da comunidade de magistratura, os pedidos de veto não foram atendidos, sendo a sanção presidencial dos referidos dispositivos elogiada pela comunidade jurídica (incluindo alguns magistrados). As vozes contrárias ao referido dispositivo certamente confundiram decisão fundamentada com decisão prolixa. O novo CPC, ao fixar padrões mais severos para a fundamentação das decisões, não exigiu dos magistrados a elaboração de decisões extensas, recheadas de citações doutrinárias e jurisprudências. A charge retrata de forma humorada a infeliz realidade encontrada em nosso país. Em virtude da grande demanda de nosso Poder Judiciário, nossos magistrados acabam lançando mão de verdadeiros formulários/modelos de decisão. 7 Sem dúvidas este dispositivo trará mais trabalho àqueles juízes que não dão a devida atenção à fundamentação de suas decisões, porém, aos que desde sempre observaram esta imposição, neste particular o NCPC não os afetará! O dever de fundamentação já se encontrava positivado no ordenamento jurídico antes da entrada do NCPC, entretanto, nossos juízes, utilizando verdadeiras maquiagens argumentativas, “relativizam” este dever, colacionando aos autos verdadeiros formulários sentenciais. Não é preciso que o indivíduo seja detentor de um notável saber jurídico para afirmar que decisões que não observem todos os argumentos que, em tese, poderiam influenciar no resultado do litígio, não seja uma decisão fundamentada, bem como que uma sentença que se prestaria a resolver qualquer outra contenda deveria ser anulada. Tudo isso são obviedades implementadas pelo NCPC, as quais foram questionadas pelas citadas associações de magistrados que solicitaram o veto presidencial. Se as referidas associações temem que estas imposições instalem um caos em nosso Judiciário, certamente nos já estamos nele! Conforme magistério de Lúcio Delfino, “(...) a verdade é que nem deveríamos necessitar de um dispositivo legal que ensine o julgador a exercer adequadamente seu dever constitucional. Mas a crueza da realidade forense obrigou o legislador a ser excessivamente didático (...)”. SISTEMAS DE VALORAÇÃO DAS PROVAS. Em síntese, nosso procedimento probatório se divide em três fases, quais sejam: (I) proposição da prova, (II) admissão da prova e (III) produção da prova. Na primeira fase o autor propõe a produção da prova na petição inicial e o réu na contestação, ambos com o objetivo de reunir elementos de convicção aptos demonstrar ao juiz a veracidade de suas alegações. Podem estas provas serem admitidas ou não pelo juiz, haja vista ter este a faculdade de indeferir provas com manifesto caráter protelatório ou que resultem inúteis, o que se fará na segunda fase do procedimento probatório. Na terceira fase, por óbvio, as provas serão produzidas e exteriorizadas no processo. 8 Com os elementos probatórios à sua disposição, passará o juiz a avalia-las e valora-las, impingindo-lhes maior ou menor importância, sempre fundamentando os motivos que formaram sua decisão. Nossa Doutrina enumera três sistemas de valoração das provas: I - Critério Positivo ou Legal Neste sistema de valoração da prova, seu valor já é preestabelecido, tarifado, valor do qual não há como o magistrado fugir. Regras legais estabelecem os casos em que o juiz deve considerar provado, ou não, um fato. Na lição de Moacyr Amaral dos Santos: “(...) No sistema da prova legal, a instrução probatória se destinava a produzir a certeza legal. O juiz não passava de um mero computador, preso ao formalismo e ao valor tarifado das provas, impedido de observar positivamente os fatos e constrangido a dizer a verdade conforme ordenava a lei que o fosse (...)”. O CPC/73 não adotou esse princípio, salvo em raras hipóteses, como a do art. 366 (art. 406 5 do NCPC) que atribui valor pleno e exclusivo ao instrumento público, quando ele for da substância do ato. Trata-se de prova em que o magistrado não pode convencer-se com base em prova testemunhal ou pericial, sendo de rigor a apresentação do instrumento público. II - Livre Convicção ou Julgamento de Acordo com a Consciência Permite ao juiz julgar livremente de acordo com o que lhe parece mais correto, ainda que inexistam provas capazes de subsidiar seu entendimento ou ainda que as encontre em sentido contrário. O juiz é soberanamente livre quanto à indagação da verdade e apreciação das provas. O magistrado não precisa fundamentar sua decisão, que será proferida conforme sua consciência.5 Art. 406. Quando a lei exigir instrumento público como da substância do ato, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta. 9 Percebe-se este sistema nos julgamentos capitaneados pelo júri popular, onde os jurados decidem secretamente e sem a devida fundamentação 6 . III - Persuasão Racional do Juiz ou o Livre Convencimento Motivado (Art. 131 do CPC/73) Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento. (g.n.) O juiz irá apreciar livremente a prova, contudo, afastando-se de suas impressões pessoais, decidindo de acordo com os elementos de convicção constantes nos autos, ponderando sobre a força e a qualidade de cada prova. Este sistema veio com a manifesta intenção de afastar o extremado rigor da prova tarifada, bem como rechaçar a arbitrariedade do julgamento conforme a consciência. Convém colacionar o pronunciamento do Ministro Humberto Gomes de Barros no AgReg 279.889-AL, onde podemos perceber com muita clareza como funciona o Livre Convencimento Motivado na práxis. Senão, vejamos: "Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. O pensamento daqueles que não são Ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles, porém, não me submeto. Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. É 6 O Tribunal do Júri é alvo de várias críticas, haja vista ser um órgão composto por jurados advindos do povo, os quais, na maioria dos casos, julgam de acordo com o senso comum, sem conhecimento de causa e sem a devida imparcialidade. Nelson Hungria afirma que o Tribunal Popular se exime do “imperativo categórico da convocação dos capazes, persistindo em oficializar o culto da incompetência”. 10 preciso consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse é o pensamento do Superior Tribunal de Justiça, e a doutrina que se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos aprendizes de ninguém. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente assumimos a declaração de que temos notável saber jurídico - uma imposição da Constituição Federal. Pode não ser verdade. Em relação a mim, certamente, não é, mas, para efeitos constitucionais, minha investidura obriga-me a pensar que assim seja". (g.n.) LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO: SERÁ ENTERRADO JUNTO COM O CPC/73? Conforme exposto, impera no direito processual hodierno o sistema do livre convencimento motivado, o qual encontra sustentáculo no art. 131 do CPC/73. Ocorre que no texto do novo Código de Processo Civil, inexiste qualquer correspondente, gerando acesos debates no tocante à manutenção ou não deste princípio. Como um dos defensores da manutenção deste princípio no ordenamento jurídico brasileiro temos o Professor e Doutor em Direito Processual Civil Fernando da Fonseca Gajardoni. Argumenta o jurista que “(...) o fato de não mais haver no sistema uma norma expressa indicativa de ser livre o juiz para, mediante fundamentação idônea, apreciar a prova, não significa que o princípio secular do direito brasileiro deixou de existir (...)”. Ainda, alega que o livre convencimento motivado “(...) foi concebido como antídoto eficaz e necessário para combater os sistemas da prova legal e do livre convencimento puro, suprimidos do ordenamento jurídico brasileiro, como regra 11 geral, desde os tempos coloniais (...)”, e que por este motivo deveria permanecer em plena aplicação. Além disso, Gajardoni afirma que é “absolutamente simples” a razão desta aberração supostamente não ter sido retirada de nosso Código de Processo Civil, uma vez que “(...) o princípio do livre convencimento motivado jamais foi concebido como método de (não) aplicação da lei; como alforria para o juiz julgar o processo como bem entendesse; como se o ordenamento jurídico não fosse o limite (...)”. O fato é que a comunidade jurídica em peso aponta para o fim deste princípio, comemorando a morte do livre convencimento motivado, e aplaudindo o novo Diploma Processual neste sentido. Como exemplo, o ilustre jurista Lenio Luiz Streck, com a clareza que lhe é peculiar, assim se pronunciou a respeito da temática: “(...) Depois de muita discussão, o relator do Projeto, deputado Paulo Teixeira, aceitou minha sugestão de retirada do LC. Considero isso uma conquista hermenêutica sem precedentes no campo da teoria do direito de terrae brasilis. O Projeto, até então, adotava um modelo solipsista stricto sensu: veja-se que o artigo 378 falava que “O juiz apreciará livremente a prova...”. Já o artigo 401 dizia que “A confissão extrajudicial será livremente apreciada...”. E no artigo 490 lia-se que “A segunda perícia não substitui a primeira, cabendo ao juiz apreciar livremente o valor de uma e outra”. Portanto, todas as expressões que tratavam do LC foram expungidas do NCPC. O LC passou a ser um apátrida gnosiológico (...)”. Ademais, aduz o jurista e professor que, ainda que cristalina a vontade do legislador em extirpar de nosso ordenamento o princípio em estudo, caso algum juiz insista em utilizá-lo argumentando que, mesmo ausente no NCPC, tem ele 12 livre convencimento, deverá ser invocada a interpretação histórica, demonstrando ao nobre magistrado a verdadeira intenção de nosso legislador. Posto isto, o juiz não possui mais o livre convencimento para apreciar as provas constantes nos autos, ainda que posteriormente expresse os motivos de sua convicção, dando termo a um cenário condizente com o solipsismo judicial 7 . FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES NO CPC DE 1973 Antes de estudarmos a inovação trazida pelo CPC de 2015, necessário se faz observar em quais artigos encontra-se prevista esta importante garantia concedida às partes e à comunidade, o que nos possibilitará verificar a magnitude da alteração trazida pelo CPC de 2015. Nosso CPC de 1973, se comparado ao recentemente aprovado, foi tímido ao normatizar sobre a sentença e seus fundamentos, estabelecendo em seus Capítulos IV e VIII que: Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento. Art. 165. As sentenças e acórdãos serão proferidos com observância do disposto no art. 458; as demais decisões serão fundamentadas, ainda que de modo conciso. Art. 458. São requisitos essenciais da sentença: I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; 7 “Teoria segundo a qual a consciência à qual se reduz todo o existente é a consciência própria, meu “eu só” (solo ipse)”. Dicionário de Filosofia, José Frerrater Moura, editora Loyola. 13 II - os fundamentos,em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes Ihe submeterem. Entretanto, conforme veremos mais adiante, nosso novo Código de Processo Civil incorporou algumas obviedades aos artigos que disciplinam a fundamentação das decisões judiciais, levantando dúvidas quanto a necessidade ou a prescindibilidade destas disposições. INOVAÇÃO/ALTERAÇÃO TRAZIDA PELO NCPC Diferentemente do que fora observado no CPC/73, nosso legislador de 2015 foi além ao tratar do dever de fundamentação. Em verdade, o NCPC não revolucionou esta garantia ou a inovou, de modo que as alterações apenas reforçam o que já havia sido estatuído por nossa Constituição. O fato é que, devido os avanços ocorridos nos últimos tempos, não se pode tolerar fundamentações simuladas, argumentações de fachada, as quais não solucionam o conflito existente, bem como não possibilitam às partes a ciência dos motivos que induziram determinada tomada de posição. É neste cenário que o legislador ordinário inseriu os seguintes dispositivos: Art. 489. Omissis § 1 o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; 14 III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. § 2 o No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão. PRECISAMOS DE REGRAS SOBRE A FUNDAMENTAÇÃO DE DECISÕES? Após breve leitura dos dispositivos colacionados alhures, em especial ao §1° do art. 489 e seus respectivos incisos, indaga-se se essas regras de fundamentação deveriam constar em nosso Diploma Processual. Afinal, algum operador do Direito discorda que, uma decisão que invocar motivos que se prestariam a fundamentar qualquer outra decisão, é uma decisão carente de fundamentação? Ainda, existem dúvidas quanto a nulidade de uma decisão que empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso? A resposta em ambos os casos certamente é negativa! 15 Embora isso pareça claro, existem inúmeros julgados dos Tribunais anulando decisões omissas sobre fundamentos que, se considerados, poderiam direcionar o julgamento para resultado diverso. Sabemos que o ser humano é imperfeito e por isso, e não apenas em virtude disto, nós temos o Direito. Além do mais, se fossemos imunes a falhas, perfeitos, talvez o Direito fosse até desnecessário, desprezível. O reconhecimento da imperfeição humana possui reflexos em todos os cantos, e no nosso Direito não seria diferente. Vejamos as regras processuais por exemplo: caso confiássemos na infalibilidade dos juízes certamente as regras relativas à fundamentação das decisões seriam diferentes, ou sequer existiriam. A exigência de que a jurisprudência seja integra decorre também desta ideia. Nossos juízes não se encontram sozinhos no mundo e, por isso, devem compreender o que se produz na jurisprudência, devendo segui-la ou, se divergir, indicar os motivos. Alguns autores afirmam que tal disposição (art. 489, §1°, incisos) seria desnecessária, uma vez que o dever de fundamentação das decisões já se encontra estabelecido em nossa Constituição Federal (art. 93, IX). O fato é que nossa Constituição não define ou esmiúça o dever de motivação das decisões judiciais, o que fica a cargo do labor desenvolvido pela Doutrina e pela Jurisprudência. Portanto, é louvável a atitude tomada pelo NCPC ao acrescentar as referidas “regras”, de modo que, se não forem expressas, serão insistentemente desrespeitadas. FIM DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO E IMPLEMENTAÇÃO DA PONDERAÇÃO? CONTRADIÇÃO INSANÁVEL? (ART. 489, §2°) Art. 489, § 2º No caso de colisão entre normas,o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão. 16 Conforme vimos, o Código de Processo Civil fora alvo de alterações salutares. Contudo, com a implementação do §2° do art. 489, todos os avanços conquistados no tocante à fundamentação das decisões corre sério risco de se esvaírem na discricionariedade concedida aos magistrados por intermédio do dispositivo legal supracolacionado. O dispositivo em estudo é de uma atecnia assustadora, podendo trazer aos jurisdicionados prejuízos sem precedentes! Primeiramente, nosso legislador fala em colisão entre normas. Sabemos que, na linguagem jurídica, regras e princípios são espécies do gênero norma, de modo que, existindo a colisão entre duas normas regra, aplica- se uma em detrimento de outra (“tudo ou nada”), utilizando o Estado-Juiz a técnica da subsunção, aplicando a regra ao caso concreto. Diferentemente do que ocorre na colisão entre duas normas regra, quando o ente julgador se deparar com a colisão entre duas normas princípio, deverá se valer da famigerada e defeituosa técnica da ponderação, a qual, em tese, possui o condão de resolver este problema hermenêutico. Lenio Luiz Streck critica veementemente este “Frankenstein Jurídico” argumentando que: “(...) de um lado, ganhamos excluindo o livre convencimento do novo CPC; de outro, poderemos perder, dando poderes ao juiz de dizer: aqui há uma colisão entre normas (quando todos sabemos que regras e princípios são normas); logo, se o juiz alegar que “há uma colisão entre normas” (sic), escolhe a regra X ou o princípio Y. Bingo: e ali estará a decisão. E tudo começará de novo. Teremos perdido 20 anos de teoria do direito (...)”. Ainda, duras críticas sofreu a previsão da Ponderação como técnica de solução de conflitos entre normas. O fato é que esta técnica é demasiadamente complexa, de modo que dificilmente alcançaremos a correta aplicação deste instituto. 17 Para termos uma ideia, Fausto de Moraes mostra em tese doutoral que a nossa Suprema Corte, nas quase duzentas vezes que lançou mão da ponderação nos últimos dez anos, em nenhum dos casos o fez nos moldes propostos por seu criador alemão, Robert Alexy 8 . Aliás, o resultado deste estudo não poderia ser diferente. Vejamos a fórmula elaborada pelo jurista alemão para o exercício da Ponderação: Fórmula-Peso elaborada por Robert Alexy. É por meio dela que se opera a Ponderação. É evidente que o nosso legislador, ao mencionar a técnica da Ponderação, não se referia ao modelo criado pelo referido jurista alemão. Lenio Luiz Streck novamente condena a alteração promovida pelo NCPC: “(...) É disso que trata o novo CPC? Ou é deuma ponderação tupiniquim de que fala o legislador? Uma ponderação fake? Uma gambiarra hermenêutica? Uma ponderação “tipo-o-juiz-escolhe-um-dos-princípios-ou- regras-em-colisão” e...fiat lux, eis-aí-o-resultado- ponderativo? Parece, assim, que a ponderação do novo CPC está a quilômetros-luz do que propõe Alexy (...)” Em resumo, se até a presente data a ponderação era utilizada casuisticamente pelo senso comum jurídico, ampliando a discricionariedade dos julgadores, agora, com sua previsão no NCPC, o grau de decisionismo judicial no país aumentará drasticamente, haja vista o consequente descontrole sobre a subjetividade das decisões. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO: GAMBIARRA HERMENÊUTICA? JEITINHO BRASILEIRO? (CRÍTICAS À SUA MANUTENÇÃO NO NOVO CPC) 8 No caso Ellwnager (HC 82.424/RS) dois ministros ponderaram e chegaram a resultados completamente diferentes! Um concedeu a ordem; o outro, denegou. O problema é que não se pode precisar quanto valeu cada um dos princípios ponderados. 18 Conforme já explicitado, uma decisão que não observe a imposição constitucional contida no art. 93, IX é uma decisão nula e, portanto, morta logo em seu nascedouro. Ignorando nossa Constituição Federal, o legislador ordinário criou o instituto dos Embargos de Declaração, o qual possui a finalidade de sanar eventuais omissões, contradições ou obscuridades de determinada decisão, as quais não configuram atos judiciais adequadamente fundamentados. Ou seja, os Embargos de Declaração ressuscitam uma decisão mal fundamentada ou, até mesmo, infundamentada, fazendo tabula rasa com a norma constitucional em estudo, o que é insustentável! Não restam dúvidas que os Embargos de Declaração apenas institucionalizam a possibilidade de as decisões judiciais serem mal (ou não) fundamentadas! Ademais, além da faceta “corretiva” dos Embargos de Declaração, tem-se que este também são amplamente utilizados no cotidiano forense como ferramenta protelatória, sendo interposto em desfavor se decisões que observem detidamente este dever de fundamentação. O número de Embargos de Declaração apreciados por nossos Tribunais são assustadores, avolumando o já abarrotado número de feitos a serem apreciados por nosso Poder Judiciário, contribuindo com sua morosidade. Portanto, os Embargos de Declaração somente trouxeram efeitos deletérios à nossa ordem jurídica, estimulando a inobservância do texto constitucional. CONCLUSÃO Analisando nosso ordenamento jurídico, verifica-se que o dever de fundamentação das decisões não é jovem, encontrando-se esta imposição desde as Ordenações Filipinas (início do séc. XIX). Contemporaneamente, ainda que inserido em nossa C.R, em seu artigo 93, IX, o dever de fundamentação das decisões não vem sendo observado por boa parte de nossos magistrados, tendo como principal motivo o grande volume de trabalho. 19 Entretanto, não podem as partes serem prejudicadas pela ineficiência do Estado, devendo estas receberem o provimento jurisdicional dentro de um prazo razoável, e devidamente fundamentado. Não restam dúvidas que as alterações trazidas pelo NCPC trabalham neste sentido, buscando reduzir o tempo que as partes aguardam a solução do litígio em juízo, bem como primando pela devida fundamentação das decisões judiciais. Ademais, o dever de fundamentação das decisões ganha destaque com a expressa previsão do Princípio da Cooperação, consubstanciado no art. 6° do novo Código de Processo Civil. Senão, vejamos: "Art. 6° - Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva." Conforme ensinamentos de Thiago Rodrigues: “Este princípio impõe às partes e a todos que participam do processo o dever de buscar, solidariamente, o resultado justo e célere do processo, devendo o magistrado, sem quebrar a indispensável imparcialidade ou prejulgar a causa, informar e dialogar com as partes. Atento ao princípio da cooperação cumpre ao magistrado, sempre de forma polida, ouvir ativa e igualmente todos os atores envolvidos, com eles dialogando acerca do bom andamento e riscos processuais, sem quebrar a imparcialidade ou prejulgar a causa”.9 É evidente que a mera previsão de regras para a fundamentação das decisões no texto do novo CPC, por si, não promoverão mudanças significativas, sendo mister a colaboração de toda a comunidade jurídica, principalmente aos atores processuais a que a norma se destina diretamente, os juízes. 9 Rodrigues, Thiago. Princípio da Cooperação. pág. 05. 20 REFERÊNCIAS Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 2013, 9ª edição, Editora Atlas S.A. Autor: Alexandre de Morais Curso de Direito Processual Civil, vol. 2, 2012, 7ª edição, Editora JusPodivm. Autores: Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga, Rafael Oliveira. Teoria Geral e Processo de Conhecimento (1ª parte), 2014, 11ª edição, Editora Saraiva. Autor: Marcus Vinicius Rios Gonçalves. Fundamentos da Decisão no Novo CPC – O Contraditório Forte e os Precedentes, 2014, Paco Editorial. Autor: Vinícius Nascimento Cerqueira. http://www.conjur.com.br/2015-mar-19/senso-incomum-dilema-dois-juizes- diante-fim-livre-convencimento-ncpc. http://jota.info/o-livre-convencimento-motivado-nao-acabou-no-novo-cpc. http://justificando.com/2015/04/13/a-expulsao-do-livre-convencimento- motivado-do-novo-cpc-e-os-motivos-pelos-quais-a-razao-esta-com-os- hermeneutas/ http://www.ferrazassociados.jex.com.br/genesio+andrade/precisamos+de+r egra+sobre+fundamentacao+de+decisoes+ http://www.unifacs.br/revistajuridica/arquivo/edicao_dezembro2005/espacol ivre/espaco_livre.htm http://www.conjur.com.br/2015-jan-08/senso-incomum-ponderacao- normas-cpc-caos-dilma-favor-veta
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