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LAERTE RAMOS DE CARVALHO AS REFORMAS POMBALINAS DA INSTRUÇÃO PÚBLICA edípáfe 1978 EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÂO PAULO SARAIVA S/A — LIVREIROS EDITORES Rubens Nota Os balões são utilizados para expressar comentários que o Alfredo fez em aula ou notas importantes, os trechos do texto destacados foram lidos por ele em voz alta. Boa leitura. Rubens Nota A leitura de resumos, a leitura do texto, o comparecimento em sala de aula e o estudo não isentam o aluno de uma avaliação arbitrária e injusta. Rubens Realce Rubens Nota Este texto do Laerte Ramos de Carvalho aborda basicamente a reforma no ensino feita por Pombal, o então Secretário de Estado do Reino de Portugal, em contraponto com o ensino Jesuítico que era majoritário na época. Tais reformas foram pautadas em princípios iluministas e influenciadas por vários autores, em especial Luís Antônio Verney, que é inclusive autor da obra O Verdadeiro Método de Estudar. nullEntendo que o Professor Alfredo tenha indicado este conjunto de leituras com o propósito de questionar e refletir sobre a finalidade do ensino atual do Brasil, em especial o ensino universitário, através de uma análise de reflexos das mudanças políticas que Portugal fez há três séculos. ClP-Brasii. Catatogaçâo-na-Foníe. Câmara Brasileira do Livro, SP Carvalho, Laeríc Ramos de, 1922-1972. C325r As reformas pombalinas da instrução pública. São Paulo, Saraiva, Ed. da Universidade de São Paulo, 1978. 1. Educação e Estado — Portugal 2. Educação — Por tugal — História 3. Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de, 1699-1782 4. Reforma do ensino — Por tugal I. Título. CDD-370 9469 77-1534 -379 469 Índices para catálogo sistemático: 1 Portugal : Educação : História 370.9469 2. Portugal : Instrução pública : Reformas pombalinas 379 469 3. Reformas pombalinas : Instrução pública : Portugal 379.469 Assessoria editorial: João Gualberto de Carvalho Meneses, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Capa c diagramação: Francisco Gualbemei A. de Andrade. Produção gráfica: Arlindo André Batista Meira. ;n ° 1 2 1 2 SARAIVA S.A. — Livreiros Editores São Pauto — SP Av. Emíssè^o. 1897 Tek {011} 826-8422 Belo Horizonte — MG f t. Célia de Souza, $71 - 8aÍ?;o Famifia T eis: 10315 461-9962 e 461-9995 Rio de Janeiro — RJ Av. Morecha! Roodors. 2231 Tôf: Í021 í 201-7149 e 261-4811 I Indice Prefácio ................................ .............................................. 1 Prólogo ............................................................................... 11 Capítulo I — ílurainismo e Pombafismo .......................... 25 Capítulo II — A Reforma dos Estudos Menores e a Defesa do Regalismo ......................................... 59 Capítulo III — O Desenvolvimento da Reforma dos Estudos Menores ............. ....................................... 99 Capítulo IV — As Diretrizes da Reforma Universitária de 1772 .......................................................... 141 Conclusão ................. ............................................ ............. 189 Apêndice ............................................................................. 193 Bibliografia ......................................................................... 231 VII Rubens Riscado Rubens Nota O capítulo III não cai Capltuío I lluminismo e Pombalismo / — Tradição e modernidade. Antijesuitismo doutrinário. Verney e a luta contra a tradição. O Modernismo verneyano. II — A modernidade e os jesuítas. União cristã e sociedade civil. Os jesuítas e o ensino por tuguês. Os jesuítas como educadores da burguesia. O ensino de Aris tóteles ruis escolas da Companhia de Jesus. Os Oitavos Estatutos da Universidade de Coimbra e a resistência às inovações doutrinárias. III — O antijesuitismo da pedagogia pombalina. O Compêndio Histórico. O sentido econômko-poíítico da luta contra os jesuítas. A renovação das escolas portuguesas. Perfeito nobre e comerciante per jeito. Os rumos da pedagogia pombalina. IV — lluminismo e pombalismo. Os jesuítas e o pensamento regalista de Pombal. Pombal Libertino? Ordem civil e jesuitismo. A escola a serviço dos interesses do despotismo. A reação a Aristóteles e ao método escolástico. O novo rtano: o empirismo. A lógica e os estudos universitários. O ecletismo. A lógica como organon da ética do pombalismo. 1 As reformas pombalmas da instrução pública constituem ex pressão altamente significativa do ituminismo português. Nelas se encontra consubstanciado um programa pedagógico que, se por um lado, representa o reflexo das idéias que agitavam a mentalidade européia, por outro, traduz, nas condições da vida peninsular, moti vos, preocupações e problemas tipicamente lusitanos. No complexo quadro das manifestações espirituais do período pombalino, as refor 25 Rubens Nota A reforma do Pombal precisa ser lida a partir de dois pontos de vista: um é o debate europeu, visto que o Pombal foi embaixador em Viena, e entendeu as respostas que tinha que ser dadas pelas monarquias para não caírem e uma visão portuguesa Rubens Realce Rubens Nota Aula do dia 12 de maio de 2015 de Metodologia Jurídica do Alfredo de Jesus Dal Molin Flores Rubens Realce Rubens Nota Velho pragmatismo lusitano, de administrar grandes extensões de terra atrás do domínio do comércio, ao contrário de visão espanhola, que enviava burocratas para as suas colônias, criar universidades e governos locais. Rubens Nota A própria definição de iluminismo é abrangente, é descrito em cada idioma de uma maneira diferente, "Age of Enlightenment"(inglês), "Aufklärung" (alemão), "Ilustración" (espanhol), "Siècle des Lumières" (francês), sendo que em cada um desses termos se referem a tempos históricos e ideias ligeiramente distintos mas do ensino são como que o denominador comum de uma aspira ção generalizada. Um de seus objetivos, a remodelação dos métodos educacionais vigentes, pela introdução da filosofia moderna e das ciências da natureza em Portugal, era a preocupação constante d. algumas das mais expressivas figuras intelectuais da época. Nestas condições, a indagação do significado e da orientação destes esfor ços no sentido de renovar a mentalidade imperante se impõe como tarefa preliminar para quem pretenda compreender a fisionomia es* piritual do pombalismo. Ora, se o nosso problema é uma questão de ordem pedagógica, e por isso mesmo cultural, e se devemos partir antes de tudo das manifestações contemporâneas, o primeiro fato que chama a nossa atenção é a consciência que tiveram os próprios letrados do século XVIII da oposição entre o pensamento “tradicional” e o pensamen to “moderno”. Os historiadores registram e encarecem, de alguns anos a esta parte, as raras opiniões filosóficas de alguns letrados que, contra a rotina dos métodos de pensamento vigentes, se insur giram, abrindo aos olhos portugueses as novas perspectivas do pen samento moderno. Se compreendermos não apenas o valor destas críticas — o que elas encerram de verdadeiro ou de falso — mas a intenção que as animou, resulta claramente que um dos traços inconfundíveis da cultura lusitana do século XVIII é a sua mani festação literária, expressa como um programa de modernismo filo sófico contra a tradição. Reconheçamos, todavia, que esta renova ção pedagógica, inspirada nos ideais e problemas da filosofia moderna, não é uma manifestação exclusiva do período pombaJino; ela se inicia no reinado de D. João V e prolonga-se, sem solução de continuidade, e através de vicissitudes diversas, no governo de D. Maria I. Da Academia Real de História, fundada em 1720, à Re forma da Universidade, em 1772, e desta à Academia Real de Ciências, criada em 1779, se efetuou um esforço de renovação de métodos e de atitudes de pensamentoe de integração de novos ideais, esforço este que não disfarça os propósitos “iluministas” que animaram estas iniciativas e reformas. Certamente não poderemos falar de um “Uuminismo” português no mesmo sentido pelo qual nos expressamos ao caracterizar as manifestações do pensamento inglês, francês e alemão. O ilumi- nismo português — afirmou o Prof. Cabral de Moncada — foi “essencialmente Reformismo e Pedagogismo. O seu espírito era, 26 Rubens Realce Rubens Nota A mudança do ensino era um consenso entre as elite intelectual portuguesa, o que legitimou tal reforma Rubens Realce Rubens Nota Havia uma nova maneira de pensar, com propósitos iluministas Rubens Realce Rubens Realce Rubens Realce Rubens Realce Rubens Nota Texto lido pelos nossos veteranos no semestre passado Rubens Nota A procura pelo conhecimento é dada pela política despótica do governo não revolucionário, nem anti-histórico, nem irreligioso como o fran cês; mas essencialmente progressista, reformista, nacionalista e hu manista. Era o iluminismo italiano: um iluminismo essencialmente cristão e católico” 5. Todavia, forçoso é reconhecer, o iluminis mo, em que pesem as peculiaridade que historicamente assumiu nos diversos países, foi sempre um programa pedagógico, uma atitude crítica de revisão de problemas do qual não se podem dissociar, no fundo, as intenções de uma reforma, tanto das instituições, quanto dos hábitos de pensamento. Setis propósitos mais significativos se resumem no lema por que Kant, num breve escrito2, procurou vis lumbrar, através de uma variada gama de matizes doutrinários, o sentido íntimo de uma aspiração geral — sapere ande. Em Portugal, o eco destes ideais europeus se manifestou, con creta e historicamente, como um programa político de governo. Um dos traços mais significativos do iluminismo português é a sua expressão de modernidade consciente e de não menos consciente repúdio às formas e hábitos de pensamento até então imperantes. É mister esclarecer, todavia, que tanto esta modernidade quanto este repudio revestiram-se de um formalismo pedagógico bastante característico. O hábito das disputas, tão fortemente enraizado na escola e na mentalidade portuguesas, pelo trabalho de vários séculos de tradição escolástica, não permitiu que o progiama de renovação cultural se processasse, livre de quaisquer fatores restritivos, no deba te amplo dos reais interesses ideológicos da modernidade. Os filó sofos recentiores se preocuparam, desta forma, muito mais com a transformação dos programas do pensamento moderno, em novas questões a serem tratadas nos apertados limites das oposições aca dêmicas, do que com a perfeita elucidação dos principais temas do pensamento posterior à reforma cartesiana. Certamente os prejuízos decorrentes das tradições pedagógicas não foram os únicos a deter minar e a influir na maneira de ser do iluminismo português. A história de uma cultura não se processa independentemente dos fato res econômicos, sociais e políticos que, de certa forma, a condicio 1. Cabral de Moneada, Um “llumintsta” Português do Século XV III; Luiz Antonio Verney, São Paulo, Liv. Acadêmica, 1941, pág. 12. Este ensaio foi reproduzido em Estudos de História do Direito, do mesmo autor, vol. III, incluídos na Acta Universilalis Conlmbrigensis. O passo se encontra à pág. 8. 2. Que es la Ilustración? Trad. espanhola de E. Imaz, no volume Filo sofia de ia Historia, Colégio dcl México, 1947, pág. 25. 27 Rubens Realce Rubens Nota Leitura da turma do semestre passado Rubens Realce Rubens Realce Rubens Nota O iluminismo é pensado como um estratégia para fazer uma reforma na sociedade, tem um espectro muito grande, parte do iluminismo é radical, é jacobino, outra parte possui a teoria da democracia representativa de Locke. Rubens Realce Rubens Nota Os debates jurídicos na época eram extremamente comuns, o que foi um empecilho para a implantação da reforma Rubens Realce Rubens Nota Estes podem ser entendidos como fatores culturais nam. As reformas pombalinas da instrução constituem, neste sen tido, expressivo exemplo. Ao lado das medidas de diferentes ordens, adotadas pelo ministro de D. José I, estas reformas traduzem, den tro do plano de recuperação nacional, a política que as condições econômicas e sociais do país pareciam reclamar. Cumpre-nos, portanto, indagar do sentido e objetivo por que se concretizaram as aspirações dos letrados que, direta ou indireta mente, influíram nas reformas pombalinas da instrução. O primeiro problema que chama nossa atenção, porque o encontramos sempre presente em quase todas as vicissiíudes dos vinte e sete anos de administração pombalina, é a questão dos Jesuítas. Tanto a Dedu ção Cronológica quanto o Compêndio Histórico constituem do cumentos intencionalmente escritos para atribuir aos jesuítas a causa de todos os males do país. Não nos compete examinar o acerto ou desacerto dessa compreensão histórica, apoiada, de resto, no século passado, pelos historiadores liberais, republicanos e socialis tas. Importa-nos, sobretudo, registrar que o antijesuitismo daque les escritos, como de outros tantos documentos de igual inspiração, representa a expressão de uma atitude generalizada nos países euro peus. Na esfera dos problemas da educação e, no sentido mais amplo, da cultura, atribuiu-se aos jesuítas a responsabilidade pelo atraso em que se encontravam as letras portuguesas no século XVIII. Os jesuítas seriam, desta forma, os principais fatores da resistência à introdução das idéias novas e da “boa” filosofia em Portugal. As dezesseis cartas que, no anonimato, Luiz Antônio Verney escreveu sobre o estado da instrução pública lusitana são, a este respeito, muito expressivas. Não é sem exagero que, como um filó sofo recentior, Verney criticava os métodos jesuíticos: “O que sei porém — dizia ele na Oitava Carta — é que nestes países não se sabe de que cor seja isto a que chamam boa filosofia. Este vocá bulo, ou por ele entendamos ciência, ou com rigor gramático, amor da ciência é vocábulo bem grego nestes países” 3. O disfarçado plural tinha, entretanto, um endereço certo. E as réplicas e tré plicas não tardaram, veementes e, algumas vezes, desabusadas. Aparentemente, os debates se processaram como se fossem uma sim- 3 Verdadeiro Método de Estudar, Valença, na oficina de Aníonso Baile, 1747, t. I, págs. 227/8. Cf. na edição organizada pelo Prof. Antonio Salgada JTi'., Lisboa, Ed Sá da Costa, 1950, vol III, pág. 3. 28 Rubens Realce Rubens Nota O anti-jesuitimo era generalizado. O jesuíta não obedece o bispo e não obedece o rei. Rubens Nota Os conflitos de rei de Espanha com os jesuítas se iniciaram no Brasil, com o tratado de Madri que estabelecia a divisão de terras. Os jesuítas postergaram sua retirada até serem atacados por tropas portuguesas apoiadas por tropas espanholas. pies questão entre ordens religiosas4; mas tal era a magnitude do assunto que a própria coroa real, posteriormente, em nome dos inte resses seculares, reivindicou para si a execução de tarefas educa cionais até então quase exclusivas dos poderes espirituais. No que se refere ao ensino das humanidades, a reforma pombalina foi uma tentativa de secularização das instituições, no sentido sociológico do termo, secularização esta a meio caminho da laicização, tão de gosto dos teóricos educacionais do século X IX e, também, de nosso tempo. Ainda hoje, os alvarás e provisões pombalinos são examinados como se não houvesse um outro caminho entre a alternativa que então se propôs; jesuitismo e antijesuitismo. Nesta alternativa, os jesuítas representam para os historiadores tudo o que há de anti- moderno e Pombal, com seus homens, a autêntica antecipação das aspirações modernas. Ora, forçoso é reconhecerque os termos desta alternativa constituem um dos mais graves impedimentos para a justa compreensão de um dos momentos mais lúcidos da história lusitana. Se um caminho existe entre os escolhos de uma investi gação tão cheia de percalços, onde as paixões e, algumas vezes, os ódios obnubilam a clara visão dos fatos, este caminho será aquele em que o historiador, diante de tão variadas e contraditórias ma nifestações da cultura portuguesa, procurará apenas definir o sentido do modernismo filosófico consubstanciado nas obras dos letrados da época em questão. Moderno, no caso, não é apenas um termo: é uma condição dialética de pensamento — uma atitude diante dos valores e processos da cultura — e, ao mesmo tempo, a aspiração — o ideal, essencialmente pedagógico da transformação da ideolo gia nos seus hábitos tradicionais, transformação esta orientada para objetivos claramente predeterminados, de acordo com as exigências da doutrina política imperante. A introdução da filosofia moderna em Portugal se efetuou, den tro das condições sociais da época, por intermédio de um programa do qual não estiveram ausentes o espírito, e os interesses do despo tismo esclarecido. Numa carta ao Pe. Joaquim de Foyos, declarou Verney que tivera “ao princípio particular ordem da Corte de ilu 4. Cf. João Lúcio de Azevedo, O Marquês de Pombal e a sua Êpoca, 2.a ed. com emendas, Rio de Janeiro-Porto, Anuário do Brasil-Seara Nova- Renascença Portuguesa, 1922, Cap. X , III, pág. 338. 29 Rubens Realce Rubens Realce Rubens Nota O modernismo português na verdade é só um discurso dos déspotas, não há um consciência, uma liberdade de pensamento, mesmo assim trouxe progressos Rubens Realce Rubens Nota Esta secularização das instituição seria na verdade um processo em que a coroa irá encampar o ensino, ou seja, atribuições que eram antes entregues a instituições religiosas serão realizadas pela monarquia. minar a nossa Nação em tudo o que pudesse. . . ” B. Ê muito pro vável que o Verdadeiro Método de Estudar, um dos mais preciosos documentos para o estudo da cultura lusitana no século XVIII, te nha sido redigido dentro destes propósitos iluministas. Nas idéias desenvolvidas por Verney neste livro o que mais interessa é a natu reza crítica e assistemática de sua doutrina. A feição pedagógica, intencional na obra, decorre da própria posição “moderna” assumi da pelo Autor. Ê bastante significativo que, na Oitava Carta do Verdadeiro Método de Estudar, Verney, depois de traçar o quadro dos estudos filosóficos em Portugal no qual se patenteiam a resis tência e até mesmo o desconhecimento da filosofia moderna, lembre que o melhor modo de afastar estes erros e “desenganar esta gente e mostrar-lhe os seus prejuízos é pôr-lhe diante dos olhos uma breve história da matéria que tratam: e persuado-me — continua o Barba- dinho — que este é o mais necessário prolegômeno em todas as ciências” A história filosófica não foi, entretanto, além de uma limitada propedêutica, com fins pedagógicos claramente determina dos. Através da história das seitas filosóficas, procura Vemey, no relativismo das posições doutrinárias diversas e, algumas vezes, até contraditórias, o caminho da “boa” filosofia. Há em Verney, entretanto, um modernismo mais de forma do que de conteúdo. Os autores modernos são apenas, no Verdadeiro Método de Estudar, simples instrumentos de que o Autor lança mão para melhor justificar o pensamento nuclear de seus intentos refor mistas. O Prof. Joaquim de Carvalho, num excelente estudo, trans crevendo um passo característico da Décima Carta da referida obra, chamou a atenção dos estudiosos para o verbalismo do saber cien tífico de Verney e da sua “inapreensão do alcance da concepção mecanicista da Natureza”. Em Verney — afirma o eminente pro fessor — a “razão de militante estava mais bem instruída do que devia remover-se do que devia fundar-se” 7. Em lógica, seu em- 5. Esta carta foi publicada ao Conimbricen.se, por Inocêncio, no n.° 2.229, de 5 de dezembro de 1868, e reproduzida em Estudos de História do Direito, cit., págs. 424/8. 6. Verney, ob. cit., Oitava Carta, ed. de 1747, t. I, pág. 232, e ed. A. Salgado Jr., t. III, pág. 19. 7. Introdução do Ensaio Filosófico sobre o Entendimento Humano (Re sumo dos Livs. I e II, recusado pela Real Mesa Censória 6 agora dado ao prelo com introdução e apêndice), Coleção Inédita ac Rediviva, Biblioteca da Uni versidade, 1950, pág. 37. 30 Rubens Realce Rubens Nota É possível baixar tal livro, são dois tomos, mas não é uma obra sistemática, e sim várias cartas, vários tratados, de forma assistematica. Rubens Realce Rubens Nota Verney não é um autor criterioso, não é um catedrático. Rubens Realce Rubens Nota Não há necessidade de fazer grandes sistematizações do conhecimento, como é o modelo hegeliano, se procura apenas ter um contato entre as várias linhas("seitas") filosóficas para definir parâmetros básicos da filosofia pirismo, visivelmente inspirado em Lockes, mal disfarça as sutis distinções da dialética tradicional. Numa época em que o conhe cimento fez da análise o instrumento adequado da compreensão da natureza e do homem em todas as suas manifestações, nela não viu o autor do De Re Logica mais do que um simples processo didáti co de estudos: “As leis do método analítico são estas: entender os vocábulos; determinar as questões, separar as partes delas; fugir de todo o gênero de equívocos; fugir das obscuridades; estabelecer termos comuns e claros; entender os testemunhos e autoridades em que se funda. Além disso, saber os requisitos que são necessários para entrar em uma questão, v. g., para a história, as antigüidades, cronologia, geografia etc.; para a física a notícia das melhores ex periências etc. Ler o contexto, e ver as mais coisas que apontam os outros, para não errar no critério. Ter presentes os cânones que comumeote se assinam, para distinguir as obras supostas das verdadeiras” e. No plano de uma lógica moderna bem pouco sig nifica este modo característico de conceituar o problema da análise. H Todavia, completa ou não esta concepção é bem característica, pois nela se antecipam os fins de uma doutrina que os novos Esta tutos da Universidade de Coimbra, em 1772, consagrariam. Verney não foi o único “moderno”, pois os letrados portugueses não fica ram inteiramente indiferentes à renovação espiritual que então se processava. Nos seminários e colégios oratorianos, jesuítas, fran- ciscanos, teatinos, para falar apenas dos que mais se destacaram — já se demonstrou em trabalho recente10 — a filosofia mo 8. Sobre a influência de Locke na doutrina lógica de Verney, ver as notas do Prof. Antônio Salgado Ir., que acompanham e esclarecem os passos da Oitava Carta que se referem ao problema; cf. especialmente t. III, notas das págs. 54 a 72. üma análise mais completa, entretanto, das idéias de Ver ney se encontra no trabalho de D. Mariana Amélia Machado Santos, Verney contra Genovesi, Apontamentos para o Estudo do "De Re Logica", Coimbra, 1939. 9. Verney, ob. cít., Oitava Carta, ed. de 1747, t. I, pág. 262; ed. A Sal gado Jr., t. III, pág. 106. 10. Ver Antonio Alberto de Andrade, Vernei e a Filosofia Portuguesa. No 2.° Centenário do aparecimento do Verdadeiro Método de Estudar, Braga, Liv. Cruz, 1946. 31 Rubens Nota Continuação da aula do dia 26 de maio de 2015 de Metodologia Jurídica do Alfredo Dal Molin Rubens Realce derna era de certo modo, em maior ou menor alcance, conhecida e examinada. Não será de estranhar, portanto, que, em 1766, Frei Fortunato de Brescia, em sua classificação das "seitas filosóficas”, colocasse, ao lado dos escolásticos, os novadores e os ecléticos que, na opinião do Prof. Joaquim de Carvalho, “foram os pioneiros do pensamento moderno em Portugal”11. O “modernismo” português, embora em última análise seja simples conseqüência do iluminismo europeu, apresenta, entretanto, raizes nacionais que o caracterizam. O que nos interessa, antes de tudo, é a indagação do sentido da modernidade portuguesa: até que ponto, de que natureza e quais os objetivos da renovação cultural que, através de vicissitudes várias, se inicia com as providências desconexas de D. João V, que mais pretendia ilustrar a sua Corte do que os povos, até a unificação destes esforços num plano con jugado de refonnas pedagógicas, orientado no sentido de um pro grama político de secularização, ao mesmo tempo nacional e cristão, das instituições escolares? Quando, em 1759, se instituíram as aulas régias de gramática latina, grega, hebraica e de retórica, no mesmo alvará em que suprimia o ensino dos jesuítas, invocou-se, como razão de Estado, a necessidade de se “conservarem a união cristã e a sociedade civil”. Se é verdade que não cabia ao governo português indicar quais os melhores meios para a conservação da unidade cris tã, não é menos certo que esta simples invocação, de resto cons tantemente lembrada nos diplomas régios, se apoiou nas opiniões de algumas das mais expressivas figuras da vida religiosa da época. O tão celebrado ódio do Marquês de Pombal à Companhia de Jesus não decorreu dos prejuízos opiniáticos de uma posição sistemática previamente traçada. Fatores vários e complexos, de ordem social, política e ideológica, influíram decisivamente na evolução de uma questão que ainda hoje apaixona e obnubila a visão dos espíritos mais esclarecidos. Na brevidade desta forma de ideal político na cional — a conservação da união cristã e da sociedade civil — se condensa toda uma filosofia com objetivos claramente definidos, responsável, aliás, de certa forma, tanto pelas virtudes quanto pelos vícios do despotismo imperante. Não se definira ainda, como mais tarde se fará, na Dedução Cronológica, numa concepção peculiar da história portuguesa que tamanhos créditos teve na historiografia pos terior, o jesuitismo como a causa primacial dos males e da deca- 11. Joaquim de Carvalho, ob. cit., pág. 6. 32 Rubens Nota A palavra "Ideologia" foi cunhada por Karl Mannheim no século XX, mas nesse contexto aqui ela significa a materialização de ideias políticas, pois há em Portugal na época um cenário favorável para a implantação de mudanças sociais Rubens Realce Rubens Realce Rubens Nota Esta é a cara da reforma pombalina, aqui se inicia a cooptação de professores portugueses nas cidades. O Estado está tentando ocupar o espaço que foi suprimido dos Jesuítas Rubens Nota O Estado precisa se legitimar em face dos ventos estranhos do séc. XVIII, ou seja, são necessárias reformas políticas, e Pombal utiliza como principal instrumento dessa reforma o ensino, e como principal inimigo o jesuitismo dência nacionais. Os interesses civis e cristãos, na opinião de Pom bal e de seus homens, coerentes com aquela ciência certa que, no espírito do despotismo esclarecido, era a prerrogativa infalível a que a si invocava a coroa, reclamavam o advento de uma ordem em .■*: que o poder secular fosse o principal fiador da unidade civil na harmonia da família cristã. Os jesuítas procuraram confundir as regras da sua Constituição com os interesses seculares do Papado. Daí a generalização de uma disputa que acabou por fazer do jesui- tismo o símbolo do obscurantismo retrógrado, antimodemo, oposto, recalcitrante e ostensivamente, a todas as formas de modernização ^ da cultura. Não é questão aqui indagar do acerto ou desacerto desta manifestação. Interessa-nos, apenas, pelo seu aspecto expres sivo de intenções, doutrinariamente justificadas, da política de uma época. O antijesuitismo pombalüio, no setor da educação, estribou-se numa série de fatos ainda não suficientemente contestados. Ale- gou-se, por exemplo, que com a entrega do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra à Companhia de Jesus e, posteriormente, com as provisões segundo as quais nenhum estudante seria admi tido nos cursos de Leis e Cânones da Universidade de Coimbra sem os prévios exames no referido Colégio, o ensino português se transformou, praticamente, num monopólio da Companhia de Jesus, Numa de suas notas explicativas na História da Companhia de Jesus na Assistência de Portugal, contestou o historiador jesuíta Francisco Rodrigues a existência de semelhante fato pois, nas ex pressões textuais do laborioso historiador, não havia monopólio “de nenhuma espécie, nem ambição de singularidade e exclusivismo do ensino, mas sim dedicação generosa e benefício inestimável da cultura” 12. O certo porém é que, apenas transcorridos alguns anos depois da introdução da Companhia em Portugal, os colégios jesuítas possuíam numerosos professores cujos cursos eram freqüentados por apreciável número de alunos1S. Não foram certamente apenas os * inegáveis méritos pedagógicos dos inacianos que lhes asseguraram 12. Francisco Rodrigues, S. L, História da Companhia de Jesus na Assis* tência de Portugal, Porto, Liv. Apoatolado da Imprensa, em publicação, de 193! a 1950, 7 vols. aparecidos, t. 2.°, vol. II, pág. 17, nota. 33. Ver nesse sentido, no Cap. I, “Nos colégios: ensino, educação”, t. II, vol. II, da ob. cjt. de Francisco Rodrigues, o desenvolvimento das escolas je- suíticas em Portugal, às págs. I ! a 46. 33 Rubens Realce Rubens Realce Rubens Realce Rubens Nota A coroa toma pra si a prerrogativa de que ela está construindo a nação, assim, deve ser implementado pelo jeito do Rei tão privilegiada situação. Sucessivas vantagens foram concedidas aos colégios mantidos pela Companhia de Jesus de tal forma que, nas reais condições em que se encontrava a cultura portuguesa, as esco las jesuíticas exerceram, até o governo pombalino, um autêntico mo nopólio da instrução secundária14. A história da disputa havida entre o Colégio das Artes e a Universidade de Coimbra, depois que a direção daquele estabeleci mento passou às mãos dos jesuítas, demonstra muito bem até que ponto os interesses seculares, encarnados nas decisões e na obstinada resistência dos professores da Universidade, foram a pouco e pouco cedendo até a aprovação dos Estatutos de 1565, elaborados, como se julgou provável1B, pelos próprios inacianos. Já foram minu ciosamente analisados, num livro abundantemente documentado, os insistentes apelos feitos a D. João III, no sentido de entregar à Companhia de Jesus o Colégio que o próprio rei organizara com o concurso de humanistas nacionais e estrangeiros1S, A decisão do rei, depois de muita resistência, se deveu sobretudo aos insis tentes rogos de seus válidos. Em Carta de 6 de dezembro de 1557, confessou o jesuíta Luiz Gonçalves da Câmara, o mesmo que o Geral Lainez recomendava como mestre de D. Sebastião: “No haver el (Rei) sido author desta mutation, sino que se la hizieron hazer” 17 Não se detiveram aí, entretanto, os padres jesuítas. O Colégio mantinha-se com recursos provenientes da fazenda real. Depois da morte de D. João III, I>. Catarina determinou que fossem separados da Universidade e entregues ao colégio subs 14. Antonio José Teixeira reuniu a documentação dos fatos referentes à história dos jesuítas em Portugal. Um grande número desses documentos se relaciona com a Universidade e o Colégio das Artes. Cf. Antonio José Tei xeira, Documentos para a História dos Jesuítas em Portugal, Coimbra, Imp. da Universidade, 1899. Neste livro se reproduzem documentos sobre assuntos os mais diversos referentes à administração, manutenção, privilégios e regalias que foram concedidos aos jesuítas desde a entrega do Colégio das Artes à Companhia de Jesus. 15. Mário Brandão e M. Lopes D*Almeida, A Universidade de Coimbra, Esboço da sua História, memória histórica publicada por ordemdo Senado Universitário, no IV centenário do estabelecimento definitivo da Universidade em Coimbra, 1937, Parte I, págs. 225 e segs. 16. Mário Brandão, O Colégio das Artes, 2 vols., Coimbra, 1924, 1933, ver especialmente o vol. II. 17. Apud Francisco Rodrigues, ob. cit, t. I, vol. H, pág. 347, nota 1. 34 Rubens Realce Rubens Nota Esta é uma informação que a Ruth Gauer não apresenta, que colégio era mantido com recursos estatais, era mantido pelo Estado.nullA Igreja exercia várias atividades estatais, à época, quando não existiam certidões de óbito, as capelas e os cemitérios anotavam os nomes dos falecidos. tanciais haveres de sua fazenda. A Universidade resistiu até que, passados catorze anos, não pôde livrar-se do compromisso de entre gar ao colégio, anualmente, 3.000 cruzados. Saía desta forma a Universidade “vencida e humilhada” 1S. Semelhantes regalias obti veram os padres da Companhia de Jesus na questão dos graus aca dêmicos. Sem submeter-se à administração da Universidade, des- sangrando-Ihe os recursos financeiros, admitindo ao grau de mestre os professores do Colégio “sem fazerem auto algum dos que man dam os estatutos” ia, e sobretudo, amparando-se em provisões nas quais se determinava que nenhum estudante fosse admitido nos estu dos de Leis e Cânones da Universidade sem prévio exame no Colé gio das Artes 20, os jesuítas reuniram em suas mãos privilégios de tamanho alcance que não é de estranhar crescesse o seu ensino quantitativamente, e com enorme rapidez o número de seus colégios e dos estudantes que neles iam buscar não só o aproveitamento nas letras, mas tambem nos costumes. Não há motivos para censurar os jesuítas por terem alcançado uma posição que lhes garantiu incontestável predomínio na vida po lítica portuguesa. A Companhia de Jesus surgiu com propósitos que devem ser compreendidos, antes de tudo, em função dos reais interesses históricos que animaram os seus primitivos objetivos. A história, quando muito, justifica os homens e não as “éticas” — a ideologia — dos grupos organizados ou não, de que fazem parte. A “ética” jesuítica teve uma finalidade imediata, de valor histórico semelhante à finalidade das demais ordens religiosas no momento em que surgiram. Não se pode discutir o seu sublime fim — Ad majorem gloriam Dei — porque, na órbita dos interesses espiri tuais, todas as religiões, como se dizia naqueles tempos, perseguiam iguais objetivos; mas pode-se discutir os seus processos, os meios de que lançou mão, porque, enquanto historicamente realizados, estes processos não puderam escapar ao jogo fortuito dos interesses que, na ordem temporal, condicionam as ações humanas. Desde o momento em que os inacsanos pretenderam confundir os ideais sublimes da Fé com os interesses seculares do Império, a sua messiâ 18. Mário Brandão e M. Lopes D ’Almeida, ob. cit., Parte I, pág. 220. 19. Aníonio José Teixeira, ob. cit., Parte III, Doc. XXXV II, pág. 217. 20. idem, ibiáem, Parte V, Doc. VIU, págs. 400 a 402. Alvará de 3 de agosto de 1561, confirmado por D. Felipe I, a 20 de janeiro de 1591, c por D. Felipe III, a 16 de mato de 1634. 35 nica ortodoxia foi impotente para resistir, de um lado, às novas exigências impostas pela transformação das condições de vida na sociedade burguesa e, de outro, na esfera espiritual, à inquieta heterodoxia da alma moderna. Houve um momento em que o equi líbrio foi possível. Com sua ética heterônoma, que realçava o valor da ordem e da obediência, os jesuítas também foram, até certo ponto, os edu cadores da burguesiaSl. “Foi necessário que houvesse diversas classes — afirmava Bordaloue — e, antes de tudo, foi inevitável que houvesse pobres, a fim de que existissem na sociedade humana obediência e ordem” 22. Com aquele realismo característico, que tão bem garantiu o êxito de seus empreendimentos, reconheceram os padres da Companhia de Jesus o novo sentido da vida que o progresso da burguesia propiciava. E não tiveram dúvidas de ir ao encontro destas aspirações, seeuralizando, pela dignifícação do trabalho, os ideais do cristianismo: “Quero dizer que cumprir fiel mente os seus deveres — pregava ainda Bordaloue — trabalhar com zelo e ser diligente dentro do próprio estado, conforme a von tade e os desejos de Deus, significa orar” 23. A despeito destes esforços não se puderam conter nos quadros da Igreja militante as forças históricas que preparavam o advento de uma nova ordem social. Acima dos credos e das confissões, elaborou-se, no século XVIII, uma nova concepção da vida moral que, com a idéia do direito natural, despojado de seus pressupostos teológicos, e com a doutrina de uma religião natural, numa introspecção altamente sig nificativa, descobriu na consciência o dever como o tribunal, deso brigado de sanções externas, de uma ética eçumênica e sem fron teiras espirituais. No fundo, esta ética filosófica pressupunha, a partir da consciência moral e do dever, como imperativo categórico, uma ordenação autônoma das vontades, bem diferente da ordem preconizada pelos inacianos, na qual a obediência e a humilde doci lidade constituíam, na visão dos iluministas. formas de alienação da pessoa que a clara geometria de um sistema ético-político, arden temente almejado, não podia justificar. 21. Sobre os Jesuítas como educadores da burguesia, ver Bemhard Groe- thuysen, l.a Formación de la Consciência Burguesa en Francia durante el Siglo X III, trad. espanhola (to José Gaos, México, Fondo de Cultura Econômica, 1943, 2 a Parte, III; Los Teologos como Educadores de la Burguesia, especial mente págs. 280 e 290, e as notas às págs. 575 a 578. 22. Apud Groethuysen, ob. cit., pág. 285. 23. Idem, pág. 284. Rubens Realce Rubens Nota Como o ensino era um pré-requisito para o ingresso nas universidades, vários burgueses da época pagavam a educação jesuíta para seus filhos, o que garantiu parte do êxito dos jesuítas Rubens Realce O desenvolvimento posterior dos estudos e da especulação nas escolas da Companhia de Jesus já estava, de certa forma, determi nado nestas sucintas disposições de suas Constituições: “In Theolo- gja legetur vetus et Novum Testamentum et doctrina scholastica divi Thomae.. . In logica et philosophia naturali et morali, et meta- physica, doctrina Aristotelis sequenda est” 24. Com certa liberdade na interpretação dos textos e incorporando as conquistas do huma nismo, de acordo aliás, com a imposição das circunstâncias histó ricas, criaram os jesuítas nas suas escolas, do velho e do novo mun do, uma constante de pensamento, uma nova tradição filosófica a que já se deu o nome de tomimio moderado25. Orientação esta que encontrou nos problemas políticos e jurídicos o assunto em que eles exerceram com maior originalidade28. Preferiram Aristóteles a Platão, porque a doutrina do estagirita, na sua opinião, atendia melhor às exigências de uma concepção católica do mundo e do homem. Não era, entretanto, apenas o Aristóteles da tradição esco- lástica, mas o Aristóteles do humanismo, renovado pelos comen tadores que não desprezavam sequer a lição de alexandristas e aver- roístas27. Estribando-se, desta forma, na autoridade dos textos aristotélicos, que eram examinados em função dos interesses da re ligião católica, este ensino, sem renovar-se em sua estrutura e pro cessos, logo descambou para o aparato das disputas verbais. Os esforços isolados, entre os quais o do jesuíta Cristovam Borri, não foram suficientemente eficazes para modificar a força dos hábitos pedagógicos então vigentes. Aliás, a formalística do regime univer sitário, com os seus atos e oposições, favorecia muito mais as exi 24 Constltutiones Societatis Jesu, P. IV , Cap. XIV. Na tradução espa nhola da Biblioteca de Autores Crlstianos, organizada pelos especialistas do Instituto Histórico da Companhia de Jesus— Obras Completas de Santo Inacio de Loyola ~~ Madrid, 1952, o passo se encontra à pág. 474. 25. Ver Cario Giacon, S. J. La Seconda Scolastica, 3 vols., Milão, Fra- telli Bocca, 1944, 1947 e 1950, t. IT, Cap. I, especialmente 2 e 3, págs. 17 a 30. 26. é a opinião do historiador da segunda escolástica; cf os prefácios dos dois primeiros volumes e, especialmente, do terceiro da citada obra. 27. “A lia Seconda Scolastica — escreve Cario Giacon S. J. — incombe- va il problema di concíliare il valore rcale dei pensiero aristotelico con le impelieníi esigenze delia nuova cultura umamstica”, ob. cit., t. II, pág. 35. Sobre as relações dos jesuítas com o humanismo da Renascença em Portugal, ver A. Alberto de Andrade, ob. cit., Cap. IH , págs. 70 a 104 e, ainda do mesmo Auíor, “A Renascença dos ‘Çonijnbricensís’ ”, in Brotéria, 1943, vol. XXXVn, págs. 480 a 501. 37 Rubens Realce gências de um saber verbal — próprio de canonistas, teólogos e legistas — do que as necessidades de um conhecimento amparado na experiência e nas matemáticas. Bastante expressivo, neste sen tido, era o descrédito em que se achavam os estudos médicos até a introdução das reformas pombalinas. Nestas condições, a Universi dade portuguesa que, com as primeiras iniciativas de D. João III, parecia destinada a palmilhar mais amplos e abertos caminhos, subi tamente enveredou por nova direção e se transformou no reduto, fortemente garantido, dos ideais da Contra-Reforma. Depois de sucessivas reformas, aceitou a Universidade os Oita vos Estatutos que, confirmados em 16Í2, foram novamente confir mados em 1653, por D. João IV. As novas “modificações introdu zidas nos estatutos — observa o Prof. Lopes D’Almeida — corres pondiam às pressões e à defesa que a Companhia de Jesus e a Uni versidade procuravam fazer valer junto do monarca, uma dos seus objetivos pedagógicos, a outra de seus direitos e interesses prejudi cados. Ambas, quando lhes parecia ter junto do rei ou dos executo res da sua autoridade agente ou pessoas de sua confiança, tenta vam impor os seus pontos de vista e daí as alterações quase nunca atingiram a orgânica do ensino que se imobilizou na generalidade em fórmulas em desuso” 28. Estes estatutos vigoraram até às refor mas de 1772. Não foi possível fazer vingar qualquer programa de renovação cultural porque a disputa entre os inacianos e a Univer sidade não foi além de um mero conflito dc interesses materiais e nunca, em qualquer ocasião, se patenteou uma possível divergência de propósitos e objetivos no setor da cultura e da educação. Houve, sem dúvida, tanto entre os jesuítas quanto na própria Universidade, esforços isolados no sentido de introduzir em Portugal os novos problemas que o progresso das ciências experimentais e da especula ção filosófica tanto encareciam. Estes esforços, todavia, foram impo tentes para modificar a rotina imperante. lembremos, a propósito, a provisão de 23 de setembro de 1712, na qual D. João V, tendo notícia de que “no colégio da Companhia, dessa cidade (Coimbra) se quer introduzir nas cadeiras de filosofia outra forma de Lição da que até agora se observava, e mandam os estatutos”, ordena o reitor do Colégio das Artes “que havendo nesta matéria alguma alteração a fajais evitar, ficando de vosso Zelo não consintais esta 28. Mário Brandão e M. Lopes D ’Almeida, ob. cit., Parte U, pág. 17. 38 nova introdução” . .. 29. E, mais tarde, o reitor do Colégio das Artes, em edital de 7 de Maio de 1746, determinou que “nos exa mes, ou Lições, Conclusões públicas, ou particulares se não ensine defensão ou opiniões novas pouco recebidas, ou inúteis para o estu do das Ciências maiores como são as de Renato Descartes, Gasscn- do Newton, e outros, e nomeadamente qualquer Ciência, que defen da os átomos de Epicuro, ou negue as realidades dos acidentes Eucarísticos, ou outras quaisquer conclusões opostas ao sistema de Aristóteles, o qual nestas escolas se deve seguir, como repetidas vezes se recomenda nos estatutos deste Colégio das Artes” ®°. in Nas publicações antijesuíticas da administração do Marquês de Pombal, transparece claramente a preocupação de atribuir aos inacianos a principal responsabilidade pela decadência em que se encontravam os estude» em Portugal. O Compêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra no tempo da invasão dos deno minados jesuítas e dos estragos feitos nas ciências, nos professores, e diretores que a regiam pelas maquinações e publicações de novos es tatutos por ele fabricados, aparecido em 1772, constitui, em suas linhas essenciais, apesar das parcialidades notórias, um programa de alta significação pedagógico-cultural, pois nele se encontra, ainda hoje, o melhor documento que, do ponto de vista crítico, se fez em Portugal sobre a situação em que se encontrava a Universidade de Coimbra até a promulgação dos estatutos pombalinos. A erudição histórica posterior retificou muitos dos erros contidos nesta publi cação, mas estas emendas de maneira alguma alteram a própria substância do programa educacional traçado pela Junta de Provi dência Literária. É preciso lembrar que 0 Compêndio foi redigido num momento em que a questão dos jesuítas, transformada num problema político dos governos de Espanha, França e Portugal ainda não se resolvera. Devido ao prestígio que gozava a Companhia de Jesus, junto à Cúria Romana, os delegados dos governos que se empenhavam na luta contra os jesuítas não tinham vencido até 29 Provisão publicada por Joaquim de Carvalho in Ensaio Filosófico sobre o Entendimento Humano, Apêndice A, pág. 169. 30. Edital reproduzido por Joaquim de Carvalho, in ob. dt., Apêndice A, 2, págs. 170 a 172; cf. loc. cit., pág. 171. 39 aquela data as últimas resistências de Ganganelli e alcançado, desta rorma, o objetivo comum: a extinção da ordem. Compreende-se, portanto, que a reforma da Universidade se transformasse em mais um documento da política antijesuítica que bá dezesseis anos se tomara uma das principais preocupações da administração pomba- lina. No Compêndio Histórico, todos os elementos úteis à justifi cação doutrinária do pombalismo foram aproveitados: desde a en trega do Colégio das Artes à Companhia de Jesus, com os episó dios que se lhe seguiram, até à análise minuciosa dos acontecimen tos políticos em que os inacianos tiveram uma parcela, mínima que fosse, de responsabilidade. Todos os fatos referente à ação dos jesuítas foram invocados para demonstrar, num quadro de tintas sombrias, que, até mesmo no setor do ensino, a decadência da na ção era sobretudo obra dos padres da Companhia de Jesus. O Compêndio Histórico constitui, desta forma, a conseqüência natu ral da doutrina da Dedução Cronológica e Analítica, de 1765, como esta representa também o corolário generalizado e minucioso da Relação abreviada da República que os religiosos jesuítas das pro víncias de Portugal e Espanha estabeleceram nos domínios ultrama rinos das duas monarquias e das guerras que neles tem movido e sustentado contra os exércitos espanhóis e portugueses, de 1756. No Compêndio Histórico, ao mesmo tempo que se recapitu- lam os fatos indicados na Dedução Cronológica, particularizam-se “os outros estragos, que os mesmos regulares fizeram em cada tuna das quatro Ciências maiores” 81 — teologia, leis e cânones, medir cina e matemática. Na teologia, o predomínio da filosofia aristo- télica, que relegou ao esquecimento a teologia primitiva, com o sa crifício dos estudos da Escritura, da Tradição dos Concílios, dos Santos Padres e da História Sagrada82; na jurisprudência canônica e civil, a adoção de uma metafísica “errônea e sumamente preju dicial” 33 e o ensino da Moral Cristã .por intermédio da ética, de Aristóteles, Filósofo Ateista, “que nenhuma crença teve em Deus, e na Vida Eterna; que em vez de ditarprincípios para a probidade interior do ânimo, e para a justiça natural, foi o Autor de um sis tema estofado de máximas dirigidas a formarem um Áulico das Cortes de Felipe e Alexandre, e um Hipócrita armado contra a 31. Compêndio Histórico, pág. X II. 32. Idem, págs. XH e X III. 33. Idem, pág. XIV. 40 Rubens Realce Rubens Nota Tratado de Madri é firmado em 1750, as Guerras Guaraníticas ocorrem em 1756 inocência dos crédulos com virtudes externas, e fingidas” 34. Neste mesmo domínio ainda, o esquecimento em que foram lançados os estudos das histórias do direito romano e pátrio, do direito canônico, da história geral e da doutrina do método35. Na medicina, a obsti nada adesão à física aristotélica, com o sacrifício da verdadeira física, da química filosófica, da botânica e da anatomia e a confusão do estudo teórico com o prático80. Tais foram, na opinião dos relatores da Junta de Providência Literária, os principais estragos causados pelos jesuítas nos estudos das ciências universitárias. Quer nos parecer que este antijesuitismo foi muito mais a con seqüência das lutas políticas do Gabinete com a Cúria Romana do que a verdadeira causa do programa pedagógico formulado pela Junta de Providência Literária. Tamanha foi a força das vicissi- tudes políticas, e tão acirrados andavam os ânimos, que um progra ma, para cuja justificação bastava apenas a incontestável grandeza de seus fins, se transformou, impelido pelas circunstâncias históri cas, num documento com deliberados propósitos de fazer dos jesuítas a universal causa de todos os males portugueses. De há muito já se sentiam, na vida do país, os inconvenientes que traziam para a eco nomia e o trabalho nacionais o acúmulo de bens imóveis e as de mais regalias e privilégio que, diante das leis civis, gozavam as ordens religiosas. O assunto já fora ventilado nas Cortes de 1562 e, agora, D. Luiz da Cunha, no Testamento Político, insistia novamente no problema. Sebastião de Carvalho e Melo, como bom discípulo de D. Luiz da Cunha, que aproveitara a sua estadia em Londres para estudar, com meticuloso interesse, os problemas e as conseqüências econômicas dos tratados comerciais luso-britânicos37, não devia ignorar este delicado aspecto da questão. Sua luta contra os jesuítas, se, anos mais tarde, se inspirará em alguns dos motivos e razões da ideologia dos iluministas de outros países, no início foi causada principalmente pelo conflito entre os interesses do Estado e os da Companhia de Jesus. 34. Idem, ibidem. 35. Idem, págs. X IV e XV. 36. Idem, pág. XVI. 37. Ver, especialmente, J. Lúcio de Azevedo, ob. cit., Cap. I, A Embai xada de Londres, págs. 9 a 43. Vê o Autor na Relação dos Gravames do Comércio e Vassalox de Portugal na Inglaterra, redigida por Sebastião de Car valho e Melo, durante a sua permanência em Londres, “a origem de vários dos seus atos posteriores quando governou”; cf. ob. cit., pág. 29. 41 I De qualquer forma, entretanto, no assunto que nos interessa, a renovação pedagógica da cultura portuguesa se efetuou por inter médio de um programa que se enriqueceu progressivamente, em conteúdo doutrinário, por força das vicissitudes políticas, internas e externas, com que se defrontou o govemo de D. José I. Já no reinado de D. João V, esta renovação se iniciara, com a casa que a vontade régia erigira em Lisboa, no subúrbio de Nossa Senhora das Necessidades, a fim de que nela ensinassem os padres da Con gregação de São Felipe Nery, o latim, o pego, a retórica, todas as humanidades enfim, por um método diferente do que o usado pelos jesuítas em suas escolas. Deste ensino surgiram os Exercidos de Língua Latina e Portuguesa acerca de diversas cousas, de 1711, e o Novo Método de Gramática Latina, para uso das escolas da Congregação do Oratório na Real Casa de Nossa Senhora das Ne cessidades, publicada em 1752, acompanhada de um prólogo críti co em que se indicavam mais de cem erros da gramática do Pe. Ma nuel Álvares. Não tardou a contestação, e metodistas e alvaristas, oratorianos e jesuítas, se engalfinharam numa polêmica que, embora estritamente gramatical, mal disfarçava os objetivos desiguais de duas pedagogias, de dois humanismos, se nos permitem a expressão, em conflito. Com a expansão dos jesuítas, em 1759, fez-se necessário preencher a lacuna aberta com a extinção das escolas por eles man tidas. O Alvará Régio que criou as aulas de latim, grego e retórica recomendava expressamente o novo método. O governo incorporou desta forma, fazendo-o seu, o método preconizado pela Congregação do Oratório. O “alvarismo”, daí por diante, passou a ser tenazmente perseguido. Todavia, antes da reforma dos estudos de latim e humanida des, com propósitos menos ambiciosos, procurou o gabinete de D. José I resolver pela educação alguns de seus problemas mais urgentes. As primeiras iniciativas do gabinete, no setor da instrução, estão intimamente ligadas a esforços” de recuperação econômica empreendida pelo govemo. Ao criar-se a Junta do Comércio, pre- viu-se, no Cap. XVI, de seus estatutos, o estabelecimento de uma aula presidida por “um ou dois mestres dos mais peritos, que se co nheceram, delerminando-lhes ordenados competentes, e as obriga ções, que são próprias de tão importante emprego” 38. Com os 38. Estatutos da Aula do Comércio, confirmados pelo Alvará de 16 de dezembro de 1752, apud José Silvestre Ribeiro, História dos Estabelecimentos 42 Rubens Realce Rubens Realce Rubens Realce Rubens Riscado Rubens Nota expulsão Rubens Realce mesmos objetivos foi, logo depois, criada a aula de náutica na cidade do Porto, por iniciativa da Junta Administrativa da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. Estas providências eram, na órbita do ensino, a conseqüência natural das iniciativas econômicas do Gabinete de D. José I. A política monopolista, se guida nos anos anteriores, e da qual resultara, sucessivamente, a criação das grandes companhias — do Comércio da Ásia, em 1753, do Pará e Maranhão, em 1755, da Pesca da Baleia, e dos Vinhos do Alto Douro, em 1756, e finalmente de Pernambuco e Paraíba, em 1759 — andava a exigir pessoal habilitado na escrituração das contas como condição relevante do progresso das novas empresas comerciais. A criação da Junta e das Aulas de Comércio parece ter correspondido a esta necessidade. Em suas Observações Secre tíssima?, de 1775, dirigidas ao Rei, por ocasião da inauguração da estátua eqüestre, afirmava o ministro, na sua linguagem caracterís tica, “haver a aula de comércio feito de tal sorte vulgar a aritmética, que para o lugar de um guarda-livros, que antes se mandava buscar a Veneza e a Gênova, por um conto de réis, e três mil cruzados de emolumentos, sucedendo agora vagar, se apresentam logo vinte, e mais opositores habilíssimos em todas as arrumações de livros mer cantis e em todas as mais difíceis reduções de pesos e medidas, de sólidos e líquidos, de todos os câmbios, e de todas as moedas que correm nas praças da Europa” :i9. Ê significativo que Pombal, antes de pensar na formação dos teólogos, canonistas, advogados e médicos — problema que não foi estranho aos propósitos do gabinete de D. José I — cuidasse, preliminarmente, de amparar o trabalho eco nômico por intermédio da criação de uma escola destinada a formar a “elite” indispensável ao progresso financeiro das empresas e dos grupos que a política monopolista do novo governo planejara e orga nizara, ao pretender incentivar o acúmulo de riqueza individuais de tal forma que as novas condições econômicas melhor pudessem satis fazer aos reclamos dos interesses estatais. Neste sentido as aulas de comércio e de náutica estavam perfeitamente ajustadas aos pro Científicos, Literários e Artísticos de Portugal nos Sucessivos Reinados da Monarquia, Lisboa, Tip.da Academia Real das Ciências, 1871, t. I, pág. 273. 39. Observações Secretíssimas do Marquês de Pombal sobre a Colocação da Estátua Eqüestre de S. M . El-Rei D . Josè, Biblioteca Nacional de Lisboa, Coleção Pombalina, cod. 695, reproduzidas em Cartas e outras Obras Seletas do Marquês de Pombal, 5.a ed., 2 vols., Lisboa, Tip. de Costa Sanches, 1861, vol. I, págs. 12 a 24; cf. loc. cit., págs. 13 43 Rubens Nota É realizado uma formação para os tributaristas e administradores pósitos econômicos de um gabinete que, na opinião do historiador Ângelo Ribeiro, representou em Portugal “o fautor desta burguesia de negócios — a classe média que virá prevalecer nas sociedades do século X IX” ». A Aula de Comércio foi, desta forma, o meio de que lançou mão o governo, dentro dos próprios quadros da burguesia portu guesa, para formar o perfeito negociante que a conjuntura econô mica reclamava. Em suas Recordações, testemunha Ratton o apreço em que tinham a Aula de Comércio o Rei D. José I e o próprio Marquês de Pombal41, No preâmbulo da Carta de Lei de 30 de agosto de 1770, transcorridos mais de dez anos da fundação do curso, transparecem claramente os propósitos que animavam o Ga binete ao instituí-lo. Tamanha fora a desordem — diz-se no refe rido preâmbulo — que se assistiu “de muitos anos a esta parte o absurdo de se atrever qualquer indivíduo ignorante a denomi nar-se a si Homem de Negócio, não só sem ter aprendido os prin cípios da probidade, da boa fé, e do cálculo mercantil, mas mui tas vezes até sem saber ler nem escrever; irrogando assim igno mínia e prejuízo a tão proveitosa, necessária e nobre profissão” 42. Na política protecionista dos monopólios por que a Coroa procurava mobilizar, fora dos quadre» aristocráticos, as energias nascentes de uma classe, havia necessidade de preparar convenientemente os homens indispensáveis à sábia execução das novas tarefas mercantis. No mesmo sentido, embora destinada a atender necessidades de um setor administrativo mais elevado, se encontra a nova orde nação dos estudos por que o Gabinete de D. José I, com o Colé gio dos Nobrex, procurou aparelhar a nobreza, pondo-a em condi ções de enfrentar, com êxito, os problemas peculiares da política do século. O “estrangeirado" Antonio Ribeiro Sanches que, embora há longo tempo ausente do país, conhecia muito bem, em suas raízes, os males que afligiam a educação portuguesa, soube lembrar e encarecer a oportunidade da criação de um colégio para a instru ção da nobreza, semelhante aos que já existiam em outras nações da Europa. Nas suas Cartas para a Educação da Mocidade, afir 40. Ângelo Ribeiro, *‘A renovação pombaKaa”, itt História de Portugal, dirigida por Damião Peres e Eleutério Cerdeira, Barcelos, Poriucalense Ed., 1934, 8 ts., vol. V I, Cap. X, pág. 200. 41. Recordações, de Jacome Ratton, Londres, 1813, pág. XXX. 42. Apud José Silvestre Ribeiro, ob. cit., t. I, pág. 279. 44 Rubens Realce Rubens Realce mava com grande perspicácia o discípulo de Boerhaave: “Parece que Portugal está hoje quase obrigado não só a fundar uma Escola Militar, mas de preferi-la a todos os estabelecimentos literários, que sustenta com tão excessivos gastos. O que se ensina e tem ensinado até agora neles é para chegar a ser Sacerdote e Jurisconsulto; e como já vimos... não tem a Nobreza ensino algum para servir a sua pátria, em tempos de paz nem da guerra” 45. Sem dúvida a pres teza com que se resolveu o problema está relacionada com os sucessos militares da guerra luso-espanhola de 1762. O Colégio de Nobres, a aula de náutica na cidade do Porto, a aula de artilharia de São Julião da Barra, criada pelo Alvará de 2 de abril de 1762, e o plano de estudos dos regimentos de artilharia44 são expressões di versas de um programa pedagógico destinado à ampla recuperação e organização de um exército que havia chegado, até então, aos graus extremos da miséria moral s física48. À nobreza não bastava, nas condições específicas dos novos tempos, a formação humanística que, sem modificações essenciais, prevalecia no ensino português desde a criação do Colégio das Artes. Ribeiro Sanches compreendeu perfeitamente o significado deste fato. Nas sugestões que apresentou para a criação do Colégio dos Nobres não se esqueceu de recomendar, como matéria de ensino, qualquer ciência que, na vida cultural de seu tempo, julgasse indispensável à formação do perfeito nobre, arquétipo pedagógico que a política pombalina erigiu como correlato e complemento do perfeito nego ciante: tipos ideais, aliás, que, embora aparentemente diversos, se integravam harmonicamente nos propósitos do absolutismo iluminista do gabinete de D. José I. No Colégio dos Nobres, além das disci plinas constantes dos cursos de Humanidades (latim, grego, retórica e filosofia) estudavam-se as línguas estrangeiras (francesa, italiana e 43. Cartas sobre a Educação da Mocidade, ed. revista e prefaciada por Maximiano Lemos, Coimbra, Imp. da Universidade, 1922, pág. 184. 44. As aulas de náutica, de artilharia, assim como o plano de estudos dos regimentos de artilharia são de 1762. Para maiores informações ver José Silvestre Ribeiro, ob. cit., t. I, págs. 246 a 306. 45. Sobre o estado em que se encontrava o exército português, por ocasião do conflito de 1762, ver Latino Coelho, História Política e M ilitar de Portugal desde os Fins do Século XVII] até 1814, 2.a ed,, Lisboa, 3 vols., Imp. Nacional, t. Cap. I, págs. 1 a 86; c£,, ainda, do mesmo autor, O Marquês de Pombal, na obra comemorativa do centenário da sua morte publicada pelo Club de Regatas Guanabarense do Rio de Janeiro, Lisboa, Imp. Nacional, 1885, Cap. X II, especialmente págs. 275 e segs. 45 Rubens Realce Rubens Realce Rubens Realce Rubens Realce inglesa), ao mesmo tempo que os elementos das matemáticas, da astronomia, e da física: da álgebra, c da sua aplicação à geometria, da análise infinitesimal, e cálculo integral, da ótica, dióptrica, catóp- trica, dos princípios de náutica, da arquitetura militar e civil; do desenho e, finalmente, da física46. Constituía desta forma este currículo um esforço no sentido da renovação das bases, ao mesmo tempo teóricas e práticas, indispensáveis ao bom cumprimento dos serviços que por dever a nobreza deveria exercitar. Delineiam-se desta maneira, em seus traços característicos, os rumos da política pombalina na instrução pública que, anos depois, encontrarão na reforma da Universidade, de 1772, a sua manifes tação mais expressiva. A criação das aulas régias, dos cursos mili tares, da aula de comércio e de náutica foram como que os ensaios preparatórios de uma renovação radical das estruturas, dos proces sos e — até mesmo — da própria ideologia filosófica, em que se apoiava o ensino universitário português. Tanto no programa pro posto pela Junta de Providência Literária como no zelo com que o Marquês reformador acompanhou, com medidas prontas e efi cazes, a remodelação dos estudos nas quatro faculdades, refletem-se as intenções, acentuadamente iluministas, que nortearam os homens de Pombal no esforço comum de fazer da Universidade uma escola que permitisse ao poder público formar o sacerdote, o jurisconsulto, o médico e o letrado de acordo com o espírito do regaíismo dou trinário que a força das vicissitudes históricas transformara na ra zão política, mais caracteristicamente universal, de um governo. No intervalo transcorrido entre 1759 — ano da expulsão dos jesuítas e da criação das aulas régias de íatim, grego, hebraico e retórica — e 1772, quando se realizou a reforma da Universidade de Coimbra, a luta do gabinete de D. José I com os ínacianos se desdobrara numa série de acontecimentos que acabaram por lan çar o governo contra a Cúria Romana na quaí ainda a Companhia de Jesus era ouvida e acatada. Mobilizaram-se,para vencer a tenaz resistência, todos os recursos, de um e outro lado, a fim de que cada parte melhor pudesse defender seus interesses, direitos e pri vilégios. No calor desta disputa consolidou-se a doutrina política, 4&. Sobre a organização do Colégio dos Nobres ver José Silvestre Ribei ro, ob. cit., t. I, págs. 282 a 29S, e Teófilo Braga História da Universidade de Coimbra nas suas Relações com a Instrução Pública Portuguesa, Tip. da Aca demia Real das Ciências, 1902, t. III, Cap. III, págs. 348 a 354. 46 Rubens Realce Rubens Realce Rubens Realce Rubens Nota doutrina regalista = doutrina de legitimação do poder do rei 1 { de feitio absolutista, na qual, ainda hoje, alguns autores, e não sem razão, pretendem encontrar o germe do liberalismo lusitano. A maior força dos jesuítas residia nas escolas que possuíam nas mais lon gínquas cidades do reino e do Ultramar. A expulsão da Companhia, com os males dela decorrentes, deixou uma lacuna que necessitava de uma pronta e hábil correção. Com a criação das aulas régias de latim, grego e retórica, iniciou-se, na administração pombalina, uma reforma que, enriquecida e gradativamente ampliada, alcançou, em 1772, com os Estatutos da Universidade, sua mais alta e signi ficativa expressão, ao transformar-se num programa pedagógico que se definiu como urna doutrina contra o sistema adotado nas escolas jesuíticas. IV Escrevia D. Luiz da Cunha no seu Testamento Político, com oportuno e real senso das condições em que se encontrava Portu gal: “Se V. A. quiser dar uma volta aos seus reinos... achará que a terceira parte de Portugal está possuída pela Igreja que não contribui para a despesa e segurança do Estado, quero dizer pelos cabidos das dioceses, pelas colegiadas, pelos príorados, pelas aba dias, pelas capelas, pelos conventos de frades e freiras” 47. Um reino com tão extensos domínios deveria poupar e aproveitar melhor os seus recursos humanos e evitar que as suas riquezas se dissipassem com a ininterrupta transferência dos bens civis para o patrimônio da Igreja. Nesse patrimônio avultavam, em todas as partes do reino e seus domínios, os empreendimentos jesuíticos. Não é de estranhar, portanto, que tenham sido os inacianos os que mais resis tiram à política econômica que o gabinete pusera em ação já no início do primeiro decênio de sua administração. E assim proce dendo, agiram os jesuítas, no entender de Pombal e seus homens, como fatores de desagregação da união cristã e da sociedade civil, da qual o Governo de D. José I se julgara o fiador. Foi em nome desta união cristã e da sociedade civil, da qual foram excluídos os jesuítas, que se constituiu a doutrina jurídico- política que prevaleceu nos atos da administração pombalina. A 47. Luiz da Cunha, Testamento Político, Prefácio e notas de Manuel Mendes, Lisboa, Seara Nova, 1943, págs. 39/40. 47 Rubens Realce Rubens Realce Rubens Nota A Igreja possui imóveis e diversas terras ! ! ] força com que o Gabinete se atirou na contenda com o Papado e a perseverança demonstrada na defesa das régias prerrogativas, ao responder, pronta e categoricamente, aos contragolpes que, prote gidos pela Cúria Romana, lhe desferiam os jesuítas, foi talvez o mo tivo preponderante, lembrado por aquelas “vozes genéricas, vagas e improváveis por nalureza” 4S as quais fizeram do Min. Sebastião de Carvalho e Melo um libertino, “discípulo de Voltaire e do Barão de Holbach, inimigo da Igreja e da crença católica, porque o era da Companhia de Loyola”49. A resposta por que o Marquês, já no ostracismo, respondeu à “calúnia” com que pretendiam infamá-lo, traduz o rumo que norteou os homens do governo nos complexos e árduos problemas da relação entre o poder secular e o religioso: “Sendo pois Portugal — dizia em sua ‘Apologia sobre a calúnia da irreligião’ — o país da Europa, onde a religião se conservou sempre mais puia e ilibada; sendo por isso o país onde tem resplan decido a religião, e o culto divino; sendo eu nele nascido e criado por pais, e avós muito religiosos, não há razão alguma para se pre sumir contra mim, e se imputar que me desnaturalizei da própria pátria e da educação e costumes, que recebi e herdei dos meus progenitores para me precipitar no absurdo de ser irreligioso" 50. Na lógica política do gabinete, o jesuitismo, nos seus fins, há bitos e práticas, tornou-se quase um sinônimo de desmturalização: “Não há jesuítas portugueses e jesuítas espanhóis proclamava a Dedução Cronológica — porque são na realidade os mesmos je suítas, que não conhecem outro soberano que não seja o seu geral, outra nação que não seja a sua própria sociedade; porque pela profissão que a ela os une, ficam logo desnaturalizados da pátria, dos pais e dos parentes” 51. Na defesa dos interesses da sociedade civil, a política pombalina procurou furtar-se aos termos do dilema Sacerdócio-Império porque, pela força das condições históricas, ten tou construir, de acordo com o apoio do próprio clero português, excetuados os jesuítas, a república que dentro do espírito do 48. “Apologia sobre a Calúnia de irreligião”, Coleção Pombalina, B.N.L., cod. 668, reproduzida nas Cartas e outras Obras S e le c t a s . t . II, págs. 200 a 205; cf. ob. cit., pág. 205. 49. J. Lúcio de Azevedo, ob. cit., pág. 365. 50. “Apologia sobre a Calúnia c!e irreligião”, in Cartas e outras Obras Selectas..., t. II, pág. 201. 51. Dedução Cronológica e Analítica, Parte I, Divisão nona, § 338, pág. 191. 48 Rubens Realce Rubens Realce absolutismo se tornara a preocupação dos teóricos mais avançados do tempo. A religião, na mentalidade que então predominava, era o esteio da ordem civil, o tribunal que, ao resguardar a pureza da fé, resguardava, ao mesmo tempo, os interesses mais legítimos do poder secular. O homem natural pertence tanto à religião quanto aos seus parentes e pátria: somente na união cristã, que não lisonjeia os interesses desnaturalizantes da Igreja, sem pátria e sem fronteiras, pode a sociedade civil viver e prosperar. Não se pretendia propria mente a consagração, tão do gosto do radicalismo cismontano, do aforismo — non respublica, est in eccíesta, sed ecclesia in respublica — mas uma tentativa de conduzir, numa harmonia de interesses, conjuntamente, a República e a Igreja pelo caminho do progresso, material e espiritual, da nação lusitana. Dentro desta ordem de preocupações impôs-se resolver o pro blema do ensino, não mais como tarefa das ordens religiosas, mas como atribuição própria, sem ser exclusiva, do poder real. Pelo menos assim o entendia Ribeiro Sanches: “Somente S. Majestade Fidelíssima foi o primeiro entre seus Augustos Predecessores, que tomou a si aquele JUS da Majestade de ordenar que os seus súdi tos aprendam de tal modo que o ensino público possa utilizar os seus dilatados domínios” S2. Pretendia, desta forma, Ribeiro Sanches ver no Alvará que criou as aulas régias de latim, grego e retórica a expressão de uma escola estruturada em função dos interesses da Sociedade Civil. Evidentemente, não se tratava de uma simples transferência de mando, mas dos próprios fins e objetivos do ensino, de tal modo que uma nova pedagogia, solidamente fundamentada nas razões da filosofia moderna, tomasse o lugar da pedagogia es- colástica de que se tomaram expressão altamente significativa, em Portugal, as escolas dos jesuítas. Esta nova orientação filosófica não se caracteriza apenas pelo repúdio a Aristóteles e ao método cscolástico que, na opinião lúcida do erudito Bispo de Beja só serve para “adelgaçar o espírito, delir sua atividade em vapores, trabalhar a razão em conceito sem objeto que importe e valha; trabalhar a razão em agudezas que só a si mesmas significam, tudo isto é como aguçar o faminto cansadamentea faca, sem jamais tocar no alimen 52. Antônio N. Ribeiro Sanches, Cartas para a Educação da Mocidade, págs. 2/3. 49 Rubens Realce Rubens Realce I to” 53 mas ainda pelo deliberado esforço de fazer da experiência a fonte, o caminho e a verdade do conhecimento. Desde que se tomaram conhecidas dos países europeus, prin cipalmente da França, as obras dos ingleses John Locke e Isaac Newton, o pensamento filosófico — desenganado mais das fanta sias do que do verdadeiro espírito do cartesianismo e ignorando, de um lado, as críticas e contestações que ao empirismo lockiano tinha oposto Leibniz, nos Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano, e, de outro, as conseqüências céticas a que este mesmo empirismo conduzira um espírito viril como o de David Hume — inclinou-se, sem relutâncias outras que não fossem as da tradição retrógrada, para o amplo e aberto caminho da experiência como único guia seguro, capaz de livrá-la dos fantasmas da razão e de seus artifidosos recursos, Foi este empirismo, bem ou mal com preendido, que os corifeus da inteligência portuguesa transformaram numa arma de combate à tradição e scolás dco-peripatética. Luiz Antonio Verney, Antonio Ribeiro Sanches, Jacob de Castro Sar mento, Manuel do Cenáculo Villas Boas, entre alguns outros mais, traduziram, cada um à sua maneira, as preocupações da época. Castro Sarmento, depois de tentar conseguir sem êxito o apoio régio para a publicação, em língua portuguesa, das obras de Bacon, divulgava, em 1737, a sua Teórica Verdadeira das Marés conforme a Filosofia do Incomparável Cavalheiro Isaac Newton. Antes, porém, em 1725, Luiz Baden, natural da Inglaterra, instituiu um curso, com aparato técnico-filosófico, ou seja, instru mentos vários — telescópios, balanças, mirros 'de diferentes ordens, barômetros, termômetros, lanterna mágica, bombas, ventosas etc., destinado a explicar “com uma postila ampla e metódica todos os fundamentos e experiências dos Filósofos Modernos, e especialmente dos famosos Roberto Boyle e Isaac Newton, os mais ilustres natu ralistas deste último século” 54, A iniciativa não constituiu um exem plo isolado, pois as “novas” idéias já andavam no ar, incomodando 53. Frei Manuel do Cenáculo Villas Boas, Cuidados Literários, pág. 92, apud Hernani Cidade, Lições de Cultura e Literatura Portuguesas, 2 vols., Coimbra, Coimbra Ed., 1948, 2.° vol., pág. 126. 54, Notícia da Academia ou Curso de Filosofia Experimenta! novamen te Instituída nesta Corte para Instrução, e Utilidade dos Curiosos, e Amantes dai Artes, e Ciências, na oficina de Pedro Ferreira, 1725, publicada por Joa quim de Carvalho, ob, cit., Apêndice B, págs, 175 a 179; cf. loc. cit., pág. 175, 50 Rubens Realce Rubens Realce Rubens Realce Rubens Realce Rubens Nota utensílios que demonstram o empirismo Rubens Realce os espíritos amantes da amena tranqüilidade acadêmica. Não pro priamente contra os empiristas, no sentido que lhes empresta a escla recida visão dos teóricos do século XVIII, mas contra gassendistas, caríesianos, atomistas e corpulatores, o que é bastante significativo como ilustração da situação em que se achava a investigação uni versitária — se manifestou o sobrinho do reitor Carneiro de Fi- gueiroa, Tom az Manue! Pamplona Rangel na Refutatb philosophka, sive conferentia philosophia conferens inter novum ei innovatum Philosophiam, et celeberrimam Perípateticam Resolutiones varias, de 1748. Fora do círculo acadêmico, e agora dirigida aos filósofos ex perimentais da Congregação de São Felipe Nery, não foi menor a resistência aos inovadores. No Mercúrio Filosófico dirigido aos filósofos de Portugal com a notícia dos artigos que na Dieta Impe rial da Filosofia na Sessão V se consultarão, e mandavam propor à física experimental da Real Casa das Necessidades a fim de es tabelecer uma perfeita paz entre a filosofia moderna e antiga, Phi- liarco Pherepono ilustra muito bem o sentido desta resistência, pro curando meter no ridículo os experimentos e demonstrações que, com aparelhos físicos, realizavam os oratorianos da Casa das Necessi dades em Lisboa, Nas reformas pombalinas da instrução pública, prevaleceu o ponto de vista dos ecléticos e inovadores, quer seja no setor dos estudos menores, nos quais novos autores e métodos foram adotados com o pensamento numa renovação literária, quer seja ainda nos estudos maiores — a teologia, o direito, a medicina c a filosofia — que perseveravam manter-se ainda, em pleno século das luzes, den tro da rígida construção escolástica. As reformas foram, desta for ma, um esforço no sentido de colocar as escolas portuguesas em con dições de acompanhar com êxito o progresso do século. E por este motivo cumpre indagar até que ponto a reestruturação dos estudos universitários traduziu a forma de pensar característica do ilumi- nismo europeu, Evidentemente, o iluminismo não se define apenas pelo modo sui generis por que tratou o problema especulativo; na sua atitude genérica, ele representou, antes de tudo, um pensamento orientado para os problemas práticos éticos, políticos, econômicos, jurídicos, de tal maneira que a visão do mundo construída pela filosofia do século anterior, por intermédio do método experimental e das ma 51 Rubens Realce Rubens Realce Rubens Realce I temáticas, se transformou no ponto de partida de uma ampla análise destinada a ordenar, e integrar os homens, de acordo com princípios claros e incomovíveis, num cosmos político em que a verdade, a justiça e a beleza representasse, à semelhança do sistema newtonia- no, o equilíbrio das forças humanas em conflito na sociedade civil. Na Reforma de 1772, o ensino nas diversas faculdades se es truturava de modo a assegurar, além da unidade do trabalho rea lizado nos diferentes cursos, o indispensável entrosamento com o filosófico, que lhes servia de base. A privilegiada posição deste curso no concerto das disciplinas universitárias pode parecer, à pri meira vista, simples concessão à estrutura universitária tradicional. Se, entretanto, examinarmos com maiores cuidados as razões que o Compêndio Histórico indica e os Statuta Conmmbricensis Academia consagram, não poderemos deixar de reconhecer que o curso filosó fico, abrangendo o estudo das ciências físicas e naturais, se trans formou num dos mais importantes fundamentos da nova estrutura universitária. Os Estatutos exigem, como condição indispensável de ingresso às Faculdades o estudo da lógica, entre outras discipli nas como a ética, a física experimental, a metafísica, a pneumato- logia, a teologia natural etc., de acordo com as necessidades de cada curso em particular. Parece-nos oportuno examinar, portanto, o significado e a na tureza da concepção que os elaboradores dos novos estatutos tive ram da lógica, pois este será, sem dúvida, o caminho que nos con duzirá a uma adequada compreensão do iluminismo português. Com o desenvolvimento das ciências e da nova concepção do mundo construída pelo trabalho das grandes figuras dos séculos XVI e XVII, se fez patente a extraordinária fecundidade e o pro fundo alcance do método de investigação que, quer se assentando em princípios evidentes, ou quer apoiando-se em observações pre cisas diretas sobre os fatos naturais, despojou a visão da realidade dos entes e dos artifícios que a razão escoíástica, impegnada de realismo aristotélico, transpusera do plano dos sentidos para o pla no das hipóteses verbais. Livre, afastados que foram os prejuízos advindos desta transposição, a nova atitude caracterizou-se pela bus ca dos princípios simples e irredutíveis, a partir dos quais lhe seria possível atingir através de uma ordem demonstrativa, sistematica mente, a explicação dos fatos confinados na estreita contingência do hic et nunc. Todavia, quando se conheceu, e
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