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1 O esquema teórico do Liberalismo e as primeiras normas trabalhistas Apesar dos nobres ideais que o inspiraram, o Liberalismo não tardaria em noticiar o seu fracasso. Ao cabo de poucos anos, o que se verificou, na prática, foi um acelerado crescimento do número de miseráveis e empobrecidos e a concentração de riquezas nas mãos de uma minoria-proprietária, de onde deflui a constatação de que a igualdade formal, em uma sociedade marcada pela desigualdade material, resulta na exploração do fraco pelo forte. No setor produtivo, a ausência de intervenção estatal nas relações contratuais terá suas consequências agravadas com a crescente utilização da máquina, do que deriva a relegação do homem a um papel secundário na produção, desencadeador do desemprego e da utilização do trabalho de mulheres e crianças. Surgem, agora, novas moléstias profissionais e a multiplicação dos acidentes de trabalho, ocasionados pela ausência de normas de segurança no trabalho, de limitação da jornada ou de imposição de um salário justo. A insatisfação no lar operário passa a se refletir na própria segurança da sociedade. Nesse contexto, a coletivização do trabalho nas grandes indústrias acaba por gerar a concentração de grandes massas humanas, resultando no surgimento e formação de uma consciência de classe. Compartilhando as mesmas, e desumanas, condições existenciais, a aproximação da massa operária vai facilitar a organização coletiva de suas reivindicações, o que viria a se constituir como fator determinante para as latentes lutas sociais. Inevitáveis, a partir daí, as desordens ocasionadas pelo absenteísmo estatal, marcadas pelo crescimento das ideologias de protesto, paralisações do trabalho, agitações, prisões e até mortes. Dentre as lutas sociais que se desenvolveram ao longo do século XIX, são citados os movimentos luditas e cartistas, na Inglaterra, as revoluções de 1848 e 1871, 2 na França, e a revolução de 1848, na Alemanha, todas igualmente expressivas para o florescimento do direito do trabalho. Como demorasse uma iniciativa do Estado, que a tudo assistia, complacentemente, respaldado nos postulados do Liberalismo, o quadro de stress social crescente acabou por gerar o surgimento paraestatal das primeiras normas trabalhistas. Resultantes de acordos entre empregados e empregadores, e consideradas pela doutrina como verdadeiras convenções coletivas de trabalho, as primeiras normas trabalhistas surgem do fogo direto das lutas e reivindicações sociais, à margem da regulamentação estatal, tendo alcançado o mérito de normalizar as relações entre as classes produtoras, ao menos transitoriamente. Dentre as causas que influenciaram a formação do direito do trabalho, destacou-se, ainda, a manifestação da Igreja, através da encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, publicada em 15 de maio de 1891, a qual chegou a ser intitulada “Manifesto Comunista da Igreja”. Assim, em reação às desvirtudes do capitalismo e à incapacidade do sistema jurídico- liberal em lidar com os problemas humanos e sociais resultantes do novo contexto produtivo, surge o direito do trabalho com a almejada missão de interferir nas relações entre operariado e burguesia, suprindo de vantagens jurídicas os hipossuficientes nas relações contratuais, e construindo, através de sua ação tutelar, a melhor igualdade possível. Contribuiria, por fim, para a consolidação e autonomia do novel ramo do direito, o reconhecimento estatal da importância da classe trabalhadora, efetivado no contexto instaurado pela Primeira Guerra Mundial, do qual surge a necessidade de sua colaboração e parceria. 3 A interdependência entre as máquinas industrial e bélica, no complexo envolvimento entre a geração de recursos e a eficiência nos campos de batalha, despertou os Estados para o papel central que os problemas relativos ao trabalho deveriam ocupar na sociedade. Esse despertar se fez refletir no pós-guerra, já na assinatura do Tratado de Versalhes, com a criação da Organização Internacional do Trabalho, consolidando o Direito do Trabalho, com o seu posicionamento definitivo e preponderante nos quadros legislativos dos Estados nacionais e alcançando o plano da regulamentação internacional.
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