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Avaliação do Consumo Alimentar Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª M.ª Fernanda Trigo Costa Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin Marcadores Bioquímicos e Tecnologias para a Avaliação do Consumo Alimentar Marcadores Bioquímicos e Tecnologias para a Avaliação do Consumo Alimentar • Compreender como os marcadores bioquímicos podem validar as informações obtidas por meio dos inquéritos alimentares e como o uso das tecnologias de informação e comunicação podem facilitar a coleta, a análise e a interpretação dos dados coletados, para viabilizar e aprimorar o processo de avaliação do consumo alimentar. OBJETIVO DE APRENDIZADO • Biomarcadores de Consumo Alimentar; • Tecnologia na Avaliação do Consumo Alimentar. UNIDADE Marcadores Bioquímicos e Tecnologias para a Avaliação do Consumo Alimentar Contextualização Chegamos à última Unidade desta disciplina e é possível que, diante de tantas infor- mações e da complexidade de avaliar o consumo alimentar, você esteja se perguntando: será que há uma forma mais objetiva e simples de coletar os dados? Há alguma maneira de conferir ou comparar se as informações relatadas pelo paciente são, de fato, verda- deiras e representam seu padrão alimentar? A insegurança sobre os dados do consumo alimentar sempre permeou os estudos relacionados à ingestão dietética e, mesmo diante de tanto aperfeiçoamento científico e tecnológico, ainda hoje a medição do consumo alimentar está sujeita a erros. Esses erros são sistemáticos ou aleatórios, e podem ser dependentes do respondente (por exemplo, memória, sinceridade), do entrevistador (por exemplo, nível de treina- mento, perfil comunicativo), do método (por exemplo, forma de quantificar o alimento) e também da forma de tabular ou analisar os dados. Além disso, as Tabelas de Composição de Alimentos nada mais são do que base de dados de composição química dos alimentos. Atenção a esse termo: base de dados! Existem muitas tabelas de composição dos alimentos impressas, on-line e também incorporadas a softwares de nutrição, mas, antes de utilizá-las, é muito importante veri- ficar se a Tabela escolhida é adequada ao objeto de estudo ou avaliação. Vale lembrar-se de que os dados contidos nessas Tabelas sobre a composição dos alimentos não podem ser considerados valores absolutos, mesmo porque se referem a materiais biológicos (alimentos), que podem apresentar variações em função de safra, solo, clima, produção, armazenamento e preparação etc. Os dados encontrados em uma Tabela de Composição dos Alimentos representam um valor médio proveniente de uma quantidade de amostras analisadas, portanto, pequenas variações podem ser consideradas normais – lembrando-se de que a média considera todos os valores, inclusive os extremos. Sendo assim, o mais adequado e recomendado é que os dados da Tabela utilizada tenham sido produzidos no próprio país ou região do estudo ou da avaliação, e que se- jam constantemente atualizados e ampliados, visto que o Mercado de alimentos é muito dinâmico, assim como os estudos relacionados à inovações na produção agropecuária (MENEZES; GIUNTINI; LAJOLO, 2003). Entenda como o melhoramento genético de alimentos pode interferir em sua composição química. Disponível em: https://youtu.be/DvJorgdNMco 8 9 Figura 1 – Modifi cação genética Fonte: Getty Images Então voltemos à pergunta inicial: será que há uma forma mais objetiva e simples de coletar os dados? Com base nessas necessidades, tem-se observado uma ten dência em tentar simpli- ficar as ferramentas utilizadas na avaliação do consumo de alimentos por meio do uso de instru mentos curtos para reduzir o tempo de aplicação, facilitar a compreensão e possibilitar a determinação dos grupos em risco de consumo inadequado. Nessa perspectiva, o Ministério da Saúde do Brasil disponibilizou aos profissionais da saúde, na atenção básica, protocolos de atendimento, no formato impresso e on-line, para vigilância da situação alimentar e nutricional da população. Um desses protocolos é o questionário de frequ ência para marcadores do con- sumo alimentar que, de forma simplificada, propõe-se identificar inadequações na alimentação e, principalmente, fornecer subsídios para orientação acerca de prá ticas alimentares mais adequadas e saudáveis. Orientações para avaliação de marcadores de consumo alimentar na atenção básica. Minis- tério da Saúde. Disponível em: https://bit.ly/35V3Cw3 Mas, e sobre alguma maneira de conferir ou comparar se as informações relatadas pelo paciente são, de fato, verdadeiras e representam seu padrão alimentar? Já que os métodos utilizados para mensurar a dieta, usualmente baseados no relato dos indivíduos, estão sujeitos a erros e o uso das tabelas de composição para quantificar os nutrientes da dieta pode ser estimado de forma não fidedigna – por conta das va- riações dos dados –, como vimos, tem-se os biomarcadores com importante papel no estudo da ingestão alimentar, por representarem medidas objetivas da dieta. Os biomarcadores em amostras biológicas como o sangue, urina, cabelo ou unhas podem ser utilizados de forma a refletir, como indicadores, a ingestão verdadeira, ou 9 UNIDADE Marcadores Bioquímicos e Tecnologias para a Avaliação do Consumo Alimentar seja, podem confirmar, substituir ou complementar as estimativas de ingestão basea- das nos métodos tradicionais (GUIDICI; ROGERO; MARCHIONI, 2019). Figura 2 – Exames laboratoriais Fonte: Getty Images Temos também, como forma de otimizar a avaliação, a auto matização de inquéri- tos alimentares em formato de questionários digitais como uma ferramenta promissora frente aos métodos tradicionais. Fatores como o acesso agilizado, disponibilidade em tempo integral, rapidez no processamento, baixo custo e retorno facilitado, fazem com que instrumentos digitais tornem-se práticos para utilização em hospitais, clínicas e am- bulatórios, principalmente se acessados por meio de dispositivos móveis (ZANCHIM; KIRSTEN; MARCHI, 2018). Dessa forma, o formato tecnológico na coleta dos dados dietéticos parece contribuir para minimizar e prevenir esses erros esperados. Nas últimas décadas, observa-se aumento significativo no número de estudos publi- cados na área de avaliação alimentar e inovações tecnológicas, pois o uso de métodos computadorizados e de diversos dispositivos (computadores, tablets, celulares) favorece a coleta e a organização dos dados para a avaliação do consumo alimentar e tem pos- sibilitado o aprimoramento da avaliação dietética, principalmente, pelas ferramentas de captura de imagens e otimização da tabulação de dados. Porém, vale destacar que as metodologias dietéticas (inquéritos) permanecem os mes- mos (R24h, Questionário de Frequência Alimentar e Registro Alimentar), o que vem mu- dando é a forma com a qual essas metodologias são coletadas por diversas tecnologias aplicadas (CRISPIM; SAMOFAL; FERREIRA, 2019). Então, depois de respondermos parcialmente às perguntas iniciais, convido vocês a aprofundarem os conhecimentos sobre como os marcadores bioquímicos podem validar as informações obtidas por meio dos inquéritos alimentares e de que forma o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) pode auxiliar na avaliação do consu- mo alimentar. 10 11 Biomarcadores de Consumo Alimentar Então como podemos definir Biomarcadores? Biomarcadores são medidas capazes de examinar processos biológicos e identificar alterações metabólicas, permitindo a avaliação de aspectos relacionados ao impacto da alimentação na saúde de um indivíduo ou população. Possibilitam a estimação do risco de desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, pois a ingestão alimentar pode provocar alterações em diversos biomarcadores (GIUDICI; ROGERO; MARCHIONI, 2019). Uma outra definição, conforme Duarte, Reis e Cozzolino (2019) diz que um biomar- cador dietético é um indicador bioquímico do estado nutricional e/ou ingestão die- tética, de curto ou em longo prazo,emoções, expectativas, experiências positivas ou negativas Fonte: Adaptado de LVARENGA et al., 2019, p. 37 Diante de tantos fatores que estão relacionados às escolhas e considerando o con- texto social em que vivemos, comer pode significar uma infinidade de representações, inclusive uma forma Fácil e segura de obter prazer, uma quebra de normas, uma trans- gressão, rebeldia, autopunição, e assim por diante. Atualmente, a sociedade, pautada na mídia e nas pressões sociais associadas à ma- greza, envia uma mensagem negativa em relação às pessoas “fora do padrão” como símbolo vivo da falta de vontade, gerando temor constante de revelar o corpo gordo ou supostamente gordo. Se de um lado existe um estímulo massivo ao consumo de alimentos industrializados, seja por meio da alegação de serem saudáveis seja por serem socialmente aceitáveis e práticos ou os únicos disponíveis em determinadas situações, tem-se o extremo oposto, em que o consumo de determinados alimentos ou nutrientes é visto como uma agressão ao organismo, por ideias e conceitos disseminados e aceitos pela população como ver- dades absolutas (consumo de carboidratos, leite e glúten, por exemplo). A mídia tem papel essencial nesse ambiente, ao divulgar alimentos como saborosos e convenientes, ditando padrões de consumo. Ao mesmo tempo, alimenta a cultura da magreza e perpetua mitos e crenças inade- quados sobre alimentação e nutrição, contribuindo para que as pessoas tenham relações transtornadas com a comida: o que antes já foi natural – comer respeitando os sinais do corpo, tradições, cultura – passa a depender de regras e monitoramento e se carrega de culpa, metas e angústias (ALVARENGA; KORITAR, 2015). Diante desse cenário, a pesquisa qualitativa representa uma forma de explorar como os aspectos biopsicossociais (gênero, classe social, memórias etc.) afetam e interagem com o consumo alimentar, ampliando a visão do profissional para além da abordagem tecnicista, prescritiva e biológica. Métodos de Avaliação de Comportamentos e Atitudes Há diversos referenciais teóricos e métodos de produção e análise dos dados que po- dem ser utilizados na pesquisa qualitativa. Na avaliação de comportamentos e atitudes, as informações vão para além do consumo alimentar. Elas incluem: práticas alimentares, hábitos alimentares, comportamentos alimentares, atitudes alimentares e são informa- 19 UNIDADE Avaliação da Dieta por Índices/Indicadores de Qualidade e Avaliação do Comportamento Alimentar ções não observáveis e não mensuráveis diretamente. Precisam ser desvendadas e resga- tadas. Por isso, não há um referencial “padrão-ouro” para a coleta dessas informações, justamente porque dependem do objetivo do estudo ou do atendimento que se pretende (SCAGLIUSI; ULIAN; SATO, 2019). A Tabela 7 traz alguns tipos de pesquisa qualitativa em alimentação e consumo ali- mentar, com as respectivas definições e indicação de referências para aprofundamento. Tabela 7 – Síntese sobre tipos de pesquisa qualitativa em alimentação e consumo alimentar Tipo de Pesquisa Descrição Referências Etnografia A etnografia busca entender os padrões compartilhados por sujeitos de um mesmo grupo cultural, interpretan- do os padrões de valores, comportamentos, crenças e linguagens. É o processo de apreensão e análise desses padrões, normalmente feito por meio da observação participante por parte do pesquisador. CASTRO, H. C.; MACIEL, M. E. Reflexões sobre o método etnográfico para apreensão das políticas sociais no campo da alimentação e nutrição: notas de pesquisa em uma cozinha comunitária. Deme- tra: Alimentação, Nutrição & Saúde, v. 10, n. 3, p. 523-537, 2015. Disponível em: https://bit.ly/3kKJvW1 FERRIGNO, M. V. Veganismo e libertação animal: um estudo etnográfico. 2012. 280p. Dissertação (Mes- trado em Antropologia Social) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Huma- nas, Campinas. Disponível em: https://bit.ly/3lGXA86 Entrevistas Perguntas abertas ou fechadas. As questões fechadas podem ser avaliadas por frequ- ência (número abso- luto e percentual) e as questões abertas pedem outras meto- dologias para análise. Grupo Focal Entrevista sobre um tópico específico, que busca colher informações que pos- sam proporcionar a compreensão de percepções, crenças, atitudes sobre um tema, produto ou serviços. O objeto é a interação entre os participantes do grupo (com similaridades), explicitando a associação entre sentimentos, signi- ficados e opiniões com determinados fenômenos, no caso, a alimentação. TORAL, N.; CONTI, M. A.; SLATER, B. A alimentação saudável na ótica dos adolescentes: percepções e barreiras à sua implementação e características esperadas em materiais educativos. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 11, p. 2386-2394, nov. 2009. Disponível em: https://bit.ly/3kLUzSD LERVOLINO, S. A.; PELICIONI, M. C. F. A utilização do grupo focal como metodologia qualitativa na promo- ção da saúde. Rev. Esc. Enferm. USP, São Paulo, v. 35, n. 2, p. 115-121, jun. 2001. Disponível em: https://bit.ly/2UEyDOT Análise de Conteúdo Pode ser quantitativa e qualitativa: na abordagem quantitativa, traça-se uma frequência das características que se repetem no conteúdo do texto e, na abordagem qualitativa, considera-se a presença ou a ausência de uma deter- minada característica de conteúdo ou conjunto de características num deter- minado fragmento da mensagem. RODRIGUES, É. M.; BOOG, M. C. F. Problematização como estratégia de educação nutricional com ado- lescentes obesos. Cad. Saúde Pública, Rio de Janei- ro, v. 22, n. 5, p. 923-931, maio 2006. Disponível em: https://bit.ly/2ISRYJg PONTIERI, F. M.; BACHION, M. M. Crenças de pacientes diabéticos acerca da terapia nutricional e sua influên- cia na adesão ao tratamento. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 151-160, jun. 2010. Disponível em: https://bit.ly/3kIFSQh Discurso do Sujeito Coletivo Trabalha com o sentido e não com o conteúdo do texto, um sentido que não é traduzido, mas produzido, constituí- do pela formulação: ideologia + histó- ria + linguagem. CAREGNATO, R. C. A.; MUTTI, R. Pesquisa qualitativa: análise de discurso versus análise de conteúdo. Tex- to contexto – Enferm., Florianópolis, v. 15, n. 4, p. 679-684, dez. 2006. Disponível em: https://bit.ly/3fcECUz ASSAO, T. Y.; CERVATO-MANCUSO, A. M. Alimentação saudável: percepções dos educadores de instituições infantis. Rev. Bras. Crescimento Desenvolv. Hum., São Paulo, v. 18, n. 2, p. 126-134, ago. 2008. Disponível em https://bit.ly/3fczdNj 20 21 Tipo de Pesquisa Descrição Referências Questionário e Escalas Os questionários podem ser analisados por métodos estatísticos, as escalas usam escores provenientes de afirmações ou perguntas: avalia-se o grau de concor- dância ou discordância. Por exemplo: 1. Concordo ple- namente; 2. Concordo parcialmente; 3. Não estou certo; 4. Discordo parcialmente; 5. Discordo plenamente. Exis- tem diversas escalas para avaliação do comportamento alimentar, algumas adaptadas para estudos brasileiros. SILVA, G. A. da et al. Consumo de formulações ema- grecedoras e risco de transtornos alimentares em universitários de cursos de saúde. J. Bras. Psiquia- tr., Rio de Janeiro, v. 67, n. 4, p. 239-246, dez. 2018. Disponível em: https://bit.ly/3lKATjy KORITAR, P. et al. Adaptação transcultural e vali- dação para o português da Escala de Atitudes em Relação ao Sabor da Health and Taste Attitude Scale (HTAS). Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janei- ro, v. 19, n. 8, p. 3573-3582, ago. 2014. Disponível em: https://bit.ly/35NdRmB MORAES, J. M. M.; ALVARENGA, M. dos S. Adaptação transcultural e validade aparente e de conteúdo da versão reduzida da The Eating Motivation Survey (TEMS) para o Português do Brasil. Cad. Saúde Pú- blica, Rio de Janeiro, v. 33, n. 10, e00010317, 2017. Disponível em: https://bit.ly/35JCikx Fonte: Adaptado de SCAGLIUSI; ULIAN; SATO (2019); ALVARENGAet al., 2019 Assim, finalizamos esta Unidade, na qual pudemos conhecer alguns índices para ava- liação do consumo alimentar e formas diversas para a realização de estudos qualitativos relacionados ao consumo alimentar. Foi possível observar que a integração dos dois enfoques (quantitativo e qualitativo) pode fornecer dados e informações sob diferentes planos ou dimensões de análise, per- mitindo responder perguntas sob múltiplas perspectivas, enriquecendo nosso conheci- mento sobre a alimentação e a nutrição e suas relações com a saúde (BOSI et al., 2011). Dessa maneira, fica evidente que os métodos e as visões se complementam e podem ser adequados aos diversos tipos de pesquisas no campo da alimentação. 21 UNIDADE Avaliação da Dieta por Índices/Indicadores de Qualidade e Avaliação do Comportamento Alimentar Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Escolhas alimentares com Marle Alvarenga e Valter Palmieri Jr https://youtu.be/Qs_GPGhjPyk Leitura Estudos de avaliação do consumo alimentar segundo método dos escores: uma revisão sistemática https://bit.ly/3pTD9ap Aspectos metodológicos da avaliação da qualidade da dieta no Brasil: revisão sistemática https://bit.ly/3lYwDgm Pesquisas qualitativas em nutrição e alimentação https://bit.ly/36UaRUw 22 23 Referências ALVARENGA, M.; KORITAR, P. Atitude e comportamento alimentar – determinantes de escolhas e consumo. In: ALVARENGA, M.; ANTONACCIO, C.; TIMERMAN, F.; FIGUEIREDO, M. Nutrição Comportamental. Barueri: Manole, 2015. p. 23-45. ALVARENGA, M.; ANTONACCIO, C.; TIMERMAN, F.; FIGUEIREDO, M. Nutrição Comportamental. 2. ed. Barueri: Manole, 2019. BOSI, M. L. M. et al. O enfoque qualitativo na avaliação do consumo alimen- tar: fundamentos, aplicações e considerações operacionais. Physis, Rio de Janeiro, v. 21, n. 4, p. 1287-1296, dez. 2011. Disponível em: . Acesso em: 01/09/2020. CANESQUI, A. M. Pesquisas qualitativas em nutrição e alimentação. Rev. Nutr., Campinas, v. 22, n. 1, p. 125-139, fev. 2009. Disponível em: Acesso em: 01/09/2020. CERVATO, A. M.; VIEIRA, V. L. Índices dietéticos na avaliação da qualidade global da dieta. Rev. Nutr., Campinas, v. 16, n. 3, p. 347-355, set. 2003. Disponível em: . Acesso em: 30/08/2020. CONCEIÇAO, S. I. O. da et al. Índice de Alimentação Saudável: adaptação para crianças de 1 a 2 anos. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 23, n. 12, p. 4095-4106, dez. 2018. Disponível em: . Acesso em: 30/08/2020. FERREIRA, R. C.; BARBOSA, L. B.; VASCONCELOS, S. M. L. Estudos de avaliação do consumo alimentar segundo método dos escores: uma revisão sistemática. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 24, n. 5, p. 1777-1792, maio 2019. Disponível em: . Acesso em: 28/08/2020. FISBERG, R. M. Índice de Qualidade da Dieta: avaliação da adaptação e aplicabilidade. Rev. Nutr., v. 17, n. 3, p. 301-318., 2004. Disponível em: . Acesso em: 30/08/2020. GABE, K.; JAIME P. C. Desenvolvimento e validação de uma escala autoaplicável para avaliação da alimentação segundo as recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira. Public Health Nutr. 2019; v. 22, n. 5, p. 785-796. Disponível em: . Acesso em: 28/08/2020. GORGULHO, B. M.; MARCHIONI, D. M. L. Índices de qualidade da dieta. In: Consumo alimentar: guia para avaliação. São Paulo: Manole, 2019. 23 UNIDADE Avaliação da Dieta por Índices/Indicadores de Qualidade e Avaliação do Comportamento Alimentar GUENTHER, P. M.; REEDY, J.; KREBS-SMITH, S. M. Development of the Healthy Eating Index-2005. J Am Diet Assoc. v. 108, n. 11, p. 1896-1901, 2008. Disponí- vel em: . Acesso em: 30/08/2020. MORAIS, D. de C. et al. Aspectos metodológicos da avaliação da qualidade e da die- ta no Brasil: revisão sistemática. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 8, p. 2671-2680, ago. 2017. Disponível em: . Acesso em: 30/08/2020. PIRES, R. K. et al. Análise crítica do índice de qualidade da dieta revisado para a po- pulação brasileira (IQD-R): aplicação no ELSA-Brasil. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 25, n. 2, p. 703-713, fev. 2020. Disponível em: . Acesso em: 28/08/2020. PREVIATO, H. D. R. A.; VOLP, A. C. P.; FREITAS, R. N. Avaliação da qualidade da dieta pelo Índice de Alimentação Saudável e suas variações: uma revisão bibliográfica. Nutr. clín. diet. hosp., v. 34, n. 2, p. 88-96, 2014. Disponível em: . Acesso em: 30/08/2020. PREVIDELLI, Á. N. et al. Índice de Qualidade da Dieta Revisado para população brasileira. Rev. 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Disponível em: Acesso em: 28/08/2020. 24 Avaliação do Consumo Alimentar Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª M.ª Fernanda Trigo Costa Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin Métodos Quantitativos para Avaliação do Consumo Alimentar Métodos Quantitativos para Avaliação do Consumo Alimentar • Conhecer os métodos quantitativos de avaliação alimentar e as diferenças, vantagens e des- vantagens de cada um deles, de forma a identificar a ferramenta que melhor se adequa ao contexto a ser estudado. OBJETIVO DE APRENDIZADO • Avaliação do Consumo Alimentar Inserida na Avaliação do Estado Nutricional; • Métodos Retrospectivos; • Métodos Prospectivos; • Métodos Objetivos. UNIDADE Métodos Quantitativos para Avaliação do Consumo Alimentar Contextualização O conhecimento sobre os hábitos alimentares de indivíduos e populações é impor- tante tanto para a prática clínica, no que se refere à prevenção e ao tratamento, como também no campo da saúde pública, a fim de orientar a formulação de políticas de alimentação e nutrição. Os fatores que afetam o consumo alimentar de um indivíduo são diversos e podemos distingui-los entre intrínsecos, relacionados ao próprio indivíduo (valores, crenças e necessidades biológicas), e extrínsecos, associados ao ambiente e às relações familiares e sociais (MUSSOI, 2017). Para avaliar o consumo alimentar, são necessários métodos apropriados para estimar a ingestão de alimentos e nutrientes de grupospopulacionais. Os dados sobre consumo de alimentos são coletados com diversos propósitos: estimar a adequação da ingestão dietética de grupos populacionais, investigar a relação entre dieta, saúde e estado nu- tricional e avaliar a educação nutricional, a intervenção nutricional e os programas de suplementação alimentar. A complexidade da dieta, hábitos alimentares, qualidade da informação, idade, ima- gem corporal, memória do entrevistado, crenças, comportamento, cultura e situação socioeconômica, além da exposição a determinados alimentos, são fatores que interfe- rem e dificultam o ato de registrar a ingestão de um indivíduo (CAVALCANTE; PRIORE; FRANCESCHINI, 2004). O método escolhido para avaliar o consumo alimentar deve ser fundamentado nos objetivos da pesquisa ou no tipo de estudo, considerar os recursos disponíveis e ser composto por instrumentos que garantam a validade e a reprodutibilidade, além de caracterizarem fielmente a dieta do indivíduo, sem interferência do pesquisador. Vale destacar que os métodos e os instrumentos utilizados para avaliar o consumo alimentar são frequentemente combinados entre si ou associados a outros parâmetros de avaliação do estado nutricional de indivíduo, o que possibilita melhor compreensão e interpretação dos resultados obtidos em determinado estudo. Nesta Unidade, vamos conhecer os métodos quantitativos de avaliação do consumo alimentar e suas respectivas vantagens e desvantagens de aplicação. Sugiro como perguntas norteadoras para o estudo e reflexão: quais são os instru- mentos mais indicados para a avaliação quantitativa do consumo alimentar? Qual é a aplicabilidade, pontos fortes e fraquezas de cada instrumento? Em um estudo ou avalia- ção nutricional, podemos utilizar apenas um instrumento na avaliação de consumo ou é possível combiná-los? Vamos em frente! 8 9 Avaliação do Consumo Alimentar Inserida na Avaliação do Estado Nutricional Atualmente, contamos com muitas informações sobre métodos e técnicas para avalia- ção do consumo alimentar, porém, o ambiente de atuação profissional ainda permanece com questionamentos sobre os instrumentos de avaliação do consumo alimentar mais adequados para a utilização na prática diária (FISBERG; MARCHIONI; COLUCCI, 2009). Na prática, várias metodologias vêm sendo utilizadas para avaliar o consumo dietéti- co de indivíduos em estudos epidemiológicos, no sentido de obter dados válidos, repro- dutíveis e comparáveis (CAVALCANTE; PRIORE; FRANCESCHINI, 2004). De forma global, a avaliação do consumo alimentar é realizada para fornecer infor- mações para o desenvolvimento e a elaboração de planos nutricionais e deve compor um protocolo de atendimento para avaliação nutricional, com o objetivo de estimar se a ingestão de alimentos está adequada ou inadequada e, também, identificar hábitos alimentares que influenciem positiva ou negativamente essa ingestão (Figura 1). Avaliação Nutricional Avaliação do Consumo Alimentar Figura 1 – Avaliação do consumo dentro de avaliação nutricional A correta avaliação do consumo alimentar é influenciada por fatores como a com- plexidade da dieta e a ingestão ou o consumo verdadeiro – do indivíduo ou de uma coletividade – e depende da forma como os métodos colhem e mensuram a informação dietético-nutricional. No contexto da prática clínica, podem ser estabelecidos três diferentes objetivos para avaliação do consumo alimentar: a avaliação quantitativa da ingestão de nutrientes, a avaliação do consumo de alimentos ou grupos alimentares, a avaliação do padrão ali- mentar individual (FISBERG; MARCHIONI; COLUCCI, 2009). 9 UNIDADE Métodos Quantitativos para Avaliação do Consumo Alimentar Para iniciarmos as discussões e o reconhecimento dos instrumentos, é importante de- finirmos alguns conceitos relacionados ao consumo alimentar na perspectiva da nutrição: Quadro 1 – Definição de alguns conceitos importantes para a Avaliação do Consumo Alimentar Consumo alimentar Ingestão de alimentos. Consumo nutricional Ingestão de energia, macro e micronutrientes. Padrão alimentar Análise estatística ou matemática dos alimentos como eles são verdadeiramente consumidos, em combinações características. Estrutura alimentar Horários, tipo e regularidade das refeições. Comportamento alimentar Como e de que forma se come. Ações em relação ao ato de se alimentar. Atitude alimentar Crenças, pensamentos, sentimentos, comportamentos e relaciona- mento com os alimentos. Hábito alimentar Costumes e modo de comer de uma pessoa ou comunidade (geral- mente inconsciente, sem pensar) Escolha alimentar Seleção e consumo de alimentos e bebidas que consideram aspec- tos do comportamento alimentar. Prática alimentar Forma com que os indivíduos se relacionam com a alimentação em diferentes esferas. Fonte: Adaptada de ALVARENGA; KORITAR, 2015, p. 24 A partir da definição desses conceitos, vamos conhecer os inquéritos alimentares para avaliação quantitativa da dieta. Vale lembrar que os métodos para a coleta de dados dietéticos podem ser classificados em duas categorias: retrospectivos, ou seja, métodos baseados na memória do indiví- duo, e prospectivos, aqueles com registro em tempo real (MARCHIONI; GORGULHO; STELUTI, 2019). Métodos Retrospectivos A avaliação do consumo dietético requer precisão na determinação do volume de ali- mentos ingeridos, porém é bastante complexo determinar com exatidão o consumo de ali- mentos, principalmente, nos inquéritos em que dependemos da memória dos indivíduos. Entre os recursos disponíveis para minimizar a imprecisão, temos a fotografia/ima- gem que se destaca pelo baixo custo, vida útil prolongada, facilidade de reprodução e transporte e pela possibilidade de representar uma ou mais porções de um mesmo ali- mento (BATISTA et al., 2018). Na prática, são mostradas imagens dos alimentos em porções (Figura 2) e é solicitado ao indivíduo que aponte a quantidade do alimento consumido ou utensílio utilizado (tamanho do copo, prato, colher etc.). 10 11 Os álbuns fotográficos de alimentos/medidas of erecem equivalência em gramas das porções indicadas, para facilitar o trabalho do entrevistador. Figura 2 – Exemplo de Álbum Fotográfi co de Alimentos Fonte: fcm.unicamp.br Peito de frango (pedaço) : (A) Grande = 170g; (B) Médio = 120g; (C) Pequeno = 80g Peixe (filé) : (A) Grande = 170g; (B) Médio = 130g; (C) Pequeno = 80g Alimentos Brasileiros e Suas Porções: um guia para avaliação do consumo alimentar. Rio de Janeiro: Rúbio, 2013. Disponível em: https://bit.ly/2KoK4ID Recordatório Alimentar de 24h (R24h) Neste instrumento, o entrevistado relata todo o consumo alimentar realizado no dia anterior ou nas últimas 24 horas, quantificando, em medidas caseiras todos os alimentos e bebidas ingeridos (Tabela 1). É realizado por meio de entrevista pessoal com questões abertas conduzidas, prefe- rencialmente, por nutricionista ou entrevistador treinado. 11 UNIDADE Métodos Quantitativos para Avaliação do Consumo Alimentar Tabela 1 – Exemplo de Recordatório de 24 horas Desjejum (horário: ____) Alimentação/preparação Medida caseira Peso (g) Colação (horário: ____) Alimentação/preparação Medida caseira Peso (g) Almoço (horário: ____) Alimentação/preparação Medida caseira Peso (g) Lanche (horário: ____) Alimentação/preparação Medida caseira Peso (g) Jantar (horário: ____) Alimentação/preparação Medida caseira Peso (g) Ceia (horário: ____) Alimentação/preparação Medida caseira Peso (g) Fonte: Adaptada de MUSSOI, 2017, p. 204 Atualmente, é um dos métodos mais utilizados para a avaliação da ingestão de ali- mentos e nutrientes e a precisão e confiabilidade desse instrumento está associada à memória e à descrição correta das porções consumidas. Por isso, fatores como nível de instrução, idade e habilidade do indivíduo em recordar de modo preciso as quantidades consumidas, bem como a cooperação do entrevistado e a capacidade do entrevistador de manter um canal de comunicação ou diálogo podem interferirno resultado final. Os erros mais comuns nesse tipo de inquérito são relativos à memória do entrevistado. Esse método tende a superestimar as porções pequenas e subestimar as grandes, por isso, o apoio de recursos visuais é importante para minimizar os erros. A alternativa é a utilização de registros fotográficos, modelos tridimensionais de alimentos (Figura 3) ou até mesmo utensílios domésticos, para que o paciente visualize o tamanho da medida caseira e aponte aquela que se assemelha à consumida. Figura 3 – Modelos tridimensionais de alimentos Fonte: Divulgação 12 13 Como meios de obtenção da entrevista, o ideal é pessoalmente, no domicílio do entrevistado, o que facilita a quantificação da medida caseira, os tipos de alimentos e as marcas de produtos, no consultório/clínica ou outro lugar tranquilo, ou por telefone. O R24 pode ser autopreenchido se o indivíduo for alfabetizado e capaz de compreen- der todas as instruções. Diante disso, não é recomendado que crianças e idosos realizem o autopreenchimento do R24h, fazendo-se necessário que a entrevista seja realizada junto com um acompanhante ou responsável. A aplicação do R24h tem duração de 15 a 30 minutos, podendo chegar a 1 hora e os dados coletados representam a ingestão atual. Para estimar a ingestão habitual, é possível modificar a duração da investigação: a determinação do número de dias de investigação depende da precisão que se deseja no cálculo da ingestão média (se individual, são necessários vários dias de investigação, em decorrência da variação intraindividual. Para grupo populacional com grande amostra, o número de dias pode ser menor, inclusive somente um dia). Em suma, vários dias de investigação aumentam a precisão dos dados e diminuem a variação intraindividual Além disso, a quantidade de dias avaliados depende do pro- pósito do estudo e do(s) nutriente(s) estudado(s) e da magnitude das variações intra e interindividual, variando entre 1, 3 ou 7 dias. É necessário lembrar-se de que é importante realizar as entrevistas em dias não consecutivos (incluindo fim de semana), a fim de fornecer resultados mais precisos da variância intrapessoal de consumo. Se possível, realizar as investigações durante diferen- tes estações do ano (devido à sazonalidade), por um longo período de tempo, para veri- ficar a ingestão média do(s) indivíduo(s) (ROSSI, 2015; MUSSOI, 2017; MARCHIONI, GORGULHO, STELUTI, 2019). Questionário de Frequência Alimentar (QFA) Con hecer a frequência de consumo de determinados alimentos é importante, espe- cialmente, daqueles que estão envolvidos em possíveis malefícios à saúde ou ao estado nutricional ou daqueles que são benéficos na manutenção e na promoção da saúde (MUSSOI, 2017). O Questionário de Frequência Alimentar (QFA) tem como principal objetivo obter o consumo habitual de grupos de indivíduo por um período determinado (semanas, meses, anos) e permite testar hipóteses epidemiológicas em estudos populacionais e investigar relação de fatores dietéticos com desfechos em saúde (MOTTA; LIMA; LIRA, 2019). Oferece praticidade de aplicação, pois é caracterizado por uma lista de alimentos pela qual o entrevistado se baseia para relatar ou registrar a frequência do consumo de cada um dos alimentos listados, ou seja, as informações podem ser obtidas em entrevista direta ou por autorregistro. Par a o desenvolvimento do QFA, são necessários cuidadosos procedimentos metodo- lógicos para garantir a qualidade, a validade e a confiabilidade das informações, devendo ser elaborado e validado para a população a ser estudada. 13 UNIDADE Métodos Quantitativos para Avaliação do Consumo Alimentar Para a validação do método, é necessário compará-lo a outros mais exatos, ou seja, um padrão de referência do consumo de uma amostra da população que se pretende estu- dar, que pode ser obtido por meio de aplicação de múltiplos recordatórios de 24 horas, vários registros dietéticos ou marcadores bioquímicos. A seleção dos alimentos que comporão o QFA precisa ser muito criteriosa. Os alimentos selecionados devem refletir o objetivo do entrevistador no que se refere aos alimentos investigados e, ao mesmo tempo, ser uma amostra representativa dos alimentos habitualmente consumidos pelo indivíduo ou pelo grupo populacional ao qual pertence (MUSSOI, 2017). São conhecidos três tipos de QFA: qualitativo (coleta informações sobre a frequência de grupos alimentares, apenas), semiquantitativo e quantitativo (geram informações a partir da porção diária consumida ou por aproximação, comparando-a a uma porção de referência) (Tabela 2). O QFA semiquantitativo e o quantitativo possibilitam que os alimentos referidos se- jam transformados em gramas, miligramas e microgramas de nutrientes. No entanto, essa metodologia não é recomendada para a análise da adequação da ingestão de nu- trientes de indivíduos em relação às recomendações, podendo ser somente utilizada para se avaliar a média da ingestão de nutrientes de grupos populacionais. Quanto ao tamanho, deve-se considerar que pequenas listas de alimentos (50 itens) não refletem a realidade e grandes listas (100 itens) podem levar ao cansaço do entrevis- tado e prejudicar a fidedignidade das informações. Por outro lado, a listagem incompleta pode comprometer a exatidão do método (ROSSI, 2015). Tabela 2 – Exemplos de Questionários de Frequência Alimentar Modelo de questionário de frequência alimentar: exemplo de questionário qualitativo Alimento Frequência de consumo Arroz branco Menos de 1 x/mês ou nunca 1-3 x/mês 1 x/semana 2-4 x/semana 5 ou mais x/ semana Leite integral Menos de 1 x/mês ou nunca 1-3 x/mês 1 x/semana 2-4 x/semana 5 ou mais x/ semana Banana prata Menos de 1 x/mês ou nunca 1-3 x/mês 1 x/semana 2-4 x/semana 5 ou mais x/ semana Modelo de questionário de frequência alimentar: exemplo de questionário semiquantitativo Alimento Porção média Frequência de consumo Arroz branco 2 colheres de sopa Menos de 1 x/ mês ou nunca 1-3 x/mês 1 x/semana 2-4 x/semana 5 ou mais x/ semana Leite integral 1 copo americano Menos de 1 x/ mês ou nunca 1-3 x/mês 1 x/semana 2-4 x/semana 5 ou mais x/ semana Banana prata 1 unidade Menos de 1 x/ mês ou nunca 1-3 x/mês 1 x/semana 2-4 x/semana 5 ou mais x/semana 14 15 Modelo de questionário de frequência alimentar: exemplo de questionário quantitativo Alimento Frequência de consumo Unidade de tempo Porção média Sua porção Arroz branco N 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 D S M A 2 CS P M G EG Leite integral N 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 D S M A 1 copo de requeijão P M G EG Banana prata N 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 D S M A 1 unidade P M G EG N: nunca; D: dia; S: semana; M: mês; A: ano; CS: colher de sopa; P: pequena (percentil 25); M: média (percentil 50); G: grande (per- centil 75); EG: extragrande (percentil 90). Fonte: Adaptada de MOTTA; LIMA; LIRA, 2019, p. 12 Alguns cuidados precisam ser destacados quando há a intenção de utilizar um QFA preexistente: é essencial verificar se a lista de alimentos é adequada aos objetivos e à população do estudo e se já foi submetida a estudos de validação e reprodutibilidade. É possível utilizar seletivamente uma parte de um QFA já elaborado, se este for delineado para uma população culturalmente semelhante, uma vez desenvolvido. O Tabela 3 apresenta um resumo dos principais estudos de desenvolvimento e vali- dação de QFA em diferentes faixas etárias no Brasil: Tabela 3 – Estudos brasileiros de desenvolvimento e validação de QFA Autor (ano) Objetivo do estudo Faixa etária Local Conclusões do estudo Crianças e adolescentes Slater et al. (2003) Desenvolver um QFA para adolescen- tes e avaliar sua validade relativa. 14 a 18 anos São Paulo (SP) Osresultados indicam que o QFA apre- senta confiabilidade para categorizar os indivíduos em níveis de ingestão e nutrientes, exceto para retinol e ferro. Assis et al. (2007) Avaliar a reprodutividade e a validade do Questionário de Consumo Alimentar do Dia Anterior (QUADA) para escolares. 8 a 10 anos Balneário Camboriú (SC) O QUADA possibilita realizar análises de consumo alimentar nas refeições do dia anterior em escolares de oito a dez anos de idade e apresenta boa repro- dutibilidade e validade externa. Barros et al. (2007) Validar o Questionário Dia Típico de Atividade Física e Alimentação (DAFA) para escolares. 7 a 10 anos Florianopólis (SC) O DAFA possibilita coletar medidas de atividade física e consumo alimentar de crianças com boa reprodutibilidade e moderada evidência de validade. Lobo et al. (2008) Validar a reprodutibilidade do Ques- tionário Dia Típico de Atividade Física e Alimentação (DAFA – seção alimen- tar) e comparar os dados entre as sé- ries e as escolas. 6 a 10 anos Florianopólis (SC) A reprodutibilidade do questionário foi demonstrada para os escolares de es- colas privadas e públicas, embora me- lhores resultados tenham sido obtidos nas escolas privadas. Assis et al. (2009) Conferir validade à terceira versão do Questionário Alimentar do Dia Ante- rior (QUADA-3) para escolares (instru- mento estruturado com seis refeições e 21 alimentos). 6 a 11 anos Balneário Camboriú (SC) O QUADA-3 pode produzir dados váli- dos para avaliar o consumo alimen- tar do dia anterior em nível de grupo de escolares. Matos et al. (2012) Avaliar a validade de um QFA aplicado a crianças e adolescentes. 4 a 11 anos Salvador (BA) O QFA apresentou validade satisfatória para ser usado em estudos com crian- ças e adolescentes. 15 UNIDADE Métodos Quantitativos para Avaliação do Consumo Alimentar Autor (ano) Objetivo do estudo Faixa etária Local Conclusões do estudo Adultos e idosos Ribeiro et al. (2006) Investigar a reprodutibilidade de um QFA semiquantitativo desenvolvido para a população adulta. 35 a 50 anos Brasília (DF) Constitui-se em bom instrumento de pesquisa para estudos epidemioló- gicos em população adulta, podendo fornecer informações importantes para a implementação de ações nas áreas de saúde e de nutrição. Crispim et al. (2009) Validar um QFA semiquantitativo para avaliar a ingestão dietética de adultos. 21 a 59 anos Viçosa (MG) O questionário apresentou desempe- nho aceitável na avaliação do consumo alimentar habitual da maioria dos nu- trientes pela população estudada. Zanola et al. (2009) Avaliar a reprodutibilidade e a valida- de relativa de um QFA contendo 127 itens em indivíduos adultos. 20 a 69 anos Porto Alegre (RS) O QFA apresenta reprodutibilidade satis- fatória para todos os nutrientes, com ex- ceção do carboidrato, e validade relativa razoável especialmente para os macro- nutrientes e a vitamina C. Machado et al. (2012) Testar a reprodutibilidade e a validade por grupos de alimentos de um QFA, desenvolvido para indivíduos adultos. 20 a 69 anos Porto Alegre (RS) O QFA fundamentado em grupos e alimentos representa boa alternativa para avaliar o hábito alimentar, com a vantagem de ter uma lista reduzida de itens alimentares; apresenta boa reprodutibilidade para todos os gru- pos alimentares e validade satisfatória para a maioria dos grupos analisados. Fonte: Adaptada de MUSSOI, 2017, p. 204-17 Em Síntese O QFA permite analisar a relação dieta-doença. É um instrumento rápido, de fácil apli- cação e de baixo custo, e estima a ingestão habitual, porém, pode apresentar listas in- completas de alimentos ou erros sistemáticos de estimativa de tamanho de porção dos alimentos, requer tempo de elaboração e aplicação, e exige a validação para a popula- ção em estudo para oferecer acurácia e confiabilidade. História alimentar A história alimentar consiste em uma associação de métodos dos quais, obrigatoria- mente, o Questionário de Frequência Alimentar faz parte (Figura 4). Possibilita estimar a ingestão alimentar habitual, mas não é aconselhável seu uso em estudos populacionais, devido ao tempo para sua execução e ao seu custo elevado. 16 17 História Alimentar Anamnese Registro Alimentar QFA 24h R Figura 4 – Instrumentos que podem compor a História Alimentar Esse método consiste em extensa entrevista com o objetivo de obter informações sobre os hábitos alimentares atuais e passados. Por isso, normalmente é utilizada na primeira consulta, traz informações sobre a ingestão global dos alimentos, os hábitos de consumo e a distribuição dos alimentos ao longo do dia. A entrevista pode durar de 60 a 90 minutos, e deve ser realizada por profissional treinado e com experiência no método, capaz de orientar e manter a entrevista até sua conclusão, sem interferir nas informações apresentadas. As etapas podem ser divididas em: • Anamnese: são coletadas informações sobre apetite, preferências e aversões ali- mentares, consumo de alimentos diet e light, adição de sal, uso de açúcar, gorduras, condimentos e suplementos nutricionais e hábitos de vida (ingestão de bebida alco- ólica, fumo, prática de exercícios físicos); • Recordatório de 24 h (R24 h); • Questionário de frequência alimentar: utilizado para verificar ou classificar a informação apresentada anteriormente no R24 h, como tipo e frequência dos ali- mentos em geral consumidos, inclusive as variações sazonais; • Registro alimentar: adicionalmente (de maneira opcional), pode ser entregue ao indivíduo o registro alimentar de 3 dias, no qual todos os alimentos e bebidas inge- ridos em medidas caseiras serão anotados (em dias alternados, incluindo um dia de fim de semana) (MUSSOI, 2017). Entre as vantagens do método, está a descrição da dieta usual, sendo eliminadas as variações do dia a dia, pois está contemplada a variação sazonal. As desvanta- gens são a necessidade de treinamento do nutricionista, a dependência da capacidade de memória do paciente, o longo tempo de administração e o alto custo para checar e codificar as informações (FISBERG; MARCHIONI; COLUCCI, 2009). 17 UNIDADE Métodos Quantitativos para Avaliação do Consumo Alimentar Screener da ingestão alimentar Esse tipo de inquérito consiste em uma listagem curta e menos detalhada para ava- liação do consumo alimentar. Os screeners são simples, rápidos e fáceis de preencher, podendo ser implementa- dos por profissionais sem treinamento específico ou, até mesmo, ser autopreenchido pelo participante. Fornece informações primárias de um número limitado de alimentos e bebidas ou aspectos relacionados ao comportamento ou práticas alimentares e, normalmente, ava- liam um período de tempo mensal ou anual. Foram desenvolvidos para uso em gran- des pesquisas, mas com recursos financeiros e de tempo limitados. São utilizados com frequência em estudos populacionais. Por exemplo: National Health Interview Survey (NHIS), Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL), entre outros (MIRANDA; CARIOCA; MARCHIONI, 2019). O National Health Interview Survey (NHIS) monitora a saúde da população americana desde 1957. Os dados do NHIS são coletados por meio de entrevistas domiciliares pessoais e abran- gem ampla gama de tópicos de saúde. Os resultados da pesquisa são fundamentais para o fornecimento de dados para rastrear o estado de saúde, o acesso à assistência médica e o progresso em direção aos objetivos de saúde dos EUA. Disponível em: https://bit.ly/36QsxR1 O formato dos screeners podem ser um questionário de frequência alimentar sim- plificado, com estimativas da porção dos alimentos, questionários comportamentais ou, ainda, uma combinação de ambos. Na forma de questionário curto de frequência alimentar, coleta informações de determinados alimentos e bebidas de interesse para o estudo, incluindo frequência de con- sumo, mas sem referência ao tamanho da porção, como pode ser observado na Quadro 2. Já naforma de questionário de comportamento ou práticas alimentares, avalia a frequência em comportamentos alimentares específicos, mas não produz estimativas de ingestão alimentar (Quadro 3). Quadro 2 – Questões do Dietary Screener Questionnaire (DSQ) Durante o último mês, com que frequência você bebeu refrigerante? Não incluir refrigerante dietético. Marque um X. ( ) Nunca ( ) 1 vez no mês passado ( ) 2-3 vezes no mês passado ( ) 1 vez por semana ( ) 2 vezes por semana ( ) 3-4 vezes por semana ( ) 5-6 vezes por semana 18 19 Durante o último mês, com que frequência você bebeu refrigerante? Não incluir refrigerante dietético. Marque um X. ( ) 1 vez por dia ( ) 2-3 vezes por dia ( ) 4-5 vezes por dia ( ) 6 ou mais vezes por dia Fonte: Adaptado de MIRANDA; CARIOCA; MARCHIONI, 2019, p. 48 O National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) avalia a saúde e o es- tado nutricional de adultos e crianças nos EUA. Ele coleta informações detalhadas sobre a ingestão de alimentos, nutrientes e suplementos e outros comportamen- tos dietéticos. Um dos inquéritos utilizados é o Dietary Screener Questionnaire (DSQ) de 26 itens, que pergunta sobre a frequência de consumo de alimentos e bebidas selecionados no último mês. O DSQ captura a ingestão de frutas e vegetais, laticínios/ cálcio, açúcares adicionados, grãos inteiros/fibra, carne vermelha e carne processada. O DSQ pode ser administrado por entrevistador em papel ou na web. Fonte: https://bit.ly/391rdxj Quadro 3 – Questões do Adolescent Food Habits Checklist 1. Se estou almoçando fora de casa, eu costumo escolher uma opção com baixo teor de gordura. ( ) Verdadeiro ( ) Falso ( ) Eu nunca almoço fora de casa 2. Normalmente evito comer alimentos fritos. ( ) Verdadeiro ( ) Falso 3. Eu costumo comer uma sobremesa ou pudim, se estiver disponível. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Fonte: Adaptado de MIRANDA; CARIOCA; MARCHIONI, 2019, p. 49 Você pode conhecer o desenho e a validação do Adolescent Food Habits Checklist no artigo original: The Adolescent Food Habits Checklist: reliability and validity of a measure of healthy eating behaviour in adolescents. Disponível em: https://go.nature.com/38YOpfY Caso você tenha dificuldade em ler em outro idioma, utilize a ferramenta “Tradutor” do Google ou outro aplicativo tradutor de sua preferência. Não são somente estudos de outros países que usam screeners de avaliação do con- sumo alimentar. No Brasil, temos um exemplo também, que vem sendo aplicado desde 2006 (Quadro 4). 19 UNIDADE Métodos Quantitativos para Avaliação do Consumo Alimentar Quadro 4 – Questões sobre alimentação do VIGITEL Agora eu vou fazer algumas perguntas sobre sua alimentação Q15. Em quantos dias da semana, o(a) Sr.(a) costuma comer feijão? 1 ( ) 1 a 2 dias por semana 2 ( ) 3 a 4 dias por semana 3 ( ) 5 a 6 dias por semana 4 ( ) Todos os dias (inclusive sábado e domingo) 5 ( ) Quase nunca 6 ( ) Nunca Q16. Em quantos dias da semana, o(a) Sr.(a) costuma comer pelo menos um tipo de verdura ou legume (alface, tomate, couve, cenoura, chuchu, berinjela, abobrinha – não vale batata, mandioca ou inhame)? 1 ( ) 1 a 2 dias por semana 2 ( ) 3 a 4 dias por semana 3 ( ) 5 a 6 dias por semana 4 ( ) Todos os dias (inclusive sábado e domingo) 5 ( ) Quase nunca (pule para Q25) 6 ( ) Nunca (pule para Q25) Q17. Em quantos dias da semana, o(a) Sr.(a) costuma comer salada de alface e tomate ou salada de qualquer outra verdur ou legume CRU? 1 ( ) 1 a 2 dias por semana 2 ( ) 3 a 4 dias por semana 3 ( ) 5 a 6 dias por semana 4 ( ) Todos os dias (inclusive sábado e domingo) 5 ( ) Quase nunca (pule para Q19) 6 ( ) Nunca (pule para Q19) Q18. Num dia comum, o(a) Sr.(a) come este tipo de salada: 1 ( ) No almoço (1 vez ao dia) 2 ( ) No jantar ou 3 ( ) No almoço e no jantar (2 vezes ao dia) Fonte: Adaptado de BRASIL, 2019 – VIGITEL, p. 116 Como vantagens, o screener é útil para comparar ingestão média de grupos de alimentos e padrões alimentares, mudanças ao longo do tempo, aderência a recomen- dações específicas. Também auxilia na elaboração de recomendações nutricionais e é de baixo custo e fácil de aplicar. Algumas limitações e desvantagens é que esse instrumento não avalia a alimentação global e a ingestão calórica, tem pouca precisão para quantificar nutrientes (pela falta de detalhes das questões) e é restrito aos itens que compõem o questionário. 20 21 Métodos Prospectivos Registro ou Diário Alimentar – Registro Estimado ou Registro do Peso dos Alimentos (RA ou DA) O método consiste em solicitar ao paciente que anote, em formulários previamente estabelecidos, todos os alimentos e as bebidas consumidos e suas devidas quantidades, durante 3, 5 ou 7 dias. O Registro Alimentar possibilita a análise da ingestão habitual do indivíduo ou de um grupo populacional. Assemelha-se ao R24h, mas não depende de dados retrospectivos, e sim, de dados imediatos. A orientação primordial é que as anotações sejam realizadas logo após o consumo dos alimentos, para evitar erros de memória. Para melhor descrever o tamanho das porções, assim como no R24h, é aconselhado trabalhar com fotos ilustrativas (Registro Estimado) ou uso de balanças para que se pese o alimento consumido (Registro do Peso dos Alimentos). No Registro Estimado do Alimento, o indivíduo anotará em formulário (Quadro 5) próprio a quantidade, o tamanho e o volume da porção de todos os alimentos e bebidas ingeridos ao longo de um dia, durante determinado período; no Registro do Peso do Alimento, o indivíduo pesará e registrará todos os alimentos/bebidas antes de serem consumidos, sendo que as sobras também deverão ser pesadas e registradas. O uso do Registro da pesagem dos alimentos é limitado a pesquisas que precisem estimar com acurácia nutrientes específicos em virtude de elevado custo, maior coo- peração do entrevistado e dificuldade em manter amostra representativa da população (MUSSOI, 2017). Quadro 5 – Exemplo de formulário para Registro Alimentar (RA) Orientações gerais para o procedimento: • Leve sempre seu registro junto com você, para todos os lugares; • Descreva o mais detalhadamente possível tudo o que comer, desde a hora que acordar até a hora que for dormir à noite, de preferência em medidas caseiras. Tenha o cuidado de anotar logo após comer para evitar esquecer alguma coisa; • Você pode utilizar as informações da embalagem dos alimentos para especificar se são desnata- dos, diet, light. Anote a marca e a quantidade (em gramas ou ml) descritas na embalagem; • Quando comer um sanduíche, terá de anotar os ingredientes e as quantidades contidos nele (p. ex., misto-quente – 1 fatia de presunto, 1 fatia de queijo, 1 onta de faca com bastante maionese); • Lembre-se de anotar detalhes como adição de açúcar, achocolatado, sal, óleo, molhos, entre outros. Desjejum (horário: ____) Alimentação/preparação Medida caseira ou peso em gramas Colação (horário: ____) Alimentação/preparação Medida caseira ou peso em gramas Almoço (horário: ____) Alimentação/preparação Medida caseira ou peso em gramas Lanche (horário: ____) Alimentação/preparação Medida caseira ou peso em gramas 21 UNIDADE Métodos Quantitativos para Avaliação do Consumo Alimentar Jantar (horário: ____) Alimentação/preparação Medida caseira ou peso em gramas Ceia (horário: ____) Alimentação/preparação Medida caseira ou peso em gramas Fonte: Adaptado de MUSSOI, 2017, p. 204 Em ambos os casos, o indivíduo deverá registrar de maneira detalhada o tipo de ali- mento, o modo de preparação, a marca, as especificações do produto que constam na embalagem e os produtos adicionados a alimentos/preparações. Esse método requer que o participante seja alfabetizado e esteja motivado a participar, pois o registro é trabalhoso e detalhado. No caso de crianças, idosos ou indivíduos com ne- cessidades especiais, os responsáveis, parentes ou cuidadores podem registrar a ingestão. É importante destacar que a alimentação registradapode ser influenciada devido ao fato de o próprio indivíduo anotar seu consumo. A influência pode ser proveniente da omissão de alimentos no relato ou da própria conscientização do indivíduo, que reflete sobre seu consumo e acaba modificando-o em função do registro. Devem-se utilizar, no mínimo, 3 dias e, no máximo, 7 dias, em dias alternados, incluindo 1 dia de final de semana, não deixando de registrar as refeições realizadas fora de casa. Vale ressaltar que longos períodos de registro podem desestimular as anotações, com- prometendo a confiabilidade dos dados. Os formulários para preenchimento podem ser entregues pessoalmente ou pelo Correio e, nesse caso, o telefone pode ser utilizado pelo entrevistador para tirar dúvidas sobre o preenchimento do formulário (ROSSI, 2015). Métodos Objetivos Avaliação Química da duplicata dos alimentos Na avaliação química da duplicata dos alimentos, os indivíduos coletam, em uma vasilha, uma porção idêntica aos alimentos por eles ingeridos, durante determinado período de tempo. Tais alimentos são armazenados na geladeira até serem analisados quimicamente em um laboratório destinado a essa finalidade. Esse método fornece resultados bastante fidedignos da ingestão de nutrientes dos indivíduos, porém são escassos os estudos que o utilizam mé- todo, pois é caro e envolve questões metodológicas muito específicas, como a necessidade de que o segundo porcionamento seja exatamente igual à porção ingerida, o acondiciona- mento dos alimentos e o tempo para análise laboratorial (FISBERG et al., 2005). Por fim, a decisão quanto ao método de avaliação do consumo alimentar a ser utili- zado dependerá dos objetivos do estudo, das características da população, do número de indivíduos participantes e dos recursos disponíveis. Independentemente do método escolhido, não existe um que seja perfeito para avaliar a ingestão alimentar e de nutrien- tes, visto que cada um apresenta vantagens e desvantagens, estando todos os métodos sujeitos a variações e erros de medida (MUSSOI, 2017). 22 23 Sempre que possível, o ideal é a aplicação de mais de um método de análise do con- sumo alimentar, pois os instrumentos apresentam limitações individuais, mas potencia- lizam suas funções quando utilizados de forma complementar (MIRANDA; CARIOCA; MARCHIONI, 2019). Uma síntese sobre alguns tipos de inquéritos pode ser observada no Tabela 4: Tabela 4 – Comparação de alguns Métodos de Avaliação do Consumo Alimentar teste R24H RA/DA QFA Screener Desenho do estudo Transversal x x x x Retrospectivo x x Prospectivo x x x x Intervenção x x x Objetivo de interesse Dieta global x x x Alguns componentes x x x x Detalhes (preparo, hora, local) Sim x x Não x x Tempo de exposição de interesse Curto x x Longo x x Avaliação dieta pregressa Sim x x Não x x Principais erros de medida Aleatório x x Sistemático x x Tempo de duração 20 minutos x x x Memória Específica x Generalizada x x Não requer muito da memória x Difi culdade cognitiva Alta x x Baixa x x Fonte: Adaptado de dietassessmentprimer.cancer.go Finalizamos esta Unidade conhecendo os diversos tipos de instrumentos para a ava- liação quantitativa dos alimentos e compreendendo suas especificidades, aplicabilidade e limitações. Vimos a importância da determinação de um instrumento ou método conforme as características do público a ser avaliado e os objetivos do estudo a serem desenvolvidos. Assim, fica evidente o papel observacional, analítico e crítico do nutricionista duran- te a avaliação do consumo alimentar, de forma a coletar informações o mais precisas possíveis para direcionar os planejamentos alimentares de intervenção e/ou orientação. 23 UNIDADE Métodos Quantitativos para Avaliação do Consumo Alimentar Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Leitura Eficácia dos Inquéritos Alimentares na Avaliação do Consumo Alimentar https://bit.ly/3pKSeuU Desenho de um questionário de frequência alimentar digital autoaplicado para avaliar o consumo alimentar de adolescentes e adultos jovens: coortes de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul https://bit.ly/2IUbOV5 Consumo alimentar e adequação nutricional de adultos com obesidade https://bit.ly/38WZU7r Consumo alimentar e risco cardiovascular em pessoas vivendo com HIV/AIDS https://bit.ly/3fdhpkU 24 25 Referências ALVARENGA, M.; KORITAR, P. 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UNIDADE Alimentação Brasileira Inquéritos Alimentares Nacionais Contextualização Como é a alimentação da população brasileira? Variada, multicultural, farta, tradicional, moderna, carente... São muitas as classificações possíveis. Mas de onde vêm as informações e os dados para que se determine essas classificações? Atualmente, os paradoxos entre escassez e excessos, o global e o local, o desenvolvi- mento e a desigualdade são constantes contradições da Sociedade e têm interferido na forma na qual as pessoas se comportam, comem, relacionam-se e adoecem. A obesidade, a anemia e outras carências nutricionais convivem no mesmo corpo e em todas as classes sociais, mas se diferenciam pelo contexto sociocultural em que essas pessoas estão inseridas, e é justamente esse contexto que pode ser fator determinante na forma de enfrentamento do problema em virtude do acesso, conhecimento e outras condições, ou a ausência delas (SOUZA et al., 2017). O artigo “A (des)nutrição e o novo padrão epidemiológico em um contexto de desenvolvi- mento e desigualdades” aborda aspectos relacionados à nutrição, contemplando as dimensões de escassez e excessos, e sua evolução ao longo do tempo, além de sua conexão com o novo pa- drão epidemiológico do Brasil. Vale a pena conferir. Disponível em: https://bit.ly/399tVAQ São muitos os interesses envolvidos nas questões relacionadas à saúde e à nutrição na Sociedade contemporânea. Por isso, é fundamental explorar os diferentes cenários e as relações que determinam os padrões alimentares para compreendermos e monito- rarmos as práticas e a evolução dos hábitos de consumo alimentar contemporâneo, suas variações em relação às diferenças regionais ou globais e direcionar as ações em saúde para cada população. No Brasil, bem como em outros países, as pesquisas destacam o “aumento exponen- cial da participação de produtos ultraprocessados e prontos para o consumo na rotina alimentar das pessoas, além da redução no consumo de alimentos in natura e minima- mente processados” (ROMEIRO et al., 2020). Essa realidade está intimamente ligada à globalização dos sistemas agroalimentares, que interferiu na diversificação da oferta de alimentos, modificando o padrão de consumo alimentar no contexto mundial contemporâneo, trazendo impactos à saúde dos indivíduos. Conhecer o padrão alimentar populacional e compreender e continuar observando a transição nutricional que vem ocorrendo no Brasil subsidiam a implementação de políti- cas específicas para promover a segurança alimentar e nutricional e para a elaboração de possíveis intervenções que garantam a promoção e a proteção da saúde, possibilitan- do a afirmação plena do potencial de crescimento e desenvolvimento humano com qua- lidade de vida e cidadania. Para tanto, é necessária a realização frequente e sistemática de pesquisas de representatividade populacional sobre o consumo alimentar, mesmo 8 9 sabendo-se que a concretização de estudos de avaliação do consumo alimentar, em nível nacional, seja complexa (MENEZES; OSÓRIO, 2009; SANTANA; SARTI, 2019). Nesta Unidade, iremos estudar os Inquéritos Alimentares de maior representatividade nacional, bem como os métodos utilizados para a coleta de dados e a abrangência dessas informações em relação à caracterização da alimentação brasileira e sua evolução ao longo do tempo. Para este momento, as principais questões são: quais são os conceitos e os objetivos dos Inquéritos Alimentares? De que forma as pesquisas de avaliação do consumo ali- mentar podem fornecer informações para as tomadas de decisão em relação à saúde dos indivíduos? Como podemos utilizar essas informações em nossa prática profissional? Bons estudos! 9 UNIDADE Alimentação Brasileira Inquéritos Alimentares Nacionais A Evolução da Alimentação Brasileira Mesmo dentro de um contexto de turbulências econômicas, políticas e sociais, o Brasil mudou substancialmente nos últimos cinquenta anos, seja por conta de fatores externos, derivados de um mundo progressiva- mente globalizado, seja pelo desenvolvimento autônomo de circunstân- cias e processos históricose culturais próprios do que se pode chamar de “modelo brasileiro”. (BATISTA FILHO; RISSIN, 2003, p. 182) A citação acima continua atual, diante dos acontecimentos que ocorreram e ainda presenciamos na história brasileira. Somos um país em transição? A alimentação brasileira é um reflexo dessa transição? Segundo Escoda (2002), em seu artigo Para a Crítica da Transição Nutricional, a transição, entendida como processo, supõe a evolução e/ou a distensão movida por forças sociais no interior de um sistema político: O termo transição pode ser entendido como o ato ou efeito de transitar. O verbo indica um trajeto, uma trajetória. Passagem de um lugar, de um assunto, (...) para outro. (...) Para a epidemiologia, a transição consiste na existência de um primeiro estágio que fora marcado pelas doenças pestilenciais e pela fome epidêmica; um segundo, pelo declínio das pan- demias; e um terceiro, caracterizado pelas doenças degenerativas e pro- duzidas pelo homem. (ESCODA, 2002, p. 221-2) Sendo assim, não é possível avaliar o consumo alimentar ou determinar o padrão ali- mentar, seja da população, seja de um indivíduo, de forma isolada. Isso porque seria um olhar “supostamente isolado”, pois tanto a população quanto um indivíduo pertencem a um contexto, um tempo, uma cultura etc., ou seja, são componentes sociais. Partindo-se deste pressuposto, vamos observar a evolução e/ou mudanças na alimen- tação brasileira. Na década de 1940, aproximadamente 69% dos brasileiros residiam na zona rural e a maior parte da população economicamente ativa trabalhava na agricultura, pecuária, silvicultura, atividades domésticas e escolares (73,6%). Já em 2012, 84,8% da popula- ção se encontrava concentrada nas áreas urbanas do país, com diferenças importantes dentro do território nacional. Essas mudanças ao longo do tempo transformaram as relações de trabalho e as estruturas geradoras de renda e geraram impacto no estilo de vida e estado nutricional. O número médio de filhos por mulher em idade reprodutiva passou de 6,3 para 1,8, em 1940 e 2012, respectivamente. Por outro lado, a taxa de mortalidade infantil no primeiro ano de vida reduziu de 124 óbitos para cada mil nascidos vivos, em 1960, para 16 em 2010, e alcançou o objetivo do milênio antes do tempo previsto (2015). Ao mesmo tempo, a expectativa de vida aumentou de 42,7 anos, na década de 40, para 74,5 anos, em 2012 e, segundo projeções, alcançará 81,29 anos em 2050. 10 11 Em relação ao consumo alimentar, quando os dados das pesquisas nacionais de 1970, 1980 e 1990, foram comparados, observou-se aumento no consumo de refrigerantes, biscoitos, embutidos e refeições industrializadas em 425%, 218%, 173% e 77% respec- tivamente. Por outro lado, reduziu-se o consumo de ovos, gordura animal, peixes, raízes e tubérculos em 83%, 63%, 38% e 33%, respectivamente. O consumo médio de sal no Brasil (12g/dia) alcançou o dobro da recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) (SOUZA et al., 2017). Embora tenha sido observado aumento na presença de alimentos ultraprocessados, os alimentos mais presentes continuam a ser o arroz, feijão e carnes (Figura 1), embora observe-se um declínio na aquisição de feijão quando se comparam os índices atuais com as pesquisas anteriores. O artigo Incerteza sobre alimentação diminui, mas qualidade ainda preocupa comenta, ainda, a insegurança alimentar que atinge mais de 25% da população brasileira. Figura 1 Fonte: PARADELLA, 2018 Incerteza sobre alimentação diminui, mas qualidade ainda preocupa. Disponível em: https://bit.ly/398Zvyz Entre 2014 e 2015, conforme VIGITEL (2014) e IBGE (2016), a prevalência de exces- so de peso entre adolescentes foi de 23,7% nos meninos e 23,8% nas meninas, enquan- to 52,5% dos adultos brasileiros estavam acima do peso e 17,9% obesos. 11 UNIDADE Alimentação Brasileira Inquéritos Alimentares Nacionais Pode-se destacar como mudanças positivas nos últimos anos o aumento da prática de atividade física em 18% (2009/2014) e a redução de 19,3% no número de pessoas que assistiam televisão três ou mais horas por dia (2006/2014), além da tendência à estabilização da obesidade nos últimos três anos (2012-2014). Práticas desfavoráveis em relação à dieta e à atividade física têm sido associadas a fatores contribuintes na prevalência de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), como diabetes, hipertensão arterial, excesso de peso e obesidade. No Brasil, verifica-se um declínio acelerado na ocorrência da desnutrição entre crianças e adultos e, simultaneamente, elevação da prevalência de sobrepeso e obesidade na população brasileira. As projeções dos resultados de estudos efetuados nas últimas três décadas colocam holofotes no aumento das taxas de sobrepeso e obesi- dade no Brasil, uma das características marcantes do processo de transição nutricional do país (SANTANA; SARTI, 2019). Em outra perspectiva, as Pesquisas de Orçamentos Familiares trazem um dado que reflete as mudanças na forma como as pessoas direcionam os gastos com alimentação, identificando que as participações percentuais da despesa média mensal familiar com a alimentação têm apresentado alterações significativas nos seus dois grupos: despesas com aquisições de alimentos para consumo no domicílio e despesas com aquisições de alimentos consumidos fora do domicílio, conforme gráfico a seguir: Figura 2 – Percentual da despesa monetária e não monetária mensal familiar com alimentação fora do domicílio, segundo a situação do domicílio – Brasil – 2002/2018 Fonte: IBGE, 2019 Para a identificação da evolução das características do consumo alimentar brasileiro, a realização de inquéritos populacionais com produção de informações de relevância para a saúde coletiva, bem como a qualificação profissional para utilização dessas informações, constituem meios essenciais de aprimoramento para o planejamento em saúde e elabo- ração de intervenções mais eficientes, eficazes e efetivas (SPERANDIO; PRIORI, 2017). Importante! Quando utilizamos dados populacionais provenientes de Inquéritos Alimentares para avaliar adequações nutricionais, comparamos esses dados às recomendações nutricionais por meio de análise estatística. Por outro lado, quando obtemos informações sobre o consumo alimen- tar de um indivíduo, a comparação deve ser feita com base nas necessidades nutricionais espe- cíficas. Para ambos os casos, as referências são as DRIs (Dietary Reference Intakes). 12 13 Conceitos e Objetivos dos Inquéritos Alimentares Os hábitos alimentares, num conceito ampliado, estão intimamente relacionados aos aspectos culturais, antropológicos, socioeconômicos e psicológicos no contexto em que as pessoas estão inseridas. Neste cenário, a análise do consumo alimentar tem papel decisivo e não se restringe à mera quantificação dos nutrientes consumidos. Muito pelo contrário, busca-se, em conjunto com o indivíduo, a identificação dos determinantes demográficos, sociais, culturais, ambientais e cognitivo emocionais da alimentação cotidiana para que sejam estabelecidos planos alimentares mais adequados à realidade, o que resultará em melhor adesão ao tratamento nutricional (FISBERG; MARCHIONI; COLUCCI, 2009). Os inquéritos alimentares são uma relação de perguntas ou itens a serem avaliados que podem fornecer informações qualitativas, quantitativas ou ambas sobre a ingestão de alimentos e nutrientes, em nível individual ou populacional (MUSSOI, 2015). Esses inquéritos constituem uma forma de avaliação indireta da condição nutricional de indivíduos e grupos populacionais e permitem conhecer o consumo de energia e de nutrientes que, ao se comparar aos padrões de referência, podem identificar os indivídu- os em risco de inadequação alimentar. As investigações epidemiológicas realizadas nos inquéritos alimentares e nutricionais utilizam procedimentos metodológicos que possibilitam estimar o perfil nutricional e fatores determinantes dos agravos que possam estar relacionados à nutrição, documen-tando estas questões de forma técnica e científica, fornecendo, assim, informações para as ações de saúde pública (MENEZES; OSÓRIO, 2009). A análise representativa do consumo alimentar possibilita, também, a coleta e a adequa- da interpretação dos dados antropométricos nos diferentes grupos etários (SPERANDIO; PRIORE, 2017). Figura 3 Fonte: Getty Images 13 UNIDADE Alimentação Brasileira Inquéritos Alimentares Nacionais Os objetivos dos inquéritos alimentares, sejam eles aplicados ao estudo da alimenta- ção de populações, seja no estudo individualizado, fomentam: • Planejamento alimentar para: » Adequação da oferta de alimentos; » Produção e distribuição de alimentos; » Regulação de produtos alimentícios. • Interesses nutricionais de forma a: » Estimar a adequação da ingestão de nutrientes em populações; » Identificar grupos de risco nutricional; » Investigar a relação dieta-saúde-estado nutricional; » Avaliar programas de intervenção e educação nutricional; » Investigar ingestão de alimentos fortificados. • Levantamento dos Aspectos toxicológicos no sentido de: » Estimar e verificar a ingestão média de aditivos alimentares e substâncias contaminantes; » Investigar uso de suplementos. Inquéritos populacionais que incluem variáveis antropométricas e de consumo ali- mentar são relevantes para a avaliação e o monitoramento das condições de saúde, alimentação e nutrição da população, norteando, com as evidências coletadas, a defini- ção de prioridades internacionais, nacionais e regionais, como também para tomada de decisão política (SPERANDIO; PRIORE, 2017). No desenho de um estudo populacional, o que é preciso determinar antes de escolher o tipo de inquérito alimentar a ser aplicado? Principais Investigações Nacionais Sobre Alimentação Os primeiros inquéritos nutricionais no país foram realizados nas décadas de 1930 e 1940, coordenados por Josué de Castro. Em 1946, foram analisados os hábitos ali- mentares e o estado nutricional dos brasileiros, nas diferentes áreas geográficas, con- siderando as suas causas naturais, os fenômenos sociais e a estrutura econômica que condicionavam o tipo de alimentação dos diferentes grupos populacionais, identificando claramente as áreas de fome no país. 14 15 Josué de Castro foi autor de vários livros que discutem a fome como uma questão política, também representou o Brasil em vários órgãos internacionais, como a FAO, mas acabou sendo exilado pela ditadura militar. No filme Josué de Castro – Cidadão do Mundo é pos- sível conhecer um pouco mais sobre vida e a obra do médico pernambucano e intelectual engajado em um dos maiores e eternos problemas da humanidade: a fome. Disponível em: https://youtu.be/LFzNVo8KIKg No Brasil, não são muitas as experiências de realização de inquéritos alimentares e nutricionais com representatividade nacional. Contudo, apesar de não haver periodi- cidade definida, esses inquéritos têm possibilitado a visualização do estado de saúde e nutrição da população. Tabela 1 – Síntese dos principais inquéritos antropométricos e alimentares da população brasileira Pesquisa Amostra Objetivos Consumo alimentar Antropometria Estudo Nacional de Despesas Familiares (ENDEF – 1974) 55 mil domicílios; 267.446 pessoas. Avaliar as condições de vida e a situação nutricional da população. Pesagem direta de alimentos durante sete dias consecutivos. Peso (kg) altura (cm) Perímetro do Braço (cm) Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) de 1987 e de 1995 1987: 13.707 domincílios; 1995: 19.816 domicílios. Traçar o perfil das condições de vida da população a partir da análise de seus orçamentos domésticos. Aquisição domiciliar de alimentos. Não foi avaliado Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição (PNSN – 1989) 14.455 domicílios; 63.213 indíviduos. Descrever o estado nutricional da população brasileira, além de caracterizar as condições de saúde e a estrutura socioeconômica nos domicílios. Não foi avaliado Peso (kg) Altura (cm) Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV – 1997) Nordeste e Sudeste; 5.000 domicílios. Identificar panorama do bem estar social da população, assim como os fatores determinantes. Questionário de frequência com 28 tipos de alimentos. Peso (kg) Altura (cm) Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS de 1996 e 2006) 1996: 13.283 domicílios; 12.612 mulheres, 2.949 homens e 4.782 crianças menores de 5 anos; 2006: 14.617 domicílios; 15.575 mulheres e 5.461 crianças menores de 5 anos. Caracterizar a população feminina em idade fértil e as crianças abaixo de 5 anos de idade, segundo fatoires demográficos, socioeconômicos e culturais. 2006: Questionário de frequência com 20 tipos de alimentos. 1996: Peso(kg) Altura (cm) 2006: Peso (kg) Altura (cm) Perímetro da cintura (cm) das mulheres POF - 2002/03 48.470 domicílios; 182.333 pessoas. Fornecer informações sobre a composição dos orçamentos domésticos e as condições alimentares e nutricionais da população. Aquisição domiciliar de alimentos. Peso (kg) Altura (cm) 15 UNIDADE Alimentação Brasileira Inquéritos Alimentares Nacionais Pesquisa Amostra Objetivos Consumo alimentar Antropometria POF - 2008/09 55.970 domicílios; 159.941 pessoas; Análise do consumo alimentar: 34.003 pessoas Idem POF 2002-2003 Aquisição domiciliar de alimentos; Moradores com mais de 10 anos preencheram 2 registros alimentqares em dias não consecutivos. Peso (kg) Altura (cm) Pesquisa Nacional de Saúde (PNS - 2013) 62.986 domicílios Coletar dados sobre a situação de saúde e os estilos de vida da população brasileira. Marcadores positivos e negativos do consumo alimentar (questões sobre o consumo de determinados alimentos). Peso (kg) Altura (cm) Perímetro da Cintura (cm) Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PNSE de 2009 e 2012) Escolares do 9º ano do Ensimo Fundamental de escolas públicas e privadas das capitais brasileiras e do Distrito Federal. 2009: 6.780 escolas; 60.973 escolares. 2012: 42.717 escolas; 109.104 escolares. Conhecer a prevalência dos fatores de risco e a proteção à saúde dos adolescentes, e orientar intervenções em saúde adequadas. Marcadores de alimentação saudável e de não saudável. 2009: Peso (kg) Altura (cm) 2012: sem antropometria. Estudo de Riscos Cardiovas- culares em Adolescentes (ERICA/2014) Adolescentes de 12 a 17 anos; Total de 1.251 escolas; 75 mil estudantes. Conhecer a proporção de adolescentes com diabetes melitus e obesidade, assim como traçar o perfil dos fatores de risco de doenças cardiovasculares. Recordatório de 24 horas. Peso (kg) Altura (cm) Perímetro da cintura (cm) Vigilância dos fatores de risco e proteção para doenças crônicas por in- quérito telefônico (Vigitel 2006; 2014). Adultos com mais de 18 anos residentes nas capitais dis 26 estado e Distrito Federal; Entrevistas por inquérito telefônico. Monitorar a magnitude das doenças e dos agravos não transmissíveis e de seus determinantes. Marcadores positivos e negativos do consumo alimentar. Dados autodeclarados de peso e altura. Fonte: SPERANDIO; PRIORE, 2017, p. 502-503; IBGE, 1990; 2016 Considerando a importância nacional e a continuidade da aplicação dos inquéritos, vamos conhecer de forma mais aprofundada o Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF), a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) e o Sistema de Vigilância de Fa- tores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL). Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF) O primeiro e mais amplo estudo nacional que apresentou a situação alimentar e nutricional da população do país foi o Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF, 1974/75), realizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), concebido como um estudo de objetivos múltiplos, para atender às necessidades de pla- nejamento dos setores público e privado (IBGE, 1976). O ENDEF (1974/75) é considerado um clássico derelacionado a constituintes do metabolismo de nutrientes ou determinados efeitos biológicos da ingestão dietética. De toda forma, na pesquisa nutricional, temos de usar uma definição ampla e tam- bém uma que seja adaptável a cada situação, pois precisamos de biomarcadores que cubram pelo menos os seguintes aspectos: ingestão alimentar, estado nutricional, exposição a nutrientes, efeitos de alterações fisiológicas e patológicas decorrentes de intervenção nutricional e para fornecer informações interindividuais sobre as diferentes respostas à dieta. Devemos ter em mente, também, que muitos biomarcadores podem estar em mais de uma dessas categorias: • Biomarcadores de exposição dietética: diferentes tipos de biomarcadores que vi- sam a avaliar a ingestão alimentar de diferentes alimentos, nutrientes, componentes não nutritivos ou padrões dietéticos (biomarcadores de recuperação, concentração, biomarcadores de recuperação e biomarcadores preditivos). Por exemplo: nitrogê- nio urinário como biomarcador de ingestão de proteínas; • Biomarcadores do estado nutricional: refletem não apenas a ingestão, mas também o metabolismo do(s) nutriente(s) e, possivelmente, os efeitos de processos de doen- ças. Por exemplo: alguns dos biomarcadores de carbono no metabolismo, como a homocisteína, que refletem não apenas a ingestão nutricional, mas também processos metabólicos. É importante notar que um único biomarcador pode não refletir o estado nutricional de um único nutriente, mas pode indicar as interações de vários nutrientes; • Biomarcadores de saúde/doença: relacionados a diferentes fenótipos intermediá- rios de uma doença ou mesmo à gravidade da doença. Por exemplo: concentrações plasmáticas de colesterol total ou triglicerídeos associado a doenças cardiovasculares (CORELLA; ORDOVAS, 2015). Biomarcadores requerem a obtenção de diferentes tipos de amostras biológicas para suas medições, sendo sangue, urina e saliva os mais comumente utilizados, embora cada vez mais informações estejam sendo retiradas de outra amostra, como fezes, cabelo, unhas, tecido adiposo e outros tecidos específicos, dependendo de os objetivos do estudo. A partir de agora, veremos a aplicação de alguns tipos de biomarcadores. 11 UNIDADE Marcadores Bioquímicos e Tecnologias para a Avaliação do Consumo Alimentar Biomarcadores de uso clínico Exames laboratoriais são ferramentas úteis na avaliação do conjunto que compreende o consumo alimentar e os riscos de desenvolvimento de agravos à saúde decorrentes de, além de outros fatores, uma alimentação inadequada. São utilizados tanto em estudos epi- demiológicos como no atendimento individualizado. Na Tabela 1 podemos observar alguns biomarcadores que podem indicar condições de agravos à saúde relacionados a anemias, estado nutricional em relação à vitamina C e estado nutricional relacionado à vitamina D. Tabela 1 – Características dos biomarcadores relacionados à alimentação e ao risco de doenças associadas Doença Biomarcador Valores e Referência Anemias Ferritna Normal: 26 a 446 µg/L (M). 16 a 149 µg/L (F) Saturação da transferrina Normal: 66 a 175 µg/dL (M). 50 a 170 µg/dL (F) Hematrócrito Normal: 39,0 a 50% (M), 35,0 a 45,0% (F) Folato Normal: 13,5 a 17,5 g/dL (M), 12,0 a 15,5 g/dL (F) Homocisteína Normal: 5,0 a 14,0 µmol/L Ácido metilmalônico Normal: ≤ 5,0 µmol/L Estado nutricional relativo à vitamina C Ácido ascórbico (plasma) Desejável: > 23 µmol/L Baixo: 11,4 a 23 µmol/L Deficiência: 65 ng/L 25-hidroxovitamina D Suficiência: > 30 ng/mL Insuficiência: 20 a 30 ng/mL Dificiência:valor histórico, cujo acervo de da- dos inclui registros de 1374 variáveis, coletadas em 55.000 domicílios. Foram descritas 16 17 as características socioeconômicas, alimentares e nutricionais, identificando a situação das famílias em risco nutricional nas diferentes regiões e classes sociais do país. Constituiu o primeiro inquérito de análise do consumo alimentar da população, uti- lizando uma metodologia de pesagem direta dos alimentos a ser empregada para estabelecer o preparo das refeições diárias, registrando-se sua quantidade, preço, origem, resíduos e os restos não aproveitados, pelo período de uma semana, com duas ou três visitas domiciliares por dia. Os alimentos consumidos fora de casa e as aquisições alimentares não monetárias também foram registrados (SOUZA et al., 2017). Apesar de sua abrangência, o ENDEF (1974/75) não forneceu dados sobre a divisão dos alimentos entre os membros da família, não permitindo, portanto, conclusões sobre a adequação nutricional dos indivíduos (MENEZES; OSÓRIO, 2009). Em 2014, como comemoração dos 40 anos de realização do ENDEF, o IBGE pu- blicou um livro em que são reproduzidos alguns dos relatórios semestrais apresentados pelas equipes que realizaram a pesquisa, manuscritos em que são narradas as experiên- cias vividas no campo de pesquisa. Esses relatórios foram divididos conforme as regiões brasileiras estudadas e são muito ricos no que concerne às características socioculturais brasileiras (IBGE, 2014). Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) Os propósitos principais das Pesquisas de Orçamentos Familiares - POFs, realizadas pelo IBGE, são disponibilizar informações sobre a composição orçamentária doméstica e sobre as condições de vida da população, in- cluindo a percepção subjetiva da qualidade de vida, bem como gerar bases de dados e estudos sobre o perfil nutricional da população. (IBGE, 2019) A primeira Pesquisa de Orçamento Familiar (POF, 1961/63) foi realizada pela Fun- dação Getúlio Vargas, em áreas urbanas e rurais das regiões Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil. Nessa pesquisa foi estimada, indiretamente, a quantidade de alimentos consu- mida em domicílio, por meio da estimativa do gasto familiar com alimentação. A segunda POF (1987/88), conduzida pelo IBGE, investigou nove regiões metropo- litanas: São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, Salvador, Belém, além das cidades de Goiânia e Brasília, e teve como objetivo pesquisar as despesas referentes aos gastos com alimentação, habitação, ves- tuário etc., considerando como unidade de consumo a família que realizou um conjunto de despesas comuns e visando à atualização dos índices de preços ao consumidor do IBGE. Caracterizou-se por conter grande variedade de dados, investigando o consumo alimen- tar, características dos domicílios e dos moradores, rendimentos e despesas coletivas e indi- viduais, de forma a atender objetivos acadêmicos, planejamentos governamentais nas áreas demográficas e socioeconômicas e realização de estudos comparativos do consumo alimen- tar, da adequação do consumo e das alterações ocorridas desde o ENDEF (1974/75). 17 UNIDADE Alimentação Brasileira Inquéritos Alimentares Nacionais Da mesma maneira que a POF (1961/63), sua metodologia, de custo mais baixo, comparada à do ENDEF (1974/75), não contemplou a obtenção dos dados de consumo alimentar de forma direta. Na metodologia indireta, para cálculo da estimativa do consumo alimentar, utilizou-se o preço médio dos produtos adquiridos, o peso dos alimentos e a população residente. O resultado, obtido a partir destas variáveis, constituiu uma estimativa de consumo e quantificação dos produtos adquiridos dentro e fora do domicílio, ou seja, estimasse a aquisição e não especificamente o consumo. Importante! Limitações metodológicas da POF (1987/88): não consideração do consumo alimentar proveniente da autoprodução ou obtido por doações, não realização de inferências sobre o consumo alimentar individual e a não avaliação do estado nutricional dos indivíduos por meio de dados antropométricos e bioquímicos. Na POF (1995/96), os instrumentos de coleta de dados foram adaptados, no sentido de aperfeiçoar o estudo como um todo. A quantidade e medida de cada produto ad- quirido foi registrada diariamente, durante sete dias consecutivos, de forma a se obter diretamente todas as despesas efetuadas pelo grupo familiar. A POF de 2002/03 (IBGE, 2004), realizada pelo IBGE em parceria com o Ministério da Saúde, traça o perfil das condições de vida da população brasileira, a partir da análise do orçamento doméstico familiar, investigando os hábitos de consumo, a alocação de gastos e a distribuição dos rendimentos. Inclui, também, informações sobre as medidas antropométricas (peso e altura de todos os residentes presentes no momento da coleta dos dados), permitindo avaliar o estado nutricional da população. Uma inovação da POF (2002/03) em relação às anteriores é o fato de incluir as famí- lias residentes nas áreas rurais, além das áreas urbanas, em suas diferentes classes de rendimentos, segundo as cinco grandes regiões do país (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste), bem como as diversas formas de aquisição dos alimentos: monetária (me- diante pagamento) e não monetária (que não tenha passado pelo mercado) (IBGE, 2005). Na POF (2007/08), com o objetivo de investigar os orçamentos familiares combi- nados a outras informações sobre as condições de vida das famílias brasileiras, com destaque para a Antropometria e o estudo sobre consumo alimentar efetivo, envolveu a investigação de 65.000 domicílios nas áreas urbanas e rurais de todo o território brasilei- ro, trazendo, pela primeira vez, um módulo sobre o consumo efetivo de alimentos para a população a partir de 10 anos, obtido em uma subamostra, mediante recordatório de 24 horas por dois dias alternados. Além disto, a POF 2007-2008 traz informações sobre a amamentação e a alimentação na escola (IBGE, 2011). 18 19 Figura 4 – Exemplo de Gráfi cos da POF Fonte: Adaptado de IBGE, 2009 Fig ura 5 – Exemplo de Gráfi cos da POF Fonte: Adaptado de IBGE, 2009 Em Síntese As edições anteriores da POF (1987/88; 1995/96; 2002/03) trouxeram informações sobre a disponibilidade de alimentos para consumo nos domicílios. A edição de 2008/09, além dos dados de disponibilidade, avaliou o consumo alimentar individual de uma sub amostra da população. É importante ressaltar que a POF é um inquérito domiciliar, o que significa que a coleta dos dados acontece nos domicílios que são selecionados a partir de processo de amostragem. É o inquérito de maior frequência para efeitos com- parativos, embora a metodologia tenha sofrido alterações ao longo do tempo. Na edição de 2017/2018, ainda divulgada parcialmente, o IBGE também estabeleceu o convênio com o Ministério da Saúde e manteve a metodologia similar à POF 2007/2008. Contudo destaca-se, no contexto da POF 2017-2018, a introdução da Escala Brasileira de 19 UNIDADE Alimentação Brasileira Inquéritos Alimentares Nacionais Insegurança Alimentar – EBIA, possibilitando, agora, avaliações que levem em consideração as informações de consumo das famílias, além de outras características (IBGE 2019; 2020). A Escala Brasileira de Insegurança Alimentar – EBIA é uma escala psicométrica – cujo ob- jetivo é estabelecer uma relação de função entre estímulos ambientais (físicos, sociais) e o comportamento do indivíduo, que avalia de maneira direta uma das dimensões da seguran- ça alimentar e nutricional em uma população, por meio da percepção e experiência com a fome. Disponível em: https://bit.ly/2Yg3fIf Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL) O Vigitel compõe o sistema de Vigilância de Fatores de Risco para doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) do Ministério da Saúde, juntamente com outros inquéritos, como os domiciliares e os voltados para a população escolar.Desde 2006, implantado em todas as capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal, o Vigitel vem cumprindo, com grande eficiência, seu objetivo de monitorar, por inquérito telefônico e informações autodeclaradas, a frequência e a distribuição dos principais determinantes das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT). A pesquisa Vigitel é realizada pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Mi- nistério da Saúde. Entre as doenças crônicas não transmissíveis monitoradas por esse sistema estão: diabetes, câncer e doenças cardiovasculares, cujos indicadores tabagismo, alimentação não saudável, inatividade física e o uso nocivo de bebidas alcoólicas são os fatores de risco modificáveis em comum e monitorados pelas pesquisas. Para o monito- ramento desses fatores de risco, a pesquisa é dividida nos assuntos: tabagismo, excesso de peso e obesidade, consumo alimentar, atividade física, consumo de bebidas alcoóli- cas, condução de veículo motorizado após consumo de qualquer quantidade de bebidas alcoólicas, autoavaliação do estado de saúde, prevenção de câncer e morbidade referida. O monitoramento dos fatores de risco e das principais doenças crônicas fornece informações importantes para o planejamento de políticas públicas de promoção e pre- venção, além da avaliação de intervenções realizadas. O Vigitel, dentro do sistema de vigilância, apoia também o monitoramento das metas do Plano Regional de DCNT (Or- ganização Pan-Americana da Saúde – OPAS) e do Plano Global para o Enfrentamento das DCNT (Organização Mundial da Saúde). Dados do Vigitel mostram que, em 2019, 9,8% da população entrevistada declarou que ainda é fumante. O índice é 0,5% mais alto que o valor apurado há um ano. Ainda assim, a queda é de 38% em um período de 13 anos. Em 2006, 15,6% dos brasileiros declaravam-se fumantes. A pesquisa também mostrou que, no período entre 2006 e 2019, a prevalência de diabetes passou de 5,5% para 7,4%, e a hipertensão arterial, subiu de 22,6% para 24,5%. O maior aumento, porém, está relacionado à obesidade, que passou de 11,8%, 20 21 em 2006, para 20,3% em 2019 (variação positiva de 72%). Isso significa que dois em cada 10 brasileiros estão obesos. Considerando o excesso de peso, metade dos brasilei- ros está nesta situação (55,4%) (BRASIL, 2019). Todas as publicações do VIGITEL. Disponível em: https://bit.ly/3joLcrv Tabela 2 – Comparativo 2006-20019 VIGITEL – Frequência anual dos indicadores do Vigitel que apresentam variação temporal estatisticamente signifi cativa. População adulta (≥ 18 anos), de ambos os sexos, das capitais dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal (2006-2019) Indicadores 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 % de fumantes 15,7 15,6 14,8 14,3 14,1 13,4 12,1 11,3 10,8 10,4 10,2 10,1 9,3 9,8 % de fumantes de ≥ 20 cigarros por dia 4,6 4,7 4,6 4,1 4,3 4,0 4,0 3,4 3,0 3,1 2,8 2,6 2,4 2,3 % de fumantes passivos no domicílio * * * 12,7 11,5 11,3 10,2 10,2 9,4 9,1 7,3 7,9 7,6 6,8 % de fumantes passi- vos no trabalho * * * 12,1 10,5 11,2 10,4 9,8 8,9 8,0 7,0 6,7 6,8 6,6 % com excesso de peso (IMC ≥ 25 kg/m2) 42,6 43,4 44,9 45,9 48,2 48,8 51,0 50,8 52,5 53,9 53,8 54,0 55,7 55,4 % com obesidade (IMC ≥ 30kg/m2) 11,8 13,3 13,7 14,3 15,1 16,0 17,4 17,5 17,9 18,9 18,9 18,9 19,8 20,3 % com consumo recomendado de frutas e hortaliças * * 20,0 20,2 19,5 22,0 22,7 23,6 24,1 25,2 24,4 23,7 23,1 22,9 % com consumo regular de feijão (≥ 5 dias/semana) * 66,8 65,6 64,9 65,6 67,6 67,5 66,9 66,1 64,8 61,3 59,5 * 59,7 % com consumo regu- lar de refrigerantes (≥ 5 dias/semana) * 30,9 26,4 26,0 26,8 27,5 26,0 23,3 20,8 19,0 16,5 14,6 14,4 15,0 % de ativos no lazer * * * 30,3 30,5 31,6 33,5 33,8 35,3 37,6 37,6 37,0 38, 39,0 % de ativos no deslocamento 10,8 10,8 11,3 17,0 17,9 14,8 14,2 12,1 12,3 11,9 14,4 13,4 14,4 14,1 % de insuficientemente ativos * * * * * * * 49,4 48,7 47,5 45,1 46,0 44,1 44,8 % de inativos * * * 15,9 15,3 14,9 14,9 16,2 15,4 16,0 13,7 13,9 13,7 13,9 % com consumo abusivo de álcool 15,7 16,5 17,2 18,5 18,1 16,5 18,4 16,4 16,5 17,2 19,1 19,1 17,9 18,8 % com diabetes 5,5 5,8 6,2 6,3 6,8 6,3 7,4 6,9 8,0 7,4 8,9 7,6 7,7 7,4 *Dado não disponível para o ano de levantamento. Nota: as estimativas para a evolução de alguns indicadores poderão apresentar pequenas variações com relação às estimativas divulgadas em relatórios anteriores do Vigitel em função de aperfeiçoamento metodológicos quanto a fatores de ponderação e imputação de dados faltantes. Fonte: Adaptado de BRASIL, 2019, p. 105 21 UNIDADE Alimentação Brasileira Inquéritos Alimentares Nacionais Ao longo da História, como vimos, foram realizados diversos tipos de Inquéritos Alimenta- res cujas informações são utilizadas para fins comparativos e de análise das mudanças que vêm ocorrendo em relação aos hábitos e padrões alimentares da população. Considerando que os procedimentos metodológicos dos inquéritos diferem entre si, quais são os impactos dessas diferenças na comparação dos dados? Nesta Unidade, vimos os Inquéritos Alimentares de maior representatividade nacio- nal e pudemos analisar de forma mais aprofundada os métodos utilizados para a coleta de dados do ENDEF, POFs e VIGITEL. Além disso, discutimos a representatividade dessas informações em relação à caracterização da alimentação brasileira, além das mo- dificações que foram ocorrendo ao longo do tempo, reflexo da transição epidemiológica e nutricional do Brasil, bem observadas nos resultados das pesquisas. Por fim, foi possível identificar que as pesquisas de avaliação do consumo alimentar são importantes fontes de informações para o planejamento de ações de promoção da saúde da população e devem ser sempre acompanhadas pelos profissionais das áreas evolvidas. 22 23 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Leitura Nossa Experiência na Pesquisa da Balança: O Brasil sob a ótica dos pesquisadores do Estudo Nacional da Despesa Familiar https://bit.ly/3iPR928 Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil https://bit.ly/3plxiu1 Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018: Primeiros Resultados https://bit.ly/2MlbpMJ Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018: Avaliação Nutricional da Disponibilidade Domiciliar de Alimentos no Brasil https://bit.ly/3ojJ4Ug Relatório Vigitel Brasil 2019 https://bit.ly/2YfD3NT Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel): mudança na metodologia de ponderação https://bit.ly/3pmFVnV 23 UNIDADE Alimentação Brasileira Inquéritos Alimentares Nacionais Referências BATISTA FILHO, M.; RISSIN, A. A transição nutricional no Brasil: tendências regionais e temporais. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 19, supl. 1, p. S181-S191, 2003. Disponível em . Acesso em: 03/08/2020. BERNAL, R. T. I. et al. Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel): mudança na metodologia de ponderação. Epi- demiol. Serv. Saúde, Brasília, v. 26, n. 4, p. 701-712, dez. 2017. Disponível em . Acesso em: 05/08/2020. BRASIL. Ministério da Saúde (MS). Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não transmissíveis e Promoção da Saúde. Vigitel Brasil 2019: vigilância de fatores de risco para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: MS, 2019. Disponível em: . Acesso em: 01/08/2020. ESCODA, M. do S. Q. Para a crítica da transição nutricional. Ciênc. saúde coletiva, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 219-226, 2002. Disponível em: .Aces- so em: 03/08/2020. FISBERG, R. M.; MARCHIONI, D. M. L.; COLUCCI, A. C. A. 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Acesso em: 01/08/2020. 24 25 ________. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: análise do consumo ali- mentar pessoal no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2011. Disponível em: . Acesso em: 01/08/2020. ________. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2015. Rio de Janeiro: IBGE, 2016. Disponível em: . Aces- so em: 03/08/2020. ________. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018: Primeiros Resultados. Rio de Janeiro: IBGE; 2019. Disponível em: . Acesso em: 01/08/2020. ________. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018: Avaliação Nutricional da Disponibilidade Domiciliar de Alimentos no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. Dis- ponível em: . Acesso em: 01/08/2020. MENEZES, R. C. E.; OSÓRIO, M. M. Food and nutritional inquiries in Brazil: historic perspective. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr. = J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, v. 34, n. 2, p. 161-177, ago. 2009. MUSSOI, T. D. Avaliação nutricional na prática clínica: da gestação ao envelheci- mento. 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Disponível em: . Acesso em: 01/08/2020. 25como os biomarcadores de recuperação, são sensíveis, dependentes do tempo, mas podem ser afetados por caraterísticas pessoais, e sua recuperação é menor. Exemplos Frutose em urina de 24h. Biomarcadores de reposição Similares ao biomarcadores de concentração, referem-se especifica- mente a substâncias ou compostos para os quais as tabelas de com- posição de alimentos fornecem dados incompletos ou inexistentes. Exemplos Aflatoxinas, fitoestrogênio polifenóis. Fonte: Adaptado de CORELLA; ORDOVAS, 2015, p. 181 O biomarcador por si só não determina quais são os alimentos consumidos em de- masia ou em quantidade insuficiente. A informação obtida por meio de um biomar- cador precisa ser associada às demais informações dos inquéritos e analisada pelo profissional/pesquisador, para determinação das conclusões. Metabolômica e biomarcadores Mais um conceito: metabolômica. Esse termo, oriundo da genômica, refere-se ao estudo sistemático do conjunto de metabólitos (produtos endógenos de baixo peso mo- lecular) gerados por um organismo, denominado metaboloma. A genômica nutricional é a área da nutrição que investiga a interação gene/nutriente, po- dendo tanto o nutriente influenciar no funcionamento do genoma quanto a variação do geno- ma influenciar na resposta individual à alimentação (DUARTE; REIS; COZZOLINO, 2019). As metodologias ômicas (genômica, proteômica, epigenômica) oferecem um campo promissor tanto pata o controle das variações dos biomarcadores já conhecidos quanto para a identificação de novos biomarcadores (Quadro 2). Dentro dessas metodologias, a metabolômica consiste em ferramenta de análise am- pla que estuda os metabólitos oriundos de um organismo vivo. Essa é uma abordagem de interesse na nutrição, pois pode avaliar e monitorar o consumo alimentar de indivídu- os e populações, visto que possibilita melhor compreensão das implicações e altera- ções metabólicas, mesmo que sutis, ocasionadas por padrões alimentares, alimentos, nutrientes e compostos bioativos em diferentes condições fisiológicas, patológicas e con- forme diferentes genótipos (SILVA; MARCHIONI; HORST, 2019). 14 15 A metabolômica em nutrição humana avança para a descoberta de novos biomarca- dores para fatores dietéticos específicos e, consequentemente, para a saúde, permitindo identificar moléculas que variam de acordo com diferentes dietas e que podem ser úteis para a determinação de biomarcadores para alimentos específicos e para condições adequadas de saúde (GIUDICI; ROGERO; MARCHIONI, 2019). Quadro 2 – Classifi cação de biomarcadores de ingestão alimentar segundo metodológicas ômicas Biomarcadores genéticos Baseado em alterações no DNA, principalmente polimorfismos de um único nucleotídeo (Single Nucleotide Polymorfisms – SNPs). Exemplos Polimorfismos no gene da lactase. Biomarcadores epigenéticos Baseados nos principais reguladores epigenéticos: metilação de DNA, modificação de histonas e RNAs não codificantes. Exemplos • Hipermetilação ou hipometilação de DNA de genes específicos de- pendendo da ingestão de alimentos; • Níveis de microRNAs circulantes associados a várias doenças rela- cionadas à nutrição. Biomarcadores transcriptômicos (de transcrição do RNA) Baseados na expressão de RNA (transcriptoma completo ou diferen- ças na expressão de genes selecionados). Exemplos Diferenças no perfil de expressão gênica em indivíduos que seguem uma dieta específica (Exemplo: dieta mediterrânea) em comparação com indivíduos controle. Biomarcadores proteômicos Biomarcadores baseados em estudos do proteoma: • Proteoma: conjunto de proteínas e variantes de proteínas que podem ser encontrados numa célula específica quando esta está sujeita a um certo estímulo. Exemplos Análise do proteoma de participantes do grupo controle com o prote- oma de participantes com dietas com baixo teor de folato. Biomarcadores lipidômicos Biomarcadores baseados em estudos do lipidoma: • Lipidoma: conjunto dos diferentes tipos de lipídeos que podem ser encontrados numa célula). Exemplos Perfil lipidômico do plasma humano de indivíduos diabéticos do tipo 2 em uma dieta rica em gordura versus uma dieta rica em carboidratos. Biomarcadores metabolômicos Biomarcadores baseados em estudos do metaboloma. Exemplos Perfil urinário de Espectroscopia de Ressonância Magnética Nuclear de hidrogênio em indivíduos seguindo uma dieta mediterrânea tra- dicional em comparação com o perfil urinário de indivíduos em uma dieta com baixa ingestão geral de gorduras. Fonte: Adaptado de CORELLA; ORDOVAS, 2015, p. 183 15 UNIDADE Marcadores Bioquímicos e Tecnologias para a Avaliação do Consumo Alimentar Diante do que vimos sobre biomarcadores, é possível identificar que eles são ferra- mentas importantes para a nutrição, tanto no diagnóstico nutricional quanto na valida- ção de métodos de avaliação do consumo alimentar. Atualmente, ainda existem limitações em relação à validade e à confiabilidade de mui- tos biomarcadores, pois fatores interindividuais podem enviesar as medidas e fornecer valores que não correspondem à realidade. Porém, com o avanços dos estudos, é pro- vável que essas limitações sejam minimizadas e o número de biomarcadores validados aumente, assim como há expectativas de redução no custo da sua utilização. Tecnologia na Avaliação do Consumo Alimentar Acabamos de falar de biomarcadores e, de certo, vocês ficaram curiosos sobre esse assunto e a evolução da Ciência no decorrer dos tempos. Porém, a Ciência e a Tecnologia não vêm aperfeiçoamento somente as formas de medir biologicamente os efeitos decorrentes da ingestão alimentar. A inovação tecno- lógica na área de avaliação do consumo alimentar vem contribuindo, também, para a otimização dos inquéritos alimentares. Os avanços tecnológicos tendem a permitir que os métodos de avaliação do consu- mo sejam autoadministrados, pois estimulam e habilitam os respondentes a colocarem seus dados de maneira intuitiva ou com um breve treinamento, sem, necessariamente, o entrevistador por perto. Esses avanços acompanham o que proporcionam as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), que correspondem a todas as tecnologias que facilitam a coleta, o processamento, o armazenamento e a troca de informações por meio da comunicação eletrônica. Na Avaliação do Consumo Alimentar, as TICs facilitam a coleta, armazenamento e processamento de dados, além de otimizar a visualização, transmissão e análise das informações coletadas. Oferecem, ainda, as seguintes vantagens: • Maior detalhamento dos dados; • Possibilidade de minimizar o desgaste do entrevistador e entrevistado, com a me- lhoria na participação de ambos; • Melhora na acurácia das informações; • Repositório de dados e imagens que podem ser avaliados por novas pesquisas (CRISPIM; SAMOVAL; FERREIRA, 2019). 16 17 Figura 3 – Tecnologias da Informação e Comunicação Fonte: Wikimedia Commons Embora faça brilhar os olhos tanto dos pesquisadores quanto dos profissionais e dos estudantes da área, na utilização dessas tecnologias, é preciso ter auxílio e suporte técni- co para apoio na tomada de decisões de quais ferramentas e equipamentos implementar nos serviços/estudos de saúde de forma a garantir a redução de tempo e de custo, sem perda de precisão, considerando a capacidade de armazenamento/processamento dos dados, agilidade na transmissão dos dados e conexão entre dispositivos e pessoas. Além disso, com o desenvolvimento da tecnologia e da capacidade dos computadores no processamento de dados, a aprendizagem de máquina (inteligência artificial) vem ganhando atenção dos pesquisadores. Em epidemiologia nutricional, tem se explorado a aplicação de árvores de decisão, redes neurais artificiais e máquinas de vetores de suporte para prever qualidade da dieta e desfechos de saúde relacionados à alimentação. O que tem se observado em alguns trabalhos é a demonstração de um o potencial de inovação e aprimoramento da área. Isso, claro, sem que se desprezeo conhecimento adquirido pelas técnicas tradicio- nais (SILVA et al., 2018). Dentro desse contexto, o que se identifica é uma possibilidade de que a utilização dessas inovações tecnológicas ocorra de forma complementar aos métodos tradicionais, trazendo para os profissionais da Saúde o desafio de transitar entre os diversos instru- mentos e formas de abordagem e análise. Vamos aprofundar, agora, algumas possibilidades. Uso de Softwares O uso de softwares para o processamento dos inquéritos alimentares tem dado pra- ticidade à entrada de dados e à obtenção das informações acerca do consumo alimentar tanto do indivíduo quanto de grupos populacionais. 17 UNIDADE Marcadores Bioquímicos e Tecnologias para a Avaliação do Consumo Alimentar Os softwares são desenvolvidos para a entrada de dados dietéticos, convertendo a quantidade em gramas ou mililitros do alimento em estimativa de nutrientes ou outros componentes dos alimentos. Normalmente, também são utilizados para cadastro de pa- cientes, inserção de dados de antropometria, exames laboratoriais, consumo alimentar, elaboração do planejamento de cardápios e cálculos nutricionais. Outro aspecto muito utilizado nessa Tecnologia é a aplicação de algoritmos para o controle do dado coletado, por exemplo, para converter o peso do alimento, que é rela- tado em pó (em g) para sua forma líquida (em ml). É possível estimar, ainda, a necessidade energética do indivíduo em avaliação com o uso de algoritmos, indicando se o consumo energético final relatado está sub ou superes- timado na sua quantificação em relação às necessidades, permitindo corrigir as porções na presença do respondente para gerar uma possível orientação (CRISPIM; SAMOVAL; FERREIRA, 2019). Algoritmo: Conjunto finito de diretrizes que descrevem como executar uma tarefa. Eles podem repetir passos (fazer iterações) ou necessitar de decisões (tais como comparações ou lógica) até que a tarefa seja completada. Diversos softwares estão disponíveis no mercado (basta usar o termo “software nutrição” em um site de busca para verificar) e, embora sejam desenvolvidos para a mesma finalidade, diferem quanto às funções e ao Banco de Dados de composição dos alimentos, o que pode gerar resultados divergentes da estimativa da ingestão dietética. Essas diferenças podem ser desde a gramatura em relação à medida caseira corres- pondente até diferenças em estimativas de nutrientes (FISBERG et al., 2019). Figura 4 – Softwares de Nutrição Fonte: Getty Images O desenvolvimento de softwares para grandes estudos populacionais possibilita a coleta diretamente no programa com técnicas que ajudam a manter o indivíduo interes- sado na entrevista e a recuperar a memória, que veremos a seguir. 18 19 Globo Diet Mesmo com os avanços tecnológicos, o R24h continua sendo apontado como mé- todo de escolha para ser utilizado na investigação da relação da dieta com desfechos de saúde em razão do nível de detalhamento que é possível obter com sua aplicação. Assim, a International Agency for Research on Cancer-World Health Organization (IARC-WHO) desenvolveu uma metodologia para avaliação do consumo alimentar de forma padronizada e personalizada, o Globo Diet, com o objetivo de utilizá-la em pes- quisas e em estudos de vigilância alimentar e nutricional. O Brasil, inserido em um projeto para expansão global dessa metodologia, desen- volveu e adaptou uma versão para uso nacional. A adaptação considerou a tradução e adequação de aproximadamente 70 Bases de Dados e para a elaboração da lista de alimentos, foram consultados Bancos de dados Nacionais de estudos de consumo ali- mentar, obtendo-se um rol de 2.113 alimentos e receitas (STELUTI et al., 2020). O Globo Diet utiliza um dos métodos mais referidos na Literatura científica para estru- turar a aplicação do R24h que é o de múltiplos passos (MPM – Multiple-Pass Method). Essa técnica consiste em estruturar a aplicação do R24h em uma entrevista (em pa- pel ou em sistema automatizado – Automated Mutiple-pass method – AMPM) com 5 etapas sucessivas: 1. Listagem rápida dos alimentos e bebidas consumidos de forma ininterrupta, em que o entrevistado utiliza estratégias próprias para recordar os alimentos; 2. Revisão da listagem rápida e sondagem dos alimentos frequentemente esqueci- dos (bebidas, lanches, frutas, hortaliças e doces); 3. Nomeação das refeições e dos horários, ordenando os alimentos de modo cro- nológico e agrupando em refeições; 4. Descrição detalhada dos alimentos como: quantidades ingeridas, preparações, marcas e adições; 5. Revisão geral do R24h com a possibilidade de recordar algo esquecido (FISBERG et al., 2019). Etapa 1: Preenchimento da listagem rápida de alimentos; Etapa 2: Preenchimento da listagem dos alimentos comumente esquecidos; Etapa 3: De nição do horário e nome da refeição; Etapa 4: Ciclo de detalhamento e revisão; Etapa 5: Revisão nal do recordatório. Figura 5 – Etapas de aplicação da técnica de múltiplos passos (MPM – Multiple-Pass Method ) Fonte: Adaptado de FISBERG et al., 2019 19 UNIDADE Marcadores Bioquímicos e Tecnologias para a Avaliação do Consumo Alimentar A versão brasileira do Globo Diet permite a avaliação mais acurada do consumo alimentar com base em uma metodologia padronizada para fins de vigilância alimentar e nutricional e de investigação da relação da dieta com desfechos em saúde, além de permitir a comparabilidade dos dados de consumo alimentar em estudos no âmbito na- cional e internacional (SELUTI et al., 2020). Outro exemplo no Brasil é o Software Brasil Nutri, desenvolvido para a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-2009 realizada pelo Instituto Brasileiro de Geogra- fia e Estatística. ASA 24 O Automated Self-Administered 24-hour (ASA 24®) é uma ferramenta gratuita com base na web que permite a coleta de dados de consumo alimentar por meio de Recor- datórios de 24h, bem como a entrada de dados de registros alimentares. É utilizado nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália. O sistema ASA24 consiste em um site de respondentes usado para coletar dados de ingestão alimentar e um site de pesquisador usado para gerenciar a logística do estudo e obter arquivos de dados de grupos de nutrientes e alimentos. O método não faz uso de um entrevistador, já que o sistema guia o respondente durante a entrevista pelo método MPM, citado anteriormente. A versão mais atual do ASA24 nos Estados Unidos é ASA24-2020 e no Canadá é o ASA24-2018. O acesso à ferramenta é gratuito, contudo, sua base de dados é norte- americana e não contempla o consumo alimentar brasileiro em sua totalidade (CRISPIM, SAMOVAL, FERREIRA, 2019). ASA 24 – Disponível em: https://bit.ly/3o61t76 Questionário de frequência alimentar (QFA) Food4Me Esta ferramenta é uma ferramenta de avaliação dietética QFA online e inclui 157 itens alimentares. Usa fotografias coloridas padronizadas e foi projetada para avaliar a ingestão alimentar e nutricional em sete centros na Europa. O Food4Me foi validado duas vezes em 2014 e é amplamente utilizado, principalmente em estudos com populações jovens. Após o preenchimento, permite um feedback com base nas escolhas alimentares prevalecentes do respondente e leva cerca de 20 minutos para ser concluído. Saiba mais em: https://bit.ly/3qCf1Zw Diante de tantas opções, é importante considerar que o software deve ser escolhido com base nas necessidades da pesquisa, do nível de detalhamento necessário, no banco de dados de nutrientes e alimentos e nas ferramentas disponíveis. É imprescindível que os usuários dos softwares estejam cientes da fonte de informação, da base de dados e limitações de cada software (FISBERG, et al., 2019). 20 21 Uso de imagens O método de obtenção de imagem do alimento para avaliação da escolha e do consu- mo alimentar é uma técnica de coleta de dados que tem apresentado resultados positivos quando comparada aos métodos tradicionais. Além de facilitar o momento da coleta de informações, minimizando tempoe recursos necessários, também oferece menor incô- modo ao entrevistado. A forma de aplicação mais comum atualmente dá-se por intermédio de smartphones. Porém a estimativa do tamanho da porção por meio de fotografia constitui um procedi- mento criterioso, que tem como elementos-base a percepção (capacidade do observador de relativizar a quantidade retratada em uma fotografia com a quantidade real do ali- mento), a conceituação (envolve sua aptidão de construir mentalmente uma quantidade de comida que não está presente na realidade e relacioná-la com uma fotografia) e a memória (acessar registros anteriores) (RODRIGUES; PROENÇA, 2011). Dada a complexidade de interpretação das imagens, aplicativos têm sido desenvol- vidos e incorporados aos smartphones para a coleta de informações, registro a partir de fotografias, gravações das informações de consumo e, até mesmo, conversão das imagens em nutrientes. O sistema TADA (Technology Assisted Dietary Assessment) vem sendo desenvolvi- do por pesquisadores da área de nutrição e da computação da Universidade de Purdue (EUA) e tem por objetivo usar fotos tiradas do celular para estimar o consumo alimentar dos indivíduos. Este dispositivo faz a identificação automática e estima a porção dos ali- mentos por meio de imagens feitas pelo usuário sem a necessidade de o mesmo escrever com detalhes os alimentos e quantidades consumidas. A partir da instalação de um aplicativo em seu próprio celular, o indivíduo registra suas refeições através de fotos – com alguns cuidados como iluminação e sombras, alimentos em superfície lisa, ângulo da foto entre 45 a 60ºC na posição horizontal e uso de um marcador fiducial (placa quadriculada ou régua fornecida pelos pesquisadores) para auxiliar na correção das cores da foto e na proporção para estimar o tamanho das porções (Figura 6) – e o sistema confere (em nuvem) os tipos de alimentos e porções para que o indivíduo confirme. Depois da confirmação, as imagens são analisadas pelo sistema, que irá produzir um banco de dados sobre as informações fornecidas, convertendo-as em quantidades de alimentos e nutrientes (CRISPIM; SAMOVAL; FERREIRA, 2019). Figura 6 – Uso do sistema TADA Fonte: purdue.edu 21 UNIDADE Marcadores Bioquímicos e Tecnologias para a Avaliação do Consumo Alimentar Technology Assisted Dietary Assessment: Acesse: https://bit.ly/3iBKOa9 Vale destacar que esse tipo de instrumento ou método pode omitir ou dificultar a estimação de alimentos pouco visíveis, como margarina no pão, molhos e líquidos em copos opacos, entre outros. Inteligência Artificial Inteligência Artificial (IA) é um ramo da Ciência da Computação que se propõe a desen- volver sistemas que simulem a capacidade humana de percepção de um problema, iden- tificando seus componentes para, com isso, resolver problemas e propor/tomar decisões. Seria a criação de sistemas inteligentes de computação capazes de realizar tarefas sem receber instruções diretas de humanos. Usando diferentes algoritmos e estratégias de tomada de decisões e um grande volume de dados, os sistemas de IA são capazes de propor ações, quando solicitados. A Inteligência Artificial envolve várias etapas ou competências, como reconhecer pa- drões e imagens, entender linguagem aberta escrita e falada, perceber relações e nexos, seguir algoritmos de decisão propostos por especialistas, ser capaz de entender concei- tos e não apenas processar dados, adquirir “raciocínios” pela capacidade de integrar novas experiências e, assim, autoaperfeiçoar-se, resolvendo problemas ou realizando tarefas (LOBO, 2017). Figura 7 – Simulação do uso de Inteligência Artificial para soluções em Nutrição Fonte: Adaptado de nimml.org Um exemplo de IA em nutrição é o eNutrition, um conjunto das TICs para desen- volver e apoiar uma nutrição saudável de forma personalizada. O eNutrition é ativado por meio da combinação de registros pessoais de saúde, monitoramento das funções e atividades corporais por vestimentas inteligentes, métodos para monitorar o consumo de alimentos e conjuntos de dados sobre composição alimentar. 22 23 Associando todas essas informações, o sistema de IA pode fornecer conselhos nutri- cionais e alertas no momento da compra e consumo de alimentos (como um nutricionista virtual pessoal), oferecendo um potencial de reduzir significativamente a carga de saúde pública das doenças não transmissíveis (Boland; Bronlund, 2019). Encerramos esta Unidade identificando que métodos de avaliação dietética que uti- lizam tecnologia oferecem muitas vantagens para a pesquisa e normalmente agradam mais os consumidores do que os métodos tradicionais. Porém, para se atender aos critérios gerais de qualidade, essas novas ferramentas exigem publicações detalhadas que descrevam seu processo de desenvolvimento, quais são as formas de identificação e quantificação de alimentos, personalização, saídas, tabelas de composição de alimentos utilizadas e a realização de resultados de testes de usabilidade/validade ( ELDRIDGE et al., 2018). Além disso, para a utilização de implementos tecnológicos na avaliação do consumo alimentar é preciso considerar algumas condições como a faixa etária, a escolaridade, a habilidade com tecnologia e acesso à Internet, bem como certas restrições econômicas. Por fim, sabemos que a alimentação é mais abrangente que números e cálculos com- plexos e que a aplicação de Inquéritos Alimentares é também um processo de escuta e percepção do outro. Nem tudo pode ser transformado de algoritmos. Por isso, há a necessidade de uma contínua preocupação com a qualidade da formação dos profissionais de nutrição, e da reflexão sobre as melhores formas de associar todas as ferramentas disponíveis, principalmente, à empatia e à humanização, essas duas últimas não possíveis de serem realizadas por meios tecnológicos. 23 UNIDADE Marcadores Bioquímicos e Tecnologias para a Avaliação do Consumo Alimentar Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Nutritools – Construção de ferramentas de avaliação dietética interativas Apoio à avaliação dietética por meio de orientação e acesso a ferramentas de avalia- ção dietética interativas validadas. Financiado pelo UK Medical Research Council. https://bit.ly/3sN1nVg Vídeos Metabolomics https://youtu.be/7eG_rFoHEuQ Leitura Uso de Tecnologias de Informação e Comunicação na Área da Nutrição https://bit.ly/3plT3dj Avaliação do perfil de biomarcadores sanguíneos em adolescentes classificados pelo índice de massa corporal e percentual de gordura corporal https://bit.ly/3o8AZSm 24 25 Referências BRAGANCA, M. L. B. M. et al. Avaliação do perfil de biomarcadores sanguíneos em adolescentes classificados pelo índice de massa corporal e percentual de gordura corpo- ral. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro , v. 36, n. 6, e00084719, 2020 . Dispo- nível em: . Acesso em: 01/12/2020. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Aten- ção Básica. Orientações para avaliação de marcadores de consumo alimentar na atenção básica. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2015. Disponível em: . Acesso em: 08/09/2020. BOLA ND, M.; BRONLUND, J. eNutrition – The next dimension for eHealth? Trends in Food Science & Technology. v. 91, set., p. 634-639, 2019. Disponível em: . Acesso em: 09/09/2020. CORELLA, D.; ORDOVÁS, J. M. Biomarkers: background, classification and guidelines for applications in nutritional epidemiology. Nutr Hosp. v. 31, suppl. 3, p. 177-188, 2015. Disponível em: . Acesso em: 08/09/2020. CRISPIM, S. P.; SAMOFAL, P.; FERREIRA, G. R.Uso da tecnologia para a avaliação do consumo alimentar. In: MARCHIONI, D. M. L.; GORGULHO, B. M.; STELUTI, J. S. Consumo alimentar: guia para avaliação. São Paulo: Manole, 2019. CURIONI, C.; BRITO, F.; BOCCOLINI, C. O uso de Tecnologias de Informação E Comunicação na Área da Nutrição. Jornal Brasileiro de TeleSSaúde, 2. 10.12957, 2013. Disponível em: . Acesso em: 09/09/2020. DE SANTIS, G. C. Anemia. Medicina (Ribeirão Preto Online), v. 52, n. 3, p. 239-251, 7 nov. 2019. Disponível em: . Acesso em: 08/09/2020. DUARTE, G. 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STELUTI, J. et al. Tecnologia em Saúde: versão brasileira do software GloboDiet para avaliação do consumo alimentar em estudos epidemiológicos. Rev. bras. epidemiol. Rio de Janeiro, v. 23, e200013, 2020. Disponível em: . Acesso em: 07/09/2020. ZANCHIM, M. C.; KIRSTEN, V. R.; MARCHI, A. C. B. de. Marcadores do consumo ali- mentar de pacientes diabéticos avaliados por meio de um aplicativo móvel. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 23, n. 12, p. 4199-4208, dez. 2018. Disponível em: . Acesso em: 08/09/2020. 26 Avaliação do Consumo Alimentar Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª M.ª Fernanda Trigo Costa Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin Avaliação da Dieta por Índices/Indicadores de Qualidade e Avaliação do Comportamento Alimentar Avaliação da Dieta por Índices/ Indicadores de Qualidade e Avaliação do Comportamento Alimentar • Conhecer os índices/indicadores para avaliação do consumo alimentar e as características de cada um deles; • Conhecer métodos de avaliação do comportamento alimentar, de forma a ter subsídios para uma análise global das características do consumo alimentar e do relacionamento do indi- víduo com os alimentos. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Índices/Indicadores de Qualidade; • Métodos Qualitativos de Avaliação do Consumo Alimentar. UNIDADE Avaliação da Dieta por Índices/Indicadores de Qualidade e Avaliação do Comportamento Alimentar Contextualização Quando falamos de consumo alimentar, o interesse está na ingestão de alimentos (quais tipos e quantidades), podendo ser avaliada pelos inquéritos alimentares (R24h, QFA e Registro ou Diário Alimentar). E quando falamos de consumo nutricional, há a transformação das quantidades e dos tipos de alimentos – identificados nos inquéritos – em valores numéricos (energia e nutrientes). Porém, o consumo desses alimentos e nutrientes faz parte do processo de comer, alimentar e nutrir, que não são sinônimos, e se iniciam antes mesmo da degluti- ção, num contexto de práticas alimentares, envolvidas em um conjunto de componentes objetivos e subjetivos que podem ser observados, estudados, descritos e compreendidos por meio da avaliação qualitativa do consumo alimentar. Estudos quantitativos permitem analisar como o consumo de nutrientes produz efeitos na saúde de determinados indivíduos, mas não permitem avaliar emoções, deta- lhes e aspectos que levem em consideração quem é a pessoa que come e em qual con- texto cultural está envolvida. Investigações qualitativas permitem compreender como e de que maneira a comida faz parte das representações, simbolizações e significados para o indivíduo ou grupo estudado (SCAGLIUSI; ULIAN; SATO, 2019). Na avaliação do consumo alimentar, esses conceitos se misturam e, muitas vezes, confundem-se. Avaliar a qualidade da dieta é diferente de fazer um estudo qualitativo sobre a dieta de determinado indivíduo ou grupo. O conceito de qualidade da dieta passou, passa e continuará passando por um processo de evolução. No início da Ciência da Nutrição, a qualidade da dieta estava atrelada à prevenção da deficiência de nutrientes, portanto, as dietas que supriam as recomendações de energia e dos nutrientes essenciais conhecidos até então eram consideradas adequadas. A partir do reconhecimento da importância de associar os fatores dietéticos, princi- palmente, à prevenção de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), as caracterís- ticas da dieta associadas à redução do risco dessas doenças foram incluídas no conceito de qualidade da dieta. Assim, pode-se observar aprimoramento do conceito de qualidade da dieta: diminui- ção da preocupação em atingir a adequação para todos os nutrientes e aumento do interesse em incluir fatores dietéticos ligados à prevenção das doenças mais prevalentes na atualidade (VOLP et al., 2010). Nesse contexto, atualmente, a OMS sugere que a avaliação do consumo alimentar das populações estaria melhor representada pelo padrão alimentar, considerando que os indivíduos não consomem nutrientes nem alimentos isoladamente. Esse fato vem desen- cadeando crescente interesse na investigação sobre o consumo de grupos de alimentos considerados definidores de padrões alimentares saudáveis e não saudáveis. Padrão alimentar: análise estatística ou matemática dos alimentos como eles são consu- midos, em frequência e combinações características. 8 9 A identificação de padrões alimentares tem sido foco de estudos que objetivam discutir essa complexidade relacionando a qualidade da dieta e desfechos em saúde (FERREIRA et al., 2019). A relação entre dieta e saúde pode ser avaliada pelo nível de alguns compo- nentes do alimento (nutrientes), tipos de alimento, grupo ou grupos de ali- mentos e padrões alimentares. A associação entre estes parâmetrose várias doenças crônicas pode ser analisada por meio da adoção de instrumentos dietéticos de avaliação global de dietas e, para tanto, vários índices têm sido propostos para tal análise, primeiramente para avaliar e guiar a ingestão da dieta individual e, em segundo lugar, para avaliar e guiar a ingestão da dieta de populações e, assim, promover a saúde por meio de programas de educação nutricional e prevenir doenças. (VOLP et al., 2010, p. 282) Nesta Unidade, vamos conhecer alguns índices e indicadores utilizados para avaliar a qualidade da dieta, além de discutir possíveis métodos de avaliação do comportamento alimentar, de forma a despertar o interesse e destacar a importância de uma análise global das características do consumo alimentar. Vamos lá?! 9 UNIDADE Avaliação da Dieta por Índices/Indicadores de Qualidade e Avaliação do Comportamento Alimentar Índices/Indicadores de Qualidade A criação dos índices tem como objetivo oferecer instrumento único e simplificado para refletir a qualidade da alimentação por meio do acompanhamento das mudanças do padrão alimentar ao longo do tempo. Esses índices consideram a ingestão de alimentos e nutrientes simultaneamente, permi- tindo avaliação mais ampla da dieta por meio da comparação da ingestão de determinados alimentos e nutrientes com determinado padrão – nesse caso, as recomendações nutri- cionais –, estabelecendo uma pontuação que permite classificar a alimentação. Assim, os índices dietéticos avaliam aspectos quantitativos e qualitativos (Figura 1) (GORGULHO; MARCHIONI, 2019): Índices Dietéticos Relacionam Dietas com DCNT Monitoram as tendências de padrão alimentar Avaliam aderência da dieta às recomendações nutricionais Figura 1 – Índices Dietéticos Objetivos dos índices dietéticos: • Expressa o quanto a totalidade da dieta é saudável/adequada; • Desenvolvido com base em um padrão considerado saudável (Recomendações Nutricionais); • Desenvolvido de acordo com um guia alimentar para a população geral ou para um grupo específico. Com base nesses preceitos, a partir de agora, vamos conhecer alguns tipos de índices para a avaliação da dieta. Índice de Qualidade da Dieta A aplicação de índices de avaliação da dieta no Brasil teve início em 2004, quando Fisberg et al. (2004) adaptaram e validaram o índice americano Healthy Eating Index – HEI (considerado um instrumento adequado para medir a qualidade global da alimen- tação na população americana) para a população brasileira, gerando o Índice de Quali- dade da Dieta (IQD). Em 2005 e 2012, o HEI foi modificado (HEI-2005; HEI-2010) para atender um conjunto de novas Diretrizes Dietéticas Americanas, incorporando aspectos da quali- dade da dieta, como consumo de cereais integrais, tipos específicos de gordura e valor 10 11 energético proveniente da ingestão de gordura sólida (saturada e trans), álcool e açúcar de adição (PIRES et al., 2020). No site do National Cancer Institute dos EUA, é possível acessar os componentes do HEI e suas atualizações. Disponível em: https://bit.ly/3kNgnx8 Trocando Ideias... Caso você tenha dificuldade para ler em outro idioma, utilize a ferramenta “Tradutor” do Google ou outro aplicativo tradutor de sua preferência. O IQD era composto por 8 componentes e incorporou um esquema no qual três elementos da dieta (gordura total, gordura saturada e colesterol) receberam maior destaque quando comparados aos demais nutrientes. O quarto componente referia-se ao número de porções de frutas e hortaliças, enquanto o quinto indicava o número de porções de cereais e leguminosas. Os três últimos elementos analisaram a ingestão de proteína, sódio e cálcio. A pontuação (escore) foi estruturada em três níveis, de forma que indivíduos com o consumo adequado de cada indicador receberam nota zero, enquanto aqueles com in- gestão muito diferente das consideradas adequadas receberam dois pontos. A pontuação final era a soma de oito indicadores, totalizando um mínimo de zero (dieta excelente) e um máximo de 16 (dieta péssima) (Tabela 1). Dentre as vantagens do IQD, tem-se que sua avaliação era feita de modo a obter uma visão global da qualidade da dieta, e dentre suas desvantagens, inclui-se o fato de o método de distribuição de pontos poder gerar dificuldades na interpretação dos resulta- dos, decorrente do fato de a dieta adequada recebe pontuação igual ou próxima a zero, enquanto à inadequada seria atribuída maior quantidade de pontos. Tabela 1 – Componentes do IQD Recomendação* Escore** Ingestão Reduzir gordura total para 30% ou menos das calorias 0 £30% 1 30-40% 2 >40% Reduzir ácidos graxos saturados para menos de 10% das calorias 0 £10% 1 10-13% 2 >13% Reduzir colesterol para menos de 300mg/dia 0 £300mg 1 300-400mg 2 >400mg Comer 5 ou mais porções diárias de uma combinação de hortali- ças/verduras e frutas 0 5 ou + porções 1 3-4 porções 2 0-2 porções 11 UNIDADE Avaliação da Dieta por Índices/Indicadores de Qualidade e Avaliação do Comportamento Alimentar Recomendação* Escore** Ingestão Aumentar ingestão de amido e outros carboidratos complexos, comendo 6 ou mais porções diárias de pães, cereais e leguminosas 0 6 ou + porções 1 4-5 porções 2 0-3 porções Manter a ingestão protéica em níveis moderados (níveis menores que o dobro de RDA) 0 £100% RDA 1 100-150% RDA 2 >150% RDA Limita ringestão diária total de sódio para 6g (2400mg) ou menos 0 £2400mg 1 2400-3400mg 2 >3400mg Manter ingestão adequada de cálcio (níveis aproximados da RDA) 0 ³RDA 1 2/3 RDA 2em que são necessários vários dias de dados de ingestão alimentar, permitindo a remoção da variabilidade intrapessoal. Como vocês já devem ter observado, a utilização dos índices dietéticos não exclui a apli- cação dos inquéritos alimentares, muito pelo contrário: para a utilização e a avaliação da qualidade da dieta pelos índices dietéticos, é necessário realizar a coleta de dados por meio de R24h, QFA e Registro ou Diário Alimentar, e só depois associar as informações obtidas aos critérios de cada índice. O IQD-R é capaz de analisar vários componentes da dieta simultaneamente, com base na densidade energética, avaliando sua qualidade, independentemente da quanti- dade de alimentos consumida. Na época, a utilização do Guia Alimentar 2006 para a atualização do IQD possibi- litou desenvolver um instrumento que permitia avaliar e monitorar a aderência da dieta dos brasileiros às recomendações nutricionais atuais propostas para os vários estágios de vida (PREVIDELLI et al., 2011). Contudo, com a publicação do Guia Alimentar para a População Brasileira (2014), novos indicadores devem ser propostos, visto a mudança de visão em relação à alimen- tação: ampliada para as formas de comer, comensalidade e cozinhar, entre outros. Desenvolvimento e validação de uma escala autoaplicável para avaliação da alimentação segundo as recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira. Disponível em: http://bit.ly/36P9Op9 Índice de Alimentação Saudável Na escolha de utilizar o HEI (Healthy Eating Index) sem as adaptações para a po- pulação brasileira, este índice é denominado Índice de Alimentação Saudável (IAS) e destaca-se como um dos mais utilizados em estudos internacionais, tanto para aplicação na íntegra quanto para adaptações (CONCEIÇÃO et al., 2018). 13 UNIDADE Avaliação da Dieta por Índices/Indicadores de Qualidade e Avaliação do Comportamento Alimentar As informações dietéticas são analisadas em um Recordatório de 24 horas (compo- nentes 1, 2, 3, 4 e 5) e em um registro alimentar de dois dias (componentes 6, 7, 8 e 9). O componente 10 é analisado com as informações obtidas tanto do recordatório de 24 horas como do registro de dois dias de alimentos (Tabela 3) (VOLP et al., 2010). Tabela 3 – Componentes do Índice de Alimentação Saudável Componentes Faixa de escore Critério para o escore perfeito 101 Critéio para o mínimo escore de 0 Grãos 0-10 6-11 porções2 0 porções Hortaliças/ verduras 0-10 3-5 porções2 0 porções Frutas 0-10 2-4 porções2 0 porções Leite 0-10 2-3 porções2,3 0 porções Carne 0-10 2-3 porções2 0 porções Gordura total 0-10 30% ou menos de energia proveniente de gordura 45% ou mais de energia proveniente de gordura Gordura saturada 0-10 Menos de 10% de energia de gordura saturada 15% ou mais de energia de gordura saturada Colesterol 0-10 Menos de 300mg Maior ou igual a 450mg Sódio 0-10 Menos de 2400mg Maior ou igual a 4800mg Variedade 0-10 16 tipos diferentes de alimentos consumidos durante 3 dias 6 ou menos itens alimentos consumidos durante 3 dias 1 Individuos que consomem um número de porções entre pontos de corte mínimo e máximo pontuam de forma proporcional (Se um indíviduo precisa de 8 porções de grãos e consomem 4, ele deve marcar um escore de 5 na categoria/componente “grãos”). 2 Depende da ingestão energética recomendada do número recomendado de porções ai dia da necessidade energética preconizada do The Food Guide Pyramic13,15. 3 O número necessário de porções do grupo do leite é 3 para gestante, lactante, jovens e adultos jovens menores de 24 anos. Fonte: VOLP et al., 2010, p. 288 Índice de Alimentação Saudável Alternativo (IAS-A) Os critérios para pontuação do IAS-A em relação ao IAS original têm mais itens es- pecíficos. O índice mantém alguns componentes do IAS original como vegetais e frutas, e inclui outros componentes baseados em orientações específicas, como o aumento da ingestão de peixes e frangos, grãos integrais e, no caso de consumo de bebida alcoólica, fazê-lo com moderação (VOLP et al., 2010). O IAS-A é constituído por 9 itens, incluindo vegetais, frutas, oleaginosas e soja, ra- zão entre carne branca e vermelha, fibra, percentual de energia proveniente de gordura trans, razão entre gordura poli-insaturada e saturada, bebida alcoólica, e uso de polivi- tamínico (Tabela 4). Tabela 4 – Componentes do IAS-A Componentes Faixa de escore Critério para o escore máximo Critério para o escore mínimo Cereais integrais (g) 0-10 15 0 Hortaliças (porções) 0-10 5 0 Frutas (porções) 0-10 4 0 Nozes e proteína de soja (porções) 0-10 1 0 14 15 Componentes Faixa de escore Critério para o escore máximo Critério para o escore mínimo Razão entre carne branca e carne vermelha 0-10 4 0 Razão entre gordura poliinsaturada e saturada 0-10 ³ 1 £ 0,1 Gordura trans (%)a 0-10 £ 0,5 ³ 4 Álcoolb (porções) 0-10 0,5-1,5c 0 ou >2,5c 0 ou > 3,5d Tempo de uso de polivitamínico (anos) 2,5-7,5 1,5-2,5dsólidos e 30g para alimentos líquidos. Para os alimentos do grupo dos cereais, 15g. Nesse estudo, não foi analisada a ingestão de bebidas alcoólicas, gorduras e doces (VOLP et al., 2010). O EVD conta todos os alimentos consumidos, incluindo condimentos. Este índice isolada- mente, pode dar uma falsa impressão favorável da qualidade da dieta. No entanto, um alto EDD reflete um consumo de alimentos de diversos grupos. Escore da Dieta Mediterrânea Alternativo Considerando que os índices de mortalidade de pessoas com doenças crônicas são relativamente baixos na região Mediterrânea e que, certamente, a dieta regional tradi- cional muito contribui para tal resultado, foi desenvolvida uma escala para quantificar a qualidade da dieta da população grega, que foi posteriormente adaptada e denominada Escore da Dieta Mediterrânea Alternativo (EDM-A). O Escore da Dieta Mediterrânea Original foi elaborado com dados obtidos por meio da frequência de consumo de alimentos de uma amostra da população rural grega. Esse escore, originalmente, baseava-se na ingestão de nove itens: hortaliças/ver- duras, leguminosas, frutas e nozes, lácteos, cereais, carne e produtos cárneos, álcool, razão entre gordura monoinsaturada/saturada e energia. Posteriormente foi modificado, excluindo produtos originados da batata do grupo de hortaliças/verduras, separando frutas e nozes em dois grupos, eliminando o grupo de lácteos, incluindo somente cereais integrais, carne vermelha e carne processada para o grupo da carne, incluindo grupo do peixe e designando a ingestão alcoólica entre 5 e 15 g/dia (Tabela 5) (TOMAZI, 2019). Tabela 5 – Componentes do Escore da Dieta Mediterrânea Alternativo Grupo de alimentos Alimentos Critérios para 1 ponto1 Hortaliças/verduras Todas as hortaliças/verduras exceto as batatas Maior que a ingestão média (porções/dia) Leguminosas Tofu, feijões de corda, ervilhas, feijões Maior que a ingestão média (porções/dia) Fruta Todas as frutas e sucos Maior que a ingestão média (porções/dia) Nozes Nozes, manteiga de amendoim Maior que a ingestão média (porções/dia) Grãos integrais Cereais integrais prontos para comer, cereais cozi- dos, biscoitos, pães escuros, arroz integral, outros grãos, gérmen de trigo, fibra de cereais, pipoca Maior que a ingestão média (porções/dia) 16 17 Grupo de alimentos Alimentos Critérios para 1 ponto1 Carnes vermelhas e processadas Vinas, embutidos, bacon, hambúrguer, carne de gado Menor que a ingestão média (porções/dia) Peixes Peixes, camarões, peixe processado Maior que a ingestão média (porções/dia) Razão gordura monoinsaturada/saturada Peixes, camarões, peixe processado Maior que a ingestão média (porções/dia) Etanol Vinho, cerveja, cerveja light, licor 5-25g/dia 1Zero ponto se estes critérios não forem alcançados. Fonte: VOLP et al., 2010, p. 292 Essas modificações foram baseadas em padrões de dieta e ingestão alimentar, que estão consistentemente associados ao baixo risco para doença crônica em estudos clíni- cos e epidemiológicos. Os possíveis escores para o EDM-A mantêm-se na escala de 0 a 95 (VOLP et al., 2010). Importante! • A determinação dos padrões alimentares por meio de índices é um processo relativa- mente simples, contudo, para ter confiabilidade nos resultados, é necessário conhecer sua construção e pontuação; • Os componentes dos índices devem estar adequados às recomendações estabelecidas para a população a ser analisada; • Os componentes dos índices devem ser propostos com base em diretrizes nutricionais específicas atualizadas. Portanto, é necessário acompanhar a evolução dos estudos, pois a composição dos índices tem sido constantemente atualizada e revisada de acordo com as recomenda- ções de guias alimentares e diretrizes nutricionais específicas, originando novos índices aplicáveis a grupos populacionais específicos (PREVIATO; VOLP; FREITAS, 2014). Métodos Qualitativos de Avaliação do Consumo Alimentar A pesquisa qualitativa pode contribuir de forma significativa para o consumo alimen- tar, permitindo o aprofundamento da compreensão dos aspectos que motivam o consu- mo e que se expressam em crenças, atitudes e comportamento. Nesse tipo de estudo, o foco não é apenas o tipo de comida consumida, tampouco sua quantidade, mas o contexto em que ela é consumida, os valores e significados desse consumo, os rituais, os gostos, as memórias e os sentimentos relacionados aos alimentos (SCAGLIUSI; ULIAN; SATO, 2019). Na pesquisa qualitativa, a avaliação tem como foco as relações comportamentais, ou seja, como e de que forma se come, as ações em relação ao ato de se alimentar e como elas estão relacionadas aos sentimentos e às cognições. 17 UNIDADE Avaliação da Dieta por Índices/Indicadores de Qualidade e Avaliação do Comportamento Alimentar Considerar as atitudes alimentares (os comportamentos, as cognições e os afetos) de um indivíduo ou grupo remete ao fato de que o alimento não está apenas na esfera biológica, ou seja, é preciso considerar o entorno e o indivíduo em sua totalidade. Atitude alimentar é definida como crenças e pensamentos, sentimentos, com- portamentos e relacionamento com os alimentos. O comportamento está inserido nas atitudes e se deve considerar, também, que as atitudes são influenciadas por fatores ambientais (cultura, família, religião, sociedade etc.), bem como por fatores internos que envolvem sentimentos, pensamentos, crenças, tabus. Quando se pensa em mudança de comportamento, é preciso entender os pensamen- to desse indivíduo, pois uma das questões que se destaca nos impulsos e predisposições de comportamento é o hábito. Hábito é o comportamento que determinada pessoa aprende e repete frequen- temente sem pensar como deve executá-lo e é, geralmente, inconsciente, porém, diferencia-se do instinto, que é um comportamento inato, não aprendido. A dificuldade que se tem em mudar hábitos se dá pelo fato de eles fazerem os indivíduos agirem de forma automática, sem se darem conta de sua existência. Sendo assim, é preciso que alguém aponte a presença desse hábito para que se tome consciência de que ele existe. Ao se tomar consciência, é possível dar um primeiro passo para romper o hábito e permitir que novos comportamentos possam emergir e se tornem novos hábitos (Figura 2) (ALVARENGA; KORITAR, 2015): Relação com o alimento = atitude alimentar Fatores ambientais Fatores internos Criam hábitos O outro deve apontar para se ter consciência = romper o hábito => novo comportamento = novo hábito. Hábito: inconsciente e aprendido = automático Diferente de instinto (inato) Atitudes Comportamento Cognições (crenças e conhecimento) Afetos (sentimentos) Poupar Energia Educar em saúde = novos comportamentos Hábito Estímulo cognitivo (o que acreditamos + experiências = aprendizado) Mudar Hábito X Manter Hábito Figura 2 – Esquema das relações entre atitudes, comportamentos e hábitos alimentares Fonte: Adaptado de ALVARENGA et al., 2015 Determinantes do Consumo e Relações Comportamentais com os Alimentos Determinantes de consumo podem ser definidos como fatores que vão afetar as esco- lhas alimentares por meio de efeitos nos pensamentos e sentimentos individuais. Podem estar relacionados ao alimento, ao ambiente e à pessoa que come (comedor), conforme pode ser observado no Tabela 6. 18 19 Tabela 6 – Determinantes da escolha alimentar Categoria Fatores Relacionados ao alimento Sabor, aparência, valor nutricional, qualidade e higiene, cheiro, textura, variedade, preço, origem, familiaridade. Relacionados ao ambiente Fatores físicos Odor, iluminação, conforto, limpeza, localização, opções disponíveis, presença de pessoas conhecidas e distrações do ambiente Fatores socioculturais Família, pares, mídia e cultura local Relacionados ao comedor Biológicos Fisiológicos, patológios, genéticos, preferências alimenta- res, idade, sexo e estado nutricional Socioeconômicos Renda familiar, escolaridade, preço Antropológicos e psicológicos Crenças,