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Latinoamericanidad - Marcus Vinícius de Oliveira

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Latinoamericanidad : una perspectiva epistemológica para la psicologia�
Marcus Vinícius de Oliveira Silva �
 matraga@sgmail.com
Considerando que, para a maioria de nós que participamos neste momento como expositores, o mesmo se constitui numa segunda rodada onde estamos recolocando em pauta esta discussão, gostaria de iniciar minha intervenção, informando aos colegas da mesa, que, deste a nossa primeira oportunidade de trabalho coletivo no Congresso da Abrapso�, uma certa reflexão se impôs para mim, descolando-me daquela perspectiva afirmativa comum, suposta no tema-título, para uma abordagem do mesmo, sob uma forma interrogativa. Como de fato, tomar o tema como uma questão para investigação, como uma pergunta, em sua forma interrogativa - “Latinoamericanidad : una perspectiva epistemológica para la psicologia ? – mais do que, como uma afirmação de uma bandeira político científica, parece-me mais proveitoso e adequado para o seu desenvolvimento, inclusive como condição de possibilitar o um avanço em sua forma propositiva.
Deixo claro que sigo compartilhando com os colegas de trabalho, de uma perspectiva ideológica comum, que aponta para a necessidade de construirmos uma maior aproximação entre nós, latino americanos, na construção comum de um melhor futuro para o nosso continente. E que, no caso da Psicologia, esta perspectiva implica certamente , não apenas no estabelecimento de uma política ousada de estreitamento de laços e de intercâmbios institucionais que viabilizem o conhecimento da produção teórica e técnica da Psicologia que tem se produzido nos diversos países latino americanos, mas também no exame das premissas epistemológicas que possam ser derivadas de um compartilhamento de aspectos comuns da apresentação da realidade social, política, econômica e cultural, características do continente. Portanto considero que o tema proposto é pleno de legitimidade nos planos político e epistemológico.
Mas, para além da simples reafirmação desse nosso desejo e interesse numa reconstrução epistemológica na Psicologia, que tome a nossa realidade local e continental com seu ponto de referencia e que parta desta realidade na formulação de sua construção teórica, fazendo avançar a qualidade de vida das populações deste países, - como ora, com clareza se coloca aqui - temos , no meu entendimento, de produzir uma avaliação critica das dificuldades, problemas e contradições que possam estar atravessando, dificultando e inclusive inviabilizando este empreendimento. E creio também, que um dos pontos fundamentais a ser examinado neste projeto refere-se exatamente a estas idéias alusivas ao compartilhamento de realidades comuns pelos latinoamericanos, que funciona como uma espécie de premissa na nossa proposição. De certa forma seria importantes examinarmos alguns aspectos relativos a esta suposição dos compartilhamentos latinoamericanos – se compartilhamos, o que compartilhamos e se o compartilhado sustentaria uma possibilidade de constituir-se em perspectiva epistemológica.
Como se percebe este seria um programa analítico arrojado, envolvendo análises macro econômicas, políticas e sócio-culturais, que tenho certeza não poderá ser cumprido como todo o rigor necessário, neste momento, por me faltarem as ferramentas e a competência necessárias para faze-lo, mas em relação ao qual, eu gostaria de traçar pelo menos um ensaio ou um primeiro exercício, aqui. Pretendo assim, no mínimo deixar registrado um certo percurso de preocupações, estabelecer alguma agenda temática de questões que gostaria de ver debatidas na problematização do tema proposto para esta mesa. 
Quando preparava esta exposição, me lembrei de um episódio atribuído a um escritor brasileiro, um baiano da Ilha de Itaparica - muito popular entre nós no Brasil – o João Ubaldo Ribeiro. Segundo me foi contado, lá pelos idos dos anos 70, quando quase toda América Latina estava coberta pelas violentas ditaduras militares, realizou-se um evento sobre literatura latino americana, em algumas universidades européias, com a presença de vários escritores expoentes latinoamericanos. Em quase todas as sessões deste evento, que era itinerante, de universidade em universidade, repetia-se uma situação na qual, as intervenções da platéia, depois das exposições dos autores, eram tomadas sempre por um mesmo grupo de exilados políticos, que sedento de expressão, seguia como um cortejo ao evento e repetia sempre as mesmas perguntas e questões, entre as quais se destacava uma reiterada peroração sobre a questão da identidade latino americana e da necessidade da unidade latino-americana na luta contra a tirania e a opressão, comuns em todo o continente. 
O João Ubaldo, por suposição já um pouco de mal humor com o monopólio deste grupo e com a repetição das mesmas questões, teria então respondido que em relação ao problema da identidade, esta era uma questão já superada em sua província natal, pois lá as questões de identidade eram resolvidas simplesmente com a aposição das impressões das digitais em uma carteira... de identidade. E que, por suposto, então, este grupo deveria propor e lutar pela existência de uma carteira de identidade latino-americana .E em assim sendo, com todos os latino americanos sendo portadores de uma carteira de identidade latino-americana, talvez não houvesse mais porque manter essa insistente pergunta sobre a existência de alguma identidade latino-americana. E que, deste modo talvez, essa questão deixaria de se constituir no problema crônico, na verdadeira esfinge que ela parecia representar para todos aqueles que querem nos pensar, desde os mais diversos pontos de vista, como algo mais enquanto aspectos de uma experiência social comum, para além de uma simples expressão geográfica do continente. 
Mal humor a parte, esta pequena historia tem o mérito de introduzir aqui um problema que fica subjacente a esta questão colocada em nosso tema, que é exatamente esta suposição de uma identidade latino-americana comum, de uma identidade que se constituiria como base para a construção de uma supostamente desejável unidade continental, nos seu mais diversos aspectos.
Entretanto a despeito dessa unidade antevista, pressentida, afirmada e desejada, presente nas construções discursivas da latinidade, conforme muitos dos seus ideólogos, próceres e lideranças políticas do continente, tais como, entre outros Galeano, José Marti, Simon Bolívar, etc. e que estaria baseada nesta suposta identidade comum, quando olhamos a realidade empírica das relações que concretamente são estabelecidas no continente entre os diversos países, são facilmente constatáveis não as marcas de uma identidade continental, mas o forte predomínio de uma imensa e poderosa alteridade que nos separa, através das fronteiras geográficas, dos interesses geo-políticos e econômicos, das diferenças culturais, - e mais especificamente no caso do Brasil mais claramente lingüísticos, numa grande diversidade de identidades nacionais . Assim antes de qualquer sentimento comum predominam as identidades que nos fazem argentinos, salvadorenhos, cubanos, chilenos, guatemaltecos, mexicanos etc. .
É a partir das identidades internas construídas enquanto povos dos “estados nacionais”, nos quais historicamente nos fracionamos continentalmente, que as nossas elites políticas construíram e constróem o fosso que aprofunda e valoriza mais as nossas diferenças do que as nossas eventuais semelhanças, através das quais as populações destes países latino americanos se identificam, se reconhecem e se rivalizam uns com os outros. Por outro lado não é absolutamente distante o tempo em que a construção e o reforçamento artificial de tais diferenças, recebeu toda uma intensificação, ditada pelas políticas externas das potências imperialistas, que através da sua manipulação, enfraquecerampoliticamente o continente facilitando a sua dominação e a presença e o predomínio dos seus interesses. 
Só para refrescar a memória, recordemos que o mesmo território, no qual hoje, pelas razões das pressões neoliberais da mundialização da economia, se erige o Mercosul, como espaço de integração economica, foi palco de sangrenta destruição perpetrada pela união de tres dos seus paises contra o experimento social guarani-paraguaio que desafiava os interesses industriais da Inglaterra . E que, apesar destas aproximações mais contemporaneas, incidentes tais como a declaração das relações carnais de Menem, da Argentina com os EEUA na disputa com Brasil pelo assento no Conselho de Segurança da ONU, a venda de armas estratégicas dos EEUA para o Chile, ameaçadora para a Bolivia, são sintomas da persistência ainda de importantes disputas géo-políticas, em relação as quais, a paixão latina expressas nas disputas de futebol - enquanto o jogo que sublima a guerra - só faz evidenciar a competição e as disputas persistentes entre eles. 
O sentimento de desprezo por uma igualdade continental que se expressa na fraqueza, no subdesenvolvimento, na existência de costumes locais pouco “civilizados”, a vergonha do pertencimento a um bloco de “perdedores”, tudo isso parece muito mais, caracterizar uma certa identidade negativa em relação a qual não é de se esperar que esses povos nacionais possam querer se identificar. Como de fato, o sentimento que a maioria dos cidadão de cada país do continente, em sua vida comum e corrente, talvez nutrisse até muito recentemente, em relação ao seu vizinho é o de que ele é o seu concorrente mais próximo e talvez inclusive o seu inimigo.
Apesar disso o apelo para a construção da chamada “a pátria grande” , o apelo à superação destas diferenças e divergências para a realização de uma unidade dos povos latinoamericanos, solidária e fraterna, com base em um projeto de justiça social, é persistente no decorrer dos tempos, como uma utopia a animar o imaginário de libertadores e reformadores sociais com atuação no continente. Assim sendo, torna-se importante buscar, para além da continuidade territorial e da contiguidade das fronteiras nacionais, definidoras do continente e da distribuição dos estados nacionais em sua área, os elementos que efetivamente, desde o ponto de vista empirico possam ser significativos no compartilhamento de uma experiência social comum que pudesse estar na base deste sentimento. Quais seriam afinal, para além destas diferenças aparentes, os traços unificadores de uma experiência social continental ? O que seria efetivamente comum e constitutivo de uma experiência social continental, desde o ponto de vista histórico e cultural, que possa nos oferecer não apenas uma direção de análise e interpretação social, mas também e principalmente elementos para uma intervenção em direção à sua transformação ?
Obviamente, um primeiro elemento a ser ressaltado vincula-se à nossa condição comum de sermos países que, num mesmo movimento civilizatório, somos resultantes da eliminação em diversos graus - isso comportando diferenciações na radicalidade desta eliminação/integração em cada país - das populações indígenas autoctones e pré-existentes, por uma colonização européia que desde aí, nos oferece a referencia para a conformação civilizatória mais geral que responde pela fisionomia que ora assumimos. A existência entretanto, de um outro resultado civilizatório, radicado ao norte deste mesmo continente americano, bastante diverso do nosso, mas que igualmente resulta da dizimação das populações autoctones e de colonização do mesmo ocidente europeu, nos obriga a uma interpelação das diferenciações que determinaram esses resultados tão diferentes. Se inconformados com o caracter deterministico dos aspectos climáticos, enquanto fator tão poderoso para produzi-la, resta-nos examinarmos os aspectos históricos e culturais implicados na nossa colonização, na esperança de neles, encontrar alguns aspectos que possam justificar o fato de sermos o que somos enquanto latino américa. 
Um traço comum, geralmente referido por vários autores, como um elemento de análise das caracteristicas próprias dessa experiência social da América Latina encontra-se na referencia à nossa colonização ibérica e católica. Como lamenta também, por exemplo Caetano Veloso, um músico muito apreciado no Brasil, ao referir-se um tanto desesperançado, à realidade política do nosso continente, em uma das suas canções, associando-a a esta nossa origem civilizatória comum :“Será que nunca faremos senão confirmar a incompetência da América Católica, que sempre precisará de ridículos tiranos ? Será ? Será, que esta minha estúpida retórica terá de se ouvir pelos próximos mil anos?” 
Sem dúvidas, o pensamento critico, de inspiração marxista, negligenciou durante muito tempo esta direção de análise sociológica, que hoje tem sido recuperada com grande potencial heurístico, a partir de uma leitura mais desapaixonada do trabalho weberiano. Como é sabido, o grande mote do interesse de Marx Weber� esteve centrado na busca da compreensão dos processos de produção das “racionalidades” enquanto modos de ordenamento da vida social, nos quais os meios e fins humanos são organizados na ação que institui a sociedade enquanto tal. Assim Weber deduz da relação do homem com a religião uma certa relação do homem com o mundo prático, e em especial com o mundo da técnica, da produção e da economia. E de acordo com a sua tese, o ascetismo protestante seria distinto, enquanto potencialidade, daquelas dos modos de racionalização próprios do catolicismo. Para efeito ilustrativo do que isso significa, por exemplo, em relação á autoridade religiosa é só lembrarmos que, enquanto no Seculo XVI a Reforma Protestante estava a pregar a ausência da intermediação eclesiástica do homens para com Deus, interiorizando as relações religiosas, a inquisição contra reformista queimava na fogueira como hereges todo pensamento que ousava independer-se da fidelidade de dogmas religiosos. 
Mas para o que pretendo estar trazendo aqui, para análise neste momento, este aspecto da matriz religiosa dos nossos colonizadores e da sua repercussão sobre os projetos civilizatórios desenvolvidos nas suas colonias, apesar de muito interessante, constitui-se entretanto apenas num elemento parcial de um outro conjunto de relações complexas, muito mais amplas, que dizem a respeito do lugar destas nações colonizadoras ibéricas, no âmbito do grande projeto imperialista e expansionista do Ocidente, inclusive em suas expressões enquanto Modernidade e Modernização. E de certa forma, ao tomarmos a civilização ibérica católica como uma expressão particular desse Ocidente teremos como derivação, a necessidade de pensarmos também a respeito das relações estabelecidas por este continente colonizado com estes fenômenos, sobretudo no que tange à produção das identidades colonizadas enquanto cópias mais ou menos fiéis destes colonizadores. 
O que me preocupa nesta discussão sobre latinoamericanidade é que possamos deixar de lado, um certo acerto de contas com a análise critica dos significados possíveis dos nossos ideais de pertencimento, enquanto intelectuais latinoamericanos, a este grande projeto do Ocidente, em sua expressão enquanto Modernidade, o qual, de certa forma naturalizado, passa a figurar como um espelho no qual nos miramos e encontramos como resposta um sentimento de inadequação, como se fossemos uma deformação da imagem dos nossos criadores. Mas trazer a tona este tipo de discussão representa certamente um grande onus para o seu proponente. O grau de naturalização do projeto da Modernidade enquanto expressão do projeto maior da produção de uma “civilização universal” calcada nos ideais do Ocidente, imperialista, expansionista e etnocentrico domina toda a cena intelectual, politica e social e exige um grande esforço daqueles que analiticamente o desafiam. Desta forma estabelecerei como próximopasso um exame um tanto ampliado, de alguns aspectos vinculados ao esclarecimento da Modernidade enquanto expressão deste projeto do Ocidente para somente após retornar ao exame das nossas premissas acerca da possibilidade de tomarmos a latinidade como uma base epistemlógica para a Psicologia. 
A hegemonia do Ocidente.
Na atual conjuntura internacional, com a expansão tecnológica, sobretudo no campo das tecnologias da informação e da comunicação, bem como com o novo regime de mercado mundializado, o projeto civilizatório do Ocidente logrou a sua expansão em regime planetário. Com o fim da guerra fria, as condições políticas fazem cessar as principais restrições à expansão do capitalismo mundializado, restrições que há muito já estavam pacificadas em relação aos benefícios que a articulação da tecnociência com a industria de produção de bens de consumo, produziu, como noção de “conforto”. O imperativo da modernização, da adoção do consumo dos produtos e estilos de vida ocidentais varre o planeta, aparentemente sem, ou no mínimo, com poucos focos de resistências, percebidos como indesejáveis, porque “atrasados”, pelas próprias sociedades onde essa resistência aparece, geralmente, relacionada com o capital político de elites nacionalistas manipuladoras.
 A industria cultural, dominada fundamentalmente por um único grande produtor, os EUA, que detém cerca de 75 % da produção mundial no campo dos bens de entretenimento, oferece os padrões de uniformização do comportamento, e a concentração da industria da comunicação controla o fluxo mundial da informação através da mídia. As bolsas de valores, em tempos de virtualidade online, complementam este cenário anonimizando os interesses das nações, em prol de um pequeno numero de conglomerados de companhias e grupos econômicos, supostamente transnacionais, mas que efetivamente tem sua concentração nos grandes centros financeiros do capitalismo mundial, Europa, Japão e EUA. 
Neste contexto, perguntar-se sobre tradições e valores culturais autóctones, indagar-se sobre valores culturais específicos e próprios de grupos étnicos, nações e civilizações, parece ocioso, diante do grau de hegemonização ocidental que parecia indicar os padrões da produção de uma civilização mundial integradora de todas as diferenças. Entretanto, também neste caso é arriscado deixar-se levar pelas aparências, pois o tecido dos costumes, o material do qual é feito a cultura, combina em sua plasticidade, possibilidades de hibridismo, na qual a noção do que venha a ser o profundo e o superficial, a noção do que se precipitará duradouramente o do que será arrastado nas águas dos modismos passageiros, não é de tão fácil distinção.
Hegemonização não que dizer e não significa, como a primeira impressão pode induzir no jogo das palavras, homogeneização. É no caracter híbrido dessas construções, próprias desse plano cultural que, na contemporaneidade , pode-se perceber, complexamente, as mesclas de variadas tonalidades de composição entre, os valores ancestrais das tradições e os novos costumes ditados pela mera proliferação e “evolução” dos bens tecnológicos. É ai que pode-se perceber, a imbricação entre cosmologias, religiosidades, tradições culturais e sociais e aquelas exigências de modernidade e modernização, sempre pressupondo estandardização e homogeneização, através do recurso fácil da conversão de tudo o que for possível em produto de consumo. No conflito, na tensão colocada por esta questão “dos valores nos modernos e nos outros”, para usar o título de um texto de Dumont, em relação a uma suposta superficialidade envernizante, proposta pelo modo de vida ocidental, que distinguindo entre fato e valor, ser e dever ser, vai de encontro com aquela produção da vida social que lhe foge ao controle, exatamente por se vincular à uma tradição de integração entre estes dois pólos numa mesma experiência, é ai que encontraremos o material esclarecedor.
A construção de uma compreensão sobre o processo de disseminação do Ocidente, em sua larga trajetória, passa a se constituir-se assim matéria obrigatória para todos os interesses que admitam trabalhar sobre essas imbricações. Perceber no movimento civilizatório do Ocidente, a gênese, a emergência da Modernidade enquanto um conceito tradutor de uma dinamicidade assumida pela vida, como decorrência de todas as interferências materiais e espirituais, que o fundam como tal, se coloca com igual importância. Analisar as relações civilizatórias deste projeto expansionista e universalista em relação às demais civilizações e grupos humanos não-ocidentais e a dinâmica de sua resistência, resiliência e assimilação do Ocidente passa, também, a fazer parte deste programa.
A difícil leitura da Modernidade. 
Como comenta Roszack (1970p10), na introdução do seu clássico estudo sobre o nascimento da contracultura, a tomada de amplos eventos tais como “O Renascimento” ou “Movimento Romântico” como categorizações que pretendem medir amplos conjuntos de fenômenos sociais, colocam muitas dificuldades e são muito vulneráveis enquanto empreendimentos intelectuais. Principalmente, se, como no caso do seu estudo à época sobre a “Contracultura”, além do caracter amplo do fenômeno a ser estudado, a proposta incorpora ainda a intenção de agrupar e organizar os elementos soltos de uma tormentosa cena contemporânea e, principalmente, interpreta-los. Tomar “a Modernidade” como um evento a ser analisado, compreende ambos desafios : o da amplitude e o da necessidade de um certo posicionamento sobre a contemporaneidade. 
Tal como o “umbigo do sonho”, alusão de Freud a um núcleo irredutível e indecifrável do material sonhado, cujo sentido queda inacessível ao sonhador, a interpretação da Modernidade, enquanto “epocalidade” e enquanto experiência social complexa, nos coloca, enquanto sujeitos da contemporaneidade que tencionamos o seu exame, importantes dificuldades e limitações de ordens ontológica e intelectual. Espécie de Esfinge que incessantemente nos interpela e exige a sua decifração, sob a ameaça de devoramento das nossas construções teóricas, nas quais essa experiência social deve ser examinada à luz da sua historicidade, ao lado da sedução provocativa de “nos explicarmos a nós mesmos” a Modernidade nos afronta com seu caracter enigmático de experiência prolongada e inconclusa/inacabada ou, como pretendem alguns autores, “em fase de transição”.
Como se não bastassem, as dificuldades próprias do pressuposto caracter histórico-cumulativo que a constitui e nos remete às teias densas dos últimos três ou quatro séculos da história e da experiência social do Ocidente, onde ela se gesta e desenvolve . – isso se não objetivamos às suas origens e fecundações mais anteriores, o que nos faria recuar alguns séculos mais atrás – as dúvidas existentes se, no momento presente, estaríamos diante da sua terminalidade ou da sua continuidade, incluem mais um inquietante elemento na apreciação do seu enigma.
Essa incerteza relativa a forma mais adequada de nos situarmos, enquanto sujeitos do presente, em relação à experiência da Modernidade já denota essa dificuldade. Como aponta Rodrigues (1999) todos os recortes que o Ocidente constrói de sua história são arbitrários e auto-referidos a valores atribuídos, num certo presente, às experiências passadas. Uma espécie de “economia das percepções históricas” (essa expressão é nossa) regularia os valores a serem atribuídos às experiências sociais caracterizadoras das diferentes epocalidades, a partir de certos valores que estão em “alta” neste presente. Assim, segundo ele, a nossa percepção negativa e hostil em relação a Idade Media deriva do fato de que as mentalidades e as sensibilidades medievais representariam exatamente aquilo, contra o qual, a cultura capitalista e, posteriormente, a cultura industrial se definiria. Outro especifico da civilização moderna e contemporânea, o medievo estaria espremido enquanto negatividade (“idade das trevas”, “noitedos mil anos” etc.), entre uma idealizada e revalorizada Antigüidade, mote e inspiração para a sua re- interpretação produzida em movimentos posteriores tais como o Renascimento e o Classicismo, e a Modernidade, tomada enquanto expressão civilizatória maior, motivo de elogios e orgulho. 
Na contemporeneidade entretanto, aparentemente, já se colhem muitas reprovações à Modernidade. Esse lugar e esse valor positivo atribuído a ela estaria sofrendo um certo deslocamento resultante de uma avaliação mais critica e autocrítica dos seus efeitos e do cotejamento entre as suas promessas e as suas produções .E, de certa maneira, o caracter extensivo da experiência social contemporânea à Modernidade não se colocaria mais de forma tão consensual. A adoção da noção de “pós-modernidade”, por parte de alguns, parece, as vezes, querer denotar rupturas com a Modernidade, ou mesmo, que estaríamos nos encaminhando para uma “nova” fase, levados por uma trajetória do desenvolvimento social que estaria nos tirando das instituições da modernidade em direção a um novo e diferente tipo de ordem social .
 Para Giddens (1991) entretanto, tal disposição não encontra justificativas . Nem existiriam razões para tal proposição. Segundo ele, apesar do sentimento de se estar vivendo um período de nítida disparidade em relação ao passado, quase todos os elementos justificadores utilizados pelos proponentes da idéia da “pós-modernidade”, tais como, a crise dos fundamentos das certezas e o advento do niilismo ; a destituição teleológica da história ; a nova agenda social e política ; o império das tecnologias frias ; a globalização e etc., poderiam ser concebidos, muito mais, como uma radicalização da Modernidade, do que, como uma ruptura com ela. Ou seja, a Modernidade esteve prenhe destes elementos desde as suas origens e tal ordem de produção social da experiência contemporânea seria apenas um movimento de “entender-se a si mesma” ou “entender-se consigo mesma”.
Esta distinção entre a superação da Modernidade pela Pós-Modernidade versus uma compreensão do contemporâneo como o seu “esticamento” tem conseqüências e marca uma diferença na apreciação feita pelos desdobramentos teóricos e movimentos filosóficos que tem buscado analisar uma série de fenômenos sociais em curso. Concordando com este autor, tenderíamos a ver na intensidade dos esforços teóricos “desconstruintes”, propostos por certas leituras que intensificam a denuncia das ilusões iluministas presentes nas idéias da fundamentação lógica e racional, no ideal de progresso, no universalismo, no racionalismo, etc., como uma espécie de “efeito da curvatura da vara”. Ou seja, numa forma de exorcismo no âmbito da racionalidade das expectativas excessivas que foram debitas na conta da razão. E não raramente elas nos parecem marcadas por uma espécie de ressentimento, de frustração em relação a impossibilidade do cumprimento do que se supunha uma promessa infalível. 
Modernidade : desdogmatização e transformação permanente.
Afinal, como comenta Giddens, o “desacreditar”, o “colocar em questão”, foi a mola mestra propulsora da constituição da Modernidade no afrontamento das verdades preestabelecidas e dos dogmas, mas é perfeitamente compreensível que a defesa do total desagrilhoamento da razão, feita pelo iluminismo, apenas “remodelasse” a idéia do “divino providencial” enquanto fonte das certezas, ao invés de remove-la completamente. E que, de certa maneira. um tipo de certeza(divina) fosse substituída por outra ( dos sentidos, da observação empírica), mas deixando entretanto, inoculado neste projeto, desde as suas origens, o germe do “niilismo” que ora teria encontrado as condições do seu mais completo afloramento e seria tomado como indício de uma outra coisa que ele não é... 
Talvez o traço mais especificante da Modernidade em relação à experiência social que lhe antecedeu fosse exatamente este. Uma atitude, um posicionamento em relação aos dogmas. Se algo na psicologia humana parece nos impelir, nos remeter enquanto indivíduos e/ou coletividades em direção à construção de “certezas” e “verdades fechadas”, por via da institucionalização dos sistemas sociais de crença e/ou organização da vida coletiva, enquanto “mecanismos de defesa contra as profundas ansiedades persecutórias e depressivas” que caracterizariam a vida em sociedade - tal como aponta a hipótese de Elliott Jaques (19 ) - a Modernidade, pode então ser pensada, como a afirmação de um enérgico dispositivo civilizatório de “suspeição”, como uma espécie de mecanismo de “salvaguarda social” contra o poder e a absolutização das “verdades” que, assim, inevitavelmente, tenderiam a ser produzidas na vida societária.
Deste modo, o que caracterizaria a Modernidade não seria a ausência ou a impossibilidade da presença dos “dogmas”, postos na condição humana de experiência social, possível, plausível e até comum de acordo com a cultura , a classe ou o posicionamento social dos indivíduos/coletividades. Como comenta Rodrigues(1999), ao analisar a persistência ainda hoje na cultura brasileira, de atitudes “ante” e “anti” capitalistas e/ou modernas, a sensibilidade , a exigência e auto exigência da adoção das atitudes tipicamente modernas por parte dos sujeitos ( a “suspeição antidogmatica” aí incluída ) decresce conforme vamos descendo na escala social. 
Mas até mesmo em setores “cultos”, “letrados” e, portanto, presumivelmente modernos, a presença da atitude dogmática em relação a um determinado conjunto de verdades não se constitui em exceção. Em vários campos da nossa experiência social moderna, e não apenas no campo da Religião, visto previamente com desconfiança como sendo o campo por excelência da expressão dogmática, ele se faz presente. Bons exemplos são encontrados no exame da política partidária moderna (sejam considerados os marxistas supostamente velhos ou os velhos neo-liberais supostamente novos), ou até mesmo, por mais contraditório que pareça, no exame da sua presença entre os integrantes da chamada comunidade cientifica (vide a noção de “paradigma” de Tomas Khun) onde relações dogmáticas com conjuntos de verdades produzidas aparecem como estruturantes da própria atividade .
O que seria especifico então da Modernidade, em relação ao dogma, seria o fim do monopólio político em relação aos mesmos (como foi o caso da Igreja Medieval ), o fim da sua autoridade absolutista, com o conseqüente reconhecimento da “liberdade individual” de “crença” e portanto de “descrença”, aí incluindo-se o direito de crítica. Nesta perspectiva a Modernidade seria “um tempo sem dogmas” ou pelo menos, um tempo em que os “dogmas” teriam a sua perenidade comprometida pela estimulação da critica e da desconfiança.
Na análise dos processos que buscariam responder pela presença deste traço, como um dos mais significativos da Modernidade, Weber e Marx se complementariam em suas análises. Para o primeiro, tal processo representaria um efeito traduzido na imagem caricatural do podador inábil que serra o próprio galho que lhe serve de apoio em seu trabalho e com ele vem abaixo. No caso, o ímpeto e a intensidade critica do movimento reformador protestante, em sua interpelação em relação aos vários aspectos religiosos, aos quais estavam vinculados o poder temporal da Igreja Católica, teria feito romper o dique do domínio da autoridade de tipo religiosa e posto em marcha um poderoso movimento de individualização cujas conseqüências se traduziriam enquanto uma certa “laicização” : um certo desinvestimento do “sagrado”, de uma certa autonomização desta esfera em relação as demais esferas da vida social e econômica, tal como atualmente se apresenta na sociedade moderna, mas que entretanto, em outros tempos, presidiam e determinavam integralmente o conjunto das condutas dos indivíduos na sociedade.
A constituição de uma esfera religiosa e moral, distinta e independente de todos os aspectos da vida cotidiana e principalmente da vida econômica figurariaassim como a grande realização do racionalismo ocidental em relação a outros racionalismos culturais específicos. O efeito de tal processo, “o seu produto mais acabado” aduz Souza(1998, p102) “é o indivíduo capaz de criticar a si mesmo e a sociedade onde vive. Esse indivíduo liberto das amarras da tradição é o alfa e o ômega de tudo que associamos com modernidade ocidental, como mercado capitalista, democracia, ciência experimental, filosofia, arte moderna, etc.”
Já para na análise marxista a compreensão do caracter de “desnudamento sistemático” assumido pela Modernidade estaria vinculado às contradições implicadas no processo de produção capitalista ao exigir a reunião dos agentes explorados do trabalho e ao intensificar a percepção dos mesmos deste processo de exploração. Uma diferença fundamental marcaria o modo de relação entre os indivíduos e coletividades com a “instituição da sociedade” no interior do Capitalismo, quando comparamos com a relação estabelecidas pelos sujeitos sociais e instituições sociais das sociedades que lhe antecederam, marcadas por estratificações “menos contraditórias” do que as atuais, sob o formato das classes sociais próprias do capitalismo.(Castoriadis,1986p186).
No capitalismo, diferentemente dos modos de produção que lhe antecederam, se produziria uma forma de estratificação social na qual, pela primeira vez, a própria estratificação, ao fazer preponderar quase exclusivamente o critério econômico “estrito senso” em sua definição destes grupamentos sociais específicos, favoreceria sobre maneira que, não mais sob forma episódica de eventuais revoltas e protestos, a contestação ganhasse, a partir dos antagonismos existente entre os objetivos econômicos das classes sociais, os contornos de uma oposição sistemática no interior da própria “instituição da sociedade”, na qual elas se manifestam. E com tal intensidade, que passaria a constituir-se este fenômeno, em um dos elementos fundentes do próprio “modo de ser” desta sociedade, especificando-a . (Castoriadis1986 p178). E seria esta vulnerabilidade da “adesão” dos indivíduos à instituição da sociedade em que vivem, consubstanciada na luta de classes concomitante ao formato assumido pela mesma no capitalismo, o elemento que, abriria uma nova fase na existência das sociedades : a fase das sociedades históricas “propriamente ditas”. Ou seja, sociedades nas quais o questionamento instituínte em permanência não reconhece domínios preservados contra a sua ação. Nas quais nenhuma “perenidade” estaria garantida a qualquer instituição.
Deste modo, o que era até então, essa espécie de “reabsorção imediata das coletividades em suas instituições; simples sujeição dos homens as suas criações imaginárias, unidade que só marginalmente era perturbada pelo desvio ou infração”(Castoriadis,1986 p187), assumiria a partir da versão capitalista de igualdade/desigualdade materializadas nos antagonismos de classe as feições de “uma totalidade dilacerada e conflitual, a auto-contestação da sociedade”. Emergência inusitada da possibilidade inesgotável da crítica, recusa, oposição à instituição da Sociedade, não escapando a ação deste movimento nenhuma das unidades micro ou macro, que a constituem: grupos, códigos, agências, saber, ética, etc. 
Complementares em seus efeitos, estes dois processos, que amplos e profundos estão aqui citados esquematicamente, o da emergência do capitalismo enquanto modo de produção e a conseqüente restruturação das relações econômicas e o da “dessacralização/secularização” pressuposta no afrouxamento da dominação/tutela da Igreja sobre o conjunto institucional organizado socialmente enquanto Ocidente, imprimem uma inigualável dinamicidade histórica à sociedade existente desde então. A ruptura com a irrigação social proporcionada pelas duas fontes precedentes de poder, o poder religioso e o poder real, fontes fundamentais na construção da hierarquização, legalidade e legitimidade até então dominantes, pode ser considerada como a pedra de toque da visão social moderna . E uma vez substituídas estas fontes de poder, mais eminentemente heterônimas pela fonte mais autonômica do “contrato social”, esta figurará como uma fonte instável da produção de legitimidade. Instável porque submetida às oscilações da “opinião pública” que ora, pelo menos teoricamente, liberta do jugo exclusivo dos “preceptores” espirituais e do rigor hierárquico da nobreza, pode cambiar como resultante de outros proselitismos de natureza laica, sejam eles políticos , filosóficos ou científicos, que tiveram garantidos o seu direito de (relativa) livre-expressão.
O pressuposto da inexistência de domínios preservados em relação às possibilidades do seu conhecimento pela razão e o pressuposto da inexistência de instituições sociais, de quaisquer natureza, previamente protegidas contra o exercício da crítica social são elementos fundamentais, ainda que não os únicos, que promovem esta dinamicidade. Como comenta Castoriadis (1987p144), a partir de então, “o infinito invade este mundo”, deixando de ser um atributo exclusivo daquele outro mundo alhures, o mundo divino. Idéias tais como, a dos ilimitados poderes e possibilidades da razão, a idéia do progresso e do desenvolvimento como valores em si mesmos, a do caracter evolutivo e infinito dos mesmos, associadas ao gigantesco salto tecnológico proporcionado pela combinação das mesmas, com a institucionalização do sistema de conhecimento consubstanciado na ciência moderna fazem da Modernidade um tempo em que a mudança e as transformações imperam sobre a perenidade e a permanência.
A Modernidade funda e institui um novo modo de relacionamento com a “tradição”, absolutamente distinto da experiência social anterior, onde esta aparecerá como destituída - ou pelo menos como destituível quando conveniente - de sua condição de “autoridade” ou de “patrimônio autorizado”, intocável e inatacável, de um determinado agrupamento social ou sociedade. Como comenta Bornheim(1987,p16), referindo-se a inversão e ao descompasso entre os movimentos de ruptura e de manutenção social ocorrida com a Modernidade : “A novidade hoje está justamente neste ponto : a experiência suplanta em muito a vigência da tradição. No passado, o surto da ruptura não conseguia prejudicar de modo substancial a estabilidade da tradição, quando é precisamente essa força de erradicação que vem caracterizando os novos tempos” 
Deste modo, o Zeitgeist da Modernidade ficará definitivamente identificado com essa intensificação dos fluxos, dos ritmos, com essa dinamização social que faz exigências ao sujeito moderno de uma flexibilização perceptiva, de uma adaptabilidade ao novo, da adoção de uma atitude blasé, no dizer de Simmel (1973,p16) que encontra na dissociação, um dos seus mecanismos psicológicos elementares de socialização. Trata-se de habitar um novo espaço urbano que não cessa de se metamorfosear : a Modernidade é urbana por excelência !. Trata-se de adaptar-se e readaptar-se sistematicamente aos novos costumes, às novas idéias e valores, decorrentes da incorporação das sociotecnologias incessantemente produzidas e da sua expressão na transformação da vida cotidiana. A Modernidade será, por fim, identificada com estes seus efeitos que fazem da dinâmica entre o “novo” e o “velho” um modo de ser, uma verdadeira ontologia. 
Reconhecido como o responsável pela sua nomeação, Baudelaire (1996,p25) será o criador e proponente do termo Modernidade no contexto da critica artística, exatamente para expressar esse dinamismo que se produz entre o perene e o efêmero, por ele identificado como o mais característico traço do seu tempo, aquele que desafiaria o artista à sua fugidia expressão : “A Modernidade é o transitório, o efêmero, o contingente, é a metade da arte, sendo a outra metade o eterno e o imutável”. Na leitura proposta por Carvalho (1996/7,pg128), num texto onde examina as características assumidas pela cidade na Modernidade, este mundo moderno nasce realizandorupturas e profundas transformações, amaldiçoando suas heranças e seu passado, fazendo tabula rasa de sua história e de seus legados. Razão de que, segundo ele, a Modernidade “testemunha um presente sem vínculos e ligaduras com o seu momento antecessor, sua grande promessa é a mudança inexorável, o progresso civilizatório e as utopias do mundo futuro, apagando todos os rastros sinistros com os legados pretéritos do medievo”
A Modernidade e o projeto civilizatório do Ocidente
Sem duvida nenhuma, é complexa a conjunção dos fatos que possibilitaram este tipo de relação da Modernidade com esta postura de ruptura. Como comenta Castoriadis (1987,p144) mais do que uma articulação explicativa do Ocidente, a seqüência de fatos, subjacentes à experiência da Modernidade, entre os quais se incluem “a “coincidência” e a convergência, constada a partir do século XIX, entre o nascimento e a expansão da burguesia, o interesse obsessivo e crescente pelas invenções e descobertas, a progressiva dissolução da representação medieval do mundo e da sociedade, a Reforma, a passagem “do mundo fechado ao mundo infinito”, a matematização das ciências, a perspectiva de “um progresso indefinido do conhecimento” e a idéia de que o emprego apropriado da razão como condição para a posse e assenhoramento da Natureza”, marcam e identificam de forma exclusiva a experiência social e histórica característica do seu projeto civilizatório. 
Anti-dogmática, iconoclasta, e “histórica propriamente dita”, no sentido do não estabelecimento de compromissos positivos para com o passado na constituição do seu presente, a Modernidade se configura também como um projeto fundamentalmente universalista e expansionista. E, obviamente, naturaliza esta sua perspectiva particular como se ela fosse dotada de validade universal. Na linha da explicitação das origens desse caracter expansionista/universalista que articula Modernidade e Ocidente , Sodré (1999,p53) vai, inicialmente, vincula-la ao próprio alargamento do domínio espacial possibilitado aos europeus através dos descobrimentos. Segundo ele, “o traço , a marca, de uma identidade qualificada como “moderna” é verdadeiramente a consciência universalista com que os europeus medem pela primeira vez a Terra. A visão de um espaço não-global, alheio à medição científica, opõe-se, a partir da época dos descobrimentos, um conceito de ordenamento espacial comum, capaz de dar conta - graças aos refinamentos técnicos do espirito geométrico - do planeta inteiro. A dimensão planetária impõe-se como única e universal” 
Mas este aspecto físico-geográfico, apesar de sua inquestionável importância, revela-se como insuficiente para explicar a intensidade do desenvolvimento deste traço tão característico do Ocidente, que é a sua profunda consciência expansionista/universalista. Afinal, conforme aponta Huntington(1997,p56) tendo emergido como civilização nos séculos VIII e IX , a Cristandade européia, por várias centenas de anos, ficou atrás de muitas outras civilizações, tais como a chinesa sob as dinastias Tang, Sung e Ming, o mundo islâmico do séc. VIII ao XII e Bizâncio do século VII ao XI, que ultrapassavam em muito a Europa em riqueza, território, poder militar, realizações artísticas, literárias e científicas e tecnicamente desenvolveram a capacidade da expansão dos seus domínios territoriais, sem que isso resultasse numa experiência semelhante a européia. 
Para Sodré(1999,p55) a possibilidade de compreensão deste fato esta relacionada com a adoção de uma hipótese , compartilhada por vários autores, mas principalmente explicitada por Sloterdijk, segundo a qual, a construção de uma “identidade européia” com estas características não resultaria das relativamente limitadas bases étnicas, fronteiriças ou religiosas que pudessem conformar um projeto tão grandioso como se revelou o Ocidente.. Para aquele autor, a construção desta identidade estaria relacionada com uma “forma típica e um motivo dramático próprio” que seria sistematicamente perseguida e reencenada no decorrer da historia européia, e se referiria a uma busca da “transmissão do império”. 
Para ele, o que estaria sempre em jogo na história européia, sob os mais diversos formatos seria sempre uma reclamação, uma reencenação e uma retransformação daquele “império romano” (Sloterdijk, apud Sodré1999,p55), que um dia existiu antes dela. “O Sacro Império Romano afirma-se como o mito constitutivo da Europa : o período do seu processo de transmissão iria dos papas e bispos dos séculos seis e sete, até os acordos que , no final do século vinte, visaram a transformar a Europa Ocidental num império mínimo do livre consumo e da circulação irrestrita” (Sodré1999,p56). 
 Incrustada no imaginário social europeu, como uma espécie de mito fundante de suas origens , essa forma Imperium , principal fantasia política da Europa e seu paradigma identitário, poderia ser decodificada num modo de ser “imperial”, e portanto arrogante, encontrado na sua religiosidade, na sua tecnologia, na sua ciência, e na sua filosofia. Ser europeu, para esse autor, configura-se como uma identidade de tudo aquilo implicado na “transmissão do império” : “célula ideo-motriz ou mitico-motriz de todos os processos culturais, políticos e psicossociais dos quais resultou a europeização da Europa”.
Esta perspectiva “imperialista”, na qual se combinam em doses maciças, expansionismo e universalismo, poderia então ser identificada como a responsável pelo formato particular assumido pelo etnocentrismo europeu. Como nos lembra Castoriadis(1992,p31) recusando a idéia de que o racismo venha ser uma invenção especifica do ocidente, e, buscando explica-lo enquanto um fenômeno muito mais universal do que o habitualmente gostamos de aceitar, uma das características empíricas quase universais das sociedades humanas reflete-se exatamente nessa aparente incapacidade de se constituírem como si mesmas, sem excluir o outro ; seguido da aparente incapacidade de excluir o outro sem desvaloriza-lo, chegando finalmente a odia-lo. Nesta perspectiva, e esse autor a fundamenta com vários exemplos, não se constitui estranheza o fato de que uma determinada civilização possa se achar melhor do que as demais. Desde Heródoto, bárbaros foram todos aqueles que não estivessem assimilados pelas fronteiras do império romano.
No etnocentrismo universalista e expansionista europeu, entretanto, o outro é percebido não apenas como diferença e inferioridade. Mais do que isso, na presença dos ideais da Modernidade, tais como o do desenvolvimento e da expansão ilimitada, o da racionalidade e do primado da economia, o da técnica como condição do progresso, este outro é convertido a uma condição de menoridade e de primitividade que deve, evolutivamente, ascender a um “mesmo” consubstanciado na maioridade dos padrões civilizatórios ocidentais. Colocada como medida padrão, espelho para as demais civilizações, esta epopéia dos países modernos “porque desenvolvidos” e desenvolvidos “porque modernos”, será devidamente relida em retrospectiva como uma “caminhada em direção a um destino” que teria sido empreendido pelos países modernos e que deveria inspirar a caminhada dos países e povos que, não tendo feito ainda este percurso, deveriam ser denominados como países e povos “atrasados. Associada portanto à idéia de “desenvolvimento” encontramos inevitavelmente colada a idéia da possibilidade do “progresso”.
A Modernidade, enquanto uma expressão estrita do projeto civilizatório do Ocidente, se constitui assim, negando não apenas as tradições em nome de um presente permanente, mas também todas as particularidades, as territorialidades culturais e as diferenças humanas na afirmação de uma “humanidade absoluta”. Como indica Sodré (1999,p54) “a moderna cultura ocidental – em outras palavras, o triunfo da humanidade absoluta – dá-se a partir de um ordenamento espacial centrado na Europa. Desta maneira, o ‘ser humano universal’, criado a partir de umaconcepção cultural que refletia as realidades do universo burguês europeu, gerava necessariamente um ‘inumano universal’, a outra face da moeda, capaz de abrigar todos os qualificativos referentes a um ‘não homem’ : bárbaros, negros, selvagens.
Sem duvidas, ainda que a Modernização possa ser percebida por alguns, como apenas um “produto” do Ocidente que teria se desenvolvido a partir do século XVIII como uma espécie de “efeito direto” da tremenda expansão do conhecimento cientifico e da engenharia, como propõe Huntington(1997,p81), dificilmente se poderia distinguir estes efeitos dos processos que foram seus geradores. Por outro lado, a partir de sua produção enquanto tal, a Modernidade vai ser assumida como a fisionomia do Ocidente, e por ela e pelos seus traços passará a ser reconhecido e a se reconhecer enquanto tal, engendrando uma experiência social singular, como já tratamos na parte inicial deste texto..
 
A Técnica e os Valores : eixos da hegemonização do projeto civilizatório do Ocidente.
Fruto da intensificação do desenvolvimento tecnológico e de algumas condições políticas produzidas contemporaneamente, este projeto civilizatório do Ocidente expansionista e universalista, logrou a maximização da sua hegemonia se estendendo em escala planetária. Isso significa que principalmente as mercadorias, as tecnologias, mas também os costumes e instituições deste mundo europeu disseminaram-se planetariamente, sobretudo nas configurações das metrópoles urbanas de quase todos os países do mundo. E mesmo àqueles mais fechados aos aspectos mais subjetivos desta importação cultural, que diz respeito a costumes e instituições, se rendem e se entregam à eficiência das máquinas, medicinas, armas e alimentos advindos desta civilização européia. Em diferentes graus, a este processo difusório, que implica, muitas vezes, em rupturas em relação a aspectos tradicionais da cultura e vida destes povos, tem-se denominado como “ocidentalização”. 
Estas mesmas condições políticas entretanto, ao desfazerem a configuração da correlação de força mundial organizadora das relações internacionais através dos blocos capitalista e socialista, fez recrudescer as dimensões étnicas, produzindo uma revalorização da dimensão civilizacional e cultural, que vem, de certo modo, questionar o projeto de uma civilização universal, encarnado pela modernização ocidentalizante. 
Neste contexto, alguns autores como Huntigton(1997,p18), tendem a supervalorizar essa dimensão cultural, advogando que a cultura e as identidades culturais – entendidas como identidades das civilizações – moldarão, no próximo período, os padrões de coesão, desintegração e conflito no mundo pós-Guerra Fria e darão o tom das relações internacionais subsequentes. Numa outra perspectiva, mais cautelosa, mesmo reconhecendo a ênfase e o peso crescente do vetor cultural na dialética societária do mundo contemporâneo autores como Sodré(1999,p17) vêm advertir para o que lhe parece uma excessiva utilização do “culturalismo”. Denominando-o como o “vício acadêmico da contemporaneidade”, este culturalismo, segundo ele, estaria colocado neste momento como a ideologia teórica da globalização financeira do mundo e serviria, como de outro modo já teria servido antes, – no período clássico do colonialismo europeu – como elemento de ocultamento da dominação européia. e/ou das nações mais ricas.
 Para este autor, esta retomada do culturalismo somente viria encobrir a realidade do novo momento de domínio econômico radical e absoluto dos países deste bloco europeu e seus associados –EUA e Japão- que subordina hoje, através de mecanismos mais anônimos do que as políticas de estado, como através das bolsas de valores, por exemplo, o restante das nações. Segundo ele “a globalização tecnoeconômica do mundo – uma nova etapa qualitativa da planetarização, que aceita a fragmentação territorial, mas nivela culturalmente as diferenças de povos e costumes em função da virtualidade do mercado - deixa intocada a questão do etnocentrismo ocidental, a questão essencial da heterogeneidade simbólica”. 
Ou seja, na dinâmica da globalização econômica deve se processar uma normalização estandartizadora das sociedades e dos seus indivíduos de forma a inscreve-los, enquanto consumidores, no registro das ofertas do mercado. Idéias comuns na industria hoje, tais como por exemplo, a do “produto mundial”, ilustrariam bem esta perspectiva. Pressupondo muito menos um produto que refletisse uma ”média” do gosto, ou um gosto médio da “humanidade consumidora” e muito mais um movimento para a adaptação do gosto dos mais diversos grupos e sociedades a um determinado tipo padrão de oferta, esse tipo de formulação exemplifica a ofensiva contra a heterogeneidade simbólica. O medida deste padrão a ser atingido pelo consumidor obviamente pressupões uma aproximação deste a um modelo universal, tal como ele é concebido no âmbito civilizatório do ocidente.
O caracter atual e polemico deste debate ao realçar o valor do elemento cultural, mesmo se numa perspectiva relativista, traz como aspecto positivo um cenário de desnaturalização do projeto civilizatório do ocidente, que embora dos mais potentes e devidamente mundializado em profundidade deve ser reconhecido em seu caracter de particularidade histórica.
Independente de um acordo acerca do papel do culturalismo, enquanto ideologia de apoio à dominação imperial do Ocidente – o que a própria historia da disciplina antropológica documenta sobejamente - o exame do extraordinário sucesso alcançado pelo projeto civilizatório do Ocidente na direção da sua hegemonia coloca em questão um importante debate acerca do papel desempenhado, na conquista desta posição, pelos aspectos civilizatório objetivos e subjetivos, presentes nessa cultura ocidental. Força e persuasão, técnica e valores poderiam ser então pensados, como polaridades indissociáveis representativos destas dimensões objetivas e subjetivas, sempre presentes neste processo, variando apenas a intensidade de cada polo, de acordo com a evolução histórica do desenvolvimento da sua dominação.
 Se num primeiro momento de sua evolução, a técnica e a força prevaleceram, no momento do coroamento do seu predomínio iremos encontrar exatamente a sua capacidade de produzir e impor, como universais, alguns dos seus valores civilizatórios. Dentre os quais, certamente, merece destaque a própria idéia da universalidade. Como comenta Huntington(1997,p59) fato freqüentemente esquecido pelos ocidentais, mas lembrado pelos não-ocidentais, “o ocidente conquistou o mundo não pela superioridade de suas idéias, valores ou religião... mas sim, por sua superioridade em aplicar a violência organizada”. Para ele, mesmo envolvendo diversos aspectos, tais como, a ascensão das cidades e do comercio, a nascente noção de consciência nacional entre os povos ocidentais e o desenvolvimento de burocracias de Estado, a fonte imediata da expansão ocidental foi de natureza tecnológica, refletida, sobretudo, no aumento da sua capacidade de navegação oceânica e no desenvolvimento da sua capacidade militar para a conquista dos outros povos.
Para essa linha de análise , sem dúvida alguma o sucesso e a hegemonia deste projeto diante das outras civilizações, esteve sempre vinculado ao poder da tecnociência ocidental, por via da assimilação dos benefícios tecnológicos advindos do seu desenvolvimento. E tem como certo também, que estes benefícios constituíram-se num dos mais significativos passaportes para a veiculação e para a disseminação global das suas idéias e valores, das suas instituições políticas, do seu sistema econômico. Esta assimilação entretanto não se faria sem algumas contradições sobretudo em relação aos valores autóctones avassalados pelo projeto civilizatório do ocidente. 
Na leitura que Sodré (1999,19) faz de Huntington(1997) ele destaca exatamente a tensão vislumbrada por esse autor entre essa assimilação dos efeitos tecnológicos em detrimento dos valores civilizatóriosdo ocidente. Segundo o mesmo, o mundo teria sido impregnado por uma grande parte da cultura ocidental, mas “num nível superficial”, sendo que “no nível mais profundo, conceitos ocidentais (individualismo, liberalismo, constitucionalismo, direitos humanos, igualdade, liberdade, império da lei, democracia, livre mercado, separação Igreja/Estado) teriam pouca ressonância entre outras civilizações. Nesta leitura o fundamentalismo religioso poderia mesmo ser uma forma de reação ao imperialismo dos direitos humanos”
Nesta mesma linha segue Castoriadis. Discutindo as relações estabelecidas pelos não-ocidentais com este projeto civilizatório hegemônico na contemporaneidade, Castoriadis(1992,p40) chama a atenção exatamente para o caracter as vezes contraditório, dos valores explícitos advogados no Ocidente, que fazem, por exemplo, no mesmo movimento, a defesa do relativismo cultural - segundo o qual deve ser suspenso todo os julgamentos de valores sobre a diferença radical de culturas - ao mesmo tempo em que preconizam a defesa da universalidade dos direitos humanos não assimilável culturalmente por povos não europeus. E denuncia que a existência de tal ordem de contradição, muito menos do que indicar uma abertura sincera do Ocidente ao reconhecimento das particularidades de outras culturas, estaria mais relacionada ao relativo fracasso de uma hipótese sempre tácita e implícita, única capaz de evitar este tipo de contradição, segundo a qual, o rolo compressor do “progresso” levaria todos os povos à mesma cultura – a nossa ocidental é claro – ao êxito de uma cultura universal partilhada por toda a comunidade humana no planeta. 
Segundo este autor entretanto, esta tensão estaria relacionada com o caracter parcial da assimilação do Ocidente pelos povos-culturas não ocidentais. Tal como Huntington ele também desconfia do grau de assimilação dos valores ocidentais por parte destes. Segundo ele, enquanto a tecnologia, os artefatos, certos instrumentos da cultura ocidental foram assimilados facilmente por outros povos não ocidentais as significações imaginárias sociais fundantes deste projeto do ocidente tais como a liberdade, da igualdade, da lei, da interrogação indefinida permanecem-lhes estranhas e mesmo bizarras. Donde ele conclui metaforicamente que, “a vitória planetária do Ocidente é a vitória das metralhadoras, dos jipes e da televisão” mas não é a vitória “do habeas corpus, da soberania popular, da responsabilidade do cidadão”. 
Numa perspectiva absolutamente diversa, na apreciação deste tema , encontramos as análises proposta por Weber e Dumont. De certo modo, estes dois autores, mais do que analisar fragmentariamente a miríade das tecnologias, instituições e valores inclusos e combinados, enquanto causas e efeitos, no processo de desenvolvimentos e hegemonização do Ocidente, irão concentrar o seu exame no “processos sociais de produção” do homem ocidental a partir dos valores. Ou seja, eles se perguntarão sobre o elemento mais especifico do Ocidente, que é o próprio “homem ocidental” cunhado a partir de uma experiência social absolutamente singular em relação às demais civilizações : o homem da aquisição de uma consciência moral pós-tradicional, que se apresentaria sob o formato do indivíduo moderno.
Para Weber(1971) o que fez do Ocidente, “o Ocidente”, e fez , na mesma esteira, a sua supremacia técnica (e política) foi um processo de natureza subjetiva, a saber a qualidade do “racionalismo” tornado possível pela reforma protestante e mais especificamente pelo protestantismo ascético. Para Weber, essa seria característica que seria mais especificadora da cultura ocidental e se apresentaria permeando tanto a esfera econômica como a esfera cultural-institucional no capitalismo, enquanto sistema. 
Como indica Souza(1998), foi através do estudo da gênese e do desenvolvimento das religiões que tornou-se possível para Weber construir uma teorização explicativa do processo através do qual o ocidente pode produzir esse tipo novo de sujeito da modernidade capitalista e esse novo tipo de racionalismo, que se distingue dos oriundos das sociedades tradicionais legitimadas religiosamente por estar marcado por uma ética individual da responsabilidade em oposição a uma ética da convicção, típica daquelas ; por ser capaz de, num contexto secularizado, ter interiorizado sob a forma subjetiva toda uma problemática de natureza ético-moral.
A constituição de uma esfera religiosa e moral, distinta e independente de todos os aspectos da vida cotidiana e principalmente da vida econômica figuraria assim como a grande realização do racionalismo ocidental em relação a outros racionalismos culturais específicos. O efeito de tal processo, “o seu produto mais acabado” aduz Souza(1998, p102) “é o indivíduo capaz de criticar a si mesmo e a sociedade onde vive. Esse indivíduo liberto das amarras da tradição é o alfa e o ômega de tudo que associamos com modernidade ocidental, como mercado capitalista, democracia, ciência experimental, filosofia, arte moderna, etc.”
 
Para Weber toda a eficiência material e tecnológica distinguidora do ocidente estaria relacionada com o desenvolvimento do racionalismo ocidental. Ora, se, como nos auxilia Souza(s/d), o racionalismo sempre diz respeito “à forma peculiar como agrupamentos humanos , na busca por bens internos e externos, perdem a “naturalidade original” do seu contato com o meio e entre si, criando tensões e, através destas, a consciência das mesmas”, é suposto - e os estudos de Weber não só o admitem, mas partem desta pressuposição - de que todas as culturas produzem “racionalismo” em algum nível, e que, as suas religiões representam uma esfera privilegiada do seu desenvolvimento e análise. Portanto, como ele mesmo se propõe a analisar no estudo comparativo das religiões, o fato é o de especificar as produções da cultura européia em relação às demais. Entretanto o aparentemente paradoxal é que, apesar dessa clareza, Weber é ambíguo em relação entre considerar o racionalismo ocidental como mais um, entre todos, ou a afirmar a sua superioridade em relação aos demais. 
Mas, para Weber, apenas o racionalismo ocidental teria dado o salto – para o melhor ? – e feito a “passagem” possibilitadora da emergência desse indivíduo movido pela Ética da responsabilidade, o qual por sua vez pressuporia o contexto laico e a internalização da problemática moral, e que, seria figurado por ele como uma positividade definidora de uma certa superioridade do racionalismo ocidental em relação aos demais. O encantamento de Weber com essa a possibilidade de produção, faz com que ele seja colocado muitas vezes no campo suspeito do evolucionismo – evolucionismo na medida em que Weber admitia uma superioridade ocidental nos campos moral e cognitivo – e do etnocentrismo, na medida que permite afirmar um certo caracter modelar da experiência ocidental para as demais culturas. De qualquer modo, para o que nos interessa reter aqui, a conquista do Ocidente, se sustentaria, segundo ele, em um processo de transformação de natureza subjetiva e o indivíduo estaria colocado como um valor-resultado dos mais importantes , ou até mesmo o mais importante, supostamente referencial para a trajetória das demais culturas. 
A caminhada de Dumont neste debate, se tem com Weber uma afinidade – a da afirmação de que o que distinguiu o Ocidente foi uma dimensão subjetiva, sustentada na idéia-valor do individualismo – coloca-o num outro polo, que, longe de ver nisso um bem em si mesmo, problematiza-o como um obstáculo epistemologico, uma “deformação” societária e um impedimento político para um relacionamento respeitoso e compreensivo da cultura ocidental com as culturas não ocidentais. Para Dumont, o Ocidente num largo e cuidadoso percurso logrou o improvável : a edificação de um edifício onde os tijolos são mais importantes do que os espaços que a sua junção ou acoplamento produz. 
De acordo com sua análise, oindivíduo que é parte elementar da sociedade, foi progressivamente se destacando da totalidade social que lhe oferece continente, até que nas sociedades modernas foi alçado ao lugar de valor supremo desta sociedade. E é por essa condição singular, onde o individualismo apresenta-se absolutamente naturalizado e consagrado desde as mais consensuais e importantes instituições políticas até os meandros da experiência subjetiva de cada sujeito empírico integrante desta sociedade, que Dumont(1997,p51) concebe o individualismo como uma espécie de ideologia fundamental - a ideologia–mãe - desta sociedade, ou, como ele a denomina, a ideologia “da modernidade” ou simplesmente “a ideologia moderna”. 
“Nossas idéias cardinais chamam-se igualdade e liberdade. Elas supõem como princípio único e representação valorizada a idéia do indivíduo humano : a humanidade é constituída de homens, e cada um desses homens é concebido como apresentando, apesar de sua particularidade e fora dela, a essência da humanidade... Esse indivíduo é quase sagrado, absoluto ; não possui nada acima de suas exigências legítimas ; seus direitos só são limitados pelos direitos idênticos dos outros indivíduos. Uma mônada, em suma, e todo grupo humano é constituído de mônadas da espécie sem que o problema da harmonia entre essas mônadas se coloque alguma vez para o senso comum” (Dumont1997,p52/53)
O que ele busca evidenciar, é que, o domínio radical dessa ideologia, cujo percurso histórico ele cuidadosamente trata de reconstruir, remontando-o às próprias origens do cristianismo, oblitera a percepção da hierarquia como um outro principio fundamental do funcionamento social, colocando-se como um obstáculo epistemológico à construção de uma teoria mais adequada do funcionamento social. E que a presença deste principio é operante e estruturante das relações sociais , tanto de culturas não-européias como o caso da Índia, por ele estudado; quanto caso do funcionamento da cultura ocidental, apesar do caráter fundamentalmente recalcado da sua presença. Segundo ele, existiria em nossa sociedade tão profundamente individualista-igualitária uma verdadeira aversão pela hierarquia , como se estivéssemos diante de um tema tabu ou de uma censura caracterizada.
 Definindo a oposição hierárquica como uma relação do tipo englobante-englobado ou de uma relação entre o conjunto e o elemento, ele faz saltar aos olhos à evidencia do caracter artificioso da distinção “fato/valor” ; “ser/dever ser”, que caracteriza o pensamento moderno desde Kant. Resulta disso a aparente impossibilidade, no campo da cultura e da ciência moderna, de tratar do “valor” e do “ser”, remetidos ambos a um campo relativista, onde não se podem estabelecer primazias entre eles, já que qualquer consenso sobre valores pressuporia necessariamente uma hierarquização entre eles, colocando-se um como superior ao outro. Situação que é inadmissível para o igualitarismo ocidental. 
A denegação da presença da hierarquia nas sociedade modernas, constitui-se num sério problema, segundo Dumont, porque sendo a mesma, constitutiva da experiência social, a sua presença acabará por se impor , apesar da sua negação, através de uma forma escamoteada e contrabandeada, pela vias perversas da estratificação e do racismo. Ao mesmo tempo em que tal bloqueio da hierarquia, coloca para Dumont(1985,p253), uma outra questão fundamental para a análise das relações do Ocidente com outras culturas não-ocidentais : “como podemos construir uma passagem entre a nossa ideologia moderna que separa valores e “fatos” e as outras ideologias onde os valores estão “ imbricados” na sua concepção do mundo ? 
Relações interculturais : o Ocidente e o resto.
Analisar as bases atuais do relacionamento entre, de um lado, o mundo ocidental moderno fortemente marcado por essa ideologia individualista e do outro, as demais “civilizações não ocidentais”, tal como a elas se refere Huntington(1997,p50), - entendendo esse conceito de civilização como a representação do “mais alto agrupamento cultural de pessoas e o mais amplo nível de identidade cultural” possíveis na classificação dos grupos humanos - certamente não se constitui numa tarefa fácil. Este autor, cotejando vários outros autores, advoga que, contemporaneamente, existiria um certo numero dessas entidades, tais como a chinesa, japonesa, indiana, islâmica, ortodoxa e a ocidental, admitindo, em relação a esta ultima, a possibilidade do desdobramento de uma civilização latino-americana, e também o agregamento de uma civilização africana.
 
Mesmo sem distinguirmos e considerarmos, no âmbito destas chamadas civilizações, as intensas variações e diferenciações culturais que lhes são internas, é certo que a realidade histórica da crescente dominação imperialista exercida pelo Ocidente, ao longo de sua ascensão, desde o século XVI, impôs e difundiu sistematicamente a presença da cultura européia no mundo conhecido. Ao mesmo tempo, tal processo converteu praticamente todas as relações intercivilizacionais do período, em um fluxo unilateral das demais civilizações em relação à Europa e a uma subordinação das suas sociedades à civilização ocidental. Neste percurso, como nos informa Hungtinton(1997,58) algumas civilizações, tais como a andina e mesoamericana foram sistematicamente eliminadas, as civilizações indiana e islâmica, juntamente com a africana foram subjugadas, e a China foi invadida e colocada sob a subordinação da influência ocidental, até pelo menos, em meados do século atual. 
Excetuando pelos movimentos da independência das colônias americanas, inglesas, espanholas e portuguesas, levados a cabo no séc. XVIII que diminuíram a influência direta da Europa, sobre estes territórios - mas não a indireta - a expansão européia foi ascendente até por volta da primeira guerra mundial, quando os países europeus controlavam cerca de 84 % da superfície terrestre do planeta. E se, no pós-guerra, a Rússia havia saído do controle europeu pela via da ideologia, a divisão do Império Otomano entre Grã-Bretanha, França e Itália ampliaria ainda mais, as extensões territoriais diretamente subordinas à Europa. 
Ainda neste enfoque civilizacional, Huntington(1997,p62) propõe uma trajetória na qual, deste modo, a geografia política mundial deslocara-se de um mundo quase único de 1920, para os três mundos dos anos 60 (capitalismo, socialismo, não alinhados) e para a meia dúzia de mundos dos anos 90, marcando o advento de um sistema multipolar e multicivilizacional, onde estaria se processando um recrudescimento e uma revalorização das questões etnicas-culturais-civilizacionais, que seriam questionadoras de um certo projeto da “civilização universal”, de base fundamentalmente ocidental, que aparentemente vinha se conformando nesse processo histórico, através da dominação do Ocidente. 
Tal ordem de trajetória, obviamente, expôs a cultura destes diversos países, as vezes por largos períodos de centenas de anos, a um intenso contato com os valores, instituições, idiomas, entre outros elementos, da civilização ocidental. Tal ordem de contato não poderá ser pensada na mesma lógica regente das relações interculturais que lhes antecederam, caracterizadas pelas limitações do acesso de umas civilizações às outras, pela intermitência ou pelo caracter curto e intenso dos contatos. Neste caso, as trocas e assimilações reciprocas, de idéias e tecnologias entre civilizações diferenciadas, freqüentemente demandou séculos. 
Os contatos entre essas civilizações, coloca Hungtinton(199,p56), se caracterizaram como violentos – conquista, subjugação ou eliminação da outra - breves e de ocorrência intermitente, diferentemente do impacto continuado, avassalador e unidirecional imposto pelo Ocidente. Outro traço interessante é que as trocas mais freqüentes entre os povos nesta época recuada, se deram mais, no âmbito de uma mesma civilização, do que entre civilizações diferentes.
Essa dominação exercida pelo Ocidente se diferenciadeste padrão. Marcada pela pilhagem e rapinagem dos recursos disponíveis nestas civilizações, fossem eles naturais, técnicos ou humanos - como no caso do tráfico negreiro da África – esse domínio, mormente sustentado militarmente, tem o seu poder de influência cultural limitado, no sentido da substituição ou da transformação dos valores tradicionais e autóctones. Apesar da existência de imposições, tais como a do idioma imperial, organização política, e outras relativas ao consumo e ao modo de vida (alimentação, vestuário, sistemas de trabalho) mais eminentemente derivadas dos interesses comerciais dos colonizadores, exatamente essa condição política, funcionará como um limitador para o exercício de sua influência cultural, sobre a sociedade colonizada, excetuando-se as pequenas parcelas das elites nacionais, identificadas com o colonizador. 
Neste contexto colonial, a emergência da Antropologia em sua versão evolucionista, na segunda metade do século XIX, pode ser percebida como uma tentativa de problematização e racionalização dos processos de dominação colonial, na busca da sua maior efetividade. De algum modo, a questão da diferença cultural deixa de ser abordada, pelo Ocidente universalista, exclusivamente como uma bizarria dos povos dominados, para ser tratada cientificamente na perspectiva da incorporação destes às novas exigências da produção e consumo, como formulavam os mandamentos modernizadores do progresso e da revolução industrial. Estabelecer o caminho que conduz da “selvajaria” à “barbárie” e desta à “civilização”, mais do que um programa ingênuo, como muitas vezes o mesmo é relido por alguns, expressava com clareza, as novas feições a serem assumidas pelo projeto ocidental de gestão das populações. 
Neste redirecionamento da estratégia da força bruta para a dominação racionalizada, a inclusão do relativismo através da Antropologia Cultural de Boas, que sucede ao evolucionismo, longe de exorcizar o fantasma do etnocentrismo, o manteve disfarçado, sob o signo do difusionismo. Ao reconhecer o caracter dinâmico das culturas, através das inovações internas a elas e através das permutas, dos empréstimos entre culturas vizinhas, (a difusão) produzirá a “aculturação” como um dos seus diletos objeto de investigação. Baseado na observação de que os grupos culturais não somente resistem à assimilação dos padrões que não são os do seu grupo cultural, mas que, em alguns casos, eles também aceitam, mesmo se provindas de culturas diferentes da sua, técnicas, instituições e práticas que lhes pareçam boas, estaria aberto o campo para a formulação de uma antropologia aplicada que deveria trabalhar em estreita colaboração com o administrador, subsidiando-o 
Como comenta Bastide(1979,p15) se referindo à política indigenista americana , inspirada neste relativismo cultural, que no fundo, o que se esperava, é que “o respeito pelas culturas indígenas se traduziria finalmente pelo abandono destas culturas por parte dos seus portadores; o relativismo não fazia, pois, mais que esconder – e esconder mal, já que se colocava numa situação de integração de um mundo em outro – o etnocentrismo de antanho.
 A própria definição de “aculturação” do Memorandum, obra clássica de Redfield, Linton e Hersokovits, citados por Bastide, é exemplar em sua “ingênua” despolitização que ignora, ou omite, o fato de, naquela época, já não ser mais praticamente possível os contatos “espontâneos” ou “livres” entre grupos culturais, e que os que se estabeleciam se faziam “forçados” pelo colonialismo, ou “planejados” por um projeto unilateral da civilização ocidental : “A aculturação é o conjunto de fenômenos que resultam do fato de que grupos de indivíduos de culturas diferentes entram em contato continuo e direto e das mudanças que se produzem dentro dos padrões (pattern) culturais originais de um ou dois grupos..” (Bastide,1977,p37). 
Assumindo essa despolitização como um dado disciplinar da Antropologia Aplicada, Bastide(1977,p37), nos dá um magnifico exemplo da neutralidade do racionalismo científico ocidental, quando raciocina : “Deixemos de lado, mais uma vez, o problema dos fins. Não queremos pronunciar juízos de valor sobre a ideologia do progresso econômico e social. Constatamos apenas, como um fato objetivo, que a aculturação planejada em regime capitalista se efetua sob o signo desta ideologia. A questão que nos preocupa é portanto saber se – sendo dados estes fins – os meios apropriados para realiza-los são ou não os melhores”
Se até aqui examinamos o movimento de expansionismo do ocidente , é importante notar , conforme já registramos, que os países e povos não ocidentais não experimentaram passivamente este processo A expansão do Ocidente iria promover, ao mesmo tempo, a modernização e a ocidentalização das sociedade não ocidentais . Huntington(1997,p86) nos indica três tipos de reações básicas ao impacto ocidental, por parte das lideranças políticas e intelectuais destes países. Elas seriam primeiro a rejeição concomitante da modernização e da ocidentalização, a adesão a ambas e a assimilação da primeira e rejeição da segunda.
O advento de um sistema multipolar e multicivilizacional pós-anos 90, preconizado por Hungtinton, marca uma profunda diferença nos processos de dominação do Ocidente sobre o restante do mundo. Desde as guerras de libertação colonial dos anos 60, e as independências negociadas das outras ex-colonias de países europeus até o fim da União Soviética nos anos 90, vinha se manifestando uma tendência na qual o eixo da liderança mundial deslocou-se da Europa para os EUA, consolidado como única superpotência mundial, e a forma de dominação passando dos mecanismos coloniais e diplomáticos diretos, para ser feita, sobretudo, através das relações comerciais ( MCE, NAFTA) e por via dos organismos internacionais de controle do mercado como o FMI, OMC, Banco Mundial. 
Modernização e América latina : dilemas e ambiguidades.
Estabelecidos, ainda que limitada e provisoriamente, alguns platôs de critica à Modernidade, enquanto uma expressão do projeto histórico da dominação ocidental, creio que podemos retornar ao nosso tema inicial, para examinarmos algumas relações que caracterizam a expressão deste projeto na América Latina. Tal exame, como pretendemos demonstrar, constitui-se como matéria extremamente relevante, do ponto de vista intelectual e político, para a matéria que estamos examinando, sobre as potencalidades latinoamericanidade constituir-se enquanto um referencial epistemológico para a Psicologia.
Uma primeira questão refere-se exatamente à posição e ao lugar da América Latina, enquanto civilização, no ambito deste projeto civilizatório ocidental. Uma “subcivilização” dentro da civilização ocidental ou uma civilização separada, apesar de intimamente afiliada ao Ocidente, mas entretanto marcada por uma profunda divisão e ambiguidade quanto ao seu lugar nesta relação ? Na visão norte-americana do já citado Huntington (1997,p52), que graceja com a nossa crônica e já folclórica, “questão de identidade”, nós os latino-americanos, nos encontraríamos divididos, subjetivamente, entre um pertencimento ao Ocidente e a idéia de uma auto-identificação com um projeto cultural e civilizatório próprios. Como justificativa da primeira opção, o fato inequívoco da nossa condição de produto da civilização européia, mas que no entanto apresenta uma grande particularização em relação à Europa e a América do Norte, quase que deles se distanciando totalmente. Tal particularização estaria fundada no fato de que tendo incorporado na nossa composição étnica, em graus variados, as populações indígenas autoctones, isso nos trouxe, na maioria dos países, um forte traço de miscigenação. No Brasil, exceção de colonização portuguesa nas América, esta miscigenação incluiu ainda intensamente o elemento africano. Do ponto de vista político, a expressão da contra-reforma com uma predominância absoluta do Catolicismo, como já foi citado, nos

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