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~ PLANNING IN THE PUBLIC DOMAIN: From Knowledge to Action John Friedmann Planning in the Public Domain From Knowledge to Action John Friedmann "This book is probably the best work on planning theory of the last twenty years. There is no doubt that it will be a major reference for the years to come . . .. It is, in fact. a book on political philosophy and could be extremely useful for all readers interested in the epistemological foundation of social sciences and of public policy." -Manuel Castells University of California, Berkeley John Friedmann addresses a central question of West ern political theory: how, and to what extent, history can be guided by reason. In this comprehensive treat ment of the relation of knowledge to action, wh ich he calls planning, he traces the major intellectual traditions of planning thought and practice. Three of these--so cial reform, policy analysis, and social learning-are pri marily concerned with public management. The fourth , social mobilization, draws on utopianism, anarchism, historical materialism, and other radical thought and looks to the structural transformation of society "from below." After developing a basic vocabulary in Part One, the author proceeds to a critical history of each of the four planning traditions. The story begins with the prophetic visions of Saint-Simon and assesses the contributions of such diverse thinkers as Comte, Marx, Dewey, Mann heim, Tugwell, Mumford, Simon, and Habermas. It is carried forward in Part Three by Friedmann's own nontechnocratic, dialectical approach to planning as a method for recovering polit ical community. ''This book will quickly become required reading in the field of planning theory. Its impressively broad accounting of the vast literature on planning makes it like a road map, family tree, and consumer guide all in one. Jn addition, it will find an interested readership among we/fare econo mists, historians, and persons interested in progressive change. It is the combination of his encyclopedic review of the broadly construed planning literature and his provoca tive call for a new approach to planning that makes Fried mann's work especially valuable. " -Richard E. Foglesong, Rollins College (continued on back flap) John Friedmann Planning in the Public Domain From Knowledge to Action r--·----- 1.U.A.V .• C.U. BIBLIOTECA INV. jj 4-Q~- INY. oo . .,,.\J4o~ .r ' '~: ~·· Princeton University Press PRINCETON ·NEW JERSEY Contents List of Illustrations/ix Acknowledgments/ xi Introduction/ 3 PART ONE/CONCEPTS 1. The Terrain of Planning Theory I 19 PART TWO/TRADITIONS 2. Two Centuries of Planning Theory: An Overview I 5 1 3. Planning as Social Reform/87 4. Planning as Policy Analysis/ 13 7 5. Planning as Social Learning/ 181 6. Planning as Social Mobilization/ 225 PART THREE/EMERGENTS 7. Where Do We Stand?/311 8. From Critique to Reconstruction/ 317 9. The Recovery of Political Community I 343 I o. The Mediations of Radical Planning/ 389 Epilogue/ 413 Appendix A Planning as a Form of Scientific Management/ 421 Vil vm Contents Appendix B The Professionalization of Policy Analysis / 433 Appendix C Marxism and Planning Theory, by Marco Cenzatti/ 437 Bibliography/ 449 Index/489 Planning the Capitalist City The Colonial Era to the 1920s Richard E. Foglesong "This book is an achievement that urban practitioners and scholars alike will want to read. There is nothing quite like it in the lit erature. Foglesong not only gives us a care ful account of the history of city planning in the United States, but he scrutinizes that history in order to explain it, and in the process tells us a good deal about the his tory of American urban development gen erally. Even better, Foglesong uses his carefully developed historical study to give us a short but incisive critique of some of the major theories of urban development which is certain to leave its mark on the literature. All in all, this is an original and brilliant book." -Frances Fox Piven, City University of New York ISBN 0-691-07705-3. 286 pages. I 986. Order from your bookstore, or Princeton University Press 3175 Princeton Pike Lawrenceville, NJ 08648 The State and Political Theory Martin Carnoy "The author clarifies the important con temporary debate on the social role of an increasingly complex State. He analyzes the most recent recasting of Marxist politi cal theories in continental Europe, the Third World, and the United States; sets the new theories in a context of past think ing about the State; and argues (or the ex istence of a major shift in Marxist views: the State rather than production is becom ing the main focus of class struggle, and the transition to socialism must be essen tially democratic. "As a careful summary of primarily class-based theories of the state-moving from Marx to Engels through European literatures to dependent development perspectives to current American approaches-Martin Camoy's book is unique in its breadth and completeness." -American Journal of Sociology Cloth: ISBN 0-691-07669-3. Paper: ISBN 0-691 -02226-7. 304 pages. I 984. ISBN0-691-07743-6 TRADUÇÃO CAPÍTULO DO LIVRO: Planning in the public domain: From knowledge to action. REFERÊNCIA: FRIEDMANN, John. Planning in the public domain: From knowledge to action. Princeton University Press, 1987. Texto original disponível em: https://pt.scribd.com/read/511966508/Planning-in-the- Public-Domain-From-Knowledge-to-Action TEORIA DO PLANEAMENTO INTRODUÇÃO A ideia que o conhecimento científico acerca da sociedade podia efectivamente ser aplicado aos melhoramentos da própria sociedade surgiu durante o século XVIII. Foi claramente evidenciado por Jeremy Bentham (Londres, 1748-1832), o teórico iconoclasta, legislador e reformador da prisão1, cujo trabalho mais significativo é de 1789, em pleno período revolucionário. Até então, a ética era uma “ciência” moralista, preocupada exclusivamente com as regras de conduta e com as correctas intenções. Contudo, Bentham, convencido que qualquer ideia meritória tinha que ser prática, focada com o rigor matemático nas consequências da acção, tornou-as a base para o julgamento ético, e concludentemente para a avaliação e a escolha. A mudança deste foco para a consideração das consequências teve implicações revolucionárias, e apesar da simplicidade e até ingenuidade das suposições de Bentham, o seu cálculo dor-e- prazer, isto é do prazer relativamente ao castigo numa perspectiva de utilidade, foi a sua maior invenção. Esta interdependência é o fundamento do sistema económico e social ideal. A influência de Bentham no pensamento europeu foi determinante, mas as diferentes tradições nacionais seleccionaram distintas mensagens das suas ilações. Em Inglaterra, John Stuart Mill refinou as noções elementares de Bentham e integrou-as, sob o rótulo de utilitarismo, nas teorias económicas “neo-clássicas” que se tornaram dominantes no final do século IXX. Em França, também Saint-Simon se inspirou em Bentham. No entanto, a transformação Saint-Simoniana, continuada por Comte, tomou 1 Dedicou-se a descrever, numa arquitectura imaginária, a estrutura social, principalmente a hierarquia institucional de uma prisão (Panopticon 1787). Além de moralista, também se preocupou com a aplicação de penas (Tratado das Penas e das Recompensas, 1811) https://pt.scribd.com/read/511966508/Planning-in-the-Public-Domain-From-Knowledge-to-Action https://pt.scribd.com/read/511966508/Planning-in-the-Public-Domain-From-Knowledge-to-Action um padrão bastante diferente do prosseguido por Mill. Apesar, deste ser um grande admirador da filosofia positivista de Comte, Mill rejeitou o autoritarismo do seu último trabalho. Assim, as duas tradições modernas, o liberalismo britânico enraizado pelas preocupações pelo indivíduoe as suas liberdades e o socialismo francês que indicava um papel decisivo para o Estado, avançaram em caminhos separados. Fundamentais como as contribuições de Bentham para a emergente metodologia do planeamento são ainda os tributos de Saint-Simon que deveria ser recordado como o pai do planeamento científico. Esta enigmática personalidade foi apropriada por várias ciências sociais como o progenitor de uma longa linha de herdeiros, como a sociologia, a ciência política, a administração pública e mesmo o socialismo, que até 1880 era associado primariamente à intervenção do Estado na economia. O planeamento socorre- se de todas estas disciplinas e das tradições filosóficas. Porém, se o seu antepassado comum é Saint-Simon, porque não aliá-lo também ao planeamento? No mito da criação, a ordem emerge do caos. Desta forma, dos inspirados e desordenados escritos de Saint- Simon advieram os principais temas que eventualmente seriam analisados mais sistematicamente pelos teóricos do planeamento dos nossos dias. Para Saint-Simon a fisiologia social sugeria uma imagem do corpo social, onde os físicos seriam cientistas e os engenheiros trabalhariam em prol da humanidade. Familiarizados com as leis orgânicas, iriam conscientemente definir um futuro “de acordo com um plano exaustivo”. Seria a sua capacidade para prever os resultados das acções presentes que permitiria à sociedade controlar o seu destino. Pragmaticamente, os cientistas-físicos da sociedade ofereceriam o seu conhecimento aos que fossem capazes de conduzir a humanidade para a nova ordem industrial, nomeadamente engenheiros, empresários, bancários, financeiros, artistas, escritores, músicos e líderes políticos. Na época em que Saint-Simon desenvolvia as suas teorias, a derradeira vitória do industrialismo não estava ainda assegurada. As suas teses foram apoiadas pela nascente burguesia como uma arma ideológica na sua luta pela dominação. Como classe, usufruiriam claramente de uma filosofia que aponta o planeamento científico como parteiro da libertação humana das trevas do seu passado feudal. Uma interessante analogia pode ser observada nas doutrinas do desenvolvimento económico, populares na década de 50 e 60, quando a industrialização dos recentes independentes Estados-Nações da Ásia e África e o crescimento acelerado dos velhos países latinos incendiaram a imaginação das pessoas. A prosperidade rapidamente seria universal, a pobreza iria ser banida para sempre, a felicidade seria uma evidência para todos. Tudo isto seria alcançado pelo planeamento científico. Esta visão repleta de idealismo e esperança velozmente foi acalmada pela eminente realidade. Foi a mesma esperança e idealismo que inspirou os engenheiros Saint-Simonianos um século antes. Esta visão desembriagada da primeira época industrial instalou-se em menos de uma geração, após a morte de Saint-Simon em 1825, com a publicação da “Philosophy of Poverty” (1846) de Proudhon, e com o “Manifesto Comunista” de 1848. Assim, pela primeira vez, perspectivas “radicais” do planeamento estavam mescladas nas doutrinas anárquicas e do materialismo histórico. Entretanto, a visão “conservadora” avançava imbuída na Religião da Humanidade de Comte. O que tornou o planeamento radical diferente era a sua mensagem política: era direccionada não para a classe dominante (como tinham realizado Saint-Simon e Comte), mas para o proletariado urbano. Proudhon exclamava “A propriedade é roubo”, Marx e Engels gritavam “Trabalhadores do Mundo, Uni-vos”. Estes autores desejavam uma mudança nas relações de poder, Proudhon negando a legitimidade de qualquer forma coerciva de poder, Marx e Engels exigindo reformas estruturais, assinalando o plano do Manifesto. Ambos viram a resposta aos poderes de planeamento de um estado burguês opressivo na mobilização social dos trabalhadores. As tradições conservadoras e radicais do pensamento do planeamento estabeleceram-se então desde cedo. A actual realização do planeamento científico como técnica de orientação do progresso iria precisar de mais um século. Inaugurado com o planeamento da produção durante os anos da primeira Guerra Mundial (1914-1918), tornou-se comum com a instalação do sistema de planeamento soviético na década 20. Embora outras formas de planeamento, tais como o design urbano, micro reformas sociais e planeamento administrativo urbano, possam ser encontrados em meados do século XIX, ainda não personificavam uma prática científica. Será apenas sobre a concepção e a ideologia de um planeamento assente em moldes científicos que versaremos. Longas sombras desta concepção, como a fé na meritocracia de elites científicas e técnicas, num conhecimento social objectivo, nas possibilidades num processo directo de mudança social e na derradeira harmonia das relações sociais afinado num amplo consenso social, chegaram aos nossos dias. O caminho desta ideia germinal não iria obviamente tratar-se de uma linha directa. Com efeito, diferentes tarefas requeriam diferentes soluções e estas foram consideradas pelas novas disciplinas, há medida que existia essa necessidade. Simultaneamente, subsistiam concepções que combatiam o Estado, sobretudo mais os actores que o próprio Estado. Assim, emergiram inúmeras tradições do planeamento. Algumas debruçavam-se sobre o lado técnico da equação – processo decisório e o design de alternativas - outros mais direccionados para a vertente política e institucional. Este capítulo é dedicado à perspectiva da história evolutiva do planeamento científico. AS TRADIÇÕES INTELECTUAIS O período descrito pela figura (ver esquema aprsentado) retrata um esquema com duzentos anos. À medida que descemos do final do século XVIII até ao presente, a escala cronológica situada à esquerda do diagrama expande-se para acomodar um grande número de autores contemporâneos, uma vez que, desde 1945 se observa uma explosão potencial da literatura sobre esta temática. As tradições intelectuais e os respectivos autores são colocados num contínuo de valores sociais, da ideologia conservadora no lado esquerdo da figura, ao utopicíssimo e anarquismo situados à direita. Para simplificar esta exposição podemos dividir este continuum em três partes. No extremo esquerdo do diagrama são mostrados os autores que olham para a confirmação e reprodução das relações de poder na sociedade. Expressando predominantemente preocupações técnicas, proclamam uma posição cuidadosamente assente na neutralidade política. Na realidade, eles direccionaram o seu trabalho para aqueles que se encontram no poder e viam na sua missão uma forma de servir o Estado. A Análise de Sistemas (Systems Analysis) deriva de um agrupamento de teorias que podem ser reunidas na Engenharia de Sistemas (System Engineering) que inclui entre outros a cibernética, teoria dos jogos, teoria da informação, ciência da computação, robótica, etc. Os cientistas que integram esta tradição operam principalmente com modelos quantitativos de larga escala. Especificamente, nas aplicações do planeamento, socorrem-se de técnicas optimizadas, como a pesquisa de operações, podendo ainda alternativamente construir modelos de previsão de longo alcance. A maioria das pesquisas subsequentes inclina-se fortemente para linguagens analíticas de sistemas. Mais relacionado com a Administração Pública que a Análise de Sistemas, a Ciência Política versa sobre assuntos específicos na política pública através de análises sócio-económicas. Conceitos como stock-in-trade incluem a análise de custos e benefícios, orçamento zero, efectividade de custos e avaliação de programas. Acima de tudo, existe uma preferência para problemas que são coesos e para metas que não sejam ambíguas. É de notar que a ciência política é herdeira das longas tradições intelectuais. Deriva largamente das teorias económicas neo-clássicas com as várias aproximaçõesao Welfare State e teorias sociais de escolha. Finalmente, a Administração Pública tem demonstrado geralmente preocupações com as funções do planeamento central, com as condições para o seu sucesso e a relação do planeamento com a política. Nas décadas mais recentes, uma área especial tem sido a implementação de políticas públicas e programas. Uma contribuição fundamental para a teoria do planeamento foi reiterada por Herbert Simon, cujo trabalho “Administrative Behaviour” (1976) aproximou o processo burocrático de uma perspectiva behaviorista que enfatizou condições limitando a racionalidade em grandes organizações. No lado oposto do espectro (o extremo direito da figura) encontram-se autores que abordam a transformação ou transcendência das relações de poder existentes na sociedade civil. Aqui, não é o Estado que é realçado, mas as pessoas, particularmente aqueles oriundos das classes trabalhadoras, que são efectivamente opostos ao estado burocrático e, mais globalmente, a qualquer forma de poder alienado. O modo de discurso adoptado pelos autores é claramente político. Mais extremamente na sua rejeição do poder estão os Utópicos e os Anárquicos, que negam todas as reivindicações da alta autoridade na sua busca por um mundo sem relações hierárquicas. Paralela a esta tradição destaca-se o Materialismo Histórico, e mais recentemente o Neo-Marxismo. Os pensadores desta orientação tendem a defender a transformação revolucionária do prevalente “modo de produção”. Em contraste com os Utópicos, estes aceitam o Estado como uma necessidade. As relações de classe constituem uma preocupação analítica importante para os materialistas históricos. É através do conflito inexorável de classes que as existentes relações de poder serão eventualmente destruídas e substituídas por um estado socialista que reflectirá o poder organizado e os interesses materiais da classe trabalhadora como um todo. Entre o anarquismo utópico e o materialismo histórico localizamos uma tradição secundária, essencialmente importante para a teoria do planeamento, conhecida como a Escola de Frankfurt de Sociologia Crítica. A sua principal preocupação assenta na crítica radical, (baseada nas categorias hegelianas e marxistas) das manifestações culturais multifacetadas do capitalismo, incluindo a deificação da própria razão técnica. Movendo-nos para o centro do esquema em análise entramos na zona de sobreposição entre a posição conservadora da ideologia, onde as relações presentes de poder permanecem inquestionáveis, e a posição radical da “utopia” com a sua visão transcendente. Neste ponto encontramos as tradições reformistas do planeamento e os seus antecessores. Perto da administração pública destaca-se a tradição da Gestão Científica, que se inicia com Frederick Winslow Taylor. A sua doutrina obteve notável sucesso, e apesar da sua clara subserviência aos interesses comerciais, foi capaz de atrair pensadores radicais, como Veblen e Lenine, que conceberam a sociedade como um amplo workshop, e o planeamento como forma de engenharia social. Para todos eles, conservadores e radicais igualmente, a palavra de ordem era eficiência, e na época do industrialismo a sua invocação iria magicamente desbloquear a porta do futuro. Após 1945, a Gestão Científica alargou-se para o novo campo do Desenvolvimento Organizacional. O seu principal cliente era a grande e privada corporação para a qual tendia uma mensagem elucidativa da retórica humanista. Com trabalhos de Eric Trist, Chris Argyris, Donald Schon, Charles Hampden-Turner, entre outros, o campo produziu uma literatura que se afastou gradualmente do único critério da gestão, ou seja, o lucro, trazendo valores psicológicos de auto-desenvolvimento para o primeiro plano. Seguindo linhas liberais mais convencionais deparamo-nos com a Economia Institucional (Institutional Economics). Um ramo americano da “German Historical School” do século XIX, pouco definida em termos rigorosos, enfatiza o estudo da economia e instituições sociais existentes através da teorização abstracta ao estilo da economia neo-clássica. Os Institucionalistas preferem examinar a falta de arranjos institucionais específicos em relação aos objectivos sociais e identificar reformas. Contribuíram para o planeamento do emprego total (emprego para todos) crescimento económico, desenvolvimento dos recursos regionais, políticas de planeamento de novas cidades (planeamento urbano), esquemas de habitação pública e sistema de segurança social. A institucionalização da função de planeamento era uma das suas maiores preocupações. Os Institucionalistas tendem a olhar o Estado como um actor relativamente benigno e racional, que responde à pressão política. Neste sentido, perpetuam a tradição de Comte, que pensava que os cientistas sociais deveriam oferecer o seu conhecimento aos líderes das nações. Assim, como o pai da filosofia positiva, os Institucionalistas acreditam nos poderes da razão técnica para determinar o que está correcto, para persuadir os ignorantes e os hesitantes e para forjar o consenso necessário para a acção. Desconfiados perante políticas democráticas de livre vontade, colocaram a sua confiança e fé na tecnocracia dos meritórios. Localizado entre as tradições do institucionalismo e do materialismo histórico, posiciona-se a escola filosófica do Pragmatismo. Para a problemática em análise, esta é uma importante tradição, primariamente por causa da excepcional influência de John Dewey na história intelectual do planeamento. A sua influência é particularmente evidente no caso do institucionalismo económico, uma vez que muitos aceitaram o desafio de Dewey para uma “política científica”, da qual aprender das experiências sociais era percepcionado como fundamental para o desenvolvimento de uma democracia saudável. Um dos expoentes mais recentes desta linha teórica é Edgar Dunn. Por falta de melhor termo, a linha central do esquema é denominado de Sociologia. Sob esta designação estão os grandes sintetizadores do conhecimento social. Com efeito, sem excepção, os sociólogos discutiram a temática da razão técnica nas acções humanas: Émile Durkheim e Max Weber, foram os primeiros a frisar o impacto dos valores consensuais na organização social e a importância da “solidariedade orgânica” na divisão do trabalho, tendo o último enfatizado o papel dominante das estruturas burocráticas na sociedade industrial devotada à adoração da ordem funcional; Karl Mannheim, o mais distinto sociólogo do seu tempo, crítico da sociedade de massas e advogado de um “planeamento racional” como forma de ultrapassar os malefícios da falta de razão que tinha assolado a Europa; Karl Popper, um escolástico austríaco a viver em Inglaterra, cuja obra-prima foi o polémico “The Open Society and Its Enemy” (1974, Orig. 1945) defendeu piecemeal social engineering; Robert Dahl e Charles Lindblom, dois cientistas sociais da Universidade de Yale, que elaboraram conjuntamente “Politics, Economics and Welfare” (1957), a primeira grande declaração teórica americana sobre o planeamento; e por fim, Amitai Etzioni, um sociólogo israelita residente nos Estados Unidos, autor do “The Active Society” (1968) que pode ser considerado um merecedor antecessor do “Man and Society in an Age of Reconstruction” de Mannheim, redigido durante outro período de crise generalizada, uma geração antes (1949). Uma linha a tracejado “Engenharias” (Engineering Sciences) liga Saint-Simon e Comte no centro com Gestão, Administração Pública, Engenharias de Sistemas, Economia Institucional (uma influência em Lenine é também demonstrada). Isto ilustra que os métodos de engenharia estão presentes nos grandes sectores da tradição teórica do planeamento. Nos seus celebrados jantares em Paris, durante os quais as suas ideias tomaram forma, Saint-Simon esteve com os professores de maior renome da novaÉcole Polytechnique (fundada em 1794), rodeando-se posteriormente por jovens politécnicos que eram simultaneamente a sua audiência e a sua inspiração. Entre eles destacava-se Comte, que por razões disciplinares tinha sido excluído da École, meses antes da sua graduação. A École Polytechnique pode ser vista como um protótipo institucional da nova era industrial e a fonte da sua ideologia de gestão. Os engenheiros aplicavam o conhecimento das ciências naturais à construção de pontes, túneis e canais. Seguindo esta lógica, porque não uma nova fornada de “engenheiros sociais” para aplicar o seu conhecimento à reconstrução da sociedade? No seu brilhante ensaio sobre a tradição desta escola, Friedrich von Hayek mostra como a nova instituição, nascida em tempos revolucionários, moldou o carácter e o aspecto dos seus alunos. O sentido dos engenheiros da exactidão (e a sua ignorância de História) formatou alguns dos mais proeminentes teóricos do planeamento, entre eles, Thorstein Veblen, Rexford Tugwell and Herbet Simon, conjuntamente encantados com a ideia de “desenhar/projectar a sociedade”. Até Simon, que estava certamente ciente das dificuldades inerentes ao projecto, não podia resistir à discussão do planeamento social como tarefa de “designing the evolving artefact”, embora a sociedade fosse meramente uma máquina complexa. De facto, é claramente quando passamos da projecção de artefactos para a própria sociedade que o modelo de criação deixa de ser exequível. Herbert Simon parecia consciente desta contradição. Uma pintura a óleo não é uma máquina, e os engenheiros não pintam a óleo. Aliás, como refere John Friedmann, a sociedade não é um quadro para ser pintado por um artista inspirado. Os engenheiros podem construir pontes e autómatos, porém é uma ilusão pensar que podem construir a sociedade. Houve um momento em que a aeronáutica e os engenheiros espaciais pensavam que, como chegaram à lua, poderiam direccionar as suas energias para solucionar os problemas da crescente violência nas cidades, tal como outras crises urbanas. No entanto, os dois tipos de problemas, isto é, a conquista do espaço e a eliminação da violência urbana, são essencialmente de natureza bastante díspar. Após esta rápida leitura do esquema em análise, interessa agora aprofundar as datas visíveis no lado esquerdo do diagrama, cruciais para a evolução do planeamento. Assim, iniciamos com o ano de 1789 que corresponde à publicação da obra de Bentham “Introduction to the Principles of Morals and Legislation”. Escrito apenas uns anos depois da Revolução Americana e coincidente com a tomada da Bastilha, o tratado deste autor marca a transição das vozes do Iluminismo (Locke, Hume, Montesquieu, Diderot, Voltaire e Condorcet) para a era do capitalismo, dinâmico, impetuoso, materialista e incansavelmente optimista. Bentham transformou a linguagem da razão natural que herdou para o preciso instrumento da razão técnica. O seu trabalho simboliza a grande divisão. A próxima grande cisão ocorre em 1848, quando as revoluções populares limparam com velocidade o continente Europeu. Contudo, em menos de um ano a hegemonia burguesa foi firmemente restabelecida e um longo período de união nacional foi iniciado. À excepção dos precursores individuais, quase todas as grandes tradições do planeamento data 1848. Paradoxalmente, o desenvolvimento do planeamento científico é paralelo ao crescimento do Estado Liberal. A I Grande Guerra trouxe uma profunda sombra sobre as ilusões burguesas do progresso ilimitado. Subterraneamente, as forças disjuntivas foram sendo descobertas por filósofos como Bergson e Heidegger, psicólogos como Freud e Jung, compositores como Schönberg e Weber, e novelistas como Kafka e Joyce. As negras nuvens da irracionalidade começaram a desenhar-se. O fascismo estava em ascensão. Mas a guerra demonstrara possibilidades de um planeamento directo e centralizado, e dentro de uma década a União Soviética inaugurou o seu primeiro Five-Year Plan, plano de cinco anos. Em 1929 deu-se o Crash da bolsa de Wall Street. Reformas sociais intensivas foram tomadas por todo o mundo, especialmente nos Estados Unidos. A nova economia Keynesiana legitimou um papel intervencionista para o Estado com um apelo à ciência. As figuras chave da evolução da teoria do planeamento começaram nesta época. Poucos, como Rexford Tugwell, foram planeadores in both deed and Word. Karl Mannheim conseguiu fugir ao julgamento Nazi para Inglaterra. António Gramsci desfalecia numa prisão fascistas, e Keynes e Mumford viveram em segurança, o primeiro em Cambridge e o segundo numa pequena cidade no Estado de New York. Sempre, prolíficos, os seus escritos foram em variados momentos exortatórios, técnicos, precavidos, filosófico e político. Para alguns destes teóricos planeamento significava reforma, para outros revolução e transcendência. Com a II Guerra Mundial, a Depressão terminou abruptamente. Apesar do número de mortes ter sido catastrófico (aproximadamente 50 milhões de pessoas), com o final da guerra a recuperação foi rápida e espectacular. As cidades foram reconstruídas; o sistema de segurança social instalado; o crescimento económico acelerado; novas nações proliferaram, a energia nuclear foi utilizada quer para fins pacíficos, quer para usos militares; os astronautas chegaram à lua e trouxeram pedras do espaço, satélites difundiram imagens televisivas por todo o mundo… Com o rápido avanço da história e a emergente globalização, a pesquisa pelo sentido na mudança caótica intensificou-se. As grandes tradições do planeamento apareceram nesta altura, incluindo análise de sistemas, ciência política e desenvolvimento organizacional. Houve, em adição, contribuições individuais fundamentais, mais notavelmente Herbert Simon, Robert Dahl e Charles Lindblom, e o economista holandês Jan Tinbergen. O Planeamento Científico finalmente chegou. Contra a conturbação dos eventos globais, proclamava o triunfo da razão técnica. A última dobradiça histórica é 1968, o ano quando outra onda de febre revolucionária se alastrou pelo mundo. Pela primeira vez, um movimento revolucionário social adquiriu um alcance global. No fim, o movimento foi derrotado à semelhança do ocorrido em 1848. Contudo, um objectivo conseguiu cumprir, ou seja, revelar a total falência da ordem estabelecida. Embora, seja verdade que as finanças e o capital industrial obtiveram sucesso nos mercados globais, o número dos pobres ascendeu exponencialmente ano após ano; nos países ricos o consumismo tornou-se mais um fardo que um prazer, o Estado ficou cada vez mais em dívida…O fácil optimismo do pós-guerra imediato estava em rápida deterioração. O profeta indiscutível deste período foi Herbert Marcuse, cujo “One- Dimensional Man” (1964) era lido pelos estudantes que procuravam desesperadamente uma explicação racional para a sua indisposição. O inimigo, afirmou Marcuse, era a razão técnica. Porém, para além da rejeição da vida contemporânea, Marcuse não oferecia respostas. Foi deixado para pensadores mais positivos a busca por novas respostas. Alguns viam o futuro num novo estilo de planeamento baseado no diálogo, outros sublinhavam utopias sociais para além do aparatos coercivo do Estado e Corporação; os Neo-Marxistas exaltavam a lógica da luta de classes na transformação social. O futuro era agora incerto. Em termos políticos, ambos os movimentos de esquerda e direita afastavam-se do Estado. Sob estas condições, o paradigma do planeamento científico, manejado por um século e meio, foi subitamente declinado por dúvidas. Vozes familiares defendiam um “planeamento nacional”, mas os actuais eventos apontavam para um afastamento das soluções tradicionais. E embora o Estado Nação (pelo menos no Ocidente) estava a perder a sua credibilidade interna. O Presidente Reagan estava pronto para desmantelá- lo. Outrostentaram preencher o vacum do poder político através de aproximações comunitárias. Com a viragem do século, o significado do planeamento científico parece ambíguo. NAS ORIGENS DO PLANEAMENTO Claude Henri de Rouvroy (1760-1825), uma espécie de Comte de Saint Simon foi o emblemático homem moderno. Ele sentiu que forças em acção, iriam mudar irreversivelmente o mundo que conhecia. Celebrando o amanhecer da era industrial, tornou-se um dos mais brilhantes publicista do seu tempo. Era sumariamente um homem apaixonado pelo futuro, cuja astúcia lhe permitiu detectar as escondidas marchas do seu tempo. Enquanto ainda era adolescente, Saint-Simon alistou-se para lutar pela “causa da liberdade industrial” (como mais tarde o descreveu) numa longínqua América. No seu regresso a França, onde outra revolução se despoletou, ele especulou pela requisição das propriedades da Igreja, ganhando uma fortuna que rapidamente perdeu. Durante o terror jacobino de Robespierre, ele foi preso e quase foi vítima da guilhotina. Quando libertado, conduziu um dos mais esplêndidos salões em Paris. Reduzido à penúria no final da sua vida, foi sustentado e cuidado pelo seu antigo criado. Uma corrente de ensaios, panfletos, discursos e cartas sobre a reorganização da sociedade atraíram jovens discípulos que o seguiam como guru, apoiando o seu trabalho. Pelo fim da sua vida, como os profetas self-made se inclinam para realizar, Saint-Simon enumerou as bases para uma religião, o Novo Cristianismo. Rodeado pelos seus acólitos, morreu filosoficamente, nunca cessando de indicar instruções e conselhos aos seus seguidores. Segundo Markham, no leito da sua morte sussurrou “to achieve great things we must feel passionately”. Para percebermos, porque é que pode ser considerado o pai do planeamento, John Friedmann refere-se à sua “Sixth Letter”, último assunto do periódico “The Organizer”. Apesar de uma visão um pouco ingénua, é necessário enquadrar o autor em 1820, quando a Europa ainda estava nos alvores da era do capitalismo industrial. Desta forma, salienta-se no texto supracitado quatro grandes linhas no seu esquema para um nova politica. Em primeiro lugar, haveria um parlamento composto por uma meritocracia de cientistas, engenheiros, industriais, artistas e intelectuais, pessoas cujo interesse e intelecto combinariam naturalmente para a definição de reformas. Seria um governo “the best and the brightest”. Em segundo, as principais funções do parlamento seriam preparar não só um plano anual para os trabalhos públicos, mas também um respectivo orçamento e níveis apropriados de impostos. Em terceiro, haveria um conjunto de engenhosas férias, com o intuito de ganhar apoio popular para a execução do plano e consequentemente para o governo que o propôs. Em quarto, um papel chave neste processo estaria reservado para os ricos industriais que serviriam o Estado sem pagamento (enriqueceriam com o seu serviço como sugere o texto) A sua tarefa seria implementar o plano, e mais importante colectar os impostos. Contudo, é relevante evidenciar que o facto de se poder considerar Saint-Simon o pai do planeamento não reside apenas nesta sexta carta, a sua demanda pelo meritocracia deve ser percepcionada num contexto que engloba a sua completa visão da sociedade, visão a que o autor dedicou trinta e cinco anos da sua vida. No entanto, sendo um nobre déclassé, Saint-Simon não era efectivamente um democrata, o povo deveria manter-se distante do governo. Com efeito, como frisa Krygier o que Saint- Simon pretendia “was not a government of men, but the administration of things”. Além disso, estava claro para ele que esta administração de coisas deveria ser entregue aos verdadeiros líderes da nova sociedade, os industriais, que seriam ajudados por conselheiros científicos com talentos surpreendentes para o cálculo e projecção. No mundo do autor, o planeamento e a administração deveriam estar assentes numa ciência de observação e medição, a nova “física social” que descobriria as leis básicas do movimento histórico. Este facto, iria eventualmente remover o planeamento da paixão política. Assim, se a política estava apenas direccionada para a ratificação das propostas científicas que emergiam dos laboratórios de planeamento do Estado, poderia tornar-se completamente desnecessária. De modo vanguardista, Saint-Simon compreendeu que o sistema industrial, que estava prestes a conquistar o mundo requeria continuamente novos e alargados mercados. Portanto, tornou-se um ardente defensor dos Estados Unidos da Europa. Um parlamento federal composto por industriais, sábios e artistas estariam prontos para planear e desenvolver projectos públicos numa escala continental. Se tivesse vivido mais um pouco, teria assistido à união do mundo não através da política, mas de grandes esquemas de transportação, os canais (Suez e Panamá) concebidos pelos seus discípulos. Neste seu entusiasmo europeísta, Saint-Simon previu um crescimento sustentável na produção que iria quebrar, uma vez por todas, os apertados laços de um feudalismo agrário. O seu critério de planeamento era o mesmo das engenharias: adaptação funcional e eficiência. Como todos os utópicos profetas dos século XIX, Saint-Simon queria acreditar na possibilidade de uma sociedade consensual. Achava genuinamente que estava a propor um sistema sem juízos de valor, neutral, uma análise de sistemas baseado na conceptualização científica e na pesquisa empírica, através dos quais conseguiria prever que tipo de instituições e processos a emergente sociedade industrial precisaria. A realidade espontânea seria estudada como um evento natural e o conhecimento obtido seria aplicado como se fosse por um engenheiro para a construção de um mundo novo e melhor. Este era a essência do pensamento saint-simoniano, que despontaria como uma filosofia do positivismo, influenciando extraordinariamente os teóricos desde então. Desencantado no fim dos seus dias, sem ver a prosperidade universal e a harmonia social, Saint-Simon desenvolveu uma nova religião - uma ideologia para a era industrial - que faria pelas massas o que a ciência fez pelas elites, dar-lhes-ia fé nos poderes da ciência e uma ética de serviço. Assim, pregava constantemente “Amai-vos e ajudai-vos uns aos outros” Esta rejuvenescida religião é chamada para organizar todas as pessoas num estado de paz perpétua, é convocada para ligar entre si cientistas, artistas e industriais e torná-los os gestores da raça humana. Em 1818, Saint-Simon aceitou o jovem Comte (com vinte anos) como seu secretário e “filho intelectual”. E embora esta associação se tenha demonstrado tormentosa, com o corte de relações passado seis anos, Comte seguiu o pensamento do seu mestre com vigor. Comparado com o romântico Saint-Simon, Comte era afincadamente difusor do sistema e ordem. Ao que parece concebeu as suas mais importantes ideias sob a tutela de Saint-Simon, e o que lhe faltava em originalidade era superado por uma grande sistematização. A obsessão de Comte era uma classificação enciclopédica das ciências, através da qual esperava poder demonstrar a unidade do pensamento humano e do mundo. No topo da sua pirâmide estava a “física social”, posteriormente sociologia, termo da sua autoria.2 A sua ordenada mente tornou as noções do seu mestre mais aceitáveis e compreensíveis. Ao mesmo tempo, Comte disseminou um visão ingénua do papel das ciências sociais sob o empreendimento científico, e por isso fez um prejuízo não visível para a causa do planeamento. O sonho Comteano de uma ciência unificada persistiu. 2 A física social têm como função solucionar a crise do mundo de Comte, isto é, proporcionar o sistema de ideias científicas que orientará a reorganização social. O vocábulo sociologia surge no tomo IV do “Curso de Filosofia Positiva”, termo híbrido de formação greco-latina que une socius(origem latina) e logos (grego). Em nota de rodapé o autor esclarece que sentiu a necessidade de substituir o conceito Física Social, neologismo que o desagradava, pela palavra supracitada. Faz alusão ao belga Quételet que aplicara o termo física social para designar um método estatístico que tinha inventado.2 Engenheiro de formação e portanto familiar com a matemática e as ciências físicas do seu tempo, Comte pensou a história como sendo governada por leis objectivas. A verdadeira história, como afirmou em 1822, é concebida no espírito científico e na descoberta daqueles leis que regulam o desenvolvimento social da raça humana. Sumariou a História na Lei dos Três Estados, na progressão do pensamento humano da fase teológica, para a metafísica e por fim, para a positivista. Comte estava firmemente convencido que a liberdade humana assentava na submissão de leis naturais e cientificamente determinadas, como os corpos se submetiam às leis da gravidade. Porém, como demonstra John Freidmann esta ideia está errada e torna-se perigosa, uma vez que, as leis que governam a história seriam anunciadas pelos cientistas que as descobrissem, assim as pessoas teriam que se submeter aos cientistas para alcançarem essa liberdade. Para assegurar esta submissão Comte recorreu, à semelhança de Saint-Simon, a uma religião cívica, a Religião do Grande Ser, cujos sacerdotes seriam os sábios que insistiriam na regulação detalhada das vidas públicas e privadas pelas regras. De particular interesse para a problemática em análise é o entendimento do planeamento por Comte. Na sua obra “Plano dos trabalhos científicos necessários para Reorganizar a Sociedade”, é importante ressalvar que existe uma divisão funcional rígida do trabalho entre teóricos-planeadores e os administradores práticos. Assim, para Comte há uma divisão entre o staff e a direcção. A política é reduzida a um papel inconsequente, pois falha na aparência de autónoma, força norm-giving. No entendimento Comteano, é função da ciência estabelecer factos e leis imutáveis. Para os planeadores é deixada a tarefa de guiar o curso do progresso social de acordo com essas leis. Ao contrário do moderno paradigma de Popper, que defende que os cientistas estabelecem as suas hipóteses pela refutação, para Comte os progressos científicos são processos de verificação de hipóteses. Desta forma, a sua concepção científica como acumulação de verificações, justifica que considerasse que a humanidade atingiria o seu mais elevado estádio quando os sociólogos substituíssem Deus. Convém ainda referir que quer se siga Comte ou Popper, o objecto de estudo do planeamento é bastante diferente da ciência. O seu objecto não é a perfeição do conhecimento, mas a perfeição do mundo. Embora estes dois objectivos estejam claramente ligados, os seus trilhos são muito díspares. A visão que emerge deste resumo anterior das origens do planeamento é familiar, melhor descrita na corrente linguagem da gestão. É em retrospectiva, uma perspectiva extremamente conservadora, pois confirmando as existentes relações de poder, se direcciona aos administradores da sociedade. Aclamando a importância crucial da ciência, ignora a comunidade política. Tanto quanto os poderes poderiam declarar como medida de sucesso, sobretudo possibilitando o crescimento económico, cujos frutos poderiam ser partilhados (embora desigualmente) com as massas dos trabalhadores, as assunções centrais do planeamento mantiveram-se incólumes. Mas movendo-nos agora para uma nova Era onde, como descreve Jürgen Habermas, se vive uma crise de legitimação: o sistema já não é baseado nas suas promessas de suficiência material, social e equidades e direitos democráticos. Isto é neste momento mais evidente que nos países descolonizados do mundo. Embora, estejam integrados num sistema mundial capitalista, a maioria deles são incapazes de dar às suas crescentes populações um mínimo para as suas necessidades. Existem excepções, certos indicadores de progresso, como a longevidade e a média de escolarização. Contudo, acima de tudo, o sistema está-lhes a falhar. Simultaneamente, o nosso entendimento da ciência, e particularmente a ciência social, tornou-se mais sofisticado e subtil. Já não estamos preparados para aceitar acerca das “leis imutáveis do progresso humano”. As ciências físicas e engenharias permitiram as maravilhas tecnológicas do mundo moderno, sendo por isso largamente reconhecidas. No entanto, quando falamos acerca das ciências sociais, encontramos não um problema de método, mas de história, nomeadamente porque o constante fluir de eventos aceleraram para um ponto, onde a nossa compreensão do mundo actual parece estar a diminuir. Até a economia, uma das mais precisas das ciências sociais, está incapaz de acompanhar a rápida mudança da economia global, e os esforços de outras ciências sociais contemporâneas parecem ser nada mais do que formas de jornalismo. Esta crise nas ciências sociais pode explicar a recente popularidade da “futurologia” (ver Tofler ie). De modo impreterível, John Friedmann sublinha que a futurologia é uma ciência fictícia, um simulacro, uma forma disciplinada de adivinhar o futuro. Contudo, se o estudo do passado é insuficiente para compreendermos o mundo, a busca o futuro é compreensível nessa demanda pelo entendimento. Como iremos ver no próximo capítulo, apesar do planeamento ao estilo de Saint-Simon e de Comte, pareça irrelevante para os nossos dias, está ainda muito viva. QUATRO TRADIÇÕES DO PLANEAMENTO O esquema já visionado mostra figuras chave da história do planeamento sob quatro grandes tradições. Para serem agrupados numa tradição “comum”, os autores tem que preencher três requisitos: 1. Têm que dominar/serem familiares com uma ou mais linguagens como economia ou matemáticas, sobre as quais o seu trabalho científico é suportado. 2. Têm que ter algumas semelhanças num Outlook filosófico. 3. Têm que definir um pequeno número de questões centrais que lhes indicam as grandes temáticas em disputa. Todas as quatro tradições giram em torno de uma preocupação comum: como é que o conhecimento deve ser propriamente ligado à acção. Estendem-se através do completo espectro ideológico, desde o apoio ao Estado e à afirmação da sua autoridade, até à abolição de qualquer forma de autoridade, incluindo a do Estado. As duas tradições mais antigas, Reforma Social e Mobilização Social, advêm da primeira metade do século XIX. As outras duas, Análise Política e Aprendizagem Social, são originárias do período entre a Grande Depressão e a II Guerra Mundial. Se aplicamos estas tradições de acordo com as definições formais do planeamento, o resultado é a seguinte classificação política: Conhecimento para Acção Conservador Radical Numa orientação societária Análise Política Reforma Social Numa transformação social Aprendizagem Social Mobilização Social Esta classificação indica certas tendências. A orientação societária e a transformação social são categorias sobrepostas, tal como conservador e radical. A sua sobreposição sugere que um sistema social saudável não pode permanecer prisioneiro de apenas um modo de ligar o conhecimento com a acção, é necessário atender às quatro tradições para a prática do planeamento. Diferenças fundamentais permanecem claramente, e durante certos períodos e para certos intuitos, uma ou duas formas de discurso planeador tendem a dominar. As tradições da Aprendizagem social e da Mobilização social parecem ser especialmente pertinentes nos nossos dias. Desta forma, iremos descrever brevemente a focalização, vocabulário, posição filosófica e preocupações centrais destas tradições. Posteriormente, o Prof. Bilhim irá aprofundar cada uma destas tradições. Reforma Social Esta tradição focaliza-se no papeldo Estado na orientação societária. Preocupa- se sobretudo com a procura de formas de institucionalizar a prática do planeamento e as acções de um Estado mais efectivo. Os escritos desta tradição percepcionam o planeamento como esforço (endeavor) científico, e uma das suas principais preocupações é com o uso do paradigma científico tendo em vista informar e limitar políticas perante o que julgam ser os seus interesses. A “Policy Science” de Karl Mannheim é um destes produtos. (1949). O vocabulário da reforma social deriva primariamente de três fontes: macrosociologia, economia institucional e filosofia política. Nas suas convicções políticas, os autores desta perspectiva afirmam a democracia representativa, os direitos humanos e a justiça social. Dentro de alguns limites toleram a mudança. Acreditam que através de reformas apropriadas quer o capitalismo, quer o Estado burguês podem ser aperfeiçoados. Filosoficamente, os autores compreendem o planeamento como a aplicação do conhecimento científico aos assuntos públicos, consideram-no também uma responsabilidade profissional e uma função executiva. Muitos campos no terreno do planeamento são portanto fechados à intrusão dos políticos e cidadãos comuns, que não estão suficientemente informados para poderem planear. Como planeadores na tradição reformista, estes autores advogam um forte papel para o Estado, que eles entendem possuir simultaneamente as funções de mediação e autoridade. Desde a publicação da Teoria Geral de Keynes em 1936, que defendem três áreas de fundamento científico legitimadas pela intervenção estatal: a. Promoção do Crescimento Económico b. Manutenção do Emprego (total) c. Redistribuição dos rendimentos As questões centrais dirigidas pelos planeadores desta perspectiva tendem a ser de natureza filosófica: 1. Qual é a adequada relação entre o planeamento e a política? 2. Qual é a natureza do interesse público, e devem os planeadores ter o poder (e a obrigação) para articular e promover a sua versão? 3. No contexto do planeamento, qual deve ser o papel do Estado perante a economia de mercado? Em que dimensão deve a “racionalidade social ser servida através das intervenções de mercado pelo Estado? Sob que condições seriam tais intervenções consideradas legitimas? 4. Se o planeamento é um esforço/empreendimento científico, qual é o correcto significado da ciência? É a visão de Popper evidente? A teoria da ciência é como demonstra Kuhn a dinâmica inter-relação entre os “paradigmas normais” e as “revoluções científicas”? Ou é a epistemologia pragmática de John Dewey, na qual o conhecimento existe apenas no acto de conhecer/saber e na validade de qualquer declaração derivada da sua utilidade na aplicação? Qual destas visões é apropriada para o planeamento, e quais seriam as suas implicações na sua adopção? 5. Há um grande debate dentro da reforma social sobre a institucionalização do planeamento. Deverá o planeamento ser usado compreensivelmente como um instrumento de orientação central, coordenação e controlo pelo Estado? Deverá ser dividido entre um amplo número de actores relativamente autónomos trabalhando em problemas definidos, que podem consequentemente adaptar os seus cálculos a uma envolvente de constante mudança para a tomada de decisão? Ou deve a “correcta” organização para o planeamento assentar algures entre um planeamento sinóptico central e um planeamento descentralizado que envolve “ajustamentos mútuos” entre os diversos actores? Além de debaterem estas questões filosóficas, os teóricos da reforma social, e particularmente os economistas entre eles, edificaram as ferramentas necessárias para um Estado que esteja crescentemente determinado a gerir a economia segundo “o interesse público”. Estes instrumentos, tão importantes para o planeamento mainstream, incluem análise do ciclo de negócios (Mitchell), Social Accounting (Kuznets), análise input-out-put (Leontief), modelos de políticas económicas (Tinbergen) Economia urbana e regional (Perloff) e Economia do desenvolvimento (Hirschman). Os grandes campos de estudo especializados evoluíram destes esforços pioneiros, e muitos dos inventores das ferramentas do planeamento foram homenageadas com o Prémio Nobre da Economia. Análise Política (ou de Políticas) Esta tradição foi fortemente influenciada pelo trabalho de Herbert Simon, cujo revolucionário estudo, “Administrative Behavior”, publicado em 1945, focalizado no comportamento das grandes organizações, particularmente como é que podem melhorar as suas capacidades para tomar decisões racionais. Simon absorveu várias tradições intelectuais, adaptando-as ao seu próprio pensamento, entre elas a sociologia de pendor weberiano e a economia neo-clássica, e a sua aproximação evidenciava a análise sinóptica e a tomada de decisão como formas de identificar os melhores cursos possíveis da acção. Qual era o “melhor” caminho seria inevitavelmente limitado pelos constrangimentos normais da racionalidade, que incluem os recursos, informações, e tempo que estão disponíveis para tomar decisões. A perspectiva de Simon correspondia a um modelo de racionalidade “limitada”. O modelo de decisão ideal/típico aplicado por autores desta tradição possui sete estádios identificados: 1. Formulação de metas e objectivos. 2. Identificação e projecção de grandes alternativas para alcançar as metas anteriormente definidas, considerando a situação da tomada de decisão. 3. Previsão dos maiores indicadores de consequências que serão esperados de acordo com a selecção de cada alternativa. 4. Avaliação das consequências em relação aos objectivos desejados e outros importantes valores. 5. Decisão baseada na informação fornecida nos passos precedentes. 6. Implementação desta decisão através de instituições apropriadas 7. Feedback dos resultados do actual programa e os seus tributos à luz das novas tomadas de decisão. Maioritariamente, a análise política concentra-se nas fases 2, 3 e 4. Recentemente, algum entusiasmo tem sido observado em relação acerca dos problemas de implementação de políticas e programas (6), levando à modificação do modelo de decisão original: as preocupações sobre a implementação estão agora incorporadas mais cedo no estádio 2, no desenho e projecção de caminhos alternativos de acção. O vocabulário desta perspectiva tende para ser especializado consoante a sua orientação geral. A maioria dos analistas desta corrente é versada em economia neo-clássica, estatística e matemáticas. Além disto, tendem a agrupar-se em torno de sub-disciplinas especializadas, como análise de sistemas (enfatizando o modelo matemático), pesquisa de operações e pesquisa de futuro. Em adição, a linguagem desta tradição deriva do trabalho característico de técnicas de análise, nomeadamente, jogos, simulação, pesquisa de avaliação etc. A Análise de Política não tem rigorosamente nenhuma posição filosófica distinta. Nos amplos assuntos da sociedade e justiça, os seus praticantes são tipicamente convencionais na sua forma de pensar. Tendem a ver-se como técnicos, ou “tecnocratas” servindo os centros de poder existentes, ou seja, grandes corporações privadas e o Estado. De um modo mais profundo, as suas visões são espantosamente similares às de Saint-Simon e de Comte. Acreditam que usando apropriadas teorias científicas e técnicas matemáticas, podem, pelo menos em princípio, identificar e calcular com precisão as melhores soluções. São, portanto, engenheiros sociais. Se desafiada a nível epistemológico, esta tradição responde que é melhor chegar às decisões através de uma ciência imperfeita (mas perfectível) que segundo um processo de políticas que não é mediado, sujeito a caprichos pessoais, a paixões inconstantes e interesses particulares. A confiança da análise Política nas ferramentas da economia neo-clássica implicaque as premissas de valor desta disciplina sejam construídas nos seus trabalhos, entre estes valores destacam-se o individualismo, a supremacia do mercado na alocação dos recursos, e o inerente conservadorismo do paradigma do equilíbrio. Porque os resultados do mercado são percepcionados como “racionais” para os actores envolvidos, os seus desvios são normalmente objecto de uma requisição de justificações especiais e são admitidos apenas relutantemente. As questões centrais desta tradição, de acordo com o seu ethos básico, são essencialmente técnicas: 1. Quais são as vantagens da implementação e compreensão da Análise Política? Os modelos compreensivos fornecem uma observação extensiva sobre um determinado terreno, mas são sujeitos a grande, se indeterminados, erros. A incrementação da análise é modesta na sua exigência de informação, concentra- se nas consequências da mudança limitada e pode ser modelada para produzir certas soluções. Que modelo deve ser preferido, e sob que condições? 2. Diferentes modelos concebem diferentes tipos de solução. Alguns são estruturados para permitir a maximização das variáveis do “payoff”, como lucros, emprego ou tempo de viagem. Outros são essencialmente modelos “optimizadores” que produzem “melhores combinações” de resultados sobre uma diversidade de variáveis objectivas. Ainda outros concebem apenas “segundas -best solutions” (que no neologismo de Simon, são satisfatórias) A selecção de um modelo para a avaliação de consequências e recomendações técnicas de soluções correctas para a tomada de decisões políticas são fundamentais nesta tradição. Como devem os decision-makers ser informados? Deve-lhe ser dados, por exemplo, uma “melhor” situação? Deve-lhes ser fornecidas os resultados das várias simulações junto com as ilações que permitiram a sua obtenção? Ou devem ser convidados a integrar as “situações de jogo”, na qual eles simulam a dinâmica de grupo das escolhas estratégicas, tal como o staff do general deve simular jogos de guerra ou conduzir manobras de terreno? 3. Como devem ser os preços do mercado modificados para expressar critérios sociais de avaliação? Devem os estudos de custos-benefícios, por exemplo, usar taxas correntes de mercado de interesse ou algum preço “obscuro” de dinheiro que reflicta preferências sociais? Se sim, na ausência de orientação política, como devem os shadow prices ser calculados? Ou, no caso de bens que não têm ainda uma forma de avaliação de mercado, que convenções de “contabilidade social” devem ser permitidas para que possam ser incluídos no cálculo global político? E o trabalho doméstico da mulher, deve ser considerado um shadow price, e se sim qual deveria ser? 4. Os analistas políticos realizam prognósticos acerca de variáveis económicas, mudanças esperadas no comportamento reprodutivo, impactos ambientais, inovações tecnológicas, mudanças em padrões de utilização de terra, etc. Quais são os melhores métodos para prognósticos de médio e longo prazo? 5. A maioria das análises políticas contém grandes áreas de incerteza acerca do futuro e até maiores áreas de ignorância. Sendo assim: Quais são as hipóteses de um holocausto nuclear dentro dos próximos 20 anos? Como devem ser tratadas estas grandes incertezas, e que conselhos se devem dar aos responsáveis por estas decisões? Serão estas as formas de controlo da incerteza, e que valores matemáticos devem ser subscritos para evidenciar os diferentes graus da subjectiva incerteza? Devem as alternativas de acção ser desenhadas ara serem compatíveis com as áreas conhecidas da ignorância (“planeamento sem factos”), especialmente quando as consequências de uma decisão errada podem ser politicamente, ambientalmente ou de qualquer outro modo desastrosas? Aprendizagem Social Esta tradição focaliza-se na superação das contradições entre a prática e a teoria, ou conhecimento e acção. A sua teoria deriva de duas correntes. A primeira é o pragmatismo de John Dewey e mais particularmente a epistemologia científica, que reitera a “aprendizagem pela acção”. Uma segunda corrente desenvolveu-se a partir do Marxismo e das suas origens na obra de Marx “Theses on Feuerbach” que termina com a famosa declaração: “Os filósofos apenas interpretaram o mundo, de várias formas; porém o importante é mudá-lo”. Desta ilação imortal deriva a premissa basilar de Marx que sublinha a unidade da teoria revolucionária e sua prática, que encontrou grande expressão no ensaio de 1937 “On Practice” de Mao Tse-Tung. A ligação entre a teoria do conhecimento de Mao e o pragmatismo de Dewey tinha já sido notado. Com efeito, John Bryan Starr (1970) aponta no seu estudo sobre a filosofia política de Mao que Dewey exerceu considerável influência em intelectuais chineses, com que Mao contactou. Como Dewey, Mao desenvolve as suas ideias a partir da experiência prática, modelando por sua vez essa experiência. Para ambos, o mundo é uma série de problemas, objectos de teorias e acções. De facto, a semelhança era clara para Mao, que mais do que uma vez se descreveu como pragmático. No entanto, na visão de Mao, o pragmatismo não era suficiente. A aprendizagem social pode ser considerada como uma grande partida dos paradigmas do planeamento de Saint-Simon e Comte. Visto que estes fundadores da tradição do planeamento trataram o conhecimento científico como um conjunto de “blocos de construção” para a reconstrução da sociedade, os teóricos da tradição da aprendizagem social reclamavam que o conhecimento deriva da experiência e é validado na prática, e deste modo é integralmente uma parte da acção. O conhecimento, nesta acepção, emerge de um processo dialéctico progressivo, na qual a principal ênfase está nos novos empreendimentos práticos: a teoria da compreensão é enriquecida com lições escritas pela experiência, e o “novo entendimento” é então aplicado no contínuo processo de acção e mudança. Considerando que Comte e os seus companheiros positivistas acreditavam que o mundo social correspondia a leis sociais imutáveis, os teóricos da aprendizagem frisaram que o comportamento social pode ser modificado e que o caminho cientificamente correcto para uma mudança efectiva só pode ser alcançado através da experimentação social, observação cuidadosa dos resultados e a boa vontade para admitir o erro e saber aprender com ele. As principais questões da Aprendizagem Social são primariamente instrumentais: 1. Como podem os processos normais da Aprendizagem social, que são encontrados em todos os casos de acções de sucesso, ser usados para alargar as técnicas de aprendizagem social a todas as formas de empreendimentos sociais? Uma vez que os seres humanos são relutantes para alterar os seus modos habituais e tem uma propensão para acreditar que a sua própria opinião ou ideologia é a única correcta, e já que existe uma conexão entre a ideologia e poder, como pode a mudança ser alcançada? Como podem ser as pessoas motivadas para participar numa forma de aprendizagem social que depende da abertura, diálogo e boa vontade para arriscar experiências sociais, e uma preparação para deixar estas experiências ter efeitos no próprio desenvolvimento como pessoas? Como podem os modos formais e informais de conhecimento ser relacionados entre si com um processo de mudança –acção que envolva aprendizagem mútua entre aqueles que possuem conhecimento teórico e aqueles cujo conhecimento é primariamente prático, concreto e inarticulado? O paradigma da Aprendizagem Social envolve, entre outros elementos, frequentes transacções face-to-face que requerem uma relação de diálogo, entre as partes participativas. Mas, sob condições em que tarefas específicas devem ser desempenhadas, as relações de diálogo são difíceis de se processar e manter. Que técnicas podem facilitar relações de confiança e diálogo,sobretudo entre “planeadores” e os “clientes/actores”? Qual é a relação do paradigma da Aprendizagem Social (com a sua ênfase em relações não hierárquicas e dialogantes e a sua devoção ás experiências, tolerância pelas diferenças e a abertura radical à comunicação) com a teoria política democrática? E qual é a sua relação com o crescimento e desenvolvimento da personalidade autónoma e auto-actualizada? Mobilização Social Esta tradição do planeamento parte de todas as outras, defendendo a primazia da acção colectiva directa “de baixo”. Suporta, em particular, um rígido contraste com a tradição da Reforma Social e Análise Política, que evidencia o papel do Estado e reitera uma “política científica”. Na tradição da Mobilização Social, o planeamento aparece como uma forma de política, conduzida sem a mediação da “ciência”. Não obstante, a análise científica, sobretudo na forma de aprendizagem social, tem um importante papel nos processos transformativos sublinhados pela Mobilização Social. O vocabulário da Mobilização Social advém em grande parte da tradição dos antagonismos mútuos dos movimentos sociais de esquerda: Marxistas de um lado e Utópicos e Anarquistas de outro. Apenas o marxismo chegou a desenvolver uma ideologia consistente, mas as mútuas atracções e repulsões das várias facções e grupos na esquerda forneceram muita da retórica, utilizada ainda hoje em muitas lutas - retórica que se detêm na memória colectiva de dois séculos de luta e esforços comunitários. A linguagem desta tradição baseia-se nesta história, tal como no discurso mais abstracto dos seus filósofos, teóricos e gurus. Filosoficamente, esta perspectiva abraça o comunitarismo utópico, terrorismo anárquico, a luta de classes marxista e o neo-marxismo defensor de movimentos sociais emancipadores. Estas divisões são fundamentalmente históricas, reflectindo, contudo, desacordos relativamente a tácticas, mais do que diferenças ideológicas básicas. A Mobilização Social é uma ideologia dos desalojados, dos desprotegidos, cuja força emerge da solidariedade social, da seriedade da sua análise política e da sua total determinação para mudar o status quo. Dois tipos de políticos podem estar envolvidos nesta tradição. Para os utópicos e anárquicos, há uma “política de libertação” conduzido pelas “comunidades alternativas” que demonstram a outros novas formas de viver. Para os marxistas e neo-marxistas, existe uma “política de confrontação” que enfatiza a luta política como necessária para transformar as relações de poder existentes e criar uma nova ordem, que não seja baseada na exploração do trabalho e na alienação do Homem. Entre as questões centrais desta tradição, destacam-se: 1.Qual é o adequado papel dos “vanguardas”, organizadores comunitários e líderes de movimentos pela Mobilização social? Se a emancipação é o fim ideológico, não exige elites dirigentes tolerantes para procedimentos democráticos, incluindo a participação de todos nas decisões colectivas, a tolerância, e métodos não manipulativos de organização da acção grupal? 2.Como podem os deserdados e aqueles que nunca tiveram poder efectivo, ganhar subitamente confiança nas suas capacidades para “mudar o mundo”? Como podem os pobres adquirirem poderes para ganhar a sua liberdade perante a opressão? 3.Como pode o compromisso a uma nova vida na comunidade (utópicos e anarquistas) ou a uma nova vida de luta (marxistas e neo-marxistas) ser mantido quando apenas uma parcial e ocasional vitória ocorre na interminável guerra contra o inimigo? 4.Quais devem ser os componentes base de uma estratégia? Que papel deve ser atribuído à violência, à escolha da arena e ao tempo e duração das acções, e que tipo de acções específicas (greves, demonstrações, teatro de rua, terrorismo, etc.) devem ser tomadas? 5.Quais devem ser as características de uma “boa sociedade”, o ideal social para ser realizado na prática, agora ou no futuro? Que importância deve ser dada a esses fins como uma ordem social não hierárquica e inclusiva, a prática da auto- confiança, cooperação voluntária, processos de diálogo, e uma nivelamento radical da hierarquia social? Novos capítulos sobre a história do planeamento estão ainda a ser redigidos. Modalidades e estilos específicos de planeamento podem tornar-se obsoletos, mas a ligação entre o conhecimento e a acção permanecerá como viva preocupação, quer ideologicamente, quer na prática. Não podemos desejar não saber, e não podemos escapar à necessidade de actuar, de agir. Como as condições sociais e o entendimento humano muda, as ligações actuais e teóricas entre o conhecimento e acção serão certamente também mutáveis. Se desejamos manter a contínua vitalidade do planeamento no domínio público, será fundamental examinar cuidadosamente e num espírito crítico as tradições que agora temos. Estes serão os conteúdos das próximas aulas. Image 0001 Image 0002 Image 0003 Image 0004 Image 0005 Image 0006