Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Fisiologia Eduardo Antunes Martins A tireoide é uma das maiores glândulas endócrinas de nosso organismo, localizando-se abaixo da laringe e ocupando as regiões laterais e anterior da traqueia. Ela é responsável pela secreção de dois hormônios: tiroxina e tri- iodotironina (T3 e T4, respectivamente). Ambos são essenciais para o controle da utilização energética do organismo. A secreção dessa substância é regulada pelo hormônio estimulante da tireoide (TSH), secretado pela hipófise anterior, que por sua vez é controlado por hormônios secretados pelo hipotálamo (TRH). São objetivos do capítulo: Descrever como ocorre a síntese e secreção de hormônios tireoidianos; Listar os principais efeitos fisiológicos dos T3 e T4; Elencar as características do controle da secreção desses hormônios; Citar os principais problemas envolvidos com essa glândula. Fisiologia UNIDADE VII CAPÍTULO 3 HORMÔNIOS TIREOIDIANOS Fisiologia – Unidade VII MARTINS, Eduardo A. Página 1 A glândula tireóide secreta grande quantidade de dois hormônios, a tiroxina (T4, cerca de 93% do secretado) e a tri- iodotironina (T3, cerca de 7% do secretados), que exercem profundo efeito sobre o metabolismo corporal. No final do processo, como veremos o T4 irá transformar-se em T3 a nível tecidual. As funções desses hormônios são qualitativamente idênticas, porém diferem quanto à rapidez e a intensidade de ação (T3 é 4x mais potente, sendo que persiste por um tempo muito menor no organismo). A glândula tireóide é composta de grande número de folículos fechados, preenchidos por uma substância secretora denominada colóide e revestidos por células epitelióides cubóides que lançam suas secreções no interior dos folículos. O coloide é constituído, em sua grande parte, de tireoglobulina, uma grande glicoproteína da qual derivará ambos os hormônios secretados pela tireoide. É interessante citar que essas células também reabsorvem, em uma etapa mais posterior, o resto de secreção que não é utilizado pelo sangue (por um processo de desiodização). Formação dos Hormônios Tireoidianos Para que seja formada a quantidade normal de tiroxina e triiodotironina, têm que ser ingeridos cerca de 50 mg de iodo a cada ano, aproximadamente 1 mg por semana. O iodeto ingerido por V.O. é absorvido pelo TGI para o sangue, praticamente como o cloreto. A maior parte deste composto é filtrado e excretado pelos rins, mas cerca de 1/5 é seletivamente removido do sangue circulante e utilizado pela tireoide. A captação de iodeto ocorre por meio de uma bomba simporte de Na-I, chamada de NIS. Essa bomba está localizada na membrana basal das células e folículos glandulares da tireoide e bombeiam o I para o intracelular, assim como o Na. A energia para isso é gerada por meio de uma bomba Na-KATPase, também localizada na membrana basal das células, que cria uma diferença de concentração entre o intra e o extracelular de Na (ficando mais para fora). Desse modo a energia gerada pelo transporte a favor do gradiente de concentração do Na é utilizada para o transporte de iodeto para dentro da célula (que fica 30X mais concentrada que o exterior, podendo chegar até valores de 250X mais). A captação de iodeto pelas células e folículos tireoidianos é muito variável, dependendo especialmente do TSH. Esse hormônio estimula as células foliculares de diversas maneiras, como veremos, inclusive melhorando a ação da bomba NIS. O iodeto é transportado para fora da célula tireoidiana pela membrana apical, por meio de um cotransportador de Cl e I, chamado de pendrina. Também pode ser secretado ligado à tirosina, que por sua vez está contida nas moléculas de tireoglobulina (molécula secretada para formação dos coloides). Figura 2 – Formação e reabsorção de hormônios tireoidianos. Figura 1 – Estruturação básica da tireoide. Hormônios Tireoidianos - Cap. 3 MARTINS, Eduardo A. Página 2 Formação da Tireoglobulina, T3 e T4 Os hormônios tiroxina e tri-iodotironina são formados a partir dos aminoácidos tirosina e formam parte da molécula de tireoglobulina, durante a síntese de hormônios tireoidianos. O primeiro estágio na formação destes hormônios é a conversão dos íons iodeto para a forma oxidada do iodo, ou iodo nascente (I 0 ), que é capaz de se ligar diretamente ao aminoácido tirosina. Essa oxidação ocorre pela enzima peroxidase, acompanhada de peróxido de hidrogênio, que constituem um potente sistema oxidativo do iodo. O reticulo endoplasmático e o complexo de Golgi sintetizam e secretam para os folículos grandes quantidades de tireoglobulina. A ligação do iodo a essa molécula é chamada de organificação da tireoglobulina. No intervalo de tempo da formação desta substância pelas organelas citadas, o iodo liga-se a cerca de um sexto de seus aminoácidos tirosina. A partir desse ponto, a tirosina é modificada para formação de T3 e T4. Inicialmente ela é iodada a monoiodotirosina e, então, a di-iodotirosina. Nos momentos seguintes essas partículas juntam-se formando os hormônios que serão efetivamente secretado e utilizados pelo organismo. O principal produto é a molécula de T4, formada quando duas moléculas de di-iodotirosina juntam-se, sendo que ela permanece como parte da molécula de tireoglobulina. Quando ocorre o acoplamento de uma mono com uma di-iodotirosina há a formação de tri-iodotironina (T3), representando uma parcela muito pequena de produção. Pode ocorrer ainda a formação de T3 reverso (RT3), sem significância fisiológica aparente em humanos. A tireoide é uma glândula especial pois tem a capacidade de armazenar grandes quantidades de hormônios (ao contrário das outras glândulas endócrinas). Isso faz com que deficiência só sejam sentidas realmente meses depois da real parada de produção dos hormônios. Tabela 1 – Diferenças quantitativas e teóricas dentre os hormônios tireoidianos. Liberação e Reabsorção Há a liberação de tiroxina e tri-iodotironina, e não de tireoglobulina. Isso ocorre, primeiramente, com a emissão de pseudópodes por parte da membrana apical das células da tireoide que cercam pequenas quantidades de coloide, formando vesículas pinocíticas que penetram pelo ápice da célula. Dentro desta, lisossomos no citoplasma imediatamente fundem-se às vesículas, formando vesículas digestivas com múltiplas proteases. Esses compostos digerem as moléculas de tireoglobulina e liberam tiroxina e tri-iodotironina em sua forma livre, que depois se difundem pela membrana basal da célula. Contudo, cerca de três quartos da tirosina iodada na tireoglobulina jamais se torna hormônio, permanecendo como mono ou di-iodotirosina. Essas substâncias também são liberada das moléculas de tireoglobulinas, com seu iodo sendo clivado pela enzima deiodina, que disponibiliza praticamente todo iodo para reciclagem na glândula e formação de novas moléculas hormonais. Figura 3 – Formação de T3 e T4. Fisiologia – Unidade VII MARTINS, Eduardo A. Página 3 Transporte Mais de 99% do T3 e T4 se combinam com proteínas plasmáticas sintetizadas pelo fígado (principalmente globulina ligadora de tiroxina e, em pequena escala, pré-albumina ligadora de tiroxina e a albumina). Devido a essa característica esses hormônios são liberados de forma lenta para as células teciduais. Além disso, ao penetrar nas células esses compostos ligam-se novamente a proteínas intracelulares, sendo novamente armazenadas (estoques que perduram por dias). É interessante frisar que as ações da tri-iodotironina ocorrem cerca de 4x mais rápidas que a tiroxina,provavelmente por sua ação maior e mais relevante nas células. Também é importante lembrar que praticamente toda tiroxina transforma-se em T3 a nível tecidual (ação maior), ou às vezes, em RT3. Figura 4 – Geração de T3 a partir da tiroxina, em tecidos periféricos geralmente. Efeitos Fisiológicos O efeito geral dos hormônios da tireóide é o de causar, por atacado, a transcrição nuclear de grande número de genes. Como consequência, em virtualmente todas as células corporais ocorre aumento de grande número de enzimas protéicas, proteínas estruturais, proteínas transportadoras e outras substâncias. Os receptores de hormônios tireoidianos estão localizados perto ou ligados às fitas genéticas de DNA, formando um heterodímero com o receptor de retinoide X (RXR) nos elementos específicos da resposta hormonal tireoidiana no DNA. Ao se ligarem aos receptores, os hormônios os ativam e iniciam o processo de transcrição, formando-se um grande número de tipos de RNAm que, após alguns minutos ou horas, são traduzidos nos ribossomos plasmáticos, formando centenas de novas proteínas celulares. As concentrações dessas diferentes proteínas não são as mesmas, sendo que algumas são duplicadas Figura 5 – Ação dos hormônios tireoidianos e como ocorre. Hormônios Tireoidianos - Cap. 3 MARTINS, Eduardo A. Página 4 enquanto outras são sextuplicadas. Além disso, os hormônios tireoidianos também parecem apresentar um componente não genômico em sua ação. Tais ações foram descritas em diversos tecidos, como o coração, hipófise e tecido adiposo. Provavelmente envolvem a membrana plasmática, o citoplasma e outras organelas. Elas incluem: regulação de canais iônicos e fosforilação oxidativa (ativação de segundos mensageiros, como o AMPc). O resultado final disso tudo é um aumento generalizado da atividade funcional em todo o corpo. Ação Celular Eles realizam as seguintes ações: Aumentam a atividade metabólica em quase todos os tecidos; Velocidade de produção E gasto de metabólitos aumenta; Velocidade de crescimento em pessoas jovens também aumenta; Processos mentais são estimulados; Células aumentam de tamanho e número; Superfície total da membrana das mitocôndrias aumenta > aumenta o número e atividade mitocondrial > aumenta a geração de ATP; Aumento da ação da Na-K-ATPase > membranas celulares mais permeáveis ao Na > aumenta produção da bomba e geração de calor. Efeito no Crescimento Manifesta-se principalmente em pessoas jovens (crianças); Falta = problemas/ excesso = menor estatura (pois ocorre o fechamento mais precocemente das epífises, gerando altura final menor, mas com crescimento mais acelerado); Promoção do crescimento e desenvolvimento do cérebro durante a vida fetal e primeiros anos da pós-fetal; Excesso = confusão mental. Efeitos em Mecanismos Corporais Específicos Metabolismo de carboidratos: o Estimula quase todos os aspectos: captação, glicólise, gliconeogênese, absorção TGI, secreção de insulina; Metabolismo de lipídios: o Estimula quase todos os aspectos; o Reduz acúmulos de gordura do organismo; o Aumenta a concentração de FFA no plasma e acelera sua oxidação nas células. Lipídios plasmáticos e hepáticos: o Reduz a concentração de colesterol, fosfolipídeos e TAG no plasma, embora aumente a de FFA; o Aumento significativo da secreção de colesterol pela bile > perda pelas fezes; o Indução de maior número de receptores de LDL nas células hepáticas > rápida remoção de lipoproteínas do plasma e secreção de colesterol pelo fígado. Vitaminas: o Necessidade aumentada de vitaminas > aumento do metabolismo; Peso: o Quantidade muito elevada > quase sempre diminui; o Quantidade muito baixa > quase sempre aumenta o peso. Sistema Cardiovascular Aumenta a utilização de metabólitos pelo maior gasto energético > vasodilatação dos tecidos > aumento do fluxo sanguíneo > aumento do DC. Aumento da FC > ação direta sobre a excitabilidade do coração; Aumenta força de contração cardíaca > quando os hormônios estão muito elevados há diminuição pelo excessivo catabolismo proteico; Fisiologia – Unidade VII MARTINS, Eduardo A. Página 5 Pressa arterial média > normal/ pressão de pulso = aumentada; Aumento da utilização = aumento da liberação de CO2 e uso de O2 > aumento da FR; Outros Efeitos Maior apetite e ingesta alimentar, aumento da motilidade e aumento da produção de secreções do TGI; Aumento da velocidade de pensamento, mas também com dissociação; Aumento do vigor muscular, mas com grandes aumentos ocorre o mesmo que no músculo cardíaco; Tremor muscular > um dos principais sinais de hipertireoidismo. Provavelmente causado pela atividade aumentada das sinapses neurais nas áreas da medula que controlam o tônus muscular. Dificuldade no sono (pacientes com hipertireoidismo apresentam cansaço com insônia); Aumento da secreção de várias glândulas endócrinas, assim como sua utilização; Função sexual: o Para que ela seja normal os hormônios tireoidianos devem estar presentes; o Ação resulta de uma combinação de efeitos metabólicos diretos sobre as gônadas e efeitos excitatórios por feedback pelos hormônios da hipófise anterior, que controlam as funções sexuais. Regulação da Secreção A regulação da secreção do hormônio da tireóide é feita através do hormônio tíreoestimulante (TSH), também conhecido como tireotropina, produzido pela hipófise anterior. Essa estimulação da produção de hormônios tireoidianos é realizada mediante as seguintes ações (basicamente todas mediadas por AMPc): Aumento da proteólise de tireoglobulina; Aumento da atividade da bomba de iodeto; Aumento da iodização da tirosina; Aumento do tamanho e atividade secretória das células tireoidianas; Aumento do numero de células tireoidianas. A secreção de TSH é regulada pelo hormônio liberador de tireotropina (TRH), produzido pelo hipotálamo. Esse composto é um tripeptídeo-amida que afeta diretamente as células da hipófise anterior, aumentando a secreção de TSH. Isso ocorre mediante a ligação a receptores específicos, o que ativa o sistema de segundo mensageiro da fosfolipase no seu anterior, produzindo grande quantidade de fosfolipase C, que é seguido por uma cascata de segundos mensageiros. Existem vários estímulos conhecidos para o aumento da secreção de TRH, dentre eles os principais são o frio, provavelmente por excitação de centros hipotalâmicos relacionados ao controle da temperatura corporal. Diversas reações emocionais podem afetar a produção de TSH e TRH, também envolvidas com a ação hipotalâmica. A regulação da secreção de hormônios tireoidianos depende basicamente de controle por feedback, que se dá independentemente do hipotálamo (isto é, diretamente com a hipófise). Esse efeito visa manter a concentração quase constante de hormônios tireoidianos nos líquidos corporais circulantes. Figura 6 – Ações de hormônios tireoidianos no sistema cardiovascular. Hormônios Tireoidianos - Cap. 3 MARTINS, Eduardo A. Página 6 Figura 7 – Regulação da secreção tireoidiana. Distúrbios As principais doenças da tireóide são o hipertireoidismo e o hipotireoidismo. No hipertireoidismo, são encontrados no sangue dos pacientes anticorpos com ações semelhantes às do TSH. Esses anticorpos se ligam aos mesmos receptores aos quais o TSH se fixa, de modo que isso provoca uma continuada ativação das células. Os anticorpos causadores do hipertireoidismo se formam quase certamente em consequência de auto- imunidadedesenvolvida contra o tecidoda tireóide. Assim, ao contrário do que se poderia esperar, demonstrou-se através de radioimunoensaio que as concentrações plasmáticas de TSH estão abaixo do normal no hipertireoidismo. Os efeitos do hipotireoidismo são geralmente opostos aos do hipertireoidismo. Uma das principais características do hipotireoidismo é o bócio endêmico. O mecanismo do desenvolvimento dos grandes bócios endêmicos é o seguinte: A falta do iodo impede a produção do hormônio da tireóide por essa glândula; como consequência, não há hormônio disponível para inibir a produção de TSH pela hipófise anterior através do mecanismo de feedback, o que possibilita à hipófise secretar quantidade excessivamente grande de TSH. Este, então, faz as células da tireóide secretarem quantidade enorme de tireoglobulina (colóide) para o interior dos folículos, e a glândula fica cada vez maior. Referências GUYTON, A.C., HALL, J.E Tratado De Fisiologia Médica 12. Ed. Rj . Guanabara Koogan, 2012. KOEPPEN, Bruce M.; STANTON, Bruce A. Berne e Levy fisiologia. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
Compartilhar