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Intoxicação em cães e gatos

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Toxicologia Clínica – Sintomas e Tratamentos de 
Emergência em animais envenenados 
José Manuel Almeida1
1- Sector de Farmacologia e Toxicologia da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. 
Nota prévia: o texto que a seguir se apresenta foi elaborado como texto de apoio à palestra 
“Toxicologia Clínica – Sintomas e Tratamentos de Emergência em animais envenenados” 
proferida no âmbito das I Jornadas Técnicas Universitárias promovidas pelo Programa 
Antídoto – Portugal no dia 27 de Abril de 2004. A palestra e o texto de apoio têm como objectivo 
dar uma visão global e alertar pessoas de diversas formações para este tema e não constituir um 
manual de sintomas e tratamentos em animais envenenados. Assim, a palestra e o texto abordam 
o tema de forma superficial e em termos acessíveis a não veterinários, para que estes percebam e 
possam colaborar melhor com a actividade do médico veterinário neste tipo de situações. 
1 Introdução 
Em toxicologia clínica, o veterinário quando é confrontado com um processo 
suspeito de intoxicação, este tem normalmente carácter agudo. Assim, e dada muitas 
vezes a inespecificidade do quadro sintomático apresentado, pode definir-se uma 
estratégia geral de tratamento das intoxicações, sem prejuízo da sua alteração em tempo 
útil caso a etiologia seja entretanto identificada. 
A abordagem geral de um processo agudo de intoxicação compreende os 
seguintes passos: 
- Estabilização dos sinais vitais. 
- Evitar a absorção de mais agente tóxico. 
- Administrar um antídoto se estiver disponível. 
- Facilitar a remoção ou eliminação do tóxico. 
- Aplicar terapia de suporte e monitorizar o animal. 
2 Estabilização dos sinais vitais 
Nesta fase devemos tentar garantir a estabilização dos sinais de forma a 
preservar a vida do animal e assim a ganhar tempo para podermos depois desenvolver as 
estratégias necessárias para desintoxicar o animal. 
È fundamental nesta fase avaliar e garantir o correcto funcionamento da função 
respiratória, que pode ir eventualmente até ao recurso a intubação endotraqueal e/ou 
respiração assistida. A função cardiovascular deve ser controlada não só quanto ao 
funcionamento do coração a nível de disritmias, como também a nível de volémia, 
através da administração de fluídos e correcções de equilíbrio ácid-base, A nível do 
sistema nervoso central devem ser controladas as alterações presentes, nomeadamente 
eventuais estados convulsivos, hiperactividade ou depressão. A temperatura corporal 
deve ser mantida dentro dos valores fisiológicos e conforme as situações podemos ter 
uma temperatura corporal inferior ao normal (hipotermia) ou superior ao normal 
(hipertermia) por exemplo nos estados convulsivos. 
3 Prevenção da absorção de agentes tóxicos. 
A prevenção da absorção de agentes tóxicos tem por objectivo evitar que a sua 
concentração sistémica aumente agravando o estado do animal. Como técnicas utilizáveis 
a nível digestivo temos a simples diluição do veneno através da administração de líquidos 
por via oral, cuja eficácia é reduzida. Como técnicas de maior eficácia, ainda no sistema 
digestivo, pode recorrer-se à emese (indução do vómito) em espécies em que tal seja 
possível e nas situações em que não esteja contra-indicada e ainda à lavagem dos 
reservatórios gástricos (estômago, papo ou rúmen) com água contendo uma substância 
que vá evitar uma maior absorção do veneno. Na lavagem dos reservatórios gástricos 
costuma-se utilizar o carvão activado pela sua eficácia em casos inespecíficos, embora 
sabendo qual o veneno que está presente podemos utilizar algumas substâncias 
específicas. Podemos ainda recorrer a enemas, laxativos ou mais raramente a técnicas 
como a gastrotomia ou enterotomia, ou técnicas endoscópicas. 
No caso do contacto ocorrer com o globo ocular deve proceder-se à sua lavagem 
com soro fisiológico. No caso da exposição dérmica devemos proceder à sua remoção 
através de lavagens. 
4 Uso de antídotos. 
A utilização de substâncias que administradas por via parenteral vão inactivar ou 
contrariar os efeitos de um agente tóxico, não é uma prática tão corrente como o senso 
comum faz supor. Na realidade, são situações que se restringem aos venenos de alguns 
animais ou plantas e alguns medicamentos como é o caso da naloxona na intoxicação por 
opiáceos, a ioimbina na intoxicação por xilazina e o atipazemol na intoxicação por 
medetomidina ou detomidina. 
5 Facilitar a remoção ou eliminação do tóxico. 
Caso tenha havido absorção de agente tóxico devemos desencadear medidas que 
facilitem a remoção ou eliminação do tóxico. Podemos fazê-lo das seguintes formas: 
Aumentar os níveis de metabolização em formas menos tóxicas. 
Aumentar a velocidade de excreção. 
Remoção directa do tóxico. 
O aumento dos níveis de metabolização são na maioria dos casos ineficazes ou 
pouco práticos. A remoção directa do tóxico só se aplica a casos muito específicos. 
Assim, temos que nos concentrar no aumento da eliminação. 
Podemos desencadear um aumento da eliminação do veneno na urina aumento a 
diurese e/ou induzindo o fenómeno de aprisionamento iónico, ou seja alcalinizando ou 
acidificando a urina para que o veneno fique mais ionizado na urina e não seja 
reabsorvido ao longo do nefrónio (unidade funcional do rim). 
A diálise peritoneal, uma técnica cujos princípios são semelhantes à hemodiálise, 
permite aumentar a eliminação de alguns venenos. Nesta técnica é introduzido um líquido 
de diálise entre os folhetos do peritoneu (uma fina membrana que envolve os órgãos da 
cavidade abdominal). A partir do sangue o veneno vai-se difundir para este líquido, pelo 
que, quando é removido do peritoneu é também removido o veneno. 
6 Aplicar terapia de suporte e monitorizar o animal. 
Este ponto representa um conjunto muito vasto de técnicas terapêuticas que deverão 
ser ponderadas e aplicadas caso a caso. 
7 Envenenamentos mais comuns em Portugal. 
Sob este título abordamos três envenenamentos que foram os mais frequentes nas 
análises efectuadas pelo laboratório de Farmacologia e Toxicologia da Faculdade de 
Medicina Veterinária de Lisboa no ano de 2003. 
7.1 Intoxicação por estricnina. 
A intoxicação por estricnina ocorre por inibição dos processos inibitórios do arco 
reflexo a nível da medula. Este efeito ocorre por competição da estricnina com um 
neurotransmissor, a glicina. Deste bloqueio resulta toda uma sintomatologia caracterizada 
por uma hiperreactividade a estímulos externos com contracções musculares violentas e 
tónicas que ocorrem em crises cíclicas. O animal acaba por morrer durante uma crise por 
paragem respiratória. O tratamento passa pelo isolamento do animal de estímulos 
luminosos, de ruído, térmicos e tácteis e ainda o uso de anticonvulsivos. 
7.2 Intoxicação por bloqueadores de colinesterases. 
Neste grupo temos como grupos mais frequentemente implicados os 
organofosforados e carbamatos. Estes compostos actuam bloqueando uma enzima, a 
colinesterase, que é responsável pela degradação da acetilcolina (neurotransmissor) em 
colina e ácido acético. A colinesterase é a responsável pela cessação de acção da 
acetilcolina. Quando a colinesterase fica bloqueada, o tempo de actuação da acetilcolina 
fica consideravelmente aumentado, traduzindo-se em vómitos (nos animais que 
vomitam), diarreia, aumento das secreções brônquicas (o que provoca dificuldades 
respiratórias) e tremores musculares. A morte a curto prazo pode ocorrer por anóxia 
(deficiente oxigenação do sangue e consequentemente dos orgãos), enquanto que a médio 
prazo os vómitos, diarreia e tremores musculares podem provocar desequilíbrios 
hidroelectrolíticos. O tratamento de urgência passa geralmente pela administração de 
atropina que vai contrariar os efeitos destes compostos no aparelho digestivo e 
respiratório. 
7.3 Intoxicação por anticoagulantes 
A vitamina K activaé oxidada em vitamina K epóxido na conversão da 
carboxiprotrombina em protrombina que é um factor essencial aos fenómenos de 
coagulação. Para que a vitamina K possa ser novamente utilizada nesta reacção é 
necessário que haja uma reactivação da vitamina K realizada por uma epóxi-reductase 
com a conversão do NADH em NAD+. Os compostos anticoagulantes actuam 
bloqueando esta enzima e consequentemente a reactivação da vitamina K no fígado o que 
se traduz numa redução dos níveis de protrombina, com a consequente diminuição da 
capacidade de coagulação do sangue. A sintomatologia associada a esta intoxicação são 
as hemorragias abundantes, que podem ser visíveis através da aberturas naturais ou 
feridas superficiais, e um sangue que permanece “líquido” durante muito tempo. A 
terapêutica passa pela administração de vitamina K1 ou seus análogos sintéticos, 
transfusões sanguíneas ou de factores de coagulação.

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