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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES - CENTRO (UCAM) FACULDADE DE DIREITO CANDIDO MENDES (FDCM) GRADUAÇÃO EM DIREITO LUCAS ALVES DE ANDRADE A POSSIBILIDADE DE EXPULSÃO DO CONDÔMINO ANTISSOCIAL DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO RIO DE JANEIRO - RJ 2024 LUCAS ALVES DE ANDRADE A POSSIBILIDADE DE EXPULSÃO DO CONDÔMINO ANTISSOCIAL DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO UMA ANÁLISE À LUZ DO DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL SOBRE O TEMA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Candido Mendes - Centro, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Direito. Orientador (a): Adriano Sousa RIO DE JANEIRO - RJ 2024 LUCAS ALVES DE ANDRADE A POSSIBILIDADE DA EXPULSÃO DO CONDÔMINO ANTISSOCIAL DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO UMA ANÁLISE À LUZ DO DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL SOBRE O TEMA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Candido Mendes - Centro, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Direito. Orientador (a): Adriano Sousa Nota ( ) Professor: __________________________________________________ Profº Adriano Sousa – Orientador ___________________________________________________ RIO DE JANEIRO - RJ 2024 RESUMO O presente trabalho objetiva analisar a contenda do condomínio edilício, mais especificamente a polêmica questão da possibilidade de expulsão do condômino cujo comportamento seja considerado antissocial. Assim, aquele morador que reiteradamente se vale de comportamentos abusivos, desrespeitosos para com a coletividade, pode ser expulso do condomínio no qual reside, contando que já tenha sido notificado anteriormente e já tenha sofrido sanções pecuniárias, com fundamento no Código Civil de 2002, na Convenção Condominial e na própria Constituição Federal. Através de pesquisas bibliográficas com levantamento doutrinário acerca do tema, é realizada uma análise constitucional à luz do direito civil, com especial enfoque no princípio constitucional do direito à propriedade versus o também princípio constitucional da função social da propriedade. Com o advento do novo Código Civil de 2002, é trazido à baila a figura do condômino antissocial, que não possuía previsão no código anterior, pelo qual o legislador prevê que seja passível de sanção pecuniária de até o décuplo do valor da quota condominial vigente por sua reiterada má conduta. Ocorre que em um país de grandes desigualdades socioeconômicas como o Brasil, nem sempre a multa pecuniária é capaz de coibir condutas antissociais por parte de moradores de condomínio edilício, o que leva a situações extremas da expulsão do residente com maus comportamentos. Palavras-chave: condomínio edilício, Constituição Federal, direito civil, condômino, antissocial, função social da propriedade, infrator, sanção pecuniária, expulsão. ABSTRACT This paper aims to analyze the dispute in the condominium, more specifically the controversial issue of the possibility of expelling a condominium owner whose behavior is considered antisocial. Thus, a resident who repeatedly engages in abusive behavior that is disrespectful to the community may be expelled from the condominium in which he or she resides, provided that he or she has already been notified previously and has already suffered financial sanctions, based on the Civil Code of 2002, the Condominium Convention and the Federal Constitution itself. Through bibliographical research with a doctrinal survey on the subject, a constitutional analysis is carried out in light of civil law, with a special focus on the constitutional principle of the right to property versus the constitutional principle of the social function of property. With the advent of the new Civil Code of 2002, the figure of the antisocial condominium owner was brought to the fore, which was not provided for in the previous code, by which the legislator provides that he or she is liable to a financial penalty of up to ten times the value of the current condominium fee for repeated misconduct. However, in a country with large socioeconomic inequalities like Brazil, financial fines are not always capable of curbing antisocial behavior on the part of residents of condominiums, which leads to extreme situations of eviction of residents with bad behavior. Keywords: condominium, Federal Constitution, civil law, condominium owner, antisocial, social function of property, offender, financial penalty, eviction. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 7 1 O CONCEITO DE CONDOMÍNIO EDILÍCIO 10 1.1 AS SANÇÕES PECUNIÁRIAS APLICÁVEIS AO USO ANORMAL DA PROPRIEDADE 13 1.2 O DIREITO CONSTITUCIONAL E O DIREITO CIVIL NA SEARA DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO 14 2 O DIREITO À PROPRIEDADE FRENTE AO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL 18 2.1 ASPECTOS GERAIS DA PROPRIEDADE 20 2.2 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE 20 3 O CONDÔMINO ANTISSOCIAL 22 3.1 CONCEITO DE CONDÔMINO ANTISSOCIAL 23 3.2 HIPÓTESE DE APLICAÇÃO DE MULTA 23 3.3 POSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DO CONDÔMINO ANTISSOCIAL 25 4 CONSELHO DE JUSTIÇA FEDERAL E O CONDÔMINO ANTISSOCIAL 28 4.1 A EXPULSÃO ADOTADA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 29 4.2 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E A EXPULSÃO DO CONDÔMINO ANTISSOCIAL 32 4.3 A JURISPRUDÊNCIA E O PROCEDIMENTO DA EXPULSÃO DO CONDÔMINO ANTISSOCIAL 34 5 CONCLUSÃO 37 REFERÊNCIAS 38 7 INTRODUÇÃO Com o crescimento demográfico aumentando nas cidades, a vida em condomínios edilícios (condomínios verticais) passou a ser muito mais comum. Se por um lado há a praticidade e segurança de se morar em um imóvel tipo apartamento, por outro significa estar sujeito a diferentes regras e deveres, a fim de manter uma convivência harmônica e respeitosa para com os demais – vizinhança –, que corresponde a coletividade, qual seja, os demais que residem naquele condomínio vertical. O direito, como matéria em constante transformação, cada vez mais passou a legislar sobre os temas da vida em condomínio edilício, tendo em vista que os hábitos sociais foram mudando, e hoje muitas pessoas não mais residem em casas, mas sim condomínios edilícios. Ocorre que muitas vezes nem todos compreendem o sentido da coletividade, e se comportam de maneira abusiva, antissocial, causando prejuízos, dissabores, situações vexatórias aos demais moradores. O Código Civil de 2002 previu, em seu artigo 1.337, Caput e parágrafo único, a figura do condômino antissocial, bem como as penalidades incutidas ao infrator – de ordem pecuniária –, até mesmo no caso de reincidência, conforme se depreende da leitura do dispositivo: “Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem. Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.” Assim, cumpre destacar a objetividade do legislador ao estabelecer como requisito ao enquadramento de um morador como condômino antissocial o comportamento reiterado, ou seja, é preciso que a má conduta se repita, não bastando apenas uma má conduta, mas sim várias. 8 Conforme se depreende da leitura do artigo, o legislador não previu a possibilidade de expulsão do condômino antissocial do condomínio, muito embora, como vai ser expostoApelo do réu. Possibilidade jurídica do pedido. Limitação do direito de propriedade pelo direito de vizinhança. Função social da propriedade. Risco à paz, à segurança, ao sossego e à integridade física dos vizinhos. Situação grave excepcional. Réu que levou 18 multas que foram judicialmente contestadas e mantidas por este E. Tribunal de Justiça. Condutas 34 comprovadas em diversas ações, tanto cíveis quanto criminais, inclusive com imagens de câmera do condomínio, pela narrativa dos condôminos e pela existência de inúmeros boletins de ocorrência contra o réu. Expulsão do réu votada em assembleia condominial em quórum qualificado. Existência de precedentes. Caso concreto em que não se vislumbra outra solução a não ser expulsão do réu e de sua família do condomínio. Sentença mantida. Recurso não provido. (TJSP; Apelação Cível 1009323-33.2019.8.26.0006; Relator (a): Lidia Conceição; Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VI - Penha de França - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/12/2022; Data de Registro: 12/12/2022) Nos julgados acima expostos, é possível depreender que os Magistrados ressaltam o fato de terem sido esgotadas todas as medidas com vistas a coibir o comportamento antissocial, não restando outra alternativa senão a expulsão dos condôminos antissociais, que colocavam em risco não apenas o bem-estar social coletivo, mas também a integridade física dos demais condôminos. É claro que, assim como nos demais julgados favoráveis, só houve a exclusão após esgotadas todas as possibilidades de sanções, incluindo a pecuniária. Assim, um ponto importante a ser mencionado, é o fato de a penalidade da hipótese de expulsão só poder ser efetivada em esfera judicial, não sendo possível, em nenhuma hipótese, que essa penalidade seja aplicada em esfera extrajudicial. Dessa forma, é indispensável que o poder judiciário seja acionado para que possa julgar e decidir acerca da aplicação ou não da penalidade de expulsão. Tal entendimento e posicionamento é defendido pelo doutrinador Rubens Carmo Elias Filho (2015, p. 156): E isso porque não se vislumbra impossibilidade jurídica do pedido na propositura da ação que objetive afastar determinado condômino do condomínio, retirando-lhe o atributo do direito de usar a propriedade, uma vez que tal medida judicial, baseada em fatos concretos, deverá ser solucionada pelo Poder Judiciário, à luz dos princípios gerais do direito e função social da propriedade […]. Frisa-se que a Assembleia condominial deve ser acionada antes da propositura da ação judicial com via de expulsão do condômino antissocial. Tal procedimento deve estar de acordo com o Código Civil, conforme o seu artigo 1.337, que afirma: Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem. Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia. 35 A realização da Assembleia é indispensável para que a decisão judicial seja colocada em prática. A sua ausência, é motivo para indeferimento imediato do pleito, conforme as seguintes decisões do Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal: CIVIL. PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO ORDINÁRIA. PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. REJEITADA. EXCLUSÃO DE CONDÔMINO POR ATITUDES ANTISSOCIAIS. AUSÊNCIA DE ASSEMBLEIA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE DOLO. DOLO NÃO VERIFICADO. […] 3. Verificando-se que a sanção pecuniária mostrou-se ineficaz, a garantia fundamental da função social da propriedade (arts. 5º, XXIII, da CRFB e 1.228, § 1º, do CC) e a vedação ao abuso do direito (arts. 187 e 1.228, § 2º, do CC) justificam a exclusão do condômino antissocial, desde que a ulterior assembleia prevista na parte final do parágrafo único do art. 1.337 do Código Civil delibere a propositura de ação judicial com esse fim, asseguradas todas as garantias inerentes ao devido processo legal. O enunciado é claro sobre a necessidade de realização de assembleia para debater o tema, o que não foi verificado no presente caso, ora inexistirem quaisquer atos de deliberação conjunta com os demais condôminos, seja em assembleia ou lista de assinaturas, sendo este, requisito legal e objetivo. [...] 5. Recurso de apelação conhecido e não provido. (TJ-DF 07280468520208070001 DF 0728046-85.2020.8.07.0001, Relator: GISLENE PINHEIRO, Data de Julgamento: 23/06/2021, 7ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 28/06/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.) CIVIL. APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. USO IRREGULAR DA PROPRIEDADE. CONSTANTE PERTURBAÇÃO AO SOSSEGO DOS CONDÔMINOS. IMPOSIÇÃO DE MULTA. POSSIBILIDADE. ESCALONAMENTO E MAJORAÇÃO DAS PENALIDADES. ENUNCIADO Nº 508, JORNADA DE DIREITO CIVIL. ART.1.337, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL. […] 3.O Enunciado nº 508, da V Jornada de Direito Civil, dispõe que: “verificando-se que a sanção pecuniária mostrou-se ineficaz, a garantia fundamental da função social da propriedade (arts. 5º, XXIII, da CRFB e 1.228, § 1º, do CC) e a vedação ao abuso do direito (arts. 187 e 1.228, § 2º, do CC) justificam a exclusão do condômino antissocial, desde que a ulterior assembleia prevista na parte final do parágrafo único do art. 1.337 do Código Civil delibere a propositura de ação judicial com esse fim, asseguradas todas as garantias inerentes ao devido processo legal”. 4. Não comprovada a realização de assembleia descrita no parágrafo único do artigo 1.337, do CC, não há de se falar em expulsão do condômino. […] 6. Apelo não provido. Recurso adesivo não provido. (Acórdão 1258928, TJ-DF 07034077720198070020, Relator: ARNOLDO CAMANHO, 4ª Turma Cível, data de julgamento: 27/5/2020, publicado no DJE: 6/7/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.) 36 5 CONCLUSÃO A conclusão deste trabalho aborda a complexa questão da expulsão do condômino antissocial, uma medida extrema, mas que se apresenta como necessária em situações em que a convivência no condomínio se torna insustentável devido ao comportamento reiteradamente abusivo e prejudicial do proprietário. Através de uma análise cuidadosa, observamos que a legislação brasileira, especialmente o Código Civil de 2002, traz mecanismos de sanção pecuniária para lidar com a conduta antissocial, porém, em alguns casos, tais penalidades são insuficientes para resolver a contenda. Nesse sentido, a jurisprudência e a doutrina têm avançado para admitir a possibilidade de exclusão do condômino como uma última medida, desde que todas as garantias do devido processo legal sejam asseguradas. Este trabalho defende que a expulsão do condômino antissocial, embora uma decisão ainda pouco comum no ordenamento jurídico brasileiro, é juridicamente possível e, em determinadas circunstâncias, a única solução eficaz para preservar a harmonia e o bem-estar da comunidade condominial. A aplicação dessa medida deve ser vista como um mecanismo de proteção da coletividade, já que a função social da propriedade exige que o direito de propriedade seja exercido em conformidade com o interesse comum, e não de forma prejudicial aos demais condôminos. A função social da propriedade, amplamente prevista na Constituição Federal de 1988, serve como base para a justificativa dessa medida extrema, pois o direito de propriedade, embora seja garantido constitucionalmente, não é absoluto. Ele deve ser exercido em consonância como interesse coletivo e a convivência pacífica em sociedade. Assim, quando o direito de um condômino de utilizar sua propriedade ultrapassa os limites da razoabilidade e passa a interferir negativamente no bem-estar de todos ao seu redor, cabe ao judiciário atuar para restabelecer o equilíbrio, inclusive com a possibilidade de afastamento do condômino. Por fim, este estudo conclui que, embora a expulsão do condômino antissocial ainda seja uma medida pouco aplicada e controversa, ela é juridicamente viável e necessária em casos excepcionais, nos quais todas as alternativas já foram esgotadas. A aplicação desta medida deve sempre observar os princípios da dignidade da pessoa humana, da função social da propriedade e do devido processo legal, garantindo que os direitos de todos os envolvidos sejam respeitados. Portanto, é fundamental que a legislação e a jurisprudência continuem a evoluir, a fim de oferecer uma resposta mais clara e eficiente para essas situações, sempre com base na busca pelo bem comum e pela harmonia dentro das comunidades condominiais. 37 REFERÊNCIAS AVVAD, Pedro Elias. Condomínio em edificações no novo código civil comentado. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 11-13. BRASIL, Código Civil, ART. 1.332, disponível em: //www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. BRASIL, Código Civil, Art. 1.333, disponível em: //www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. CARNEIRO, Waldir de Arruda Miranda. Perturbações sonoras nas edificações urbanas:(ruído em edifícios, direito de vizinhança, responsabilidade do construtor, indenizações): doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: RT, 2001, p. 11. C MARA, Hamilton Quirino. Condomínio Edilício: Manual prático com perguntas e respostas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. DERANI, Cristiane. 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INTRODUÇÃO 1 O CONCEITO DE CONDOMÍNIO EDILÍCIO 1.1 AS SANÇÕES PECUNIÁRIAS APLICÁVEIS AO USO ANORMAL DA PROPRIEDADE 1.2 O DIREITO CONSTITUCIONAL E O DIREITO CIVIL NA SEARA DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO 2 O DIREITO À PROPRIEDADE FRENTE AO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL 2.1 ASPECTOS GERAIS DA PROPRIEDADE 2.2 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE 3 O CONDÔMINO ANTISSOCIAL 3.1 CONCEITO DE CONDÔMINO ANTISSOCIAL 3.2 HIPÓTESE DE APLICAÇÃO DE MULTA 3.3 POSSIBILIDADE DE EXPULSÃO DO CONDÔMINO ANTISSOCIAL 4 CONSELHO DE JUSTIÇA FEDERAL E O CONDÔMINO ANTISSOCIAL 4.1 A EXPULSÃO ADOTADA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 4.2 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E A EXPULSÃO DO CONDÔMINO ANTISSOCIAL 4.3 A JURISPRUDÊNCIA E O PROCEDIMENTO DA EXPULSÃO DO CONDÔMINO ANTISSOCIAL 5 CONCLUSÃO REFERÊNCIASao longo do trabalho, isso já venha acontecendo por meio de decisões judiciais. Cabe ressaltar que embora o Código Civil de 2002 seja até considerado como um ordenamento mais novo, ele foi elaborado ao longo de muitos anos, de forma que algumas previsões não abarcavam temas mais contemporâneos, como os que dizem respeito ao detalhamento e consequências de certas condutas em um condomínio vertical, no que tange aos condôminos reincidentes. Dessa maneira, é mister um estudo pormenorizado das consequências de situações abusivas de convívio, aquelas que desrespeitam a segurança, sossego e salubridade dos demais condôminos, com o enfoque de trazer à baila o posicionamento da legislação civil, da doutrina e jurisprudência atuais. Assim, o tema estudado nesta monografia limita-se à possibilidade de expulsão do condômino com reiterado comportamento antissocial nas dependências do condomínio vertical, conforme qualifica o já transcrito artigo 1.337 do Código Civil. No decorrer do trabalho, será questionado se a consequência aventada acima é tida como a mais equânime para a resolução da questão. De que maneira o direito comparado aborda esse problema. Quais são as demais alternativas possíveis dentro do sistema jurídico brasileiro em face dessa transgressão. Todas essas colocações serão abordadas ao longo do respectivo trabalho. Em relação a metodologia de pesquisa jurídica abordada, esta será balizada pela linha dogmática, com ampla pesquisa bibliográfica, valendo-se de diversas posições doutrinárias no que tange a expulsão ou não de condômino por reiterado comportamento tido como antissocial, o que se insere no âmbito do direito privado, e que faz parte do direito civil. Assim, as categorias balizadoras do respectivo trabalho de conclusão de curso são o direito constitucional à propriedade versus o direito à função social da propriedade, a responsabilidade do condômino no condomínio e o condômino que não reorienta seu comportamento antissocial mesmo após inúmeras sanções. Por tratar-se de tema sem normatização, há uma discussão doutrinária no sentido de como será mais adequado aplicar o fato à norma, de maneira que muitos autores pensam que compete aos Tribunais proferirem sentenças e consolidaram, ao longo do tempo, 9 entendimento convergente sobre o tema, tendo em vista que apesar da grande maioria da doutrina entender ser possível a possibilidade de exclusão de condômino antissocial do condomínio, uma pequena maioria ainda discorda, conforme veremos mais detalhadamente. 10 1 O CONCEITO DE CONDOMÍNIO EDILÍCIO Com o desenvolvimento dos grandes centros urbanos, a forma de ocupação dos espaços mudou, de modo que os edifícios cada vez se tornaram mais populares. Na visão de João Batista Lopes (2006, p. 21), o condomínio edilício decorre da crise habitacional, que se agravou nos grandes centros urbanos. Em suas palavras: “Decorrência de uma série de fatores – duas grandes guerras, êxodo rural, explosão demográfica, formação das megalópoles, anseio de aquisição da casa própria -, a crise habitacional provocou o surgimento de uma nova técnica de construção e de um complexo jurídico cuja perfeita compreensão desafia os estudiosos”. Dessa forma, a primeira regulamentação jurídica no que tange aos condomínios está presente no Decreto-Lei nº 5.481/28, o qual foi posteriormente alterado pelo Decreto-Lei nº 5.234/43, e pela Lei 285/48 (Lopes, 2006, p. 159) que instituiu as primeiras normas no que tange a alienação, divisão e venda de edifícios e terrenos em frações ideais. Já no ano de 1964 é promulgada a Lei 4.591, cuja redação tratava especificamente sobre o conceito de condomínio edilício. Isto posto, nas palavras do autor Pedro Elias Avvad (2007, p. 11), “No condomínio “especial”, criado a partir da Lei 4.591/64, coexistiam, de um lado, um condomínio ordinário (denominado ordinário a partir do Novo Código) com a divisão do solo em frações ideais e, ao mesmo tempo, uma outra forma de divisão da propriedade, alcançando a edificação erigida sobre esse mesmo solo, subdividida em “planos horizontais” – andares, apartamentos ou qualquer outro tipo de habitação – havendo, ainda, a estremar, e ao mesmo tempo, integrar essas unidades, umas com as outras, partes da edificação que são designadas “áreas comuns”. Esse conjunto de direitos, sobre uns e outros, é que se denomina como propriedade horizontal”. Assim, é preceituado que um condomínio edilício, na legislação contemporânea, é constituído quando a mesma coisa pertence a mais de uma pessoa (condômino), cabendo a cada detentor de uma unidade condominial igual direito, sobre o todo (áreas comuns) e sua respectiva parte (unidade), sendo assim um coproprietário. Nas palavras de Caio Mário, “o conceito de condomínio edilício há de se assentar na reunião orgânica e indissolúvel da propriedade exclusiva, incidente sobre a unidade, e o condomínio sobre as partes e coisas comuns”. (PEREIRA, 2017, p. 156). Já para João Batista Lopes, embora haja uma independência jurídica entre os condôminos, cada qual é proprietário de uma unidade autônoma que faz parte de um complexo jurídico. Dessa forma, há uma espécie de contrato que obriga a cada ente a se 11 sujeitar às boas normas de convivência, de igual maneira que encontram todo o regramento, com os direitos e deveres de cada um, na convenção condominial. Assim, nas palavras do autor, os atos dos condôminos são regidos pelo “princípio da igualdade de uso ou reciprocidade de direitos e deveres”. Trata-se de uma regulamentação do direito de propriedade, e não de restrição ou limitação a este, de acordo com ele (Lopes, 2006, p. 75). No que tange aos principais direitos dos condôminos, preceitua João Batista Lopes (2006, p. 102): a) usar e gozar com exclusividade de sua unidade autônoma, e das partes comuns, estas respeitadas a sua destinação, e o direito de uso dos demais condôminos. b) alienar ou gravar sua unidade autônoma, independentemente da vontade dos demais condôminos; c) repelir o mau uso das partes comuns ou exclusivas, por parte de outros condôminos, ou de estranhos; e por fim, d) votar nas assembleias e delas participar, desde que esteja quite com o pagamento das despesas do condomínio. Dito isto, ao adentrar nas características de um condomínio, é possível entender o que o legislador quer dizer com áreas comuns e unidades autônomas. Preceitua Maria Helena Diniz que a unidade comum do condomínio é sua área indivisível, o que corresponde aos corredores, escadas, portarias, elevadores, áreas de lazer, depósito de lixo, salão de festas, pátios e demais áreas existentes. Já os apartamentos, salas, garagens e lojas são partes do que compreende a unidade exclusiva/autônoma do condomínio, correspondendo assim a área passível de ser alienada/gravada pelo respectivo proprietário, sem prejuízo dos demais condôminos (Diniz, 2002, p. 201). Já no que tange aos principais deveres do condômino, estabelece João Batista Lopes (2006, p. 96): a) concorrer para as despesas de condomínio recolhendo, nos prazos previstos na convenção, a quota-parte que couber em rateio; 12 b) proibição de efetuar mudanças na fachada do edifício, de execução de obras que comprometam a estrutura deste ou que limitem o direito de uso dos demais condôminos; c) sujeitar-se às normas de boa vizinhança, não podendo fazer uso nocivo da propriedade; e por último, d) dar às suas partes individuais a mesma destinação que tem a edificação. Cumpre destacar que o Código Civil de 1916 não trazia menção às edificações em planos horizontais, por entender a época que esse novo instituto não representava uma necessidade social e econômica para o contexto daquele período (Lopes, 2006, p. 159), de modo que tal dispositivo só veio a ser sanado com o Código Civil de 2002, o qual trouxe a denominação decondomínio edilício em seus artigos 1.331 a 1.358. No que se refere a constituição do condomínio edilício, existem duas maneiras do mesmo ser constituído, qual sejam; ato inter vivos ou causa mortis, sendo imprescindível a inscrição no registro de imóveis. É nesse momento que surge também um elemento essencial a todo e qualquer condomínio edilício, a convenção condominial. Este instrumento com vias a regulamentar os direitos e deveres dentro do âmbito condominial possui caráter de lei interna e abarca a todos os que vivem naquele espaço. Cabe ressaltar que a convenção condominial só tem aplicabilidade perante terceiros quando registrada, não sendo necessariamente um ato imprescindível à constituição de facto do condomínio. Dessa forma, sendo a convenção aprovada e registrada, torna-se a norma geral para todos os moradores do condomínio edilício, sejam proprietários ou estando na posse de uma unidade autônoma, possuindo assim caráter jurídico na esfera do condomínio. 1.1 AS SANÇÕES PECUNIÁRIAS APLICÁVEIS AO USO ANORMAL DA PROPRIEDADE Conforme já mencionado, a convenção possui caráter punitivo em face do respectivo condômino que exceder suas atribuições, mas vejamos o que disciplina o Código Civil no que tange os direitos e deveres dos coproprietários. Enquanto o artigo 1.335 do respectivo código preleciona os direitos do condômino, o artigo seguinte (1.336) traz os deveres. Assim, dando enfoque a este artigo, cumpre destacar o disposto no inciso IV, pelo qual são deveres do 13 condômino: “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes”. Nesse contexto, pode-se inserir o clássico exemplo do vizinho que abusa do barulho, desrespeitando a lei do silêncio e insurgindo ao dever do condômino, quando atrapalha a coletividade. Ele gera perturbação ao sossego ao produzir ruídos elevados em horário de descanso noturno, e fere as normas do bom convívio social no ambiente do condomínio edilício. Uma outra questão diz respeito a utilização da unidade autônoma conforme a destinação do condomínio edilício. É consenso de que deve haver um bom senso no que tange a criação de animais domésticos, desde que tal atividade não perturbe demasiadamente os demais moradores, nem traga riscos à segurança. Por fim, no que tange aos “bons costumes”, deve aí imperar o bom senso do respectivo condômino. Muito embora o legislador tenha sido econômico em suas palavras, tal conceito possui uma ampla interpretação, indo desde hábitos de higiene, educação, que o morador deve ter, a fim de não gerar incômodos nos demais condôminos. Nesse contexto estaria inserido o caso do morador que joga lixo pela janela, ou que cospe no chão das áreas comuns. Indo um pouco mais além, abarcaria o caso do morador que utiliza sua unidade autônoma com objetivos ilícitos, como para a venda de substâncias entorpecentes ou como casa de prostituição. Percebe-se que nesses casos não só há um incômodo em relação aos demais condôminos, como também um risco à segurança de todos. O condômino que incorrer em alguma dessas situações mencionadas, corre o risco de sofrer sanções pecuniárias, conforme disposto no §2º do art. 1.336 do Código Civil de 2002, que dispõe sobre as penalidades aplicáveis ao condômino infrator. Já o artigo seguinte é cirúrgico ao dispor sobre o condômino que “reiteradamente” descumpre com seus deveres como morador, senão vejamos: “Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem. 14 Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.” O legislador foi claro ao estabelecer que o condômino causador de problemas, o antissocial, deve sofrer penalidades pecuniárias. Cabe ressaltar, entretanto, que para parte da doutrina, é imprescindível que o infrator tenha direito à defesa, de modo que seja notificado previamente, e possa dar as devidas explicações para o comportamento em desacordo com as normas do condomínio edilício. Faz-se necessário ainda a análise das sanções impostas em relação ao comportamento, de modo que seja analisado se a respectiva conduta se encontra tipificada, bem como se existem punições para tal. 1.2 O DIREITO CONSTITUCIONAL E O DIREITO CIVIL NA SEARA DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO O direito constitucional é, em última instância, o que rege a nossa sociedade, uma vez que abarca uma série de princípios fundamentais. Tal constatação não afasta o direito civil, tendo em vista que na problemática em tela, ocorra o embate entre dois princípios constitucionais. Preleciona o artigo 5, inc. XXII da CRFB/1988 que – “É garantido o direito de propriedade”. Tal artigo rege o direito à propriedade, o direito a ter uma moradia, e como tal, é considerado inviolável. Já o artigo seguinte, inc. XXIII dispõe que – “A propriedade atenderá a sua função social”. Por assim dizer, ocorre o antagonismo entre dois princípios constitucionais, tendo em vista que ao mesmo tempo que a propriedade é inviolável, ela deve atender a uma função social, o que abarca não apenas os direitos de seu respectivo proprietário, mas também o interesse social da coletividade que o cerca, de modo que o direito do proprietário não se sobreponha perante os demais (Pereira, 2009, p. 71). Dessa forma, a função social da propriedade, tal qual dispõe o Artigo 5, inc. XXIII da CRFB/1988, deverá ser conjugado com o disposto no Art. 187 Código Civil de 2002, que dispõe: – “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede 15 manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. No âmbito da vida condominial, o instrumento balizador da concretização da função social da propriedade é a convenção condominial, que incide sobre cada unidade autônoma. É o instrumento de aplicabilidade imediata na resolução de conflitos, uma vez que o comportamento mínimo exigido de um proprietário de unidade condominial deve ser exigido pelos demais (Silveira, 2011, p. 522). Soma-se a isso o fato das regras estabelecidas na Convenção Condominial terem sido estabelecidas pelos próprios moradores, o que legitima ainda mais esse instrumento que rege a vida em condomínio, e deve ser confeccionado à luz das normas constitucionais e infraconstitucionais, para assim evitar abusos, sempre se pautando pelas regras da boa convivência e com fulcro em regras de legitimidade coercitiva no âmbito do condomínio edilício (Silveira, 2011, p. 524). De acordo com Derani (2002, p. 61), a função social da propriedade seria, “O preenchimento da ‘função social da propriedade’ é causa de existência do direito de propriedade. O caráter social dessa relação individualizada é explicitado no modo de se exercer a propriedade, o que inclui os fins alcançados, sem a eles se limitar. A realização do sujeito titular da relação de propriedade é a mais imediata assegurada pelo direito. Além de se destinar à satisfação individual, a Constituição de 1988 impõe que o desenvolvimento de tal relação possua um conteúdo de satisfação social. É o que impõe o preceito que determina que a propriedade atendera a sua função social. Essa determinação vincula aqueles sujeitos que são proprietários e quedesenvolvem seu poder sobre um objeto visando a sua satisfação individual”. Dito isto, é possível compreender que a vida em condomínio edilício exige do possuidor de unidade autônoma, que, ao exercer seu direito de propriedade observe as regras contidas na convenção condominial, e sob o pano de fundo constitucional, cumpra a função social da sua unidade autônoma, não apenas no que tange aos seus interesses particulares, mas também no que diz respeito à coletividade, qual seja, os demais condôminos daquela comunidade (Derani, 2002, p. 526). Dessa maneira, o condômino que tem seu direito abusado, pelo uso ilícito da propriedade por parte de outro condômino, pode ser compelido, uma vez que toda utilização que exceder os limites do uso normal da propriedade (citados no Código Civil e especificados 16 na Convenção Condominial), pode vir a sofrer sanções em razão do mau uso da propriedade (Derani, 2006, p. 527). E conforme dito, quando o direito de propriedade se configura de maneira anormal (Carneiro, 2001, p. 11), é rompido o princípio da função social da propriedade, passando a caracterizar abuso do direito de propriedade (Fulgencio, 1959, p. 13). Dentro desse entendimento, preleciona San Tiago Dantas (1972, p. 102) acerca da caracterização do mau uso da propriedade: “para saber se os atos de onde derivam os incômodos devem ser mantidos ou cessados, tem o juiz de indagar se eles entram naquela esfera de poder do proprietário, onde toda interferência é capaz de desfigurar o seu direito, ou se pelo contrário são daqueles que representam uma utilização excepcional da coisa, cuja proibição reduz, mas não destroi os seus benefícios; e ainda aqui, não são as exigências, os interesses, as predileções de um certo proprietário, que serão por ele levadas em conta, mas os do proprietário médio, ou por outra, do proprietário, abstração feita das particularidades deste ou daquele indivíduo que possa assumir tal posição”. 17 2 O DIREITO À PROPRIEDADE FRENTE AO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL O Direito à Propriedade é um conceito previsto no artigo 5°, inciso XXII da Constituição Federal de 1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXII - é garantido o direito de propriedade” Pode ser conceituado como o poder legal de usar, gozar, reaver e dispor de um determinado bem. É um direito real, que deve cumprir sua função social, oponível erga omnes. É importante destacar que o direito à propriedade engloba bens corpóreos e incorpóreos, móveis e imóveis, tendo como pré-requisito que seja um bem econômico, ou seja, com expressão patrimonial. Nesse caso, não se enquadram os seguintes bens jurídicos: a vida, a liberdade e a honra. Pode-se dizer que a propriedade é a matriz dos direitos reais, podendo ser concebida como um fenômeno social, que sempre dependeu da estrutura social, regimes políticos e contexto de cada época. Percebe-se assim que a propriedade é um instituto que está diretamente ligado a lapsos temporais, contextos sociais e espaciais de cada época. O Código Civil, no seu artigo 1.228, não traz um conceito absoluto e exato de propriedade, o que traz são os poderes do proprietário, se não vejamos: “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. § 2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. § 3º O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente. § 4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, 18 de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. § 5º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.” Sendo assim, coube a doutrina conceituar a propriedade, conforme conceitua Serpa Lopes (2001, p. 281-282), sobre o sentido do vocábulo “propriedade” e sua origem romana: “A coisa é própria ao proprietário nesse sentido de só a ele, em princípio, caber a utilização dos seus serviços. E era precisamente a isto que os romanos denominavam de dominiumy por isso que o seu titular era em princípio senhor da coisa, fazendo dela o que bem quisesse. A palavra propriedade vem do latim - proprietas - derivada de proprius, significando o que pertence a uma pessoa. No domínio do Direito, a palavra propriedade possui amplo sentido, pois serve a indicar toda a relação jurídica de apropriação de um bem qualquer, corpóreo ou incorpóreo.” Na atualidade, só se legitima a propriedade se forem atendidas as finalidades e interesses sociais, alinhando-se ao propósito de um Estado de direito que busca construir uma sociedade justa e solidária, visando reduzir as desigualdades econômicas e sociais. Portanto, a definição apresentada pelo autor Paulo Lôbo (2019, p. 109) é pertinente ao afirmar que, atualmente, a propriedade é vista como um conjunto de direitos e deveres concedidos a uma pessoa em relação a um bem. O autor, ao citar Pietro Perlingieri (2019, p. 111) em sua obra, acrescenta que: “A propriedade não é somente e sempre um direito subjetivo, mas também uma situação jurídica subjetiva complexa, que conjuga faculdades no interesse do proprietário (gozar, dispor) e situações passivas imputadas ao mesmo proprietário, como obrigações fiscais, limitações de origem administrativa, limitações no interesse de sujeitos estranhos ao direito de propriedade ou no interesse da coletividade, e outros limites, obrigações, vínculos, ônus, como a função social (1970, p. 70).” Dessa forma, a função social legitima o direito de propriedade, e assim é entendida como incompatível com a ideia de posse absoluta de um bem por um indivíduo. Portanto, o interesse individual só é considerado válido quando também promove o interesse coletivo (LÔBO, 2019, p. 143). Sendo assim, não é permitido que o proprietário use o bem exclusivamente para satisfazer seus desejos pessoais, devido às normas que impedem qualquer uso que prejudique terceiros, ou que não atenda às exigências sociais e de preservação ambiental. 19 2.1 ASPECTOS GERAIS DA PROPRIEDADE O Código Civil de 2002, traz em seu artigo 1.228: “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.” Para uma melhor compreensão dos poderes conferidos ao proprietário, é necessário que se faça uma análise da definição de cada uma das suas atribuições, que estão elencadas no artigo citado. Conforme explica Paulo Nader (2016, p. 130-131), usar significa servir-se de todas as funcionalidades que a coisa oferece, sem modificar sua essência e substância; gozar, relaciona-se com o poder de percepção dos frutos gerados pela coisa; já o direito de dispor, por sua vez, constitui-se na possibilidade dese desfazer do bem, dando assim uma outra destinação. Pode-se presumir a propriedade como plena e exclusiva, mesmo que o seu exercício possua limitações, tendo em vista que o uso do bem deve sempre respeitar os limites impostos pela lei. Conforme estabelecido pelo §1º do art. 1.228 do Código Civil: "O direito de propriedade deve ser exercido em conformidade com suas finalidades econômicas e sociais, preservando, conforme previsto em legislação específica, a flora, fauna, belezas naturais, equilíbrio ecológico, patrimônio histórico e artístico, além de evitar a poluição do ar e das águas" Sendo assim, o direito de propriedade é restringido tanto pela função social quanto pela função socioambiental, levando-se em consideração a responsabilidade da preservação do meio ambiente para a atual e futuras gerações. Poderá se considerar plena a propriedade quando todos os seus atributos estiverem concentrados em um único indivíduo. Porém, se os referidos atributos forem desmembrados e, algum deles for exercido por outro indivíduo, a propriedade é dita como limitada (GONÇALVES, 2017, p. 242). Por ser presumida, é cabível ao indivíduo que for o terceiro interessado a comprovação de que o seu domínio não é pleno. A classificação da propriedade como absoluta não significa que o proprietário tenha poderes ilimitados sobre o bem. Em vez disso, refere-se ao fato de que esses poderes são oponíveis erga omnes, o que impõe à coletividade o dever jurídico de respeitar a propriedade e o seu pleno exercício (NADER, 2016, p. 129). 2.2 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE Em um contexto histórico, a preocupação relativa à propriedade e ao interesse social no ordenamento jurídico brasileiro surgiu apenas com a promulgação da Constituição Federal de 1946, quando o Estado adotou uma postura mais intervencionista e assistencialista. O Código Civil de 1916, no qual obteve inspiração no Código Napoleônico, tendo como base uma visão individualista e liberal do direito de propriedade, passou a ser considerado ultrapassado. Isso porque tratava da propriedade apenas sob seu aspecto 20 estrutural, visando atender exclusivamente aos interesses do proprietário (TEPEDINO; SCHREIBER, 2005, p. 102-103). Já a Constituição Federal de 1988 possui uma postura inovadora, ao estabelecer critérios objetivos mínimos para se garantir total efetividade da função social da propriedade, superando assim os critérios ultrapassados presentes nas constituições anteriores. Porém, essa abordagem, com critérios menos abstratos, não foi seguida pela legislação infraconstitucional recente. O Código Civil brasileiro de 2002, em determinados pontos, evitou a definição de parâmetros objetivos para a função social, mantendo a abstração já superada no texto constitucional, o que pode comprometer a eficácia prática da norma (TEPEDINO; SCHREIBER, 2005, p. 104-105). A postura infraconstitucional, conforme aponta Paulo Lôbo (2019, p. 119), deve servir como um pilar para que se possa concretizar a atual concepção do instituto: A ordem jurídica infraconstitucional deve concretizar a organização social e econômica estabelecida pela Constituição, não podendo os juristas ignorarem esse fato, como se os princípios do direito civil ainda estivessem baseados no modelo liberal do século XIX. O poder da vontade, tão valorizado na modernidade, não ocupa o mesmo papel na visão contemporânea do direito de propriedade, que agora integra individualidade e solidariedade. Isso é especialmente verdadeiro dentro da perspectiva civil-constitucional, que atribui à propriedade uma função social. Acompanhando a visão do autor Paulo Lôbo (2019, p. 143), a ideia entre a função social e o conceito do pertencimento absoluto da coisa ao seu titular, resta incompatível. A função atual do instituto da função social da propriedade, é impositiva no que se refere ao exercício e ao próprio direito de propriedade serem intrínsecos ao atendimento do interesse coletivo e da função social. 21 3 O CONDÔMINO ANTISSOCIAL Com a urbanização acelerada no país, o crescimento dos condomínios em edifícios foi inevitável, vez que não haveria espaço hábil para a população se todos os indivíduos morassem em casas. Como consequência do processo de urbanização, houve a concentração habitacional da população nas grandes cidades, fazendo aumentar os problemas de moradia e superlotação em grandes centros urbanos. Diante da ausência de um planejamento urbano, de um processo de urbanização adequado, o crescimento dos centros urbanos se restringiu às regiões centrais. Dessa forma, em um espaço onde antes habitava uma única família, passaram a habitar centenas. Diante desses cenários, os condomínios edilícios foram as alternativas encontradas pelo mercado imobiliário, em resposta ao rápido crescimento urbano e populacional, propiciando assim o parcelamento do solo urbano, devido a consequente criação da propriedade em planos verticais, visando otimizar o espaço urbano. As edificações visam uma habitação “multifamiliar”. Os condomínios edilícios, sob a ótica jurídica, são consubstanciados pelos planos verticais da propriedade, com o fatiamento do solo, atribuindo a cada condômino uma fração ideal de sua própria propriedade privada e, das áreas comuns (por ex: áreas de lazer, portaria, fachadas, corredores). Por um lado, a vida em condomínios edilícios permite um maior aproveitamento do espaço urbano, tendo em vista o crescimento populacional exponencial, mas por outro lado, tornou-se uma fonte de tensão entre os condôminos. A convivência próxima entre os indivíduos é capaz de gerar grandes conflitos, tendo em vista modos de pensar e viver distintos. É claro que deve haver respeito entre os moradores e condôminos, porém nem todos seguem esse preceito. Assim, torna-se uma situação complicada de se enfrentar no cenário condominial a existência de um condômino que possui um comportamento conflituoso, que pode inclusive produzir situações de risco para os demais condôminos e possíveis visitantes do condomínio, privando a todos a paz e harmonia. Em muitos casos, o comportamento não é apenas incômodo, mas sim capaz de gerar a insuportabilidade do convívio com os demais. O ordenamento jurídico brasileiro, possui a sua principal referência acerca do condômino antissocial no parágrafo único do artigo 1.337 do Código Civil (2002), quando cita que: O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia. Dessa forma, o legislador é limitado para relacionar o comportamento problemático do condômino na situação de convivência incompatível com os demais condôminos ou possuidores, atribuindo dessa forma, sanções mais rigorosas para este caso. 22 3.1 CONCEITO DE CONDÔMINO ANTISSOCIAL É fato que grande parte dos problemas que envolvem a propriedade vertical possuem origem no descumprimento de normas e obrigações condominiais. O condômino antissocial é aquele indivíduo que possui comportamentos nocivos e prejudiciais, que causam danos aos outros condôminos, possuindo um comportamento que gera incompatibilidade de convívio com os demais. A expressão “condômino antissocial” corresponde a um conceito jurídico indeterminado, tendo em vista que o próprio ordenamento jurídico não é taxativo e claro o suficiente no que se refere a quais seriam as condutas que são consideradas nocivas à vida comum condominial. Por este motivo, faz-se necessário haver um respaldo doutrinário e jurisprudencial, visando viabilizar a amplitude e compreensão do seu significado. Segundo Maria Regina Pagetti Moran (1996, p.268), o conceito de condômino antissocial, ou nocivo, é o de que é antissocial “o proprietário ou possuidor,a qualquer título, de imóvel instituído em regime de condomínio em Edifícios, cuja conduta, por ação ou omissão, prejudica a tranquilidade, a segurança, o sossego, a saúde e o equilíbrio, social e econômico, dos demais.” Dessa forma, correlaciona-se a postura do condômino antissocial, com o descumprimento dos deveres condominiais previstos no Código Civil. Há assim a obrigatoriedade do condômino se abster de utilizar seu espaço privado e o espaço comum com os demais, de uma forma que suas atitudes sejam prejudiciais aos demais condôminos. Não se configura como antissocial a conduta que apenas configura o descumprimento repetido das regras básicas de convivência previstas na Lei Civil do nosso ordenamento jurídico. Não se exige que o ato seja considerado ilegal, uma vez que muitos atos comumente considerados legais, perante o ordenamento jurídico, podem ser abusivos e insuportáveis para os demais, gerando rompimento da harmonia e tensão entre os condôminos, pelo qual tais condutas devem ser veementemente rechaçadas (MOREIRA, 2015). 3.2 HIPÓTESE DE APLICAÇÃO DE MULTA É razoável que haja uma punição para um condômino antissocial, que possui comportamento não condizente com a harmonia, paz e ordem na micro sociedade condominial, sendo a punição condizente com o dano causado. Dessa forma, para o condômino que continua a manter um comportamento danoso e desrespeitoso perante os demais condôminos, o Código Civil pátrio prevê no seu artigo 1.337: Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem. Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do 23 valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia. Apesar de ser uma temática pouco explorada no nosso ordenamento jurídico pátrio, havendo diversas lacunas doutrinárias, legislativas e jurisprudenciais, é fato que o Poder Legislativo tomou e, vem tomando, medidas que visam garantir um convívio pacífico e harmônico no ambiente condominial, e assim punindo condutas que forem inadequadas e/ou abusivas. São grandes exemplos da atuação legislativa nesse âmbito, a redação do artigo 1.277, do Código Civil brasileiro: Art. 1.277. O proprietário ou possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha. Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança. E também importa destacar a redação do artigo 1.336, do Código Civil brasileiro: Art. 1.336. São deveres do condômino: I - contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção; II - não realizar obras que comprometam a segurança da edificação; III - não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas; IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes. § 1º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito. § 2º O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembleia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa. No que se refere ao artigo anteriormente citado, trata-se dos deveres a serem analisados, de forma geral, pelos condôminos, bem como as penalidades pecuniárias que devem ser aplicadas se descumpridas as obrigações legais. 24 Conforme afirma Martinho Neves Miranda (2010, p. 217), a multa condominial tem a natureza jurídica com caráter de penalização, e dessa forma, é uma sanção ao comportamento ilícito do sujeito, ao passo que também é possuidora de uma natureza de coerção, visando forçar o condômino antissocial a moldar seu comportamento, com a finalidade de passar a adotar atitudes apropriadas para a convivência e bem comum no ambiente coletivo condominial. No ponto de vista de Venosa (2013, p. 368), tais sanções e punições podem não atingir apenas o condômino, mas qualquer possuidor da unidade condominial, a título de detenção ou posse. É dever da convenção do condomínio ou do regimento interno disciplinar de forma expressa como serão as sanções a serem aplicadas no caso de descumprimento dos deveres e regras do condomínio, assim como da adoção de posturas anti sociais ou abusivas. 3.3 POSSIBILIDADE DE EXPULSÃO DO CONDÔMINO ANTISSOCIAL De forma geral, as penalidades aplicáveis ao condômino antissocial, destacando-se a pecuniária, mostram-se ineficazes no que se refere a mudança comportamental do indivíduo, qual seja, passar de um comportamento antissocial e abusivo, para um comportamento adequado ao convívio em sociedade. Mostra-se ineficiente para resolução dessa situação, o que dispõe o parágrafo único do artigo 1.337 do Código Civil: Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem. Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia. Dessa forma, se faz necessário a imposição de medidas mais drásticas, como a expulsão do condômino antissocial, quando as demais sanções forem ineficientes, inclusive a pecuniária, para coibir o seu comportamento problemático. É importante destacar que, ainda que não sejam eficazes em muitos casos, faz-se necessário que as hipóteses anteriores à exclusão sejam aplicadas. A hipótese de expulsão só poderá ser aplicada após as demais possibilidades se mostrarem ineficientes e ineficazes. O cenário da expulsão do condômino antissocial do condomínio é uma medida extrema, causando impactos diretos aos direitos fundamentais do condômino, como: a propriedade, a moradia e, em condomínios destinados a atividades comerciais, o exercício de suas atividades econômicas. Sendo assim, a aplicação da pena de exclusão do condômino antissocial pode ser considerada uma medida excepcional, reservada apenas para casos excepcionais. 25 O debate acerca da possibilidade da expulsão é um tema que deve ser analisado com cautela, porém, surge de situações excepcionais onde o comportamento antissocial do condômino torna a convivência com os demais condôminos intolerável. O que leva, em alguns casos, aos demais condôminos cogitarem a possibilidadede abandonar suas residências, o que infelizmente acaba ocorrendo em alguns casos. Não é razoável que a penalidade pecuniária seja a única penalidade mais “impositiva” para o condômino antissocial. Tendo em vista que tal fato, caso ocorresse, implicaria em uma inversão de valores. Significando assim que, o capital seria capaz de anular, ou até mesmo, invalidar ações nocivas ao bem comum do condomínio (Dutra, 2013, p. 157). Nesse sentido, Marco Fábio Morsello (2014, p.173), posiciona-se da seguinte maneira: Com efeito, a alusão a sanções pecuniárias crescentes, em diversas situações, a nosso ver, não só não elide a problemática reiterada, como também, por vezes, gera menoscabo, de modo a proceder-se ao pagamento daquelas, com agravamento da prática abusiva de forma nociva ao amplo espectro da comunidade condominial. Há outros doutrinadores que são favoráveis a expulsão do condômino antissocial, como Zulmar Koerich Júnior (2018, p.154), que diz: Neste ínterim, entendemos ser possível a expulsão do condômino antissocial quando demonstrar-se que todas as medidas legais colocadas à disposição do condomínio não surtiram o efeito almejado (advertências, multas, boletins de ocorrência) e que fora garantido, a todo tempo, o direito de defesa ao condômino infrator. Desta forma, deve a assembleia reunir-se e decidir a respeito, optando, então, por ingressar com Ação Judicial visando a proibição de que determinado condômino resida no condomínio, devendo referida medida ser aprovada por ¾ dos condôminos restantes. O doutrinador Hamilton Quirino Câmara (2017, p. 179), também se mostra favorável a expulsão do condômino antissocial, quando afirma que o bem-estar da coletividade do condomínio deve prevalecer: Lembre-se ainda que, além da pura e simples exclusão do condomínio ou possuidor (proprietário, locatário ou simples ocupante), mediante ordem judicial, poderão ser propostas ações com pedido de tutela inibitória, nos termos do artigo 461 do Código de Processo Civil, na qual poderá o Juiz fixar multas e outras punições, não se limitando, nesse caso, ao décuplo da contribuição, como previsto legalmente, ou na forma convencional. Além da tutela inibitória, poderá o condomínio requerer em juízo a exclusão do condômino (ou ocupante) nocivo, ou a proibição de seu ingresso no imóvel, com interdição temporária ou definitiva. O que deve prevalecer, na serena decisão judicial, será o bem-estar da coletividade, sobre o comportamento individual antissocial. 26 Em outros ordenamentos jurídicos, como o da Costa Rica, também se defende que deve haver a expulsão do condômino antissocial do condomínio. A solução encontrada constitui-se em impedir que o condômino antissocial continue a morar na unidade condominial, cessando assim o problema de convivência com os demais condôminos. Nesse caso, o condômino não poderia mais morar no imóvel, mas não o perderia, podendo locar para uma outra pessoa. Os doutrinadores costa-riquenhos Gioconda Pessoa e Edgar Chavarria (2003, p. 166), afirmam o seguinte: Debe reafirmarse, por otra parte, que el desalojo ordenado en el artículo 23, no essinónimo de que el condómino pierda el dominio o disposición de su propiedad, pues aun habiéndos ele desalojado, puede disponer del bien arrendado, cederlo, traspasarlo, entre otros actos jurídicos, si así lo quisiera. El desalojo conlleva, únicamente, la imposibilidad de continuar habitando en el condominio, pero,reiterando, adolece de limitar la sanción en el tiempo. Percebe-se assim que o entendimento favorável à expulsão não é restritivo ao ordenamento jurídico brasileiro. 27 4 CONSELHO DE JUSTIÇA FEDERAL E O CONDÔMINO ANTISSOCIAL Outra doutrina relativa à contenda da expulsão do condômino antissocial é o enunciado número 508, elaborado pelo Conselho da Justiça Federal, sob a égide do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, durante a V Jornada de Direito Civil. Assim, é prevista a exclusão do condômino antissocial quando da ineficácia da sanção pecuniária nesse cenário, como vimos in verbis (CJF, 2012, p.80): 508 – Verificando-se que a sanção pecuniária mostrou-se ineficaz, a garantia fundamental da função social da propriedade (arts. 5º, XXIII, da CRFB e 1.228, § 1º,do CC) e a vedação ao abuso do direito (arts. 187 e 1.228, § 2º, do CC) justificam a exclusão do condômino antissocial, desde que a ulterior assembleia prevista na parte final do parágrafo único do art. 1.337 do Código Civil delibere a propositura de ação judicial com esse fim, asseguradas todas as garantias inerentes ao devido processo legal. Ao se analisar o enunciado, é possível depreender que o CJF optou pela restrição e limitação do direito de propriedade individual do condômino antissocial, em detrimento do interesse coletivo dos demais moradores do condomínio. Assim, observa-se que o legislador entendeu que seria inimaginável que os demais condôminos devessem ter suas vidas prejudicadas por conta de um único indivíduo, cujo comportamento destoa dos padrões de normalidade aceitos para uma convivência em sociedade. O enunciado 508 foi bem aceito pela doutrina, apesar de, na prática, alguns magistrados ainda relutarem para aplicar a exclusão do condômino antissocial. Miguel Zaim (2019, p. 135), exemplifica, em sua obra, a boa aceitação doutrinária do caso: O morador que não respeita a Função Social no âmbito condominial é compelido a arcar com multa, e se praticar por reiteradas vezes, é tido como anti social, o qual poderá ser constrangido a pagar até o décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme disciplina o Código Civil. Caso seja aplicada a multa e mesmo assim o infrator continue apresentando reiteradamente o comportamento ofensivo, a doutrina sustenta que será possível que o condomínio ajuíze ação para expulsar o condômino antissocial. Como se vê no Enunciado 508 do Conselho de Justiça Federal, justifica-se a exclusão do condômino antissocial, desde que a ulterior assembleia prevista na parte final do parágrafo único do Art. 1.337 do Código Civil delibere a propositura de ação judicial com esse fim, asseguradas todas as garantias inerentes ao devido processo legal. O doutrinador Paulo Lôbo (2020, p. 271), também se pronunciou sobre o tema, como é possível ver a seguir: Todavia, entende-se que (enunciado 508 das Jornadas de Direito Civil do CJF/STJ) devem ser aplicados o princípio da função social, previsto no art. 5º, XXIII, da Constituição, e a vedação do abuso do direito (CC, art. 187), quando se verificar que a sanção pecuniária é ineficaz, para se promover a exclusão do condômino antissocial, mediante ação judicial, deliberada em assembleia e garantido o devido 28 processo legal ao condômino. O TJPR (AC 957.743-1) decidiu pela legalidade da limitação do direito de uso e habitação de condômino com conduta antissocial contumaz que, apesar de ser notificado de deliberação da assembleia e da aplicação da multa pecuniária, continuou com o procedimento; o condômino aliciava candidatas a emprego de domésticas com salários acima do mercado, mantendo-as presas e incomunicáveis na unidade condominial, com graves indícios de crimes contra a liberdade sexual, agressões físicas e redução a condição análoga a de escravas. 4.1 A EXPULSÃO ADOTADA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO A expulsão do condômino antissocial, defendida no presente trabalho, consiste na hipótese do afastamento permanente do condômino do ambiente do condomínio, sem que isso configure a perda de sua propriedade, para que não haja expropriação ou confisco do bem. Com a imposição de tal penalidade, o condômino irá perder o direito de acesso ao condomínio e, como consequência, o direito à sua unidade pessoal. Dessa forma, restará ao condômino antissocial as opções de ceder temporariamente o uso do imóvel a terceiros, por meio de contrato de locação ou comodato, ou alienara unidade, já que não poderá mais fazer parte da comunidade condominial (Neves, 2023, p. 106). O doutrinador Ivan Horcaio (2018, p. 671), possui o mesmo entendimento, de que deve haver a expulsão, sem que o condômino perca a sua propriedade privada. Como afirma em sua obra: O principal argumento dessa corrente, a fim de justificar o seu entendimento, é o princípio da função social da propriedade, vez que limita o direito de propriedade, devendo o proprietário respeitar a finalidade econômica e social do seu bem. Além disso, o fato do condômino ser excluído da sua unidade condominial, não significa perda da sua propriedade, perde-se apenas a posse direta do bem, podendo exercer os demais direitos inerentes às propriedades. Portanto, caso seja decidido pela exclusão do condômino antissocial, este continua com o seu patrimônio, podendo ainda dispor do imóvel, perdendo, entretanto, o direito de convivência naquele condomínio. Seguindo a mesma linha de raciocínio, o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, discutiu sobre o tema: CONDOMÍNIO. EXCLUSÃO DE CONDÔMINO E OBRIGAÇÃO DE FAZER PARA COMPELIR À ALIENAÇÃO BEM. Sentença de improcedência ao fundamento de que a pretensão carece de previsão legal. Reforma de rigor. Sanções pecuniárias do artigo 1.337do CC não que esgotam as providências que podem ser adotadas para cessar a conduta ilícita do condômino. Comportamento antissocial do réu, de caráter grave e reiterado, que autoriza o acolhimento parcial do pedido. Agressão, intimidação, destruição de patrimônio, perturbação, furto, invasão, ameaça, injúria, entre outros ilícitos. Atos não controvertidos. Perda do direito de uso da unidade. Medida que, por si só, se revela suficiente para coibir os males provocados pela convivência com o réu. Alienação forçada do imóvel que, nesse contexto, se revela desnecessária. Recurso provido em parte. (TJSP; Apelação Cível 29 1001406-13.2020.8.26.0366; 36ª Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Milton Carvalho; j.22/04/2021) Ao fazer uma análise pormenorizada do julgado acima, no qual é exemplificado o entendimento mais atualizado de alguns tribunais brasileiros, é possível observar que a restrição ao condômino antissocial, no que tange ao uso de sua propriedade privada, já se configura como suficiente para que se faça cessar a conduta problemática e antissocial do mesmo. Já quando a análise é feita sob a perspectiva do Código Civil, o legislador brasileiro, por meio do artigo 1.337 do Código Civil (Brasil, 2002), havia estipulado as penalidades cabíveis ao condômino antissocial, assim como o procedimento a ser adotado pelo condomínio, o que inviabilizaria a aplicação da pena de exclusão, mesmo em sede judicial, vez que tal sanção não está expressamente prevista na legislação. Dessa forma, a imposição de tais penalidades poderia infringir princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, a solidariedade social, o direito à moradia e o direito à propriedade, todos esses direitos garantidos pela Constituição (Brasil, 1988). Todavia, como já mencionado anteriormente, a maioria das correntes doutrinárias e jurisprudenciais brasileiras têm reconhecido a viabilidade da exclusão do condômino antissocial, especialmente considerando que o direito de propriedade deve atender a uma função social (Neves, 2023, p. 108). Diante de todo o exposto, observa-se que a decisão favorável pela exclusão do condômino antissocial no ordenamento jurídico brasileiro ainda é rara. Dessa forma, são poucas as decisões judiciais a respeito do tema. A seguir, uma das primeiras decisões favoráveis a respeito do tema no país: Processo Digital nº: 1018463-65.2021.8.26.0477 "CONDOMÍNIO EDIFÍCIO ARAMACÁ/ARAUANA/ARAUCAIA ajuizou ação de exclusão de condômino contra CARLOS ROBERTO FALCONE alegando, em síntese, que o réu, proprietário/possuidor da unidade autônoma número 109 - Bloco A, integrante do condomínio proponente. vem causando contumazmente, sérios problemas e transtornos aos demais condôminos, conforme atos prejudiciais ao convívio coletivo descritos na petição inicial. Citou os dispositivos legais que entende pertinentes à espécie, especialmente os artigos 1228, §§ 1º e 2º e 1337, parágrafo único, do CC. Postulou pela concessão de tutela provisória, para se proibir o réu de entrar e frequentar o condomínio até o final da demanda. A inicial foi instruída com os documentos de fls. 18/132. Indeferido o pedido liminar (fls. 134/135), uma vez que se decidiu pela necessidade do prévio contraditório. Citado, o réu quedou-se inerte (fl. 169), tornando-se revel (fl. 170). 30 Em especificação de provas, o requerente postulou pela produção da prova oral (fls.173/174). Decido. Em razão do decurso do prazo para apresentação de contestação, passo a nova análise do pedido de tutela provisória de urgência, consoante disposto na decisão de fls. 134/135. É o caso de deferimento da tutela provisória de urgência, determinando a exclusão do réu CARLOS ROBERTO FALCONE do CONDOMÍNIO EDIFÍCIO ARAMACÁ/ARAUANA/ARAUCAIA, ficando expressamente proibido de acessar e frequentar as áreas comuns e particulares do condomínio autor, devendo desocupar o imóvel até o dia 5 de fevereiro de 2023, sob pena de uso de força policial após essa data em caso de descumprimento, que fica desde já autorizada. Nos termos do art. 300 do CPC: "A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo". Assim, os elementos indispensáveis à concessão da tutela provisória de urgência, portanto, são a probabilidade do direito invocado e a demonstração do risco de dano de difícil reparação. No caso em tela, estão presentes os requisitos autorizadores para a concessão da tutela provisória. Foi comprovada, de modo satisfatório, ante a ampla juntada de documentos idôneos, bem como a ata da assembleia condominial, a conduta antissocial, por todas as desavenças com os demais moradores, pelo ambiente de temor criado no prédio, pelas ameaças e agressões proferidas pelo réu. O comportamento antissocial e prejudicial aos outros moradores é sobejamente comprovado pelos documentos que instruem a exordial, em especial, ata da assembleia condominial de fls. 20/24, abaixo-assinado de fls. 40/43, boletins de ocorrência de fls. 44/69 e demais provas documentais. O risco de dano é patente e não há risco de irreversibilidade do provimento, visto que, a qualquer tempo a tutela concedida poderá ser revogada, voltando ao status quo ante. Inviável a vida em condomínio, os acontecimentos que justificam a sua exclusão não são pontuais, mas frequentes, colocando em risco a convivência com os demais moradores." Na decisão anteriormente citada, foi ajuizada pelo condomínio edilício uma ação em que o pedido consistia na exclusão de um condômino (proprietário de uma unidade). Tal indivíduo já havia praticado inúmeras condutas problemáticas e anti sociais, fazendo com que o convívio com os demais moradores se tornasse inviável e insuportável. Dessa forma, o condomínio reuniu provas acerca do problema que estava enfrentando com o referido condômino e ajuizou a ação para que este fosse removido do condomínio e da convivência com os demais moradores. 31 A ação foi ajuizada na 03° Vara Cível da Comarca da Praia Grande, em São Paulo. O juiz do caso entendeu como cabível a expulsão do condômino, levando em consideração a sua má conduta de forma repetitiva e prejudicial aos demais. Assim, após rigorosa análise das provas, o juiz do caso decidiu que o condômino fosse removido do convívio com os demais moradores, sob pena de remoção forçada, caso este se recusasse a se retirar, após a data determinada. Foi previsto ainda que poderia ser utilizada força policial, no caso de resistência pelo condômino para deixar o condomínio. O Magistrado salientou, nesse caso, que o comportamento antissocial docondômino pode ser facilmente comprovado perante as provas anexadas ao processo. Sendo assim, importante frisar que a correta produção de provas, desde que sejam legais, é fundamental para o sucesso da decisão favorável à expulsão. Ainda que raros os casos como o citado anteriormente, o padrão seguido pelos Magistrados é o de manter a expulsão do condômino, sem a possibilidade de retorno após um período de ausência. Tal entendimento visa o bem-estar da comunidade em prol do bem-estar individual. Seria contestável a decisão de um Magistrado que, diante da vastidão de provas da conduta reiterada, mantivesse um condômino antissocial convivendo com os demais moradores. A paz dos moradores do condomínio edilício estaria comprometida, vez que não se pode afastar a possibilidade da vida dos condôminos estar em risco, pois assim como o comportamento antissocial pode ser problemático, porém não criminoso, também há a possibilidade desse comportamento tornar-se criminoso. Ainda que um comportamento não se configure como criminoso, pode ser grandemente nocivo ao bem-estar físico e mental daqueles que convivem com o condômino antissocial. 4.2 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E A EXPULSÃO DO CONDÔMINO ANTISSOCIAL O doutrinador Paulo Lôbo (2020, p. 122), trata do tema da função social da propriedade no ordenamento jurídico pátrio, em sua obra, como vemos a seguir: A função social é incompatível com a noção de pertencimento absoluto da coisa a alguém, em que se admite apenas a limitação externa, negativa. A função social determina o exercício e o próprio direito de propriedade ou o poder de fato (posse) sobre a coisa. Lícito é o interesse individual quando realiza, igualmente, o interesse social. O exercício da posse ou do direito individual da propriedade deve ser feito no sentido da utilidade, não somente para o titular, mas para todos. . Conforme já mencionado, o direito de propriedade no Brasil foi considerado no passado como absoluto e ilimitado, ainda seguindo as características do século XIX. Naquela época, em razão da supremacia do direito de propriedade sobre qualquer outro, era impensável a intervenção do poder judiciário nas relações privadas, a ponto de decretar a restrição ao uso de um imóvel em favor do interesse coletivo. 32 Foi apenas no século XX, que surgiu o entendimento da função social da propriedade. Esse foi o momento em que o direito positivo começa a tratar a propriedade como uma fonte de obrigações, e não só de direitos. Em outras palavras, a propriedade deixa de ser exclusivamente um direito e passa a incorporar também responsabilidades jurídicas. O doutrinador Hamilton Quirino Câmara (2017, p. 165), destaca em sua obra: [...] a função social significa mais do que a imposição de limites negativos ao direito de propriedade. É determinação de um comportamento positivo, ou seja, já não é mais suficiente que o proprietário evite causar danos aos outros a exercer o seu direito, sendo necessário, além disso, que esse proprietário venha utilizá-lo de modo tal que contribua para a promoção do desenvolvimento social [...] Os institutos do Direito Civil como: contratos, propriedade, empresa e família, foram instituídos para promover a plena realização da dignidade da pessoa humana, que se configura como um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, conforme estabelecido pelo ordenamento jurídico pátrio. Tal fato resultou em uma mudança de perspectiva dos referidos institutos, priorizando os interesses existenciais em detrimento dos patrimoniais. No âmbito do direito de propriedade, tema central deste estudo, a sua funcionalização é amplamente reconhecida na atualidade, especialmente pois a Constituição Federal (Brasil, 1988) prevê expressamente sua função social no art. 5°, XXIII: "a propriedade atenderá a sua função social". A Constituição de 1988 alçou a função social da propriedade ao status de direito fundamental, ressaltando assim, a estreita integração entre os institutos jurídicos da propriedade e sua função social. Desse modo, a Constituição (Brasil, 1988), estabeleceu situações específicas acerca da função social nos seguintes artigos, que se referem a propriedade urbana e rural: Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes. § 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. § 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. § 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; 33 II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Tais dispositivos são apenas exemplificativos e não taxativos, a respeito da temática trabalhada. A ideia da função social da propriedade e sua construção, é amplamente mutável e adaptável à realidade da sociedade da época. Como todo o direito, está em constante mutação ao sabor das mudanças sociais. 4.3 A JURISPRUDÊNCIA E O PROCEDIMENTO DA EXPULSÃO DO CONDÔMINO ANTISSOCIAL Ainda que não esteja expressamente prevista a exclusão do condômino antissocial no ordenamento jurídico brasileiro, há decisões favoráveis a tal no Poder Judiciário Pátrio, como podemos verificar nos seguintes julgados do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo: APELAÇÃO CÍVEL – Condomínio – Comportamento antissocial e agressivo – Afastamento do réu – Sentença de procedência – Requerido que nega conduta antissocial, agressões verbais, danos físicos, tentativas de ofensas à integridade física de pessoas e animais – A gravidade do comportamento do apelante em relação aos demais condomínios justifica a medida adotada em sentença – Ameaças de agressão física, inclusive aos condôminos dos prédios vizinhos, gritarias, xingamentos, disparos com arma de airsoft – Réu que não buscou alterar sua atitude, mesmo após ajuizamento desta ação – Comportamento que causa temor aos demais condôminos e vizinhos do condomínio autor – Sentença mantida por seus próprios fundamentos, nos termos do art. 252 do RITJ – Verba honorária majorada – Recurso improvido. (TJSP; Apelação Cível 1023052-70.2021.8.26.0002; Relator (a): José Augusto Genofre Martins; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II - Santo Amaro - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 03/03/2023; Data de Registro:03/03/2023) APELAÇÃO. CONDOMÍNIO EDILÍCIO. Ação de obrigação de fazer consistente na expulsão do réu e de sua família do condomínio. Apresentação de reiterado comportamento antissocial. Sentença de procedência.