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LEI DE TORTURA – ROGÉRIO SANCHES 1. Breve intróito: Antes da Segunda Guerra Mundial, a tortura não era alvo de atenção. Não havia a preocupação mundial pela tortura. Contudo, após a Segunda Guerra Mundial, nasce um sentimento de repúdio à tortura, o que foi um campo fértil para Tratados e Convenções Internacionais repudiando a tortura. No Brasil, a CF/88 inaugurou em seu art. 5º, III1 a repulsa à tortura. É uma das poucas garantias constitucionais absolutas. Tortura é a imposição de dor física ou psicológica apenas por prazer, crueldade. Como pode ser entendida também como uma forma de intimidação, ou meio utilizado para obtenção de uma confissão ou alguma informação importante. O que, não necessariamente, é elemento do tipo penal para sua caracterização. É delito imprescritível. Inafiançável, não sujeito a graça e anistia como dispõe o Artigo 5º inciso XLIII da Constituição Federal. A tortura também está incursa no Artigo 2º I e II da lei de crimes Hediondos da qual acresceu-se ser a tortura vedada a concessão de indulto. (observação Tortura é delito grave, mas não é crime hediondo). É delito equiparado a crime hediondo. A Lei 9.455/97 também prevê no artigo 1º § 6º que o crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. A Tortura independente de seu objetivo final, ela subsiste apenas pelo ato de se causar sofrimento a alguém Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes define tortura como: Artigo 1º Para fins da presente Convenção, o termo "tortura" designa qualquer acto pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá- la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de Ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam conseqüência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram. 1 Art. 5ͦ, III CF: ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante. O presente artigo não será interpretado de maneira a restringir qualquer instrumento internacional ou legislação nacional que contenha ou possa conter dispositivos de alcance mais amplo. Lei 8.069/90 (ECA), art. 233: tortura quando a vítima é criança e adolescente. Lei 9.455/97 definiu o que constitui tortura. O art. 233 do Eca foi revogado. No período compreendido entre a CF e a edição da lei de tortura (97), tal crime era punido através de tipos do CP, salvo quando cometido contra criança e adolescente (art. 233 do ECA). No Brasil o crime de tortura destoou da tortura dos Tratados Internacionais, tratando a tortura como crime comum (praticado por qualquer pessoa), não exige qualidade de representante estatal. “E crime jabuticaba, só tem no Brasil” É constitucional? Correntes: a) Não. Depois da EC/45: Tratados internacionais têm status de EC (de direitos humanos + 3/5 + 2 turnos), ou LO (sem direitos humanos, ratificados por procedimento comum) ou supralegal (de direitos humanos, por procedimento comum) Alberto Silva Franco: LO infringiu norma inferior, portanto, a lei de tortura ao prevê que a tortura é comum é inconstitucional. b) Sim. A garantia constitucional não é do torturador e sim do torturado. Quanto mais se aumenta o espectro do sujeito ativo, mas se protege o sujeito passivo. 2. Formas de tortura: A lei não define o crime de tortura, apenas diz o que constitui tortura (ver quadro) FORMAS Núcleos / sujeitos Modo de execução Resultado Finalidades Art. 1ͦ, I: * Tortura prova; * Tortura para a prática de crime * Tortura- racismo ou discriminatória Constranger alguém. Sujeitos ativo e passivo: comum * O Brasil é o único local do mundo em que o crime de tortura é crime comum. Mediante violência ou grave ameaça. Causando sofrimento físico ou mental. É o que basta para a consumação, dispensa a concretização das finalidades. a) obter informação, declaração ou confissão (tortura prova) b) provocar ação criminosa (tortura para a prática de crime); * Nesse caso o torturador também responde, como autor mediato, pelo crime praticado pelo torturado, em concurso material. * Não abrange contravenção penal – analogia in mala partem. * O torturado não responde pelo crime – inexigibilidade de conduta diversa. c) em razão de discriminação racial ou religiosa (tortura- racismo ou discriminatória) * Não abrange discriminações: econômicas, culturais, sexuais... Art. 1 ͦ, II: Tortura- Castigo ≠ Art. 136 do CP (Maus tratos): aqui não há intenso sofrimento. Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade (pessoa determinada). Sujeitos ativo e passivo próprios, deve haver guarda, poder ou autoridade sobre a vítima Mediante violência ou grave ameaça. Causando intenso (análise do caso concreto) sofrimento físico ou mental a) aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo (Tortura-Castigo) Art. 1ͦ, § 1º: Tortura pela tortura. Submeter pessoa presa ou sujeita a medida de segurança. Sujeito ativo: qualquer pessoa; Sujeito passivo: pessoa presa (definitiva ou provisória) ou menor apreendido. “Art. 5 ͦ, XLIX é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” Por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal. (Execução livre) Sofrimento físico ou mental. Não tem finalidade especial é a tortura pela tortura. Tortura pelo prazer de torturar. Exemplos: Art. 1º, I, da Lei 9.455/97: a) Credor constrangendo o devedor, a fim de que declare dívida. b) Policial constrangendo alguém, para obter confissão. É a chamada tortura prova, que se consuma com o sofrimento físico e mental, independentemente de obtenção do fim visado. c) Advogado que constrange a testemunha a fornecer informação falsa em juízo. É a chamada tortura para prática de crime. O crime de tortura também dispensa o fim visado. É crime formal. Se o torturado praticar o crime visado, o torturador responde pela tortura e também pela prática do crime praticado pelo torturado, em concurso material, na condição de autor mediato. O torturado não responde por nada, pois está sob coação moral irresistível. Pessoa que constrange outra discriminando a raça ou religião. Também se consuma com o constrangimento do torturado. A tortura discriminação apenas abrange a discriminação racial ou religiosa. NÃO ABRANGE A DISCRIMINAÇÃO SOCIAL, ECONÔMICA, SEXUAL, ETC. Podem configurar outros crimes, tortura não. Art. 1º, II, da Lei 9.455/97: a) Policial que constrange alguém a sofrimento físico ou mental a “ficar esperto”. b) Babá que constrange criança a sofrimento físico ou mental para que não faça xixi na cama. c) Policiais de Diadema. 3. Casos emblemáticos: 3.1. Caso dos trotes → não se encaixa em nenhuma hipótese, não é tortura. 3.2. Mãe que deixava filha algemada com os braços para cima e grampeava a boca dela → não se encaixa em nenhuma hipótese, não é tortura. 4. Tortura por omissão (§2º) O art. 1º,§2º da lei 9455/97 traz dos crimes omissivos: a) omissão imprópria – quando tinha o deverde evitar: § 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las (omissão imprópria) ou apurá-las (omissão própria), incorre na pena de detenção de um a quatro anos. Sujeito ativo: é a figura do garante ou garantidor: médicos, professores, pais, tutor, curador, delegado. Sujeito passivo: qualquer pessoa. Ex.: Delegado percebe que o suspeito está sendo levado para uma sala para ser torturado e nada faz. Os torturadores respondem com pena de 2 a 8 anos e o delegado com pena de 1 a 4 anos. Será que nós precisávamos desse parágrafo? R: Parece que legislador errou, porque a CF quer a mesma responsabilidade para os torturadores ativos e para os omitentes impróprios (art. 5º, XLIII). Como lidar com esse equívoco? 1ª corrente: é uma exceção prevista em lei e que deve ser respeitada. É uma exceção pluralista à teoria monista. É a que prevalece. 2ª corrente: essa parte do §2º é inconstitucional, o juiz tem que ignorar a pena de 1 a 4 e aplicar a pena de 2 a 8 anos, porque a lei maior manda equiparar os torturadores ativos 3ª corrente: o §2º trata-se de uma omissão culposa, pois se omissão for dolosa pune-se da mesma forma que o torturador por ação. É a mais atécnica. O crime culposo deve ser sempre expresso. Fábio Bechara. b) omissão imprópria – quando tinha o dever de apurar: Sujeito ativo: a autoridade que tinha o dever de apurar. Sujeito passivo: qualquer pessoa. Aqui tudo bem que a pena seja menor que a do torturador ativo, porque a tortura já aconteceu. Não obstante, as críticas à primeira parte do dispositivo, o certo é que as duas omissões são punidas com detenção de 1 a 4 anos (metade da pena do torturador por ação). 5. Tortura qualificada (§3º) § 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos. Lesão grave – 4 a 10 anos Morte – 8 a 16 anos. Trata-se de qualificadoras preterdolosas, ou seja, dolo na tortura, culpa na lesão grave ou gravíssima ou morte. Qualifica todos os crimes de tortura, inclusive os omissivos? R: Prevalece que o §3º só qualifica a tortura por ação, não atingindo a tortura por omissão. Somente qualifica a conduta do qualificador ativo. 6. Causas de aumento de pena (§4º): § 4º: Aumenta-se a pena de 1/6 até 1/3: I – se o crime é cometido por agente público (art. 327 do CP); Alberto Silva Franco alerta: cuidado com o bis in idem: essa majorante não incide quando a condição de agente público já é elementar do tipo, do contrário haveria dupla punição pela mesma condição. Já Nucci aplica esse aumento para todos os casos. A razão assiste a Nucci, uma vez que não existe tipo penal exclusivo praticado por agente público. II – se o crime é cometido contra criança (até 12 anos incompletos), gestante, portador de deficiência (de acordo com a lei), adolescente (de 12 a 18 anos incompletos), maior de 60 anos; Para evitar responsabilidade penal objetiva, o dolo do torturador tem que alcançar essas circunstâncias. III – se o crime é cometido mediante seqüestro. Apesar do silêncio da lei, abrange também o cárcere privado (seqüestro com confinamento). *O §4º não traz qualificadoras, mas sim causa de aumento de pena (majorantes). 7. Efeito da condenação (§5º): § 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. Esses efeitos são automáticos? R: No §único do art. 92, do CP esses efeitos não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença. Todavia, não previsão nesse sentido na lei de tortura, por isso, prevalece que na lei de tortura, diferentemente, do CP, que o efeito é automático, dispensa-se motivação na sentença (STJ, HC 92247). Tem doutrina minoritária dizendo que esse efeito automático não se aplica a tortura omissão. 8. Inafiançável e insuscetível de graça, anistia (§6º): § 6º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. A inafiançabilidade veda a liberdade provisória? 1ª corrente: a vedação da liberdade provisória está implícita na inafiançabilidade (HC 93940, STF) 2ª corrente: a inafiançabilidade não impede liberdade provisória. Não compete ao legislador vedar ou não liberdade provisória, mas sim o juiz, no caso concreto. Proibição em abstrato de liberdade provisória é inconstitucional. O STF está dividido, mas caminha apara a 2ª corrente. Há vedação ao indulto? A lei não prevê expressamente, então o indulto é permitido. É o que prevalece. Todavia, para Nucci a vedação ao indulto está implícita na vedação à graça, uma vez que esta deve ser entendida em sentido amplo para incluir o indulto. 9. Regime inicial (§7º): § 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado. PROGRESSÃO DE REGIME Antes da lei 11.464/07 Antes da lei 11.464/07 HEDIONDO: integralmente fechado. Vedada a progressão. TORTURA: inicialmente fechado. Permitia a progressão com 1/6. As torturas praticadas antes da lei continuam progredindo com 1/6. HEDIONDO: inicialmente fechado, permitindo a progressão de regime com: 2/5, se primário 3/5, se reincidente. TORTURA: 2/5, se primário 3/5, se reincidente. As torturas praticadas depois passam a progredir com 2/5 ou 3/5 (princípio da posterioridade e não na espeicalidade). 10. Extraterritorialidade. Art. 2º: o disposto nesta lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira.
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