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FUNDAMENTOS 
EPISTEMOLÓGICOS DO 
ENSINO RELIGIOSO 
 
 
 
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1.Sumário 
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INTRODUÇÃO 
 
O Ensino Religioso, como área de conhecimento presente no currículo escolar 
brasileiro, representa um campo singular de investigação e prática pedagógica. Ele se inscreve 
em um espaço de disputas históricas, culturais e epistemológicas, refletindo os embates entre 
tradição e modernidade, entre confessionalidade e laicidade, entre pluralismo e hegemonia. 
Dada sua complexidade, torna-se essencial compreender os fundamentos epistemológicos que 
o sustentam, para que o Ensino Religioso supere práticas proselitistas e promova uma 
abordagem crítica, reflexiva e aberta à diversidade. 
A epistemologia é o ramo da filosofia que investiga os fundamentos, os limites e a 
validade do conhecimento. Aplicada ao Ensino Religioso, a epistemologia nos convida a refletir 
sobre o que se entende por “conhecimento religioso”, como ele é construído, le gitimado e 
transmitido no contexto escolar. Isso implica analisar as matrizes culturais e históricas da 
religião, as práticas simbólicas que a constituem, e o modo como essas experiências são 
sistematizadas no espaço educacional. 
Compreender o Ensino Religioso enquanto área de conhecimento exige que se 
reconheça sua identidade própria, distinta da catequese, do culto ou da celebração litúrgica. 
Como destaca João Décio Passos, o Ensino Religioso escolar não se propõe a formar adeptos, 
mas a oferecer aos estudantes uma compreensão ampla e crítica dos fenômenos religiosos, em 
suas múltiplas manifestações. Trata-se de promover a alfabetização religiosa e simbólica, 
permitindo o diálogo entre diferentes cosmovisões. 
Essa alfabetização não visa apenas ao acúmulo de informações sobre religiões, mas à 
formação de sujeitos capazes de compreender o papel da religião na história das culturas, na 
construção da subjetividade e na organização social. Nesse sentido, o Ensino Re ligioso contribui 
para o desenvolvimento da tolerância, do respeito às diferenças e da convivência democrática, 
valores essenciais em uma sociedade pluralista. 
Historicamente, a presença do Ensino Religioso nas escolas públicas brasileiras sempre 
esteve envolta em controvérsias. Desde o período colonial, marcado pela imposição da fé 
católica como religião oficial, até os debates contemporâneos sobre confessionalidade e 
laicidade, a trajetória do Ensino Religioso é atravessada por tensões entre religião e Estado, fé e 
ciência, tradição e crítica. É justamente por essa razão que a abordagem epistemológica é 
indispensável: ela permite situar o Ensino Religioso como campo legítimo do saber escolar, sem 
que ele se confunda com doutrinação religiosa. 
 
 
 
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A Constituição de 1988, ao prever o Ensino Religioso como disciplina de matrícula 
facultativa nas escolas públicas de ensino fundamental (art. 210, §1º), inaugurou uma nova fase 
de reflexão sobre sua natureza. A exigência de que esse ensino respeite a dive rsidade religiosa 
e a laicidade do Estado impôs o desafio de repensar seus fundamentos pedagógicos e 
epistemológicos. A LDBEN (Lei 9.394/96) reforça essa exigência ao prever um Ensino Religioso 
que seja “respeitoso à diversidade cultural religiosa do Brasil”. 
A partir dessas bases legais, o Ensino Religioso passa a ser concebido como 
componente curricular não confessional, pautado por princípios científicos, éticos e 
interculturais. Nesse contexto, o professor deixa de ser agente de evangelização para se tornar 
mediador do conhecimento religioso, promovendo o diálogo entre diferentes tradições e 
saberes. Essa mudança de paradigma exige formação específica e contínua, bem como o 
desenvolvimento de competências didáticas adequadas à complexidade do tema. 
Autores como Pedro Gilberto Gomes e Moacir Gadotti ressaltam a importância de uma 
abordagem crítica e contextualizada da religião na escola. Para eles, o Ensino Religioso deve se 
articular às demais áreas do conhecimento, explorando as interações entre religião, cultura, 
ética e política. Assim, o conhecimento religioso torna-se campo de análise e debate, e não de 
imposição doutrinária. A função do educador é provocar reflexões e ampliar horizontes, não 
converter ou julgar. 
O pluralismo religioso brasileiro — marcado pela convivência entre catolicismo, 
protestantismo, religiões afro-brasileiras, espiritismo, islamismo, judaísmo, religiões indígenas, 
entre outras — impõe uma abordagem que reconheça essa diversidade como riqueza cultural e 
desafio pedagógico. O Ensino Religioso, ao valorizar essa pluralidade, contribui para a 
construção de uma escola mais inclusiva, cidadã e democrática. 
Outro aspecto central da epistemologia do Ensino Religioso é a distinção entre o 
discurso teológico e o discurso pedagógico. Enquanto a teologia parte de princípios internos às 
religiões, buscando justificar a fé, o Ensino Religioso, como prática escolar, parte do princípio da 
neutralidade e da análise externa, sem adesão obrigatória. Como salienta Esther Pillar Grossi, o 
papel da escola é formar para o pensamento crítico e autônomo, e isso inclui o campo das 
crenças. 
Nesse sentido, é necessário compreender que o Ensino Religioso não se propõe a julgar 
se determinada crença é verdadeira ou falsa, mas sim a compreender o sentido que ela tem para 
seus adeptos e a função que desempenha no contexto social. Essa postura inve stigativa e 
interpretativa aproxima o Ensino Religioso das ciências humanas e sociais, como a antropologia, 
a sociologia e a história. 
 
 
 
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O professor de Ensino Religioso, portanto, atua como pesquisador da diversidade 
religiosa, como mediador entre culturas, e como agente de formação ética. Seu trabalho requer 
não apenas conhecimento das tradições religiosas, mas também habilidades de análise crítica, 
escuta empática e valorização do diálogo. A epistemologia do Ensino Religioso não se constrói, 
assim, apenas com conteúdos, mas com atitudes pedagógicas coerentes com os princípios do 
respeito, da justiça e da solidariedade. 
Outro ponto importante é o reconhecimento do simbolismo religioso como linguagem 
fundamental da humanidade. Os mitos, ritos, símbolos e narrativas religiosas constituem modos 
de significar a existência e orientar condutas. O estudo desses elementos oferece aos alunos 
instrumentos para compreender a dimensão simbólica da cultura e da subjetividade humana. 
Assim, a formação religiosa escolar não se limita ao ensino de doutrinas ou rituais. Ela 
deve possibilitar o desenvolvimento da inteligência espiritual, da capacidade de maravilhar-se 
com o mistério da vida, de perguntar-se sobre o sentido da existência, de reconhecer a 
alteridade e de conviver com o diferente. Isso exige uma postura aberta ao questionamento, à 
escuta e ao diálogo — características de uma pedagogia epistemologicamente fundamentada. 
A BNCC (Base Nacional Comum Curricular), embora ainda não tenha oficializado o 
Ensino Religioso como área obrigatória, reforça a importância da formação integral do sujeito, 
o que inclui aspectos éticos, culturais e espirituais. Cabe às redes de ensino e às instituições 
formadoras a tarefa de garantir que o Ensino Religioso cumpra sua função educativa de modo 
coerente com os princípios constitucionais e com os direitos humanos. 
Portanto, a presente apostila visa oferecer uma base teórica e prática para a atuação 
no Ensino Religioso, com foco nos fundamentos epistemológicos que lhe conferem legitimidade 
como área de conhecimento. Cada tópico a seguir aprofundará aspectos distintos desse campo, 
buscando articular teoria, legislação, didática e desafios contemporâneos. 
A intenção é contribuir para a formação de educadores comprometidos com uma 
prática crítica, ética e transformadora, capazes de promover o diálogo entre culturas e religiões, 
e de fortalecer a educação como espaço de construção de sentidos eou áreas correlatas, o que dificulta uma abordagem 
crítica e plural. A ausência de programas consistentes de formação continuada agrava 
esse quadro, mantendo práticas desatualizadas ou excludentes nas salas de aula. 
A pressão de grupos religiosos organizados sobre o conteúdo e a condução do 
Ensino Religioso nas escolas públicas é outro fator preocupante. Em muitos contextos, 
setores confessionalistas tentam controlar a disciplina, transformando-a em 
instrumento de evangelização. Essa interferência viola o princípio constitucional da 
laicidade do Estado e compromete a neutralidade pedagógica exigida no espaço escolar. 
A própria concepção de laicidade é, por vezes, mal compreendida. Há quem 
associe laicidade à negação da religião, promovendo uma visão secularista que 
deslegitima o saber religioso. Por outro lado, há quem defenda uma "laicidade inclusiva" 
que, ao invés de negar, acolhe a diversidade religiosa como parte da experiência 
humana, desde que em consonância com os direitos humanos e a liberdade de 
consciência. 
Além disso, o avanço do fundamentalismo religioso em diferentes setores da 
sociedade tem gerado tensões no ambiente escolar. Esse fenômeno se manifesta na 
 
 
 
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recusa ao ensino de religiões não cristãs, na censura de determinados conteúdos 
curriculares e na tentativa de imposição de valores religiosos sobre princípios científicos 
ou democráticos. O Ensino Religioso precisa estar preparado para lidar com essas 
disputas com firmeza e equilíbrio. 
O contexto da secularização também impõe desafios significativos. Em uma 
sociedade cada vez mais marcada pelo pluralismo de crenças e pela relativização das 
verdades religiosas, muitos jovens não se sentem identificados com tradições religiosas 
institucionalizadas. O Ensino Religioso precisa encontrar formas de dialogar com essa 
juventude, valorizando dimensões espirituais e existenciais sem depender de vínculos 
confessionais. 
A presença crescente de estudantes que se identificam como ateus, agnósticos 
ou sem religião é outro aspecto que exige atenção. A disciplina deve garantir que esses 
alunos também se sintam incluídos e respeitados, reconhecendo sua visão de mundo 
como válida e digna de análise. Isso requer uma abordagem ética, empática e baseada 
no reconhecimento da diversidade de consciências. 
As questões de gênero, sexualidade e raça também estão presentes como 
desafios no Ensino Religioso. Muitas tradições religiosas carregam visões excludentes 
sobre esses temas, e o professor precisa ter sensibilidade para não reproduzir discursos 
discriminatórios. Ao contrário, o Ensino Religioso deve promover o respeito às 
diferenças e contribuir para uma cultura de equidade e inclusão. 
Outro desafio é o desenvolvimento de materiais didáticos adequados. Muitos 
dos livros disponíveis ainda reproduzem uma visão eurocêntrica, cristã e patriarcal da 
religião, negligenciando tradições afro-brasileiras, indígenas, orientais ou novas 
espiritualidades. A produção de conteúdos mais plurais e críticos é fundamental para o 
avanço qualitativo da disciplina. 
A construção de currículos coerentes com os princípios da pluralidade e da 
laicidade também é uma tarefa complexa. Como selecionar os conteúdos? Quais 
religiões ou tradições devem ser abordadas? Como articular o estudo do fenômeno 
religioso com as questões sociais e culturais contemporâneas? Essas são perguntas 
centrais que demandam reflexão contínua. 
A resistência de parte das comunidades escolares — famílias, gestores e até 
alunos — também pode ser um entrave. Muitos ainda não compreendem a proposta 
 
 
 
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pedagógica do Ensino Religioso não confessional e temem que a disciplina contradiga 
suas crenças. O diálogo com a comunidade escolar é essencial para esclarecer objetivos, 
estratégias e benefícios da disciplina para a formação cidadã. 
O avanço das tecnologias da informação e das redes sociais também tem 
impacto sobre o Ensino Religioso. Os alunos estão expostos a uma infinidade de 
conteúdos religiosos e pseudorreligiosos online, o que pode gerar confusões e 
preconceitos. O professor precisa atuar como mediador crítico dessas informações, 
promovendo a alfabetização religiosa e simbólica necessária para lidar com esse mundo 
digital. 
O Ensino Religioso também precisa enfrentar o desafio da interdisciplinaridade. 
Como dialogar com outras áreas do conhecimento? Como relacionar o estudo da religião 
com temas como meio ambiente, direitos humanos, ética, saúde ou economia? A 
articulação com disciplinas como História, Filosofia, Sociologia e Artes pode enriquecer 
muito o trabalho pedagógico. 
A metodologia utilizada é outro ponto crucial. Práticas expositivas e 
conteudistas, centradas apenas na transmissão de informações, não são suficientes. É 
preciso adotar metodologias ativas, problematizadoras, baseadas na pesquisa, no 
diálogo e na análise de situações concretas. A religião precisa ser estudada como 
realidade viva, dinâmica e presente no cotidiano dos alunos. 
A avaliação também representa um desafio. Como medir o aprendizado em 
uma disciplina que lida com valores, crenças e experiências subjetivas? A avaliação 
precisa ser formativa, qualitativa e centrada na capacidade de análise, na postura ética 
e na abertura ao diálogo, evitando critérios que privilegiem apenas a memorização de 
conteúdos. 
Do ponto de vista político, o Ensino Religioso precisa reafirmar seu lugar no 
currículo como área legítima de saber. Muitas vezes, a disciplina é marginalizada, 
tratada como “aula vaga” ou relegada a segundo plano na organização escolar. Lutar 
pelo seu reconhecimento institucional é uma tarefa coletiva de educadores, 
pesquisadores e gestores comprometidos com uma educação democrática. 
A falta de articulação entre os sistemas de ensino e as universidades também 
compromete a qualidade do Ensino Religioso. É necessário que as instituições de 
formação docente estejam em diálogo com as redes públicas, contribuindo para a 
 
 
 
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formação inicial e continuada, para a pesquisa aplicada e para a produção de materiais 
e metodologias adequadas. 
A formação ética do professor de Ensino Religioso é central diante desses 
desafios. Ele precisa ser capaz de distinguir entre suas convicções pessoais e suas 
responsabilidades profissionais. Isso exige autoconhecimento, postura crítica e 
compromisso com os princípios constitucionais da educação, como o respeito à 
diversidade e à liberdade de crença. 
A gestão escolar também deve ser parceira do Ensino Religioso. O coordenador 
pedagógico, o diretor e os demais membros da equipe precisam conhecer a proposta da 
disciplina e garantir que ela seja implementada com qualidade e responsabilidade. A 
articulação com o projeto político-pedagógico da escola é fundamental. 
O Ensino Religioso deve estar atento ainda aos fenômenos religiosos 
contemporâneos, como o neopentecostalismo, o sincretismo, o crescimento de novas 
espiritualidades e o surgimento de movimentos religiosos transnacionais. Ignorar essas 
manifestações seria negligenciar a realidade viva e dinâmica do campo religioso atual. 
Diante de tantos desafios, é fundamental fortalecer as redes de professores de 
Ensino Religioso, promovendo espaços de troca de experiências, formação coletiva, 
pesquisa e apoio mútuo. O trabalho docente nessa área pode ser solitário e desgastante 
se não houver suporte institucional e comunitário. 
Apesar das dificuldades, o Ensino Religioso possui um imenso potencial 
transformador. Quando bem fundamentado e articulado, ele contribui para a formação 
de cidadãos críticos, éticos, empáticos e comprometidos com a convivência pacífica e a 
justiça social. Por isso, os desafios não devem ser vistos como obstáculos 
intransponíveis, mas como convites ao aprimoramento contínuo. 
Como destacou Paulo Freire, “a educação não transforma o mundo. A educação 
muda as pessoas. As pessoas transformam o mundo”. OEnsino Religioso, ao educar para 
o respeito, o diálogo e a paz, participa dessa transformação. Enfrentar seus desafios é, 
portanto, uma forma de lutar por uma sociedade mais justa, plural e democrática. 
 
 
 
 
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AULA 6. ABORDAGENS INTERDISCIPLINARES E TRANSVERSAIS NO ENSINO 
RELIGIOSO 
 
O Ensino Religioso, ao tratar de um objeto de estudo complexo como o 
fenômeno religioso, se beneficia enormemente de abordagens interdisciplinares e 
transversais. Ao invés de permanecer isolado como uma disciplina à parte, ele pode — 
e deve — dialogar com outras áreas do conhecimento, enriquecendo o currículo escolar 
e contribuindo para a formação integral do estudante. Essa inter-relação possibilita não 
apenas o aprofundamento dos conteúdos, mas também a problematização de temas 
contemporâneos a partir de múltiplas perspectivas. 
A interdisciplinaridade implica em uma articulação real entre saberes diversos, 
rompendo com o modelo fragmentado de ensino. Ela pressupõe diálogo entre 
disciplinas, construção conjunta de sentidos e superação das fronteiras artificiais entre 
os campos do conhecimento. No caso do Ensino Religioso, essa postura favorece a 
compreensão da religião como fenômeno que perpassa a cultura, a história, a arte, a 
linguagem, a política, a ética e as relações sociais. 
Um dos campos mais fecundos de interlocução é a História. Através dela, é 
possível compreender a evolução das religiões, suas rupturas, continuidades e conflitos. 
O estudo da Reforma Protestante, das Cruzadas, das religiões indígenas, das religiões 
afro-brasileiras e dos impactos da colonização religiosa no Brasil e no mundo são apenas 
alguns exemplos de como essa relação pode ser explorada em sala de aula. 
A Geografia também oferece contribuições valiosas. Ao estudar a distribuição 
das religiões no mundo, suas áreas de concentração, a relação entre território e 
identidade religiosa, a geopolítica dos conflitos religiosos e as rotas de peregrinação, por 
exemplo, o Ensino Religioso amplia sua capacidade de análise crítica e contextualizada. 
Mapas, gráficos e imagens podem servir como recursos didáticos interdisciplinares 
poderosos. 
Outro parceiro fundamental é a Filosofia. Com ela, o Ensino Religioso 
aprofunda reflexões sobre a existência, o sentido da vida, a morte, a liberdade, o bem e 
o mal. Questões como a ética inter-religiosa, a tolerância, o respeito à diferença e os 
direitos humanos ganham densidade quando discutidas a partir de conceitos filosóficos. 
 
 
 
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Autores como Emmanuel Levinas, Paul Ricoeur e Hannah Arendt podem ser referências 
potentes para esse diálogo. 
A Sociologia, por sua vez, permite analisar as religiões como fenômenos sociais, 
revelando suas funções, conflitos, instituições, normas e estruturas de poder. A partir 
dela, o Ensino Religioso pode investigar como a religião influencia os comportamentos, 
as decisões políticas, as identidades sociais e os movimentos culturais. Também se torna 
possível analisar temas como religião e gênero, religião e mídia, e religião e política. 
A Antropologia oferece recursos para compreender as religiões em sua 
dimensão simbólica e ritualística, destacando os modos diversos de viver o sagrado em 
diferentes culturas. Com ela, é possível desnaturalizar o olhar e valorizar os sistemas de 
crença indígenas, africanos, asiáticos e de comunidades tradicionais, evitando a 
imposição de uma visão ocidental ou eurocêntrica sobre o fenômeno religioso. 
O campo das Artes também tem papel central. As manifestações religiosas 
estão presentes em músicas, danças, pinturas, esculturas, literatura e cinema. O Ensino 
Religioso pode utilizar esses recursos para ampliar a sensibilidade dos alunos, 
favorecendo o contato com o sagrado por meio da estética. Obras de Aleijadinho, 
Portinari, Guimarães Rosa, Glauber Rocha, entre outros, podem ser pontes entre fé, 
cultura e reflexão crítica. 
A interdisciplinaridade também se manifesta nos temas transversais propostos 
pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), tais como ética, pluralidade cultural, 
meio ambiente, saúde, orientação sexual e trabalho. O Ensino Religioso pode contribuir 
diretamente para o desenvolvimento desses temas ao problematizar os valores que 
orientam nossas escolhas e nossas convivências sociais. 
A ética, por exemplo, é uma dimensão transversal que atravessa o Ensino 
Religioso em todos os seus conteúdos. A análise de valores como solidariedade, 
compaixão, justiça, amor, perdão, responsabilidade e respeito pode ser feita a partir das 
tradições religiosas, mas também das reflexões filosóficas e dos desafios 
contemporâneos. Isso amplia a consciência moral dos estudantes e fortalece o 
compromisso com a cidadania. 
A transversalidade da pluralidade cultural também é campo natural de atuação 
do Ensino Religioso. Ao apresentar diferentes religiões, mitos, rituais e símbolos, o 
professor estimula o reconhecimento e a valorização da diversidade. Essa abordagem 
 
 
 
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contribui para o enfrentamento de preconceitos, discriminações e violências baseadas 
na intolerância religiosa. 
A relação entre religião e meio ambiente é outro eixo transversal que merece 
destaque. Muitas religiões possuem ensinamentos sobre o cuidado com a natureza, a 
preservação da vida e o equilíbrio cósmico. O Ensino Religioso pode promover projetos 
sobre espiritualidade ecológica, ética ambiental e rituais de agradecimento à terra, 
contribuindo para uma consciência planetária e sustentável. 
Na área da saúde, o Ensino Religioso pode discutir temas como espiritualidade, 
qualidade de vida, morte, luto, sentido da existência e práticas de cura. Muitas tradições 
religiosas oferecem ritos e crenças que influenciam a forma como as pessoas vivem e 
enfrentam a doença. Discutir essas questões em sala de aula amplia a empatia e o 
respeito à diversidade de experiências humanas. 
Outro tema transversal de grande relevância é o combate à violência e à 
intolerância. O Ensino Religioso pode criar espaços de reflexão e denúncia de discursos 
de ódio, propondo ações pedagógicas para a promoção da paz e da convivência ética. A 
análise de conflitos religiosos ao longo da história e na atualidade pode ser ponto de 
partida para essa discussão. 
A interdisciplinaridade também se realiza por meio de projetos escolares 
integrados. Por exemplo, é possível desenvolver um projeto sobre “Religiões do Mundo” 
com as disciplinas de Geografia e História, ou discutir “Ética e Justiça” com Filosofia e 
Sociologia, ou ainda organizar exposições culturais em parceria com Artes e Literatura. 
Essas ações fortalecem o sentido de pertencimento e o trabalho em equipe entre alunos 
e professores. 
A transversalidade exige que o Ensino Religioso esteja integrado ao Projeto 
Político-Pedagógico (PPP) da escola. Sua atuação não pode ser periférica ou episódica. 
Deve contribuir para os objetivos formativos da instituição, participando dos conselhos 
pedagógicos, das formações docentes, dos projetos interdisciplinares e das atividades 
coletivas da comunidade escolar. 
Para que isso aconteça, é necessário que o professor de Ensino Religioso tenha 
domínio das competências básicas da interdisciplinaridade: capacidade de escuta, 
leitura crítica da realidade, abertura ao diálogo, conhecimento de outras áreas, 
 
 
 
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criatividade pedagógica e atitude colaborativa. A prática interdisciplinar não se 
improvisa — ela exige planejamento, intencionalidade e articulação. 
A avaliação na perspectiva interdisciplinar também deve considerar as 
conexões realizadas pelo aluno, sua capacidade de estabelecer relações entre 
conteúdos, contextos e valores. Os instrumentos avaliativos devem incluir produções 
textuais, projetos, mapas conceituais, portfólios e autoavaliações, mais do que provas 
objetivas isoladas. 
Os desafios da interdisciplinaridade também incluem a superação de 
resistências por parte de professores queainda trabalham de forma isolada. O Ensino 
Religioso pode ser um catalisador de processos formativos conjuntos, incentivando 
espaços de planejamento coletivo e de produção de saberes colaborativos. 
As tecnologias digitais são aliadas poderosas nesse processo. Plataformas de 
vídeo, podcasts, blogs e redes colaborativas permitem que os alunos criem conteúdos 
integrando diferentes áreas, como documentários sobre práticas religiosas, entrevistas 
com representantes de comunidades, mapas interativos de santuários ou análises 
comparativas entre mitos de criação. 
O Ensino Religioso, ao trabalhar de forma interdisciplinar e transversal, 
contribui para a formação de um sujeito ético, crítico, sensível e participativo. Ele deixa 
de ser uma disciplina marginal ou meramente informativa para se tornar um eixo 
estruturante da formação humanista, articulado com os desafios e dilemas do tempo 
presente. 
Por fim, a abordagem interdisciplinar e transversal fortalece o papel do Ensino 
Religioso como espaço de formação integral. Ele se torna ponte entre o conhecimento 
e a vida, entre o conteúdo e o sentido, entre a escola e a comunidade. Essa é a educação 
que transforma — porque respeita, acolhe e conecta. 
 
 
 
 
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AULA 7. BNCC E ENSINO RELIGIOSO 
 
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) representa um marco regulador da 
educação brasileira, com o objetivo de garantir a equidade e a qualidade no ensino em 
todo o território nacional. A BNCC não define diretamente as diretrizes do Ensino 
Religioso, já que este permanece como um componente de oferta obrigatória, porém 
de matrícula facultativa, conforme a Constituição Federal (art. 210, §1º) e a LDBEN (Lei 
nº 9.394/1996). No entanto, os princípios formativos estabelecidos pela BNCC 
influenciam diretamente a concepção pedagógica e epistemológica dessa disciplina. 
A proposta da BNCC está orientada por dez competências gerais que visam à 
formação integral dos sujeitos, entre elas o exercício da empatia, o respeito à 
diversidade e a responsabilidade social. Tais competências convergem com os princípios 
do Ensino Religioso quando este é compreendido como um espaço para o 
desenvolvimento da consciência ética, do diálogo intercultural e da valorização da 
pluralidade religiosa. 
A abordagem epistemológica do Ensino Religioso demanda uma compreensão 
crítica do fenômeno religioso, considerado como fato humano, cultural e social. Essa 
perspectiva propõe o distanciamento da prática catequética e a aproximação com um 
modelo pedagógico que prioriza o conhecimento, a reflexão e o diálogo. Assim, a BNCC, 
ainda que não trate especificamente da disciplina, oferece uma base formativa 
compatível com essa abordagem. 
Para que o Ensino Religioso seja efetivamente implementado nos moldes de 
uma epistemologia plural e laica, é necessário que ele dialogue com os fundamentos das 
Ciências da Religião. Isso significa considerar a religião em suas diversas formas de 
expressão, não apenas como sistemas doutrinários, mas como fenômenos simbólicos, 
históricos e sociais, que contribuem para a constituição das identidades dos sujeitos. 
O Ensino Religioso que se ancora em fundamentos epistemológicos críticos 
busca superar modelos confessionalistas e abre espaço para o reconhecimento da 
diversidade religiosa presente no Brasil. Este país, que abriga uma multiplicidade de 
crenças — cristãs, afro-brasileiras, indígenas, orientais, islâmicas e espiritualidades 
contemporâneas — exige uma proposta de ensino capaz de contemplar tal 
complexidade. 
 
 
 
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Os fundamentos epistemológicos desse campo também incluem a abordagem 
fenomenológica da religião, proposta por autores como Mircea Eliade, que visa 
compreender a experiência religiosa sem julgamentos ou hierarquizações. Essa 
abordagem valoriza a experiência do sagrado como universal, permitindo ao aluno 
entrar em contato com diferentes tradições sem perder sua própria identidade. 
A BNCC valoriza o respeito aos direitos humanos e às liberdades individuais, 
incluindo a liberdade religiosa. O Ensino Religioso, com fundamentos epistemológicos 
coerentes com esses princípios, atua como ferramenta para a consolidação da cultura 
de paz, promovendo o reconhecimento do outro e a convivência democrática. 
Outra implicação epistemológica importante é a concepção de neutralidade 
pedagógica. Ao contrário da neutralidade ideológica absoluta, a neutralidade no Ensino 
Religioso exige do docente uma postura ética de não imposição de crenças, mas de 
abertura ao diálogo e à escuta das múltiplas formas de religiosidade e não religiosidade. 
O professor, nesse contexto, deve ser formado para atuar como mediador do 
conhecimento religioso, com base em uma formação sólida em epistemologia, didática 
e fundamentos das religiões. A BNCC, ao enfatizar a formação continuada e o 
compromisso com a aprendizagem significativa, respalda essa exigência formativa. 
Além disso, a BNCC propõe o desenvolvimento de habilidades relacionadas ao 
pensamento crítico, à argumentação, à interpretação de textos e à análise de diferentes 
perspectivas culturais. O Ensino Religioso, bem estruturado, contribui para essas 
competências ao tratar das narrativas sagradas, dos textos religiosos e da ética nas 
diversas tradições. 
A presença da transversalidade na BNCC, por meio de temas como ética, 
direitos humanos, diversidade cultural e educação para a paz, permite que o Ensino 
Religioso atue de forma integrada ao currículo, fortalecendo sua função social e sua 
relevância na formação integral dos estudantes. 
Um dos grandes desafios epistemológicos está em romper com o senso comum 
que reduz o Ensino Religioso a conteúdos devocionais. A partir da BNCC, é possível 
defender a presença de um Ensino Religioso que vá além da mera transmissão de 
conteúdos, assumindo um papel formativo e investigativo no contexto escolar. 
Ao trabalhar o fenômeno religioso como linguagem simbólica e expressão 
cultural, o Ensino Religioso promove a alfabetização religiosa e simbólica, fundamental 
 
 
 
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para a compreensão das práticas sociais e dos conflitos do mundo contemporâneo. Isso 
está em sintonia com os pressupostos da BNCC de que a escola deve preparar os alunos 
para atuar com responsabilidade na sociedade. 
Outro ponto convergente é a ênfase da BNCC na aprendizagem significativa. O 
Ensino Religioso, fundamentado epistemologicamente, deve partir das vivências dos 
alunos, reconhecendo seus contextos sociais, culturais e espirituais, e promovendo o 
diálogo entre o conhecimento sistematizado e a experiência pessoal. 
A valorização da diversidade de saberes, incluída nas diretrizes da BNCC, 
permite reconhecer as tradições orais e religiosas dos povos indígenas, africanos e 
quilombolas como parte do patrimônio educativo nacional. Isso fortalece a proposta de 
um Ensino Religioso inclusivo e comprometido com a justiça histórica e social. 
A BNCC reforça a necessidade de um currículo voltado para a formação cidadã. 
O Ensino Religioso, nesse aspecto, torna-se espaço de reflexão sobre os valores, os 
sentidos e os compromissos éticos que orientam a vida em sociedade. Ele estimula o 
aluno a construir projetos de vida com base na empatia, na solidariedade e na 
responsabilidade. 
Além disso, a interdisciplinaridade sugerida pela BNCC amplia as possibilidades 
de articulação do Ensino Religioso com outras áreas do conhecimento, como Filosofia, 
História, Geografia, Arte e Sociologia. Essa articulação contribui para uma visão mais 
abrangente da realidade e para o desenvolvimento da capacidade crítica dos 
estudantes. 
A BNCC também reforça a importância da educação emocional e da empatia, 
valores que podem ser trabalhados no Ensino Religioso a partir de experiências e 
símbolos religiosos que enfatizam o amor ao próximo, o cuidado com a vida e o cultivo 
da interioridade. Isso amplia a formação para além do cognitivo, integrando o afetivo eo espiritual. 
Em síntese, os fundamentos epistemológicos do Ensino Religioso, ao 
priorizarem uma abordagem plural, crítica e culturalmente situada, encontram respaldo 
nos princípios formativos da BNCC. Ainda que esta não detalhe os objetivos da disciplina, 
seu espírito normativo legitima e incentiva uma prática pedagógica comprometida com 
o respeito, a diversidade e o desenvolvimento humano integral. 
 
 
 
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O grande desafio para os sistemas de ensino, no entanto, é traduzir essas 
diretrizes em políticas curriculares concretas, formar docentes qualificados e garantir 
um Ensino Religioso que realmente contribua para a construção de uma escola 
democrática, plural e humanizadora. Somente assim será possível concretizar a 
proposta de uma educação que transforme o indivíduo e, por consequência, a 
sociedade. 
A existência de legislações e resoluções que orientam o Ensino Religioso 
pluralista e laico é um avanço importante, mas não garante, por si só, a qualidade e a 
efetividade da disciplina nas escolas. A distância entre o que está previsto na norma e o 
que se realiza nas salas de aula ainda é grande, principalmente pela ausência de políticas 
públicas eficazes que garantam a formação de professores, os materiais adequados e a 
gestão democrática do currículo. 
Traduzir as diretrizes em políticas concretas exige investimento estatal, 
articulação entre diferentes níveis de governo, apoio institucional às escolas e 
valorização da formação docente. Não se trata apenas de oferecer a disciplina, mas de 
assegurar condições para que ela seja ministrada com qualidade, com respaldo teórico 
e com coerência pedagógica. 
A formação de professores é um dos pilares centrais dessa consolidação. 
Muitos docentes que assumem o Ensino Religioso não possuem formação específica em 
Ciências da Religião ou áreas afins, o que limita sua capacidade de abordar a disciplina 
com criticidade e pluralismo. Urge, portanto, que as licenciaturas e os programas de 
formação continuada assumam a tarefa de qualificar esses profissionais. 
A formação deve ir além do conteúdo religioso: ela precisa contemplar 
fundamentos epistemológicos, questões éticas, didática específica, metodologia 
intercultural, legislação educacional e leitura crítica da realidade. Só assim o professor 
poderá atuar como mediador cultural, articulando saberes e respeitando as identidades 
presentes no ambiente escolar. 
Outro desafio é a elaboração de propostas curriculares locais que estejam em 
consonância com as diretrizes nacionais, mas que também respeitem o contexto 
regional, a cultura das comunidades escolares e a diversidade religiosa de cada 
território. O currículo não deve ser engessado nem centralizado, mas construído de 
forma dialógica e participativa. 
 
 
 
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Nesse sentido, o papel das secretarias de educação, dos conselhos escolares e 
dos coordenadores pedagógicos é essencial. Cabe a eles garantir que o Ensino Religioso 
esteja inserido no projeto político-pedagógico da escola como componente relevante, 
não como disciplina marginal ou esvaziada de sentido. 
A produção e a disponibilização de materiais didáticos adequados é outra 
condição fundamental. Muitos livros ainda reproduzem uma visão monocultural, 
cristocêntrica ou eurocêntrica da religião. É preciso construir materiais que reflitam a 
diversidade de crenças e práticas presentes no Brasil, incluindo as tradições afro-
brasileiras, indígenas, orientais e espirituais contemporâneas. 
Além disso, é necessário assegurar que os recursos didáticos sejam acessíveis, 
atualizados e compatíveis com os princípios da laicidade, da dignidade humana e da 
justiça social. O uso de tecnologias, recursos audiovisuais e plataformas colaborativas 
pode contribuir para ampliar o repertório simbólico e pedagógico do Ensino Religioso. 
Outro desafio importante diz respeito à gestão escolar. Diretores e gestores 
precisam compreender a importância do Ensino Religioso como espaço de formação 
cidadã e cultural. Muitas vezes, a disciplina é tratada como uma “aula vaga” ou como 
um espaço informal, sem metas claras ou avaliações coerentes. Essa visão precisa ser 
desconstruída. 
A construção de uma escola democrática e humanizadora requer que todas as 
disciplinas, inclusive o Ensino Religioso, sejam integradas ao projeto formativo da 
instituição. Isso significa dialogar com os temas transversais, com os valores da 
cidadania, com os direitos humanos e com os objetivos da Base Nacional Comum 
Curricular (BNCC). 
A avaliação da aprendizagem no Ensino Religioso também deve ser repensada. 
Avaliar não significa classificar ou punir, mas acompanhar o desenvolvimento dos alunos 
em relação às competências esperadas: pensamento crítico, respeito à diversidade, 
capacidade argumentativa, postura ética e empatia. São essas as marcas de uma 
formação transformadora. 
Além da escola, é importante envolver a comunidade e as famílias nesse 
processo. O Ensino Religioso precisa ser compreendido como espaço de encontro e 
diálogo, e não como ameaça às crenças individuais. A transparência, a comunicação e a 
abertura ao debate são caminhos importantes para fortalecer o apoio social à disciplina. 
 
 
 
P
Por fim, os sistemas de ensino precisam consolidar uma visão de educação que 
seja efetivamente libertadora. O Ensino Religioso, quando praticado com consciência 
epistemológica e responsabilidade pedagógica, contribui para essa libertação — pois 
não impõe respostas, mas ensina a perguntar; não doutrina, mas forma; não exclui, mas 
acolhe. 
Educar para a liberdade, como propunha Paulo Freire, é educar para a 
autonomia, para o respeito e para a convivência. O Ensino Religioso, ao cumprir essa 
missão, torna-se uma das mais importantes frentes da educação contemporânea. E os 
sistemas de ensino devem ser os primeiros a reconhecê-lo, valorizá-lo e fortalecê-lo 
como campo formativo essencial. 
Na concepção freiriana, educar é um ato político, não no sentido partidário, 
mas como uma tomada de posição ética diante do mundo. O professor não é neutro: 
ele assume, consciente ou não, uma postura diante da realidade social, cultural e 
religiosa dos seus alunos. O Ensino Religioso, portanto, quando alinhado a uma 
perspectiva libertadora, se torna um espaço privilegiado para o exercício dessa 
consciência crítica. 
A liberdade, neste caso, não é entendida como licença ou indiferença, mas 
como compromisso. Ensinar religião com liberdade significa proporcionar aos 
estudantes o contato com diferentes cosmovisões e oferecer ferramentas para que eles 
construam suas próprias compreensões sobre a existência, a ética, a transcendência e o 
viver coletivo. 
Paulo Freire já afirmava que ensinar exige respeito aos saberes dos educandos. 
No Ensino Religioso, isso significa valorizar as crenças que os alunos trazem de casa, bem 
como os questionamentos e as ausências de fé. O respeito se transforma em ponto de 
partida para a construção do diálogo, onde ninguém precisa renunciar à própria 
identidade para aprender com o outro. 
O Ensino Religioso libertador propõe um aprendizado que transcende o 
conteúdo, alcançando a formação do sujeito em sua inteireza. Ele se conecta à vida dos 
estudantes, ao seu cotidiano, aos seus sentimentos e inquietações. O conteúdo religioso 
torna-se ponte para discussões mais amplas sobre dignidade, justiça, pertencimento e 
empatia. 
 
 
 
P
A autonomia, por sua vez, é construída quando o aluno se sente encorajado a 
pensar por si mesmo, a questionar, a comparar, a pesquisar e a elaborar suas próprias 
respostas. Não se trata de oferecer verdades prontas, mas de desenvolver a capacidade 
de formular perguntas significativas. A pedagogia da pergunta é central nesse processo. 
Ao promover o respeito, o Ensino Religioso prepara o estudante para viver em 
uma sociedade marcada pela diversidade. O respeito, nesse contexto, não é passividade 
ou tolerância limitada,mas reconhecimento ativo da legitimidade do outro, de sua 
história, de seus símbolos e de sua forma de significar o mundo. 
A convivência democrática se alimenta dessas práticas. Ao trabalhar com 
narrativas plurais e fomentar o diálogo entre tradições religiosas distintas, o Ensino 
Religioso ajuda a consolidar uma cultura de paz. Ele ensina que as diferenças não 
precisam ser combatidas, mas compreendidas, debatidas e valorizadas como expressões 
da riqueza humana. 
Essa dimensão formativa da disciplina ainda é, em muitos contextos, 
subestimada. O Ensino Religioso ainda enfrenta resistências, seja por ser confundido 
com proselitismo, seja por ser considerado irrelevante diante de conteúdos mais 
“utilitários”. No entanto, a formação ética e espiritual é tão essencial quanto a cognitiva 
para a construção de uma sociedade mais justa. 
Por isso, é fundamental que os sistemas de ensino assumam o compromisso de 
integrar o Ensino Religioso às políticas públicas educacionais com a seriedade que ele 
merece. Isso significa garantir sua presença no currículo com base em uma proposta 
laica, plural e crítica, alinhada aos princípios da Constituição Federal e às diretrizes da 
LDB. 
Significa também investir na formação docente, na produção de materiais, na 
avaliação qualificada e na construção de um ambiente escolar que respeite a liberdade 
religiosa e promova o diálogo. A valorização do Ensino Religioso começa pelo 
reconhecimento de sua função social e pedagógica. 
É importante destacar que essa valorização não se opõe ao princípio do Estado 
laico. Pelo contrário, ela o fortalece. Ao tratar a religião como objeto de estudo e 
reflexão — e não de adesão ou doutrinação — o Ensino Religioso fortalece o 
compromisso da escola pública com a diversidade, a liberdade e os direitos humanos. 
 
 
 
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Educar para a liberdade é também educar para o comprometimento com a 
verdade, com a justiça e com o bem comum. A escola deve ser espaço de 
desenvolvimento de sujeitos críticos e participativos, e o Ensino Religioso pode ser um 
dos caminhos mais férteis para despertar o interesse pelo outro, pelo coletivo e pelas 
questões profundas da existência. 
Paulo Freire nos lembra que ninguém educa ninguém, ninguém se educa 
sozinho: os homens se educam em comunhão. O Ensino Religioso, fundamentado nesse 
princípio, propicia o encontro entre pessoas que, mesmo diferentes, aprendem umas 
com as outras. É nesse encontro que se dá a verdadeira aprendizagem — aquela que 
transforma. 
Em um tempo marcado por intolerâncias e rupturas no tecido social, investir 
em um Ensino Religioso crítico, plural e humanizador é mais do que necessário — é 
urgente. Reconhecê-lo como campo formativo essencial é reconhecer o direito de cada 
indivíduo de buscar sentido, de dialogar com o sagrado e de aprender a viver com o 
outro em paz. 
 
 
 
 
 
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AULA 8. REFERENCIAL TEÓRICO 
Pedro Gilberto Gomes 
“Educar religiosamente é, antes de tudo, educar para a convivência, para a 
tolerância e para o respeito às diferenças. O Ensino Religioso escolar deve ser 
um espaço de diálogo e não de imposição.” 
 
Pedro Gilberto Gomes é referência na discussão sobre os fundamentos éticos 
e culturais do Ensino Religioso. Sua abordagem vincula epistemologia à prática 
democrática e à formação cidadã. 
A citação ressalta o papel do Ensino Religioso na promoção de valores como 
convivência e tolerância, em consonância com os princípios da laicidade do Estado e da 
diversidade cultural, ambos essenciais ao contexto escolar contemporâneo. 
Vivemos em uma sociedade marcada pela multiplicidade de crenças, saberes, 
valores e tradições. Nesse cenário, a escola desempenha um papel estratégico na 
formação de cidadãos capazes de viver em coletividade, respeitando a pluralidade como 
característica essencial da vida social. O Ensino Religioso, se bem fundamentado, é um 
dos espaços privilegiados para cultivar esses valores. 
A convivência não se dá apenas na aceitação passiva das diferenças, mas na 
construção de relações baseadas na empatia, no diálogo e na cooperação. O Ensino 
Religioso, ao promover o encontro entre visões de mundo distintas, ajuda os estudantes 
a desenvolverem habilidades para interagir com o diverso sem medo, preconceito ou 
hostilidade. 
Já a tolerância, longe de significar simples "suportar o outro", representa uma 
atitude ativa de respeito e reconhecimento. Ela implica reconhecer que a existência do 
outro, com suas crenças e modos de viver, não representa uma ameaça, mas uma 
possibilidade de enriquecimento mútuo. O Ensino Religioso, nesse contexto, é 
ferramenta de paz e de amadurecimento social. 
Para que esses valores floresçam, é indispensável que o Ensino Religioso esteja 
em conformidade com o princípio da laicidade do Estado. Isso significa que a disciplina 
não pode privilegiar uma tradição religiosa em detrimento de outras, nem tampouco 
servir como espaço de evangelização. Sua função é educativa, crítica e investigativa. 
 
 
 
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A laicidade garante que o espaço público — inclusive a escola — seja um 
ambiente em que todos os credos e descrenças possam coexistir em igualdade de 
condições. Assim, o Ensino Religioso deve atuar com neutralidade confessional, mas 
com compromisso ético, promovendo o estudo do fenômeno religioso com respeito, 
rigor e abertura. 
No contexto escolar contemporâneo, onde se encontram estudantes de 
diferentes origens religiosas, étnicas e culturais, a abordagem pluralista do Ensino 
Religioso é não apenas desejável, mas necessária. Ignorar essa diversidade é negar a 
realidade das comunidades escolares e comprometer a função inclusiva da educação. 
A diversidade cultural, por sua vez, é reconhecida como um direito 
fundamental pela legislação brasileira e pelos organismos internacionais. A escola tem 
a missão de valorizar essa diversidade, integrando os saberes tradicionais, as narrativas 
de diferentes povos e as formas distintas de religiosidade presentes no território 
nacional. 
O Ensino Religioso é uma ferramenta potente para essa valorização, desde que 
seus conteúdos sejam selecionados com critério e apresentados com sensibilidade. 
Religiões afro-brasileiras, indígenas, orientais, bem como novas espiritualidades e 
posições não religiosas, devem estar presentes no currículo, como expressões legítimas 
da experiência humana. 
A abordagem intercultural no Ensino Religioso permite que os estudantes 
conheçam não apenas os sistemas de crença, mas também os valores, os mitos, os 
rituais e os símbolos que organizam a vida de diferentes povos. Essa compreensão 
amplia a visão de mundo dos alunos e fortalece o respeito mútuo entre as diferenças. 
A presença do Ensino Religioso no currículo escolar precisa, portanto, ser 
pautada por um projeto pedagógico consistente, comprometido com os direitos 
humanos e com os princípios democráticos. Não se trata de criar um “mosaico” de 
religiões, mas de fomentar uma compreensão crítica, contextualizada e ética do 
fenômeno religioso. 
Esse projeto deve incluir, por exemplo, o estudo de como as religiões 
influenciam os modos de vida, as legislações, as festividades culturais, a alimentação, a 
arte, a arquitetura e as relações sociais. Dessa forma, os alunos percebem que a religião 
é parte constitutiva das culturas e não um compartimento isolado. 
 
 
 
P
Cabe ao professor de Ensino Religioso cultivar uma postura de escuta e 
acolhimento, ao mesmo tempo em que mantém o compromisso com uma prática crítica 
e democrática. Sua missão é complexa: mediar o conhecimento sobre religiões diversas 
sem promover nenhuma, garantindo um espaço seguro para o debate e o aprendizado. 
Essa prática exige formação específica, reflexão constante e disposição para o 
diálogo com outros campos do saber. O professor precisa dominar tanto os aspectos 
históricos e simbólicos das religiões quanto os fundamentos pedagógicos e legais que 
orientamsua atuação. Só assim será capaz de promover uma convivência escolar 
verdadeiramente plural e respeitosa. 
Concluindo, o Ensino Religioso alinhado aos princípios da laicidade e da 
diversidade cultural não apenas educa sobre religiões, mas forma sujeitos aptos a 
conviver em uma sociedade plural. Ele prepara o estudante para reconhecer no outro 
não uma ameaça, mas um companheiro de jornada — alguém diferente, mas 
igualmente digno, cuja existência amplia e enriquece a experiência do humano. 
Moacir Gadotti 
 
“Educar é um ato político. Não existe neutralidade. Por isso, o Ensino 
Religioso precisa assumir a responsabilidade ética de formar para o respeito 
e para a democracia, e não para a repetição de dogmas.” 
 
Moacir Gadotti, embora mais conhecido por suas contribuições à pedagogia 
crítica, também é essencial para pensar a base ética e epistemológica do Ensino 
Religioso em uma perspectiva laica, emancipadora e cidadã. 
A citação destaca que o Ensino Religioso, como parte do currículo, é também 
um instrumento político que deve se posicionar em favor dos direitos humanos, da 
diversidade e da reflexão crítica — valores centrais para sua legitimação no ambiente 
escolar. 
Compreender o Ensino Religioso como instrumento político não significa torná-
lo partidário, mas reconhecer que todo ato educativo é um ato de escolha, de 
direcionamento e de compromisso com um projeto de sociedade. Como afirmava Paulo 
Freire, a educação jamais é neutra: ou reproduz a ordem existente ou contribui para sua 
transformação. 
 
 
 
P
Nesse sentido, o Ensino Religioso precisa se posicionar claramente em defesa 
dos direitos humanos, pois estes representam um conjunto de valores universais que 
garantem a dignidade, a liberdade e a igualdade entre todos os seres humanos. 
Religiosidade e cidadania não são opostos — ao contrário, podem e devem caminhar 
juntos quando orientados por uma ética de respeito e justiça. 
Ao abordar as diversas tradições religiosas presentes no Brasil e no mundo, o 
Ensino Religioso deve promover a compreensão de que todas as formas de crença (ou 
de não crença) são expressões legítimas da humanidade. Isso implica denunciar e 
combater as formas de discriminação religiosa, o racismo religioso e a violência 
simbólica praticada em nome de alguma fé. 
Promover a diversidade religiosa na escola é também reconhecer que há 
muitas formas de experimentar o sagrado, de buscar sentido para a vida e de se 
relacionar com o transcendente. Essa diversidade não enfraquece o tecido social — ela 
o fortalece, ao promover a convivência, o diálogo e a ampliação de horizontes éticos e 
culturais. 
O Ensino Religioso, quando assume sua função formativa com consciência 
crítica, torna-se espaço para a reflexão sobre o mundo contemporâneo. Ele não se 
limita a ensinar sobre religiões em termos históricos ou descritivos, mas se abre à análise 
das relações entre fé e poder, religião e política, religião e cultura, religião e direitos 
sociais. 
Essa abordagem crítica exige do educador uma postura investigativa, dialógica 
e ética. O professor não deve evitar os temas polêmicos — como intolerância religiosa, 
fundamentalismos, manipulação religiosa e exclusões sociais — mas abordá-los com 
responsabilidade, promovendo debates informados e respeitosos. 
O Ensino Religioso, ao incorporar o debate sobre os direitos humanos, pode 
discutir temas como liberdade religiosa, liberdade de expressão, igualdade de gênero, 
direitos das populações indígenas e afrodescendentes, e o papel das religiões na 
construção de sociedades mais ou menos justas. Isso amplia sua relevância no currículo 
escolar. 
É preciso lembrar que os direitos humanos também incluem o direito à 
diferença, ou seja, o direito de cada pessoa viver sua identidade cultural e religiosa sem 
imposições ou discriminações. O Ensino Religioso se torna legítimo quando atua em 
 
 
 
P
defesa desse princípio, valorizando a pluralidade de perspectivas e culturas presentes 
no cotidiano escolar. 
A reflexão crítica proposta no Ensino Religioso não tem como objetivo 
desqualificar crenças, mas analisá-las como fenômenos humanos que produzem 
significados, comportamentos e estruturas sociais. Essa reflexão fortalece a autonomia 
dos estudantes, que passam a construir sua própria visão de mundo com base em 
conhecimento, e não em imposição. 
A crítica, nesse contexto, é sinônimo de emancipação. Quando o estudante 
aprende a questionar, comparar, argumentar e dialogar, ele se torna mais livre — e mais 
responsável por suas escolhas. O Ensino Religioso contribui, assim, para a formação de 
sujeitos que não apenas convivem com a diversidade, mas a compreendem e a 
defendem como valor. 
É importante que o sistema educacional reconheça e valorize essa função 
crítica do Ensino Religioso, integrando-a aos projetos pedagógicos, às formações 
docentes e às políticas públicas. Não se trata de “doutrinar” os estudantes, mas de criar 
condições para que pensem criticamente sobre a realidade à sua volta — inclusive sobre 
a religião. 
Esse posicionamento também contribui para combater a instrumentalização da 
religião na esfera pública. Ao educar para o discernimento, o Ensino Religioso impede 
que crenças sejam usadas para legitimar discursos de ódio, opressão ou intolerância, 
resgatando o potencial libertador e humanizante que muitas tradições religiosas 
carregam. 
A legitimidade do Ensino Religioso, portanto, não se constrói apenas por estar 
previsto na legislação, mas por seu compromisso ativo com a formação de cidadãos 
conscientes, críticos e engajados na promoção do bem comum. É isso que o torna 
relevante, necessário e coerente com os princípios de uma escola democrática. 
Em suma, o Ensino Religioso, ao se posicionar politicamente em favor dos 
direitos humanos, da diversidade e da reflexão crítica, reafirma seu papel como uma das 
frentes mais significativas da educação contemporânea. Seu compromisso não é com a 
reprodução de dogmas, mas com a construção de pontes — entre pessoas, culturas e 
valores — que sustentem uma sociedade mais justa, ética e solidária. 
 
 
 
 
P
CONCLUSÃO 
 
A presente apostila teve como objetivo aprofundar a compreensão dos 
Fundamentos Epistemológicos do Ensino Religioso, com uma abordagem crítica, 
reflexiva e comprometida com a pluralidade religiosa, a laicidade do Estado e a formação 
integral dos estudantes. Ao longo dos seis tópicos desenvolvidos, procuramos articular 
aspectos teóricos, legais, pedagógicos e culturais, reconhecendo o Ensino Religioso 
como uma área legítima do conhecimento, e não como instrumento de evangelização 
ou proselitismo. 
Iniciamos nosso percurso com uma análise sobre a epistemologia do Ensino 
Religioso como área de conhecimento, destacando sua natureza investigativa e reflexiva 
sobre o fenômeno religioso em suas múltiplas expressões simbólicas, culturais e sociais. 
Ancorados em autores como João Décio Passos, compreendemos que essa disciplina 
deve promover a compreensão crítica da diversidade religiosa, por meio de uma 
pedagogia do diálogo e da escuta. 
Em seguida, investigamos a história e a legislação do Ensino Religioso no Brasil, 
desde sua origem confessional no período colonial até os avanços contemporâneos com 
a Constituição Federal de 1988, a LDB (Lei 9.394/96) e a Resolução CNE/CP nº 01/2016. 
O marco legal reafirma a obrigatoriedade da oferta do Ensino Religioso como disciplina 
facultativa, não confessional, e orientada pelos princípios da laicidade, diversidade e 
liberdade de consciência. 
O terceiro tópico apresentou as perspectivas pedagógicas e didáticas do Ensino 
Religioso, incorporando metodologias ativas e construtivistas. Foram destacados os 
aportes da pedagogia freiriana, da abordagem histórico-cultural e do pensamento de 
Moacir Gadotti, enfatizando a importância de um ensino significativo, contextualizado 
e emancipador. O papel do professorfoi abordado como mediador crítico do 
conhecimento e facilitador do diálogo inter-religioso. 
O quarto tópico se dedicou à interculturalidade e ao pluralismo religioso, 
elementos centrais para o Ensino Religioso na contemporaneidade. Com base em 
autores como Pedro Gilberto Gomes, compreendemos que a disciplina deve promover 
o respeito à diversidade de crenças, tradições e espiritualidades, combatendo o 
 
 
 
P
preconceito, a intolerância e os estigmas associados às religiões historicamente 
marginalizadas, como as afro-brasileiras e indígenas. 
No quinto tópico, refletimos sobre os desafios contemporâneos do Ensino 
Religioso, como o fundamentalismo, o confessionalismo indevido nas escolas públicas, 
a falta de formação docente, a resistência à diversidade religiosa e o uso político da 
religião. Reforçamos que o enfrentamento desses desafios exige clareza epistemológica, 
compromisso com os direitos humanos e práticas pedagógicas coerentes com o caráter 
laico da educação pública. 
Por fim, exploramos o papel das abordagens interdisciplinares e transversais no 
Ensino Religioso, destacando sua articulação com áreas como História, Geografia, 
Filosofia, Artes, Sociologia e Antropologia. Defendemos uma atuação curricular 
integrada, capaz de dialogar com os temas transversais da BNCC, como ética, pluralidade 
cultural, educação ambiental e cultura de paz, fortalecendo a função formativa da 
disciplina. 
A BNCC, embora não tenha incluído o Ensino Religioso como área obrigatória, 
contribui significativamente para os princípios que devem nortear sua prática: o respeito 
à diversidade, o desenvolvimento da empatia, o pensamento crítico e a promoção da 
cidadania. As dez competências gerais da BNCC reforçam que a educação deve formar 
sujeitos éticos, autônomos, criativos e abertos à diferença — exatamente os pilares que 
um Ensino Religioso bem fundamentado pode oferecer. 
Os autores aqui citados —Pedro Gilberto Gomes e Moacir Gadotti — 
forneceram os alicerces conceituais para construirmos uma epistemologia crítica do 
Ensino Religioso. Eles nos lembram que o ensino da religião na escola pública deve ser 
comprometido com a democracia, com os direitos fundamentais e com a justiça social, 
não servindo a interesses confessionais nem a discursos excludentes. 
Diante de tudo o que foi discutido, reafirmamos que o Ensino Religioso, para 
cumprir sua função formativa, deve se pautar por fundamentos epistemológicos sólidos, 
ética pedagógica e compromisso social. Ele não é apenas uma disciplina, mas uma 
oportunidade de educar para o respeito, a alteridade, a convivência pacífica e o 
reconhecimento do sagrado como expressão legítima da experiência humana. 
 
 
 
 
 
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 
1988. 
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da 
educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1996. 
BRASIL. Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de junho de 2016. Define as Diretrizes Curriculares 
Nacionais para a formação inicial em nível superior e para a formação continuada. Diário 
Oficial da União, Brasília, 16 jun. 2016. 
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. 4. ed. São Paulo: Martins 
Fontes, 1992. 
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 60. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021. 
GADOTTI, Moacir. Educação e cidadania. São Paulo: Cortez, 2000. 
______________. História das ideias pedagógicas. São Paulo: Ática, 1999. 
GOMES, Pedro Gilberto. Religião, educação e cultura: a questão do Ensino Religioso. 
Petrópolis: Vozes, 1997. 
GROSSI, Esther Pillar. Caminhos da aprendizagem: complexidade e transdisciplinaridade. 
Porto Alegre: Mediação, 2003. 
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994. 
PASSOS, João Décio. Ensino Religioso e pluralismo. São Paulo: Edições Paulinas, 2006. 
VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Planejamento: projeto de ensino-aprendizagem e 
projeto político-pedagógico. São Paulo: Libertad, 2000. 
 
 
 
 
 
 
 
 
Pconvivência democrática. 
A epistemologia, neste caso, não é apenas teoria do conhecimento, mas prática de liberdade, 
como diria Paulo Freire. 
Assumir essa prática de liberdade implica reconhecer o educador como sujeito 
histórico, que intervém na realidade por meio do ato pedagógico. O professor de Ensino 
Religioso, ao se apropriar dos fundamentos epistemológicos da disciplina, posiciona-se não 
como reprodutor de dogmas, mas como mediador do conhecimento, facilitador do encontro 
com a diversidade e provocador de reflexões profundas sobre o sentido da existência. 
 
 
 
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O Ensino Religioso deixa, portanto, de ser um lugar marginal no currículo e passa a ser 
compreendido como espaço legítimo de formação humana, ética e cultural. Ele não se limita a 
“falar sobre religião”, mas propõe um olhar investigativo e humanizador sobre a experiência 
religiosa, promovendo a escuta ativa, o pensamento crítico e a convivência pacífica entre 
diferentes formas de crer — ou de não crer. 
O compromisso ético do educador de Ensino Religioso deve se refletir tanto na escolha 
dos conteúdos quanto na condução das atividades em sala. Cada decisão pedagógica carrega 
uma intencionalidade, e é nesse ponto que a epistemologia se torna um guia para a prática. 
Conhecer os fundamentos da disciplina significa também agir com responsabilidade e 
consciência diante das múltiplas identidades presentes no ambiente escolar. 
A formação docente deve incluir, portanto, não apenas conteúdos técnicos ou 
históricos sobre religiões, mas também uma profunda reflexão sobre os próprios pressupostos 
filosóficos que estruturam o saber religioso. A epistemologia fornece ao educador ferramentas 
para avaliar, selecionar e interpretar os saberes religiosos de forma crítica e contextualizada. 
Em tempos de discursos intolerantes, polarizações ideológicas e ressurgimento de 
fundamentalismos, o Ensino Religioso pode — e deve — ocupar um papel de resistência, 
promovendo o diálogo e a escuta como valores educativos. Formar para o respeito à alteridade 
é, antes de tudo, formar para a democracia, e o espaço escolar é um dos poucos ambientes onde 
esse aprendizado pode se dar de maneira sistemática e coletiva. 
Nesse sentido, o educador precisa ser também um agente político, no melhor sentido 
do termo: alguém que compreende sua ação como construção de mundo, como 
posicionamento diante das injustiças e como possibilidade de transformação. A epistemologia 
crítica do Ensino Religioso chama o professor à responsabilidade, não à neutralidade passiva. 
Isso não significa assumir um discurso de militância religiosa ou ideológica, mas 
reconhecer que toda prática educativa carrega valores e intencionalidades. O Ensino Religioso 
que se fundamenta epistemologicamente se recusa a ser mero transmissor de conteúdos e se 
propõe a formar sujeitos críticos, sensíveis e capazes de conviver com a diversidade como 
riqueza e não como ameaça. 
Essa perspectiva também amplia a noção de religiosidade para além das tradições 
institucionalizadas. O ser humano é, por natureza, um ser de sentido — e a religião, em suas 
múltiplas formas, responde à busca de sentido, à tentativa de interpretar o mundo, de dar 
nomes ao sagrado, de lidar com os mistérios da vida e da morte. O Ensino Religioso, ao abordar 
essas dimensões, dialoga com a subjetividade dos alunos. 
É por isso que a prática pedagógica nessa disciplina deve ser acolhedora, aberta, 
flexível e respeitosa. O estudante deve encontrar, nas aulas de Ensino Religioso, um espaço 
 
 
 
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seguro para expressar dúvidas, compartilhar experiências e conhecer outras formas de crer. A 
aprendizagem se dá não apenas pelo conteúdo, mas pela vivência de relações educativas 
pautadas pelo respeito e pela escuta. 
O educador, nesse contexto, torna-se também aprendiz. Ele aprende com os relatos 
dos alunos, com os desafios do cotidiano, com os contextos culturais que mudam 
constantemente. A epistemologia, enquanto reflexão sobre o saber, deve ser compreendida 
como processo permanente, não como doutrina rígida. Ensinar Ensino Religioso exige, antes de 
tudo, humildade epistemológica. 
Outro ponto importante é o reconhecimento da escola como espaço político de 
disputa de sentidos. O Ensino Religioso, ao abordar temas como fé, espiritualidade, ética e 
identidade, muitas vezes adentra territórios sensíveis, onde crenças pessoais e valores familiares 
estão em jogo. Cabe ao educador tratar esses temas com cuidado, mas sem abrir mão de sua 
função crítica e formativa. 
A epistemologia, nesse cenário, atua como uma bússola. Ela orienta o professor a 
identificar quais abordagens são coerentes com os princípios da educação laica, democrática e 
inclusiva. Ela também ajuda a construir critérios para selecionar conteúdos, elaborar 
metodologias e realizar avaliações que valorizem o processo reflexivo, e não apenas a 
memorização de informações. 
A escola contemporânea demanda educadores preparados para lidar com a 
complexidade do mundo e para formar estudantes capazes de atuar nele com consciência e 
responsabilidade. O Ensino Religioso pode oferecer uma contribuição valiosa a essa formação, 
desde que seus fundamentos estejam bem definidos, sua prática seja constantemente refletida 
e seus objetivos estejam alinhados com os valores democráticos. 
Por fim, reafirmamos que os fundamentos epistemológicos do Ensino Religioso devem 
servir como base para a construção de uma prática pedagógica humanizadora. Uma prática que 
transforme o ensino em um ato de liberdade, que reconheça o outro em sua dignidade e que 
resista às tentações do reducionismo e da imposição. Como disse Paulo Freire, “ensinar exige 
respeito aos saberes dos educandos”. 
Ao promover o respeito, o diálogo e a escuta, o Ensino Religioso se alinha aos princípios 
da BNCC, às diretrizes legais da educação brasileira e ao compromisso ético com a construção 
de uma sociedade mais justa, plural e democrática. Cabe ao educador assumir esse desafio com 
coragem, sensibilidade e consciência epistemológica. 
 
 
 
 
 
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AULA 1. EPISTEMOLOGIA E O ENSINO RELIGIOSO COMO ÁREA DE 
CONHECIMENTO 
 
A epistemologia é um ramo da filosofia que investiga a origem, os 
fundamentos, a estrutura e os limites do conhecimento. Trata-se de um campo teórico 
que busca responder questões como: o que é o conhecimento? Como ele é adquirido? 
Como podemos ter certeza de que o que sabemos é verdadeiro? Ao aplicar esses 
questionamentos ao Ensino Religioso, somos levados a refletir sobre o status do 
conhecimento religioso na escola, sua legitimidade como saber científico e sua relação 
com outras áreas do conhecimento. 
No contexto educacional, a epistemologia contribui para definir o objeto de 
estudo de cada disciplina, os métodos apropriados para sua abordagem e os critérios 
que validam seu conteúdo. O Ensino Religioso, para ocupar legitimamente um lugar no 
currículo escolar, precisa demonstrar sua especificidade epistemológica e sua relevância 
pedagógica. Isso implica diferenciá-lo tanto da teologia confessional quanto de 
abordagens meramente informativas sobre as religiões. 
O Ensino Religioso deve ser compreendido como uma área do conhecimento 
que estuda o fenômeno religioso a partir de uma perspectiva pedagógica, crítica, 
interdisciplinar e laica. Essa abordagem busca compreender as religiões em suas 
manifestações históricas, sociais, culturais e simbólicas, sem promover ou desqualificar 
nenhuma delas. O objetivo é desenvolver nos alunos a capacidade de dialogar com a 
diversidade e de refletir sobre valores éticos, existenciais e espirituais. 
Autores como João Décio Passos e Pedro Gilberto Gomes defendem uma 
epistemologia do Ensino Religioso que não seja dependente de dogmas ou doutrinas 
específicas, mas que se apoie em uma análise fenomenológica, comparativa e crítica dos 
diversos sistemas de crença. Essa epistemologia deve estar em consonânciacom os 
princípios da educação pública brasileira, especialmente a laicidade do Estado e o 
respeito aos direitos humanos. 
Nesse sentido, a epistemologia do Ensino Religioso se articula com as ciências 
da religião, com a antropologia, com a filosofia e com a sociologia. Ela se propõe a 
investigar o papel da religião na construção da subjetividade, na organização social, nas 
 
 
 
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manifestações artísticas e nos sistemas de valores. A religião é compreendida como fato 
humano e social, cuja análise exige ferramentas conceituais e metodológicas específicas. 
A distinção entre conhecimento religioso e saber religioso é fundamental para 
essa discussão. O conhecimento religioso é aquele produzido dentro de uma tradição 
religiosa específica, baseado na fé, na revelação e na autoridade dos textos sagrados. Já 
o saber religioso, no contexto escolar, é aquele que se constitui a partir da observação, 
da comparação e da análise crítica das expressões religiosas, sem adesão ou rejeição 
prévias. 
A epistemologia do Ensino Religioso, portanto, não se propõe a ensinar os 
alunos a serem religiosos, mas a compreenderem o fenômeno religioso em sua 
complexidade. Essa compreensão passa pelo estudo das crenças, dos rituais, das 
instituições religiosas, das mitologias, dos símbolos e dos textos sagrados, considerando 
sua relação com o contexto histórico e cultural em que surgiram. 
Essa abordagem exige que o professor de Ensino Religioso atue como mediador 
do conhecimento, e não como representante de uma religião específica. Sua função é 
criar condições para que os alunos desenvolvam uma visão crítica e respeitosa das 
diversas expressões religiosas, bem como da ausência de religião. Trata-se de formar 
cidadãos conscientes de sua identidade e abertos ao diálogo intercultural. 
A epistemologia do Ensino Religioso também está relacionada à concepção de 
laicidade do Estado. Em uma sociedade democrática, o Estado não adota nem impõe 
nenhuma religião, garantindo a liberdade de crença e a igualdade entre os cidadãos. O 
Ensino Religioso, nesse contexto, deve ser compatível com a laicidade, promovendo 
uma educação para a diversidade e para a convivência ética. 
A laicidade não significa ausência de religião na escola, mas sim o compromisso 
de tratá-la com isenção, respeito e rigor acadêmico. Isso exige uma postura ética do 
educador, que deve evitar o proselitismo e a imposição de crenças pessoais. A escola é 
um espaço de formação crítica, e não de conversão religiosa. 
A epistemologia do Ensino Religioso deve ainda dialogar com os princípios da 
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que valoriza competências como o 
pensamento crítico, o respeito às diferenças, a resolução de conflitos e a formação ética 
e cidadã. O Ensino Religioso contribui para essas competências ao oferecer uma reflexão 
sistemática sobre os valores, as tradições e os sentidos que orientam a vida humana. 
 
 
 
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Outro aspecto importante da epistemologia do Ensino Religioso é o 
reconhecimento da diversidade de matrizes religiosas presentes na sociedade brasileira. 
Essa diversidade inclui religiões de matriz africana, indígenas, orientais, cristãs, 
islâmicas, judaicas, além das novas espiritualidades e dos posicionamentos não 
religiosos. Compreender essa diversidade é essencial para combater o preconceito e a 
intolerância religiosa. 
O estudo epistemológico do Ensino Religioso também exige uma revisão dos 
materiais didáticos utilizados na escola. Muitos livros ainda reproduzem visões 
confessionalistas ou estereotipadas sobre as religiões. É preciso produzir conteúdos que 
sejam historicamente fundamentados, culturalmente sensíveis e pedagogicamente 
adequados, promovendo o conhecimento plural e o respeito mútuo. 
Nesse processo, a formação inicial e continuada dos professores de Ensino 
Religioso é decisiva. A epistemologia da disciplina deve estar presente nos cursos de 
licenciatura e nas propostas de formação continuada, de modo a preparar o educador 
para lidar com os desafios teóricos, metodológicos e éticos que essa área impõe. 
A epistemologia também nos convida a pensar criticamente sobre os objetivos 
do Ensino Religioso. Qual o sentido de sua presença na escola? O que se espera que os 
alunos aprendam? Quais valores devem ser promovidos? Essas perguntas não têm 
respostas únicas, mas exigem uma reflexão permanente, que envolva professores, 
gestores, famílias e a comunidade escolar. 
Além disso, é importante lembrar que o conhecimento religioso tem uma 
dimensão simbólica e existencial que o diferencia de outras áreas. A religião toca as 
emoções, os afetos, os medos e as esperanças das pessoas. Por isso, o Ensino Religioso 
deve ser sensível à subjetividade dos alunos, promovendo um ambiente de acolhimento, 
diálogo e escuta. 
A epistemologia do Ensino Religioso também precisa enfrentar os desafios 
contemporâneos da educação, como a secularização, o fundamentalismo, o relativismo 
e a intolerância. Esses fenômenos impactam diretamente a forma como a religião é 
percebida e vivida na sociedade, exigindo que o ensino da disciplina esteja atento às 
transformações culturais e às novas demandas sociais. 
É necessário, portanto, que o Ensino Religioso esteja integrado ao projeto 
político-pedagógico da escola, contribuindo para a formação integral do estudante. Isso 
 
 
 
P
implica uma prática pedagógica coerente com os princípios da cidadania, da dignidade 
humana e da justiça social. 
A construção de uma epistemologia sólida para o Ensino Religioso exige, ainda, 
um diálogo constante com outras áreas do saber. A interdisciplinaridade é um princípio 
fundamental, que permite relacionar o conhecimento religioso com temas como ética, 
arte, literatura, história, geografia e filosofia. 
Ao mesmo tempo, o Ensino Religioso deve preservar sua identidade específica, 
evitando a diluição de seus conteúdos e objetivos. Sua missão é promover a 
compreensão do fenômeno religioso como dimensão constitutiva do ser humano, 
presente em todas as culturas e em todas as épocas. 
Essa compreensão, porém, não pode ser ingênua nem acrítica. A epistemologia 
exige que se investigue as ambiguidades e os conflitos presentes nas tradições religiosas, 
seus usos políticos, seus discursos de poder e suas práticas sociais. O Ensino Religioso 
deve ser também um espaço de questionamento e de problematização. 
Por fim, a epistemologia do Ensino Religioso se constrói no exercício cotidiano 
da docência. Ela se realiza na sala de aula, no planejamento das aulas, na escolha dos 
conteúdos, na escuta dos alunos e na construção de vínculos pedagógicos. É uma 
epistemologia viva, situada, comprometida com a realidade e com a transformação 
social. 
Essa epistemologia não é abstrata, nem distante da prática escolar. Ao 
contrário, ela é moldada pelas interações entre professor e alunos, pela mediação do 
conhecimento e pelo enfrentamento dos desafios cotidianos do ambiente educativo. 
Cada aula de Ensino Religioso é uma oportunidade de experimentar, revisar e 
aprofundar os fundamentos do saber religioso, sempre à luz da ética, da pluralidade e 
do diálogo. 
O conhecimento religioso não se apresenta como um bloco fechado de 
verdades a serem transmitidas, mas como um campo aberto de significados, valores e 
interpretações. O professor, ao se deparar com a diversidade cultural e espiritual dos 
estudantes, precisa atualizar constantemente sua prática, ajustando os conteúdos à 
realidade vivida por seus alunos. 
A escuta ativa e a sensibilidade cultural são pilares dessa epistemologia prática. 
O docente que sabe ouvir, que respeita as experiências dos alunos, que acolhe suas 
 
 
 
P
dúvidas e crenças, contribui para a formação de um ambiente escolar mais humano e 
democrático. Essa escuta não é passiva, mas mediadora e crítica, e transforma o 
processo de ensino em um espaço de partilha e construção coletiva. 
O planejamentodas aulas, nesse contexto, é mais do que um roteiro técnico: é 
um exercício de responsabilidade ética e epistemológica. Escolher quais tradições 
apresentar, como abordar os símbolos religiosos, que temas enfatizar e quais recursos 
utilizar envolve uma série de decisões que devem estar alinhadas aos princípios da 
laicidade, da dignidade humana e da valorização da diversidade. 
É também no contato direto com a sala de aula que o professor avalia a 
pertinência de seus conteúdos e metodologias. A epistemologia do Ensino Religioso não 
se fecha em teorias, mas se retroalimenta da prática, permitindo que o saber 
pedagógico se renove a partir da experiência. Essa relação dialética entre teoria e prática 
constitui o núcleo do trabalho docente. 
Outro aspecto fundamental dessa epistemologia viva é a construção de 
vínculos pedagógicos. O Ensino Religioso trata de temas profundamente ligados à 
identidade, à subjetividade e ao sentido da vida. Isso exige uma postura empática, ética 
e sensível do professor, que deve zelar por um ambiente de confiança, respeito e escuta 
recíproca. 
O vínculo entre docente e estudante não é apenas afetivo, mas também 
epistemológico: é por meio dele que o conhecimento se torna significativo, pois passa a 
dialogar com a realidade do aluno. O Ensino Religioso se torna, assim, um espaço de 
encontro, onde o saber emerge da relação, da troca e da valorização das múltiplas visões 
de mundo. 
Essa epistemologia situada também demanda um olhar atento para o contexto 
social em que a escola está inserida. A realidade dos territórios, das comunidades, das 
culturas e das histórias locais deve ser levada em conta no processo de ensino-
aprendizagem. O Ensino Religioso precisa ser sensível às desigualdades, aos 
preconceitos e às violências simbólicas presentes na sociedade. 
Por isso, o compromisso com a transformação social está no cerne da 
epistemologia do Ensino Religioso. Ensinar religião de forma crítica é formar cidadãos 
capazes de enfrentar o fundamentalismo, a intolerância e o discurso de ódio com 
 
 
 
P
argumentos, sensibilidade e consciência histórica. É educar para a paz, para os direitos 
humanos e para a valorização do outro em sua alteridade. 
O conhecimento religioso, quando abordado a partir de uma epistemologia 
crítica e dialógica, contribui não apenas para o entendimento das religiões, mas para a 
formação ética dos estudantes. Ele ensina a lidar com a complexidade, com o diferente, 
com o desconhecido. E isso é essencial em tempos de polarização, extremismo e 
negação do outro. 
A prática docente, nesse cenário, se torna ato político e pedagógico. O 
professor não é apenas alguém que ensina, mas alguém que posiciona, que interpreta, 
que atua. A epistemologia do Ensino Religioso exige, portanto, educadores conscientes 
de seu papel como sujeitos históricos, comprometidos com uma escola mais justa, plural 
e acolhedora. 
Essa epistemologia também é processual. Ela se constrói no caminhar, no errar, 
no rever, no refazer. Não é um conjunto de verdades eternas, mas um modo de 
compreender e intervir no mundo, a partir de uma escuta sensível às tradições, às 
espiritualidades e às necessidades do tempo presente. É, como diria Paulo Freire, um 
exercício constante de leitura crítica do mundo. 
Por fim, essa epistemologia é esperançosa. Ela acredita que a escola pode ser 
espaço de encontro entre culturas, religiões e saberes diversos. Que o Ensino Religioso 
pode contribuir para uma sociedade mais fraterna, empática e dialogal. E que o 
professor, ao assumir sua função formadora, participa da construção de um mundo mais 
ético e solidário. 
Assim, ensinar Ensino Religioso com base em uma epistemologia crítica e 
situada é muito mais do que cumprir um currículo: é assumir o compromisso de educar 
para a convivência, para a cidadania e para o bem comum. É transformar a sala de aula 
em um lugar de acolhida, escuta, questionamento e construção de sentidos — onde o 
sagrado e o humano se encontram em diálogo contínuo. 
 
 
 
 
 
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AULA 2. HISTÓRIA E LEGISLAÇÃO DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL 
 
A trajetória do Ensino Religioso no Brasil é marcada por mudanças 
significativas, estreitamente ligadas ao contexto político, social e religioso de cada 
época. Desde o período colonial até os dias atuais, sua presença nas instituições 
educacionais brasileiras reflete tensões entre o sagrado e o secular, o público e o 
privado, o pluralismo e a hegemonia confessional. Entender essa história é fundamental 
para compreender os desafios contemporâneos enfrentados por essa área do 
conhecimento. 
No período colonial, o sistema educacional brasileiro foi moldado pela presença 
da Igreja Católica, especialmente por meio das ordens religiosas, como os jesuítas. A 
educação tinha como uma de suas principais finalidades a catequese dos povos 
indígenas e a consolidação da fé cristã. Nesse contexto, o Ensino Religioso era 
totalmente confessional, voltado à doutrinação e à conversão religiosa, sendo o braço 
pedagógico da evangelização colonial. 
Com a expulsão dos jesuítas em 1759 por ordem do Marquês de Pombal, o 
sistema educacional passou por reestruturações, mas a influência da Igreja Católica 
permaneceu forte. Mesmo após a Independência do Brasil, em 1822, o Estado continuou 
a manter vínculos estreitos com a Igreja. A Constituição Imperial de 1824 estabeleceu o 
catolicismo como religião oficial, o que assegurava à Igreja o controle sobre a educação, 
inclusive com a obrigatoriedade do ensino de doutrina católica nas escolas públicas. 
A Proclamação da República, em 1889, representou um marco importante para 
a laicização do Estado brasileiro. A nova Constituição republicana de 1891 extinguiu o 
vínculo oficial com a Igreja Católica, decretando a separação entre Igreja e Estado. Com 
isso, o Ensino Religioso foi oficialmente excluído das escolas públicas, como forma de 
garantir a neutralidade do Estado frente à diversidade de crenças. No entanto, essa 
separação não significou, na prática, a total exclusão da religião das práticas escolares, 
especialmente nas regiões de forte influência católica. 
Durante o Estado Novo, com a Constituição de 1934, o Ensino Religioso foi 
reintegrado às escolas públicas como disciplina facultativa. Essa decisão foi resultado da 
reaproximação entre a Igreja Católica e o Estado, com apoio de setores conservadores 
 
 
 
P
e religiosos. A Constituição de 1937 manteve essa previsão, mas com menor clareza 
legal, em razão do caráter autoritário do regime de Getúlio Vargas. 
Com a redemocratização e a promulgação da Constituição de 1946, o Ensino 
Religioso foi reafirmado como parte do currículo escolar, desde que de matrícula 
facultativa. Essa configuração permaneceu nas Constituições de 1967 e na Emenda 
Constitucional de 1969, durante o regime militar. Nesse período, porém, a disciplina 
manteve seu caráter predominantemente confessional e vinculado ao ensino da religião 
católica, com pouca abertura à diversidade. 
A virada mais significativa ocorreu com a Constituição Federal de 1988, que 
instituiu um novo marco para o Ensino Religioso no país. Em seu artigo 210, §1º, a Carta 
Magna estabelece que o Ensino Religioso é parte integrante da formação básica do 
cidadão e deve ser ofertado pelas escolas públicas de ensino fundamental como 
disciplina obrigatória nos currículos, porém de matrícula facultativa. Essa previsão criou 
um campo fértil para o debate sobre a natureza da disciplina, sua abordagem e suas 
finalidades. 
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) nº 9.394, de 1996, 
regulamentou a matéria e reforçou a obrigatoriedade da oferta do Ensino Religioso nas 
escolas públicas, estabelecendo seu caráter não confessional e o respeito à diversidade 
cultural religiosa do Brasil. O artigo 33 da LDB representa um dos dispositivos legais mais 
importantes sobre o tema, ao indicar que o EnsinoReligioso deve observar a liberdade 
de consciência e a laicidade do Estado. 
A LDB, no entanto, não detalhou completamente os parâmetros curriculares e 
metodológicos da disciplina, o que deu margem para diferentes interpretações e 
disputas locais. Em muitos estados e municípios, o Ensino Religioso continuou sendo 
ministrado de forma confessional, com professores ligados a instituições religiosas 
específicas. Esse cenário provocou críticas de setores da sociedade civil, movimentos 
educacionais e instituições laicas. 
Para esclarecer essas questões, o Conselho Nacional de Educação (CNE) emitiu 
diretrizes que propõem um modelo plural, não confessional e pedagógico para o Ensino 
Religioso. A Resolução CNE/CP nº 01/2016 é um marco importante nesse sentido. Ela 
orienta que o Ensino Religioso seja fundamentado em princípios de respeito, tolerância 
 
 
 
P
e valorização da diversidade religiosa, com base no estudo dos fenômenos religiosos sob 
uma perspectiva científica, filosófica e cultural. 
De acordo com essa resolução, o professor de Ensino Religioso deve ser um 
educador com formação específica na área, com domínio de teorias pedagógicas e 
conhecimento sobre religiões. O papel do educador é mediar o diálogo entre os 
diferentes sistemas religiosos, promovendo uma aprendizagem crítica e não doutrinária, 
comprometida com a formação ética e cidadã dos estudantes. 
Em 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) se debruçou sobre a 
constitucionalidade do Ensino Religioso confessional nas escolas públicas, no 
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439. Por maioria de votos, o 
STF decidiu que a oferta de Ensino Religioso confessional não fere a Constituição, desde 
que sua matrícula continue sendo facultativa e que não haja imposição de uma única 
crença. 
Esse julgamento evidenciou as ambiguidades legais e os conflitos 
interpretativos em torno do Ensino Religioso no Brasil. Embora a decisão tenha 
reconhecido a possibilidade de oferta de conteúdo confessional, reforçou-se a 
necessidade de garantir a liberdade de crença, o pluralismo e a laicidade como princípios 
orientadores da disciplina. A decisão também provocou reações de educadores, 
especialistas e movimentos sociais, que defendem um Ensino Religioso 
verdadeiramente laico e plural. 
É importante destacar que a legislação brasileira sobre o Ensino Religioso é 
resultado de um processo histórico e político complexo, que envolve a atuação de 
diferentes atores sociais, como igrejas, movimentos laicos, educadores e órgãos 
públicos. Cada avanço legal foi conquistado em meio a disputas e negociações, 
refletindo os embates ideológicos presentes na sociedade brasileira. 
A legislação também deve ser compreendida à luz dos tratados internacionais 
de direitos humanos assinados pelo Brasil, que garantem a liberdade de consciência, de 
crença e de expressão religiosa. Esses tratados reforçam a obrigação do Estado de 
oferecer uma educação que respeite a diversidade e combata todas as formas de 
discriminação religiosa. 
Outro ponto fundamental da legislação é a formação do professor de Ensino 
Religioso. A Resolução CNE/CP nº 01/2016 determina que os sistemas de ensino devem 
 
 
 
P
criar programas específicos de formação inicial e continuada para docentes dessa 
disciplina, com conteúdos voltados à compreensão do fenômeno religioso e ao 
desenvolvimento de práticas pedagógicas inclusivas e democráticas. 
Essa exigência busca evitar que a disciplina seja ocupada por professores 
improvisados, sem formação adequada, o que frequentemente resulta em práticas 
proselitistas ou excludentes. A valorização da formação docente é, portanto, um 
imperativo legal e ético para garantir a qualidade do Ensino Religioso nas escolas 
públicas. 
Diante desse panorama legal, os sistemas estaduais e municipais de ensino têm 
autonomia para definir os currículos e as formas de organização da disciplina, desde que 
respeitem os princípios constitucionais. Essa autonomia pode ser positiva, mas também 
cria desafios, como a falta de uniformidade, a ausência de diretrizes claras e a resistência 
de setores conservadores à abordagem laica e plural. 
Em muitos casos, a implementação de um Ensino Religioso não confessional 
esbarra em obstáculos como a pressão de grupos religiosos, a escassez de materiais 
didáticos adequados, a carência de professores qualificados e a ausência de apoio 
institucional. Superar esses entraves requer o fortalecimento das políticas públicas 
educacionais, o diálogo entre os diferentes segmentos da sociedade e o compromisso 
com os direitos humanos. 
A legislação brasileira, portanto, oferece as bases para um Ensino Religioso 
comprometido com a cidadania, a diversidade e a laicidade. Contudo, sua plena 
efetivação depende de uma atuação vigilante e articulada de educadores, gestores, 
movimentos sociais e instâncias de controle social. É preciso transformar os princípios 
legais em práticas pedagógicas consistentes e coerentes. 
Em resumo, o percurso histórico e jurídico do Ensino Religioso no Brasil revela 
uma disciplina em constante transformação, tensionada por diferentes projetos de 
sociedade, de educação e de religião. Seu futuro dependerá da capacidade de consolidar 
uma epistemologia crítica, fundamentada nos valores democráticos e na promoção de 
uma convivência pacífica entre as diferenças. 
 
 
 
 
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AULA 3. PERSPECTIVAS PEDAGÓGICAS E DIDÁTICAS NO ENSINO RELIGIOSO 
 
O Ensino Religioso, enquanto componente curricular da educação básica, exige 
uma abordagem didático-pedagógica que esteja à altura dos princípios de laicidade, 
pluralismo e formação crítica. Superar o modelo tradicional e confessional de ensino da 
religião pressupõe uma reformulação profunda nas formas de conceber, planejar e 
desenvolver essa disciplina em sala de aula. Isso significa pensar o Ensino Religioso como 
espaço de reflexão, diálogo e compreensão sobre a diversidade das manifestações do 
sagrado no mundo. 
Uma das primeiras exigências de uma abordagem pedagógica coerente é o 
reconhecimento da identidade própria do Ensino Religioso como área do conhecimento. 
Trata-se de um campo que articula elementos das ciências humanas e sociais, com foco 
no fenômeno religioso, e que exige métodos próprios de análise, compreensão e 
representação. A metodologia aplicada deve favorecer o protagonismo do aluno, a 
construção coletiva do saber e o desenvolvimento da autonomia intelectual. 
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), ainda que não tenha incluído 
diretamente o Ensino Religioso em seus campos de experiência obrigatórios, oferece 
importantes diretrizes pedagógicas ao destacar competências como o pensamento 
crítico, o respeito às diferenças, a empatia e a resolução pacífica de conflitos. O Ensino 
Religioso, mesmo não sendo abordado como área obrigatória na BNCC, pode e deve 
contribuir para o desenvolvimento dessas competências em consonância com as 
diretrizes curriculares nacionais específicas. 
Entre as abordagens pedagógicas que mais influenciam o Ensino Religioso está 
a perspectiva freiriana, centrada no diálogo, na escuta e na construção conjunta do 
saber. Paulo Freire propôs uma pedagogia baseada na problematização da realidade 
vivida pelos sujeitos, o que é altamente aplicável ao Ensino Religioso. Ao partir das 
experiências concretas dos alunos com o sagrado, com a espiritualidade e com os 
valores culturais, o educador pode conduzir processos de aprendizagem significativos. 
A pedagogia histórico-cultural, de base vygotskiana, também oferece 
importantes contribuições. Para Lev Vygotsky, o conhecimento é construído por meio 
da mediação social e da linguagem. No Ensino Religioso, essa perspectiva permite 
valorizar as trocas entre os estudantes, a produção coletiva de significados e o 
 
 
 
P
reconhecimento das crenças como construções culturais e simbólicas, acessadas por 
meio de narrativas,mitos, ritos e práticas religiosas diversas. 
No campo didático, o planejamento é uma etapa crucial. O educador precisa 
organizar os conteúdos de modo coerente com os objetivos de aprendizagem e com os 
princípios da educação laica. Os conteúdos devem ser escolhidos com base em critérios 
pedagógicos e não confessionais, considerando a diversidade religiosa dos estudantes e 
da comunidade escolar. É fundamental trabalhar com temas transversais, como ética, 
direitos humanos, meio ambiente, justiça social e cultura de paz. 
Os métodos de ensino no Ensino Religioso devem favorecer a investigação, a 
análise crítica e a reflexão pessoal. O uso de metodologias ativas — como projetos, rodas 
de conversa, debates, dramatizações, análise de imagens, músicas e textos sagrados — 
é especialmente indicado. Essas estratégias favorecem a participação ativa dos 
estudantes e o contato sensível com os diversos sistemas simbólicos das religiões. 
A avaliação no Ensino Religioso não deve se basear na memorização de dogmas 
ou doutrinas, mas sim na capacidade do estudante de compreender, analisar e dialogar 
com as diversas expressões religiosas. Deve-se avaliar o progresso do aluno em relação 
à ampliação de sua consciência sobre o mundo religioso, sua postura crítica diante de 
preconceitos e sua disposição ao diálogo e à convivência democrática. 
Outro aspecto fundamental é a produção de materiais didáticos adequados. 
Muitos livros ainda apresentam um viés confessional ou pouco sensível à diversidade. 
Cabe ao educador selecionar ou construir materiais que contemplem diferentes 
tradições religiosas e que promovam uma abordagem crítica, inclusiva e fundamentada. 
É necessário utilizar fontes diversas, como textos acadêmicos, literatura, relatos orais, 
fotografias, filmes e documentários. 
A prática docente no Ensino Religioso requer uma postura ética e profissional. 
O professor deve reconhecer a multiplicidade de crenças dos estudantes e criar um 
ambiente seguro para o diálogo, sem fazer juízo de valor ou impor suas convicções 
pessoais. Essa postura demanda formação específica e contínua, com ênfase na 
epistemologia da religião, na história das religiões, na ética e na didática. 
A interdisciplinaridade é outro princípio didático importante. O Ensino Religioso 
pode se articular com disciplinas como História, Geografia, Filosofia, Sociologia, Artes e 
Literatura. Essas conexões enriquecem o processo de aprendizagem, mostrando como 
 
 
 
P
a religião se insere nas práticas culturais, nos conflitos sociais, nas transformações 
históricas e nas produções artísticas da humanidade. 
Além disso, o Ensino Religioso pode trabalhar com projetos interdisciplinares, 
como o estudo das festas religiosas brasileiras, as relações entre religião e política, o 
papel da religião nas questões ambientais, entre outros. Tais projetos possibilitam que 
os alunos compreendam a complexidade e a relevância do fenômeno religioso em 
diversas esferas da vida social. 
O ensino da diversidade religiosa deve ser planejado com cuidado, evitando 
generalizações e estereótipos. Cada religião deve ser apresentada em sua riqueza 
interna, considerando sua história, crenças, práticas e visões de mundo. O estudo 
comparado pode ser útil, desde que não se reduza à mera enumeração de diferenças, 
mas aprofunde o entendimento das semelhanças e das singularidades de cada tradição. 
A formação de professores é um elemento chave para a implementação de uma 
didática crítica no Ensino Religioso. Muitos docentes ainda carecem de formação 
específica e de preparo para lidar com temas complexos como espiritualidade, 
simbologia e pluralismo religioso. É essencial que os cursos de licenciatura e as 
formações continuadas incluam conteúdos voltados à epistemologia do Ensino 
Religioso, às ciências da religião e às metodologias pedagógicas contemporâneas. 
A atuação do professor deve ser pautada por princípios como a escuta ativa, o 
respeito às convicções dos alunos, a valorização da dúvida e da curiosidade, e o 
compromisso com a justiça social. O Ensino Religioso é espaço de acolhimento da 
subjetividade, mas também de questionamento crítico das realidades que nos cercam. 
Isso exige sensibilidade, mas também rigor teórico e metodológico. 
Em termos de organização curricular, é recomendável que o Ensino Religioso 
seja estruturado por eixos temáticos que contemplem a história das religiões, os textos 
sagrados, os valores éticos, os símbolos e rituais, e a relação entre religião e sociedade. 
Essa estrutura possibilita um planejamento mais coeso e facilita a avaliação das 
aprendizagens. 
A inclusão das religiões de matriz africana e indígena é um imperativo ético e 
pedagógico, previsto inclusive na legislação educacional (Lei 10.639/03 e Lei 11.645/08). 
O Ensino Religioso não pode reproduzir invisibilidades e preconceitos históricos, mas 
 
 
 
P
sim contribuir para a valorização das tradições marginalizadas e para a construção de 
uma educação antirracista. 
Outro desafio didático é lidar com o fenômeno da ausência de religião ou do 
ateísmo. É fundamental que o Ensino Religioso inclua a reflexão sobre o direito de não 
crer e promova o respeito à diversidade de posicionamentos filosóficos. Essa inclusão 
amplia a compreensão do fenômeno religioso e fortalece os princípios democráticos da 
escola pública. A escuta da comunidade escolar e o diálogo com as famílias também são 
importantes. Muitos pais têm dúvidas ou resistências em relação ao Ensino Religioso, 
especialmente quando associam a disciplina a práticas confessionais. Cabe à escola 
esclarecer os objetivos da disciplina e mostrar sua contribuição para a formação integral 
dos estudantes. 
O uso de tecnologias digitais pode enriquecer o Ensino Religioso, permitindo o 
acesso a diferentes culturas, imagens, textos e depoimentos. Plataformas de vídeo, 
podcasts, bibliotecas virtuais e redes colaborativas são ferramentas que facilitam o 
trabalho docente e aproximam os estudantes dos temas abordados em sala. 
A pedagogia da presença, proposta por autores como Rubem Alves e Esther 
Grossi, também é relevante. Ela enfatiza a importância do vínculo, da escuta e do 
cuidado no processo educativo. No Ensino Religioso, essa abordagem favorece o 
reconhecimento das emoções, das espiritualidades e das narrativas pessoais dos alunos 
como parte do processo de aprendizagem. Em suma, as perspectivas pedagógicas e 
didáticas no Ensino Religioso devem estar alicerçadas na pluralidade, no diálogo e na 
construção crítica do conhecimento. É preciso superar práticas centradas na 
transmissão de verdades absolutas e promover a abertura para o novo, para o diverso 
e para o complexo. 
A construção de uma didática própria para o Ensino Religioso é um processo 
contínuo, que exige pesquisa, reflexão e inovação. Não há um modelo único, mas há 
princípios orientadores que garantem a coerência com os fundamentos epistemológicos 
e com os compromissos éticos da educação pública. 
Nesse percurso, o professor é convidado a ser mais do que transmissor de 
saber: é formador de consciências, facilitador do encontro entre culturas e construtor 
de pontes entre diferentes visões de mundo. O Ensino Religioso, assim entendido, se 
 
 
 
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torna um espaço privilegiado para a formação de sujeitos reflexivos, críticos e sensíveis 
à alteridade. 
Esse papel do professor ultrapassa a função técnica de repassar conteúdos. Ele 
se posiciona como alguém que compreende o conhecimento como construção coletiva, 
situada e contextualizada. O educador que atua no Ensino Religioso precisa ter 
sensibilidade para as questões do sagrado, mas também rigor teórico, compromisso 
ético e postura democrática diante da pluralidade. 
Ser formador de consciências implica provocar nos alunos o exercício da 
dúvida, da curiosidade e da abertura à escuta do outro. Isso significa criar oportunidades 
para que eles reflitam nãoapenas sobre diferentes tradições religiosas, mas sobre seus 
próprios valores, crenças e formas de interpretar o mundo. Trata-se de um convite à 
autonomia, e não à dependência ideológica. 
Ao atuar como facilitador do encontro entre culturas, o professor reconhece 
que o espaço escolar é um microcosmo da sociedade. Nele coexistem diferentes 
identidades, linguagens, experiências e espiritualidades. Cabe ao docente criar 
condições pedagógicas para que essas vozes possam dialogar, sem que uma se imponha 
sobre a outra. 
Essa facilitação exige preparo, escuta e equilíbrio. O professor deve saber lidar 
com situações de conflito, preconceito ou incompreensão entre os alunos, promovendo 
estratégias de mediação cultural. O Ensino Religioso, nesse sentido, é uma ferramenta 
poderosa para a educação intercultural, pois coloca no centro do processo pedagógico 
a convivência com a diferença. 
Construir pontes entre visões de mundo é um dos maiores desafios da 
contemporaneidade. Vivemos tempos marcados por polarizações, por discursos de ódio 
e por intolerâncias diversas. O Ensino Religioso, quando bem fundamentado, oferece 
um espaço de resistência a essas tendências, promovendo o diálogo, a paz e o 
reconhecimento da dignidade de todas as pessoas. 
Essas pontes não são apenas conceituais — são também afetivas e simbólicas. 
Ao estudar os mitos, rituais, valores e símbolos das religiões, os alunos entram em 
contato com as expressões mais profundas da condição humana. Isso os ajuda a 
desenvolver empatia, compreensão e respeito por modos de vida diferentes dos seus. 
 
 
 
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O professor de Ensino Religioso, nesse processo, torna-se também um 
construtor de sentidos. Ele ajuda os alunos a interpretarem o mundo à sua volta, a 
reconhecer os elementos religiosos presentes na cultura, na arte, na linguagem, nas 
relações e nas instituições. Assim, contribui para a formação de um olhar mais atento, 
mais sensível e mais consciente. 
A sensibilidade à alteridade é uma das competências fundamentais do século 
XXI. Saber conviver com a diversidade não é mais uma habilidade opcional, mas uma 
exigência da vida em sociedade. O Ensino Religioso, ao promover o contato com 
diferentes sistemas de crenças, modos de ser e horizontes éticos, forma estudantes mais 
preparados para o diálogo e para a participação cidadã. O docente comprometido com 
essa missão deve cultivar atitudes como humildade, escuta empática, disposição ao 
diálogo e reconhecimento da incompletude de todo saber. Ao assumir sua própria 
humanidade no processo educativo, o professor convida os estudantes a também se 
reconhecerem como sujeitos em construção, abertos ao encontro com o outro. 
Além disso, o professor de Ensino Religioso atua como mediador entre tradição 
e contemporaneidade. Ele apresenta aos alunos os fundamentos das religiões, mas 
também os convida a pensar como essas tradições dialogam com as questões atuais — 
como justiça social, sustentabilidade, direitos humanos, igualdade de gênero e liberdade 
de crença. 
Essa mediação exige constante atualização e formação continuada. O campo 
das Ciências da Religião é dinâmico, e o educador deve manter-se informado sobre os 
debates mais recentes, sobre as novas espiritualidades e sobre os desafios éticos 
emergentes. Só assim ele poderá exercer sua função com competência e relevância 
pedagógica. 
O reconhecimento da complexidade das experiências religiosas também é 
essencial. O professor precisa evitar simplificações, estereótipos e generalizações, 
oferecendo aos alunos uma visão ampla, crítica e respeitosa das diferentes tradições. 
Isso requer pesquisa, planejamento e seleção criteriosa dos conteúdos. 
O Ensino Religioso, nessa perspectiva, se transforma em uma verdadeira escola 
de diálogo. Não se trata de fazer todos pensarem igual, mas de ensinar a conviver com 
o desacordo, com o outro, com a diversidade que habita o mundo e as consciências. É 
uma escola de humanidade, onde se aprende a pensar, a sentir e a agir com respeito e 
 
 
 
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solidariedade. Por tudo isso, o papel do professor de Ensino Religioso é, ao mesmo 
tempo, pedagógico, cultural e ético. Sua prática não apenas ensina, mas transforma. 
Não apenas transmite, mas provoca. Não apenas informa, mas forma. Ele é, enfim, um 
semeador de pontes — entre pessoas, culturas e mundos possíveis. 
Como educador, ele lida com a matéria mais sensível da experiência humana: 
a busca de sentido, o sagrado, o mistério da vida e da morte, as crenças e os valores que 
fundamentam a identidade dos indivíduos. Por isso, sua atuação exige não apenas 
conhecimento técnico e teórico, mas também uma ética do cuidado, da escuta e do 
respeito. A pedagogia do Ensino Religioso não se limita a métodos e conteúdos; ela se 
constrói no encontro entre seres humanos que se reconhecem na diferença. Nesse 
sentido, o professor é também um guardião da diversidade, zelando para que nenhuma 
tradição seja silenciada e para que todas as vozes possam ser ouvidas no espaço 
educativo. A prática docente no Ensino Religioso implica também compromisso político. 
Educar para a tolerância religiosa, para a convivência entre crenças distintas e para o 
reconhecimento do outro é, em essência, lutar contra toda forma de intolerância, 
discriminação e opressão que se escondem sob o discurso religioso. 
Ao assumir esse papel, o professor torna-se também um promotor de justiça 
social, pois contribui para desconstruir preconceitos históricos, como o racismo religioso 
contra religiões de matriz africana, ou a invisibilização de tradições indígenas e orientais. 
Sua prática pedagógica deve ser, portanto, crítica e reparadora. 
Na dimensão cultural, o Ensino Religioso oferece um campo fértil para a 
valorização dos saberes populares, dos rituais ancestrais, das expressões simbólicas e 
artísticas que carregam significados profundos para os povos e comunidades. O 
professor torna-se, assim, um curador de memórias, que protege e compartilha 
heranças culturais. Formar, nesse contexto, é despertar nos alunos a sensibilidade para 
perceber que o sagrado se manifesta de diversas formas no mundo. É ensiná-los a olhar 
com curiosidade, com abertura e com respeito para aquilo que é diferente. É ajudá-los 
a compreender que a fé do outro, mesmo que distinta da sua, é igualmente legítima. 
Mais do que oferecer respostas prontas, o professor de Ensino Religioso deve 
ensinar a perguntar. As perguntas mais importantes — sobre a vida, o sofrimento, o 
amor, a justiça, a transcendência — não têm respostas únicas, mas são portas de 
 
 
 
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entrada para o diálogo inter-religioso e filosófico. Ensinar religião é, também, ensinar a 
perguntar com profundidade. 
Esse educador, ao reconhecer os conflitos e contradições presentes nas 
tradições religiosas, não nega sua importância, mas convida os alunos a analisá-las com 
criticidade. Ele não se furta a discutir os limites e os potenciais das religiões, seus legados 
éticos e seus usos políticos, suas luzes e suas sombras. Sua atuação também deve ser 
pautada pela ética da imparcialidade ativa — uma postura que não ignora sua própria 
subjetividade, mas que se compromete com a equidade de representação e com a 
promoção do diálogo. Ele não “neutraliza” as tradições, mas as apresenta em sua 
complexidade, com respeito e equilíbrio. 
A formação desse profissional requer, portanto, uma base sólida em Ciências 
da Religião, em pedagogia e em ética. Deve-se investir na formação inicial e continuada, 
na produção de materiais didáticos plurais, e na criação de redes colaborativas entre 
educadores. Ninguém ensina sozinho — e no Ensino Religioso, isso é ainda mais 
verdadeiro. Nesse processo, o professor se transforma também. Ao conviver com a 
diversidade de seus alunos, com suas histórias, suas dúvidas e suas crenças, ele amplia 
seus próprios horizontes. Aprende a desaprender o que estava cristalizado, a repensar 
certezas,a reconstruir significados — pois ensinar é sempre também um exercício de 
autoconhecimento. 
O Ensino Religioso, conduzido com consciência epistemológica e sensibilidade 
ética, contribui para que a escola seja um espaço de diálogo e de paz. O professor é o 
elo entre a teoria e a prática, entre o conhecimento e a vida, entre a tradição e a 
esperança. Seu trabalho não se mede apenas em notas, mas em sementes lançadas no 
coração dos estudantes. Como “semeador de pontes”, ele é também semeador de 
futuro. Um futuro em que as religiões possam coexistir em harmonia, em que as 
diferenças sejam reconhecidas como riquezas, e em que a escola seja um lugar de 
acolhimento, transformação e libertação. A educação religiosa, assim compreendida, é 
instrumento de humanização. Por fim, afirmar o papel do professor de Ensino Religioso 
é reafirmar a centralidade do humano na educação. É acreditar que, ao ensinar sobre o 
sagrado, ele não apenas amplia o conhecimento de mundo dos estudantes, mas 
também fortalece sua capacidade de conviver, de dialogar e de transformar. E isso, mais 
do que conteúdo, é missão. 
 
 
 
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AULA 4. ENSINO RELIGIOSO, INTERCULTURALIDADE E PLURALISMO 
 
O Brasil é reconhecido mundialmente por sua diversidade cultural e religiosa. 
Essa pluralidade, fruto do encontro entre povos indígenas, africanos, europeus, asiáticos 
e outras etnias ao longo de sua história, confere à sociedade brasileira uma riqueza 
simbólica ímpar, mas também impõe desafios significativos à convivência e à construção 
de uma cidadania respeitosa das diferenças. É nesse contexto que se insere o Ensino 
Religioso, cuja função principal é favorecer o entendimento, o diálogo e a valorização da 
diversidade de crenças e cosmovisões. 
Compreender a religião como fenômeno cultural implica reconhecer que ela 
está profundamente enraizada na identidade dos indivíduos e das comunidades. As 
religiões estruturam modos de pensar, de agir e de se relacionar com o mundo. Elas 
oferecem sentidos à existência, organizam calendários sociais, fundamentam rituais e 
influenciam comportamentos éticos. Portanto, não podem ser ignoradas pela escola, 
especialmente quando se busca uma educação humanizadora e crítica. 
A interculturalidade surge como um conceito-chave para a abordagem da 
diversidade religiosa no Ensino Religioso. Diferente do multiculturalismo, que apenas 
reconhece a existência de várias culturas, a interculturalidade propõe o diálogo entre 
elas, baseado na escuta mútua, na reciprocidade e na negociação de sentidos. Ela 
pressupõe uma atitude ativa de reconhecimento, valorização e problematização das 
diferentes formas de ver e viver o mundo. 
Aplicar a interculturalidade ao Ensino Religioso significa tratar as tradições 
religiosas como expressões culturais legítimas, dignas de estudo, reflexão e apreciação. 
Isso não implica adesão ou concordância, mas sim compreensão e respeito. Como 
propõe João Décio Passos, a função do Ensino Religioso não é classificar as religiões 
como certas ou erradas, mas sim revelar sua importância na construção da identidade 
dos sujeitos e na organização das sociedades. 
A perspectiva intercultural exige do educador sensibilidade ética e competência 
epistemológica. Não basta apenas apresentar fatos sobre religiões; é preciso mediar 
sentidos, promover empatia e problematizar preconceitos. O Ensino Religioso torna-se, 
assim, um espaço pedagógico de construção de pontes entre mundos simbólicos, 
favorecendo a convivência e o reconhecimento da alteridade. 
 
 
 
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O pluralismo religioso é o pano de fundo desse trabalho. O Brasil abriga uma 
multiplicidade de tradições religiosas, desde as majoritárias — como o cristianismo em 
suas diversas vertentes — até as minoritárias — como as religiões afro-brasileiras, o 
espiritismo, as religiões orientais, indígenas, e ainda o agnosticismo e o ateísmo. O 
Ensino Religioso precisa dar visibilidade a essa diversidade, combatendo estigmas e 
promovendo justiça simbólica. 
Muitas dessas religiões, especialmente as de matriz africana e indígena, foram 
historicamente marginalizadas e criminalizadas. A escola tem o dever de contribuir para 
a reparação dessas violências simbólicas, valorizando o conhecimento, os rituais e as 
cosmologias desses povos. As Leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008 reforçam esse 
compromisso, tornando obrigatórios os conteúdos sobre história e cultura afro-
brasileira, africana e indígena no currículo. 
A abordagem intercultural exige também que o professor esteja atento aos 
riscos do relativismo absoluto, no qual tudo é aceito sem crítica, e do etnocentrismo, 
em que apenas uma tradição é considerada legítima. O equilíbrio está na valorização da 
diversidade com base em critérios éticos e democráticos, que respeitem os direitos 
humanos e a dignidade de todas as pessoas. 
No Ensino Religioso, o pluralismo se expressa por meio de diferentes formas de 
lidar com o sagrado: há religiões monoteístas, politeístas, panteístas, animistas, 
filosóficas, entre outras. Há ainda tradições que não se definem como religiões, mas que 
expressam dimensões espirituais ou éticas profundas. A escola deve estar aberta a essa 
multiplicidade de formas de transcendência e sentido. 
O diálogo inter-religioso é uma das práticas mais potentes da abordagem 
intercultural. Ele permite que os estudantes conheçam as tradições uns dos outros, 
compartilhem experiências, identifiquem valores comuns e reconheçam a riqueza das 
diferenças. Esse diálogo, no entanto, só é possível em um ambiente de confiança, escuta 
e mediação qualificada por parte do educador. 
A interculturalidade também se articula com os princípios da educação 
inclusiva. O Ensino Religioso deve acolher todas as identidades, inclusive as religiosas, 
sem discriminação. Crianças e jovens de religiões minoritárias muitas vezes enfrentam 
situações de preconceito e invisibilidade no ambiente escolar. A disciplina pode ser um 
espaço de valorização dessas identidades, promovendo autoestima e pertencimento. 
 
 
 
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É importante destacar que a interculturalidade não se resume a um “folclore 
religioso” ou a datas comemorativas. É preciso ir além das festividades e buscar 
compreender as doutrinas, os valores, os símbolos e os textos sagrados de forma crítica 
e contextualizada. Isso requer planejamento, pesquisa e o uso de materiais didáticos 
adequados à diversidade cultural dos estudantes. 
O papel do educador é fundamental nesse processo. Ele deve agir como 
facilitador do diálogo, evitando julgamentos, proselitismo ou neutralizações. Sua 
autoridade deve ser construída na escuta, na coerência ética e na capacidade de lidar 
com a complexidade. Como afirma Moacir Gadotti, a interculturalidade exige uma 
pedagogia do encontro, que reconhece o outro como legítimo interlocutor e parceiro na 
construção do conhecimento. 
A pedagogia intercultural também favorece o desenvolvimento da empatia. Ao 
conhecer as experiências religiosas dos outros, os estudantes aprendem a se colocar no 
lugar do outro, a respeitar suas escolhas e a relativizar seus próprios referenciais. Essa 
experiência é particularmente importante em um mundo marcado por conflitos 
religiosos, intolerância e fundamentalismos. 
O Ensino Religioso, quando fundamentado na interculturalidade, contribui para 
a construção de uma cultura de paz. Ele ensina que as religiões podem ser fontes de 
valores como compaixão, solidariedade, justiça e respeito. Ao mesmo tempo, permite a 
análise crítica das formas como a religião tem sido usada para justificar violências, 
opressões e exclusões. 
A abordagem intercultural também amplia o conceito de religião, permitindo 
incluir formas não convencionais de espiritualidade, como a espiritualidade ecológica, o 
humanismo secular, o budismo laico e outras expressões contemporâneas de busca de 
sentido. Essa abertura é coerente com a realidade atual, em que muitos jovensnão se 
identificam com instituições religiosas tradicionais, mas mantêm vínculos com 
dimensões espirituais da vida. 
No contexto da educação básica, a interculturalidade pode ser trabalhada 
desde os anos iniciais, com linguagem e metodologias apropriadas. Histórias, músicas, 
imagens, visitas a templos, relatos pessoais e objetos simbólicos são recursos eficazes 
para introduzir os alunos no universo da diversidade religiosa. Com isso, é possível desde 
cedo formar sujeitos mais abertos, sensíveis e respeitosos. 
 
 
 
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Na adolescência, o Ensino Religioso pode se aprofundar em temas mais 
complexos, como ética inter-religiosa, conflitos históricos entre religiões, secularização, 
laicidade e espiritualidade contemporânea. Essa etapa exige um planejamento mais 
detalhado e um professor bem-preparado, capaz de lidar com questionamentos críticos 
e temas polêmicos. 
A avaliação, nesse contexto, deve considerar não apenas os conhecimentos 
adquiridos, mas também as atitudes desenvolvidas. O respeito ao outro, a escuta atenta, 
a capacidade de argumentar com civilidade e o interesse pelas diferentes tradições são 
indicadores importantes do desenvolvimento das competências previstas para o Ensino 
Religioso. 
A interculturalidade também convida a escola a rever suas práticas 
institucionais. Muitas vezes, há símbolos religiosos em espaços públicos escolares que 
não representam a diversidade da comunidade. Promover um ambiente inclusivo 
implica garantir que todas as manifestações religiosas — ou sua ausência — sejam 
igualmente respeitadas. 
Por fim, o Ensino Religioso intercultural e pluralista tem como horizonte a 
formação de sujeitos éticos, autônomos e conscientes. Não se trata de ensinar a crer ou 
a não crer, mas de formar cidadãos capazes de compreender e conviver com a diferença. 
Essa é uma tarefa essencial para a consolidação da democracia e da justiça social em 
nosso país. 
A pluralidade religiosa, cultural e identitária do Brasil exige um modelo 
educacional que respeite, valorize e integre as diversas vozes presentes em nosso tecido 
social. O Ensino Religioso, quando estruturado sobre fundamentos interculturais, torna-
se um instrumento de mediação simbólica, promovendo o encontro entre crenças 
distintas, visões de mundo diversas e experiências subjetivas legítimas. 
A perspectiva intercultural no Ensino Religioso não se limita à apresentação 
superficial de diferentes religiões, mas convida ao reconhecimento profundo da 
alteridade. Isso significa valorizar as narrativas sagradas, os rituais, os símbolos e os 
modos de vida que fundamentam diferentes tradições religiosas e filosóficas, sem 
hierarquizá-las ou reduzi-las à caricaturas. 
Um Ensino Religioso pluralista busca desestabilizar a lógica do “nós versus 
eles”, muitas vezes presente em discursos religiosos excludentes. Em seu lugar, propõe 
 
 
 
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o reconhecimento do outro como legítimo, digno e capaz de ensinar algo sobre a 
experiência humana. Essa postura favorece o desenvolvimento da empatia, do respeito 
mútuo e da cooperação. 
Formar sujeitos éticos implica oferecer aos alunos a oportunidade de refletir 
criticamente sobre os valores que orientam suas ações. O Ensino Religioso pode abordar 
temas como justiça, solidariedade, compaixão, perdão e responsabilidade, não para 
impor moralismos, mas para suscitar o debate sobre escolhas, consequências e 
convivência. 
Já a autonomia, enquanto capacidade de pensar por si mesmo, de decidir com 
base em argumentos e de agir com responsabilidade, é um dos principais objetivos da 
educação democrática. O Ensino Religioso, nesse sentido, deve evitar qualquer forma 
de doutrinação e promover o pensamento reflexivo e o diálogo como métodos 
fundamentais de aprendizagem. 
Ao cultivar a consciência crítica, o Ensino Religioso ajuda os estudantes a 
perceberem as estruturas sociais, os discursos de poder e os mecanismos de exclusão 
que operam dentro e fora das religiões. Isso os torna mais preparados para identificar e 
enfrentar o preconceito, a intolerância e o uso político e autoritário da fé. 
A democracia se fortalece quando os cidadãos são capazes de conviver com 
opiniões, crenças e estilos de vida diferentes dos seus. O Ensino Religioso intercultural 
forma justamente para essa convivência, oferecendo ferramentas para o diálogo, para 
a negociação de sentidos e para a construção coletiva de uma sociedade mais justa. 
Além disso, essa abordagem permite que estudantes com diferentes 
posicionamentos — religiosos, agnósticos ou ateus — encontrem um espaço comum de 
aprendizado e de troca. O objetivo não é igualar experiências, mas criar um ambiente 
seguro onde todas sejam respeitadas e reconhecidas como parte da realidade escolar e 
social. 
O Ensino Religioso também pode contribuir para a reparação de invisibilidades 
históricas. Muitas tradições religiosas, especialmente as afro-brasileiras e indígenas, 
foram marginalizadas ou criminalizadas ao longo dos séculos. Dar visibilidade a essas 
tradições no currículo escolar é um ato de justiça histórica e de valorização da 
diversidade. 
 
 
 
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Ao abordar os saberes tradicionais com seriedade e respeito, o Ensino Religioso 
combate o racismo religioso e ajuda a formar uma consciência coletiva mais sensível às 
desigualdades sociais. Isso é fundamental para a promoção da equidade e para o 
fortalecimento de uma cultura de direitos humanos. 
Essa perspectiva também dialoga com a ideia de uma escola transformadora — 
não apenas reprodutora de valores dominantes, mas crítica, plural e inclusiva. O Ensino 
Religioso, ao assumir essa missão, amplia sua relevância social e educativa, tornando-se 
uma das frentes mais potentes de formação para a cidadania. 
Cabe ao professor, nesse processo, cultivar uma postura aberta ao diálogo, ao 
conflito criativo e à escuta ativa. Sua atuação não é neutra, mas comprometida com os 
princípios democráticos e com a valorização da dignidade humana. Ele atua como 
mediador, como facilitador e como defensor da convivência ética entre as diferenças. 
A interculturalidade também desafia o currículo escolar a ser mais poroso, mais 
flexível e mais conectado com a realidade dos alunos. O Ensino Religioso, como 
disciplina que dialoga com dimensões simbólicas, históricas e existenciais, pode liderar 
esse movimento de renovação curricular, incorporando vivências, saberes e práticas 
plurais. 
Em suma, o Ensino Religioso intercultural e pluralista não pretende resolver 
todas as tensões da diversidade, mas criar condições para que ela seja vivida de forma 
ética, respeitosa e produtiva. Ao formar sujeitos reflexivos e comprometidos com o bem 
comum, ele contribui ativamente para a consolidação da democracia e para o 
florescimento de uma sociedade mais justa e fraterna. 
 
 
 
 
 
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AULA 5. DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DO ENSINO RELIGIOSO 
 
O Ensino Religioso enfrenta, na contemporaneidade, uma série de desafios que 
colocam à prova sua legitimidade, seus objetivos pedagógicos e sua capacidade de 
dialogar com uma sociedade plural, secularizada e cada vez mais complexa. Esses 
desafios não são apenas pedagógicos, mas também epistemológicos, políticos e éticos, 
exigindo um reposicionamento da disciplina frente às novas demandas educacionais e 
culturais. 
Um dos primeiros desafios é a definição clara da identidade do Ensino Religioso 
como área de conhecimento. Embora já existam diretrizes nacionais que estabelecem 
sua natureza não confessional, ainda há muitas escolas e redes de ensino que tratam a 
disciplina como espaço de catequese ou doutrinação. Essa confusão compromete a 
proposta pedagógica e pode reforçar preconceitos, ao invés de promover o diálogo e o 
respeito à diversidade. 
Outro obstáculo recorrente é a falta de formação específica de professores 
para o Ensino Religioso. Muitos docentes que assumem essa disciplina não possuem 
formação em Ciências da Religião

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