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Antropologia da Religião

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA 
Pró-Reitoria de Extensão (Proex) 
Diretoria de Programas de Pastoral (Dipas) 
Centro de Reflexão sobre Ética e Antropologia da Religião (Crear) 
DISCIPLINA: Antropologia da Religião 
 
Antropologia da Religião 
 
José Lisboa Moreira de Oliveira* 
 
Depois de termos compreendido o que é Antropologia, vamos tentar entender 
agora a Antropologia da Religião. Para começar vamos analisar dois textos científicos 
que nos mostram quanto a religião seja algo que envolve o ser humano e o quanto ela 
tem a dizer para a existência humana. 
 
À primeira vista, pode-se pensar que todos saibam o que se signi-
fica com a palavra religião e religioso. Talvez tal pressuposição esteja 
certa enquanto se refere às manifestações mais ostensivas. Mas quando 
se trata de precisar a essência da religião logo surgem dificuldades sem 
fim. Quem poderá fixar os limites entre o verdadeiramente religioso e o 
puramente cultural, folclórico ou social? [...]. Se compararmos o fenôme-
no religioso com o fenômeno social ou similar, podemos dizer que desig-
namos a estrutura especial do homem definida por sistema de relações 
com os outros homens [...]. No fundo de toda a situação verdadeiramente 
religiosa encontra-se a referência aos fundamentos últimos do homem: 
quanto à origem, quanto ao fim e quanto à profundidade. O problema re-
ligioso toca o homem em sua raiz ontológica. Não se trata de fenômeno 
superficial, mas implica a pessoa como um todo. Pode caracterizar-se o 
religioso como zona do sentido da pessoa. Em outras palavras, a religião 
tem a ver com o sentido último da pessoa, da história e do mundo (ZIL-
LES, p. 5-6). 
 
 
*
 Licenciado em Filosofia, doutor em Teologia, escritor e conferencista, gestor do Centro de Reflexão sobre Ética e 
Antropologia da Religião (Crear) da Universidade Católica de Brasília onde é também professor de Antropologia da 
Religião e Ética. 
“Para entender a condição humana nos seus aspectos mais pro-
fundos e misteriosos, nós certamente devemos levar em conta a religião. 
Esta ajuda a formar estruturas imaginativas e elementares sobre como 
nos orientamos ou deveríamos nos orientar no cosmos. A religião dá for-
ma e ensaia no ritual nossos mais importantes laços, uns com os outros e 
com a natureza, e provê a lógica tanto ao porque destes laços serem im-
portantes como ao o que significa estar comprometido com eles” (NEVIL-
LE; WILDMAN, apud NEVILLE, p. 37). 
 
Estes textos nos dizem o quanto as religiões significam para a humanidade. As-
sim sendo, não há como desconsiderá-las em ambientes como aquele da universidade. 
Sendo uma realidade que toca o ser humano na essência de seu ser e de sua existên-
cia, ela não pode deixar de ser analisada no âmbito acadêmico. Além disso, a religião, 
como será mostrado depois, particularmente no Brasil, tem uma relação toda especial 
com o ser humano, bem diferente de outros fenômenos antropológicos. Ela, por exem-
plo, está na raiz de muitas normas e valores da nossa sociedade; influi na compreen-
são que os seres humanos têm de si mesmos e na identidade de muitos povos e na-
ções. Para um número muito grande de pessoas a religião oferece motivação para vi-
ver, ajuda a resolver problemas humanos sérios e dá respostas para muitas questões 
(LEMOS, p. 129-142). 
 
1. Antropologia da Religião 
A partir da década de 1980 do século passado houve um aumento considerável 
da busca por religiosidade em todo o mundo. No momento atual, com o fenômeno da 
globalização, assiste-se a um multiplicar-se de experiências religiosas. E essa “gula de 
Deus”, para usar uma expressão do poeta francês Rimbaud, é uma verdadeira tentativa 
desesperada para “eliminar estados mórbidos ou de preencher o vazio deixado pelo 
estado de insatisfação difusa presente na sociedade moderna” (STEIL: 13). 
Essa corrida para as diversas experiências religiosas é caracterizada pela plura-
lidade, permitindo inclusive que as pessoas frequentem simultaneamente diversas reli-
giões e transitem por lugares sagrados diferentes. Apesar disso, um fenômeno tem 
causado muita preocupação às pessoas de bom senso: o retorno ao fundamentalismo, 
o qual se caracteriza pelo fechamento de cada religião na própria autossuficiência 
dogmática, afirmando que vale apenas a sua verdade (TEIXEIRA, p. 69-80). Desse 
modo recusa-se a cultivar um espírito interativo, não querendo ouvir a parcela de ver-
dade presente nas outras crenças religiosas. “Fundamentalismo representa a atitude 
daquele que confere caráter absoluto ao seu ponto de vista” (BOFF, p. 25). Com isso 
termina-se por não descobrir uma imagem mais verdadeira dos que professam outra fé 
e a não contribuir para a construção da paz. De fato, “quem se sente portador de uma 
verdade absoluta não pode tolerar outra verdade, e seu destino é a intolerância” (Ibi-
dem). Com freqüência o acirramento entre as religiões contribui para a geração do ódio 
e da violência. É verdade que, hoje, existem também outros tipos de fundamentalis-
mos. 
 
“Todos os sistemas, seja culturais, científicos, políticos, econômi-
cos e até artísticos, que se apresentam como portadores exclusivos da 
verdade e de solução única para os problemas devem ser considerados 
fundamentalistas. Vivemos atualmente sob o império feroz de vários fun-
damentalismos” (BOFF, p. 38). 
 
Desse modo, temos hoje a ditadura do neoliberalismo, do paradigma científico 
moderno e do fundamentalismo político. O fundamentalismo econômico neoliberal con-
dena à exclusão social bilhões de pessoas. O fundamentalismo científico destrói a na-
tureza e a vida, transformando-se, muitas vezes, numa verdadeira máquina de morte. 
Por fim, o fundamentalismo político espalha, com seus discursos demagógicos de de-
fesa do bem, muitas vezes mesclado com o fundamentalismo religioso, terror e ódio 
por toda parte. Isso porque é próprio do fundamentalismo “responder ao terror com ter-
ror, pois se trata de conferir vitória à única verdade e o bem e destruir a falsa ‘verdade’ 
e o mal” (Ibid. p. 42-43). 
O crescimento dos fundamentalismos é reforçado, no campo do conhecimento, 
pelo fenômeno das especializações desconexas que acaba levando as pessoas a sa-
berem cada vez menos. Dessa forma os que detêm certo tipo de informação acabam 
por impor sobre os demais os seus pontos de vista e as suas ideologias. Por esse mo-
tivo começa a existir certa insistência para que a explicação da realidade, inclusive a-
quela religiosa, não seja feita de forma unilateral, a partir apenas de uma única forma 
de saber dominante, mas tendo presente o espírito da universalidade, o qual consiste 
na busca da verdade em todos os campos integrados entre si (FILORAMO; PRANDI, p. 
5-6). 
A Antropologia da Religião, partindo de uma reflexão sobre a humanidade e so-
bre a cultura como realidades complexas, busca compreender como o ser humano foi e 
continua sendo visto por ele mesmo e por uma das suas mais significativas e originais 
manifestações, a religião. Não se trata de fazer uma análise de cada uma das religiões, 
mesmo aquelas mais conhecidas. Na Antropologia da Religião faz-se uma análise cien-
tífica do fenômeno religioso, enquanto experiência antropológica, isto é, do ser huma-
no. E ao se fazer isso podemos nos reportar a manifestações culturais e religiosas do 
mundo, particularmente as mais conhecidas e as que mais influenciam a vida das soci-
edades. Na análise das diversas visões antropológicas advindas das diferentes culturas 
e religiões há um esforço para se perceber a riqueza de cada uma delas, desfazendo 
preconceitos, reconstruindo nosso pensar, mesmo sem renunciar à necessária crítica. 
Pode-se, então, dizer que a Antropologia da Religião é uma antropologia da 
transcendência, no sentido que produz significados para além daquilo que se dá no 
cotidiano. Nãoé apenas um retorno às tradições religiosas, mas a interpretação des-
sas, visando a percepção de novas realidades que vão surgindo dentro delas, a partir 
do seu contato com a modernidade e a pós-modernidade. O que se quer com a Antro-
pologia da Religião não é tanto conhecer as causas e dar explicações para o fenômeno 
religioso, mas estudar e conhecer o sentido que a experiência religiosa confere às a-
ções e situações do cotidiano. Nesta análise científica da religiosidade fica bem claro 
que nem a religião e nem a ciência perdem alguma coisa. Os resultados das pesquisas 
científicas não têm a intenção de contradizer a religião e nem confirmar o que ela afir-
ma. Querem apenas contribuir para que se reconheçam as diferenças em um mundo 
que é ao mesmo tempo pluralista e globalizado. E este reconhecimento deve contribuir 
para a superação de mentalidades colonizadoras, discriminatórias, preconceituosas e 
exploratórias que, na maioria das vezes, se expressam mais significativamente na ex-
periência religiosa (CAMURÇA, p. 71-90). 
A Antropologia da Religião trabalhará com três eixos complementares. Come-
çamos com a conceituação, o objeto e o objetivo da Antropologia. Tratamos das suas 
divisões e campos de atuação. Vimos seus métodos, técnicas de pesquisa a as princi-
pais aplicações dessa ciência na vida concreta dos homens e das mulheres. 
Agora estamos tentando entender o que é Antropologia da Religião. E para que 
isto fique bem claro iremos compreender o que é religião, enquanto fenômeno humano. 
Em seguida estudaremos a cultura, analisando os seus principais elementos: natureza, 
estrutura e os níveis de participação dos indivíduos nos processos culturais. Analisa-
remos as qualidades da cultura, os processos culturais e a relação entre cultura e per-
sonalidade. Estaremos lembrando alguns temas relacionados com a questão antropo-
lógica, cultural e cultural religiosa: a) a presença, as relações e a influência das religi-
ões nas culturas e vive-versa; b) o pluralismo cultural e o pluralismo religioso; c) confli-
tos religiosos e culturais, diálogo, relativismo, aprendizado da cultura da paz d) religião 
e cidadania. 
 Por fim, na última unidade, faremos uma análise antropológica do fenô-
meno religioso. Veremos a religião como sistema de representação e sistema cultural, 
aprofundando seus elementos e conceitos. Faremos estudos e pesquisas sobre as cul-
turas religiosas brasileiras, vendo como se deu a formação cultural e religiosa do povo 
brasileiro e quais os elementos e características peculiares das nossas culturas religio-
sas. Concluirá o nosso estudo uma pesquisa acerca da contribuição das culturas religi-
osas para a cultura da paz, tendo presente que a alteridade, característica forte dessas 
culturas religiosas, é a base para o diálogo, de modo que o diferente não seja visto co-
mo adversário. Iremos perceber no final que existe uma relação entre o âmbito religioso 
e outros âmbitos da vida social 
 
2. O estudo do fenômeno religioso na universidade 
Às vezes pode acontecer que muitos se perguntem por que estudar religião na 
Universidade? De início pode haver perplexidades e até resistência a uma ciência 
quem tem “cheiro” de imposição e de doutrinação. Todavia, como veremos mais adian-
te, trata-se simplesmente de estudar um fenômeno profundamente humano e que está 
arraigado no coração da humanidade. No caso do Brasil, por exemplo, quase 93% da 
população, segundo os últimos Censos do IBGE, se declara adepta de uma religião. 
Ora, uma universidade não pode desconsiderar nenhuma realidade. Pelo seu 
caráter de universalidade ela tem o dever de estudar todos os fenômenos que tocam a 
humanidade. Não se pode justificar certa indiferença diante de algo que marca profun-
damente a existência humana desde o seu início. Uma universidade que se recusasse 
a estudar o fenômeno religioso estaria deixando de cumprir o seu papel. Assim sendo, 
através da Antropologia da Religião, fazemos uma reflexão séria não só sobre o ser 
humano e a cultura, mas também uma análise antropológica do fenômeno religioso. O 
que se pretende é, ao mesmo tempo, conhecer de modo científico o fenômeno religioso 
e os aspectos antropológicos dele decorrentes. De fato, como veremos ao longo do 
nosso estudo, o fenômeno religioso interfere na vida social, política e econômica dos 
povos. Como afirma Küng, “a religião não serve somente para a opressão, mas tam-
bém para a libertação das pessoas. E isso não só de uma forma psíquico-terapêutica, 
mas também na dimensão social” (2003, p. 85-86). 
Para compreender melhor essa situação é indispensável entender que a abor-
dagem do saber se caracteriza atualmente pelo diálogo, pela interdisciplinaridade e 
pela integração. Não podemos mais reduzir a ciência a um método puramente empíri-
co, limitando o conhecimento ao puramente perceptível na ordem material ou física. O 
saber e a ciência são feitos também de estudos sérios sobre determinadas questões 
que tocam a essência humana e a sua existência. Aliás, a situação atual do mundo, 
seriamente ameaçado por vários problemas, exige uma reflexão que vai além da sim-
ples experimentação em laboratórios. E um cientista que se preze não pode ser alguém 
preso a um saber parcial, desarticulado e incompleto. A busca da verdade exige com-
plementaridade entre os diversos âmbitos do conhecimento. 
A religião sempre foi objeto de estudos na universidade. Os primeiros estudos 
acerca da religião se moveram num espaço muito limitado e usaram métodos que hoje 
são considerados superados. A partir do século XIX o estudo da religião na Europa foi 
sendo influenciado pelo processo de ramificação das ciências naturais e humanas. A-
lém disso, o declínio da hegemonia cristã no Ocidente contribuiu significativamente pa-
ra a revisão de muitos parâmetros. O desencanto do mundo e com o mundo suscitou 
uma reflexão mais sistemática e crítica, livre das influências da filosofia e da teologia 
cristã. A tradição cristã europeia teve que se confrontar com outras tradições religiosas 
que se tornavam cada vez mais conhecidas, graças aos relatos e testemunho dos mis-
sionários cristãos e dos viajantes europeus. “O interesse crescente pelas religiões vi-
vas, por exemplo, obrigou sociólogos e psicólogos da religião a sair dos confins de uma 
sociologia e psicologia cristianocêntrica para confrontar-se com a globalidade do fenô-
meno religioso” (FILORAMO; PRANDI, p. 25). 
 No início da universidade (século XIII) prevalecia o estudo da Filosofia e da Teo-
logia. Por volta do século XVIII, instigada pelas questões anteriormente mencionadas, a 
universidade dá início à História das Religiões, com a finalidade de fazer um estudo 
comparado das diferentes tradições religiosas, em vista de uma reconstituição da evo-
lução da trajetória religiosa da humanidade. A partir desse fato, dentro do contexto ilu-
minista da época, foi se afirmando a necessidade de uma Ciência da Religião, com a 
finalidade de unificar as diversas contribuições provenientes dos diferentes estudos 
feitos através da observação de muitos estudiosos. 
 No final do século XIX, com a crise do positivismo, estes pressupostos da Ciên-
cia da Religião começaram a ser seriamente questionados. Mas somente no início do 
século XX acontece uma mudança substancial. Passa-se aos poucos da pretensão de 
querer explicar a religião para o princípio da compreensão. De fato, no modelo da ex-
plicação, pretendia-se ver a religião distinta do objeto de fé. Ela era considerada ape-
nas um fenômeno humano e histórico, submetida, como tantos outros fenômenos hu-
manos, ao crivo da pesquisa empírica. No modelo de compreensão se propõe um es-
forço para captar a experiência germinal livre e criadora que está na base de cada fe-
nômeno religioso e cultural. A interpretação da religião se dá a partir da experiência 
religiosa vivida e o intérprete não pode colocar-se deforma neutra, uma vez que, para 
chegar ao objetivo do seu estudo, ele precisa estar envolvido e participar ativamente de 
tal experiência. Os dois modelos, hoje, vão sendo substituídos pelo modelo de integra-
ção. Trata-se de um olhar crítico, científico, interdisciplinar ou transdisciplinar, que in-
vocará a ajuda de várias ciências (filosofia, história, sociologia, psicologia, lingüística, 
física etc.) para a análise do fenômeno religioso na sua pluralidade. 
 Feitas essas considerações, podemos afirmar que a Antropologia da Religião 
tem como objetivo, através da definição do seu próprio objeto e da utilização de meto-
dologias legítimas, analisar o fenômeno religioso como fato humano. 
 
3. O conceito de religião 
 Para que se possa fazer um estudo antropológico sério do fenômeno religioso é 
indispensável compreendê-lo muito bem. De fato, como nota Massenzio (p. 37-40), 
querer estudar o fenômeno religioso ignorando sua compreensão resultaria em algo 
privo de significado. A compreensão correta de religião supõe, pois, uma superação do 
senso comum e das opiniões correntes por se tratar de algo bem complexo e profundo. 
Tal compreensão supõe ainda a superação de todo etnocentrismo que leva a conside-
rar como válida somente a própria experiência religiosa. Supõe também o relativismo 
cultural que consiste em ver cada cultura a partir dela mesma, de seus valores e signi-
ficados e não a partir da cultura à qual pertencemos. 
Feitos esses esclarecimentos, podemos começar com a distinção entre experi-
ência religiosa, religiosidade e religião. A experiência religiosa é a experiência do trans-
cendente e da transcendência, ou seja, aquela “capacidade, típica do ser humano, de 
sair para fora de si, do seu corpo, da sua situação humana, através da reflexão, do 
pensamento, do sonho, da imaginação” (SCHIAVO, p. 65). Enquanto experiência da 
transcendência e do Transcendente, a experiência religiosa dá respostas para as di-
versas perguntas sobre o sentido da vida e da existência, oferece amparo e segurança 
para os momentos difíceis, preenche aquele vazio gerado pela finitude da vida e garan-
te um destino positivo no final da caminhada do ser humano. Pela experiência religiosa 
a humanidade olha para o Transcendente como a causa da sua existência, o amparo 
para a sua contingência (limites) e para o seu abandono, a resposta segura para as 
suas interrogações e a meta para onde está caminhando (Ibid. p. 65-66). Vista desta 
forma a experiência religiosa pode existir independentemente da religião. Alguém pode 
ter uma experiência religiosa sem necessariamente pertencer a uma religião, no senti-
do explicado logo mais abaixo. Aliás, isso é uma coisa muito comum na atualidade. 
Por religiosidade entendemos a manifestação da experiência religiosa, da expe-
riência da transcendência, feita por pessoas e grupos e expressa nas suas diversas 
formas individuais e culturais (orações, crenças, festas, celebrações, símbolos, ritos, 
rituais etc.). Trata-se da crença num ser sobrenatural, transcendente, considerado o 
criador e mantenedor da ordem cósmica e que se expressa através de atos e objetos 
visíveis. A religiosidade é a busca do princípio infinito que está na origem da vida e do 
universo, bem como na sua conservação e ordem, manifestada publicamente, exteri-
ormente. Neste sentido, a religiosidade é uma experiência profundamente antropológi-
ca, uma vez que é próprio do ser humano revelar de modo bem claro e visível o desejo 
de ir além de si mesmo, de autotranscender-se. Também a religiosidade pode existir 
sem ligação direta com a religião. 
A religião, por sua vez, é a institucionalização da experiência religiosa e da reli-
giosidade, a padronização do caminho para a relação com o Transcendente, feito por 
um grupo social ou cultural. A religião se caracteriza por uma estrutura simbólica bem 
definida, através da qual ela procura dar unidade e coesão à existência humana. Qua-
se sempre toda religião, enquanto sistema e enquanto instituição, afirma ter uma ori-
gem sobrenatural, pretende ser a única verdadeira, se alicerça na crença em um ente 
superior e transcendente. Seu enfoque é sempre a divindade (Ibid. p. 67-77). 
Uma vez definida a distinção entre os três elementos, podemos agora verificar 
qual a compreensão de religião que se teve ao longo dos séculos. Veremos que exis-
tem duas maneiras diferentes de ver esta mesma realidade. Uma mais ocidental e cris-
tã e outra mais oriental e não cristã. Para a Antropologia da Religião as duas visões 
são significativas e se completam. 
A primeira grande discussão sobre termo “religião” aconteceu no final do século 
XVIII com o filósofo alemão Schleiermacher nos seus célebres discursos Sobre a religi-
ão. Ele manifestava certa insatisfação com a tendência da maioria dos estudiosos do 
fenômeno religioso que identificavam o termo com o cristianismo. Convidava-os então 
a ampliar o conceito, vendo o cristianismo como uma entre tantas religiões existentes 
no planeta. De fato, havia naquela época um preconceito do cristianismo contra as de-
mais religiões, vistas como impostura. Schleiermacher via a religião como substantivo, 
ou seja, como “sentimento do Infinito” e não tanto como algo funcional para as socie-
dades. A partir dessa situação surgiu a necessidade de se definir melhor o significado 
da palavra latina religio (FILORAMO; PRANDI, p. 253-254). 
 A meu ver a mais simples e, ao mesmo tempo, mais interessante definição de 
religião foi dada por Tylor: religião é “a crença em seres espirituais” (apud MARCONI; 
PRESOTTO, p. 151). Porém, é preciso dizer logo de imediato que o termo português 
“religião” (do latim: religio) é totalmente estranho à quase totalidade das culturas religi-
osas. É um conceito exclusivo da civilização ocidental e se não tivermos cuidado no 
uso deste termo podemos não expressar corretamente aquilo que pretendemos dizer 
com ele. A palavra “religião”, por exemplo, não aparece na Bíblia judaico-cristã. Nas 
outras religiões existem diferentes conceitos para indicar a autocompreensão que elas 
têm de si mesmas. Assim sendo, para que haja uma exata compreensão daquilo que 
comumente chamamos de “religião” é indispensável considerar também o que dizem 
disso as culturas não ocidentais (MASSENZIO, p. 178-184). 
O conceito de religião (religio) tem origem na cultura latina pré-cristã. A palavra 
religio estava associada aos comportamentos que expressavam escrúpulo, consciên-
cia, exatidão e lealdade. Servia para indicar um estilo de comportamento marcado pela 
rigidez e pela precisão. Não tinha a conotação que possuirá mais tarde. No máximo 
chegava a indicar as modalidades de execução de um rito rígido e escrupuloso, próprio 
da religião romana. 
 No século V d. C. o escritor latino Macróbio referindo-se a outro escritor, Sérvio 
Sulpício, afirma que o termo religião deriva do verbo relinquere, isto é, deixar, abando-
nar. Religião seria o ato de abandonar-se nas mãos de Deus. Mas o significado não 
teve muita repercussão. Preferiu-se continuar com a definição proposta por Cícero por 
volta do ano 45 a.C. na sua obra De natura deorum (Sobre a natureza dos deuses). 
Para este escritor o termo religião vem de relegere e significaria uma observância es-
crupulosa do rito, acompanhada de uma precisão repetitiva de atos devocionais dirigi-
dos à divindade. Afirma Cícero: “Os que consideravam com cuidado e, por assim dizer, 
reliam tudo o que se referia ao culto dos deuses eram chamados de religiosos, de rele-
gere” (apud FILORAMO; PRANDI, p. 255-256). 
Mais tarde, entre os séculos III e IV d. C., o escritor Lactâncio, chamado “o Cíce-
ro cristão” vai rejeitar a leitura ciceroniana, afirmando que o termo “religio” vem de reli-
gare. Neste caso a religião seria um vínculo de piedade que nos une e nos liga a Deus. 
Naturalmente por trás dessa definição estava não só uma preocupação filológica, mas 
tambémuma tendência ideológica. Lactâncio queria contribuir para o fortalecimento do 
cristianismo e purificá-lo dos resquícios do ritualismo das chamadas religiões pagãs. 
Definindo a religião como vinculum pietatis (vínculo de piedade) Lactâncio afirmava o 
caráter de dependência gerada pela mesma: a criatura depende do seu Criador. 
 A questão será retomada mais tarde por Agostinho, especialmente no De civitate 
Dei (A Cidade de Deus) e no De vera religione (A verdadeira religião). Tentando não se 
opor a Cícero, Agostinho busca um significado intermediário: do termo relegere passa 
para a expressão religere, isto é, “reeleger”, entendendo-a como movimento humano 
de retorno a Deus. Partindo provavelmente da sua experiência pessoal, Agostinho en-
tende a religião como sendo uma passagem da negligência para a diligência, ou seja, 
do descuido para a atenção, o cuidado para com Deus, fazendo dele o centro das a-
tenções e do amor da pessoa humana. 
 A partir de Agostinho a religião passa a ser definida como ligação, feita de sub-
missão e de amor, entre a pessoa humana e Deus. Mais tarde Tomás de Aquino, na 
sua Suma Teológica, unificará os diversos conceitos, afirmando que tanto faz que reli-
gio venha de relegere como de religere. O importante, na opinião dele, é entender que 
ela implica uma relação com Deus. Tal concepção passará de forma definitiva para a 
cultura cristã. E como o cristianismo, especialmente na sua versão católica, foi durante 
muitos séculos o único modelo de religião na Europa, o conceito tomista permaneceu 
imutável mesmo depois do debate provocado pelo iluminismo. 
 Porém, dizíamos antes, não podemos esquecer que em outras culturas existem 
significados próprios de religião que chegam a serem diferentes daqueles dados pela 
cultura latina e pelo cristianismo. Não podemos, mesmo que brevemente, deixar de 
analisar tais conceitos, uma vez que eles são importantíssimos para o nosso objetivo 
que é estudar a religião como manifestação antropológica e cultural. 
 Antes de tudo é importante afirmar que para as culturas mais antigas, como a-
quela dos aborígines da Austrália, a religião nada mais era do que a transmissão, atra-
vés da crença, “de uma visão da vida, uma atitude perante a vida e uma norma para o 
bem viver” (KÜNG, 2004, p. 16). A religião estava intimamente vinculada com a vida 
concreta das pessoas. A separação entre religião e vida é algo recente, fruto do positi-
vismo e da modernidade. 
No hinduísmo, por exemplo, considerado a religião atual mais antiga, a religiosi-
dade está tão associada à vida que é impossível dissociá-la da alegria e da festa. De 
fato, como todas as religiões mais antigas, também o hinduísmo tem a sua origem nos 
cultos de fertilidades. Nesses cultos o encontro com a divindade se dá na vida concre-
ta, naquilo que as pessoas realizam ao longo dos ciclos da vida. Por essa razão a força 
dessas religiões se manteve estática e presente por milênios, tendo os seus ritos e cul-
tos atravessado dezenas de séculos (Ibid., p. 55-60). 
A religião para os antigos, para as antigas civilizações, é um repetir-se de rituais 
e de ritos que coloca as divindades em contato com as pessoas para oferecer aos se-
res humanos segurança e proteção. Há, pois, uma verdadeira relação entre os cultos 
religiosos, a natureza, a casa (família, comunidade) e o templo. Diferentemente de nós 
ocidentais, as religiões antigas, e, sobretudo, as orientais, não conseguem separar o 
divino do humano. Toda a realidade está permeada pela presença da divindade, de 
modo que haveria uma “sacralização” de tudo, pois toda a realidade, todas as coisas 
da natureza expressam o transcendente e dele são símbolos. Nesse sentido elas foram 
muito valiosas para a humanidade porque, com essa sensibilidade, souberam venerar 
e preservar a natureza. Pelo contrário, os ocidentais com a visão de que o ser humano 
é o “representante” de Deus para “dominar tudo” (Gn 1,28-30), acabaram por destruir o 
planeta, colocando em sério risco a vida na Terra. 
Poderíamos então afirmar que segundo essas culturas não ocidentais, a religião 
é a intervenção permanente da divindade para corrigir o caos, para gerar a vida, para 
pô-la em ordem e para manter essa ordem. Pôr em ordem aqui significa fazer com que 
cada ser e cada coisa funcionem com perfeição, interajam com os demais, sem amea-
çar ou desequilibrar a inteira criação. É o que vemos, por exemplo, na narrativa judai-
co-cristã primitiva da criação do mundo, na qual a divindade age para pôr ordem no 
caos reinante que fazia da terra algo “deserto e vazio” (Gn 1,1-2). Uma intervenção que 
se deu no início, mas que continua no presente, nos momentos mais significativos da 
vida das pessoas e das comunidades. Portanto, para as culturas não ocidentais a reli-
gião não é, como hoje, algo privatizado, uma relação do indivíduo com a divindade, 
mas uma atividade essencialmente comunitária. O divino age na comunidade e por 
meio da comunidade. Para se comunicar com o divino a pessoa precisa estar inserida 
num grupo, numa comunidade. Isolada ela não consegue essa façanha. 
Isso também está presente, por exemplo, na cultura chinesa com cerca de cinco 
mil anos de história (KÜNG, 2004, p. 96-148). Nela a religião está muito voltada para a 
questão da vida. Nascimento, casamento, morte e outros acontecimentos são ocasiões 
para venerar os ancestrais e os deuses. Aliás, nessa religião os deuses são domésti-
cos, no sentido que a religião funciona sem a presença de sacerdotes, sem doutrinas, 
sem dogmas, sem normas religiosas e sem hierarquia para vigiar o comportamento das 
pessoas. 
Não é, pois, de admirar que tal cultura religiosa fascine os ocidentais, especial-
mente pelo seu humanismo ético, no qual se passa de uma religiosidade mágica para a 
racionalidade. Tal passagem consiste basicamente na prioridade dada ao ser humano 
em relação aos espíritos e aos deuses. Por essa razão, ainda hoje, buscamos, nos chi-
neses, soluções para alguns dos nossos problemas. Mais recentemente tem crescido a 
busca pela medicina chinesa, especialmente a de tradição taoísta, a qual está revestida 
da visão integral do ser humano (Ibid., p. 123-124). 
As culturas não ocidentais, especialmente as mais antigas, costumam não dar 
conceitos descritivos das coisas e das realidades. Elas preferem a linguagem indireta, 
como, por exemplo, a narrativa de mitos e o uso de simbologias. Analisando essa lin-
guagem simbólica e mitológica podemos concluir que, para tais culturas a religião é: a) 
intervenção da divindade para manter o ser humano integrado numa comunidade; b) 
resposta do ser humano assumindo a sua condição de criatura da divindade, partici-
pando da comunidade; c) relação com a divindade que se expressa em relações éticas 
com os demais membros da comunidade; d) relação com o transcendente que gera no 
sujeito dever moral e responsabilidade social; e) relação com o divino que determina o 
respeito pelo outro; f) relação com o divino que faz do sujeito filho da Terra e cultivador 
de uma grande harmonia com a natureza; g) relação que se abre para a transcendên-
cia, para uma vida que se amplia para além dos horizontes terrenos. 
 
4. Tipologia das religiões 
Depois de termos entendido o conceito de religião cabe-nos a tarefa de analisar 
sua tipologia. Não podemos esquecer que os detalhes, as nuanças, geralmente são as 
mais importantes características de uma tradição religiosa. Por isso autores como Ter-
rin insistem em dizer que toda classificação das religiões é imprópria porque se baseia 
em critérios que terminam por ser discriminativos (p. 319-320). Assim sendo, quando 
se quer tentar uma classificação, duas coisas são muito importantes no estudo das re-
ligiões: a) que o estudioso esteja muito atento para o paradigma de religião do qual ele 
é portador; b) que o fenômeno religioso seja profundamente examinado em todas as 
suas estratificaçõese não de modo superficial. 
 Somente a partir desses dois princípios é que se pode tentar uma tipologia que 
possa ordenar a grande quantidade de religiões. Sem tais cuidados corre-se o risco de 
construir apenas rotulações, as quais não são suficientes para expressar toda a com-
plexidade, variedade e riqueza do fenômeno religioso. De fato, “a exigência de rotular 
as religiões carrega também o risco de construir um mapa abstrato de etiquetas, em si 
mesmo insuficiente para expressar a complexidade e a polivalência dos objetos assim 
definidos” (FILORAMO; PRANDI, p. 275). Os estudiosos da questão afirmam, então, 
que é preciso fazer uma abordagem científica mais ampla e mais aberta. Nesse tipo de 
classificação, que geralmente parte de um traço saliente ou primário, não se há a pre-
tensão de comprimir a complexidade de um fenômeno religioso nos limites de uma de-
terminada abordagem. Trabalha-se, no dizer de Neville, com “categorias vagas”, com 
conceitos que deixam sempre espaço para a inclusão em seu âmbito de elementos 
novos. 
Outra questão problemática que influencia a classificação das religiões é a difi-
culdade que os estudiosos encontram para separar a religião da magia. Mais adiante 
estudaremos mais detalhadamente esta questão. Porém, para ajudar na compreensão 
da tipologia das religiões é suficiente dizer agora que a magia é uma espécie de medi-
ação das forças ocultas que se sobrepõem à realidade. Algo que projeta o seu humano 
além do nível do normal e do real. A magia também lida com potências sobrenaturais 
visando governar o mundo e dominá-lo. Embora não tenha necessidade de deuses e 
de espíritos, a magia leva à superação do natural fazendo com que haja uma harmonia 
entre os desejos do ser humano e as pretensões do sobrenatural. Através da ação do 
operador mágico ou da conduta mágica o sobrenatural é incorporado ao mundo e este 
é transformado por aquele. Assim as coisas voltam ao normal (MASSENZIO, p. 95-99). 
Tendo presentes essas considerações, a maioria dos estudiosos classifica as religiões 
em duas categorias (FILORAMO; PRANDI, p. 276-282): 
 
a) Religiões étnicas ou pré-históricas, ligadas às culturas primitivas, mais anti-
gas. Elas inicialmente eram iletradas, embora mais tarde passassem a serem 
dotadas de escrita. Uma das suas principais características é a de não ter um 
fundador historicamente identificável e nem uma mensagem para ser trans-
mitida às gerações seguintes. Exemplos desse tipo de religião: a religião e-
gípcia, as religiões do Oriente Médio, o hinduísmo, as religiões pré-
colombianas e as próprias religiões grega e romana. Geralmente essas reli-
giões são politeístas. 
b) Religiões universais, isto é, aquelas que são portadoras de uma vocação 
missionária que as leva a ultrapassar os próprios limites geográficos, sociais 
e linguísticos, com a finalidade de fazer adeptos. Possuem um fundador iden-
tificável histórico ou mítico, e uma linguagem a ser transmitida às gerações 
futuras. Normalmente são monoteístas. Exemplos desse tipo de religião: o 
cristianismo, o judaísmo e o islamismo. Com relação ao judaísmo existem di-
ficuldades para encaixá-lo em uma definição tipológica, uma vez que a sua 
vocação universalista firmada durante a diáspora choca com a sua tradição 
étnico-cultural voltada para a sustentação da identidade do Estado de Israel. 
 
Convém lembrar que esta classificação não está revestida de contradição. En-
contram-se traços de universalidade nas religiões étnicas e o fenômeno da inculturação 
nas religiões universais. Na história do cristianismo isso é bem visível. Ela está cheia 
de rupturas e de leituras ideológicas bem localizadas, chegando inclusive a constituir-
se em “confissões” distintas. Tais diferenças se constituíram a partir dos choques dos 
dinamismos da religiosidade popular com a religião oficial ou a partir da relação dialéti-
ca entre religião e política. De modo que para compreender bem uma religião não é 
suficiente deter-se na análise da sua mensagem ou revelação oficial, mas é fundamen-
tal analisar criteriosamente o modo como se deu a sua vivência em determinadas épo-
cas e lugares. 
Embora essa seja a grande classificação adotada pela maioria dos estudiosos, 
existem também outras formas de classificação. Há autores, por exemplo, que falam de 
religiões místicas (primitivas), sapienciais (orientais: chinesas, japonesas) e reveladas 
ou proféticas (judaísmo, cristianismo, islamismo). Outros vão falar de monoteísmo, poli-
teísmo e panteísmo como formas de crença no divino. Porém, como observa muito 
bem Terrin (p. 319-333), uma definição desse tipo, embora tenha o seu lado prático, 
pode cometer injustiças, uma vez que corre o risco de excluir aspectos importantes do 
patrimônio religioso e cultural de cada religião. Ele observa, por exemplo, que toda reli-
gião, de um modo geral, tem os seus aspectos místicos, sapienciais e proféticos. Esta 
classificação pode também conter uma boa dose de preconceito contra determinadas 
expressões religiosas. O cristianismo, por exemplo, até bem pouco tempo atrás discri-
minava muitas formas de religiosidade. E hoje, a grande maioria das pessoas é sensí-
vel a essa questão e não mais aceita atitudes preconceituosas. Por essa razão, se não 
tivermos cuidado, podemos criar conflitos absurdos e desnecessários (Ibid., p. 252-
256). Além do mais, nota ainda esse antropólogo, há o outro lado da moeda: a identi-
dade de cada religião não é absoluta. 
 
É preciso dizer antes de mais nada que nenhuma religião é total-
mente original. Todas as religiões dependem de outras religiões mais an-
tigas, que por sua vez são formações que se devem a uma visão prece-
dente; em outras palavras, são formações sincréticas (Ibid., p. 338). 
 
Pode-se então concluir com Terrin que, sendo a experiência religiosa algo uni-
versal e antropológico, as religiões são consanguíneas e dependentes entre si, possu-
indo uma grande semelhança entre elas. Embora na história das religiões tenham exis-
tido episódios de intolerância e grandes conflitos, precisamos caminhar na direção da 
tolerância. O mundo de hoje é pluralista e aberto cada vez mais às diferenças. Por isso, 
mesmo respeitando o direito de cada religião preservar a sua identidade, somos convi-
dados e convidadas a cultivar a tolerância. No dizer de Terrin, os aspectos culturais 
que diferenciam cada religião nada mais são que degraus, estações e paisagens de um 
mesmo caminho nesta viagem da humanidade em busca do transcendente, do divino 
(Ibid., p. 339-352). 
 
Conclusão 
Concluindo podemos afirmar que no estudo da Antropologia da Religião busca-
mos não apenas refletir sobre o fenômeno religioso, mas também uma compreensão 
do ser humano presente em tais manifestações culturais e religiosas. Com isso quere-
mos contribuir para a construção de uma civilização alternativa que se fundamente nos 
grandes valores da verdade, da bondade, da beleza, da justiça, do amor, da solidarie-
dade. Pretendemos colaborar para a superação da visão meramente consumista e 
egoísta e ajudar na busca de uma ética que tenha como objetivo o bem-estar integral 
de todas as pessoas que formam a nossa sociedade. Neste sentido essa disciplina es-
tá intimamente relacionada com a Ética. 
O conhecimento da realidade e da verdade não é fim em si mesmo. A pessoa 
conhece para ser mais. Portanto, o objetivo do conhecimento é o bem do ser humano. 
Todavia o ser humano é uma realidade complexa e tal complexidade se acentua ainda 
mais quando se passa do plano da ação ao plano do ser. Uma manifestação tipicamen-
te humana é a religião. Ela não está presente nos outros seres vivos. Os antropólogos 
nos informam que o ser humano desenvolveu a atividade religiosa desde a sua primei-
ra aparição na terra. “A religião é um aspecto universal da cultura e, juntamente com a 
magia, tem despertado o interesse de vários cientistas, desdeo século passado. Todas 
as populações estudadas pelos antropólogos demonstraram possuir um conjunto de 
crenças em poderes sobrenaturais de alguma espécie” (MARCONI; PRESOTTO, p. 
151). 
Isto mostra que o ser humano é um ser religioso, isto é, aberto ao infinito, insaci-
ável, que busca a ponto de ir até realidades fora de dele mesmo. Por isso ele é um ser 
autotranscendente, capaz de superar a si mesmo. Diferente dos outros animais possui 
uma “alma”, isto é, uma realidade profunda e singular que não pode ser totalmente co-
nhecida pelos outros, uma interioridade que não pode ser violada. Portanto, um ser que 
possui algo a mais, além daquilo que aparece. Possui o desejo de sobreviver, de não 
morrer. Um ser que traz em si um elemento de espiritualidade: consciência de que nele 
habita um “Si mais profundo” (Radhakrishnan), uma “luz” que nenhuma potência pode 
extinguir. O estudo da Antropologia da Religião quer aprofundar essa perspectiva, uma 
vez que ela é bem condizente com a verdadeira condição do homem e da mulher dos 
nossos dias. 
A experiência nos faz perceber que, ainda hoje, os seres humanos, através dos 
cultos e rituais religiosos, tanto públicos como privados, “tentam conquistar ou dominar, 
pela oração, oferenda, sacrifícios, cantos, danças etc., a área do seu universo não 
submetida à tecnologia” (MARCONI; PRESOTTO, p. 151). Os “registros arqueológicos 
mais antigos sobre religião datam do Paleolítico Superior, com o homem de Neander-
tal, que enterrava seus mortos com oferendas, demonstrando assim uma crença em 
algo sobrenatural” (Ibidem). Portanto, temos registros arqueológicos que nos assegu-
ram que há pelo menos 150 mil anos o ser humano já era religioso. 
 
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