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PREFÁCIO Por volta de 1910 a crise atravessada pela psicologia oriunda de Wundt foi resolvida de duas maneiras muito diferentes na Alema- nha e na América. A escola gestaltista, não encontrando nenhuma contradição inerente a uma psicologia que se pretende ao mesmo tempo subjetiva e experimental, censurou na psicologia corrente so- bretudo seu atomismo, mas aceitou, e mesmo acentuou, a subjetivi- dade essencial de uma ciência da consciência preconizando-lhe um uso fenomenológico da observação interior. Ela toma por objeto a "experiência direta", opondo o dado ao construído, às somas, às asso- ciações, às justaposições artificiais, desfiguradas, deformadas, de par- tes, membros ou elementos, opõe as totalidades naturais estruturadas, organizadas, conformadas e configuradas. Às teorias moleculares do espírito, ao elementarismo das análises da consciência, ela substitui uma concepção molar da vida psicológica e suas condições fisiológi- cas, ao jogo dos arranjos mecânicos uma determinação dinâmica di- reta. A solução americana é mais radical e revolucionária. Não se trata de corrigir a psicologia reinante, de conservar seu objeto apri- morando seu método. Não é seu atomismo, mas seu subjetivismo que se lhe reprova. A edificação de uma ciência da consciência revela-se tão impossível quanto a quadratura do círculo. Se quer se fazer da psicologia uma ciência, uma ciência como as outras, uma ciência in- contestada e incontestável, é preciso deliberadamente rejeitar a cons- ciência como objeto e por conseguinte a introspecção como método, e colocar em seu lugar o comportamento e a observação ordinária. O público francês deve ao Professor P. Guillaume, a seus arti- gos e obras, sobriamente realizados, mais que informações ricas e se- guras, um conhecimento preciso do Gestaltismo, de seu princípio, de seus aspectos, de suas aplicações. A atitude behaviorista nos é sem dúvida, desde a muito tempo, familiar, graças, sobretudo, ao Profes- sor H. Pièron que aliás a preconizou e praticou antes dos americanos, 2 mas também, graças, à sólida tese universitária da Professora Valérie Arnold que nos ensinou sobre o início do movimento quando não era ainda senão uma simples revolta. Mas nós ignoramos quase inteira- mente a evolução do behaviorismo e seus desenvolvimentos recentes, assim como a filosofia para a qual paulatinamente encaminhou-se pa- ra, de uma revolta, tornar-se um sistema. Com a intenção de preen- cher essa lacuna empreendemos o presente trabalho. Encontrar-se-á aqui então uma exposição, não da psicologia behaviorista, mas da concepção, ou antes das concepções que os behavioristas fazem da psicologia. Investigaremos como o desconten- tamento, suscitado pela psicologia introspectiva tal como era pratica- da, particularmente na América, levou a estabelecer como objeto da ciência psicológica o comportamento em lugar da consciência e do espírito e tentaremos determinar a evolução dessa noção no seio da escola. Ainda que relativamente recente, o movimento behaviorista, apresentando-se como nacional, provocou nos Estados Unidos uma vasta literatura. O Professor Pierron teve a gentileza de nos abrir com a maior liberdade a Biblioteca do Instituto de Psicologia e sua biblio- teca particular, e assim pudemos tomar conhecimento da maior parte das obras e artigos de exposição ou de crítica sobre a questão. Que o Professor Pierron queira encontrar aqui a expressão viva de nossa gratidão. Há muito tempo contraímos uma dívida que recusamos avaliar no que concerne ao nosso grande mestre, Professor Guillaume, que nos iniciando em filosofia a mais de trinta anos, fez-nos partilhar seu vivo interesse pelas questões psicológicas e por uma psicologia mais ligada a Ciência do que a Literatura, a Metafísica. Durante a prepara- ção e a realização de nosso trabalho, tivemos o imenso benefício de seus conselhos, de sua vasta e segura informação, suas críticas, enco- rajamento e sua atenciosa solicitude. Reconhecer nossa dívida e asse- gurar ao Professor Guillaume nosso respeitoso e afetuoso reconheci- mento é para nós um agradável dever Nossos agradecimentos também aos nossos estudantes que por suas questões e observações sempre nos levaram a caminho da clare- za; particularmente a Professora N. Adreth que em Londres nos indi- 3 cou alguns textos e ao Professor Serge Ho de Cantão que leu e resu- miu, em nossa consideração, livros escritos em sua língua materna. Não esqueceremos o auxílio precioso que a seção de Filosofia do Centro Nacional de Pesquisa Científica nos prestou ao nos acolher incumbindo-nos das pesquisas realizadas durante o ano de 1939 / 1940 e rogamos aos professores membros desta seção estarem segu- ros de que nós lhes temos na mais alta estima. 4 INTRODUÇÃO _________________________ O BEHAVIORISMO Seus Postulados, suas Fontes, suas Variedades, seu Progresso. 5 I OS POSTULADOS DO BEHAVIORISMO O "behaviorismo" ordinariamente apresenta-se como a ciência do comportamento (219, 11). Se assim ele fosse, seu verdadeiro nome deveria ser praxiologia (115), ou antroponomia (84, 86), ou melhor ainda behaviorística. Uma palavra em ismo pode no máximo servir para designar uma teoria. De fato, o behaviorismo não é uma ciência psicológica, mas uma concepção da psicologia como ciência. Breve- mente formulada ela propõe que a psicologia, para ser uma ciência incontestada, tal como a física ou a fisiologia, não pode e não deve ter outro objeto que o comportamento (behavior) do homem e do animal. Compreende-se então uma negação e uma afirmação; ao mesmo tempo destrutiva e construtiva. O behaviorismo exclui da psi- cologia, na medida em que esta pretende a dignidade científica, o ob- jeto que a etimologia e a tradição lhe determinaram e que se travestiu sob os variados nomes de alma, consciência, espírito, estados, fun- ções, fatos, fenômenos psíquicos ou mentais, vida interior, experiên- cia total dependente, etc. E esse objeto é substituído pelo comporta- mento, único suscetível, segundo o behaviorismo, de ser matéria de um estudo científico. Nessa substituição de objeto consiste a revolu- ção behaviorista, e não, como se acredita por vezes, na simples con- tribuição de um novo método para a psicologia, mais científico, mais seguro, mais preciso, acrescentando-se aos métodos já existentes para o estudo de um objeto que não teria mudado. Se a psicologia clássica fracassou em assumir seu lugar entre as ciências, não foi por ter empregado sucessiva ou simultaneamente todos os métodos de investigação que tiveram êxito nos outros domí- nios da ciência. Após o método dedutivo, de emprego prematuro, ser- viu-se do método indutivo das ciências da natureza. Praticou a obser- 6 vação, a descrição, a classificação, a análise, a experiência. Apesar desse ardor e dessa perseverança em testar todos os métodos a psico- logia tradicional foi incapaz de justificar suas pretensões científicas1. Sua incapacidade em se constituir como ciência não provém então dos métodos empregados, uma vez que de todos experimentou, mas do objeto ao qual esses métodos foram e são aplicados. Apesar das aparências, esse objeto não variou. Era, sem dúvida, a alma; não a alma substancial da psicologia racional, mas uma alma dessubstan- cializada, reduzida a uma série de fenômenos, e segundo as expres- sões de James, progressivamente "purificada" e "atenuada", a ponto de ser reduzida a um estado de "pureza diáfona", "ao estado desen- carnado2 de eu transcendental, ou de Bewustneit Überhaupt" (88, 477-478). Da alma aos estados de consciência ou aos estados men- tais, há somente passagem de uma substânciaa suas manifestações. Mas a realidade permanece a mesma em natureza, uma entidade ima- terial, que não está no espaço, que escapa a todo registro e a toda me- dida, que o psicólogo não pode apreender senão em seu foro interior, graças a uma observação tão original, que parece merecer um nome especial, introspecção. De Malebranche a Wundt a psicologia, que não cessa de se proclamar "ciência experimental"3, certamente deu a essa expressão diversos sentidos aperfeiçoando e complicando seu método, todavia permaneceu uma psicologia essencialmente subjetiva e introspectiva. 1 É a opinião do próprio W. James a propósito de seus próprios Principles que havia redigido como manual da nova Psicologia Científica. Escreve nas suas cartas, no dizer de Boring (24, 497), que seus Principles nada provaram senão "que não há nada semelhante como a ciencia psicológica" e que a psicologia está ainda na “condição pré-científica”. 2 Nesse artigo revolucionário (onde nega a consciência enquanto ser) James afirma: "Eu acredito que uma vez evaporada e reduzida a esse estado de pureza diáfana, a consciência desapareça intei- ramente. Torne-se o nome do não-ser e não tenha direito a um lugar entre os primeiros princípios. Aqueles que persistirem em aferrar-se, farão isso em relação a um simples eco, no abismo que a alma em vias de desaparição deixou para trás, numa atmosfera filosófica" (88, 477; 88 bis, 2). "Há 20 anos que comecei a me perguntar se a consciência era verdadeiramente um ser. Há 7 ou 8 anos que confiei pela primeira vez a meus estudantes minhas dúvidas quanto a sua existência, tentando- lhe dar o equivalente pragmático disso nas realidades da experiência. O momento parece vir para desacredita-la franca e publicamente" (88, 477-478; 88 bis, 3). "Que os outros pensem o que quiser. Quanto a mim, estou absolutamente persuadido: o fluxo do pensamento (que persisti em considerar um fenômeno) não é senão um nome mal escolhido dado ao que se revela na análise como sendo o fluxo de minha respiração . O "Eu Penso" do qual Kant dizia dever poder acompanhar todos os meus objetos não é senão o "Eu Respiro" que os acompanha realmente" (88, 491; 88 bis, 36-37). O behaviorismo não seria mais radical na sua negação da consciência como ser. 3 MALEBRANCHE, Moral, (1 a. parte, Capítulo V, parágrafo 17) 7 No momento em que estoura a revolta behaviorista quem rei- nava na América era a psicologia tradicional. Se ela dividiu-se em duas escolas rivais, estruturalismo e funcionalismo, o conflito não passa de uma divergência de interesse com relação ao mesmo objeto, aceito sem discussão, por ambas as escolas juntamente com o método fundamental que ele implicava. Ambas admitindo o dualismo e defi- nindo a psicologia como a ciência da consciência ou do espírito; con- siderando a introspecção como o método exclusivo pelo qual os fatos são dados e observados. Mas o estruturalismo é a anatomia do espíri- to, enquanto que o funcionalismo é sua fisiologia. O primeiro, ensinado em Cornell por Titchener, "esse inglês que incarnara na América a tradição alemã" (24, 402), mantém a concepção wundtiana que é apresentada, aliás, de uma maneira estrei- ta e sistemática. Interessa-se pela decomposição através da análise dos estados ou processos conscientes em seus elementos (sensação, imagens, feelings, atitudes, etc.) e a isolar por abstração, os diversos atributos ou dimensões desses elementos (qualidade, intensidade, du- ração, etc.). Tal é o único objetivo concedido à psicologia. Para ele, a psicologia só pode ser descritiva, e por descrição entenda-se uma consideração tão precisa e completa dos estados mentais, que uma pessoa, para qual tais estados não seriam familiares, poderia recons- truí-los segundo sua fórmula verbal (191, 165). Entendendo dessa forma, como instrumento de reconstrução, a descrição psicológica é necessariamente analítica e abstrata, e obtida graças a um tipo de in- trospecção que se limita ao dado para inspecioná-lo e decompô-lo (ibid.). O segundo, proposto por Dewey e Angell em Chicago, mas já praticado por James e Ladd, preconizou uma psicologia mais prática, menos afastada da vida. Preocupa-se muito pouco com as estruturas dos estados, dos processos conscientes, com sua natureza ou qualida- de vivida; o que interessa é sua significação, sua importância, sua função4, o papel que desempenha na vida humana, para a adaptação do organismo às condições de seu meio. Substitui a descrição pela explicação, e a introspecção aplicada não é mais simples inspeção de 4 As sensações e as percepções são nomes, diz James (Principles, II p. 1) "para diferentes funções cognitivas, não para diferentes espécies de fatos mentais”. 8 uma estrutura, mas atribuição de uma função5. Entre essas duas esco- las há então diferenças importantes. Uma, a psicologia estrutural, ci- ência abstrata e teórica, toma como modelo a química e localiza-se sobre o plano das ciências da matéria. A outra, a psicologia funcio- nal, ciência concreta e prática, inspira-se na biologia, estudo das inte- rações do organismo e de seu meio, e alinha-se as ciências da vida. Porém, estrutural ou funcional, a psicologia permanece dualista, sub- jetiva e introspectiva. Como tal ocupa uma posição inteiramente ex- cepcional, única e mesmo escandalosa entre as ciências da natureza que lhe são radicalmente opostas, tanto por seu objeto quanto por seu método. Contra essa psicologia pseudo-científica revolta-se o behavio- rismo. Sob a sua forma mais nítida, recusa o dualismo e qualquer atenuação que se lhe faça sofrer; recusa assumir como objeto da psi- cologia essa realidade imaterial que se chama consciência ou espírito; rejeita a introspecção como método fundamental da investigação psi- cológica. Para ser uma ciência verdadeira, uma ciência como as ou- tras, a psicologia deve deliberadamente romper com seu longo passa- do, com as pressuposições religiosas ou metafísicas de seus axiomas fundamentais, deve adotar uma atitude inteiramente nova, adotar um "novo ponto de partida" (211, 3). É difícil ser completamente revolucionário. Ainda que recuse o dualismo, é no quadro dessa doutrina que o behaviorismo põe, ou ex- põe, o problema. Substituir uma psicologia subjetiva por uma psico- logia objetiva, a introspecção pela observação ordinária, alinhar a psicologia as ciências da natureza negando a existência das ciências do espírito, é aceitar, aos menos, como classificação necessária, a ex- pressão verbal, a dicotomia que se condena. Talvez, sob pena de inin- teligibilidade, o behaviorismo não pudesse não abraçar o dualismo, para melhor asfixiá-lo. A evicção da psicologia subjetiva e introspectiva conduz logi- camente ao objetivismo: é preciso substituir a alma ou suas atenua- ções por uma realidade material e a introspecção pela observação or- dinária, tal como as ciências da natureza a praticam. Mas se o beha- 5 É a Kundgabe ou comunicação (statement of meaning), em oposição a Beschreibung ou descrição. Ver adiante nota 13 e p. 38. 9 viorismo fosse apenas um objetivismo, um objetivismo absoluto, não seria uma doutrina original, contentar-se-ía de levar ao extremo uma tendência que a psicologia tradicional traria nela mesma como um micróbio útil. Sem o recurso a métodos objetivos a psicologia tradici- onal poderia triunfar para além de suas próprias limitações, tornando- se um estudo da consciência em geral e atingir estados psicológicos inconscientes? Que o micróbio prolifere ao ponto de invadir toda a economia, é sem dúvida a morte da psicologia subjetiva e introspec- tiva; ao menos esseresultado não seria surpreendente: era previsível. O desenvolvimento cada vez mais importante de métodos objetivos desde a segunda metade do século XIX aguardava por um dia próxi- mo, após a morte da alma, a morte da consciência e do espírito (119, 125-127). Watson, o fundador do behaviorismo, fez mais que dar o tiro de misericórdia na psicologia tradicional, mais que redigir sua certi- dão de óbito e anunciar ao mundo o nascimento, previsto, do objeti- vismo absoluto. Ele concebeu este objetivismo na qualidade de uma ciência do comportamento. O que é esse comportamento que o behaviorismo apresenta como objeto da psicologia científica? Será a intenção principal dessa obra examinar as diferentes concepções que os psicólogos behavioris- tas fizeram do comportamento e retraçar a evolução dessa noção no interior da escola. Todavia, para além das divergências das seitas, há uma definição a qual todo behaviorista aceita: o comportamento é o conjunto de reações adaptativas, objetivamente observáveis, que um organismo, geralmente dotado de um sistema nervoso, executa rea- gindo a estímulos, estes também objetivamente observáveis, proveni- entes do meio no qual vive. Pode-se certamente considerar as reações e os estímulos de diversas maneiras: caracterizá-los de uma maneira abstrata e teórica em sua natureza, em função da química, da física ou da fisiologia; ou ainda, de uma maneira concreta e prática com o senso comum, incorporando-lhe sua significação e seu papel, ou seja, trazer à nova psicologia as preocupações do estruturalista ou aquelas do funcionalista. Entretanto, ser a ciência do par estímulo-resposta é essência de qualquer behaviorismo. 10 O behaviorismo não se limitou então a expulsar a consciência e o espírito do domínio da psicologia científica. Substituiu-os pelo comportamento. Mas se a psicologia deixa de ser um estudo da cons- ciência e do espírito, não resulta daí que deva ser uma ciência do comportamento. Não basta negar que o objeto da psicologia seja uma realidade imaterial, para que se imponha o comportamento como ob- jeto. Consciência e comportamento não são realidades opostas e complementares, não são conceitos antitéticos. O que duplica o espí- rito é o corpo. A crítica da psicologia tradicional conduz sem dúvida ao objetivismo6, mas não a essa espécie de objetivismo que representa o behaviorismo. A afirmação do comportamento sendo independente da negação da consciência, como o behaviorismo passou de uma a outra? Há aí um problema, uma questão ao mesmo tempo de fato e de direito. Nós veremos (p. 51??? e seguintes) que historicamente o be- haviorismo nasceu da extensão à psicologia humana de certo proce- dimento objetivo que se mostrou seguro e fecundo em psicologia animal. Watson poderia justificar essa extensão, pragmaticamente pe- los resultados incontestavelmente científicos que essa extensão deu a psicologia humana. Mas, precipitadamente, ele esqueceu o experi- mentador que era para tornar-se epistemólogo e buscar no behavio- rismo fundamentos lógicos (p. 60??? e seguintes). A necessidade de defender sua posição contra as objeções e os sarcasmos da psicologia reinante obrigou-o a combater seus adversários sobre o terreno da dialética e acreditou poder fundar solidamente o behaviorismo sobre uma crítica da psicologia introspectiva. Que uma tal empresa seja destinada ao fracasso, que não possa efetuar-se sem paralogismo, eis o que resulta do texto, onde Watson, após haver mostrado que a consciência ou o espírito, tais como a definem a psicologia introspec- tiva, são objetos cientificamente inobserváveis, conclui: "Por que não fazer disso que nós podemos observar o domínio real da psicologia? Agora o que é que podemos observar? O comportamento, o que o or- ganismo faz ou diz." (219, 6). Está claro que nós podemos observar muito mais coisas que o comportamento. Podemos observar, inicial- mente, o organismo, sua forma e seus caracteres exteriores, suas es- 6 A confusão entre o behaviorismo e o objetivismo psicológico é por vezes feita pelos próprios beha- vioristas. Ver Watson, 219, 5 e o título do manual behaviorista de Dashiell (44). 11 truturas internas, seus órgãos e sua função. Podemos em seguida, ob- servar os antecedentes do estímulo e os conseqüentes das reações, mas também, os antecedentes dos antecedentes e os conseqüentes dos conseqüentes, numa progressão e regressão sem fim. Em outros ter- mos, o que podemos observar cientificamente é, no limite, tudo que as ciências da natureza estudam, astronomia, física, química, biolo- gia, que o materialismo denomina mundo material, o mundo dos cor- pos vivos e dos corpos brutos, com suas inumeráveis interações. Sem dúvida, admitiu-se de bom grado que a psicologia é uma ciência do homem, e que se não considera o espírito, considera necessariamente o corpo. Mas a ciência do corpo não se confunde com a ciência do comportamento. Então, onde estará a originalidade do behaviorismo? E como Watson (211, 40, 41) e quase todos os behavioristas puderam afirmar que se pode estudar o comportamento sem saber uma palavra sequer da anatomia e da fisiologia? A ciência do comportamento é mais e menos que a ciência do corpo; não se preocupa com o que se passa entre a estimulação e a resposta, mas estudando a estimulação e a resposta, ultrapassa o organismo7 para considerar o meio físico e social no qual ele vive. Para passar logicamente da crítica da psicologia subjetiva à noção do comportamento, o behaviorista deve apelar a convicções implícitas que especificam seu objetivismo, e que são, portanto, pos- tulados sobre os quais repousa. Perguntemos então quais são estes postulados. 1. - A evicção da consciência ou do espírito fora do domínio de uma psicologia científica deve-se a muitos motivos. a) O estudo dos processos conscientes é difícil; requer o em- prego de um procedimento de observação especial, pouco familiar apesar das aparências, a introspecção, mesmo que não seja mais hoje o que era para os Escoceses, uma espécie de torção do espírito sobre si, graças ao qual tornar-se-ia seu próprio objeto, requer, entretanto, um longo treinamento no laboratório de psicologia. Ao contrário, os antecedentes, os concomitantes e os conseqüentes corporais dos pro- cessos conscientes ou mentais são em princípio mais facilmente aces- 7 Ela é como o indica Dashiell (44, v) um objetivismo extra-orgânico em oposição a fisiologia que é um objetivismo intra-orgânico. 12 síveis e só precisam como procedimento de constatação e investiga- ção a observação ordinária8. b) O objeto da introspecção é limitado a consciência do psicó- logo. Para estudar a consciência e o espírito de outros organismos, o psicólogo deve usar um procedimento pouco válido do ponto de vista científico: projetar seus próprios estados de alma nesses outros orga- nismos, seja pela graça de uma intuição simpática (empathy), seja em virtude de um raciocínio por analogia. Chega-se, assim, ao antropo- morfismo e ao egomorfismo em psicologia. Por outro lado, todas as ciências da natureza debruçam-se sobre fenômenos materiais e em- pregam a extrospecção. Se a psicologia quer ser uma ciência como as outras e, como as outras, ignorar o antropomorfismo e o egomorfis- mo, deve desinteressar-se do aspecto subjetivo dos fenômenos psico- lógicos para limitar-se ao estudo de sua contrapartida corporal, única registrável, única mensurável, única suscetível de provocar asserções concordantes das partes de diferentes observadores. c) O que nós chamamos a consciência, o espírito, não são se- res.São abstrações realizadas, "entidades" como a força, a velocida- de, o rendimento. O homem não é duplo. É apenas um organismo, te- atro de fenômenos exclusivamente materiais, dos quais alguns possu- em o atributo da "mentalidade". A mentalidade é apenas o caráter geral de certas funções exercidas pelo organismo. Esses três motivos de evicção da consciência ou do espírito fundam em psicologia um objetivismo limitado ou absoluto. Os dois primeiros implicam evidentemente a crença no dualismo, seja ontoló- gico, seja epistemológico, mas também o paralelismo psico- fisiológico, pois não se pode dispensar o estudo da série psíquica, menos acessível e cientificamente não determinável, a não ser se cor- responder termo a termo a série física. A terceira resposta repousa so- bre a afirmação explícita de um monismo material. Suponhamos esse objetivismo especificado no behaviorismo. A crítica da psicologia subjetiva e introspeccionista conduz a duas espécies de behaviorismo. Um behaviorismo metodológico (objeti- 8 Segundo McDougall (319, 270) o behaviorismo teria recrutado para o seu fronte todos os psicólo- gos que tem uma aversão natural pelos problemas difíceis e uma preferência por soluções curtas, simples e imaginárias. 13 vismo limitado) que não recusa a existência de fenômenos psíquicos, mas desinteressa-se por esses fenômenos por razões de comodidade ou razões científicas. Eis aí, nós o veremos (pg. 37), uma atitude que é anterior ao behaviorismo e é a atitude inicial do behaviorismo. Me- yer, Watson e Weiss em seus primeiros escritos admitem o dualismo, provavelmente sob sua forma ontológica, paralelista e epifenomenis- ta. Mais, recentemente, Tolman reduz o seu dualismo à dicotomia ex- periência imediata-ciência (ver p. 70, 78, 219, 459). Mas, em Watson e sobretudo em Weiss, logo o behaviorismo torna-se ontológico (objetivismo absoluto). Não é mais por razões de metodologia científica que se recusa a consciência e o espírito, mas porque se crê na existência de uma única espécie de realidade, a rea- lidade material. Na medida em que o behaviorismo constitue uma nova doutrina, é inseparável da afirmação de um monismo materialis- ta9. 2. - Não é certamente essa adesão ao materialismo, velha con- cepção, que faz a originalidade do behaviorismo. Outros investigado- res, anteriormente, reduziram a psicologia ao estudo do que a psico- logia tradicional considera como os antecedentes, os concomitantes, os conseqüentes corporais dos fenômenos psicológicos. A originali- dade do behaviorismo está em operar uma discriminação entre esses fenomenos corporais: negligenciar uns para insistir em outros. a) Minimiza a importância do que o dualismo chama os con- comitantes dos fatos psíquicos, ou seja, os fenômenos nervosos. A psicologia tradicional relaciona muito estreitamente os fenômenos psicológicos aos processos nervosos, particularmente processos cen- trais. Estes seriam os correlatos corporais das percepções, imagens, idéias, pensamentos, sentimentos, volições, intenções, ora suscitados por influxos aferentes (percepções), ora prolongados por influxos efe- rentes (intenções, volições), ora espontâneos e puramente corticais (imagens, pensamentos). Enfim, a sede, o órgão do espírito, seria a cortex cerebral. O behaviorismo, assim como a fisiologia, não consi- dera o cérebro como um alambique onde os processo nervosos sofre- riam uma misteriosa elaboração que os tornariam aptos a transformar 9 Para dizer a verdade esse monismo não é materialista senão no sentido em que as ciências são materialistas. 14 os correlatos corporais em estados psíquicos. Se, por espírito, sim- plesmente, entende-se a característica das atividades dos organismos superiores, o espírito, para o behaviorismo, não reside menos na cor- tex que no sistema nervoso enquanto tal. O sistema nervoso não é se- não uma rede de conexões, mais ou menos integradas, que relaciona a periferia sensorial com a periferia motora do organismo. b) O que a psicologia tradicional nomeia de antecedentes e de conseqüentes dos fatos psíquicos o behaviorismo enfatiza. Para ele os fenômenos corporais importantes são as ações que sofre o organismo e as ações que executa, ou seja, as modificações que se produzem em sua periferia sensorial e na em periferia motora. O behaviorismo re- nuncia aos centros em proveito da periferia. É a tarefa da fisiologia estudar os processos que se intercalam entre as duas ações periféricas. Entre a ciência do comportamento e a fisiologia não há mais diferen- ça de objeto, mas, unicamente, uma divergência de interesse. A pri- meira preocupa-se, sobretudo, com os fenômenos periféricos e não considera os processo intercalares, a segunda concentra sua atenção sobre esses processos intercalares reduzindo ao mínimo a considera- ção dos fenômenos periféricos. Se, por espírito ou mente, entende-se somente uma característica da atividade humana, a sede, o órgão do espírito, não está no sistema nervoso, ainda que haja condições ner- vosas do mental, está antes na periferia do organismo. c) As ações sofridas pelo organismo, primeiro termo da série orgânica, são o último termo de uma primeira série física; as ações que executa, último termo da série orgânica, são o primeiro termo da segunda série física. Entre as duas séries físicas e a série orgânica in- terposta há continuidade. Mas da mesma forma que o behaviorismo só considera os dois elos extremos da cadeia orgânica, da mesma forma considera o termo final e o termo inicial da primeira e da se- gunda série física. Não busca ad infinitum os antecedentes das ações sofridas, nem os conseqüentes das ações executadas. Distinguindo-se da fisiologia, não se confunde tampouco com a físico-química. d) O behaviorismo não se limita a recortar assim a continuida- de físico- orgânica, a dar preeminência as ações que sofre o organis- mo e as que executa. Liga as duas espécies de ação. Seu fim é prever a ação executada, segundo o conhecimento da ação sofrida e predizer 15 a ação sofrida segundo o conhecimento da ação executada. A ciência do comportamento, estudo original que não se confunde nem com a fisiologia nem com a físico-química, é uma ciência prática, que bus- ca prever. e) Mas por comportamento o behaviorismo não entende so- mente a ligação de duas modificações afetando uma, a periferia sen- sorial, e outra, a periferia motora do organismo. O primeiro é conce- bida como um estímulo, como uma incitação a agir, proveniente do meio externo ou interno, o segundo como uma reação, uma resposta, executada sem dúvida em conseqüência da ação sofrida, mas cuja função é neutralizar a primeira modificação, seja por uma modifica- ção dirigida ao objeto que a suscitou, seja por uma modificação do próprio organismo. É o que significa dizer que as ações executadas por um organismo tem um caráter adaptativo. A noção de comportamento sendo assim precisada, busquemos as convicções que implicam o recorte da continuidade físico-orgânica (a, b, c), a colocação em relação das ações sofridas e das ações execu- tadas (d) e a concepção desse par como a ligação de um estímulo e de uma resposta adaptativa (e). Como toda ciência, o behaviorismo postula o determinismo. A crença no determinismo, combinada com o monismo materialista, funda um determinismo materialista que evidentemente exclui qual- quer causalidade psíquica. Então, estamos em presença de uma ca- deia de eventos físico-orgânicos em que cada qual é o efeito do que precede e a causa do que se segue. De um ponto de vista teórico todos os elos da cadeia tem a mesmaimportância. Nenhuma seleção pode ser operada pois cada anel depende, direta ou indiretamente, de todos que o precedem, e liga-se, direta ou indiretamente, a todos que o se- guem. Mas se se adota um ponto de vista prático, o conhecimento de todos os elos da cadeia não é mais necessário. É justamente porque o behaviorismo se afirma como ciência prática que tem o direito, para solucionar seus próprios problemas, ignorar os processos fisiológicos que se intercalam entre os estímulos e as respostas e desinteressar-se dos antecedentes dos estímulos e dos conseqüentes das respostas. Su- ponhamos que o objetivo da psicologia seja a previsão das ações humanas. É inútil estudar os conseqüentes físicos dessas ações, a 16 menos que constituam estímulo para o organismo considerado ou pa- ra outros organismos, e basta vincular a ação dada aos seus antece- dentes, que é o mais facilmente acessível e cujo conhecimento funda a previsão mais precoce, ao mesmo tempo, mais segura. O conhecimento dos processos nervosos, sobretudo dos pro- cessos eferentes que determinam imediatamente a resposta, fundaria uma previsão segura. Mas esses processos não são diretamente obser- váveis. Só seriam acessíveis através de instrumentos, e a previsão que eles permitiriam, arriscar-se-ia de intervir após a execução do ato. O conhecimento dos antecedentes dos estímulos autorizaria uma previ- são muito precoce, mas pouco segura. Só o conhecimento dos estímu- los, isto é, do agente físico ou químico que entra em contato com o organismo e que provoca os processos nervosos, considerado no mo- mento em que o contato se efetua, permite uma previsão que satisfa- ria as condições de acesso, de precocidade e de certeza. Para prever a resposta em função do estímulo e predizer o es- tímulo em função da resposta, não é preciso apenas que entre esses dois acontecimentos haja uma relação de causalidade (trata-se cer- tamente de uma causalidade mediada, mas o princípio do determi- nismo materialista exclui a intervenção de fatores psíquicos que, compondo-se com os estímulos, decidiriam a resposta). É preciso ainda que qualquer estímulo provoque uma resposta e que qualquer resposta provenha de um estímulo. O behaviorismo não admite que um influxo nervoso aferente possa dissipar-se na cortex, que um in- fluxo eferente possa aí nascer. Toda ação recebida pela periferia sen- sorial tem imediatamente uma saída pela periferia motora e, recipro- camente, qualquer ação executada na periferia motora provém de uma ação recebida na periferia sensorial. Em outros termos, a ativi- dade reflexa é a atividade tipo e o sistema nervoso funciona por ar- cos inteiros. A ação executada pela periferia motora é então um efeito ne- cessário, fatal, da ação recebida pela periferia sensorial. Mas não é senão um efeito. Ou antes, esse efeito tem uma função de adaptar o organismo às modificações do meio que o estimula. A ação executa- da é uma ação adaptativa, uma reação, uma resposta. O par estímulo- resposta implica então uma dicotomia que se substitui ao dualismo 17 ontológico (espírito-corpo) e ao dualismo epistemológico (experiên- cia imediata-ciência ou experiência dependente-experiência indepen- dente) e que se pode chamar dualismo biológico (organismo-meio). E o behaviorismo concebe as relações entre esses dois termos, como a biologia darwiniana, sob as espécies de uma adaptação do organismo ao seu meio. A concepção fundamental do behaviorismo é então a seguinte: o homem não é senão um organismo (monismo materialista) que para viver deve ajustar-se a seu meio (dualismo biológico). As adaptações efetuam-se por respostas executadas reagindo as mudanças do meio (princípio de adaptação). Todo estímulo provoca uma resposta, toda resposta procede de um estímulo (princípio do funcionamento do sis- tema nervoso por arcos inteiros). O objetivo da psicologia é prever a resposta, conhecendo o estímulo, ou predizer o estímulo, conhecendo a resposta (concepção da psicologia como ciência prática formulando leis de conjunção). Sem dúvida, o organismo é solidário de seu meio, a ponto que os eventos formam uma série físico-orgânica contínua. Mas a previsão não exige um conhecimento de todos os eventos da série. Suas condições são tais (princípio de acessibilidade e da preco- cidade do sinal e da certeza máxima da inferência) que obrigam a re- ter apenas as ações sofridas pela periferia sensorial e as ações execu- tadas pela periferia motora do organismo. A omissão dos processos nervosos intercalares é aliás sem conseqüências (princípio da função da condução simples do sistema nervoso). 3. - Se a psicologia é uma ciência do comportamento e se o comportamento é o que nós acabamos de dizer, a psicologia concerne qualquer organismo, quer seja humano ou animal. Enquanto que a psicologia é definida como o estudo da alma, da consciência ou do espírito, em função do dualismo, pode-se perguntar se os animais per- tencem ao seu domínio: terão eles uma alma, uma consciência, um espírito? O psicólogo subjetivista, que não duvida de sua própria rea- lidade espiritual (ele tem a pretensão de atingí-la diretamente), que consente, de bom grado, em conceder aos outros homens sua dupla natureza, torna-se muito embaraçado quando é dos animais que se trata. Mas, incontestavelmente, todo o organismo, mesmo o mais in- ferior, comporta-se, ou seja, responde por reações adaptativas às 18 ações que seu meio exerce sobre ele. A psicologia, ciência do com- portamento, não faz nenhuma discriminação entre o animal e o ho- mem, pois o comportamento, quer seja animal ou humano é observá- vel diretamente e da mesma maneira. O único problema que se pode colocar é saber se, na série animal, da ameba ao homem, não se mani- festam comportamentos de caráter diferentes. É uma questão de fato. Para decidí-la, só a observação e a comparação são qualificadas. A observação comparada pode chegar a assimilar completamente o ho- mem e o animal, ou estabelecer para a série dos animais inteira tipos ou diferentes níveis de comportamento. Em todo caso, é a constatação dos caracteres intrínsecos dos comportamentos, e não a interpretação desses comportamentos como significando ou não uma realidade mental subjacente, que permite a assimilação ou a discriminação. En- tre a psicologia humana e a psicologia animal não há nenhuma dife- rença, nem de objeto, nem de método, ou antes, a ciência do compor- tamento concerne indiferentemente o homem e o animal10. Da definição de psicologia como ciência do comportamento, resulta, sem assunção suplementar, que não há razão para opor uma psicologia humana a psicologia animal. Mas, historicamente, o beha- viorismo passou do estudo do comportamento animal para o estudo do comportamento humano. É a propósito do animal que concebeu a psicologia como ciência exclusiva do comportamento. Depois aplicou ao homem essa definição. Esta extensão implicaria evidentemente que entre o homem e o animal não se supõe nenhuma diferença de natureza, que há continuidade entre o homem e a animal (203, 320- 321). Em suma a especificação no behaviorismo do objetivismo imposto pela crítica da psicologia subjetivista parece-nos repousar sobre as seguintes convicções implícitas ou explícitas: 1. adoção de um monismo materialista e consequentemente de um determinismo puramente materialista; 2. fatos fundamentais do dualismo biológico e da adaptação; 3. princípio de funcionamento do sistema nervoso 10 Perguntou-se se a afirmação do princípio de continuidade pelos behavioristas concorda com sua severa condenação do antropomorfismo (350). Admitiruma continuidade entre o animal e o homem não é justificar a explicação do inferior (animal) pelo superior (homem)? Esse argumento parece es- pecioso, se o único objeto observável, no homem como no animal, é comportamento. 19 por arcos inteiros e da função, exclusivamente de condução, desse sistema; 4. concepção da psicologia como uma ciência prática, for- mulando leis de conjunção, e leis das condições da previsão (acessi- bilidade e precocidade do sinal, certeza máxima da inferência); 5. princípio da continuidade entre o animal e o homem. 20 II AS FONTES DO BEHAVIORISMO Se o behaviorismo implica as cinco convicções que formula- mos, suas origens são diversas, e, acentuando-se uma dessas convic- ções, caracterizar-se-á sua fonte principal. 1o - Monismo materialista (1. Postulado). O monismo mate- rialista não foi desde o início professado pelo behaviorismo, e a eli- minação da consciência teve inicialmente meras razões metodológi- cas. Não se recusa a existência da consciência ou do espírito. Afirma- se apenas que uma psicologia científica deve desinteressar-se dessa questão. A psicologia subjetiva estuda o espírito como sujeito11, o behaviorismo propõe estudá-lo como objeto (pois toda ciência tema- tiza um objeto), sob as espécies de comportamento12. O behaviorismo apresenta-se então como um protesto, menos contra o dualismo clás- sico, que contra o uso que se fez dele. Cortou-se a maior parte do as- pecto subjetivo dos fenômenos psicológicos. Por conseguinte, o be- haviorismo decide considerar exclusivamente o aspecto objetivo, úni- co determinável cientificamente, sem nenhuma referência a consciên- cia ou ao espírito (248, 259-260). Opõe-se menos a psicologia tradi- cional em geral, que sempre considera os antecedentes, concomitan- tes, conseqüentes objetivos dos fenômenos psicológicos, que a con- cepção estrita apresentada por Titchener. Para Titchener a psicologia 11 Essa asserção é mais verdadeira sobre a psicologia reflexiva escocesa e francesa que sobre a psicologia experimental que adota o ponto de vista científico e já trata o espírito como objeto (1, 119; 11, 181). 12 Robinson (171, 83) exprime muito bem o ponto de vista do behaviorismo metodológico nas se- guintes linhas referidas primeiramente ao watsonismo: “o projeto está agora em linhas gerais comple- to. A consciência não toma parte dele tanto quanto não contribui para a ciência em geral: ela é ex- terna e absolutamente não-constitutiva de seus objetos, ou em outras palavras, significa a consciên- cia do investigador". Ver acima a mesma opinião de Thompson (p. 32) e uma declaração muito clara do próprio Watson (p. 78-79). Watson, o segundo Watson, protestou contra a interpretação de Tho- mpson (acima p. 32), ou seja, contra sua própria declaração. Fê Highlight Fê Highlight Fê Highlight 21 só pode ser subjetiva e introspectiva. Fora da introspecção não há salvação. E ainda, trata-se de uma certa introspecção, que se protege do erro do estímulo13 como quem se protege da peste, sendo pura descrição analítica e abstrata dos conteúdos da consciência14. O mé- todo objetivo, preconizado pelo behaviorismo, é para Titchener um "mau" método, já condenado por Wundt15, empregado pela psicofísi- ca e pela psicologia experimental em seus primórdios, e que devido aos esforços de Titchener e aqueles de Müller e Külpe, foi substituído por volta de 1900 pelo "bom" método. Contra o exclusivismo de Tit- chener, o behaviorismo erige seu próprio exclusivismo, e, sob essa primeira forma, é antes de tudo, como o indica Weiss, uma reação contra the typical introspectionist experiment [o típico experimento introspeccionista] (286, 329). É possível que em outros aspectos o behaviorismo prolongue o titchenerismo, retenha, por exemplo, do estruturalismo a atitude ana- lítica16. Watson, com efeito, preocupa-se em decompor os compor- tamentos concretos em seus reflexos constituintes, dando nascimento a esse tipo de behaviorismo que se chamou behaviorismo molecular ou atomista. À análise qualitativa da consciência ele substitui a análi- se quantitativa do comportamento. Mas a atitude do estruturalismo e do behaviorismo watsoniano é igualmente analítica, e a psicologia igualmente concebida como uma "morfologia" (26). Talvez fosse uma necessidade proceder por análise, para qualquer pesquisa um pouco 13 O erro de estímulo consiste em confundir o estado de consciência com sua causa: em lugar de descrever o estado ou processo consciente que se inspeciona e compará-lo com outro estado, expri- me-se (Kundgeben, Ausdrücken) o que se sabe de sua causa, de seu papel, de sua significação, in- terpreta-se em lugar de observar. "O erro de estímulo é o aspecto material daquilo que de uma ma- neira mais formal, surge como erro de reflexão lógica ou erro de Kundgabe" (Titchener, 193, 188). A essa noção de erro de estímulo vincula-se então a distinção de dois tipos de introspecção: a Bes- chreibung (descrição) e a Kundgabe (comunicação) (Von Aster: Die psychologische Beobachtung und experimentelle Untersu Chung von Denkvorgängen. Z. Für PS. 49 bd 1908, 56-107), oposição que corresponde a oposição da psychologische Berschreibung [descrição psicológica] e a Sprachliche Ausdruck [expressão linguística] (Dürr ibid. 313-340) ou em inglês Desciption [descrição] e Statement of meaning [significação] (Titchener, 191). 14 Titchener, 193, 488,489 15 "Eine derartige Methode [die blösz objektiv, d.h. die selbstbeobachtung ausschlösse] für die psychlogie veriangen hiesse meines erachtens eine sinnlosigkeit verlagen" (Wund, Philos. Stud, iv 1888, 304; citado por Titchener 192, 433, nota 28). A expressão "mau método" é empregado por Tit- chener (experiment. Ps, quanti, instrc. Manual, 1905, p. 367) em relação a um método objetivo pré- behaviorista preconizado por Woodworth em 1889 no Accuracy of Voluntay Movement. (ver 248, 257-258). 16 Mcdougall, 134, 329, nota 44 e Bretscher, 26, Ver também Washburn, 200. 22 avançada, em particular para os investigadores de laboratório. Em to- do caso as preocupações genéticas de um Watson são estranhas a um Titchener, e nada prova que, opondo-se ao estruturalismo, o behavio- rismo o prolongue. A evicção metodológica da consciência pelo behaviorismo, a primeira vista, é antes a realização do progressivo deslocamento de interesse que, desde Wundt, passou dos fenômenos subjetivos aos fe- nômenos objetivos que os precedem, ou os acompanham ou os se- guem. Watson apenas tira uma conclusão dessa desconfiança cres- cente a respeito dos fatos da consciência e da introspecção. Talvez hesitasse em dar o último passo, se a psicologia animal em seu domí- nio, não tivesse dado o penúltimo. Ele próprio reconhece (211, viii) o impulso que recebeu de Lloyd Morgan, e sobretudo de Thorndike, que desde 1898, rompendo com o método anedótico, substituíra a ob- servação dos animais pela experimentação com a invenção de "cai- xas-problemas", e, sem renunciar inteiramente a construir pelo méto- do projetivo o conteúdo mental dos animais em experiência, dava ao menos a dessa construção um lugar reduzido, e colocava em primeiro plano o estudo do comportamento. Além da psicologia animal ameri- cana o behaviorismo vincula-se sem dúvida aos "objetivistas" ale- mães Beer, Bethe e Uexküll, que mais nitidamente que Thorndike, proscreveram qualquer referência aos estados mentais no estudo dos animais, pelo menos dos animais inferiores, assim como a escola rus- sa de Pavlov e de Bechterev que propõe um método puramente obje- tivo, substituindo a introspecção, para estudar os fenômenos psicoló- gicos17. Se começou por ignorar a consciência ou o espíritocomo obje- to disponível para a investigação científica, admitindo-a como ins- trumento de conhecimento, o behaviorismo não tardou em recusar a existência da consciência como realidade sui generis. Era abandonar o plano da pesquisa científica e das suas condições, por aquele da metafísica, e Watson não se engajou sobre esse terreno senão com uma certa dose de repugnância. Nas ciências da natureza, em que há também um observador e um objeto observado, toma-se partido pró 17 A ação da psicologia animal sobre o behaviorismo é reconhecido por Arnold, Boring, Murphy, Pillsbury, Roback, Russel, Woodworth, etc. 23 ou contra o dualismo? (203,9) Tudo o que o behaviorismo pode afir- mar, é que no curso do seu trabalho, jamais encontrou-se face a face com existências mentais (211, 2). Mas interpretações inexatas de sua atitude (Thomson, 214, 94) levaram Watson a uma maior clareza. "É uma grave incompreensão, escreve, da posição behaviorista dizer ...: evidentemente um behaviorista não nega a existência de estados mentais. Ele prefere ignorá-los. Ele os 'ignora' como a química igno- ra a alquimia, a astronomia a astrologia e a psicologia a telepatia ... O behaviorismo não tem relação com eles porque a medida que o cur- so de sua ciência alarga-se e se aprofunda, esses velhos conceitos de- saparecerão para sempre" (214, 94). A consciência e o espírito são conceitos caducos, forjados e utilizados pelo animismo para descre- ver atividades psicológicas, suposições que uma psicologia científica deve descartar definitivamente em proveito de noções de estímulo e de resposta que, elas correspondem a realidades observáveis. Segundo a fórmula de Lashley: Mind is behavior and nothing else [A mente é comportamento e mais nada] (120, 240). Esta negação da consciência e do espírito como realidade não-físicas torna-se um axioma para o behaviorista e nós a encontramos em Weiss, Hunter, Dashiell, Kantor, Tolman e outros behavioristas de menor importância. Primeiramente, o artifício metodológico implicando o dualis- mo, a eliminação da consciência torna-se uma tese ontológica, ex- pressão de um monismo materialista. Considerado dessa forma o be- haviorismo vincula-se a tradição mecanicista18. Pode-se remontar até Aristóteles19 para quem a alma era apenas o conjunto de funções do corpo, ou limitar-se a relacioná-la a concepção cartesiana20 do auto- matismo animal que o behaviorismo aplica ao homem como já o ha- viam feito os Enciclopedistas Diderot, d'Holbach e sobretudo La Met- trie. Concebendo toda atividade psicológica em função da noção car- tesiana de reflexo, e extendendo os mecanismos dos fenômenos fisio- lógicos aos fenômenos psicológicos, o behaviorismo pode ser consi- derado como a realização da revolução cartesiana. Sem dúvida, não é direta sua filiação com o Cartesianismo. Os ideólogos franceses, o 18 É a opinião de Dieserens, McDougall, Pillsbury, Roback, Holt. 19 Com Dieserens, Dunlap (53, 321), Perry (151,85) 20 Ver Dieserens (48, 135) e Mcdougall (Purposive or Mechantcal Ps? Ps. Rev. 1923, p. 275.) 24 positivismo de Comte, o epifenomenismo de Maudsley serviram de intermediários (88, 176 e seguintes). Certamente todos esses autores não negam categoricamente a existência de uma realidade espiritual; mas a tornam um fenômeno tão acessório e impotente que essa teoria da "esterilidade da consciência" leva diretamente a sua negação. Uma fonte mais imediata do behaviorismo watsoniano é certamente o me- canicismo biológico de Loeb, sua concepção dos tropismos e a apli- cação que faz dessa concepção à conduta humana. Se em Watson a negação da consciência procede antes do mecanicismo biológico que do mecanicismo filosófico, é ao mecanicismo físico que é preciso re- lacioná-la em Weiss. 2. - Dualismo biológico, adaptação, continuidade entre o animal e o homem (2. e 5. postulados). É verossímel que a negação da consciência pelo behaviorismo proceda da tradição mecanicista e tivesse por ponto de partida o dualismo psico-físico. Entretanto nessa concepção o espírito é oposto ao corpo, à res extensa, à matéria tal e qual a define o físico. A psicologia, ciência do espírito, é colocada no mesmo plano que a física, ciência da matéria. Psicologia e física tra- tam de dois aspectos opostos mas complementares do universo. Ora, a biologia darwiniana veio transtornar essas relações. Ela faz aparecer a psicologia como uma ciência biológica, como uma ciência que se alinha às ciências da vida, e não mais às ciências da matéria. Sem su- primir a dualidade espírito-corpo ela a minimiza, recusa-lhe qualquer importância diante da realidade do organismo considerado em sua to- talidade. Antes que a tradição materialista, é então, pelo menos em Watson, pela influência da biologia darwiniana que o behaviorismo deve ter considerado como uma questão secundária e puramente me- tafísica, o problema da dualidade do homem. É um problema que não se coloca para a biologia. O biólogo jamais se encontra diante de uma entidade psico-física, mas sempre diante de um ser concreto, vivo, diante de um organismo unitário. É ainda a biologia darwiniana que ensinou ao behaviorismo a substituir o dualismo "vertical" espírito-corpo pelo dualismo "hori- zontal" organismo-meio, ou em linguagem behaviorista, pela dicoto- mia estímulo-resposta. Certamente partindo do monismo materialista (continuidade de eventos físico-orgânicos), o behaviorismo podia, 25 nós o mostramos, com a condição de definir a psicologia como uma ciência que busca prever as ações humanas, e com a condição de sa- tisfazer as próprias condições de previsão, chegar, por ele mesmo, a noção de comportamento. De fato, teve apenas que recebê-la da bio- logia. É também a biologia que centrou sua atenção sobre o fato da adaptação. O organismo é solidário de seu meio e para sobreviver de- ve se ajustar a ele. É ela enfim que induziu a não colocar entre o ho- mem e o animal nenhuma descontinuidade21. Não quer dizer que a ação da biologia sobre o behaviorismo tenha sido direta. Chegou a Watson por duas vias: a psicologia funci- onal e o pragmatismo por um lado, a psicologia animal americana por outro. Com efeito, é em Chicago, berço do funcionalismo e do ins- trumentismo que Watson terminou seus estudos (1900-1903) fazendo seu doutorado sob a direção de Angell e começou sua carreira univer- sitária instalando um laboratório de psicologia animal (1903-1908). Seria também em Chicago, e desde 1903 como se acredita (211, viii) que ele teria pela primeira vez, em conversação, formulado o behavi- orismo. Em 1896 saíra com 2 meses de intervalo um artigo de Angell e Moore e um artigo de Dewey, todos três professores na Universidade de Chicago. O primeiro artigo sobre o tempo de reação, o segundo, sobre o conceito de arco reflexo22 em psicologia, esboçava uma nova concepção de objeto da psicologia que tomava consciência de si pró- pria em 1898 graças as críticas de Titchener23, e se formulou mais claramente em 1903 num artigo de Angell sobre "as relações da psi- cologia estrutural e da psicologia funcional com a filosofia" (5). O novo ponto de vista opõe-se as visões wundtianas de Titchener e in- troduz em psicologia as preocupações e o espírito da biologia. A tarefa da psicologia não é mais a análise dos estados men- tais, mas o estudo da maneira pela qual o espírito funciona para ajus- 21 Boring insistiu com razão sobre a influência que a biologia evolucionista exerceu sobre o pensa- mento americano. 22 De Laguna vincula o behaviorismo à concepção de Dewey sobreo arco reflexo e para além dessa concepção à Avenarius, para quem o cérebro é um órgão de integração nervosa e não de consciên- cia. 23 Titchener, 133, adota de James o termo estrutural: donde o conceito antitético de funcional (183) 26 tar o organismo psico-físico às modificações de seu meio. O espírito não é no homem uma realidade ou um atributo de luxo, cujo destino seria oferecer-se à análise meticulosa e desinteressada do estruturalis- ta. Ele tem um papel, uma função na vida do indivíduo, e é preciso estudá-lo em ação. Essa concepção aceita sem dúvida a herança filo- sófica de um universo composto de espírito e matéria, e, nas adapta- ções do indivíduo, considera o espírito como o único fator atuante (81, 31); mas, já nas suas primeiras formulações, a entidade funcional não é considerada como de ordem exclusivamente mental, é o orga- nismo inteiro que é tomado como unidade atuante24. Com o advento do behaviorismo, apresentado por Watson co- mo o único funcionalismo coerente (203, 9), a escola funcionalista desaparece, o que justifica numa certa medida a asserção watsonia- na25, mas é para reaparecer sobre o plano filosófico sob o nome de instrumentalismo. O espírito, os pensamentos, as idéias, são instru- mentos, utensílios, graças aos quais o indivíduo, para satisfação de suas necessidades e de seus interesses, ajuste-se às modificações de seu meio, resolva os problemas que o meio lhe impõe. Em Chicago, Watson respirava o ar, onde a brisa da biologia evolucionista demoliu a tradição alemã. Não é, desde então, espanto- so que se tenha dedicado a psicologia animal, tão próxima da biolo- gia, e graças a Lloyd Morgan, Thorndike e Jenning tenha se favoreci- do pelos bons ventos darwinianos. A psicologia de seus pequisadores abordava essencialmente o comportamento dos animais, as reações adaptativas que eles executam em reação as estimulações do meio, sobre as pré-adaptações que a espécie manifesta sobre as pós- adaptações que formam o indivíduo. Os zoopsicológos da escola americana são antes de tudo "behaviormen"26. Sem dúvida, para eles, como para o funcionalista, o organismo ainda é uma realidade psico- física. Mas o estudo do comportamento é colocado em primeiro plano 24 Weiss (231, 354) considera que nascimento da psicologia do comportamento foi em grande parte devida ao fato que a psicologia funcional fracassou em indicar a maneira cujo processo consciente pode controlar o comportamento, produzi-lo, transformar-se em ação. 25 Davies (259, 2) se opõe a asserção de Watson pela razão que o funcionalismo jamais ultrapassou o dualismo espírito-matéria. 26 Expressão de Watson (203, 4). 27 nas pesquisas, e a questão da consciência, dos estados mentais, só se coloca quando se trata de interpretar os resultados. 3. - Funcionamento do sistema nervoso por arcos inteiros e função puramente coordenadora desse sistema (3. postulado). É ainda à biologia darwiniana, e através do funcionalismo, que é preci- so relacionar a concepção behaviorista do funcionamento desse sis- tema por arcos inteiros. A adaptação do organismo a seu meio faz-se por intermédio das reações pelas quais ele responde ao meio. O par estímulo-resposta é a expressão dessa interação entre o organismo e o meio. O reflexo, coordenação entre um estímulo e uma resposta, é o tipo mais simples de interação, e é preciso conceber todo comporta- mento, por complicado que seja, como o desenvolvimento dessa co- ordenação elementar. Tal é o credo behaviorista27 e tal é a essência do artigo de Dewey sobre o papel do conceito de reflexo em psicologia. Após James e muitos outros, Dewey protesta contra o atomis- mo da psicologia experimental, mais especialmente contra o atomis- mo do estruturalismo. O espírito não é um pacote de sensações, um feixe de imagens. Os "elementos" analíticos de Titchener não são elementos genéticos da vida mental. Tudo o que não é "conteúdo da consciência", tudo o que é incapaz de apreender a Beschreibung, Tit- chener o exclui da psicologia como pertencendo seja a lógica (pen- samento conceitual e judicativo), seja a fisiologia (as "atitudes" da consciência, as volições). Tanto sua psicologia, como a psicologia do laboratório, limita-se a tratar dos estados que estão ligados ao funcio- namento da porção aferente do sistema nervoso. De um estado de consciência assim considerado, a única coisa que se pode dizer é simplesmente que ele "é". É uma existência sem importância, sem va- lor, sem significação, sem função. Em realidade a sensação, por exemplo, não é apenas um "is", ela é um "is for"28, ela leva e exige uma resposta pela qual apenas uma adaptação ao estímulo é efetuada ao estímulo que ela representa. Dewey não admite descontinuidade 27 Em 1925 (274, 436) Meyer prostesta ainda contra a concepção de influxo nervoso tendo nasci- mento no cérebro. 28 Essas expressões são empregadas por Titchener para mostrar a diferença entre objeto de descri- ção psicológica que é o próprio estado psicológico tal como ele "is" [é] e o objeto da "comunicação" (kundgabe) que é a função, o papel, a significação do estado, um "is-for" [ser referido à, um ser in- tencional] (188). 28 entre a sensação e o movimento, entre o estímulo e a resposta. São duas perspectivas sobre o mesmo processo unitário. O estimulo é pa- ra a resposta, a resposta é para o estímulo. O estímulo e a resposta não tem existência separada. O estímulo representa as condições às quais o organismo deve satisfazer para adaptar-se. A resposta, os meios de realizar satisfatoriamente essa adaptação, o instrumento que permite efetuá-los. Estímulo e resposta são estritamente correlativos e contemporâneos. Dewey propõe então considerar o reflexo, o tipo mais simples de coordenação sensório-motora, como o elemento genético da vida mental. É o arco reflexo inteiro que deve ser considerado a unidade, e não a fase aferente, ou a fase central, ou a fase eferente, do processo nervoso. E é a partir de uma tal coordenação sensório-motora simples que se desenvolvem os comportamentos os mais complicados29. Como Dewey, Watson sustentará que o sistema nervoso funci- ona por arcos inteiros, que todo o estímulo provoca uma resposta e que essa resposta é imediata, que toda resposta é reação a um estímu- lo. Para além do funcionalismo, essa asserção se vincula ao fato da adaptação colocado como fundamental para a biologia evolucionista. A concepção de Dewey não implica forçosamente a redução a um simples papel de condução da função do sistema nervoso. Quan- do ele fala de "coordenação" sensório-motora, entende a adaptação da resposta do estímulo, e não uma simples ligação entre esses dois eventos. Entretanto como nesta época considerava que a adaptação é uma questão do organismo considerado em sua totalidade, e não so- mente do espírito, como professa o dualismo paralelista, é provável que reduza o papel do sistema nervoso à uma função de condução, de distribuição e de integração do influxo nervoso. Aí está, em todo ca- so, o ensino da fisiologia de Herrick e de Sherringon e será a crença de qualquer behaviorista. Colocando em primeiro plano o estímulo e a resposta, as ações recebidas e as ações executadas, e ligando-as di- retamente, Dewey como Watson, desqualifica os centros em proveito da periferia do organismo, e minimiza o papel do sistema nervoso (p. 70 e seguintes; p. 78). 29 A concepção de Dewey deu nascimento a psicologia motora: Action Theory de Münsterberg, Mo- tor Theory de Miss Washburn, Reaction Psychology de Dunlap, Reponse Psychology de Langfeld. 294. - Concepção da psicologia como ciência prática da previ- são (4. postulado). A psicologia experimental de Wundt e de Titche- ner é uma ciência abstrata incidindo sobre o homem em geral, adulto e civilizado, de quem ela analisa a consciência, e por essa razão pode interessar o filósofo, mas ela é desprovida de qualquer valor prático, ela não tem aplicações, ela não tem nenhuma utilidade para a conduta da vida30. A psicologia behaviorista, ao contrário, sendo a ciência do comportamento, isto é, das interações do homem concreto, ser vivo, real e de seu meio físico e social, trata de situações concernentes a vi- da. Ocupa-se de organismo individuais colocados em condições de- terminadas, e busca prever, eventualmente, controlar sua conduta. Ela é uma ciência prática, concreta, de interesse humano, enquanto que a psicologia tradicional é abstrata, especulativa, de interesse puramente filosófico. São seus vínculos com a biologia, mais diretamente com o funcionalismo, que explicam esse caráter da psicologia behaviorista. Uma psicologia biológica, no sentido de Darwin, é necessariamente concreta e prática, pois ela tem sua atenção voltada para as adapta- ções do homem, sobre suas relações com o meio no qual ele vive. E não se trata do homem em geral, nem do homem reduzido a sua me- tade, trata-se do homem total, de um organismo psico-físico, com su- as particularidades individuais. Do mesmo modo, colocando-se como a ciência do "espírito em ação", a psicologia funcional chega, ela também, a uma psicologia concreta e prática. Entretanto antes do advento do funcionalismo, o espírito da bi- ologia, havia já penetrado na psicologia americana. Pode-se conside- rar o funcionalismo como revolta a mais importante desde a hetero- doxia de Wundt (23, 118). E isso é verdadeiro se só considerarmos os sistemas psicológicos. Mas seria um erro acreditar que, até o movi- mento iniciado em Chicago por Dewey, Angell e Moore, a única psi- cologia ensinada nos EUA fosse a psicologia experimental de Wundt. Paralelamente a psicologia germânica de laboratório, desenvolvia-se, sob o impulso de Cattell, professor em Columbia31 a prática de testes mentais, a psicologia das aptidões, o estudo das diferenças individu- 30 Não tem nenhum interesse para o educador, o industrial, o comerciante, o jurista, o médico, etc. (Watson, 293, 11; Haggerty, 67, 470). 31 A ação de Catell sobre o behaviorismo, ver Boring, 24, 521, 525, 527. 30 ais32. O mental testing ainda que de origem continental, é um movi- mento especificamente americano, (24, 256) pelo enorme sucesso que obteve nos EUA, sucesso que provem não apenas do prestigio e da ação pessoal de Cattell, mas sobretudo da satisfação que esse proce- dimento trazia ao amor americano do positivo, do prático, do indivi- dual e do concreto. O teste mental sem se preocupar com o dualismo espírito-corpo, determina a maneira pela qual o indivíduo, o organis- mo psico-físico total, está ligado a vida. Ele é o instrumento da psico- logia das aptidões, que busca que tal homem pode fazer em tal situa- ção. Aplica-se ao organismo individual com todas as suas singulari- dades. Galton assim como Binet anima a psicologia, ele também, com o sopro biológico (24, 545-549). O exame das preocupações do behaviorismo nos conduz então a essa conclusão, que o behaviorismo é o neto da biologia darwinia- na, filho do funcionalismo e da psicologia animal americana, primo dos testes mentais (24, 498). Há pouca filiação com o materialismo, doutrina demasiado filosófica. O behaviorismo não foi levado ao tro- no psicológico por uma conspiração filosófica33: ele tomou o poder, sem carta, sem constituição (24, 491, 581), graças a uma revolta po- pular, a revolta do espírito prático americano contra a psicologia ale- mã, especulativa e acadêmica. Pode-se dizer dele o que Boring disse do funcionalismo, que ele é a sublevação de uma colônia contra a me- trópole, sublevação dos psicólogos coloniais americanos contra a sua pátria-mãe, Leipzig, e contra autoritarismo de seu governador, Tit- chener (23, 117). É então genuinamente americano enquanto se tratar de sua ori- gem e de seu advento. Entre 1900 e 1910 as condições de sua ascen- são eram realizadas na América e somente aí34. Para retomar uma ou- 32 O funcionalismo de Chicago, revolta do espírito prático americano contra o espírito filosófico da Alemanha, foi, segundo Boring (23, 117), antes um sintoma particularmente patente do que se pas- sava de um modo menos evidente na América, salvo, acrescenta com humor, em certos lugares pro- tegidos, tais como Ithaca onde Penelope (Titchener) permanecia ainda fiel a sua fé conjugal. 33 Boring (24, 94) diz sobre Watson que ele era filosoficamente inapto. 34 Entretanto, alhures, na França, por exemplo, os psicólogos, tratando a psicologia como uma ciên- cia biológica, aproximaram-se daquilo que deveria ser a concepção behaviorista. H. Pieron (156,157, 131) desde 1908 estabelecia como objeto da psicologia não a consciência, mas a "atividade dos se- res e suas relações sensório-motoras com o meio ... o que os americanos chamam 'the behavior' ... e .. o que estamos no direito de chamar 'o comportamento' dos organismos". É talvez com mais cla- reza que Watson distingua a psicologia, ciência do comportamento, da fisiologia: "Enquanto que a 31 tra comparação de Boring, tudo estava prestes a explodir com uma fagulha: Watson riscou o fósforo, e o behaviorismo (24, 494). Sem dúvida, mas cedo ou tarde, na América ou alhures, o behaviorismo devia aparecer, pois trata-se da penetração do verdadeiro espírito ci- entífico na psicologia (ver p. 421 e seguintes) e não apenas do espíri- to da biologia darwiniana. Pensemos que as ciências da natureza, que buscam prever, que só tem um interesse prático, são elas também ci- ências do comportamento. Talvez fosse preciso alcançar a biologia para aperceber isto. Talvez o espírito prático americano estivesse me- lhor disposto como nenhum outro para apercebe-lo. Em todo caso a conjunção recente do behaviorismo e do neo-positivismo ou fisica- lismo, conjunção tal que o behaviorismo parece ser a psicologia exi- gida pelo fisicalismo e o fisicalismo a epistemologia implicada pelo behaviorismo, prova que a psicologia devia necessariamente, chegar ao behaviorismo, para realizar o seu crescimento científico. Sustentar que o behaviorismo devia aparecer, não é recusar sua originalidade35 nem recusar todo o mérito a Watson. Quando uma in- venção é feita, é fácil descobrir suas antecipações e encontrar para seu autor precursores. Antes de Watson, com o behaviorismo metodo- lógico, a psicologia animal havia efetuado o penúltimo passo em di- reção ao behaviorismo absoluto. Era seguro que o último passo seria tão fácil de se dar? Era seguro que sem Watson, este passo realizar- se-ia tão oportunamente? Eis aí o mérito de Watson, e ele não reivin- dicou outros. fisiologia busca determinar o mecanismo das funções de relações consideradas isoladamente, a psi- cologia deve estudar o jogo complexo dessas funções, o mecanismo da sua utilização que permite a continuação e a perpetuação da vida; enquanto que os sexos são diferenciados, por exemplo, a bus- ca da fêmea, a aceitação do macho são os precursores indispensáveis da função reprodutora, e en- tretanto a fisiologia os ignora". La psychologie de la condute de P. Janet, não procede de uma con- cepção biológica da psicologia, mas do desejo de tornar a psicologia prática, utilizávelpara os médi- cos, os pedagogos, os magistrados. Ver Bull. Sol. Franc. Phil. XXXIX, 1929, p. 73 e 78. 35 Não se pode negar essa originalidade senão com a condição de ver, erradamente, no behavioris- mo apenas um objetivismo psicológico (157, 124) ou uma doutrina materialista (43, 150; 319, 178). 32 III O PROGRESSO DO BEHAVIORISMO E SUAS VARIEDADES Que o behaviorismo seja um movimento especificamente ame- ricano, é o que estabeleceria, na falta de outras provas, o progresso considerável que tomou nos EUA, onde, em menos de 10 anos, ele conquistou a quase totalidade das universidades36 e o fracasso quase completo que sofreu no continente. Lá ele foi acolhido pelo que afir- mava, aqui rejeitado pelo que negava. A atração pela novidade, o amor pelo paradoxo e pela simpli- cidade, o prestígio das afirmações categóricas37 não parecem ter a menor força na Europa quanto tiveram na América. Talvez para uma nação que não tem tradição, uma psicologia que se diz especifica- mente americana, inteiramente made in U.S.A. devia suscitar o entu- siasmo. O sucesso do behaviorismo tem certamente causas mais pro- fundas. É porque ele é verdadeiramente um produto americano, por- que nasceu do espírito americano, que estava apto a satisfazer suas necessidades. É um lugar comum dizer que o povo americano é um povo de engenheiros, mecânicos, inventores, homens de ação, ho- mens práticos antes de tudo, que julgam um sistema de idéias como julgam uma máquina, por suas aplicações à vida e aos negócios, por sua utilidade, por seu rendimento, que tem em conseqüência o gosto do concreto e a paixão pelo fato. O behaviorismo, psicologia do obje- 36 Foi aplicado a pedagogia (Watson, 229, 231; Bolton, 22; Symonds, 181), a psicologia patológica (Watson, 206; Leary, 122) à sociologia e a psicologia social (Allport, 3; Gault, 61; Mitchel, 137; Perry, 155) a jurisprudência, a estética, a moral, a lógica (Harriman, Brewster, 27). Ver Roback, 169, 107 a 160 37 Ver Mcdougall, 236, 45; Dieserens 48, 149-150. 33 to; dos fatos observáveis, registráveis, mensuráveis, controláveis, da previsão; que identifica o espírito com o comportamento, que estuda o homem vivo em seus ajustes no mundo dos objetos familiares e dos negócios e o concebe como uma mecânica, corresponde perfeitamen- te ao que o temperamento americano exigia (236, 46). O que assegurou a voga do behaviorismo nos EUA é responsá- vel pelo seu insucesso na Europa. Retiveram-se menos suas afirma- ções que suas negações. Considerado sob seu aspecto positivo, não se quis ver nele, para além de seus "exageros", senão um advogado par- ticularmente vigorosa pelo objetivismo em psicologia, mesmo um ad- vogado anacronico, pois a psicologia não era desde Wundt uma ciên- cia objetiva? Não era uma ciência "experimental"? Não se efetua nos laboratórios? Watson, inovador na América, apareceu ao continente abrir portas já abertas, arrebatar-se contra moinhos de vento. No má- ximo reconheceram-lhe o mérito de trazer um método interessante, e ainda assim não parecia tão novo. O que, no behaviorismo, satisfez o temperamento americano chocava a mentalidade dos psicólogos continentais. Na Europa a psi- cologia propunha-se compreender antes que prever. Trata do homem em geral e não do indivíduo. Ela é uma ciência abstrata, cujas aplica- ções são extremamente reduzidas. Sobretudo, ela está intimamente li- gada a filosofia, e tem por trás uma longa tradição espiritualista da qual é difícil libertar-se. Negando a consciência e o espírito, o beha- viorismo nega o que é considerado como a mais irrefragável de todas as evidências. Watson passou por "primário", aventurando-se, sem a cultura filosófica indispensável e se perdendo num domínio cuja complexidade lhe escapa. É verdadeiro que ele é simplesmente um prático, um cientista, que generalizou seu procedimento sem o cuida- do com as convicções filosóficas que chocava. Ainda que seu advento se efetue sem carta, o behaviorismo pode, aos olhos dos filósofos, provar a legitimidade de sua posição. Implica fundamentos epistemo- lógicos que são aqueles de toda ciência, e a metafísica que ele postula não é pior nem melhor que nenhuma outra. Que essa justificação se faça posteriormente, não é uma razão para descartar o behaviorismo. Condenou-se a aviação porque voar com mais peso que o ar chocaria a "evidência" ou porque ela nasceu antes de sua teoria? 34 Não reconhecendo à psicologia científica outro objeto que o comportamento, o behaviorismo pode parecer um absolutismo. Trata- se então de um absolutismo idêntico aquele de todas as ciências, que progressivamente "dessubjetivaram" seu objeto e recusaram compor com "espíritos". De fato, o behaviorismo é uma doutrina liberal, e por aí satisfaz o tão vivo amor americano da liberdade; pois não impõe nenhuma maneira de conceber e estudar o comportamento. Donde esta diversidade dos behaviorismos, diversidade que pode surpreen- der o gosto continental dos sistemas, mas que exprime bem um traço de temperamento americano. Deve-se também a uma outra causa que haja, não um behaviorismo mas behaviorismos. Mostramos que a ati- tude behaviorista, enquanto que ela se ligava, opondo-se a psicologia tradicional, é motivada por um certo número de convicções implícitas ou explícitas. Poder-se-á, no quadro dessa atitude, desenvolver uma psicologia de comportamento que dá a tal ou qual dessas convicções uma satisfação particular. Naturalmente para que essa psicologia seja verdadeiramente behaviorista, não basta que ela se funde sobre um dos postulados, preciso que ela os respeite a todos. O behaviorismo metodológico é então mais um pseudo- behaviorismo, uma vez que ele implica o dualismo e por conseguinte contradiz o postulado do monismo materialista. Acontece o mesmo com o "behaviorismo heurístico"38 de McDougall, malgrado o lugar preponderante que ele dá ao estudo do comportamento. É ainda um pseudo-behaviorismo, ainda que se pretenda o verdadeiro, o self- psychology de Miss Calkins (29). Certamente o behaviorismo insiste sobre a relação do homem com o seu meio39 mas ele concebe o ho- mem como um organismo físico e não como um eu40. Por mais forte razão o "behaviorismo mental" que aceita os estados mentais, mas 38 Assim batizado por Roback (169, 43). 39 Como nota Moore (139, 85) o behaviorismo e o self psychology são todos os dois desenvolvimen- tos do funcionalismo, mas em duas direções opostas. Como o behaviorismo, a self-psychology, diz Sra. Calkins, recusa limitar a psicologia a tarefa de analisar processos mentais abstratos em elemen- tos estruturais da consciência e atribuiu ao eu precisamente os caracteres que o behaviorismo reco- nhece ao organismo (totalidade, integrada, individualidade) (30, 490-492; ver também Mursell 144, 162). 40 O behaviorismo substitue o egocentrismo da psicologia introspectiva por um "biocentrismo" (ex- pressão de YERKES e Concerning the Antropocentrism of Psychology Ps. Rev. XL 1993, 209-212). 35 apresenta suas relações como uma relação de resposta a estímulo, só é behaviorista quanto a terminologia (Richardson, Fisher). Inversamente a mera aceitação do monismo materialista não basta. O behaviorismo perderia então toda sua originalidade e não passaria de um objetivismo absoluto. Lashley se engana quando de- clara: "Para mim a essência do behaviorismo é a crença que o estudo do homem nada revelará que não possa ser descritos em termos me- cânicos e químicos" (120, 244). Igualmente uma psicologia que se faça por outro método que a introspecção não é forçosamente behavi- orismo. Primeiramente ela pode ser apenas
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