Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
f:v.. BF- í • W m m *• • *» • l"-»M a* • •TTy I di Trindade, 11 - H Tel.fv2í951-LISB0» %>&JU3 P R I N C Í P I O S DE DIREITO MERCANTIL E LEIS DE MARINHA POR. JOSÉ' DA SILVA L I S B O A , Deputado, e Secretario da Meza de Infpecção da Agri- cultura , e Commercio da Cidade da Bahia. T O M . II. Í N D I C E D A P A R T E III Da Execução do Contrato do Seguro. CAP. I. Das Obrigações, Direitos, e Acçoes do Segurado em execução da Apólice. Pag. i . CAP. II. Da Salvação. - - - 2. CAP. III. Do Refgate. 10. CAP. IV- Do Recobramento. - - - - - - 17. CAP. V Da Reclamação. - - - - - - 2 1 . CAP. VI. Da Preftação da Indemnidade. - - 25. CAP. VII. Do Abandono. 29. CAP. VIII. Do tempo, e fôrma do pagamento da im- portância fegurada. - - - - - - 4 8 . CAP. IX. Das provas neceffarias á execução d''Apó- lice. - - - - - - - - - - - yo. CAP. X. Da prova da exiftencia da coufa fegurada , e fiua expofição aos rifcos marítimos. - - 51. CAP. XI. Da prova do valor da coufa fegurada. 56. CAP. XII. Da prova da perda. - - - - - 5-7. CAP. XIII. Do retorno do premio. - - - 61. CAP. XIV- Das acçoes do Segurador contra o Segu- rado. - - - - - - - - - - - 73. CAP. XV Da interpretação da Apólice. - - 76. CAP. XVI. Da prefcripção das Apólices. - 80. CAP. XVII. Da execução judicial nas caufas de Segu- ro. - - - - - - - 83. Conclusão. - - - - - - _ . _ - g-r. Pag.i f ::..:;:;;,:: , :;-J. P A R T E III. Da Execução do Contrato do Seguro. C A P I T U L O I. Das Obrigações , Direitos, e Acçoes do Segurado em execução da Apólice. CONTECENDO o finiítro, ou diffolvida a Apólice fem fraude, o Direito Mercan- til impõe ao Segurado algumas obriga- ções a favor dos Seguradores, aflim co- mo lhes dá certos direitos, e acçoes abem de feus intereífes; afim de que o Contra- to do Seguro, fendo válido na origem, fe execute em boa fé, e com fatisfaçao da juíliça de ambas as partes. A primeira obrigação do Segurado, depois do fi- niítro, he tratar da falvação do Navio, e fua carga , fe eftá em circumílancias de fazello , denunciando , quan- to mais depreífa,o cafo aos Seguradores, afim de po- derem eíles providenciar o pofiivel recobramento, e boa arrecadação da propriedade finiítrada. A fegunda obrigação he de fie munir dos documen- tos neccífarios á verificação da perda, e do intereífe de que pertende a indemnização, aprefentando aos Segu- radores os mefmos documentos em tempo idôneo. Aquclla denúncia , e ella aprefcnração de documen- tos he igualmente indifipcnfiavel no cafio do eftorno, Tom. II. A ou 2 P R I N C Í P I O S ou diííblução d'Apolicc fem fraude do Segurado , quan- do elle pertende a reítituição , e retorno do premio ; len- do aflim juíto, para que os Seguradores fiquciu certos de já eltarem livre- da refiponfiabilidade da relpectiva Apólice , e poderem em confiequencia tomar as luas me- didas nas operações ulteriores de outros léguros, ele cu- jo beneficio fierião privados, talvez não os acecitanejo em occaíiocs favoráveis, e efperançofias, naconíideração de eltarem gravados de grande rifico, que tinhão razão de prefiumir pendente. Os direitos, c acçoes do Segurado tendem a com- peliu- os Seguradores á Preftação da Indemnidade, no ca fio doíiniftro total, ou parcial; e ao Retorno do Prê- mio , no cafo da diííblução dApolice fem fraude. Para procedermos com ordem, trataremos: i.° da Salvação, c fuás efipecies: 2.0 da Preftação da Inde- mnidade: 3.0 do Abandono: 4.0 das provas neceífarias á execução dApolice depois da perda : 5-.° do Retor- no do premio: ó.° das Acçoes competentes aos Segu- radores contra os Segurados, e da ordem judicial nas caufas de feguros. C A P I T U L O II. Da Salvação. •P Ahaçao, em Direito Maritimo, fignifica em geral O o acto, pelo qual o Navio, peífoas, e bens nelle trans- portados fe livrão e falvão da perda total de fogo , naufrágio, pirataria, preza, ou outro defaftre de for- tuna de mar, feja por esforços da própria Equipagem, feja pela concorrência, actividade, e perigo de quaes- quer, que trabalhafiem no mefmo miniíterio. (1) Tam- (1) Allan Park Cap. 8. Bcawei lex Mercatoria p. 14o. Wes- kcu v. Salvage. DE DIREITO MERCANTIL. P. III. 3 Também fe diz Salvação em fentido mais par- ticular o premio, ou recompenfa concedida aos que preftárão afliítencia , c ajuda para falvar-fie o Navio , e fua carga , c peífoas ahi exiítentes, de qualquer gênero de perigo do mar. Os Inglezes chamão a eíte premio Salvage. Salvação genericamente tomada recebe diverfas denominações , fiegunelo o objecto , natureza do cafio , e meio , com que fe fialva , c fe obtém , em todo , ou em parte, a propriedade finiftrada : diz-fic por tanto Re- preza , Refgate, Recobramento, Reclamação. Repreza, ou Retomadia he o a í to , pelo qual o Navio , tendo fido aprezado por Inimigos, ou Piratas , he fialvo da preza, ou pilhagem , por íèr retomado por algum outro Navio Nacional, ou de Potência Adiada , ou Neutra , que fe apoderou do mefimo Navio apreza- do , fieja por força eftéctiva, feja por abandono, que á fua viita delle fizeífe o Aprezador, por o coníiderar de maiores forças. Os Francezes chamão a cite meio de falvação Recouffe, e os Inglezes Recapture, de que já indicámos alguns princípios na Parte I. deites Ele- mentos Cap. 43. Refgate he a falvação do Navio aprezado obtida por compofição feita com o Inimigo, ou pirata, af- fim no mar, como no porto, onde tJ.iha fido condu- zida a preza : e fe pode definir eíta compofição hum contrato de Direito das Gentes, pelo qual mediando certo preço, ou beneficio para o Aprezador, o Capi- tão do Navio aprezado, ou outra Peífoa intereífada, confegue que elle relaxe, edimitta de fi os prizioneiros com o mefimo Navio, e fiua carga, reintregando-fie tu- do no leu antecedente eílado pelo direito que fie diz de poflliminio, como fe o Navio nunca eítiveífe em poder de Inimigos. Recobramento, ou Recuperação, ainda que feja huni A ii ter- 4 P R I N C Í P I O S termo applicavel a todo o gênero de cobrança , c rein- tegração de polfe de alguma couía , com tudo na ma- téria preíente dcíigna efipccialmcnte o aecto ele íálvação de Navio, no calo de naufrágio, varação, e encalhe; de forte que pela diligencia, cooperação, c esforços , dos que preltárão fioccorio, fe chegallé a pôr o mefimo Navio fora de perigo, ou ao menos a (alvar as vidas, e aproveitar-fic parte do calco, c carga em citado de al- gum valor. Os Italianos chamão a eíle acto Recupero; os Francezes Sauvetage. ReclamaÇíío he toda a diligencia, ou acção judi- cial, pela qual o Capitão do Navio naufiagado, em- bargado , aprezado , reprezado, confificado e condemna- do , ou os Intereífados no cafco, c carga procuião nos Conluiados, ou Almirantados da Nação, ou Potência, que fez o embargo , preza, repreza , confifca , e conde- mnação , que fe levante o embargo , ou que fe rcílitua a preza , por fer feita contra o Direito das Gentes , ou que feja retornado o Navio, c fua carga aos Proprietá- rios , e Intereífados, pagando-fe o competente premio da íálvação nos cafios da repreza , naufrágio , &c. Trataremos de cada hum deites modos de íálvação diftincfamente. Principiemos pela Repreza, que he o mais freqüente , e o primeiro modo da falvação do Na- vio, depois do finiítro da preza. Por Direito das Gentes, feja a guerra jufta , ou in- juíta, feja declarada , ou de facto , o fimples acto daoc- cupação bellica , e força fyíica, pelo qual o Inimigo, ou Pirata fe apodera de algum Navio , fiuppoíto não decida por fi fó da legitimidade da preza, nem confti- tua irrevocavelmente perdido o domínio do refpectivo Proprietário do calco, e carga; com tudo, he o que baila, para que o Reprezador adquira, pela Repreza, Recaptura,eu Retomadia, hum direito certo fiobre a propriedade reprezadá, ou para aílénhorear-fc delia ab- DE DIREITO MERCANTIL. P. III. 5* abfolutamente, como de coufa já pertencente ao Ini- migo , ou para exigir huma recompeníá proporcional ao trabalho, e perigo da repreza, a titulo de Salva- ção. (1) Qual porém feja eífie tempo, além do qual o Re- prezador poífa fazer feu o Navio, e carga reprezadá, não fe acha aífentado por uniforme Lei das Nações da Europa; e os Efcritores, que tratarão do Direito da Guerra, varião depareceres, e a fua authoridade, poíto que refpeitavel, he incompetente em negocio deita na- tureza; e cada Potência Marítima tem fobre iífo fua le- gislação particular , em que freqüentemente mais fe con- fulta a força, e animofidade Nacional, do que a juíli- ça, e a humanidade. Já na I. Parte deites Elementos Cap. 41 . e 43. in- dicamos o Direito de França, e Inglaterra a eíte ref- peito. Pelas Ord. de Mar. de França Liv. 3. Tit. o. das Prezas Art. 8. fiendo reprezado algum Navio por Corfario Francez, tendo eftado 24 horas em mãos do Inimigo, he havido por boa preza; c fendo reprezado antes das mefimas 24 horas , deve fer reftituido aos Pro- prietários do cafco, e carga, pagando eíles hum terço do refpectivo valor, que fe confidera o premio da fal- vação. ( 2 ) Sendo porém a repreza feita por Embar- cação de guerra da Coroa , qualquer que foífe o tempo, em que eltiveífe em poder dos Inimigos , he reftituido o Navio, e o nelle conteúdo aos originários fienho- rios , pagando eíles razoada gratificação a beneficio da Equipagem, conforme o arbítrio do Almirantado. Aflim foi determinado por huma Declaração Real, que trani- (1) Emerigon Cap. 12. Sec. 2$. (2) Vid. Velin Côm. ao dito Artigo 8. (). e 10. Vide as novas Determinações do Reinado de Luiz XVI. na Encysloped. mcthod. zti. Armateur s Corfaire , e lugares parallelos. 6 P R I N C Í P I O S tranfcreve Emerigon Cap. 12. Sec. 2 3 ; e que he fun- dada em rigorofa juíliça; porque femelhante repreza nao fendo feita por efpeculação mercantil, difipendio , e riico dos Armadores particulares, munidos de Com- mifsão pública, ou Cartas de Meirca, mas fim por força de hum dever, e ferviço público, não pode dar ao Soberano direito compatível com a Dignidade iu- prema de fe appropriar dos bens de feus fubditos , efipo- liados pelos inimigos do Eílado , tirando proveito da calamidade daquclles , cujas peífoas , e fortunas he obri- gado a proteger. Em Inglaterra pelo ultimo Acto de Preza do anno 33 do actual Reinado de George III. Cap. 66. tratan- do-fe das reprezas de Navios , e finas carregações, per- tencentes aos fubditos da Gram Bretanha , e Irlanda , he determinado , que fejão reftituidos os mefmos Navios, e fiuas carregações aos originários Proprietários, qual- quer que folie o tempo que efiiveífe a preza em poder dos Inimigos, pagando-íe a oitava parte do refipectivo valor a titulo de íálvação (Sa/vage), a benefício da Equipagem do Rcprezador, fendo a repreza feita por Embarcação de guerra da Coroa; e a fexta parte, fen- do feita por Corfario da Nação. Do que íe patentea , que o Governo Britânico admittc em todo o tempo , em matéria de preza , o direito de poflliminio, nãocon- íiderando já mais alterada a originaria propriedade por caufia da mefma preza, ficando os Proprietários unica- mente gravados com o encargo de fatisfazerem aos Re- prezadores aquelle premio, que o Eítatuto perfixa, e que he comparativamente com o de França o mais equitativo, c módico, bem entendido, que eíle picmio fie deduz precipuo, e independente das defipezas indifi- pe:iia-eis da Reclamação do Navio no Almirantado. A juíliça, eneceííidadc de fie pagarem ae defipezas da íaivaçao do Navio, c fiua carga, e ainda de fiecon- cc- DE DiKEiro MERCANTIL. P. III. 7 ceder alguma gratificação excedente ao valor das mef- mas defpezas, he de fi evidente , não fio no cafio da re- preza , mas também em qualquer outro, em que fe li- vra o Navio da ruina total; pois não pode haver cou- fa mais racionavel, do que o conceder-fe huma recom- penfia aquelle, que, por leu trabalho, e rifco da pró- pria vida recobrou a propriedade alheia, tirando-a do poder do inimigo , ou de perigo de lubmersão , naufrá- gio, ou perda de igual confequencia. Por eíta caufa to- dos os Eftados Marítimos, defde as antiquifiíimas Leis de Rhodes, e depois as de Oleron, tem feito Regula- mentos para fixarem o preço da Salvação em alguns cafos, deixando-o em outros ao arbítrio do Juiz, con- forme as particulares circumítancias que devão moti- var hum premio proporcional ao trabalho, e perigo. No nofib Reino adoptou-fe fiubítancialmente neila matéria a Legislação de Inglaterra, que já apontámos, e que mais extenfamente fe pôde ver no Alvará de 9 de Maio de 1797, que veio ampliar, e corrigir o antigo Regimento das prezas. Vide Appendix a eíte Capitulo. He de notar, que na Legislação indicada , tanto em Inglaterra, como neítes Reinos de Portugal, fó fe con- fiderou o cafo da repreza de Navio Nacional feita por Coríário, ou Embarcação de guerra da mefma Nação; mas omittio-fe o cafio , quando ella he feita por Corfa- rio, ou Embarcação de guerra de Potência AUiada. He verdade que o Soberano de cada Paiz não pôde ef- tender a fua Legislação além do fieu território , nem pref- crever regras de conduéta aos Eftados independentes. Com tudo por identidade de razão, ou ao menos por huma analogia bem racional, o mefmo direito he na- tural e reciprocamente appiicavel a refpeito das repre- zas feitas pelos Alliados, e Auxiliares, viílo fazerem caufa commum, e ferem por confequencia os refipecti- vos 8 P R I N C Í P I O S vos direitos, c interefifes de certo modo identificados, fegundo aprofunda doutrina de \\ atei, Auihor Capital em maioria de Direito das Gentes. Liv. 3. Cap. 14- As Oi d. de Mar. de França Liv. 3. Tit. 9. das Prezas, c Tit. 10. fe conformarão parcialmente a cita doutrina , ibi: 11 Os Navios, e effeitos de noífios Vaffallos , ou Al- 11 liados reítaurados do poder de piratas, c reclamados ii cm hum anno, e dia ela declaração, que d iífo fe fizer 11 ao Almirantado, ferão rcftituidos aos Proprietários, 11 pagando eíles hum terço do valor do Navio, e mer- 11 cadorias pelas defpezas da retomadia. Pelo que he de efiperar da Dignidade do Governo Britânico, e fiua citreita Alíiança , e harmonia com a Coroa de Portugal, que faça reítituir aos Portuguezes os feus Navios, reprezados do poder dos Francezes por Embarcações Inglezas , e que íe achão -.cclamados no Almirantado de Londres pelos Proprietários : tanto mais que o Almirantado de Lisboa, por hum fyftema de juíliça, e pratica de julgar uniforme, tem manda- do entregar aos Proprietários os Navios Inglezes, re- prezados por Embarcações Portuguczas , ainda fem efi- perar que fe praticaífe a reciprocidade que na fiobredi- ta Legislação do Alvará de 9 de Maio de 1797. §• 5"- fe eílabelcceo como regra a refpeito das reprezas dos Na- vios das Potências Aluadas feitas pelos Navios Por- tuguezes. I' O que fe tem dito procede rigorofiamente no ca- fo de repreza feita ou por ataque immediato , ou por incursão imminente da Embarcação do Reprezador, que obriga ao Inimigo, ou Pirata a arrear bandeira , en- trega ndo-fie prizioneiro, ou a ceder da preza, fugindo pela apparencia, e prefiença de força, que confidera m.ior, e irreíiitivel. Porém fe o Navio aprezado fbífie depois achado , e protegido por outra Embarcação cm confequencia de eípontaneo abandono feito pelo Aprc- za- DE DIREITO MERCANTIL P. III. 9 zador em razão de tempeítade, ou outro accidcnte , en- trando o mefmo Navio, por virtude de tal abandono , em todos os feus direitos, deve fer reftituido aos Pro- {irietarios; e a Equipagem da Embarcação, que o tiver ivre do perigo de preza, fó tem direito a huma ho- nefiarecompenfa, fegundo o arbítrio do Juiz, confor- me as circumílancias do cafo, como he racionavel de- cisão do célebre Código do Confulado do Mar, que antigamente teve em toda a Europa grande authoridade em negócios marítimos. (1) Se o Navio aprezado he reprezado pelo valor da própria Equipagem, que ( fem perfídia, ou offenfa do Direito da guerra ) facode o jugo do Inimigo, ou fe cfcapa do íeu poder pela fugida, a mefma Equipagem nao tem direito ao ordinário premio da falvação, por- que he do feu dever fazer todo o poífivel por reco- brar o Navio confiado á fua guarda; tanto mais, que niíto nao fó defende os intereífes dos Proprietários do cafco, e carga, fenão também a fua liberdade, bens , e foldadas, que não vence fenão chegando o Navio a falvamento ao porto do deílino. (2) Sendo algum Navio abandonado pela própria Equi- pagem por juíto temor de imminente, e inevitável peri- go de caliir em mãos do Inimigo ( o que não he licito ao Capitão, fenão no cafo de extremidade, e de con- felho, e aífenfo dos principaes Officiaes, e Marinheiros) e fe comparecendo outro Navio, e achando aquelle em abfoluto abandono, tomaífe delle poflé, ou obftaífe , com a fua prefiença, e protecçao, á preza, antes que o Inimigo fe tiveífe apoderado do mefmo, a Equipagem de tal Navio, que fobreveio neítas circumítancias, fó tem direito a huma recompenfa fimples, e não pôde exigir o premio legal da falvação, porque não fe verifica nef- te cafio a repreza; pois eíta fuppoe já ter fido aprezado Tom. II. B o_ (1) Emerig. Cap. u.Sec. 24. (1) Emerig. Cap, li.Sec. 2f. i o P R I N C Í P I O S O Navio, que depois foi foceorrido, c protegido pela apparencia eío outro, que affugcntou o Inimigo, ( i ) C A P I T U L O III. Do Refgate. O Refgate he o fegundo moeio de fialvação do Na-vio, acontecendo o finiítro da pirataria, ou pre- za. Elle pode fier fieito ou pelo Capitão do mefimo Na- vio , ou pelos Proprietários do calco e carga, ou pelos Seguradores, antes ou depois das 24 horas, feja em mar alto, feja no lugar em que tiver fido conduzida a preza. (2) Se os Proprietários fe achão para darem as íuas or- dens abordo, ou na vizinhança, c facilidade de ferem coniultados, o Capitão não pôde, fem participação, e authoridade dos mefmos, ingerir-fe a fazer o refgate; mas fe não eftão neftas circumílancias, a elle privativa- mente pertence (havendo primeiro confelho dos Offi- ciaes do Navio) diligenciar, e concluir com o Apreza- dor ou Pirata , o refigatc a melhores condições poííiveis ; e fazendo-o, he viílo contratar em qualidade de procu- rador dos refpectivos Donos, e Intereífados aufcntes , fem que por eíle acto nada poífa adquirir para fi, mas tão fomente por conta daquelles que reprefienta , e cujos direitos, e intereílés fe confidera terem fido entregues á fua fidelidade, e guarda. Em confequencia deite principio , e a fim de fe não dar anfa aos Capitães de Navios de prevaricarem no fieu miniíterio, entregando-fie ao Inimigo por cobardia, e na ( i ) Emerigon Cap. 12. ScíT. z6. (2) Emerigon Cap. 12. Sec. 21. e feg. Valin ao Liv. X. das Ord. Mar. Fr. Tit. 9. dai Prezas Art. 18 , e Tit. dôs feg. Art. 66. c 6 7 , c Tit. dat Avarias Art. 6. "Weskett v. Ranfon. DE DIREITO MERCANTIL. P. III. n na cfperança de tratos para elles lucrativos, mas em perjui- zo dos Proprietários, hejuftamentc determinado neíte Rei- no pelo Alvará de 9 de Maio de 1797. §. 8. que fejão nullas as doações feitas pelos Inimigos aos Capitães dos Navios aprezados; e que as Embarcações, e eftei- tos doados fejão reílituidos a feus donos : e eíta difpo- fição he conforme ás antigas Leis, e ufos Marítimos, de que fiz menção o célebre Author de Guidon de Ia Mer Cap. 6. Art. 2. vid. Emerigon Cap. 12. Seíf. 21. §•4* Se os Proprietários fe achão a bordo, a elles pelo feu intereífe, e como Procuradores legaes, e prefumi- dos dos Seguradores, toca fazer o refgate: e igualmen- te o podem fazer, fendo o Navio conduzido a algum porto, onde elles eílejão, ou pofsão com preíteza man- dar as fuás ordens. He porém de advertir, que podem fazer o refgate ou por fua conta, e rifco, ou pela dos Seguradores. No Art. 66. da Ord. de Marinha de França Tit. dos Seguros he eftabelecido, que, no cafo de preza, os Segurados poderão reígatar os feus effeitos fem efperar por ordem dos Seguradores , fe lhes não tem podido dar avifo; com a condição porém de lhes participar depois por eficrito da compofição que tiverem feito. Valin commentando eíta Ordenança, obferva, que fó he neceífario dar avifo aos Seguradores, quando o Segurado quer que o relgate feja feito por conta del- les ; mas fe o quer fazer por conta própria, não tem obítaculo algum; e em tal cafo a propriedade aprezada he rettabelecida no feu primeiro eílado pelo direito de poflliminio, e o Navio continua, como antes, a nave- gar a rifco dos Seguradores, a quem o refgate vem a fer abfohitamente eítranho. Porém fe pertende que o refgate fe faça por con- ta dos Seguradores, he neceífario que, fem perda de B ii tem- i i P R I N C Í P I O S tempo , aflim lhes participe ; e neíte cafo elles tem a cf- colha de acccitarcm ou não a compofição a feu pro- veito á proporção de feu intereffe; porém acecitando , são obrigados a determinarem-fie promptamente, fazen- do eífia declaração incontinenri, e contribuírem immc- diatamente ao pagamento do refgate, correndo os rif- cos do retorno-, aliás devem pagar as fommas por el- les ficguiadas, fiem poderem pertender coufia alguma elos effeitos refigataelos. Tal hc a difipofição da dita Ord. Art. 67. Aquclla refipofta dos Seguradores deve fier da- da fiem a menor ambigüidade , e fem demora ; pois ca- da momento traz mudanças de noticias, que influem na perda, ou ganho da compofição, cuja avantagera depende do azar. Se os Seguradores querem ganhar , he neceífario porem-fe no riico de perder. He com tudo de notar, que os Seguradores podem deixar de refiponder ao avifo que o Segurado lhes faz do finiítro da preza para providenciarem ao refgate, 011 ao feguro delle, pois, como já fe diífe, he de feu ar- bítrio acceitallo , ou recufallo , fegundo entenderem convir-lhes, não havendo Lei, ou razão, que os obri- gue a tomar a fieu cargo as confiequencias de femelhan- tes compofiçoes, que talvez os exponhão a maiores per- das. Porém não refpondendo cm tempo idôneo, decahem de rodo o direito do refigate; e o Segurado pôde fazel- lo por conta própria, laivo o feu direito para exigir dos mefimos Seguradores a importância fiegura. Mas ncítas circumítancias, afiim como os Seguradores não podem pertender coufia alguma do Navio, e effeito» refgatados, também o Segurado não pôde forçallos a contribuir a tal refgate, que lhes fica fiendo eftranho. Se os Seguradores, fendo notificados da preza, to- mão fobre f\ o fazer o refigate, eíte fica todo a feu pro- veito , e rifco; e ef eitoando-o , vem a fier os Com- pradores, e Proprietários da coufa fegurada á propor- ção DE DIREITO MERCANTIL. P. III. rrj cão do feu intereífe, iíto he, da importância, de que havião tomado o feguro na mefma coufia: devem po- rém acceitar o abandono dos Seguradores, e pagar-lhes a fomma fegura , correndo os riicos do retorno , não já como Seguradores, mas como novos Proprietários, fub- rogados de pleno direito em lugar dos antecedentes do- nos do Navio, e carga fegurada. E quando em tal ca- fo oífereção depois a eíles o reftituir-lhes a fua proprie- dade, para fe eiifpenfiarem de fatisfazer o preço do ref- gate , c a importância, que fazia o objecto do feguro, não podem conítrangellos a ifib. O reígate no mar fe fax de dous modos. O primei- r o , e o mais ordinário, confiíle em ajuítar o Capitão do Navio com o Aprezador o dar-lhe, em preço da compofição, huma íbmma determinada, pela qual o mefmo Capitão lhe fornece huma letra de cambio,pa- gavel em algum lugar a aprazimento do mefmo Apre- zador, entregando-fe-lhe Reféns, iíto he, huma, ou mais peífoas de confideração do Navio, que firvão de penhor para cumprimento do trato. O fegundo modo confiíle em dar-fie ao Aprezador dinheiro, ou parte dos effeitos, que eítão a bordo. Em hum, e outro cafio he eftilo fubminiftrar o Aprezador ao Capitão do Navio refigatado hum Bilhete de refgate, em que vão decla- radas as condições, com que foi feita a compofição , o qual ferve de falvo conduclo para nao fer o mefimo Navio outra vez aprezado por Embarcação de guerra da mef- ma Nação, até chegar ao porto, que fe lhe deílinou no dito Bilhete;. com tanto que fe não defvaire da li- nha da viagem alli perfixa, e dos demais termos do ajufte: aliás, violando-fe as condições do refigate, e íendo outra vez tomado, hc havido por boa preza. Deve-fe guardar a palavra dada ao Aprezador, fe- ia Inimigo reconhecido por Direito das Gentes, feja num Pirata, e ladrão do Mar: afiim o exige a invio- Ia- 14 P R I N C Í P I O S labilidadc da fé humana, e o intereffe da Navegação. Pelo que o Bilhete do refgate he legitimo, c obrigató- rio em todos os feus termos. O procurar-fe depois com a pofiivel preftcza a liberdade do Reféns, e indemni- zallo de toda a perda , he hum dever fagrado, c im- preterivel, viílo fer a beneficio da peífoa, que teve a generoíidade de facriíicar-fie aos inimigos pela íálvação commum. Por tanto a letra de cambio , facada a fa- vor do Aprezador , ou Pirata, deve fer paga pontu- almente ; e com a mefma exacção convém que fc cumprão quaesquer outras condições acordadas. E ain- da que o Reféns falecefifie, ou tiveífe a vilania de fugir, fempre fiibfiítirião as obrigações contrahidas com o Aprezador, pois são independentes da exiítencia do mef- mo Reféns, que he requerida tão fomente cm caução , c fegurança do eftipulado; fendo certo em Direito, que a perda do penhor por cafo fortuito não livra ao deve- dor da obrigação, ( i ) O preço do refgate, e mais defpezas da demora, e livramento do Reféns reputão-fe avaria groífa, a que devem contribuir todos os Intereífados no cafco, e car- ga , e por confiequencia os Seguradores, por cuja conta tiver fido feito o mefmo reígate. He difpofição do Art. 6. das Ord. de Mar. de França Tit. das Avarias. Vide Valin a elle Art. Se o refgate foi feito por conta dos Seguradores, não podem eíles deixar de íatisfazer a fiua parte refipe- ctiva áqt\elle, que pagou o total, ainda que pretextem o dever-fe regular o refigate, como avaria grofia, em conformidade aos Artigos 19. e 20. das Ord. de Mar. de França Tit. do frete; pois vindo a fer Co-proprieta- rios dos effeitos refgatados, proporcionalmente á impOl- tan- ^ è — _ _ — ^ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ ( 1 ) Nec dpttitione debiti {creditar ) fubmovetur; nifi inter contrahentes placuerit, ut amijfto pignorum libera debitarem. L. 6. Ced. de Pignorat. aã. DE DIREITO MERCANTIL. P. III. i^ tancia fegurada , participarão depois, adiva , e pafiiva- mente, da avaria groífa, que fe houver de regular en- tre os Intereífados no cafco, e carga, fe o Navio ref- gatado chegar felizmente ao porto do deílino. O calculo para a liquidação, e diítribuição das def- pezas oceafionadas pelo refgate póde-fe fazer pelo me- drado infinuado por Emerigon Cap. 12. Sec. 21. §.9. pag. 474. Havendo o Navio fielo refgatado pelo feu Capitão, ou outra peífoa, por conta de quem pertencer, pura, e fimplesmentc, iíto he, fem a condição de chegar, ou não a fialvamcnto a bom porto, perdendo-fe o mefmo Navio por tempeítade no mar, varação, roubo dos ef- feitos em terra, ou por fer de novo aprezado , antes de chegar ao feu deílino, he queítão, fe pôde confide- rar-fie desfeita a obrigação de pagar-fe a letra de cam- bio , ou outro qualquer preço da compofição; e de quem o Refgatador tenha direito de exigir o preço do refiga- te , e a indemnização das defipezas do livramento do Reféns, que ficou em poder do inimigo. O Reféns não tem direito a alguma recompenfa , ou gratificação da parte dos Proprietários; mas a razão , os íèntimentos da humanidade, a fé pública, a honra nacional de concerto bradão a feu favor, para fier pofi- to em liberdade, e indemnizado de toda a perda. Dei- xallo no cativeiro feria violar os direitos da guerra, e fer culpado de negra perfídia, eenorme ingratidão pa- ra com o Bemfeitor commum. Porém não he menos inconteítavel, que em todo o cafo o Corfario tem di- reito de retello em cativeiro, até fer pago do preço do refgate. He certo que o Capitão do Navio, ou outra pefi- foa, que frzeílé o fiobredito refigate, em qualidade de Propoíto dos Proprietários do cafico , e carga , tem cum- prido niífo com o feu devei-, na intenção de utilizar a to- Ir5 P R I N C Í P I O S todos os Intereífados; e por tanto naquelle cafo não ficou fujeito a refponfiibilidade alguma; pois havendo procedido em boa fé, por força de feu officio, e por conta de quem pertenceflc, não feria juíto que foífe com- pellido a ibffrer damno em negocio, de que não podia tirar para fi proveito. Pelo que os ditos Proprietários, e por confequencia os Seguradores na parte do intereífe que fegurárão, são obrigados cumulativa, e proporcio- nalmente á fatisfação do refgate, e mais defpezas feitas com o Reféns até fer poíto em liberdade, e fiegurança no lugar do fieu deílino, entrando cada hum em contri- buição por exacto rateio , não podendo deixar de ratifi- car o ajuíte do refigate, c íbtfrer as fuás confequencias, ainda que o êxito não correfpondeífe ao defignio, fe- gundo he regra de Direito em negócios deita natureza , feitos em circumítancias úteis, e a bem de aufentes, pois cm contrario evento terião lucrado. ( I ) Eíta matéria não foffre difficuldade em Inglaterra, como fe vê dos uniformes cafos julgados , que cita Wes- kett v. Ranfon: ella hc coherente á franqueza , e illimi- tados poderes , que os Seguradores Inglezes dão ao Se- gurado nas claufulas ampliflimas , e exuberantes dApo- lice 11 no cafo de perda, ou infortúnio, fera licito aos » Segurados , feus Correfpondentcs, Agentes , e Pro- » curadores o requerer, trabalhar, c diligenciar pela 11 defeza , falva-guarda, e recuperação dos ditos bens , 11 mercadoria, e Navio , ou de alguma parte delles , ii fem perjuizo a eíte feguro, a cujos encargos nós os ii Seguradores contribuiremos cada hum, fegundo aef- ii timação, e quantidade da refpectiva íbmma fiegu- 3i rada . He de advertir que as foldadas das gentes de mar, pof- ( i ) Sufjicit utiliter negotium gejlum, licet diverfus fit exitus. L. t2. §. 2. ff. deNeg.geJl. . eventum non fpeãamus }dcbet utiliter eje gejlum. L. io. ia fin. íF. cod. DE DIREITO MERCANTIL. P. III. 17 poíto que privilegiadas a muitos refipeitos, devem com tudo entrar em contribuição com os Proprietários, c Seguradores nas defipezas do refigate, viílo fer eíle de commum utilidade a todos os Navegantes, e Interef- fados no feliz êxito da viagem do Navio aprezado ; tendo além difto os Marinheiros a particular avantagem de confervarem pelo refigate a fiua liberdade, e o direi- to ao embolfio de feus falarios. Aífim he exprefio nas Ord. Mar. de Fr. Liv. 3. Tit . 3. Art. 19. e 20. e Tit. 4. Art. 20. que fe fundão nas antiquiflimas, e célebres LeisRhodias, que íevem ainda hoje adoptadas em to- das as Nações marítimas. Vide Valin Com. a eíles Art. c Emerigon Cap. 17. Sec. i r . C A P I T U L O IV. Do Recobramento. O Recobramento , ou recuperação, he o acto , ou meio de falvação do Navio, c fua carga, depois do naufrágio, varação , ou outro infortúnio de igual confequencia, como a innavegabilidade, que fe equipa- ra ao naufrágio. (1) O Capitão do Navio que naufragou, ou varou em terra, tem obrigação de fazer com a fua Equipagem os poííivcis esforços para falvar o Navio,recobrar , e pôr em boa arrecadação os effeitos nelle carregado?. Iíto porém não impede, que os próprios Segurados fe ef- tiverem a bordo, ou em terra com facilidade de acudi- rem, concorrão preftes da fua parte para o mefmo ef- feito ; dando todavia logo avifo aos Seguradores para confultarem aos fieus interefies. As Ord. de Mar. de Fr„ Tit. dos Seguros elifpõem Art. 45-.» No cafo de naufra- Tom. II. C 11 gio , (1) Emerigon Cap. 17. See. 7, Baldaffcroni Parr, 5. Tit. 4. c P*rt. 6. Tit. 9. i8 P R I N C Í P I O S 11 gio , ou encalhe, o Segurado poderá trabalhar no 11 recobramento dos effeitos naufragados, fem perjuizo 3i do abandono, que poderá fa/cr cm tempo, clugar, 3i e do reembolfo das fuás defipezas, a refpeito das ii quaes fier.í ciido pela fiua aífjrmação até a concorren- 3i cia do valor dos effeitos recobrados. Todas as Apólices, em conformidade aos Regu- lamentes das rcipectivas Praças, concedem fiubítancial- mente os idênticos, enunciados pedetes ao Segura- do. As Apólices de Inglaterra ainda são mais fran- cas a eíle refpeito, não tendo a reftricção da clauínla final daquelle Art. 45 como já fe notou no Capitulo antecedente, c fe moítra do lugar ahi tranficripro. A Apólice de Lisboa hc concebida na feguinte generali- dade. 11 No cafio de naufrágio , ou varação, damos pie- 11 no poder ao Segurado; e na falta delle, ou de Pro- ii curador feu, a qualquer peífoa para zelar e beneficiar 11 os generos fegurados, e os fazer traníportar por nof- 11 fia conta e rifco ao porto do feu deílino; e fendo >•> neceífario, eu avantajofo, vcndellos, c remetter-nos •1 por nofia conta, e riico o feu liquido produeto; e li nos obrigamos a eítar pela. contas , que a eíte ref- 11 peito nos forem dadas, fendo ellas juradas, e aflina- 11 das pelo executor, qualquer que feja , deltas opera- 17 coes; ou as contas nos venhão remcttidas em direi- 17 tura, ou ao Segurado ; o qual neífe cafio nos deve- 17 rá aprefientar os originaes, jurando fer os mefmos .'• que recebeo. J> Eítas claufiulas eítao na conformidade da Regula- ção da Cafa dos Seguros Art. 23. » O Segurado, ou >*> outra qualquer peífoa, tem plena authoridade para n fazer o que julgar mais conveniente a beneficio dos .*• erieitos , falvando-os, e tranfiportando-os ou ao porto >: ceftinado , ou a outra parte, ou vendendo-os no lugar '*> do naufrágio, tudo a rifeo dos Seguradores , aquém } - fe dará conta. 13 He DE DIREITO MERCANTIL. P. III. 19 He porém de advertir , que nas Praças, em que fe admitte o abandono , as diligencias que o Segurado faz para o recobramento dos bens naufragados, não tolhem o direito de fazer o mefmo abandono aos Seguradores, e demandar-lhes a indemnização immediata; nem eíles podem recufar o pagamento com o pretexto de poder fer reparado o Navio, e recobrarem-fe os effeitos, que correrão o perigo do naufrágio, e varação ; pois , per- tencendo eíles infortúnios á claífe dos finiftros maiores, quando houve rotura, e quebramento das partes eífien- ciaes do Navio, eos bens foffrêrão detercoração em mais da metade do feu valor, confidera-fe finda a viagem fe- gurada , e purificada a fubítancial condição dApolice, para o effeito da integral folução do Seguro. E ainda que os Seguradores pretextem, que as con- tas do recobramento dadas pelo Segurado não são fieis, eíta dificufsão não pôde impedir a acção do abandono, como fuítenta Emerigon Cap. 17. Sec. 7. §. 3. e Cap. 18. As defpezas do recobramento são privilegiadas, e fe deduzem precipuas do produeto dos effeitos falvos com preferencia a qualquer outra divida, a que elles ef- tejão fiujeitos; devendo o Segurado a refpeito das mef- mas fier crido pelo feu juramento (falvo fempre o cafo de fraude evidentemente provada ) ; porque nas circum- ítancias de aperto, e perigo de ruína total do Navio, c fua carga, toda a diligencia não he fobeja; e feria odiofo e bárbaro perder preciofios , e fugitivos momen- tos do devido fioecorro, retardando-fie as providencias com formalidades , ajuftes de mercenários, e outras eco- nomias, e precauções mefquinhas. Se as ditas defipezas excedem o valor dos bens que fe falvárão, os Seguradores refpondem por ellas em virtude dos poderes dApolice; excepto fe ahiexpreífa- mente limitarão a fua refponfabilidade até á concurren- C ii cia 2o P R I N C Í P I O S cia da importância fegurada ; porque neíte cafio fieão taes defipezas por conta dos Proprietários, que detão ordem para a íálvação ; e não tendo cites com que pa- guem , são a cargo do Erário N.eion.il, viílo que a íál- vação dos Navios, e bens naufragados conflitue hu- ma parte muito importante do dever, c fiei viço público : aflim fe acha determinado cm França pela Declaração Regia, de que faz menção Emerigon Cap. 17. Sec. 7. Todas as Nações Maritimas, ainda as mais anti- gas , de cuja Legislação nos rcílão fragmentos, defde cs Gregos , c Romanos , até ás do prefente tempo , tem fido dclveladas em darem providencias para o lbccorro dos Navios, que fc achão cm perigo de naufrágio, a fim de fe evitar a fua ruina, fendo pofiivel, ou ao me- nos falvarem-fic as vidas, e arrecadarem-fie os bens nau- fragados , prevenindo-fie os deícaminhos, furte-;, e ex- ceífivas defipezas, com que cm algumas oceafiões não fó fe tem abíbrvido todo o beneficio do recobramento, fenão também aggravado mais a calamidade dos Pro- prietários , c Seguradores. As Leis de França Ingla- terra , e Rufiia são a eíle refpeito as mais adequadas : indicaremos as fuás principaes determinações , quando tratarmos da Policia dos portos. No noífo Reino a Legislação he diminuta neila par- te , fuppofto fempre fe ptaticafficm as ordinárias provi- dencias de Direito commum. Encontra-fc com tudo a notável determinação do Senhor Rei D.Jofé de gloriofia memória , que faz honra não menos á Política , que á Hu- manidade deite Monarca , no Alvará de 22. de Novembro de 1774. dando regras contra os deícaminhos dos Reaes Direitos nas Alfândegas, c introducção dos contraban- dos ; exceptua o cafo dos bens naufragados , e ordena que fie ão recolhidos , e bem acondicionados nas mefmas A lfandegas. No prefente anno de 1797. fe promulgou o Alva- rá DE DIREITO MERCANTIL. P. III. 21 rá de 12. de Agofto, em que fe dão acertadas provi- dencias a refipeito do íoccorro dos Navios em citado de aperto , e perigo de naufrágio. Aqui fe determina no §. 17. que as defipezas do recobramento, afifim das comedorias, como dos íálarios da gente empregada nefi- te ferviço, fejão pagas pelos Navios a que fe deo au- xilio. As fioldadas das gentes domar, como divida mui- to favorável, devem ler pagas com preferencia aos Se- guradores pelo frete, ' e produeto dos bens naufraga- dos , e falvos, depois de fiatisfieitas ats defpezas do re- cobramento. Emerigon Cap. 17. Sec. 10. C A P I T U L O V. Da Reclamação. R Eclamaçao he todo o acto de diligencia judicial, pelo qual o Capitão, Proprietários , Seguradores , e Intereífados do Navio embargado, aprezado, reprezar do , confifcado, condemnado, naufragado, proteftão, e requerem o feu direito em devida fôrma, perante os Ma- giítrados, e Tribunaes competentes da Nação , em cujo poder fe acha o mefmo Navio, a fim de que fe levante o embargo nelle poíto, ou fieja reftituido, e fua carga, com indemnização das cuílas, perdas, e damnos contra quem direito for, offerecendo-fe o Reclamador, fegun- do a exigência do cafo, a fatisfazer o preço da íálva- ção , conforme as Leis do paiz, em que íe fizer a Recla- mação. (1) Acontecendo quaesquer daquelles accidentes, de embargo, pieza , repreza , confifco , condemnação, nau- frágio, o Capitão do Navio, logo que chegar a ter- ra , he obrigado, por dever de feu officio, a requerer __ — ____ im _ (1) Wcskctr. v. Clainiy Retlaim. 11 P R I N C Í P I O S immediatamente aoConful dafiua Nação , ou Magiítra- dos, e Tribunaes competentes do lugar, que lhe man- de eficrever fieu protelto de Reclamação; c quanto mais depreda , dentro do tempo da preferi pção eftabeleeida pelas Leis do Paiz. X refpeito da Reclamação de Na- vios nos ditos cafios, deve judicialmente fizer a fiua Re- clamação no Almirantado da Nação a que pertence, c onde mais convier, e for cftilo, aprefentando os Do- cumentos neceflários, e authenticos, a fim de obter o levantamento do embargo, c a reítituição do Navio, e carga a beneficio dos Intereífados , nos cafos em que houver direito, e efiperança de íálvação, e recobra- mento. O Capitão que naquellas, ou outras fimilhantes cir- cumítancias deixa de fazer eltas diligencias em tempo, e forma , ou que fe aufenta do lugar, onde fe acha o Navio , e fiobrevierão taes accidentes, fem ter previamen- te deduzido em Juizo a Reclamação, e aprefentado os convenientes Documentos, que ajuftifiqiiem, com Pro- curador authorizado a requerer, appellar , e fazer os poífiveis esforços para obter-íé o feliz êxito de hum tal negocio, ficaria refponfavel aos Proprietários, Segura- dores , e Intereífados pelas perdas e damnos , como in- curfio em erro de officio ; pois a negligencia , inactivi- dade , e abandono em taes oceafioes são fraudulentas, e muito culpaveis. Incumbe também ao Capitão, e he hum dever im- preterivel, o dar logo avifo do cafo, e do eílado do Navio aos Proprietários do cafco, e carga ; fazendo tam- bém por maior cautela, affixar Edital na Praça da fa- hida, ou na do deílino do mefmo Navio, para que os Seguradores, c Intereífados pofsão tomar as fiuas pre- cauções com a maior promptidão, e menor defipeza pof- fivcl. Os Seguradores igualmente eftando feientes do efi- ta-* DE DIREITO MERCANTIL. P. III. 23 tado do Navio, podem por fi, ou feus Correfponden- tes, e Procuradores, tratar da Reclamação em virtude dos poderes dApolice; devendo, logo que tiverem a noticia do facto, participalla fem perda de tempo aos Seguradores para o effeito de fe fazerem cs devidos re- querimentos , com avifio, afififtencia, e acordo dos mef- mos Seguradores, fobre os meios os mais próprios á confiecução do objecto, e communs intereífes; e a fim também de ferem cs mefmos Segurados embolfados, na parte do feu deficuberto de Seguro, na reipectiva devida proporção do valor de tudo que for reftituido, ou falvo. Os Segurados nos cafos aflima referidos (bem co- mo também no do refgate ) , eftando prefentes os Segu- radores , nada devem obrar fem a fua participação, e confentimento relativamente á Reclamação : eftando po- rém eíles aufientes, podem fazella por fi próprios, ain- da que a rifco , e por conta dos mefmos Seguradores , procurando-lhes com a maior fidelidade o pofiivel be- neficio , e avantagem por todos os mais racionaveis meios, que eítiverem em feu poder, dando-lhes toda- via fem demora avifo de tudo que fc paífar. Pelas Ord. Mar. Fr. Liv. 3. Tit. 9. das Prezas Art. 9. c 10. a Reclamação no cafio de repreza deve-fe fazer dentro de hum anno e dia, pena de perderem os Proprietários , e Intereífados o direito que tiverem fo- bre o tempo, modo, e direito da Reclamação: deve o Reclamador haver confelho com os Advogados do Paiz cm que ella for necefifiaria ; porque muitas vezes coítu- ma-íe julgar menos pela Lei das Nações, eu direito das Gentes , que pelos Eítatutos locaes, e ordens tempo- rárias do Governo. Os Documentos indifpenfaveis para a Reclamação devem fer authenticos , eoriginaes, e vem a fer: 1. Pro- curação legitima do Reclamador: -x.Efcritura, ou Acto de 2 4 P R I N C Í P I O S de propriedade eio Navio, que não feja fimulada : 3. Carta partida, ou Eficritura de affretamcnto, fe o Na- vio não foi navegado por conta do dono : 4. Conhe- cimento dos effeitos carregados. Vide Valin. ás Ord. Mar. Liv. 3. Tit. 9. das Prezas Art. 6. c 30. Se no procedo da Reclamação fc profere fe-utença contra o Reclamador, deve cite por íi, ou leu Procu- rador, appellar para o Tribunal competente, cxhau- rindo todos os recurfios legaes , authorizados no Paiz. 11 Todo o Mundo (diz o Lord Mansfield (1)) he par- 11 te nas fientenças eio Almirantado. Em Londres col- 11 tumão-fie publicar taes fientenças porhum Monitorio, 17 ou Edital no Exchange (Praça do Commercio) pa- 11 ra poder cada Intereflado appellar em tempo: nos íi outros Paizes fe pratica o mefmo em algum lugar 11 público. 11 A Reclamação não obfta ao immediato pagamento do Segurado , e ao abandono, que elle quizer fazer aos Seguradores do Navio, c effeitos reclamados, nos cafos cm que tem lugar tal abandono, c que logo fc expli- carão em lugar próprio: falvo fe o Segurado de acordo com os mefimos Seguradores eleger antes fazer a dita Reclamação por fua conta , e rifco, para participar el- le fó do beneficio, e avantagens da reítituição. C A - CO Park. Cap. 18. pag, 355-. DE DIREITO MERCANTIL. P. III. ~i$ C A P I T U L O VI. Da Preftação da Indemnidade. T Endo o Seguro fido feito em regra , e havendo per-fieverado na fubfiftcncia primitiva, acontecendo ao Navio, ebens fiegurados algum defiaftre por fortuna do mar, em confequencia dos riicos comprchendidos , na Apólice, o Proprietário, ou o Portador da mefma legi- timamente authorizado em qualidade de Correlponden- te , Procurador, ou Ccfiionario do verdadeiro Segurado , denunciando aos Seguradores o finiítro , logo que del- le houve noticia , eftando munido dos documentos com- petentes na fôrma dos Art. 14. e i.c. da Regulação da Cafa dos Seguros de Lisboa, tem direito de exigir-lhes a preftação da indemnidade promettida; e os Segurado- res são obrigados a fatisfazer a real importância da per- da dentro de trinta dias da participação do cafio, fen- do-lhes aprefientados, em tempo idôneo, os Documen- tos .necefíários a verificar a regularidade da tránfacção, legitimidade da Peífoa, e a exiítencia do finiítro, fua qualidade, e quantidade, fegundo os termos , e pactos honeítos dApolice: e fendo aífim cumprido , os Segu- radores são obrigados a comporem o perjuizo ou com o pagamento da total importância fegurada , nos cafios dos finiftros maiores, ou com a reparação do damno liquido , que devidamente fe moítrar, tendo fido par- cial a perda : befin entendido , que fendo a perda total, nos cafios, cm que aflim fe confidera em fenfo mercan- til , e fe moftrão no feguinte Capitulo, o Segurado re- cebendo o preço da indemnização, deve fazer aos Se- guradores cefsão, c abandono da coufa fegurada, propor- cionalmente ao intereífe cuberto com o Seguro; pois feria coufa monftruofia embolfiar-fie o Segurado do valor Tom. II. D da 20 P R I N C Í P I O S da perda, e com tudo fiear-fe com o direito ao Navio, ou carga fegurada , que, depois do íiniftro, pudeífe fer de algum modo falva em todo, ou cm parte. Os Segurados não tem direito mais do que ao pa- gamento da perda verdadeira , e não da exaggcrada , ou fictícia , nos termos do Art. 21. da dita Regulação da Caía : para o que fe deve attender ao valor das confias ao principio dos rifcos, preficindind o-fie dos lucros ima- ginários , ou proveitos eíperados, c tal he a regra ain- da por Direito commum. Detrimenti nonlucri fit pt\e- fiatio. •. damnum quod reverá inducitur. L. 1. Cod. de Sen. pro eo. Emerig. Cap. 1. Sec. 4. Sc os Seguradores, nao tendo que oppôr ao Segu- rado, ou ao Portador da Apólice, fraude alguma real, ou prefiumptiva na origem do contrato, ou outra algu- ma excepção, que os releve da refiponfiabilidade, recu- farem pagar amigavelmente no termo da Lei , incorrem em grave cenfiura, e deficredito público, como pcíloas fem honra , que refifitem ás próprias obrigações, e ten- dem com tal perfídia a alterar a confiança da Praça , perturbando a boa ordem do Commercio Nacional. Os Seguradores não podem refiftir ao devido paga- mento como pretexto de que o Portador dApolice não he o próprio que originariamente requereo o Seguro , ou por cuja conta elle fe fez, fe aliás o Seguro foi le- gitimo ao principio, e a couík fegurada fie expoz aos rif- cos , e antes da perda nada houve que alierafiê o con- trato : e iíto procede ainda que na Apólice não venha a claufula de pagar os Seguradores ao Segurado , ou a alguém por elíe, fegundo fe lê em Apólices de algu- mas Praças. Porque grande parte dos Seguros faz-fe por commifsão , e pela agencia de Procuradores, e Pre- poítos dos Segurados, e contra cites tem os Segu- radores direito de requerer o premio do ajuíte, aflim o exigindo o bem do Commercio. Além difto não ha re- DE DIREITO MERCANTIL. P. III. 27 repugnância de Direito, que o Proprietário do Navio , c bens fegurados , ou feus confignatarios, os vendão, ce- dão , e trafpaífem , de modo legitimo , a quem bem en- tender ; ainda pendendo os rifcos , fem confiultar para iífo aos Seguradores, com tanto que feja fiem fraude do mefmo , e fem fimulação do contrato na época do Seguro. E naquelle cafio os compradores , ccfifionarios, e alienatarios, reprefentão a peífoa de que houverão a propriedade ; de fiorte que, aprefientando qualquer pefi- foa aos Seguradores a Apólice, e conhecimento dos effeitos fiegurados , com a Cefsão , Endoífio , ou Pertence mercantil deites, em fôrma, ou outro equivalente, c legal titulo de translação de domínio, tudo em exacta coherencia á Apólice, eítao habilitados para demanda- rem o devido pagamento cm Juizo, c fora delle, fen- do as Apólices ( quanto a eíte effeito ) confideradas co- mo papeis negociáveis , e os Portadores dellas muni- dos dos documentos do intereífe, e da perda, são ha- vidos como Procuradores em coufa própria, ou como Portadores de letras de cambio pagaveis d ordem. (1) He de notar-fe, que em todo o cafio de venda, c trafpaflb dos bens fegurados , deve fer cedida a Apó- lice a quem fe transferio o direito fobre os mefmos bens, devendo eíles pafiár com leu encargo , e benefi- cio : porque feria injuílo, e fraudulento, que, tendo ò Segurado feito o trafpafifo pendendo os riicos , retiveífe com tudo a Apólice, e em cafo de perda demandaffe a indemnidade aos Seguradores pelo perjuizo do que já não era feu ; vindo niffio a receber duas vezes o valor dos bens feguros, hum do Comprador, ou Cefifionario , e outro dos ditos Seguradores; o que he inadmifiivel, e contrario á natureza do contrato. Deve-fe advertir, que os Seguradores, para não D íi pa- (1) Emerig. Cap. 18. Sec. 2. c Cap. 11. Sec. x. §. b. e Cap. 16. Sec. 5. 28 P R I N C Í P I O S pagarem a perda , podem oppór aos Portadores dApo- lice precifiamente as mefmas excepções, c delezas, que refpeitão ao Seguro mefimo, eque ferião legitimas-con- tra o originário Segurado de quem os ditos Portadores são a imagem, entrando nos refipectivos direitos, e encargos. Não querendo os Seguradores fa tis fazer a perda -ao legitimo Portador d5Apólice , de maneira amigável, pôde eíte demandallos judicialmente: i.° pela Ac cão de avaria, fe a perda foi parcial, não excedendo a mer tade do valor dos bens fegurados: 2.0 pela Acção do abandono, onde cila he admittida no cafio dos íiniítros maiores, em que a perda foi total, ou quaíi total, pe- la qual fe desfaz o objecto da viagem , c efpcculação do Segurado: 3.0 pela Acção de compromifto arbitrai de Louvados eícolhidos a aprazimento das Partes , como he eílilo da Praça de Lisboa, conforme as Ord. Mar. .de Fr. Tit. dos Seguros Art. 70. Da acção de avaria dir-fe-ha no Tratado terceiro da prefiente Obra, que, por fer dos mais implicados, c fobre matéria cm que os Seguradores coftumão exci- tar intermináveis, e mefquinhas dúvidas , faz neceífa- rio huma diícufisão mais prolixa. Paífemos a examinar o direito do abandono, e feus effeitos , confiderando tão fomente a fiua applicação nos cafios dos Seguros pro- priamente ditos; porque , nos Seguros impróprios , feitos por modo de apoíta, c jogo de parar, fem in- tereífe legitimo do Segurado, entendo que não são outra coufa mais do que tratos de Negociantes fraudu- lentos, ou ociofos, e como taes nullos elefeie a fiua 01 i- gem: tanto mais que a Regulação da Caía dos Segu- ros de Lisboa os não authoriza expreífamente, antes as Leis do Reino virtualmente os reprovão debaixo da generalidade das Ord. Liv. c. Tit. 82. que prefereve todos os generos de jogos de parar x fem excepção de hum DE DIREITO MERCANTIL. P. III. 29 hum fó, condemnando aos jogadores na perda do que houverem ganhado. Pelo que, tendo-fe em vifta o que fe diífie na Parte 2. Cap. 5-. he efcuíado accrefcentar palavra alguma para convencer, que de femelhantes fe- guros não reíulta Acção civil; e que a Juíliça não pô- de preftar ajuda, e aífiftencia á parte que fe queixar do não cumprimento do contrato. C A P I T U L O VII. Do Abandono. N A Jurifprudencia Marítima a palavra abandono tem differentes fentidos: oraíignifica o acto, pe- lo qual o Aprezador Commandante do: Corfario , ou de qualquer Embarcação de guerra, feja pirata , fieja pef- foa que tenha Carta de marca, ou commifsão de Po- tência foberana, para correr contra os fubditos de ou- tra Potência, abandona no mar a preza, de que fe ha- via já apoderado, deixando-a navegar livremente; ou por generoíídade, e voluntária defiftencia do feu direi- to de occupaçao bellica; ou por não poder conduzilla com fiegurança por falta de porto vizinho, ou de equi- pagem difponivel , ou por lhe fer impoffivel protegel- ía á vifta de maiores forças contrarias. (1) Também fe diz Abandono o facto ela deferção, e rebeldia das gentes do mar, pelo qual em ocedião de perigo,.de tempeítade, inimigo, naufrágio, ou outro accidente de igual confequencia , recusão fazer ofierviço, por defobediencia , cobardia , ou traição ; c defampa- rando o Navio, ou Embarcação , o deixão expoílo a imminente perigo, eoccafionão a perda. Eíte abandono enumera-fie entre os riicos marítimos, e he certamente hum (i) Park. Cap. 9. Weskec. v. Abandonment. Emerigon Cap. 17. See. 1. e fea;. Pothier n. \xi. e i<yx. BaldafTeroni Part. 6. Tic. 6. 7. 8. Savary Dice. de Cóm. v. Delaijfement* 30 P R I N C Í P I O S hum dos maiores, e mais defgraçados , e entra na ge- neralidade da Barataria do Patrão, e equipagem, ou da Barataria do Meítre, e Marinheiros, fegundo a for- mula das Apólices Inglezas, de que tratámos na Part. i . Cap. 44. onde difiemos, que elle he hum dos peri- gos de mar , que não são a cargo dos Seguradores , fem efpecial convenção dApolice. Eítas duas efipecies de abandono não são o objecto do prefente Capitulo: o abandono, que vamos a ex- por , tem huma secepção, e intclligencia particulariíli- ma , que he neceífario não confundir com os que aca- bamos de indicar. Entende-fe aqui por Abandono o principio da execu- ção do contrato do Seguro , i í tohe, o acto, pelo qual o Segurado acontecendo a perda total, ou excedendo ef- ta ametade do verdadeiro valor do Navio , e bens fe- gurados , fazendo certo o finiítro ao Segurador, lhe ce- de o mefmo Navio, carga, e fretes, para o effeito de exigir delle a indemnização da importância dApolice. O abandono pois neíte fentido não he mais do que huma cefsão e trafipaílo do domínio , que os Segurados fa- zem aos Seguradores, da propriedade de que fe eítipu- lou o Seguro, que puder fer ialva, recobrada, ou refi- tituida. Emerigon define o abandono, o acto, pelo qual o Segurado relaxa , cede, e traípafiá aos Seguradores os direitos , créditos, e acçoes da propriedade , ou inte- reífe , que tem na coufa fegurada : he o preliminar indiípen- favel para poder o Segurado exigir a fua indemnização. Eíta matéria he huma das mais abítrufias, e intrin- cadas na Jurifiprudencia dos Seguros, aflim pela falta de exacção nos Regulamentos das Nações commercian-tes, como pela variedade de pareceres dos Efcritores; o que tem dado lugar a bulras, e cavillações dos Se- guradores contra a boa fé do contrato, cm perjuizo do Segurado, e intolerável detrimento do Commercio. Con- DE DIREITO MERCANTIL. P. III. 31 Conforme o fentimento dos Authores antigo^, e fegundo as Ordenanças de Marinha das principaes Pra- ças da Europa, fiendo feguro feito em regra, he admit- tido como principio fundamental o terem os Segura- dos o direito de fazer, fe bem lhes parecer, aos Se- guradores o abandono dos bens que ficgurárão , logo que moítrão verificados alguns dos que fe chamão finiftros maiores; e feito o abandono, podem immediatamen- te conítrangellos a preftarem a indemnidade , ou cffe- ctivo pagamento da perda , e valor fegurado. Mas em que cafios haja lugar o exercício deite direito, equando os Seguradores tenhão obrigação de aceitar o dito aban- dono, ou cefsão da coufia fiegurada , e fe ella induz ri- gorofio trafipaífo de domínio, e abfoluto tranfiporte do direito da propriedade, a beneficio, ou damno dos Se- guradores , he matéria de controvertia, e diífiiculdades. Se nApolice fe incorporou a claufula de fe conce- der ao Segurado o direito do abandono , he inqueítio- navel, que, acontecendo o finiílro pelos cafios de que os Seguradores fe tenhão encarregado, tem lugar a cef- são , e tranfiporte da coufia fiegurada aos Seguradores , c a immediata exigência da indemnização, na fôrma , e condições do contrato; porém fe foi omittida aquel- \a claufula, he queítão , fc acontecendo os ditos finif tros, he aberta immediatamente aos Seguradores a ac- ção do abandono, e quaes fiejão os ficus effeitos. Os Seguradores, no cafo de perda, esforção-fe or- dinariamente em converter todas as demandas dos Se- gurados em acçoes de avaria ; e fiem dúvida niíto mui- to interefisão , pois não tem defiembolfio , em quanto não fe liquida o damno, e ganhão o tempo em que fe pro- cede á liquidação, matéria eterna de mmucioías difpu- tas , c onde muitas vezes a verdade he iníiveriguavel; mas os intereífes da juíliça, e a boa fé mercantil, de- vem prevalecer ás tergiversões dos Seguradores. Exami- ne- 3i P R I N C Í P I O S nemos pois as regras que fe dcduzcm da natureza do contrato , e que fe achão firmadas pelos Regulamentos de Marinha , e Areftos dos Tribunaes das Nações as mais ílluminadas. As Ordenanças de Marinha de Frane:a Tit. dos Seguros, determinão o fieguinte a rei peito do abandono. íi Art.j\2. Quando o Segurado tiver avifb da perda íi do Navio, ou das mercadorias fieguradas; detenção i7 de Príncipe, e de outros accidentes, que eítão a rii- 7i co dos Seguradores, fierá obrigado a notificallos in- ii continenti a elles , ou a quem tiver por elles afiina- i7 do a Apólice, CGIU o protefto de fazer feu abando- J> no em tempo, e lugar. n Art. 43. Poderá eom tudo o Segurado, cm lugar » do protefto, fazer no mefmo tempo feu abandono, >> com intimação aos Seguradores de lhes pagar as >> fommas feguradas no tempo perfixo nApólice. n Art. 44. Se o tempo do pagamento não he regulado >» nApolice, o Segurador fera obrigado a pagar o Sc- " guro, três mezes depois da notificação do abandono. 11 Art. 45-, No caíb de naufrágio, c varação, o Sc- 31 gurado poderá trabalhar no recobramento dos effei- n tos naufragados, fem perjuizo afiim do abandono - n que poderá fazer em tempo, c lugar, como do cm- n bolfo das finas defipezas; íbbre o que fierá crido pe- n Ia fiua affirmação, até á concorrência do valor dos » effeitos recobrados. 11 Art. 46. Não fe poderá fazer o abandono, fenão i7 no cafo de preza , naufrágio , quebramento, varação 17 em terra, detenção de Príncipe, ou perda inteira dos 11 effeitos fiegurados ; e todos os outros damnos não fe- n rao reputados fienão avaria, que fierá repartida entre n os Seguradores, e os Segurados á proporção de fieus n intereífies. 37 Art. 47. Não fe poderá fazer o abandono de hu- 71 ma DE' DIREITO MERCANTIL. P. III. 33 ma parte, e reter a outra, nem alguma demanda de avaria, fe cila não excede hum por cento da cou- fa fegurada. 31 Art. 48. Os.abandonos, e todas as demandas em execução dApolice ferão feitos aos Seguradores em fieis femanas, depois da noticia das perdas aconteci- das nas coitas da mefma Província , em que fe tiver feito o Seguro; em três mezes a refpeito das que acontecerem em outra Província do noífo Reino; qua- tro mezes para as das coitas deHollanda, Flandres, Inglaterra ; hum anno para Hefpanha, Portugal, Bar- baria , Ruflia," Noruega; dous annos para as das coitas dAinerica , Brazil, Guiné,, e outros Paizes re- motos : paliado eíte tempo, os Seguradores não fe- rão recebidos a demandar coufa alguma. jj Art. 49. Em caio de detenção de Príncipe, o abandono não poderá fier feito, fenão depois de fieis mezes, fe os effeitos são embargados na Europa , ou Barbaria; e depois de hum anno, fe hc em Paiz naais alongado, contando-fe do dia da notificação da detenção aos Seguradores; e não correrá neíte cafio a excepção de preficripção, determinada no Artigo antecedente contra os Segurados, fienão do dia em que elles puderem intentar as íuas acçoes. 17 Art.<yO. Porém fie as mercadorias embargadas são periveis, o abandono poderá fier feito depois de fieis femanas, fe forem embargadas na Europa , ou Bar- baria;, e. depois de três mezes, fc he cm Paiz mais diítantc, contando-fe do dia da notificação do em- bargo aos Seguradores., >> Art. 5*1. Os Segurados fierão obrigados, nos ter- mos perfixos nos dous Artigos precedentes, a fazei" todas as diligencias para alcançar 0 levantamento da embargo, dos effeitos embargados y e poderão .os; Se- Tom. IL E gu- 34 P R I N C Í P I O S 3i guradorcs fazello também por ii, fe bem lhes parc- »> cer. ?5 Art. 5*2. Se o Navio foi embargado cm virtude ii elas noífas ordens, em hum elos portos do noífo Rc ;- 31 no , antes de principiada a viagem , os Segurados >*> não poderão, por caufa de tal embargo, fazer o 33 abandono de feus effeitos aos Seguradores. 3i Art. 5-3. O Segurado ferá obrigado, quando faz 31 o feu abandono, declarar todos os Seguros que tiver íi feito, e o dinheiro que tiver tomado a rifco fobre 17 os effeitos fegurados, pena de fer privado do effeito 33 dos feguros. j> Art. 57. Os actos juílificativos da carregação, e M da perda dos effeitos fegurados ferão notificados aos 33 Seguradores incontinenti depois do abandono; fem *i o que não poderão demandar a cites para o paga- ÍJ mento das coufias feguradas. 11 Art. 5-8. Se o Segurado não recebe noticia algu- 3.7 ma de feu Navio , elle poderá , depois de paífado hum » anno ( contanelo-fe do dia da partida) nas viagens " ordinárias, e depois de dous annos nas de longo cui- >» fo, fazer o feu abandono aos Seguradores, c tteman- » dar-lhes o pagamento, fem que feja neceífario apre- J7 fentar-fe algum certificado da perda. >> Art. 60. Depois de notificado o abandono, os » effeitos fegurados pertencerão ao Segurador que não >i poderá, com pretexto do retorno do Navio, ifentar- 11 fc de pagar as fommas feguradas. Vid. Valim no J5 Commentario a eíles Artigos. Eíta Legislação he a mais regular em matéria de abandono; a ella são coherentes, nos pontos princi- paes , afiim os antigos, como os modernos Regulamen- tos de Marinha das Nações Commerciantes ; poíto que tntre as mefmas fe obfervem algumas variedades confide- ra- DE DIREITO MERCANTIL. P. III. 35- raveis, quanto ás circumílancias, modo, tempo, e ef- feitos do dito abandono. Na maior parte de taes Re- gulamentos o abandono he do arbítrio do Segurado ,. nos cafos em que elle tem lugar; nas de Roterdão po- rém he da obrigação do mefimo, e a beneficio dos Se- guradores. Os Regulamentos de Suécia não permittem o abandono, em quanto ha eíperança de fier falvo, re- clamado , e reftituido, em todo,ou em parte , o Navio ou mercadorias, que foffrêrão finiítro. A Regulação da Cafa de Seguros de Lisboa pa- rece não admittir já mais o abandono, a não haver fo- bre iífo expreífa convenção nApólice, como fe vê da generalidade do Cap. 23. ib. J> Os Seguradores não fe- 11 rão obrigados ao abandono dos effeitos fegurados ; » fialvo quando n'Apólice do Seguro fe fizer expreífa >5 menção deita claufula ; e o Segurado , ou outra qual- j) quer peífoa, tem plena authoridade para fazer o que >> julgar mais conveniente a beneficio dos effeitos, fal- *» vando-os, c vendendo-os no lugar do naufrágio, tu- j) do a rifco dos Seguradores , a quem fe dará conta. As fraudes dos Segurados nos Seguros de mera ãpofta, a que chamão depatlp expreffo, que fazião fem intereífe algum, ou com diminuto intereífe próprio no cafco , e carga do Navio delignado nApolice, exagge- rando excefiivamente, e com fraudulento defignio o valor da coufia fiegurada; e bem afiim nos feguros de- bens de contrabando , e outros de igual natureza, de que depois era difiicil, ou odiofio provar-fie o contra- rio , forão fem dúvida a caufia do rigor daquelle Capi- tulo , ou aliás da interpretação confiante, que fe lhe dá na Praça; fem dúvida afim de fe obviar ao perjuizo des Seguradores, que, pelo abandono, pouco ou nada vi*** rião a confieguir, ainda no cafio de fier feliz a reclama- ção , ou recobramento da propriedade abandonada de- pois da preza, naufrágio, embargo, &ç. E n a verdade- E ü -ief- 3Ó P R I N C Í P I O S neftes cafos o abandono feria huma formalidade abfurda. Como fie poderia abandonar o que ou nunca havia exil- tido , ou era de propriedade alheia ( Em Inglaterra poíto não haja neila parte Legisla- ção poíitiva eom tudo os princípios adoptados unifor- memente em feus Tribunaes são os mais fimples cer- tos , e fecundos ; de forte que prefentemente a doutri- na do abandono fe acha eftabelecidi com a maior cx- acção , e firmeza, por muitas Decisões uniformes, como fe pôde ver nos Arcílos que citão Allan Park no feu Tra- tado de Seguros Capitulo 9. e JohnWcskct verb. Aban- donmen. Segundo aquellas Decisões, o Segurado pôde á fiua eleição , 011 arbítrio fazer o abandono aos Seguradores , não fó quando a perda he verdadeiramente total, fem eíperança alguma de falvação, e recobramento, fenão também quando o objecto da fua efpeculação he de tal mocio desfeito , que não vale a pena de profeguir-fe nelle ; como por exemplo : fe a viagem do deílino he abíblutamente perdida; ou o Navio fe conílituio inna- vegavel pelo finiítro ; fc o finiítro occaíionou perda to- tal , ou excedente á metade do valor da coufia fiegura- da ; fe ainda que haja eíperança de recobramento , ou refigate, ou eftectivamente no cafo de preza , tenlia ha- vido repreza, com tudo o preço, ou defpeza da íálva- ção excede a metade do dito valor; fe o Segurador não fe obriga a approvar, e fa tis fazer quaesquer def- pezas que fe fizerem para o fim da mefma íálvação , recobramento, e reclamação nos lugares onde for ne- ceífario , ainda no cafo de que ella fe não obtenha , e fe inutilize todo o trabalho , e defiembolfo. Neftes ca- íòs o Segurador pôde fier conftrangido a acceitar o aban- dono, e pagar a perda dentro de oito dias, fe o mefi- mo abandono he definitivo, e fieguido do effectivo pa- gamento da importância fegurada : fenão concorrera ef- DE DIREITO MERCANTIL P. III. 37 citas duas circumítancias, o abandono confidera-fe pro- vifiorio, e de fimples cautela, fem cefsão, ou renúncia da propriedade; e fiendo fiai vos, ou reftituidos o Na- vio , e effeitos, objecto do Seguro, o Segurador paga tão fomente as defpezas da falvação, e o Segurado reafi- fume o que era feu originariamente por hum certo di- reito que fie diz de poflliminio , como fe nunca fora per- dida, fegundo indicámos na Parte 1. pag. 137. Confiequentemente, e ao contrario , não pôde o Se- gurado fazer tal abandono, nem o Segurador fer obri- gado a recebello, fenem os effeitos fegurados forão da- mnificados além da metade do feu valor, nem fe per- deo a viagem do Navio, ou o corpo do mefmo ; an- tes fazendo-fe em pouco tempo os competentes repa- ros , e pagando o Segurador a real importância da per- da , o Segurado vem a ter a indemnidade, que havia eftipulado n'Apolice. Eis-ahi em matéria de abandono a Legislação, e praxe de julgar de França , e de Inglaterra, iftohe, das duas as mais eminentes Nações do Mundo Político , e Mercantil. Depois de Luminares deita claífe, he fiuper- fluo recorrer aos Regulamentos dos Eftados Maríti- mos de inferior ordem , que são como os Aítros fub- alternos no fy(lema Planetário. Os que mais brilhão na carreira do Commercio confipirão em conceder aos Se- gurados, no cafa dosfiniflros maiores (com as modi- ficações opportunas ) o direito do abandono, indepen- dente de expreífa convenção nApolicc; reconhecendo que o exercido deite direito he ligado á eífencia , e boa fé do contrato, e contribuc para a rapidez da circula- ção dos fundos expoftos aos perigos do mar, como fe pôde ver nos Regulamentos de Marinha de Amíler- dam, Hamburgo, Copenhague, Bilbao, Gênova, Ve- neza. (1) As L M • 1 1 i . * - 1 M I • 1 11 í i . . (1) Vid. Baldaíferoni Pare. 6. Tit. 6. 38 P R I N C Í P I O S As Companhias de Seguro de Lisboa dcfvairão deite ufio. e tem a fingularidade ele não admittir o aban- dono cm cafio algum , oppondo-fie ao lèníb commum das Nações as mais illuminadas que aliás a Lei de 18. de Agofto de 17Ó9. §. 9. manda feguir em maté- rias mercantis. Elles pietcxtão o aiíima citado Cap. 13. da Regulação da Caía, que aliás he ambiguo, cfiulce- ptivel de interpretação mais franca, c análoga ásiegras geraes do Direito Marítimo. Em primeiro lugar o abandono de que ahi fe tra- ta , parece que não fe deve entender da celsão, que o Segurado, recebendo a indemnização do Segurador , he obrigado a fazer ao mefmo , da propriedade fmiítra- da ; mas fim delta particular efpecie de rifco que fiobre- vem no mar, e confiíle na delerção do fierviço que os Officiaes, c Tripulação fazem do Navio, e fua carga na occafi.ío do perigo , por traição , covardia , ou re- beldia , fegundo afiima fe indicou, e acha-fc exemplifi- cado na Parte 1. Cap. 44. pag. 15-0. Eíta interpreta- ção he apoiada pelo formulário das Apólices de Lis- boa , onde a palavra abandono encontra-fe no mefimo contexto , e immediatamentc depois da enumeração , e ferie dos rifcos marítimos , a que os Seguradores fc lü- jeitão , acerefeentando-fie porém a claufula exceprivay^/- vo a rebeldia do Patrão , e abandono dos bens fegura- dos; excepção eíta que os Seguradores tem direito de fa^er, porque femelhante qualidade de rifco não entra na generalidade dos que acontecem por mera fortuna de mar; fim pertence á malfeitoria do Capitão, e Equi- pagem , cujo damno, fegundo o Direito Commum, he fó a cargo de quem empregou taes peífoas; c por iífo os Seguradores não refpondem por aquelle abandono , fem íeu prévio confentimento , c pacto exprefio na Apó- lice. Vide Parte 1. Cap. 34. pag. 116. Em fiegundo_ lugar} ainda admitrida a interpreta-. DE DIREITO MERCANTIL. P. III. 39 ção do dito Cap. 23. no fentido que os Seguradores af- íéctão, com tudo parece' que o abandono, ou cefsão forçada dos bens finiftrados fó fe exclue no cafio do nau- frágio ; pois he o único exemplo que ahi íe aponta, quando aliás era obvio, c natural, que fe generalizaífe a regra, fe foífe eífa a intenção do Legislador: e por tanto não ha razão para fe repellir o mefimo abandono no cafo de previa detenção, e embargo de Principes, que tão freqüentemente acontece em tempo de guerra,. em que os feguros são mais neceifarios, e multiplica- dos. O não ter a Real Junta do Commercio fixo por Àífento o fentido daquelle contravertido Capitulo ocea- fiona a perpetuidade dos abufos dos Seguradores comterrível detrimento dos Segurados. A refulta he que , fobrevindo a noticia de preza de algum Navio, fobre que fe tinha feito feguro de feu cafco, ou. carga, ainda que ella feja notória, e os documentos do finiítro irre- eufiaveis, alguns Direitos das Companhias refiftem a in- demnização immediata , com o pretexto de que teia eíperança de que a preza haja de fier reftituida, ou re- recobrada; e que o Segurado deve trabalhar nas dili- gencias da reclamação, e refigate ; eque fendo infrueti- feros os esforços, eítão promptos a fatisfazer a perda á vifta de fentença de condemnação do refpectivo Al- mirantado: entre tanto mil circuitos, e difficuldades, e o empate no giro fazem perigar a fortuna do Segura- do , tranftornando a efpeculação ainda a mais efiperan- çofa, e bem concertada. Quem não vê que eíles obíta** ciilos são incompatíveis com a franqueza do Commer- cio, e credito Nacional? He verdade que o Capitulo 13. da Regulação da Cafa não prohibe eftipular-fie na Apólice a claufiula do abandono; porém os Direitos já mais permittem infierilla ; e os Seguradores são conftran- gidos a foíFrer a Lei , eme fe lhes impõe, fubmettenj» da«*. 40 P R I N C Í P I O S do-íe á pratica ordinária da Caía dos Seguros. Pode fim o motivo do abandono fier fraudulento ; mas a frau- de fempre fe exchie, e o fimples receio delia não deve tolher a regra geral. Efpcrando-lé pois da fiabedoria do Governo o Re- gimento annunciado no Alvará de i r . de Agoflo ele 1791. cm que provavelmente ledar.i providencia, e re- forma neila parte, indicaremos os cafos em que de juí- tiça deve fer admittido o abandono (tendo o fieguro fido feito em regra ) e quaes fejão os feus effeitos. O Segurado tem direito de fazer abandono, aflim do Navio, como dos effeitos que fiegurou , nos cafios dos finiftros maiores (acontecidos por fortuna domar) em que a perda tenha fido total; e cila por feníb mer- cantil, fe entende fer a que excede ametade do valor da confia fiegurada. Todos os outros damnos porém não são reputados fenão perda parcial, ou avaria ( 1 ) ; e em confequencia o Segurado não pôde conítranger ao Segurador a acceitar o abandono, mas tão fomente tem direito de exigir-lhe a indemnização do perjuizo, pois do contrario feria muito gravofa a fiorte dos Segurado- res ; não podendo entrar em dúvida , que íbffrerião eíles vexame intolerável contra a natureza, c fim do con- trato do Seguro, fe por quaesquer medíocres, ou infi- gnificantes perdas foliem compellidos a carregar com a propriedade alheia, muitas vezes detrimentoía , c inútil , acceitando huma cefsão , e éíbandono forçaelo , que aliás hc havido por huma acção extraordinária, e fó admifiivel nas circumílancias ou de inteira, e ab- foluta perda, ou de hum damno tão grave , que por elle ficaífc desfeito o objecto da efpeculação do Segura- do, ou a fua propriedade lhe vieííe a fer de pouco, ou nenhum ufo. A. — — — - « CO Ord. de Mar. de Fr. Art. 46. Tit. Defajfur, DE DIREITO MERCANTIL. P. III. 41 A perda total ou he real, e effectiva, ou legal, e prefiumptiva. Perda real hc quando a coufia fiegurada eu pere- ceo abíblutamente, ou poíto fe falvaífe, e fe recobrafle alguma parte, acha-fe com tudo reduzida a eftado tão deteriorado, que não pôde fiervir ao feu primitivo, e ordinário deílino , como acontece no cafio de fubmersão do Navio , ou do naufrágio , varação , c encalhe, cor- rompimento, e dilaceração das partes cífcnciacs do mefi- mo , ou de outros accidentes da fortuna do mar, que o reduzirão a eftado de innavegabilidade, como tem- jieítades, fogo , bombardeamento, &c. do que refiultaífie avariar-fie a carga em maneira, que ficaífe damnificada em mais de metade do feu valor, ou fe conftituifle in- fufceptivel de venda no eftado ordinário do Commercio. Perda legal he a que fe prefume por Direito Ma- rítimo , e Lei das Nações, poíto a coufia fegurada ex- ifta, ehaja cfpeiança de falvação, e recobramento. Eí- ta verifica-fie nos cafos de preza , repreza, detenção de Principes, falta de noticias do Navio no tempo afii- naelo pelos Regulamentos de Marinha dos Eftados Com- merciantes, a que fe conformou o Capitulo 19. da Re- gulação da Caía dos Seguros de Lisboa. Neftes cafos , poíto o Segurado não tenha perdido irrevocavclmcnte a fua propriedade (porque pôde fer refgatada, falva, reclamada, e reftituida, e naquelle ultimo cafo he pof- iivel que appareça em algum lugar ) , com tudo , pela difüculdade, c demora que fiobrevem, confidera-fe per- dida pelo que diz refpeito ao Segurado; viílo que fica entretanto privado da livre difpofição do que lie feu; e em confequencia as Leis Marítimas lhe dão o direito do abandono para a fiua indemnização immediata. (1). O abandono pôde fer proviforio, ou definitivo: Tom. II. F Pro- (1) Emerigon Cap. iz. Se«. 18. e 11, 4 i P R I N C Í P I O S Proviforio hc o que o Segurado faz de mera preven- ção, em quanto confulta aos feus intereíTes ,Jem exigir, ou acceitar o pagamento dos Seguradores, não lhe trans- ferindo em confequencia o fieu direito aos bens finillra- dos, na eíperança de falvação, recobramento, e retor- no dos mefmos. Definitivo he o que eífeitua com co- nhecimento de caufia , achando mais avantagem cm de- mandar, e receber logo a fatisfação da importância do Seguro, transferindo aos Seguradores, feito que feja o pagamento, o domínio dos ditos bens, proporcional- mente ao intereífe fegurado. Os cafios em que tem lugar a acção do abandono, como a única que he capaz de encher o intereífe do Segurado, fe reduzem a fieis. i.° Naufrágio abfoluto , feja por fubmersão do Navio em mar alto , fieja por esbarrar, ou dcfpenhar-fe fobre algum eficolho nas Cofi- tas, c Portos. 2.0 Varação em terra, e encalhe com rom- pimento das partes eífenciaes do Navio. 3.0 Preza juf- ta , ou injuíta. 4.0 Detenção de Principes. (1) 5-.0 Inna- vegabilielade por cafio fatal. (2) 6.° Falta de noticias do Navio em hum anno depois da fua fahida nas via- gens da Europa, e depois de dous annos nas viagens mais dilatadas. (3) Em a maior parte dos Regulamentos Marítimos, o direito do abandono he ( como já afiima fe indicou ) hum aéto de vontade, ou arbítrio da parte do Segura- do , e de necefiidade da parte do Segurador: fuppoito pareça em tal matéria mais dura a forte deite, com tu- do femelhante difpofição não hc contraria á juíliça, an- tes confpira ao bem do Commercio ; pois, como os Segurados são os que eípeculão fobre Navios, e effei- tos, cuja propriedade tem adquirido , vem a fer tam- bém ( 0 Emerig. Cap. 12. Sec. :$o. efeg. (2) Ibid. Sec. 38. (•}) Ibid. Cap. 14, Sec. 4. DE DIREITO MERCANTIL. P. III. 4 3 bem os mais próprios para lhes darem o deílino que melhor entenderem nas operações ulteriores ao aconte- cimento do finiítro; não fiendo por tanto racionarei que fiquem contra a fiua vontade privados do que lhes pertence, quando fe contentáo com exigir a indemni- dade por fimples acção de avaria. He porém de notar, que naquelle ultimo cafo do §. antecedente, o Segurado he obrigado afazer o aban- dono aos Seguradores pelo Capitulo 19. da Regulação da Cafa, como fe vê das claufulas finaes, os Segura- dores ferão obrigados a pagar a importância dos Se- guros , havendo do Segurado cefsão dos effeitos que fe~ gurou. Não he neceífario que o Segurado faça immedãato e effecfiivo abandono, logo que tem noticia do finiítro ; baila que denuncie, e intime aos Seguradores a mefma noticia, proteftando-lhes fazer o abandono em tempo, e modo; porque, muitas vezes os Segurados tem tido que arrepender-fe de íiia precipitação nos abandonos , em que os Seguradores coníideravelmentc ganharão. Pe- lo que convém que dem efipaço á deliberação , e con- felho para calcularem neila parte com prudência os feus intereílès; fendo da fiua eleição, e arbítrio ou fazerem o abandono, com conhecimento
Compartilhar