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artigo mediação 2015

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MEDIAÇÃO DE CONFLITOS EM CONTEXTO ESCOLAR
Antônio José Tavares Lima[1: Mestre em Educação e Contemporaneidade (UNEB); Especialista em Educação, Estética, Cultura e Semiótica (UFBA); Graduado em Psicologia e História (UFBA); Professor do ensino superior, (FRB: FAT e FAN); psicólogo clínico e escolar.]
Os meios alternativos formais de resolução de conflitos, vulgarmente designados por ADR (Alternative Dispute Resolution), surgiram na década de 70 nos Estados Unidos da América e se espalharam pelo mundo ocidental. Na Justiça brasileira não existe ainda consolidada uma cultura que valorize esses métodos alternativos, mas crenças que estimulam a resolução das querelas por meio de processos nos tribunais. Um importante passo para mudar essa realidade foi a aprovação no dia 29 novembro de 2010, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a Resolução número 125, que institui a “Política Nacional de Tratamento dos Conflitos de Interesses”. A partir dessa data fica determinado que os Tribunais de Justiça devam oferecer, além da solução dos processos com as sentenças dos juízes, mecanismos alternativos de resolução dos conflitos entre as partes por meios consensuais. De acordo com o CNJ, a política de conciliação, além de desafogar o judiciário, objetiva promover pacificação social.
Os meios alternativos de resolução de conflitos englobam, entre outros, mediação, negociação, arbitragem e conciliação. Na mediação existe uma terceira pessoa que visa restabelecer o diálogo entre as partes; na negociação não existe a terceira pessoa, as partes resolvem o problema diretamente; na conciliação, a terceira pessoa interfere ativamente visando possibilitar um acordo; e na arbitragem uma terceira pessoa é eleita para tentar resolver o conflito.
As primeiras experiências de Mediação Escolar aconteceram nos Estados Unidos, mas precisamente em 1982, no Community Boards de San Francisco. Progressivamente, os programas de administração de conflitos no contexto escolar estendem-se por todo o mundo e, atualmente, existem experiências maduras na Nova Zelândia, Austrália, Canadá; na Europa, podemos encontrar experiências desta natureza em países como Portugal, França, Grã-Bretanha, Suíça, Bélgica, Alemanha, Espanha, dentre outros. Na Argentina existe um Plano Nacional de Mediação Escolar, sendo uma prática amplamente disseminada no país. 
Nas escolas brasileiras ainda são frágeis essas experiências, predominando estratégias punitivas no enfrentamento dos conflitos. Uma exceção a essa regra é o Estado de São Paulo. No ano de 2010 foi criado o cargo de professor mediador educacional e comunitário, ligado ao Sistema de Proteção Escolar, que visa, dentre outros objetivos, coordenar ações para prevenção, mediação e resolução de conflitos nas escolas estaduais. Atualmente cerca de 2.500 escolas são contempladas com a presença de professores mediadores. Contudo a realidade dos demais Estados é bem diferente. Essa questão é grave, posto que, no geral, os gestores das escolas brasileiras não sabem administrar conflitos e utilizam estratégias que terminam agravando um quadro que já é crítico. 
Conflito é uma palavra que não representa um aspecto específico da realidade, mas determinados tipos de interações, sendo impossível definir contornos fixos para balizar seus significados. A origem etimológica do termo vem do latim conflictu (choque, embate, antagonismo, oposição) e do verbo confligere, que significa lutar. Os conflitos, portanto, se relacionam com as diferenças, sendo gerados a partir da contraposição de ideias ou de condutas. Existem diferentes formas de interpretar suas causas e significados. Destacarei aqui as três perspectivas consideradas fundamentais para abordar o tema. 
A primeira, de orientação funcionalista, assentada principalmente nas ideias de Durkheim (1995) anuncia que os conflitos seriam a causa do mau funcionamento na sociedade. Nesta perspectiva os conflitos são entendidos como fenômenos negativos, que devem ser eliminados para possibilitar o bom funcionamento das organizações e das relações interpessoais. 
A segunda, de orientação marxista, considera que os conflitos são produtos das contradições estruturais da sociedade. Contudo, Marx (2004) acreditava que os conflitos possuíam um papel decisivo na transformação social, atuando como “motor da história”. Dentro desta perspectiva, os conflitos acabariam quando a sociedade superasse as contradições, o que aconteceria, segundo o autor, no comunismo.
A terceira tendência, que corresponde à orientação deste texto, afirma que os conflitos são inevitáveis no convívio humano, posto que não existe sociedade totalmente homogênea, logo o dissenso, em diferentes níveis e implicações, é inevitável. A diferença é, ao mesmo tempo, base da vida social e fonte permanente de tensão e conflitos. Um importante pensador desta abordagem é Georg Simmel. 
Simmel (1983) considerava o conflito a substância existente nas mais diversas relações entre os indivíduos, podendo produzir momentos de construções e destruições, tanto nas instituições, estruturas, arranjos, processos e interações sociais. O autor descarta o caráter negativo dos conflitos, que passam a ser percebidos como elementos dinamizadores e transformadores da sociedade. Por outro lado, o conflito é entendido como um tipo de interação social, posto que, mesmo envolvendo ações consideradas agressivas, existe espaço para o outro se defender. Pode-se dizer que o conflito torna-se violento quando deixa de ser uma interação. Dito de outra forma, quando acontece a negação do outro seja pela imposição do silêncio, seja pelo seu esmagamento ou destruição da sua capacidade de lutar.
Nos cenários atuais existem três correntes principais que orientam a prática da mediação de conflitos no mundo: o modelo Tradicional-Linear desenvolvido em Harvard, o modelo Transformativo e o Narrativo Circular. O objetivo central do modelo de Harvard é resolver de forma conciliatória o conflito, não havendo maiores ênfases no contexto que produziu a querela, nem nos pontos de desacordo entre as partes. Visa às posições e interesses dos envolvidos, sem levar em consideração o fator relacional. Por essa razão, não tenta modificar as relações entre as partes, apenas produzir um acordo. As técnicas utilizadas na Escola de Harvard se aplicam com maior frequência em negociações comerciais (FISHER, URY & PATTON, 2005).
O modelo transformativo segundo Joseph Folger & Robert Barush (1999) tem como foco as relações interpessoais e não necessariamente o acordo, que passa a ser entendido como uma possibilidade e não um objetivo. O contexto onde emergiu a querela torna-se objeto privilegiado de intervenção. A direção é tentar diluir o clima de disputa, possibilitar o diálogo e transformar a relação. O acordo seria consequência dessa transformação. Este modelo é muito utilizado em contexto familiar. 
O modelo narrativo circular, desenvolvido por Sara Cobb (1991), segue uma direção semelhante, tendo como principal objetivo restaurar o diálogo, contudo, volta-se também para a obtenção do acordo. O pressuposto teórico deste modelo é o pensamento sistêmico e sua proposta da circularidade narrativa, além do enfoque sobre redes sociais. 
Dentro dessa perspectiva, a realidade humana é interpretada como uma processo construído narrativamente nas interações sociais. Os conflitos se inscrevem na mesma ordem, envolvendo interpretações que, como tal, não são neutras, mas carregadas de distorções, ideologias e interesses pessoais. A direção da mediação neste modelo é possibilitar a construção de narrativas alternativas, que gerem outra compreensão do desentendimento, modifiquem a relação entre as partes e viabilizem o acordo. O seu principal foco de atenção é a família, mas também pode ser usado nas escolas.
A seguir serão narrados três exemplos de mediação que foram desenvolvidos em uma escola da rede pública de Salvador entre os meses de agosto e setembro de 2010. A direção das mediações seguiu uma orientação híbrida, em alguns casos me aproximando da práticada conciliação e, em outras, do modelo transformativo ou do narrativo circular. Um princípio geral seguido em todos os casos foi à dimensão narrativa dos conflitos, compreendidos como produto da interpretação dos diferentes autores envolvidos. Outro princípio foi priorizar a restauração do diálogo, sem perder de vista a importância da conciliação. Não haviam número determinados de sessões e as mediações eram realizadas tanto separadamente, como na presença dos envolvidos.
Durante os dois meses que realizei mediações, acompanhei trinta e dois conflitos, todos entre os estudantes, sendo quatorze entre rapazes e dezoito entre garotas. Em todos os casos mediados foi estabelecido o diálogo e, em vinte e oito, foi possível promover uma conciliação. No geral resultavam de algum mal entendido, que gerava agressão. Esta era a tônica local: qualquer motivo podia produzir agressões físicas ou verbais. Não tive contato com situações mais graves, como rivalidades de bairro, dívidas, ou tráfico. Os motivos frequentes não envolviam grandes disputas, mas problemas simples como mal entendidos, o tom de voz usado pelo colega, uma brincadeira de luta que virou briga, uma fofoca sobre namoro, dentre outros. Segue a análise de quatro destes casos. 
CASO 1
Naquela manhã a escola estava tranquila, com poucos alunos caminhando pelos pátios e corredores. Resolvi passar na sala da direção quando encontrei uma concentração de alunos em frente da sala da coordenadora do fundamental II, o que geralmente sinaliza algum problema. Ao chegar à sala havia um grupo de sete alunos, sendo duas meninas e cinco garotos, todos do sexto ano. Não havia educador na sala e quando os alunos me viram, vieram me contar suas histórias. Todos começaram a falar ao mesmo tempo, até que finalmente consegui um pouco de ordem. 
Eduardo se queixava de ter tido seu casaco rasgado por alguns colegas e acusava dois, que estavam presentes, de terem participado da agressão. Fato que ambos negavam veementemente. Procurei saber mais detalhes do que havia acontecido e Fabrício contou que tudo começou “com uma brincadeira de passar maquiagem no rosto dos garotos, ai o casaco dele rasgou”. João afirmou que todos participavam da brincadeira, mas o Eduardo insistia em dizer que ele não. A história foi contada algumas vezes até que finalmente perguntei para o dono do casaco se ele queria que pagassem seu prejuízo e, para minha surpresa, ele disse que não. 
	Este caso é exemplar entre os conflitos acontecidos na escola. Um grupo de alunos começa brincando de alguma coisa e, de repente alguém não gosta de algo que aconteceu, reage e algum aluno se sente agredido. Começa uma briga e alguém da instituição leva os envolvidos para uma das salas dos gestores. Lá chegado todos querem se livrar das acusações e passam a jogar a culpa para o outro. O caminho que desenvolvi para mediar estas situações era fazê-los entender que não estava à procura de culpados, para finalmente puni-los. Isto era fundamental para conseguir que mudassem o discurso da posição de vítimas, manipulando o educador visando se livrar de uma possível punição, para um discurso de agentes responsáveis pelos seus atos. 
Quando Eduardo disse que não queria pagamento pelo prejuízo, percebi que havia surgido abertura para uma conciliação. Então perguntei: O que você quer que seus colegas façam? Ele não sabia. De repente, entra na sala uma gestora. Ela percebeu qual a direção às coisas estavam tomando, mas não se sentiu satisfeita. Em sua opinião deveria haver algum culpado pela briga. Então exigiu que o responsável pelo início da brincadeira aparecesse. Neste momento o clima se desfez e todos voltaram à postura de defesa e de ataque. 
No final, a gestora conseguiu o que queria, ou seja, um culpado. O aluno foi ameaçado de suspensão e, por fim, encaminhado para a sala de aula. Perguntei, então, para que servia descobrir o “culpado” se eles já haviam se entendido? A educadora me respondeu: “Para ficar como exemplo, aqui não é lugar de bagunça, eles precisam aprender a se controlar, a ter disciplina e não ficar brigando o tempo todo”. Indaguei se ela achava possível um convívio sem conflitos. Ela ficou meio indecisa e concluiu que: “Isso é falta de educação”. 
Esta fala evidencia muito mais do que uma estratégia de intervenção, uma forma negativa de interpretar o conflito. Na sua compreensão a escola deveria ser um lugar de ordem e disciplina, sem maiores desentendimentos entre os alunos: “aqui não é lugar de bagunça”. De acordo com Ariès (1973), esta concepção de escola surge na Europa ocidental, mas precisamente na Inglaterra e na França a partir de fins do século XVII. Segundo o autor, a vida escolástica surgiu da passagem de uma educação reservada a um pequeno número de clérigos, para se tornar, no início dos tempos modernos, um meio de isolamento e adestramento das crianças. Desta forma, os professores passaram a submeter o aluno a um controle cada vez mais rígido, de forma, que no século XIX, a instituição ideal passou a ser o internato. Uma nova noção de moral se instala onde a criança bem educada torna-se sinônimo da criança obediente. 
A concepção de obediência nas sociedades complexas contemporâneas, diferente dos cenários onde emergiram este modelo de educação, é atravessada por uma constante tensão onde as hierarquias e a distribuição do poder estão sempre em questionamento. DaMatta (1982) lembra que nas sociedades tradicionais, mais estáveis ou integradas, a possibilidade do consenso era maior, diferente dos cenários atuais, marcados pelo dissenso em vários níveis. Isso torna os conflitos permanentes e a necessidade de negociação um imperativo. Conseguir obediência neste contexto, portanto, envolve um processo mais complexo, onde o poder deixa de ser simplesmente imposto, para ser negociado. 
CASO 2
Ao chegar no pátio central ás 8 horas fico sabendo que havia ocorrido uma briga. Procuro saber detalhes e descubro que conhecia um dos envolvidos. Sigo para a sala da diretoria e lá estava Felipe, então me aproximo e procuro saber o que houve. Neste instante chega uma educadora com outro rapaz que havia brigado com Felipe, era Bruno. Ela os deixa comigo e se retira. O clima era tenso e ambos começaram a trocar acusações, tentando culpar o colega pela briga. Finalmente consigo que ambos entendam que não quero saber quem foi o culpado, apenas conhecer suas histórias. Felipe foi o primeiro a falar: 
Eu estava com Fábio olhando as garotas, quando Bruno passou e tirou meu boné. Eu disse para ele que não queria brincadeira, para ele parar, mas ele não parou. Aí eu dei uma chave de pescoço nele e ele me deu um soco no rosto e eu dei outro soco nele (Fala de aluno). 
Pedi para Bruno contar sua versão. Ele me narrou que Felipe tinha olhado para ele “(...) atravessado, por isso que tirei o boné dele”. Perguntei o que significava “olhar atravessado”. A resposta foi: “Ele estava me provocando”. Procurei saber como ele poderia ter certeza do significado do olhar de Felipe. Bruno insistiu que conhecia bem aquele jeito de olhar. Deixei que ele falasse livremente e descarregasse sua raiva. Por fim pedi para Felipe contar sua versão e ele disse que estava olhando as garotas quando Bruno tirou seu boné. Neste interim Felipe começou a hesitar e reconheceu que poderia ter se enganado. 
Este exemplo também traduz de forma didática os conflitos locais, marcados pela inexistência de grandes divergências ou disputas. A lógica aqui parecia apontar para outra direção. Nos cenários contemporâneos, marcados pela crescente valorização do individualismo, o sujeito se sente, ao mesmo tempo, mais “livre” para ser quem ele “quiser” e mais inseguro e perdido diante de tantas incertezas. Esse quadro tende a se agravar no Brasil, onde a exclusão atinge grande parcela da população, particularmente, os jovens. Por outro lado, ninguém cria sozinho ou escolhe para si uma identidade. É no reconhecimento do olhar do outro que se constitui a experiência de uma identidade. Assim o individualismo, somado à exclusão social, potencializaas incertezas, deixando o sujeito mais inseguro e dependente do reconhecimento do outro para consolidar sua identidade. 
No contexto da escola, os conflitos constantes que pipocavam no seu interior não envolviam grandes disputas ou oposições, mas, quase sempre mal entendidos banais, como o tom de voz ou olhar. Não era necessário muito para que os estudantes se sentissem ofendidos e partissem para uma agressão. Esta dinâmica parecia esconder, ao mesmo tempo, uma enorme necessidade de ser aceito, misturada a uma crescente incapacidade de tolerar qualquer ameaça de rejeição. 
Considerando-se essa complexidade, a direção da minha mediação foi tentar desfazer o mal entendido. No início eles relutaram, defendendo seus pontos de vista, mas, aos poucos, o clima foi se tranquilizando e ambos conseguiram escutar o ponto de vista do outro. Bruno terminou reconhecendo que se precipitou ao julgar o olhar de Felipe. Este reconheceu que exagerou ao agredir o colega. Ambos, sem maiores dificuldades, se deram conta da parte que lhe coube nas causas da briga, sendo que Felipe pediu desculpas pelo que fez a Bruno, que aceitou. No final apertaram a mão e se abraçaram emocionados. 
Caso 3
	Havia decidido chegar à escola sempre por volta das 9 horas, por considerar que as relações ficavam mais intensas a partir desse horário. Nesse dia, segui direto para a sala da direção e, ao chegar lá, encontrei dois jovens sentados sozinhos. Antes que eu pudesse conversar com eles, uma gestora chegou e instalou um clima de interrogatório. Sem fazer qualquer pergunta sobre o ocorrido, ela pegou o livro de “ocorrências” e foi lembrando a cada um, antigos episódios. Acusações foram feitas e os alunos nada falaram. Em determinado momento a gestora se irritou, pediu para eu resolver o problema e se retirou da sala. 
Os dois envolvidos estavam bem calmos e pareciam já ter se conciliado, pois se comunicavam normalmente. Eram João (13 anos) e Marcos (14 anos), alunos do 8º ano. Procurei então saber o que tinha acontecido. João me disse que não tinha acontecido nada, que eles eram amigos. Acrescentou: “Aquela professora é muito estressada, ninguém pode fazer nada que ela expulsa da sala”. O outro estudante, que havia permanecido calado até este momento, disse que estava conversando com João quando “brincando” o chamou de “bicha-louca” e a professora os retirou da sala. 
Esse exemplo é didático para exemplificar os equívocos que a lógica punitiva pode gerar. Como seu objetivo é produzir culpados, não existem maiores esforços em escutar os estudantes e tentar compreender o que aconteceu. O diálogo e a escuta eram substituídos pela lógica policial das acusações e ameaças. Essa percepção transformava a escola em uma máquina de punir, agravando ainda mais os conflitos existentes. 
CASO 4
	Estava sentado conversando com os porteiros quando a um funcionário da secretaria me falou que a diretora queria me ver. Chegando lá ela me solicitou mediar o conflito entre dois estudantes, ambos, colegas de sala do quinto ano. A aluna Maria, que tinha 14 anos, dizia que o colega, Manoel (14 anos) havia jogado bolinhas de papel nela, e o mesmo contou que ela o ameaçou. Maria, revoltada com a brincadeira do colega, o ameaçava de agredi-lo fisicamente e ele, indignado, afirmava que revidaria. Ambos estavam muito agressivos, particularmente Maria. Tentei checar a abertura de ambos para um diálogo, mas a aluna estava recalcitrante. Manoel se mostrava mais solícito, mas sempre condicionando sua fala a da colega. Neste momento Maria falou: “Você não sabe o que aconteceu outro dia. A barreira dele veio para cima de mim e eles me bateram. Eu fui ao juizado de menores e dei queixa de todos, porque eu conheço bem eles”. 
Ao ouvir aquelas palavras, Manoel ficou defensivo e negou tudo, embora tenha admitindo que estava entre os agressores, mas não a teria agredido. Acrescentou que: “Ela bateu em um colega que é brother, aí a galera foi para cima, mas eu fiquei no canto e não bati nela”. A aluna se mostrava muito revoltada por conta deste episódio, afirmando que o colega sempre a abusou e ela iria tomar providencias. Perguntei quais providências e Maria disse: “Eu não quero ver ele na minha frente se não eu vou matar ele”. Considerando-se o contexto, achei melhor interromper a mediação. A minha intenção era encontra-los outro dia, mas quando os procurei não mostraram qualquer interesse em continuar a conversa. Sabendo que o diálogo não pode ser imposto e que a mediação possui limites, os deixei livres para me procurarem caso mudassem de opinião. O que não aconteceu, mas, também, não soube novos conflitos entre eles.
Este caso também corrobora o equívoco que a busca de culpados pode levar. Trata-se de uma situação interligada a diferentes episódios, envolvendo diferentes pessoas e interpretações, todas muito tendenciosas e defensivas. Encontrar o ponto de partida deste conflito, diante de tantos desdobramentos e conexões é uma tarefa estéril. A busca por culpados, portanto, é uma jornada sempre marcada pela possibilidade de produzir injustiças e estimular novas agressões. Quando esta tarefa é realizada de maneira apressada e por pessoal sem treinamento adequado, como normalmente acontecia na escola onde aconteceu essa intervenção, essas chances se tornam a regra. Por outro lado, a maior parte dos casos que realizei mediação foi possível uma conciliação, sem maiores dificuldades. Isto sugere que a descrença dos alunos no diálogo, em grande medida, se relacionava com a cultura punitiva que norteava as ações da escola em situações de conflito. 
Cabe lembrar que a mediação de conflitos implica em outra concepção de poder, mais horizontal, onde os sujeitos envolvidos possuem um papel ativo na sua superação. O poder de decisão deixa de se concentrar nas mãos dos educadores e passa a circular também entre os alunos. Este parece ser o grande desafio para os gestores das escolas brasileiras. Abrir mão de um modelo de poder centralizador em nome de um modelo mais democrático e participativo. 
Um desafio que não encontra como maior obstáculo os entraves burocráticos da máquina administrativa do Estado, mas envolve questões que a escola possui autonomia para resolver. O problema central é a existência de uma cultura escolar descrente na utilização de estratégias democráticas para enfrentar os problemas cotidianos. De uma maneira geral, as instituições brasileiras seguem uma lógica parecida. Ainda é muito forte a presença de modelos de poder tradicional, onde não existem maiores espaços para divergências. Os ideais pedagógicos dominantes ainda estão voltados para produzir homogeneizações. Seja na escola ou na família, o ideal de pessoa é o sujeito que aceita se submeter à ordem estabelecida sem maiores questionamentos. Logo, os conflitos de interesses são sempre tratados sobre o signo da rebeldia e da desobediência, não se fortalecendo os espaços de dialogia. 
No Brasil são poucos os estudos sobre experiências de mediação de conflitos na escola, exigindo uma avaliação cuidadosa das possibilidades de implantação desse método, que não deve ser feito por pessoas desqualificadas. A nossa histórica tradição de autoritarismo e descrença no diálogo não será desfeita da noite para o dia. Mais de uma vez ouvi gestores e de professores fazendo referência a alguma experiência democrática que terminou gerando mais conflitos. Essas experiências eram interpretadas como provas inequívocas de que “com esses alunos não adianta dialogar”. Um exemplo muito citado foi à experiência com a brinquedoteca, que teve de ser desativada porque os estudantes “quebravam” e “furtavam” os equipamentos. 
Desenvolver experiências democráticas em nossa sociedade, em qualquer contexto, portanto, não constitui tarefa simples. As escolas tradicionalmente culpam os estudantes pelo fracasso dos seus programas, sem um olhar mais crítico sobre si mesmo. As chances de experiências democráticas funcionarem bem dentro de uma instituição antidemocrática, que não se implica com as ações que ocorrem no seu interior,são frágeis. A crença na justiça e no respeito às regras de convívio coletivo se fortalecem em um ambiente onde existe diálogo. Os alunos precisam ter voz, para que a voz dos educadores seja considerada. Esse é o princípio fundamental da democracia e um grande desafio para as escolas brasileiras no século XXI. Não há como educar jovens forjados em uma cultura individualista, que tem como pressuposto básico a liberdade de escolha, de maneira unilateral, através de imposições e castigos. Uma escola que não consegue mediar às relações que se estabelecem no seu interior se transforma em um clube perverso, onde as violências encontram um ambiente ideal para se proliferarem. 
REFERÊNCIAS
ARIÈS, P. (1981) História social da infância e da família. Rio de Janeiro, LTC.
CATÃO, A.L. Mediação e Judiciário: problematizando fronteiras psi-jurídicas. Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade católica de São Paulo, São Paulo, 2009.
COBB, S. Resolución de conflitos: una nueva perspectiva. In: Acta Psiquiátrica Psicológica de América Latina, 1991, 37 (1), p. 31-36.
DAMATTA, R. As raízes da violência no Brasil: reflexões de um antropólogo social. In: DaMatta, R. et al. A violência brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1982. p.11-44.
FISHER, R; URY, W. 7 PATTON, B. Como chegar ao sim: a negociação de acordos sem concessões. Rio de janeiro: Imago, 1994.
FOLGER, J. P & BUSH, R. A. B. La Promesa de Mediacion. Buenos Aires/ Argentina: Ediciones Granica SA. 2001.
DURKHEIM, É. Da Divisão do trabalho Social. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
MARX, K. (1984), Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844. In FERNANDES, F. (Org.) Marx/Engels. História. São Paulo: Ática, 1984.
Simmel, G., A natureza sociológica do conflito, in Moraes Filho, Evaristo (org.), Simmel, São Paulo, Ática, 1983.

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