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INSTITUIÇÃO EDUCACIONAL CECÍLIA MARIA DE MELO BARCELOS FACULDADE ASA DE BRUMADINHO Curso de direito Frederick da Silva HISTORIA GERAL DO DIREITO DO TRABALHO NO MUNDO E NO BRASIL: o que o movimento do trabalho mundial influenciou no movimento operário brasileiro Brumadinho 2016 Frederick da Silva HISTORIA GERAL DO DIREITO DO TRABALHO NO MUNDO E NO BRASIL: o que o movimento do trabalho mundial influenciou no movimento operário brasileiro Trabalho apresentado à Instituição Educacional Cecília Maria de Melo Barcelos, como requisito parcial para obtenção de nota no 8° período do Curso de Direito. Área: Direito do Trabalho II Professor: Marcelo Moreno Brumadinho 2016 Sumário 1 HISTORIA GERAL DO DIREITO DO TRABALHO NO MUNDO E NO BRASIL ..... 4 1.1 Introdução ............................................................................................................ 4 1.2 Origem e evolução do direito do trabalho no mundo ...................................... 4 1.2.1 Manifestações Incipientes ou Esparsas ....................................................... 15 1.2.2 Sistematização e Consolidação .................................................................... 16 1.2.3 Institucionalização do Direito do Trabalho .................................................. 18 1.2.4 Crise e Transição do Direito do Trabalho .................................................... 19 1.3 Origem e evolução do direito do trabalho no Brasil ...................................... 21 1.3.1 Manifestações Incipientes ou Esparsas ....................................................... 21 1.3.2 Institucionalização do Direito do Trabalho .................................................. 24 1.3.3 Crise e Transição do Direito do Trabalho .................................................... 28 2 CONCLUSÕES ...................................................................................................... 36 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 38 4 1 HISTORIA GERAL DO DIREITO DO TRABALHO NO MUNDO E NO BRASIL 1.1 Introdução Ao se examinar o Direito do Trabalho, há necessidade de lembrar de sua gênese e de seu desenvolvimento no decorrer do tempo, como também dos novos conceitos e instituições que foram surgindo com o passar dos anos. O Direito tem uma realidade histórico-cultural, não admitindo o estudo de quaisquer de seus ramos sem que se tenha noção de seu desenvolvimento dinâmico no transcurso do tempo. É impossível ter o exato conhecimento de um instituto jurídico sem se proceder a seu exame histórico, pois se verifica suas origens, sua evolução, os aspectos políticos ou econômicos que o influenciaram. A existência de tal ramo especializado do Direito supõe a presença de elementos socioeconômicos, políticos e culturais que somente despontaram, de forma significativa e conjugada, com o advento e evolução capitalistas. Porém o Direito do Trabalho não apenas serviu ao sistema econômico deflagrado com a Revolução Industrial, no século XVIII, na Inglaterra; na verdade, ele fixou controles para esse sistema, conferiu-lhe certa medida de civilidade, inclusive buscando eliminar as formas mais perversas de utilização da força de trabalho pela economia. É impossível compreender o Direito do Trabalho sem conhecer seu passado. Esse ramo do Direito é muito dinâmico, mudando as condições de trabalho com muita frequência, pois é intimamente relacionado com as questões econômicas. Será verificada a evolução do Direito do Trabalho, analisando-o sob o ângulo mundial e no Brasil. 1.2 Origem e evolução do direito do trabalho no mundo Inicialmente, o trabalho foi considerado na Bíblia como castigo. Adão teve de trabalhar para comer em razão de ter comido o fruto proibido (Genesis, 3). 5 Trabalho vem do latim trípalium, que era uma espécie de instrumento de tortura de três paus ou uma canga que pesava sobre os animais. Era um instrumento usado pelos agricultores para bater, rasgar e esfiapar o trigo, espiga de milho e o linho. A primeira forma de trabalho foi a escravidão, em que o escravo era considerado apenas uma coisa, não tendo qualquer direito, muito menos trabalhista. O escravo, portanto, não era considerado sujeito de direito, pois era propriedade do dominus. Nesse período, constata-se que o trabalho do escravo continuava no tempo, até de modo indefinido, ou mais precisamente até o momento em que o escravo vivesse ou deixasse de ter essa condição. Entretanto, não tinha nenhum direito, apenas o de trabalhar. Na Grécia, Platão e Aristóteles entendiam que o trabalho tinha sentido pejorativo. Compreendia apenas a força física. A dignidade do homem consistia em participar dos negócios da cidade por meio da palavra. Os escravos faziam o trabalho duro, enquanto os outros poderiam ser livres. O trabalho não tinha o significado de realização pessoal. As necessidades da vida tinham características servis, sendo que os escravos é que deveriam desempenhá-las, ficando as atividades mais nobres destinadas às outras pessoas, como a política. Hesíodo, Protágoras e os sofistas mostram o valor social e religioso do trabalho, que agradaria aos deuses, criando riquezas e tornando os homens independentes. A ideologia do trabalho manual como atividade indigna do homem livre foi imposta pelos conquistadores dóricos (que pertenciam à aristocracia guerreira) aos aqueus. Nas classes mais pobres, na religião dos mistérios, o trabalho é considerado como atividade dignificante. Em Roma, o trabalho era feito pelos escravos. A Lex Aquília (284 a.C.) considerava o escravo como coisa. Era visto o trabalho como desonroso. A locatio conducto tinha por objetivo regular a atividade de quem se comprometia a locar suas energias ou resultado de trabalho em troca de pagamento. Estabelecia, portanto, a organização do trabalho do homem livre. Era dividida de três formas: (a) locatio conducto rei, que era o arrendamento de uma coisa; (b) locatio conducto operarum, em que eram locados serviços mediante pagamento; (c) locatio conducto operis, que era a entrega de uma obra ou resultado mediante pagamento (empreitada). 6 Num segundo momento, há a servidão. Era a época do feudalismo, em que os senhores feudais davam proteção militar e política aos servos, que não eram livres, mas, ao contrário, tinham de prestar serviços na terra do senhor feudal. Os servos tinham de entregar parte da produção rural aos senhores feudais em troca da proteção que recebiam é do uso da terra. Nessa época, o trabalho era considerado um castigo. Os nobres não trabalhavam. Num terceiro plano, são encontradas as corporações de ofício, em que existiam três personagens: os mestres, os companheiros e os aprendizes. No início das corporações de ofício, só existiam dois graus: mestres e aprendizes. No século XIV surge o grau intermediário dos companheiros. Os mestres eram os proprietários das oficinas, que já tinham passado pela prova da obra-mestra. Os companheiros eram trabalhadores que percebiam salários dos mestres. Os aprendizes eram os menores que recebiam dos mestres o ensino metódico do ofício ou profissão. Havia nessa fase da História um pouco mais de liberdade ao trabalhador; os objetivos, porém,eram os interesses das corporações mais do que conferir qualquer proteção aos trabalhadores. As corporações de ofício tinham como características: (a) estabelecer uma estrutura hierárquica; (b) regular a capacidade produtiva; (c) regulamentar a técnica de produção. Os aprendizes trabalhavam a partir de 12 ou 14 anos, e em alguns países já se observava prestação de serviços com idade inferior. Ficavam os aprendizes sob a responsabilidade do mestre que, inclusive, poderia impor-lhes castigos corporais. Os pais dos aprendizes pagavam taxas, muitas vezes elevadas, para o mestre ensinar seus filhos. Se o aprendiz superasse as dificuldades dos ensinamentos, passava ao grau de companheiro. O companheiro só passava a mestre se fosse aprovado em exame de obra-mestra, prova que era muito difícil, além de os companheiros terem de pagar taxas para fazer o exame. Entretanto, quem contraísse matrimonio com a filha de mestre, desde que fosse companheiro, ou casasse com a viúva do mestre, passava a essa condição. Dos filhos dos mestres não se exigia qualquer exame ou avaliação de obra. A jornada de trabalho era muito longa, chegando ate a 18 horas no verão porem, na maioria das vezes, terminava com o por do sol, por questão 7 de qualidade de trabalho e não por proteção aos aprendizes e companheiros. A partir do momento em que foi inventado o lampião a gás, em 1792, por William Murdock, o trabalho passou a ser prestado em media entre 12 e 14 horas por dia. Varias industrias começaram a trabalhar no período noturno. Na indústria escocesa, os trabalhadores eram comprados ou vendidos com os filhos. Em 1774 e 1799 foram editados decretos parlamentares para extinguir a servidão vitalícia dos mineiros escoceses. Um edito de 1776, inspirado nas ideias de Turgot, pôs fim as corporações de oficio. A exposição de motivos dizia que as corporações de oficio foram consideradas “instituições arbitrarias que não permitem ao indigente viver do seu trabalho”. Dispunha o art. 1º sobre a liberdade de comercio e de profissões, considerando extintas todas as corporações e comunidades de mercadores e artesãos. Foram anulados os seus estatutos e regulamentos. Algumas corporações, porem, foram reconstruídas. As corporações de ofício foram suprimidas com a Revolução Francesa, em 1789, pois foram consideradas incompatíveis com o ideal de liberdade do homem. Dizia-se, na época, que a liberdade individual repele a existência de corpos intermediários entre indivíduo e Estado. Outras causas da extinção das corporações de ofício foram a liberdade de comércio e o encarecimento dos produtos das corporações. Em 1791, logo apos a Revolução Francesa, houve na França o inicio de liberdade contratual. O Decreto D’Allarde, de 17 de marco de 1791, determinou que a partir de 1° de abril do referido ano seria livre a qualquer pessoa a realização de qualquer negocio ou o exercício de qualquer profissão, arte ou oficio que lhe aprouvesse, sendo, contudo, ela obrigada a munir-se previamente de uma patente, a pagar as taxas exigíveis, e a sujeitar-se aos regulamentos de polícia aplicáveis (art. 7º). Suprimiu de vez as corporações de oficio, permitindo a liberdade de trabalho. D’Allarde usava os argumentos dos fisiocratas: “o direito ao trabalho e um dos primordiais do homem”. O Decreto D’Allarde considera livre todo cidadão para o exercício de profissão ou oficio que considerasse conveniente, após receber uma patente e pagar o preço. A Lei Le Chapelier, de 1791, proibia o restabelecimento das corporações de ofício, o agrupamento de profissionais 8 e as coalizões, eliminando as corporações de cidadãos. Determinava a Lei Le Chapellier: “(1) A eliminação de toda espécie de corporação de cidadãos do mesmo estado ou profissão e uma das bases essenciais da Constituição francesa, ficando proibido o seu restabelecimento sob qualquer pretexto e sob qualquer forma; (2) os cidadãos do mesmo estado social ou profissão, os obreiros e companheiros de uma arte qualquer, não poderão, quando se reunirem, designar presidente, secretário ou síndico, lavrar registro, tomar resoluções, sancionar regulamentações sobre seus pretensos direitos comuns; (3) fica proibido a todas as corporações administrativas ou municipais receber qualquer solicitação ou petição sob o nome de um estado social ou profissão, nem poderão respondê-la estão obrigadas a declarar nulas as resoluções que foram tomadas.” A máquina de coser foi inventada em 1830 por Thimonier, com essa máquina, uma mulher fazia o trabalho de seis ou sete. A Revolução Francesa de 1789 e sua Constituição reconheceram o primeiro dos direitos econômicos e sociais: o direito ao trabalho. Foi imposta ao Estado a obrigação de dar meios ao desempregado de ganhar sua subsistência. O liberalismo do século XVIII pregava um Estado alheio à área econômica, que, quando muito, seria árbitro nas disputas sociais, consubstanciado na frase clássica laissez faire, laissez passer, laissez aller. A Revolução Industrial acabou transformando o trabalho em emprego. Os trabalhadores, de maneira geral, passaram a trabalhar por salários. Com a mudança, houve uma nova cultura a ser apreendida e uma antiga a ser desconsiderada. Afirma-se que o Direito do Trabalho e o contrato de trabalho passaram a desenvolver-se com o surgimento da Revolução Industrial. Constata-se, nessa época, que a principal causa econômica do surgimento da Revolução Industrial foi o aparecimento da máquina a vapor como fonte energética. A máquina de fiar foi patenteada por John Watt em 1738, sendo que o trabalho era feito de forma muito mais rápida com o referido equipamento. O tear mecânico foi inventado por Edmund Cartwright, em 1784. James Watt aperfeiçoou a máquina a vapor. A máquina de fiar de 9 Hargreaves e os teares mecânicos de Cartwright também acabaram substituindo a força humana pela máquina, terminando com vários postos de trabalho existentes e causando desemprego na época. Os ludistas organizavam-se para destruir as máquinas, pois entendiam que eram elas as causadoras da crise do trabalho. Com os novos métodos de produção, a agricultura também passou a empregar um número menor de pessoas, causando desemprego no campo. Inicia-se, assim, a substituição do trabalho manual pelo trabalho com o uso de máquinas. Havia necessidade de que as pessoas viessem, também, a operar as máquinas não só a vapor, mas as máquinas têxteis, o que fez surgir o trabalho assalariado. Daí nasce uma causa jurídica, pois os trabalhadores começaram a reunir-se, a associar-se, para reivindicar melhores condições de trabalho e de salários, diminuição das jornadas excessivas (os trabalhadores prestavam serviços por 12, 14 ou 16 horas diárias) e contra a exploração de menores e mulheres. Substituía- se o trabalho adulto pelo das mulheres e menores, que trabalhavam mais horas, percebendo salários inferiores. A partir desse momento, surge uma liberdade na contratação das condições de trabalho. O Estado, por sua vez, deixa de ser abstencionista, para se tomar intervencionista, interferindo nas relações de trabalho. Com o surgimento da máquina a vapor, houve a instalação das indústrias onde existisse carvão, como ocorreu na Inglaterra. Bem retrata o trabalho abusivo a que eram submetidos os trabalhadores nas minas Emile Zola, em Germinal. O trabalhador prestava serviços em condições insalubres, sujeito a incêndios, explosões, intoxicação por gases, inundações, desmoronamentos, prestando serviços por baixos salários e sujeito á várias horas de trabalho, além de oito. Ocorriam muitos acidentes do trabalho, além de várias doenças decorrentesdos gases, da poeira, do trabalho em local encharcado, principalmente a tuberculose, a asma e a pneumonia. Trabalhavam direta ou indiretamente nas minas praticamente toda a família, o pai, a mulher, os filhos, os filhos dos filhos etc. Eram feitos contratos verbais vitalícios ou então enquanto o trabalhador pudesse prestar serviços, implicando verdadeira servidão. Certos trabalhadores eram comprados e vendidos com seus filhos. Os trabalhadores ficavam sujeitos a multas, que absorviam seu salário. Isso só terminou por meio dos decretos 10 parlamentares de 1774 e 1779, quando foram suprimidas essas questões nas minas escocesas. Começa a haver necessidade de intervenção estatal nas relações do trabalho, dados os abusos que vinham sendo cometidos, de modo geral, pelos empregadores, a ponto de serem exigidos serviços em jornadas excessivas para menores e mulheres, de mais de 16 horas por dia ou até o pôr do sol, pagando metade ou menos dos salários que eram pagos aos homens. No princípio, verifica-se que o patrão era o proprietário da máquina, detendo os meios de produção, tendo, assim, o poder de direção em relação ao trabalhador. Isso já mostrava a desigualdade a que estava submetido o trabalhador, pois este não possuía nada. Havia, portanto, necessidade de maior proteção ao trabalhador, que se inseria desigualmente nessa relação. Passa, portanto, a haver um intervencionismo do Estado, principalmente para realizar o bem-estar social e melhorar as condições de trabalho. O trabalhador passa a ser protegido jurídica e economicamente. É como afirma Galart Folch (1936:16): a legislação do trabalho deve assegurar superioridade jurídica ao empregado em razão da sua inferioridade econômica. A lei passa a estabelecer normas mínimas sobre condições de trabalho, que devem ser respeitadas pelo empregador. A Lei de Peel, de 1802, na Inglaterra, pretendeu dar amparo aos trabalhadores, disciplinando o trabalho dos aprendizes paroquianos nos moinhos e que eram entregues aos donos das fábricas. A jornada de trabalho foi limitada em 12 horas, excluindo-se os intervalos para refeição. O trabalho não poderia se iniciar antes das 6 horas e terminar após às 21 horas. Deveriam ser observadas normas relativas à educação e higiene. Em 1819, foi aprovada lei tomando ilegal o emprego de menores de 9 anos. O horário de trabalho dos menores de 16 anos era de 12 horas diárias, nas prensas de algodão. Na França, em 1813, foi proibido o trabalho dos menores em minas. Em 1814, foi vedado o trabalho aos domingos e feriados. Em 1839, foi proibido o trabalho de menores de 9 anos e a jornada de trabalho era de 10 horas para os menores de 16 anos. 11 Na Espanha, as Leis de 24-7-1873, de 26-7-1878 e de 13-3-1900 estabelecem limitação do trabalho dos menores e as Leis de 13-3-1900 e de 20-2-1912 às mulheres. A Lei de 24-7-1873.e a Lei de 3-3-1904 estabelece o descanso semanal. Os direitos de associação e de greve são admitidos pela Lei de Huelgas de 27-4-1908. A Lei de 19-5-1908 cria os Conselhos de Conciliação e Arbitragem Industrial. Na França, as Leis de 19 de março e de 2 de novembro de 1874 estabelecem o regime jurídico da proteção do trabalho das mulheres e das crianças. A Lei de 21 de março de 1884 reconhece a liberdade de associação profissional, extinguindo o regime da Lei Le Chapelier. A Lei de 12 de junho de 1893 dispõe sobre o regime da segurança e higiene nos estabelecimentos industriais. A partir de 1880, passou a ser utilizada a eletricidade. Em consequência, as condições de trabalho tiveram de ser adaptadas. O Estado estava atuando para a manutenção da ordem pública. Não intervinha nas relações privadas. Acarretava a exploração do homem pelo próprio homem. O trabalho era considerado mercadoria. Como havia muita oferta de trabalhadores e pouca procura, o empregado aceitava as condições impostas pelo patrão, recebendo salários ínfimos e trabalhando 15 horas por dia, sem descanso ou férias. É interessante lembrar que, em seus primórdios, o Direito do Trabalho foi confundido com a política social. Estudavam-no cientistas sociais e outras pessoas que mais poderiam ser chamadas de revolucionários, tanto oriundos das faculdades, como dos parlamentos. Não havia diferença clara, até por falta de suficiente elaboração científica, entre os dois ramos do conhecimento. Os reformadores foram sendo, pouco a pouco, substituídos pelos juristas, voltados para o estudo da própria norma. A história do Direito do Trabalho identifica-se com a história da subordinação, do trabalho subordinado. Verifica-se que a preocupação maior é com a proteção do hipossuficiente e com o emprego típico. Em 1° de maio de 1886, em Chicago, nos Estados Unidos, os trabalhadores não tinham garantias trabalhistas. Organizaram greves e manifestações, visando melhores condições de trabalho, especialmente 12 redução da jornada de 13 para 8 horas. Nesse dia, a polícia entrou em choque com os grevistas. Uma pessoa não identificada jogou uma bomba na multidão, matando quatro manifestantes e três policiais. Oito líderes trabalhistas foram presos e julgados responsáveis. Um deles suicidou-se na prisão. Quatro foram enforcados e três foram libertados depois de sete anos de prisão. Posteriormente, os governos e os sindicatos resolveram escolher o dia 1° de maio como o dia do trabalho. Nós Estados Unidos e na Austrália, o dia do trabalho é considerado a primeira segunda-feira de setembro (Labor’s day). A legislação do trabalho é o resultado da reação contra a exploração dos trabalhadores pelos empregadores. Proletário é o trabalhador que trabalhava jornadas extensas (14 a 16 horas), morava em condições subumanas, tinha muitos filhos e recebia salário ínfimo. A partir do término da Primeira Guerra Mundial, surge o que pode ser chamado de constitucionalismo social, que é a inclusão nas constituições de preceitos relativos à defesa social da pessoa, de normas de interesse social e de garantia de certos direitos fundamentais, incluindo o Direito do Trabalho. A primeira Constituição que tratou do tema foi a do México, em 1917. 0 art. 123 da referida norma estabelecia jornada de oito horas, proibição de trabalho de menores de 12 anos, limitação da jornada dos menores de 16 anos a seis horas, jornada máxima noturna de sete horas, descanso semanal, proteção à maternidade, salário-mínimo, direito de sindicalização e de greve, indenização de dispensa, seguro social e proteção contra acidentes do trabalho. A segunda Constituição a versar sobre o assunto foi a de Weimar, de 1919. Disciplinava a participação dos trabalhadores nas empresas, autorizando a liberdade de coalização dos trabalhadores; tratou, também, da representação dos trabalhadores na empresa. Criou um sistema de seguros sociais e também a possibilidade de os trabalhadores colaborarem com os empregadores na fixação de salários e demais condições de trabalho. 13 Daí em diante, as constituições dos países passaram a tratar do Direito do Trabalho e, portanto, a constitucionalizar os direitos trabalhistas. Surge o Tratado de Versalhes, de 1919, prevendo a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que iria incumbir-se de proteger as relações entre empregados e empregadores no âmbito internacional, expedindo convenções e recomendações nesse sentido. Henry Ford criou a linha de montagem na indústria automobilística, por meio da esteira móvel. Acabou incentivando aumentos de salários, para que seus empregados comprassem também os automóveis que fabricava. O fordismo seria a aplicação do taylorismo em grande escala.Tinha as seguintes características: adotava um sistema generalizante, que não era especialista em determinada matéria; havia estratificação dos níveis hierárquicos na empresa; partia do pressuposto da autossuficiência; pretendia atingir mercados nacionais e não mercados globais, como ocorre hoje; envolvia o desenvolvimento de tecnologia de longa maturação, fazendo estoques de insumos e matérias-primas; havia um número muito grande de trabalhadores, com pagamento de baixos salários. Na Itália, aparece a Carta delLavoro, de 1927, instituindo um sistema corporativista-fascista, que inspirou outros sistemas políticos, como os de Portugal, Espanha e, especialmente, do Brasil. O corporativismo visava organizar a economia em tomo do Estado, promovendo o interesse nacional, além de impor regras a todas as pessoas. Havia centralização do poder no Estado. Surge o corporativismo na metade do século XIX com o fim de organizar os interesses divergentes da Revolução Industrial. O Estado interferia nas relações entre as pessoas com o objetivo de poder moderador e organizador da sociedade. Nada escapava à vigilância do Estado, nem a seu poder. O Estado regulava, praticamente, tudo, determinando o que seria melhor para cada um, organizando a produção nacional. O interesse nacional colocava-se acima dos interesses dos particulares. Mussolini dizia, na época: “Tudo no Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado” (Tutto nello Stato, niente contro lo Stato, nulla al di fuori dello Stato). As diretrizes básicas do corporativismo eram: (a) nacionalismo; (b) necessidade de organização; (c) pacificação social; (d) 14 harmonia entre o capital e o trabalho. A estrutura do sistema era: sindicato único, reconhecido pelo Estado, que era uma longa manus do Estado; contributo sindacale, de forma a custear as atividades sindicais; proibição da greve; em razão da proibição da greve, havia o poder normativo da Justiça do Trabalho, para impor condições de trabalho nos conflitos coletivos. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de dezembro de 1948, prevê, alguns direitos aos trabalhadores, como limitação razoável do trabalho, férias remuneradas periódicas, repouso e lazer etc. O neoliberalismo prega que a contratação e os salários dos trabalhadores devem ser regulados pelo mercado, pela lei da oferta e da procura. O Estado deve deixar de intervir nas relações trabalhistas, que seriam reguladas pelas condições econômicas. Entretanto, o empregado não é igual ao empregador e, portanto, necessita de proteção. Surge nova teoria pregando a necessidade de separação entre o econômico e o social, o que é verificado hoje na Constituição de 1988, que não mais trata dos dois temas de forma reunida, mas separadamente. Da mesma forma, preconiza-se um Estado neoliberalista, com menor intervenção nas relações entre as pessoas. Há também uma classificação que divide os direitos em gerações. Os direitos de primeira geração são aqueles que pretendem valorizar o homem, assegurar liberdades abstratas, que formariam a sociedade civil. Os direitos da segunda geração são os direitos econômicos, sociais e culturais, bem como os direitos coletivos e das coletividades. Os direitos de terceira geração são os que pretendem proteger, além do interesse do indivíduo, os relativos ao meio ambiente, ao patrimônio comum da humanidade, à comunicação, à paz. Melhor seria falar em fases, que são conquistas de direitos. Nessa linha, enxergamos três fases principais no desenvolvimento empírico- normativo do Direito do Trabalho, desde o século XIX, às quais se acrescenta, hoje, um quarto período, abrangente das últimas décadas do século XX. A primeira fase é a das manifestações incipientes ou esparsas, que se estende do início do século XIX (1802), com o Peel’s Act inglês, até 1848. A segunda fase, da sistematização e consolidação do Direito do Trabalho, 15 estende-se de 1848 até 1919. A terceira fase, da institucionalização do Direito do Trabalho, inicia-se em 1919, avançando ao longo do século XX. Sessenta anos depois, em torno de 1979/80, deflagra-se no Ocidente um processo de desestabilização e reforma dos padrões justrabalhistas até então imperantes (que produzirá mais fortes reflexos no Brasil em torno da década de 1990). Trata-se da fase de crise e transição do Direito do Trabalho. 1.2.1 Manifestações Incipientes ou Esparsas A fase das manifestações incipientes ou esparsas inicia-se com a expedição do Peel’s Act (1802), diploma legal inglês voltado a fixar certas restrições à utilização do trabalho de menores. Essa fase qualifica-se pela existência de leis dirigidas tão somente a reduzir a violência brutal da superexploração empresarial sobre mulheres e menores. Leis de caráter humanitário, de construção assistemática. O espectro normativo trabalhista ainda é disperso sem originar um ramo jurídico próprio e autônomo. Trata-se também de um espectro estático de regras jurídicas, sem a presença significativa de uma dinâmica de construção de normas com forte indução operária. A diversidade normativa que no futuro caracterizaria o direito do Trabalho não se faz ainda clara. Afinal, inexistia na época uma união operária com significativa capacidade de pressão e eficaz capacidade de atuação grupal no contexto das sociedades europeias e norte-americana. E oportuno lembrar que a estratégia de atuação operária e socialista ainda está, neste momento histórico, fortemente permeada pelas concepções insurrecionais e/ou utópicas, incapazes de produzir uma pressão concentrada transformadora e democratizante sobre a estrutura e dinâmica da sociedade civil e política. Por todas essas razões, as leis trabalhistas, nessa época, ainda não deram consistência à formação de um ramo jurídico especializado, não se traduzindo, ainda, como um conjunto sistemático de normas. Consubstanciavam, fundamentalmente, esforços dispersos no sentido da contenção das manifestações excessivamente violentas de exploração da 16 força de trabalho infantil e feminina pelo novo sistema econômico em crescimento. 1.2.2 Sistematização e Consolidação A segunda fase do Direito do Trabalho nos países centrais caracteriza-se pela sistematização e consolidação desse ramo jurídico especializado. Estende-se de 1848 até o processo seguinte à Primeira Guerra Mundial, com a criação da OIT e a promulgação da Constituição de Weimar, ambos eventos ocorridos em 1919. O marco inicial dessa segunda fase situa-se não apenas no Manifesto Comunista (1848) como também no movimento de massas denominado cartista, na Inglaterra e, ainda, na Revolução de 1848, na França. Este último processo revolucionário, a propósito, é substantivamente criativo. É que, de fato, ele traduz a primeira grande ação coletiva sistemática dos segmentos dominados na estrutura socioeconômica da época perante a ordem institucional vigorante agindo os trabalhadores na qualidade de sujeito coletivo típico. Combinadamente a isso, desponta a circunstância de incorporar essa revolução um estuário de reivindicações nitidamente oriundas dos trabalhadores urbanos. Estes conseguem, no processo revolucionário, generalizar para o mundo do Direito uma série de reivindicações que lhe são próprias, transformando-as em preceitos da ordem jurídica ou instrumentos da sociedade política institucionalizada. São dessa época, na França, o reconhecimento do direito de associação e greve e a fixação da jornada de 10 horas; no plano político, tem-se a extensão do sufrágio universal. No que diz respeito à Inglaterra, por outro lado, a jornada de trabalho seria reduzida a 10 horasem 1849, após o movimento cartista de massas verificado no ano anterior. O ano de 1848 é, de fato, marco decisivo à compreensão da História do Direito do Trabalho. Isso, pela verdadeira mudança que produz no pensamento socialista, representada pela publicação do Manifesto de Marx e Engels, sepultando a hegemonia, no pensamento revolucionário, das 17 vertentes insurrecionais ou utópicas. Do mesmo modo, pelo processo de revoluções e movimentos de massa experimentado naquele instante, indicando a reorientação estratégica das classes socialmente subordinadas. Estas passam a se voltar a uma linha de incisiva pressão coletiva sobre o polo adverso na relação empregatícia (o empresariado) e sobre a ordem institucional vigorante, de modo a insculpir no universo das condições de contratação da força de trabalho e no universo jurídico mais amplo da sociedade o vigor de sua palavra e de seus interesses coletivos. Todo o processo seguinte a 1848 até a Primeira Guerra Mundial caracterizou-se por avanços e recuos entre a ação do movimento operário, do movimento sindical, do movimento socialista e, ao mesmo tempo, a estratégia de atuação do Estado. Processo em que a ação vinda de baixo e a atuação oriunda de cima se interagem reciprocamente, dinamicamente, dando origem a um ramo jurídico próprio que tanto incorpora a visão própria ao Estado como assimila um amplo espaço de atuação para a pressão operária vinda de baixo. É fato relevante nesse período de sistematização e consolidação do direito do Trabalho o crescente reconhecimento, em distintos países europeus, do direito de livre associação sindical dos trabalhadores. Citem- se, a título de exemplo, a descriminalização do associacionismo sindical na Alemanha, em 1869; a regulação do direito de livre associação sindical na Dinamarca em 1874; o surgimento de nova lei assecuratória da livre associação sindical na Inglaterra, também em 1874 (que já fora pioneira nesta seara, décadas atrás, nos anos de 1820, com o reconhecimento do direito de associação sindical dos trabalhadores); a consolidação desse mesmo direito na França, em 1884; igualmente na Espanha e em Portugal, em 1887; na Itália, em 1889, também desponta a descriminalização das coalizações de trabalhadores. Também é fato relevante nesse período de cerca de sete décadas o surgimento crescente de leis trabalhistas em diversos países europeus, ao lado do avanço sistemático da negociação coletiva na mesma época. Esse desenvolvimento se passa tanto em países de experiência mais democrática, como a França, quanto em países com experimentação autoritária, como a Alemanha unificada de Otto von Bismarck (1871-1890). 18 Outro fato importante nessa fase foi a Conferência de Berlim, ocorrida em 1890, reunindo 14 Estados. Embora não tivesse produzido resultados concretos imediatos, significou o primeiro reconhecimento formal e coletivo pelos principais Estados europeus da franca necessidade de se regular o mercado de trabalho, com a edição de normas trabalhistas diversificadas na realidade de cada país. Finalmente, é ainda marco destacado desse período o surgimento, em 1891, da Encíclica Rerum Novarum, editada pelo Papa Leão XIII. O documento traduz manifestação oficial da Igreja Católica, de notável influência na época, com respeito à questão social, exigindo do Estado e das classes dirigentes postura mais compreensiva sobre a necessidade de regulação das relações trabalhistas. 1.2.3 Institucionalização do Direito do Trabalho A terceira fase do Direito do Trabalho inicia-se logo após a Primeira Guerra Mundial. Identifica-se como a fase da institucionalização ou oficialização do Direito do Trabalho. Seus marcos (situados no ano de 1919) são a Constituição de Weimar e a criação da OIT (a Constituição Mexicana de 1917 lança o brilho do processo nos países periféricos ao capitalismo central). Tal fase se define como o instante histórico em que o Direito do Trabalho ganha absoluta cidadania nos países de economia central. Esse Direito passa a ser um ramo jurídico absolutamente assimilado à estrutura e dinâmica institucionalizadas da sociedade civil e do Estado. Forma-se a Organização Internacional do Trabalho; produz-se a constitucionalização do Direito do Trabalho; finalmente, a legislação autônoma ou heterônoma trabalhista ganha larga consistência e autonomia no universo jurídico do século XX. O dado fundamental e que o Direito do Trabalho se institucionaliza, oficializa-se, incorporando-se a matriz das ordens jurídicas dos países desenvolvidos democráticos, apos longo período de estruturação, sistematização e consolidação, em que se digladiaram e se adaptaram duas 19 dinâmicas próprias e distintas. De um lado, a dinâmica de atuação coletiva por parte dos trabalhadores, dinâmica essa que permitia inclusive aos trabalhadores, através da negociação coletiva, a produção autônoma de normas jurídicas. De outro lado, a estratégia de atuação oriunda do Estado, conducente a produção heterônoma de normas jurídicas. Portanto, a oficialização e institucionalização do Direito do Trabalho fez-se em linha de respeito a essas duas dinâmicas diferenciadas de formulação de normas jurídicas a dinâmica negocial autônoma, concretizada no âmbito da sociedade civil, e a dinâmica estatal heterônoma, produzida no âmbito do aparelho de Estado. Tal fase conheceria seu clímax nas décadas seguintes a Segunda Guerra Mundial, com o aprofundamento do processo de constitucionalização do Direito de Trabalho e hegemonia do chamado Estado de Bem-Estar Social. As Constituições Democráticas pós-1945, da Franca, da Itália e da Alemanha em um primeiro momento (segunda metade da década de 40), e depois, de Portugal e da Espanha (década de 70), não só incorporariam normas justrabalhistas, mas principalmente diretrizes gerais de valorização do trabalho e do ser humano que labora empregaticiamente para outrem. Mais: incorporariam princípios, constitucionalizando-os, além de fixar princípios gerais de clara influencia na área laborativa (como os da dignidade humana e da justiça social, por exemplo). 1.2.4 Crise e Transição do Direito do Trabalho A quarta fase do Direito do Trabalho, de sua crise e transição, abrange o final do século XX. Fixamos seu marco inicial, nos países ocidentais desenvolvidos, nos anos de 1979/1980. Uma conjugação de fatores verificou-se nessa época. De um lado, uma crise econômica iniciada alguns anos antes, entre 1973/74 (a chamada crise do petróleo), que não encontrou resposta eficaz e rápida por parte das forcas politicas então dirigentes. A crise abalava a higidez do sistema econômico, fazendo crescer a inflação e acentuando a concorrência interempresarial e as taxas de desocupação no mercado de trabalho. A par 20 disso, agravava o déficit fiscal do Estado, colocando em questão seu papel de provedor de politicas sociais intensas e generalizantes. De outro lado, um processo de profunda renovação tecnológica, capitaneado pela microeletrônica, robotização e microinformática. Tais avanços da tecnologia agravavam a redução dos postos de trabalho em diversos segmentos econômicos, em especial na indústria, chegando causar a ilusão de uma próxima sociedade sem trabalho. Além disso, criavam ou acentuavam formas de prestação laborativa (como o teletrabalho e o escritório em casa - home-office), que pareciam estranhas ao tradicional sistema de contratação e controle empregatícios. Em acréscimo, essa renovação tecnológica, aplicada ao campo das comunicações, eliminava as antes impermeáveis barreiras do espaço e do tempo, extremando a competição capitalistano plano das diversas regiões do globo. Em meio a esse quadro, ganha prestígio a reestruturação das estratégias e modelos clássicos de gestão empresarial, em torno dos quais se construíram as normas justrabalhistas. Advoga-se em favor da descentralização administrativa e da radical repartição de competências interempresariais, cindindo-se matrizes tradicionais de atuação do Direito do Trabalho. É o que se passa, por exemplo, com a terceirização, cuja dificuldade de enfrentamento pelo ramo justrabalhista sempre foi marcante. Nesse contexto de crise econômica, tecnológica e organizacional, consolidou-se nos principais centros do sistema capitalista, mediante vitórias eleitorais circunstancialmente decisivas (MargaretThatcher, na Inglaterra, em 1979; Ronald Reagan, nos EUA, em 1980; Helmut Kohl, na Alemanha, em 1982), a hegemonia político-cultural de um pensamento desregulatório do Estado de Bem-Estar Social. No centro dessa diretriz em prol da desregulação das políticas sociais e das regras jurídicas limitadoras do mercado econômico encontrava-se, por lógica decorrência, o Direito do Trabalho. De fato, o ramo justrabalhista afirmou-se no período anterior como o mais clássico e abrangente instrumento de políticas sociais surgido no capitalismo, produzindo inquestionável intervenção normativa na economia, em favor, regra geral, de importante distribuição social dos ganhos do 21 sistema econômico. Nesse contexto, a desregulamentação de suas regras ou, pelo menos, sua crescente flexibilização, tudo passou a compor foco destacado na matriz cultural que se generalizou no Ocidente no último quartel do século XX. Entretanto, passadas pouco mais de duas décadas do início da crise do ramo juslaborativo, não se tornaram tão consistentes as catastróficas predições de uma sociedade sem trabalho. Não se tornaram também consistentes as alardeadas predições de uma sociedade capitalista com intensas relações laborativas subordinadas e pessoais, mas sem algo como o Direito do Trabalho. Houve, sem dúvida, uma acentuada desregulação, informalização e desorganização do mercado de trabalho, especialmente nos países semiperiféricos ao capitalismo central (Brasil, incluído, especialmente na década de 1990), porém, sem que se criassem alternativas minimamente civilizadas de gestão trabalhista, em contraponto com o padrão juslaborativo clássico. Na verdade, parece clara ainda a necessidade histórica de um segmento jurídico com as características essenciais do Direito do Trabalho. Parece inquestionável, em suma, que a existência de um sistema desigual de criação, circulação e apropriação de bens e riquezas, com um meio social fundado na diferenciação econômica entre seus componentes (como o capitalismo), mas que convive com a liberdade formal dos indivíduos e com o reconhecimento jurídico-cultural de um patamar mínimo para a convivência na realidade social (aspectos acentuados com a democracia), não pode desprezar ramo jurídico tão incrustado no âmago das relações sociais, como o justrabalhista. No fundo, o que despontara, no início, para alguns, como crise para a ruptura final do ramo trabalhista, tem-se afirmado, cada dia mais, como essencialmente uma transição para um Direito do Trabalho renovado. 1.3 Origem e evolução do direito do trabalho no Brasil 1.3.1 Manifestações Incipientes ou Esparsas 22 O primeiro período significativo na evolução do Direito do Trabalho no Brasil estende-se de 1888 a 1930, identificando-se sob o epíteto de fase de manifestações incipientes ou esparsas. Trata-se de período em que a relação empregatícia se apresenta, de modo relevante, apenas no segmento agrícola cafeeiro avançado de São Paulo e, principalmente, na emergente industrialização experimentada na capital paulista e no Distrito Federal (Rio de Janeiro), a par do setor de serviços desses dois mais importantes centros urbanos do país). É característica desse período a presença de um movimento operário ainda sem profunda e constante capacidade de organização e pressão, quer pela incipiência de seu surgimento e dimensão no quadro econômico-social da época, quer pela forte influência anarquista hegemônica no segmento mais mobilizado de suas lideranças próprias. Nesse contexto, as manifestações autonomistas e de negociação privada vivenciadas no novo plano industrial não têm ainda a suficiente consistência para firmarem um conjunto diversificado e duradouro de práticas e resultados normativos, oscilando em ciclos esparsos de avanços e refluxos. Paralelamente a essa incipiência na atuação coletiva dos trabalhadores, também inexiste uma dinâmica legislativa intensa e contínua por parte do Estado em face da chamada questão social. É que prepondera no Estado brasileiro uma concepção liberal não intervencionista clássica, inibidora da atuação normativa heterônoma no mercado de trabalho. A esse liberalismo associa-se um férreo pacto de descentralização política regional típico da República Velha, que mais ainda iria restringir a possibilidade de surgimento de uma legislação heterônoma federal trabalhista significativa. Nesse quadro, o período se destaca pelo surgimento ainda assistemático e disperso de alguns diplomas ou normas justrabalhistas, associados a outros diplomas que tocam tangencialmente na chamada questão social. Ilustrativamente, pode-se citar a seguinte legislação: Decreto nº. 439, de 31-5-1890, estabelecendo as “bases para organização da assistência à infância desvalida”; Decreto nº. 843, de 11-10-1890, concedendo vantagens ao “Banco dos Operários”; Decreto nº. 1.313, de 17- 1-91, regulamentando o trabalho do menor. Nesse primeiro conjunto destaca-se, ainda, o Decreto nº. 1.162, de 12-12-1890, que derrogou a 23 tipificação da greve como ilícito penal, mantendo como crime apenas os atos de violência praticados no desenrolar do movimento. Werneck Vianna aponta ainda como determinações legais desse período a concessão de férias de 15 dias aos ferroviários da Estrada de Ferro Central do Brasil, acrescida, em seguida, de aposentadoria (Decreto nº. 221, de 26-2-1890), que logo se estenderá a todos os ferroviários (Decreto nº. 565, de 12-7- 1890). Já transposto o século, surge o Decreto Legislativo nº. 1.150, de 5-1- 1904, concedendo facilidades para o pagamento de dívidas de trabalhadores rurais, benefício posteriormente estendido aos trabalhadores urbanos (Decreto Legislativo nº. 1.607, de 29-12-1906). O Decreto Legislativo nº. 1.637, de 5-1-1907, por sua vez, facultava a criação de sindicatos profissionais e sociedades cooperativas. Em 1919, surge a legislação acidentária do trabalho (Lei nº. 3.724, de 15-1-1919), acolhendo o princípio do risco profissional, embora com inúmeras limitações. Em 1923, surge a Lei Elói Chaves (nº. 4.682, de 24-1-1923), instituindo as Caixas de Aposentadorias e Pensões para os ferroviários. Tais benefícios foram estendidos, posteriormente, às empresas portuárias e marítimas pela Lei nº. 5.109, de 20-12-1926. Ainda em 1923, institui-se o Conselho Nacional do Trabalho (Decreto nº. 16.027, de 30-4-1923). Em 1925, concedem-se férias (15 dias anuais) aos empregados de estabelecimentos comerciais, industriais e bancários (Lei nº. 4.982, de 24-12-1925). Em 12-10-1927, é promulgado o Código de Menores (Decreto nº. 17.934-A), estabelecendo a idade mínima de 12 anos para o trabalho, a proibição do trabalho noturno e em minas aos menores, além de outros preceitos. Em 1928, o trabalho dos artistas é objeto de regulamentação (Decreto nº. 5.492, de 16-7-1928). Finalmente, em 1929, altera-se a lei de falências, conferindo-se estatuto deprivilegiados aos créditos de “prepostos, empregados e operários” (Decreto nº. 5.746, de 9-12-1929). Há ainda uma significativa legislação estadual de São Paulo sobre a área justrabalhista. Em 27-12-1911, promulga-se a Lei nº. 1.299-A, instituidora do “patronato agrícola, com a incumbência específica de resolver, por meios suasórios, quaisquer dúvidas surgidas entre os operários agrícolas e seus patronos”. Em 14-11-1911, pelo Decreto nº. 2.141, tratando 24 do Regulamento do Serviço Sanitário do Estado, lançaram-se “dispositivos sobre condições de higiene nas fábricas, proibindo-se também a atividade dos menores de 10 anos e o serviço noturno dos menores de 18; no mesmo ano, criou-se o Departamento Estadual do Trabalho (Decreto nº. 2.071, de 5- 7-1911), encarregado do estudo, informação e publicação das condições de trabalho no Estado”. Em 10-10-1922, finalmente, a Lei nº. 1.869 criou os tribunais rurais naquele Estado. 1.3.2 Institucionalização do Direito do Trabalho O segundo período a se destacar nessa evolução histórica será a fase da institucionalização (ou oficialização) do Direito do Trabalho. Essa fase tem seu marco inicial em 1930, firmando a estrutura jurídica e institucional de um novo modelo trabalhista até o final da ditadura getulista (1945). Terá, porém, o condão de manter seus plenos efeitos ainda sobre quase seis décadas seguintes, até pelo menos a Constituição de 1988. A fase de institucionalização do Direito do Trabalho consubstancia, em seus primeiros treze a quinze anos (ou pelo menos até 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho), intensa atividade administrativa e legislativa do Estado, em consonância com o novo padrão de gestão sociopolítica que se instaura no país com a derrocada, em 1930, da hegemonia exclusivista do segmento agroexportador de café. O Estado largamente intervencionista que ora se forma estende sua atuação também à área da chamada questão social. Nesta área implementa um vasto e profundo conjunto de ações diversificadas mas nitidamente combinadas: de um lado, através de rigorosa repressão sobre quaisquer manifestações autonomistas do movimento operário; de outro lado, através de minuciosa legislação instaurando um novo e abrangente modelo de organização do sistema justrabalhista, estreitamente controlado pelo Estado. Essa evolução sofreu pequeno e pouco consistente interregno de menos de dois anos, entre 1934 e 1935, com a Texto Constitucional de 1934, onde voltou a florescer maior liberdade e autonomia sindicais (a própria pluralidade sindical foi acolhida por esta Constituição). Entretanto, logo imediatamente o governo federal retomou seu controle pleno sobre as 25 ações trabalhistas, através do estado de sítio de 1935, dirigido preferencialmente às lideranças políticas e operárias adversárias da gestão oficial. Mais que isso, com o estado de sítio de 35, continuado pela ditadura aberta de 1937, pôde o governo federal eliminar qualquer foco de resistência à sua estratégia político-jurídica, firmando solidamente a larga estrutura do modelo justrabalhista, cujas bases iniciara logo após o movimento de outubro de 1930. O modelo justrabalhista mencionado forma-se a partir de políticas integradas, administrativamente dirigidas em pelo menos seis direções. Todas essas políticas mostraram-se coerentemente lançadas e estruturadas nos quinze anos do governo instalado em 1930. A primeira área contemplada pela ação governamental seria a própria administração federal, de modo a viabilizar a coordenação das ações institucionais a serem desenvolvidas nos anos seguintes. Criou-se, assim, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, pelo Decreto nº. 19.443, de 26.11.1930. Meses após, em 4-2-1931, instituiu-se o Departamento Nacional do Trabalho (Decreto nº. 19.671-A). A área sindical seria também imediatamente objeto de normatização federal, através do Decreto nº. 19.770, de 19-3-1931, que cria uma estrutura sindical oficial, baseada no sindicato único (embora ainda não obrigatório), submetido ao reconhecimento pelo Estado e compreendido como órgão colaborador deste. Passado o interregno da Constituição de 1934, aprofundou-se o modelo sindical oficial corporativista, através da Carta de 1937 e do Decreto n. 1.402, de 5-7-1939. A essa altura já se tomara juridicamente explícito o que fora prática institucional desde 1935: a inviabilidade de coexistência de qualquer outro sindicato com o sindicalismo oficial. Como terceira área de desenvolvimento da política trabalhista oficial, criou-se um sistema de solução judicial de conflitos trabalhistas. Esse sistema seria instaurado, inicialmente, mediante a criação das Comissões Mistas de Conciliação e Julgamento (Decreto nº. 21.396, de 21-3-1932), em que só poderiam demandar os empregados integrantes do sindicalismo 26 oficial (Decreto nº. 22.132, de 25-11-1932). A Constituição de 1937 (não aplicada, é verdade), referindo-se a uma “Justiça do Trabalho”, induziria, alguns anos após, ao aperfeiçoamento do sistema, à medida que elevava seu patamar institucional. A Justiça do Trabalho seria, por fim, efetivamente regulamentada pelo Decreto-lei nº. 1.237, de 1-5-1939. O sistema previdenciário, também de formação corporativa, vinculado às respectivas áreas profissionais e aos correspondentes sindicatos oficiais, começou a ser estruturado logo após 1930, do mesmo modo que as demais instituições do modelo justrabalhista. Nesse caso, a estruturação procedeu- se a partir da ampliação e reformulação das antigas Caixas de Aposentadoria e Pensões, vindas da época precedente e ainda organizadas essencialmente por empresas (a Lei Elói Chaves é de 1923). Já em 1931, pelo Decreto nº. 20.465, de 1-10-31, o novo governo promoveu a primeira reforma ampliativa do anterior sistema previdenciário, firmando, contudo, a categoria profissional como parâmetro. O núcleo essencial do novo sistema reformulado e ampliado seriam os diversos Institutos de Aposentadorias e Pensões, abrangendo categorias específicas e tendo âmbito nacional. Com essa nova denominação, o primeiro desses órgãos a ser instaurado foi o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM), mediante o Decreto nº. 22.872, de 29-6-1933. Inúmeros outros órgãos semelhantes se seguiram nos anos subsequentes. A legislação profissional e protetiva, como mais uma área de atuação da política trabalhista do novo governo, desponta por toda essa época. Citem-se, ilustrativamente, alguns dos inúmeros diplomas justrabalhistas: Decreto nº. 21.471, de 17-5-1932, regulamentando o trabalho feminino; Decreto nº. 21.186, de 22-3-1932, fixando a jornada de oito horas para os comerciários, preceito que seria, em seguida, estendido aos industriários (Decreto nº. 21.364, de 4-5-1932); Decreto nº. 21.175, de 21-3-1932, criando as carteiras profissionais; Decreto nº. 23.103, de 19-8-1933, estabelecendo férias para os bancários, e diversos outros diplomas que se sucederam ao longo da década de 30 até 1943. A última das direções seguidas pela política oficial tendente a implantar o modelo trabalhista corporativista e autocrático da época traduzia- se nas distintas ações voltadas a sufocar manifestações políticas ou 27 operárias autonomistas ou simplesmente adversas à estratégia oficial concebida. O primeiro marco dessas ações combinadas residiria na Lei de Nacionalização do Trabalho, reduzindo a participação de imigrantes no segmento obreiro do país (Decreto nº. 19.482, de 12-12-1930, estabelecendo um mínimo de 2/3 de trabalhadores nacionais no conjunto de assalariados de cada empresa). A essa medida estrutural seguiram-seos diversos incentivos ao sindicalismo oficial (monopólio de ação junto às Comissões Mistas de Conciliação; exclusivismo de participação nos Institutos de Aposentadorias e Pensões, etc.), incentivos que seriam transformados, logo após, em expresso monopólio jurídico de organização, atuação e representação sindical. Finalmente, por quase todo o período getulista, uma contínua e perseverante repressão estatal sobre as lideranças e organizações autonomistas ou adversas obreiras. O modelo justrabalhista então estruturado reuniu-se, anos após, em um único diploma normativo, a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto- lei nº. 5.452, de 1-5-1943). Embora o nome reverenciasse a obra legislativa anterior (consolidação), a CLT, na verdade, também alterou e ampliou a legislação trabalhista existente, assumindo, desse modo, a natureza própria a um código do trabalho. Análise Comparativa: A reflexão comparativa entre as duas primeiras fases do Direito do Trabalho no país evidencia que se passou, de um salto, da fase de manifestações incipientes e esparsas para a fase da institucionalização do ramo jurídico trabalhista, sem a essencial maturação político-jurídica propiciada pela fase da sistematização e consolidação (à diferença dos exemplos europeus mais significativos). Construindo-se essa institucionalização/oficialização ao longo de um demorado período político centralizador e autoritário (de 1930 a 1945), o ramo justrabalhista veio a institucionalizar-se, consequentemente, sob uma matriz corporativa e intensamente autoritária, A evolução política brasileira não permitiu, desse modo, que o Direito do Trabalho passasse por uma fase de sistematização e consolidação, em que se digladiassem (e se maturassem) propostas de gerenciamento e solução de conflitos no próprio âmbito da sociedade civil, democratizando a matriz essencial do novo ramo jurídico. 28 Afirmando-se uma intensa e longa ação autoritária oficial (pós-1930) sobre um segmento sociojurídico ainda sem uma estrutura e experiência largamente consolidadas (como o sistema anterior a 30), disso resultou um modelo fechado, centralizado e compacto, caracterizado ainda por incomparável capacidade de resistência e duração ao longo do tempo. Efetivamente, o modelo justrabalhista construído nesse período manteve-se quase intocado nas décadas posteriores a 1930. A fase de institucionalização autoritária e corporativista do Direito do Trabalho estende- se, assim, de 1930 até pelo menos a Constituição de 1988. Sobre essa continuidade comenta o cientista político Leôncio Martins Rodrigues: “Um dos fatos que chama a atenção na história do sindicalismo brasileiro é a extraordinária persistência do tipo de sindicato esboçado após a vitória de Vargas e completado durante o Estado Novo. Atribuiu-se sua criação à influência das doutrinas fascistas então em moda, principalmente à Carta do Trabalho italiana. No entanto, depois de 1945, com a chamada redemocratização do país, o modelo de organização sindical que parecia ter sido uma imposição artificial da ditadura varguista (sob influência fascista) não sofreu alterações que afetassem sua essência”. Na verdade, o conjunto do modelo justrabalhista oriundo do período entre 1930 e 1945 é que se manteve quase intocado. À exceção do sistema previdenciário que, na década de 60, foi afastado da estrutura corporativa sindical e dissociado desse tradicional modelo justrabalhista, não se assiste, quer na fase democrática de 1945-1964, quer na fase do regime militar implantado em 1964, à implementação de modificações substantivas no modelo justrabalhista corporativo imperante no país. 1.3.3 Crise e Transição do Direito do Trabalho A persistência do modelo justrabalhista tradicional brasileiro sofre seu mais substancial questionamento ao longo das discussões da Constituinte de 1987/88 e na resultante Constituição de 1988. A existência desse questionamento e a relativa força com que surgiu e se manifestou é que permite admitir-se estar-se diante de uma nova fase no Direito do Trabalho do país: uma fase de superação democrática das 29 linhas centrais do antigo modelo corporativo de décadas atrás. Não obstante, a insuficiência desse mesmo questionamento e os resultados tímidos e muitas vezes contraditórios alcançados pela Constituição de 1988 também não permitem que se apreenda mais do que uma fase de transição no momento presente, já que definitivamente ainda não estão instauradas e consolidadas práticas e instituições estritamente democráticas no sistema justrabalhista incorporado pela Texto Máximo de 1988. Estar-se-ia, pois, diante de uma fase de transição democrática do Direito do Trabalho do país. Porém, como ver-se-á, logo a seguir, a transição brasileira não se esgota no debate democrático, passando também por um viés desarticulador de todo o ramo jurídico, inspirado em tendências político-ideológicas influentes no mundo capitalista desenvolvido desde a década de 1970. Os pontos de avanço democrático são claros na Constituição brasileira. o novo Texto Máximo confirmará, em seu interior, o primeiro momento, na história brasileira após 1930, em que se afasta, estruturalmente, a possibilidade jurídica de intervenção do Estado através do Ministério do Trabalho sobre as entidades sindicais. Rompe-se, assim, na Constituição, com um dos pilares do velho modelo: o controle político-administrativo do Estado sobre a estrutura sindical. Ao lado disso, a nova Constituição, pela primeira vez em seis décadas, desde 1930, fixará reconhecimento e incentivos jurídicos efetivos ao processo negocial coletivo autônomo, no seio da sociedade civil. Entretanto, ao mesmo tempo, a referida Constituição preservará e aprofundará institutos e mecanismos autoritário-corporativos oriundos das bases do velho modelo justrabalhista, como, ilustrativamente, a antiga estrutura sindical corporativista. Por esses avanços e recuos é que não se pode denominar mais do que de transição democrática a presente fase vivenciada pelo Direito do Trabalho no país. Transição Democrática aliada à Crise do Ramo Jurídico Lamentavelmente, a transição democrática no Brasil processa-se imersa em graves contradições, que exacerbam os próprios riscos dessa transição (a 30 exacerbação de contradições nos processos sociais, econômicos e culturais tem sido, como se sabe, uma característica dos países dependentes da América Latina). De fato, logo após o surgimento da Constituição de 1988, fortaleceu- se no país, no âmbito oficial e nos meios privados de formação de opinião pública, um pensamento estratégico direcionado à total desarticulação das normas estatais trabalhistas, com a direta e indireta redução dos direitos e garantias laborais. Ou seja, mal se iniciara a transição democrática do Direito do Trabalho (já guardando, em si mesma, inúmeras contradições), a ela se acoplava uma proposta de desarticulação radical desse ramo jurídico especializado. Nesse quadro, a maturação do processo democratizante comprometia-se em face do assédio da proposta extremada de pura e simples desarticulação de todo o ramo jurídico protetivo. A crise e a transição do Direito do Trabalho, que despontaram na Europa Ocidental a partir de meados ou fins da década de 1970, fizeram-se sentir tardiamente no Brasil, ao longo da década de 1990 em pleno processo de transição democrática desse ramo jurídico instigado pela Constituição de 1988. Essa coincidência temporal de processos o de democratização, de um lado, e, de outro, o de desarticulação radical do ramo justrabalhista torna dramática a presente fase brasileira de crise e transiçãodo Direito do Trabalho. Efetivamente, há inegável equívoco de se pensar viável a implantação, no país, de um modelo à semelhança do anglo-saxão de normatização autônoma e privatística (como subjacente à estratégia de desarticulação radical das normas trabalhistas). Entretanto, o reconhecimento de tal equívoco não pode, obviamente, conduzir, ao reverso, à simplista defesa do velho modelo autoritário-centralizador oriundo da década de 1930. O modelo compatível com a Democracia e com as características econômicas, sociais e culturais brasileiras é algo próximo ao padrão da normatização privatística mas subordinada, típico dos países europeus continentais. Conforme já exposto no capítulo anterior desta obra (em seu item VI.1.B), “o intervencionismo estatal que caracteriza o padrão de 31 normatização privatística mas subordinada não é substitutivo ou impeditivo da criatividade e dinamismo privados, mas condicionador dessa criatividade. Nesse quadro, o intervencionismo, embora inquestionável, admite claramente a franca e real participação da sociedade civil na elaboração do Direito do Trabalho. Em função dessa combinação de esferas de atuação, o modelo tende a gerar uma legislação que reflete, com grande aproximação, as necessidades efetivas dessa sociedade. (...) É óbvio que, politicamente, este modelo estabelece, no estuário normativo trabalhista, um patamar heterônomo que a criatividade privada não pode desconhecer. Mas não se suprimem ou sufocam os instrumentos para essa ação privada coletiva, que mantém seu papel relevante no universo jurídico desse padrão de normatividade juslaboral”. Isso significa, no Brasil, o reconhecimento dos poderes da negociação coletiva (conforme já feito pela Constituição). Por coerência, inclusive poderes de atuação do sindicato efetivamente representativo (ilustrativamente, o sindicato da categoria principal de trabalhadores da empresa tomadora, representando todos os terceirizados que ali trabalham). É óbvio que tais poderes só se realizam se, de fato, houver uma reforma sindical extirpadora do corporativismo remanescente no modelo sindical oriundo de 1930, combinada a uma Carta de Direitos Sindicais que realmente assegure consistência e força à atuação do sindicalismo. Tudo isso combinado a uma prática jurisprudencial que saiba ler a Constituição em seu essencial espírito democrático e coletivo. Significa também o reconhecimento dos claros e insuplantáveis limites postos à própria negociação coletiva trabalhista. À luz do proposto pelo princípio da adequação setorial negociada, a negociação não prevalece se concretizar através de ato estrito de renúncia (e não transação). É que ao processo negocial coletivo falecem poderes de renúncia sobre direitos de terceiros (isto é, despojamento unilateral sem contrapartida do agente adverso). Cabe-lhe, essencialmente, promover transação (ou seja, despojamento bilateral ou multilateral, com reciprocidade entre os agentes envolvidos), hábil a gerar normas jurídicas. Também não prevalece a negociação se concernente a direitos revestidos de indisponibilidade absoluta (e não indisponibilidade relativa). 32 Tais parcelas são aquelas imantadas por uma tutela de interesse público, por constituírem um patamar civilizatório mínimo que a sociedade democrática não concebe ver reduzido em qualquer segmento econômico- profissional, sob pena de se afrontarem a própria dignidade da pessoa humana e a valorização mínima deferível ao trabalho (arts. 19, III, e 170, caput, CF/88). Expressam, ilustrativamente essas parcelas de indisponibilidade absoluta a anotação de CTPS, o pagamento do salário mínimo, as normas de saúde e segurança do trabalho. No caso brasileiro, esse patamar civilizatório mínimo está dado, essencialmente, por três grupos convergentes de normas trabalhistas heterônomas: as normas constitucionais em geral (respeitadas, é claro, as ressalvas parciais expressamente feitas pela própria Constituição: art. 7º, VI, XIII e XIV, por exemplo); as normas de tratados e convenções internacionais vigorantes no plano interno brasileiro (referidas pelo art. 5º, § 2º, CF/88, já expressando um patamar civilizatório no próprio mundo ocidental em que se integra o Brasil); as normas legais infraconstitucionais que asseguram patamares de cidadania ao indivíduo que labora (preceitos relativos à saúde e segurança no trabalho, normas concernentes a bases salariais mínimas, normas de identificação profissional, dispositivos antidiscriminatórios, etc.). Hoje, passadas mais de duas décadas do surgimento da Constituição, percebe-se que a jurisprudência tem buscado aferir essa inter-relação normativa de modo bastante transparente, equilibrado e objetivo. Nessa linha, de maneira geral, tem considerado que, estando a parcela assegurada por norma imperativa estatal (Constituição, Leis Federais, Tratados e Convenções Internacionais ratificados), ela prevalece soberanamente, sem possibilidade jurídica de supressão ou restrição pela negociação coletiva, salvo se a própria regra heterônoma estatal abrir espaço à interveniência da norma coletiva negociada. Não se tratando a parcela, contudo, de direito resultante do estuário imperativo heterônomo estatal, porém da criatividade jurídica privada coletiva, o respectivo instrumento coletivo negociado (Convenção Coletiva ou Acordo Coletivo de Trabalho) poderá, de maneira geral, fixar-lhe os contornos, características e efeitos. As Constituições brasileiras versavam apenas sobre a forma do Estado, o sistema de governo. Posteriormente, passaram a tratar de todos 33 os ramos do Direito e, especialmente, do Direito de Trabalho, como ocorre com nossa Constituição atual. A Constituição de 1824 apenas tratou de abolir as corporações de ofício (art. 179, XXV), pois deveria haver liberdade do exercício de ofícios e profissões. A Lei do Ventre Livre dispôs que, a partir de 28-9-1871, os filhos de escravos nasceriam livres. O menino ficaria sob a tutela do senhor ou de sua mãe até o oitavo aniversário, quando o senhor poderia optar entre receber uma indenização do governo ou usar do trabalho do menino até os 21 anos completos. Em 28-9-1885, foi aprovada a Lei Saraiva-Cotegipe, chamada de Lei dos Sexagenários, libertando os escravos com mais de 60 anos. Mesmo depois de livre, o escravo deveria prestar mais três anos de serviços o trabalho foi considerado na Bíblia como castigo. Adão teve de trabalhar para comer em razão de ter gratuitos a seu senhor. Em 13-5-1888, foi assinada pela Princesa Isabel a Lei Áurea (Lei n° 3.353), que abolia a escravatura. Reconheceu a Constituição de 1891 a liberdade de associação (§ 8° do art. 72), que tinha na época caráter genérico, determinando que a todos era lícita a associação e reunião, livremente e sem armas, não podendo a polícia intervir, salvo para manter a ordem pública. As transformações que vinham ocorrendo na Europa em decorrência da Primeira Guerra Mundial e o aparecimento da OIT, em 1919, incentivaram a criação de normas trabalhistas em nosso país. Existiam muitos imigrantes no Brasil que deram origem a movimentos operários reivindicando melhores condições de trabalho e salários. Começa a surgir uma política trabalhista idealizada por Getúlio Vargas em 1930. Havia leis ordinárias que tratavam de trabalho de menores (1891), da organização de sindicatos rurais (1903) e urbanos (1907), de férias etc. O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio foi criado em 1930, passando à expedir decretos, a partir dessa época, sobre profissões, trabalho das mulheres (1932), salário-mínimo (1936), Justiça do Trabalho (1939), etc.Getúlio Vargas editou a legislação trabalhista em tese para organizar o mercado de trabalho em decorrência da expansão da indústria. Realmente, seu objetivo era controlar os movimentos trabalhistas do momento. 34 A Constituição de 1934 é a primeira constituição brasileira a tratar especificamente do Direito do Trabalho. É a influência do constitucionalismo social, que em nosso país só veio a ser sentida em 1934. Garantia à liberdade sindical (art. 120), isonomia salarial, salário-mínimo, jornada de oito horas de trabalho, proteção do trabalho das mulheres e menores, repouso semanal, férias anuais remuneradas (§ Iº do art. 121). A Carta Constitucional de 10-11-1937 marca uma fase intervencionista do Estado, decorrente do golpe de Getúlio Vargas. Era uma Constituição de cunho eminentemente corporativista, inspirada na Carta del Lavoro, de 1927, e na Constituição polonesa. O próprio art. 140 da referida Carta era claro no sentido de que a economia era organizada em corporações, sendo consideradas órgãos do Estado, exercendo função delegada de poder público. O Conselho de Economia Nacional tinha por atribuição promover a organização corporativa da economia nacional (art. 61, a). Dizia Oliveira Viana, sociólogo e jurista - que foi o inspirador de nossa legislação trabalhista da época - que o liberalismo econômico era incapaz de preservar a ordem social, daí a necessidade da intervenção do Estado para regular tais situações. A Constituição de 1937 instituiu o sindicato único, imposto por lei, vinculado ao Estado, exercendo funções delegadas de poder público, podendo haver intervenção estatal direta em suas atribuições. Foi criado o imposto sindical, como uma forma de submissão das entidades de classe ao Estado, pois este participava do produto de sua arrecadação. Estabeleceu-se a competência normativa dos tribunais do trabalho, que tinha por objetivo principal evitar o entendimento direto entre trabalhadores e empregadores. A greve e o lockout foram considerados recursos antissociais, nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os interesses da produção nacional (art. 139). Em razão disso havia a imposição de condições de trabalho, pelo poder normativo, nos conflitos coletivos de trabalho. Essas regras foram copiadas literalmente da Carta del Lavoro italiana. Existiam várias normas esparsas sobre os mais diversos assuntos trabalhistas. Houve a necessidade de sistematização dessas regras. Para tanto, foi editado o Decreto-lei n° 5.452, de l-5-1943, aprovando a consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O objetivo da CLT foi apenas o de 35 reunir as leis esparsas existentes na época, consolidando-as. Não se trata de um código, pois este pressupõe um Direito novo. Ao contrário, a CLT apenas reuniu a legislação existente na época, consolidando-a. A CLT tomou por fundamento várias normas, como a Encíclica Rerum Novarum e as Convenções da OIT, segundo Arnaldo Süssekind. Não foi inspirada na Carta del Lavoro italiana. A Constituição de 1946 é considerada uma norma democrática, rompendo com o corporativismo da Constituição anterior. Nela encontramos a participação dos trabalhadores nos lucros (art. 157, IV), repouso semanal remunerado (art. 157, VI), estabilidade (art. 157, XII), direito de greve (art. 158) e outros direitos que estavam na norma constitucional anterior. A legislação ordinária começa a instituir novos direitos. Surge a Lei na 605/49, versando sobre o repouso semanal remunerado; a Lei na 3.207/57, tratando das atividades dos empregados vendedores, viajantes e pracistas; a Lei na 4.090/62, instituindo o 13º salário; a Lei na 4.266/63, que criou o salário-família, etc. A Constituição de 1967 manteve os direitos trabalhistas estabelecidos nas Constituições anteriores, no art. 158, tendo praticamente a mesma redação do art. 157 da Constituição de 1946, com algumas modificações. A EC nº 1, de 17-10-69, repetiu praticamente a Norma Ápice de 1967, no art. 165, no que diz respeito aos direitos trabalhistas. No âmbito da legislação ordinária, é possível lembrar a Lei nº 5.859/72, dispondo sobre o trabalho dos empregados domésticos; a Lei nº 5.889/73, versando sobre o trabalhador rural; a Lei nº 6.019/74, tratando do trabalhador temporário; o Decreto-lei nº 1.535/77, dando nova redação ao capítulo sobre as férias da CLT, etc. Em 5-10-1988, foi aprovada a atual Constituição, que trata de direitos trabalhistas nos arts. 7º a 11. Na Norma Magna, os direitos trabalhistas foram incluídos no Capítulo II, “Dos Direitos Sociais”, do Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, ao passo que nas Constituições anteriores os direitos trabalhistas sempre eram inseridos no âmbito da ordem econômica e social. Para alguns autores, o art. 7º da Lei Maior vem a ser uma verdadeira CLT, tantos os direitos trabalhistas nele albergados. 36 Trata o art. 7º da Constituição de direitos individuais e tutelares do trabalho. O art. 8º versa sobre o sindicato e suas relações. O art. 9º especifica regras sobre greve. O art. 10 determina disposição, sobre a participação dos trabalhadores em colegiados. Menciona o art. 11 que nas empresas com mais de 200 empregados é assegurada a eleição de um representante dos trabalhadores para entendimentos com o empregador. 2 CONCLUSÕES Fica claro que o direito do trabalho no Brasil, foi influenciado por fatores externos (transformações que ocorriam na Europa; crescente elaboração legislativa de proteção ao trabalhador em muitos países; compromisso internacional assumido pelo Brasil ao ingressar na OIT, em razão do Tratado de Versalhes (1919) e internos (movimento operário, surto industrial, politica trabalhista de Getúlio Vargas). Com a abolição dos escravos em 1888, o trabalho livre e assalariado no Brasil ganhou espaço, porém as condições impostas pelos europeus eram ruins, fazendo com que gerasse as primeiras discursões sobre as leis do trabalho, criando assim os primeiros sindicatos. Com o surgimento das máquinas no ocidente, eram necessários trabalhadores para opera-las, foi quando grande parte de trabalhadores do campo migraram para as cidades, pois as maquinas a vapor precisavam de operadores, neste período os trabalhadores não tinham seus direitos regulamentados, começavam a trabalhar sem ter hora para parar sendo as situações de trabalho muito precárias. Neste momento os trabalhadores começaram a se unir para buscar melhores condições de trabalho, fazendo uma pressão no patrões. Pressão essa, que fez com que os trabalhadores conseguissem vários direitos, que até hoje são de grande importância no direito do trabalho brasileiro. Os fatores internos mais influentes que ocorreram no direito brasileiro foi o movimento operário do qual participaram imigrantes com inspirações anarquistas, caracterizados por inúmeras greves no ano de 1800 e início de 1900. Também o surto industrial, efeito da Primeira Grande Guerra Mundial, 37 com a elevação do número de fábricas e de operários. Por fim a política trabalhista de Getúlio Vargas (1930). Contudo nasce a CLT- Consolidações das leis trabalhistas, está não se trata de um código, pois pressupõe um Direito novo. A CLT apenas reuniu a legislação existente na época, consolidando-a. Nesta existem vários direitos que foram adquiridos devido a influencias do direito trabalho o mundo. 38 REFERÊNCIAS MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012. CASSAR; VÓLIA BOMFIM. Direito do trabalho.
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