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1 
 
HART: O CONCEITO DE DIREITO 
 
Prof. Pablo Antonio Lago 
 
 Apesar de pouco estudado no Brasil, Herbert Hart é um dos juristas mais 
influentes no campo da filosofia e teoria do Direito. Sua obra mais conhecia é O 
Conceito de Direito, que será objeto do presente texto. Dentre suas grandes inovações, 
podemos citar a inclusão de temas da filosofia da linguagem no âmbito jurídico e o 
aprimoramento do positivismo jurídico. 
 Hart, como inúmeros outros juristas, inicia sua obra com a célebre questão “o 
que é Direito?”. Entretanto, percebe a impossibilidade de se alcançar uma definição de 
Direito da mesma forma com que podemos definir termos como “elefante” e 
“triângulo”. O conceito de Direito admite inúmeras concepções, o que implica na 
existência de controvérsias sobre seu sentido. Assim, o empreendimento hartiano pode 
ser visto como uma concepção do conceito de Direito, sem cair no equívoco de 
definições fechadas e universais. 
 Mas o que deve ser analisado dentro de uma concepção de Direito? Segundo 
Hart, percebemos algumas questões primordiais que gravitam ao torno da nossa questão 
principal, sobre o que é o Direito. Estas questões, em síntese, versam sobre a 
obrigatoriedade do Direito, sobre as distinções e relações entre o Direito e outros 
sistemas normativos e, por fim, sobre a natureza das normas e regras em geral. 
 Quanto à obrigatoriedade, ter uma noção clara do que ela significa é 
fundamental para a compreensão do fenômeno jurídico, já que o Direito é um fenômeno 
normativo. Normas e regras estabelecem obrigações, mas estas obrigações possuem 
características específicas – elas não se confundem, como veremos adiante, com uma 
possível “obrigação” de entregar dinheiro a um assaltante. 
 Mas as obrigações são uma característica de normas e regras em geral. O que 
diferenciaria as regras jurídicas das regras morais ou éticas? A segunda questão que 
Hart busca responder diz respeito, portanto, às distinções do Direito e suas relações com 
outros sistemas normativos, como a Moral e a Ética. 
 Por fim, o que são normas? Qual a sua natureza e suas características básicas? 
Como devemos analisá-las? Esta terceira questão também será objeto de análise de 
Hart, principalmente quando constatamos que regras podem ir além da mera estipulação 
de obrigações e nem sempre são apoiadas em sanções. De qualquer modo, quando nos 
2 
 
ocupamos com estas três questões, alcançamos uma compreensão mais aprofundada do 
Direito como um todo. 
 Segundo Hart, muitas teorias jurídicas buscaram responder estas questões. Uma 
delas é a proposta por um filósofo do século XIX, John Austin, que é objeto de crítica 
por parte de Hart nos primeiros capítulos de O Conceito de Direito. Austin teria uma 
teoria jurídica excessivamente simples, que deixa de responder de modo satisfatório 
algumas complexidades que observamos na prática jurídica. Em síntese, para Austin, o 
Direito corresponderia a um conjunto de regras sustentadas por sanções e criadas por 
um soberano (seja um indivíduo ou um grupo de indivíduos), que é habitualmente 
obedecido pela coletividade, mas que não deve obediência a mais ninguém. Quais são 
os problemas apresentados por esta teoria? 
 Hart nos lembra que a linguagem utilizada pelas regras e normas em geral é 
imperativa. Regras e normas não são, portanto, meras afirmações ou pedidos – elas se 
aproximam da ideia de uma ordem. Assim, por exemplo, se digo para algum aluno “saia 
da sala!”, minhas palavras serão interpretadas não como um pedido, muito menos como 
uma pergunta; a depender da entonação e das circunstâncias, elas corresponderão a um 
imperativo. Entretanto, elas não são meras ordens como, por exemplo, o “passa a 
carteira!” emitido por um assaltante. Elas pressupõem algo além, que corresponde à 
ideia de autoridade. Assim, quando emitidos por uma autoridade (que é estabelecida em 
razão de alguma norma, e reconhecida como tal), os imperativos são chamados de 
comandos. A teoria de Austin, a princípio, não é capaz de estabelecer esta primeira 
diferença, o que faz com que sua teoria não seja capaz de responder às diferenças entre 
as ordens de um gângster e os comandos de uma autoridade, reconhecida como tal. 
 Outras diferenças entre a ordem do assaltante e os imperativos jurídicos (normas 
e regras) se fazem presentes. A primeira delas diz respeito à generalidade das regras 
jurídicas: elas têm como destinatária uma coletividade (e.g. a regra que proíbe o 
homicídio), enquanto as ordens de um assaltante são pessoais. Em segundo lugar, as 
regras jurídicas possuem um caráter de permanência no tempo: um homicídio praticado 
não implica no “fim” da regra que proíbe o homicídio; a ordem do assaltante, por sua 
vez, não é dotada de permanência – uma vez entregue o dinheiro e abandonado pelo 
assaltante, não me encontro mais sobre o seu poder; sua ordem é, portanto, localizada 
no tempo e no espaço. 
 Mas a distinção mais importante é a que diz respeito, justamente, ao caráter 
obrigatório das regras jurídicas. Hart sugere uma distinção entre ser obrigado e ter uma 
3 
 
obrigação. No caso do assaltante, “sou obrigado” em razão de uma ameaça. O que me 
motiva a cumprir sua ordem não é a ordem em si, mas sim o medo das consequências 
no caso de descumprimento – prova disso é que, muito provavelmente, ignoraríamos a 
ordem se ela fosse emitida por uma criança com uma arma de brinquedo. Mas, quando 
estamos diante de uma regra jurídica, reconhecemos que ela estabelece uma obrigação 
– a razão principal para cumprirmos ou não uma regra diz respeito ao fato de que ela 
corresponde a uma razão para a nossa ação: em geral, respeitamos regras jurídicas 
porque elas são regras, e não porque tememos eventuais sanções. Assim, por exemplo, 
ainda que tememos receber uma multa, o normal é pararmos no sinal vermelho porque 
ele representa uma regra – devemos parar nosso carro quando vemos o sinal vermelho. 
Regras criam obrigações, deveres, o que não se confunde com as ordens de um 
assaltante. Retomaremos esta diferença mais adiante, quando tratarmos do caráter 
interno das normas. 
 Austin, entretanto, não estabelece claramente esta distinção entre “ser obrigado” 
e “ter uma obrigação”. A eventual diferença residiria no fato de que as ordens do 
soberano, ao contrário das emitidas pelo assaltante, são habitualmente obedecidas. Um 
dos conceitos-chave na teoria austiniana do Direito, portanto, reside na ideia de hábito 
de obediência. Mas será possível explicar satisfatoriamente a obrigatoriedade de regras 
a partir da ideia de hábito? 
 De acordo com Hart, a explicação austiniana é insatisfatória porque a noção de 
habitualidade nada diz sobre a obrigatoriedade das normas. Podemos imaginar um 
exemplo: paulistanos tem o hábito de comer pizza nas noites de sábado. Isso significa 
que há uma regra entre eles de que “paulistanos devem comer pizza nas noites de 
sábado”? Sabemos que não. A mera constatação de habitualidades, de comportamentos 
convergentes, não é o bastante para explicar a natureza das normas e regras em geral. 
Da mesma forma, a mera constatação de que indivíduos seguem as ordens de um 
soberano nada diz sobre o caráter obrigatório destas ordens. 
A partir daí, Hart formula outras críticas à noção de soberania sugerida por 
Austin. Se o soberano é “habitualmente obedecido”, e daí decorreria a obrigatoriedade 
das regras que estipula, como podemos dizer que as ordens de seu futuro sucessor são 
obrigatórias se, acerca delas, ainda não se estabeleceu um hábito de obediência? Em 
síntese, como explicar de modo satisfatório a sucessão de soberanos, se a noção 
austiniana pressupõe a pessoalidade daquele que detém o poder? Ademais, o que faz 
4 
 
comque suas regras sejam persistentes, ou seja, continuam sendo obrigatórias mesmo 
após sua morte? 
 A ausência de respostas satisfatórias para tais questões já seria o bastante para 
abandonarmos a teoria de John Austin. Outra crítica levantada por Hart, entretanto, diz 
respeito ao fato de que nem toda regra ou norma jurídica é dotada de sanção. Hart 
menciona a existência, em sistemas jurídicos complexos como o nosso, de regras que 
estabelecem competências ou procedimentos, cuja natureza é bem distinta das regras 
que estabelecem obrigações de modo direto e que se sustentam em sanções – assim, por 
exemplo, uma regra que estabelece a exigência de três testemunhas para que um 
testamento seja válido é muito distinta da regra penal que proíbe homicídios e 
estabelece uma sanção na hipótese de descumprimento. Poder-se-ia argumentar, 
entretanto (e seguindo uma resposta atribuída à Kelsen), que a nulidade ou invalidade 
prevista no caso de não se seguir um procedimento ou desrespeitar uma competência 
corresponderia a uma sanção. O problema, segundo Hart, é que nós corremos o risco de 
alargar excessivamente o conceito de sanção para abarcar hipóteses que, tipicamente, 
não se enquadram neste conceito e não se alinham às nossas práticas linguísticas. Ainda 
que uma lei elaborada pelo Congresso seja considerada inválida, por desrespeitar 
preceitos formais ou materiais da Constituição, ninguém consideraria que esta 
invalidade corresponde a uma “sanção” atribuída aos legisladores. Da mesma forma, 
ninguém diria que o testador sofreu uma “penalidade” por ter elaborado um testamento 
inválido – ele apenas não obterá os resultados que pretendia. Tem-se, portanto, que uma 
explicação satisfatória do Direito deve abranger tipos normativos que vão além das 
meras regras baseadas em sanções e penalidades. 
 Feitas estas críticas, Hart sugere “um novo começo” para descrevermos o 
Direito, e é a partir daí que entramos na parte substancial de sua concepção sobre o 
fenômeno jurídico. O primeiro passo é verificar a maneira através da qual devemos 
analisar as normas e regras em geral e explicar sua obrigatoriedade. 
 Para Hart, podemos assumir dois pontos de vista com relação às normas: um 
ponto de vista externo e outro interno. O ponto de vista externo é aquele que, em certa 
medida, limita-se à observação de regularidades e possibilita uma análise preditiva das 
condutas. Em síntese, o ponto de vista externo é aquele típico do sociólogo, capaz de 
explicar os “hábitos” constantes na teoria austiniana. Assim, por exemplo, posso 
observar que os indivíduos param seus carros diante do sinal vermelho, e após algum 
5 
 
tempo de observação, sou capaz de dizer com certo grau de certeza que, quando o sinal 
ficar verde, eles seguirão adiante. 
 O ponto de vista externo, entretanto, não é capaz de explicar a obrigatoriedade 
do Direito. Como já mencionado, a mera observação de comportamentos convergentes 
não constitui uma regra (lembrem-se do hábito paulistano de comer pizza aos sábados). 
O que precisamos, segundo Hart, é compreender a ação dos indivíduos que se sujeitam 
às regras e normas – devemos nos colocar em seu lugar, o que significa assumir um 
ponto de vista interno. Quanto nos colocamos no lugar dos indivíduos que seguem 
regras, observamos que os indivíduos tomam estas regras como uma razão para agir – 
as pessoas param no sinal ou tiram seus chapéus quando entram em uma igreja porque 
há uma regra que determina uma ação; em outras palavras, as regras estipulam uma 
ação, um “dever-ser”, e é neste sentido que elas constituem uma razão para agirmos de 
acordo com seus preceitos, ainda que possamos agir de modo distinto
1
. 
 Mas regras não constituem apenas razões para nossa ação; elas também 
fundamentam a crítica ou censura ao comportamento desviante – são, assim, razões 
para censurar aqueles que não se comportam como determina a regra. Se desrespeito a 
regra moral ou religiosa que proíbe a entrada e permanência com chapéus em uma 
igreja, muito provavelmente serei censurado pelos demais, que invocarão a norma como 
justificativa para a crítica ao meu comportamento. O mesmo não ocorre quando deixo 
de seguir um mero hábito (logo, não serei censurado quando deixo de comer pizzas ao 
sábado à noite). De qualquer modo, só notamos que regras constituem razões para agir e 
razões para a censura quando assumimos este ponto de vista interno, a partir do qual 
somos capazes de nos colocarmos no lugar daqueles que efetivamente tomam as regras 
como guias para seus comportamentos individuais e coletivos, assumindo uma atitude 
crítica – somente assim somos capazes de explicar o fenômeno da obrigatoriedade. 
 Esta explicação contempla regras morais, éticas e jurídicas. O que diferenciaria 
as regras jurídicas das demais regras? 
 Para Hart, o Direito é composto por regras de diferentes tipos, indo além das 
regras que versam diretamente sobre obrigações ou que se sustentam em sanções. Se 
observarmos nossa prática jurídica, constatamos uma diversidade de leis que vai além 
 
1
 Autores como Joseph Raz acrescentam que as regras jurídicas constituem não apenas razões para nossa 
ação, mas devem ser vistas como razões exclusionárias – normas e regras são criadas de modo a 
prevalecer sobre qualquer outra vontade ou razão diferente. Assim, por exemplo, devo seguir a norma do 
“pare no sinal vermelho” ainda que eu tenha outras razões para não parar (e.g., o fato de estar com pressa 
para chegar a algum lugar). 
6 
 
do que propuseram autores anteriores, como Austin. Deste modo, o Direito é concebido 
como um conjunto de normas primarias e secundárias. 
 Para tratar desta distinção, Hart pede que imaginemos uma sociedade primitiva, 
composta apenas por regras que estipulam obrigações e sanções, que são as regras 
primárias. Esta sociedade padeceria de alguns problemas: em primeiro lugar, não há 
como dizer quais são as regras efetivamente jurídicas que compõe esta coletividade (há 
um problema de incerteza com relação ao Direito). Em segundo lugar, não há como 
alterar ou modificar este conjunto de regras, o que implica no seu caráter estático. Por 
fim, estas regras não definem quem deverá aplicá-las, e como fazê-lo – o que implica na 
ineficiência deste sistema primitivo. 
 Na medida em que esta sociedade primitiva avança e se torna mais complexa, 
estes problemas vão se tornando mais aparentes. Solucioná-los se transforma em uma 
necessidade. Deste modo, são criadas as regras secundárias como forma de responder à 
incerteza, estaticidade e ineficiência do sistema constituído apenas por regras primárias. 
Elas são de três tipos: reconhecimento, modificação e julgamento. A regra de 
reconhecimento é a que permite identificar o que é ou não é Direito em uma dada 
coletividade. As regras de modificação são as que permitem, como o próprio nome 
sugere, alterar ou modificar as regras jurídicas já existentes – elas superam a 
estaticidade do sistema primitivo ao estabelecer as formas com que se criam novas 
regras jurídicas ou relações jurídicas particulares, como as regras que estabelecem 
determinados procedimentos ou que versam sobre a elaboração de contratos ou 
testamentos. Por fim, as regras de julgamento são aquelas que estabelecem 
competências para julgar casos concretos ou aplicar o Direito e as decisões judiciais – 
são elas que garantem a eficiência do sistema, na medida em que definem e delimitam 
diferentes funções entre os funcionários públicos. 
 Das regras secundárias, a mais importante é a de reconhecimento. É ela que, 
como mencionado, nos permite identificar o Direito. Isso significa que é a partir dela 
que conseguimos delimitar as regras jurídicasde uma dada comunidade, distinguindo-
as das regras dos demais sistemas normativos, como a Moral, a Religião ou a Ética. Ela 
corresponde a um conjunto de critérios socialmente compartilhados – as pessoas de uma 
dada comunidade convencionam o que é ou não é Direito. Assim como a norma 
hipotética fundamental de Kelsen, ela é uma regra última e suprema, construindo uma 
estrutura “piramidal” semelhante à do modelo kelseniano. Mas, ao contrário da norma 
hipotética fundamental, a regra de reconhecimento não é uma mera “hipótese” e sim um 
7 
 
fato do mundo – o fato de que as pessoas aceitam e compartilham alguns critérios que 
nos permitem identificar o que é juridicamente obrigatório. Diferentes sociedades 
possuem diferentes regras de reconhecimento, portanto: uma sociedade mais simples 
pode convencionar que aquilo que um soberano ou um corpo legislativo decidem é 
“Direito” e juridicamente obrigatório (as regras que criam são regras jurídicas); 
sociedades mais complexas, como a nossa, podem associar estes critérios de 
identificação do Direito com uma Constituição e todos os seus pormenores
2
. De 
qualquer modo, o importante é perceber que a regra de reconhecimento não apenas 
identifica o Direito de uma coletividade, mas também atribui validade às demais regras 
do sistema. Tem-se, assim, que a obrigatoriedade da regra de reconhecimento decorre 
da sua aceitação enquanto um conjunto de critérios convencionalmente compartilhados; 
as demais regras do sistema são juridicamente obrigatórias apenas e na medida em que 
são válidas nos termos da regra de reconhecimento
3
. 
 Aqui nós temos a estrutura geral do pensamento hartiano: o Direito corresponde 
a um conjunto de regras primárias e secundárias de uma dada coletividade, regras estas 
que são identificadas a partir da regra secundária de reconhecimento. Esta regra de 
reconhecimento é obrigatória na medida em que é aceita pelos indivíduos – o que se 
constata não apenas através de um ponto de vista externo, mas sim a partir do ponto de 
vista interno. As demais regras do sistema jurídico são obrigatórias na medida em que 
são válidas – que se encontram de acordo com critérios previstos na regra de 
reconhecimento. 
 Uma explicação completa do fenômeno jurídico, entretanto, deve levar em 
consideração outros aspectos relevantes. Um deles diz respeito à interpretação do 
Direito. Hart afirma que uma das características da nossa linguagem, e que 
consequentemente repercute no âmbito jurídico, diz respeito à sua textura aberta: dentre 
as palavras e expressões que utilizamos, somos capazes de identificar casos centrais ou 
paradigmáticos e casos periféricos ou fronteiriços. Assim, por exemplo, com relação à 
expressão “careca”, somos capazes de identificar alguns casos paradigmáticos de 
 
2
 Assim, no caso brasileiro, é possível afirmar que nossa Constituição corresponde à nossa regra de 
reconhecimento. Não seria possível afirmar o mesmo no caso kelseniano: a norma hipotética fundamental 
é uma abstração que tem como função “fechar” o sistema. Ela estaria acima, portanto, de quaisquer outras 
regras jurídicas positivas, não sendo correto confundi-la com a Constituição. 
3
 É por tal razão que não faz sentido dizer que a regra de reconhecimento é uma regra “válida”. Afinal, ela 
é o próprio padrão “validador” – é um nonsense dizer que a regra que estipula a validade das demais é 
válida ou não. Seria a mesma coisa que se questionar se a barra de ferro constante no Museu de Pesos e 
Medidas de Paris, que corresponde ao padrão que define “um metro”, tem ou não tem um metro. Se esta 
barra é o padrão que define o que tem um metro, não faz sentido perguntar se tem ou não tem um metro. 
8 
 
alguém que efetivamente seja careca (i.e., que não tenha um fio de cabelo na cabeça, 
como é o caso do Foucault), e casos paradigmáticos de alguém que não é careca (e.g., 
um vocalista do Sepultura ou alguém que tenha muito cabelo). Mas além destes casos 
paradigmáticos que se enquadram ou não no conceito em questão, somos capazes de 
encontrar alguns diversos casos capazes de suscitar dúvidas (e.g., alguém que tenha uma 
certa quantidade de cabelo aqui e acolá, que para alguns pode ser visto como “careca” 
mas para outros não). 
 Esta textura aberta se aplica às normas e regras jurídicas, e o exemplo 
mencionado por Hart diz respeito a uma norma que eventualmente proíba veículos em 
um parque, estipulando uma multa. Se eu parar um fusquinha no parque, certamente 
estarei infringindo a norma, pois um carro é um caso paradigmático daquilo que 
denominamos “veículo”. Outras coisas, como uma bola de futebol, certamente não 
constituem “veículos” e, portanto, não infringem a norma em questão. Isso significa que 
o responsável por aplicar a norma pode acertar ou errar quando se deparar com estes 
casos paradigmáticos – eles constituem verdadeiros critérios de objetividade que 
inexistiam, por exemplo, na análise kelseniana de interpretação. Logo, de acordo com 
Hart, o aplicador da norma erra se deixa de me multar quando estaciono um fusquinha 
no parque, da mesma forma com que erra se considerar uma bola de futebol como um 
veículo e aplicar a multa. Já Kelsen, ao contrário, não é capaz de admitir a existência de 
posições “certas” ou “erradas” na aplicação das normas, pois trabalha apenas e tão 
somente com a ideia de indeterminação das palavras e expressões que utilizamos no 
Direito. 
 Na posição hartiana, a indeterminação só existe quando estamos diante dos 
casos periféricos ou fronteiriços. Trata-se daqueles casos em que pode haver 
controvérsia quando ao fato de se encaixarem ou não no conceito em questão. No 
exemplo sugerido por Hart, podemos imaginar se um patinete infringe ou não a norma 
que proíbe veículos no parque: afinal, um patinete seria ou não seria um veículo? Nestes 
casos, há quem diga que um patinete é um veículo, pois ajuda na locomoção e tem 
rodas; mas há também aqueles que discordam e afirmam que, para ser um veículo, o 
objeto em questão precisa ter um motor. Em casos como este é possível falar em 
indeterminação, de modo que não há uma posição “certa” ou “errada” a ser tomada a 
priori. Nestas circunstâncias, o aplicador do Direito é livre para decidir – ele possui 
poder discricionário, e ainda que possamos criticar sua decisão, não podemos afirmar 
que ele foi “desobediente” com relação a uma norma ou que cometeu um “erro 
9 
 
jurídico”. Assim, por exemplo, ele pode considerar que um patinete é um veículo e 
aplicar a multa, ainda que muitos entendam que um patinete não seja veículo e que, 
neste sentido, possam “criticar” a sua decisão; mas como este é um caso de 
indeterminação, inexiste uma resposta certa e prévia, do ponto de vista jurídico, que 
solucione o caso. É somente a partir da sua decisão que um patinete, para fins jurídicos, 
passa a ser um veículo – o Direito não exige, a priori, uma ou outra decisão, ao contrário 
do que acontece no caso do fusquinha ou da bola de futebol. 
 Após tratar da interpretação, Hart retoma as distinções entre Direito e Moral. 
Como visto, o Direito de uma comunidade é conhecido a partir da sua regra de 
reconhecimento – é a partir dela que somos capazes de dizer se uma norma é ou não 
jurídica, em razão de sua validade. Entretanto, há algumas distinções substantivas, e não 
apenas formais, entre as obrigações jurídicas e as obrigações morais. A primeira delas 
diz respeito à importância que envolve as obrigações morais: elas dizem respeito a um 
valor, e se este valor deixar de ser reconhecido como importante pela coletividade, a 
norma moral que o sustenta deixa de ser aceita e aplicada. Assim, por exemplo, só 
defendemos a regra moralque proíbe mentiras em razão do valor que atribuímos à 
verdade – se imaginarmos uma sociedade onde a verdade não é um valor, dificilmente 
existiria uma regra que proibisse a mentira. Regras jurídicas, por sua vez, são 
obrigatórias em razão da sua validade: ainda que ninguém reconheça ou lhes atribua um 
valor moral, elas continuam sendo válidas e obrigatórias. Mais do que isso: nem toda 
regra jurídica versa, especificamente, sobre algum valor: qual seria o valor, por 
exemplo, na regra que estabelece que devemos parar no sinal vermelho? 
 A segunda distinção diz respeito à impossibilidade de modificação deliberada 
das regras e obrigações morais. Elas são criadas, modificadas e extintas apenas em 
razão do decurso do tempo e do contexto cultural. Regras jurídicas, por sua vez, podem 
ser criadas, alteradas e extintas em razão de outras regras jurídicas, de acordo com 
procedimentos específicos disciplinados pelas regras secundárias de modificação. Isso 
significa que elas podem ser alteradas deliberadamente, de acordo com a vontade dos 
legisladores. 
 Outra diferença está relacionada com a presença de vontade ou culpa para 
caracterizar uma infração moral. O elemento volitivo é determinante para dizer que 
alguém descumpriu alguma obrigação moral. No campo jurídico, entretanto, há regras 
que determinam deveres e obrigações de modo independente da vontade ou culpa 
individuais – por exemplo, as regras que versam sobre a responsabilidade objetiva nos 
10 
 
contratos de consumo, que estabelecem o dever de indenizar ainda que o fornecedor ou 
prestador de serviços não tenha agido com dolo ou culpa. 
 A última distinção se relaciona com o tipo de pressão que fundamenta as regras 
e obrigações morais. Na medida em que regras morais estão diretamente relacionadas 
com o aspecto volitivo das ações individuais, a coletividade busca o cumprimento 
destas obrigações asseverando seu valor e importância intrínsecos – em outras palavras, 
a sociedade exerce uma pressão sobre o indivíduo, ressaltando o valor buscado pela 
obrigação moral. Regras e obrigações jurídicas, por sua vez, se valem da ideia de sanção 
ou penalidade como forma de garantir seu adimplemento. 
 Mas o que faz com que o Direito seja algo necessário em nossa vida coletiva? 
Por que precisamos dele? Para responder esta questão, Hart sugere um conteúdo mínimo 
de Direito Natural. A ideia é de que a natureza humana é constituída por alguns 
truísmos, alguns traços gerais e característicos, que tornam a existência de regras e 
obrigações fundamentais para a garantia de nossa própria subsistência. Dentre estas 
características, encontramos a ideia de que existe uma igualdade aproximada entre os 
homens (e.g., ainda que uns sejam mais fortes que outros, todos em algum momento 
precisam dormir), ou então de que somos dotados de um altruísmo limitado (não 
seremos solidários e generosos em todas as ocasiões). Diante destas limitações naturais, 
os homens (enquanto seres racionais) concebem as regras como forma de possibilitar 
uma coexistência minimamente pacífica e ordenada. Daí a necessidade de se reconhecer 
um “mínimo” de Direito Natural como forma de se justificar a existência do Direito 
Positivo. 
 Mas isso não transformaria Hart em um jusnaturalista? A resposta deve ser 
negativa, pois o reconhecimento destes truísmos em nada altera o seu empreendimento 
de descrever o Direito enquanto um conjunto de regras primárias e secundária, válidas e 
obrigatórias nos termos de uma regra secundária de reconhecimento. Seu 
empreendimento não se pretende crítico, e nem é uma “avaliação” dos diferentes 
sistemas jurídicos. Se formos analisar sua concepção de Direito, percebemos que sua 
preocupação maior está em identificar suas características formas e estruturais – 
aproximando-se, assim, do modelo kelseniano. Mesmo a ideia de validade não se 
confunde com o “valor” existente nos sistemas morais – assim como Kelsen, Hart não 
teria problema algum em afirmar que os nazistas tinham um ordenamento jurídico, 
ainda que este ordenamento fosse injusto e imoral. 
 
11 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
HART, Herbert L. A. O conceito de direito. 2ª ed. Trad. de Antônio de Oliveira Sette-
Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2009. 
 
MACCORMICK, Neil. H. L. A. Hart. Trad. de Claudia Santana Martins. São Paulo: 
Elsevier, 2010.

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