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de inadequada, dava origem a uma série de distorçôese preconceitos ~ no que se refere à abordagem crítica da literatura. Os formalistas estabeleceram um conceito deforma que integra tanto os procedimentos e recursos construtivos da linguagem como a própria escolha dos temas a serem tratados pelo artista, a partir do uso de tal ou qual recurso ou procedimento linguístico. Isso equivale a dizer que, em arte e literatura, o assunto ou tema não pode ser dissociado do conjunto de procedimentos construtivos queq constituem e o singularizam numa determinada obra, e vice- versa. Segundo Eikhenbaum, Chklovski demonstrou, num estudo sobre a teoria do enredo e do romance, "a existência de procedimentos próprios para a composição e sua ligação com procedimentos estilísticos gerais,baseando-se em exemplos muito diferentes: contos, novelas orientais, Dom Quixote de Cervantes, Tolstoi, Tristram Shandy de Sterne" (EIKHENBAUM, 1976, p. 16). A afirmação da existência de procedimentos próprios para a composição da trama narrativa (enredo) possibilitou que os formalistas deslocassem a concepção da trama narrativa (enredo), que era tradicionalmente concebida como combinação de vários motivos (unidades temáticas), para uma visão que a concebe como combinação de elementos de elaboração. Assim, a noção de trama adquirira um novo sentido, sem todavia coincidircomanoçãode fábula [a história contada em uma narrativa] e as duas regras de composição [a fábula e a trama] entraram logicamente na esfera do estudo formal enquanto qualidades intrínsecas das obras literárias (EIKHENBAUM, 1976, p. 17). Eikhenbaum (1976) destaca, ainda, nesse estudo de Chklovski, a importância da noção de motivação para o estudo do romance e, acrescentaríamos nós, para o estudo da narrativa. A motivação pode ser definida como a articulação, em um sistema marcado pela unidade estética, de motivos que constituem a temática de uma obra. Segundo Eikhenbaum, A descoberta de diferentes procedimentos utilizados ao longo da construção do enredo (a construção em plataformas, o paralelismo, o "cnquadrarnento", a enumeração etc.) nos levou a conceber a diferença entre os elementos da construção de uma obra e os elementos que formam o seu material: a fábula, a escolha dos motivos, as personagens, as ideias etc. [...] A noção de motivação ofereceu aos formalistas a possibilidade de se aproximar mais das obras literárias, em particular do romance e da novela, e de observar os o detalhes de construção (EIKHENBAUM, 1976, p. 20). Chklovski (1976) define afábula como descrição dos acontecimentos de uma narrativa e a trama como a elaboração desses acontecimentos e sua disposição numa narrativa. Correndo o risco de apresentar uma definição redutora, podemos dizer que a fábula compreende a história contada em uma narrativa, ao passo que a trama compreende o modo como tal história é construída e organizada sob a forma de narrativa. A fábula é, portanto, "um material que serve à construção da trama" (CHKLOVSKI, 192L,,·- ..· apud EIKHENBAUM, 1976, p. 22). Tomachevski retoma em "Temática", ensaio escrito em 1925, as noções defábula, trama.ímotioo e motivação, para investigar a relação entre a escolha do tema e a permanência, ao longo do tempo., ,- THOMAS"BoNNICI/ LÚCIA OSANA ZOLlN (ORGANIZADORES) - 119 A noção de tema é uma noção sumária que une a matéria verbal da obra. A obra inteira pode ter seu tema, ao mesmo tempo que cada parte da obra. A decomposição da obra consiste em isolar suas partes caracterizadas por uma unidade temática específica. [...]. Através desta decomposição da obra em unidades temáticas, chegamos enfim às partes indecompostas, até às pequenas partículas do material temático: "a noite caiu", "Raskolnikov matou a velha", "o herói morreu", "uma carta chegou" etc. O tema desta parte indecomposta chama-se um motivo. No fundo, cada proposição possui seu próprio motivo. [...]. Os motivos combinados entre si constituem o apoio temático da obra. Nesta perspectiva, a fábula aparece como o conjunto dos motivos em uma sucessão cronológica de causa e efeito; a trama aparece como o conjunto desses mesmos motivos, mas na sucessão em que surge dentro da obra. No que concerne à fábula, pouco importa que o leitor tome conh'ecimento de um acontecimento nesta ou naquela parte da obra e que este acontecimento lhe seja comunicado diretamente pelo autor, através do escrito de um personagem ou através de alusões marginais. Inversamente, só a apresentação dos motivos participa da trama. Um fato qualquer não inventado pelo autor pode servir-lhe como fábula. A trama é uma construção inteiramente artística (TOMACHEVSKI, 1976, p. 173-174). 0R A N C o J UNI O R1do interesse por determinadas obras literárias. Segundo ele, o "tema apresenta uma certa unidade. É constituído de pequenos elementos temáticos dispostos numa certa ordem" (TOMACHEVSKI, 1976, p. 172). Tais elementos que constituem o tema são os motivos, definidos como unidades temáticas mínimas (TOMACHEVSKI, 1976, p. 177). Uma vez mais, note-se, o Formalismo diyerge de concepções características da tradição acadêmica dos estudos literários dominantes nas primeiras décadas do século XX. O que explica a sobrevivência de determinadas obras literárias ao longo do tempo e em contextos socioculturais e políticos distintos não é a simples escolha do tema pelo autor ou sua suposta atualidade para o interesse do leitor, mas o modo como tal tema é elaborado na construção da trama narrativa. Eis o que explica que, apesar de apresentarem o(s) mesmo(s) tema(s), certas obras sobrevivam à passagem do tempo e à transplantação para contextos culturais diversos dos que lhe deram origem, e outras morram no esquecimento. Se a fábula é o material de que se alimenta a trama, é preciso estudar os procedimentos específicos de composição da trama - o que, se não impõe, sugere uma revisão das bases tradicionais que sustentavam a história e a teoria do romance e da narrativa. Vejamos como Tomachevski define o conceito de motivação: O sistema de motivos que constituem a temática de uma obra deve apresentar uma unidade estética. Se os motivos ou o complexo de motivos não são suficientemente coordenados na obra, se o leitor fica insatisfeito com as ligações entre esse complexo e a obra inteira, dizemos que este complexo não se integra na obra. Se todas as partes da obra são mal coordenadas, esta se dissolve. Eis por que a introdução de todo motivo particular ou de cada conjunto de motivos deve ser justificada (motivada). O sistema de procedimentos que justifica a introdução dos motivos particulares e seus conjuntos chama-se "motivação" (TOMACHEVSKI, 1976, p. 184). 120 - T E O R I A LITERÁRIA Segundo Tomachevski (1976), há três tipos distintos de motivação, a saber: motivação composicional, motivação realista e motivação estética. A motivação composicional é regida por um princípio de economia e utilidade dos motivos. Como os motivos podem tanto caracterizar as ações das personagens, constituindo os episódios, como os objetos colocados no campo visual do leitor (os acessórios), é preciso que sua utilização tenha um caráter funcional. "Nenhum acessório deve ficar inutilizado pela fábula. Tchekov pensou na motivação composicional dizendo que, se no início da novela diz-se que há um prego na parede, é justamente neste prego que o herói deve se enforcar" (TOMACHEVSKI, 1976, p. 184-185). Há outros dois casos de motivação composicional, a saber: a introdução de motivos como procedimentos de caracterização e a falsa motivação. No primeiro caso, os motivos introduzidos devem se harmonizar com a dinâmica da fábula. Tal harmonização pode se dar por meio de analogia psicológica ou por contraste. Pense-se, quanto à analogia, no modo como o Romantismo constrói uma .' - - .~.- FORMALISMO RUSSO E NEW.,CRITICI-SM correspondência entre os sentimentos e situações dramáticas vividas pelas personagens e o espaço, fazendo com que a paisagem