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61 CORDENAÇÃO PROF. JOÃO ABRANTES DOSSIER TÉCNICO O Treino Intervalado e a Corrida de Velocidade O Treino Intervalado é um método de treino normalmente relacionado com o desenvolvimento da resistência e com os corredores de meio-fundo e fundo. Contudo, é também possível utilizar este método de treino para o desen- volvimento da velocidade, desde que se façam as adaptações necessárias para que a utilização do método não prejudique os principais objectivos que devem estar sempre presentes no treino da velocidade: - INTENSIDADE MÁXIMA. - GRANDE QUALIDADE DA TÉCNICA DE CORRIDA. Vamos apresentar um estudo muito interessante sobre a utilização do treino intervalado nas corridas de velocidade. Contudo, antes de apresentarmos esse estudo vamos deixar um texto com as principais características das provas de velocidade e da técnica da corrida de velocidade. A CORRIDA DE VELOCIDADE Formas de Manifestação da Velocidade No âmbito do treino desportivo há diversas formas de manifestação da velocidade: Tempo de Reacção (reacção simples e reacção complexa); Capacidade de Aceleração; Velocidade Máxima; Velocidade Resistente; e Velocidade de Execução – acíclica. Se observarmos o comportamento da velocidade ao longo de uma corrida de 100 metros planos, é possível observar os diferentes tipos de manifes- tação da velocidade. MODELO: CORRIDA DE 100 METROS PLANOS (SCHMOLINSKY, 2000) Da análise deste gráfico de Schmolinsky, podemos tirar as seguintes con- clusões: - O Tempo de Reacção Simples é a resposta dos atletas ao tiro de partida. - A Capacidade de Aceleração varia conforme o nível dos atletas (os me- lhores atletas prolongam durante mais tempo a sua aceleração). A fase de aceleração começa após a partida de blocos e termina quando os atletas atingem a sua velocidade máxima. - A Velocidade Máxima é atingida entre os 30 e os 55 metros (quanto me- lhor é o atleta mais tarde atinge a sua velocidade máxima). A fase de velocidade máxima termina quando a acumulação de fadiga começa a fazer efeito impedindo os atletas de manterem uma intensidade máxima de corrida. - A Velocidade Resistente não é uma característica muito importante nos corredores de 100 metros, devido à curta duração da prova, contudo a partir dos 60 - 90 metros é possível verificar-se uma perda de velocidade devido à acumulação da fadiga (quanto melhor é o atleta mais tarde atinge a fase da velocidade resistente). - A Velocidade de Execução está presente na saída dos blocos – movi- mento acíclico. TEMPO DE REACÇÃO Esta capacidade depende essencialmente de factores hereditários, havendo uma grande variabilidade de resposta entre os diferentes atletas. Apesar de ser treinável, os efeitos do treino manifestam-se essencialmente na estabili- dade da resposta. Tempo de Reacção Simples: É a capacidade do sistema neuromuscular reagir no menor tempo possível a um estímulo previamente conhecido e pre- visível (por exemplo a resposta ao tiro de partida), através de uma sequên- cia gestual pré-determinada. Tempo de Reacção Complexo: É a capacidade de um atleta responder com rapidez e eficácia a um estímulo que não é previamente determinado e que pode ter uma grande variabilidade (por exemplo as acções de um adversário em desportos de combate), através de uma resposta adequada a cada tipo de estímulo. CAPACIDADE DE ACELERAÇÃO É a capacidade de passar de uma situação de repouso (onde o atleta está parado, como nas provas de velocidade do atletismo ou da natação) ou em que se desloca a uma velocidade muito baixa (como em algumas situações nos desportos colectivos) até a um deslocamento à velocidade máxima no menor espaço de tempo possível, pois a aceleração é definida como a varia ção da velocidade por unidade de tempo. VELOCIDADE MÁXIMA CÍCLICA - CORRIDA Capacidade do sistema neuromuscular percorrer o maior espaço possível numa corrida de velocidade (movimentos cíclicos) no menor período de tempo possível, ou seja, à velocidade máxima. Depende, para além de ou- tros factores da capacidade de aceleração. VELOCIDADE RESISTENTE É a capacidade de continuar a realizar uma determinada tarefa motora em esforços de grande intensidade e de curta duração suportando a acumu- lação crescente da fadiga. Há duas situações diferentes em que se pode manifestar a velocidade resistente: - Quando um movimento cíclico se repete continuamente a uma intensi- dade elevada durante um determinado tempo (15 a 60 segundos), provo- cando uma acumulação crescente da fadiga, como por exemplo em cer- tas provas de atletismo e de natação. - Quando um movimento cíclico se repete várias vezes durante um curto período de tempo (menos de 15 segundos), com intervalos que não per- mitem uma recuperação completa. Apesar de cada repetição não ser sufi- cientemente longa para provocar elevados níveis de fadiga, a repetição desses esforços de grande intensidade vão provocar uma acumulação crescente da fadiga. Como por exemplo nos saltos do atletismo (várias tentativas) e, principalmente, nos desportos colectivos. 62 DOSSIER TÉCNICO CORDENAÇÃO PROF. JOÃO ABRANTES FACTORES CONDICIONANTES DA VELOCIDADE Factores Gerais Condicionantes da Velocidade FACTORES NERVOSOS: - Aumento da velocidade do ciclo muscular de alongamento-encurtamento (CMAE) e boa capacidade de utilização da energia elástica. - Capacidade de recrutamento de um elevado número de fibras muscu- lares. - Boa capacidade de alongamento e relaxação musculares e elevado ritmo de alternância da contracção e descontracção musculares – elevada fre- quência do ciclo estimulação-inibição dos motoneurónios. - Elevada frequência de activação das Unidades Motoras. FACTORES MUSCULARES: - Volume da massa muscular – máxima secção transversa. - Tipo e percentagem das fibras musculares – elevada percentagem de fibras IIa e IIb. - Número de sarcómeros activos em série. FACTORES PSICOLÓGICOS: - Mobilização da vontade. - Capacidade de concentração e de focalização da atenção. A Frequência e a Amplitude da Passada de Corrida FREQUÊNCIA: Número de ciclos de passada por unidade de tempo. É condicionada por: - Factores Hereditários: velocidade de transmissão do impulso neuromus- cular. - Factores Técnicos: na fase da recuperação da perna durante o ciclo da passada. - Factores Condicionais: níveis de força rápida, de coordenação e de flexi- bilidade. AMPLITUDE: Comprimento de cada passada. A amplitude é condicionada por: - Factores antropométricos: altura dos membros inferiores - Factores Técnicos: extensão completa da perna na fase de impulsão da passada. - Factores Condicionais: níveis de força reactiva (CMAE). FREQUÊNCIA DA PASSADA AMPLITUDE DA PASSADA A análise destes dois gráficos de Schmolinsky permite-nos tirar as seguintes conclusões: - A frequência da passada aumenta rapidamente nos primeiros metros e depois baixa progressivamente ao longo da corrida, havendo uma quebra mais abrupta no final. - A amplitude aumenta até aos 30-55m, estabilizando no final da fase de aceleração. - A fase inicial da aceleração deve-se ao aumento da frequência e da ampli- tude e a fase final apenas ao aumento da amplitude. - Na velocidade máxima há umas estabilização dos valores da frequência e amplitude. - Na fase final da corrida a perda da velocidade deve-se à acumulação da fadiga, havendo um ligeiro aumento da amplitude e uma quebra acentua- da da frequência. Capacidades Físicas Condicionantes da Velocidade FLEXIBILIDADE: Influencia a velocidade pois uma boa flexibilidade permite uma maior amplitude da passada de corrida, assim como uma melhor faci- lidade e economia dos movimentos. Além disso, é também fundamental na prevenção de lesões. RESISTÊNCIA: Influencia o tempo de duração da velocidade máxima e prin- cipalmente a fase da velocidade resistente, assim como a manutenção de uma boa técnica de corrida durante as fases demaior acumulação de fadiga. FORÇA: É a capacidade física com maior influência na velocidade, poden- do até definir-se a velocidade como uma manifestação de força rápida (fre- quentemente explosiva) aplicada a uma tarefa específica. RELAÇÃO ENTRE A VELOCIDADE E A FORÇA RÁPIDA Este quadro mostra-nos a enorme influência da força explosiva em movi- mentos inferiores a 200ms que é mais ou menos o tempo de duração do apoio do pé no solo durante uma passada de corrida. FACTORES ENERGÉTICOS CONDICIONANTES DA VELOCIDADE FONTE ANAERÓBIA ALÁCTICA: É a principal fonte energética para a corri- da de velocidade, pois é utilizada em esforços de elevada intensidade e curta duração (até 10 segundos). Esta fonte energética corresponde aos mecanis- mos directos para a ressíntese do ATP, molécula utilizada pelo músculo para produção directa de energia na libertação de uma molécula de fosfato. As con- centrações de ATP dentro do músculo são escassas (cerca de 4 mml/Kg de músculo). Quando há trabalho mecânico, o ATP dentro do músculo baixa e o ADP sobe e as outras fontes energéticas começam a ser utilizadas. Além do ATP as células têm outra molécula de fosfato altamente energética que armazena energia, a fosfocreatina (PC). A diferença para o ATP é que a energia libertada pela decomposição do PC não se usa directamente para realizar trabalho celular, mas sim para ressintetizar o ATP no músculo, que por sua vez vai ser utilizado. A creatina fosfato tem 16 a 20 mml/Kg de mús- culo, o que aumenta o tempo de utilização do ATP para cerca de 6 a 7 segundos em indivíduos pouco treinados e para 8 a 9 segundos em atletas treinados, ou seja, este tempo de utilização que se deve à creatina fosfato varia em função do treino ao contrário do que sucede com o ATP. Capacidade Anaeróbia Aláctica: Corresponde ao “depósito de gasolina” desta fonte, ou seja, depende da quantidade de creatina fosfato que existe dentro do músculo. Pode-se dizer que o facto de ser ter uma maior quantidade de crea- tina no músculo significa ter uma melhor capacidade anaeróbia aláctica. POTÊNCIA ANAERÓBIA LÁCTICA: Depende da velocidade com que é possível produzir energia por esta reacção, ou seja, da velocidade da própria reacção e esta, depende da velocidade dos enzimas que catalizam a reacção. Fonte Anaeróbia Láctica: É a fonte energética mais utilizada em esforços de grande intensidade, mas com duração suficiente para que haja acumu- lação de ácido láctico. Potência Anaeróbia Láctica: A velocidade a que se produz energia nesta fonte é mais baixa que na fonte anaeróbia aláctica porque este processo tem 12 reacções enzimáticas que estão encadeadas. A velocidade global de todo este processo depende da reacção enzimática mais lenta (fosforafru- toquinase). Força até 200ms Força Máxima Indivíduo não treinado Treino de Força Resistente Treino de Força Explosiva 100ms 200ms 300ms 400ms 500ms Tempo (ms) 63 CORDENAÇÃO PROF. JOÃO ABRANTES DOSSIER TÉCNICO Capacidade Anaeróbia Láctica: não depende da reserva de glucose mas sim da tolerância ao ácido láctico, pois o movimento é interrompido pela acumulação do ácido láctico antes de se esgotarem as reservas de glucose. Apesar de ser fácil medir as concentrações de ácido láctico no sangue isso não diz nada a respeito do ácido láctico que foi produzido, pelo que é difícil medir de forma directa a capacidade láctica. A Técnica da Corrida de Velocidade Cada passada de corrida (ciclo da passada) é composto por duas fases diferentes: - Fase de Apoio: esta fase pode dividir-se na fase de apoio à frente (desde que o pé toca no solo até passar na vertical do CG) e na fase de impul- são (desde que o pé passa na vertical do CG até deixar o solo). O seu principal objectivo é minimizar a desaceleração durante o contacto com o solo e maximizar a fase de impulsão. - Fase de Voo: esta fase pode dividir-se na fase de recuperação (desde que o pé perde o contacto com o solo até passar na vertical do CG) e na fase de balanço (desde que o pé passa na vertical do CG até voltar a tocar no solo). O seu principal objectivo é maximizar o trabalho da perna de impulsão e preparar o atleta para o apoio seguinte. FASE DE APOIO A fase de apoio é determinante na corrida de velocidade, pois só durante o contacto do pé com o solo é possível produzir aceleração. Os principais aspectos técnicos a ter em conta durante esta fase, estão relacionados com as características do CMAE (ciclo muscular de alongamento encurtamento) e com a força reactiva, que é a capacidade física que mais influencia esta fase da passada de corrida. Ciclo Muscular de Alongamento Encurtamento A grande maioria dos gestos desportivos, como é o caso da corrida, envolve a realização de CMAE, que estão intimamente ligados a uma das compo- nentes da força rápida – a força reactiva. No caso da corrida de velocidade, antes do contacto com o solo há uma pré-activação dos músculos agonistas do movimento, o que provoca a ligação de algumas pontes cruzadas entre as proteínas contrácteis, aumentando o nível inicial de “stiffness”, que per- mite resistir melhor ao elevado impacto durante a fase excêntrica, reduzindo a amplitude, o alongamento e a duração da fase de travagem havendo um maior armanezamento de energia elástica nos tendões e músculos exten- sores das pernas, que é usada na fase concêntrica (impulsão), permitindo uma maior utilização da força. Podemos diferenciar dois tipos de CMAE. O CMAE longo, caracterizado por um grande deslocamento angular das articulações coxo-femural, do joelho e tibio-társica e uma duração total superior a 250ms (saltos para o lança- mento em basquetebol e para o bloco ou remate em voleibol, deslocamen- tos laterais em muitos desportos colectivos, primeiros apoios da corrida na fase de aceleração, etc). O CMAE curto, caracterizado por um pequeno deslocamento angular e por uma duração total entre os 100 e os 200ms (chamada para os saltos em atletismo e apoio do pé no solo na corrida de velocidade). Principais Aspectos Técnicos Durante a fase do apoio à frente há uma desaceleração do movimento con- tínuo do corpo do corredor que deve ser minimizada. Para isso, o apoio deve ser realizado pelo terço anterior do pé, que deve fazer um movimento muito rápido e dinâmico em “griffé” (movimento activo do pé da frente para trás, para evitar a travagem durante o apoio, uma maior amortização e a conse- quente perda de velocidade). Durante a amortização (é nesta fase da passada que a energia elástica é armazenada) a perna de apoio absorve o choque provocado pelo impacto, devendo flectir o mínimo possível para minimizar a fase excêntrica da pas- sada. Na fase de impulsão (a única em toda a estrutura da passada em que há uma aceleração do corpo), o principal objectivo é exercer a maior quanti- dade de força no solo no espaço de tempo mais curto possível. Esta força é produzida pela contracção dos músculos da perna e pela libertação da ener- gia acumulada no momento da extensão da perna. Para que haja uma ace- leração máxima em cada passada é essencial que as articulações do tornozelo, do joelho e da anca estejam em extensão completa no final da impulsão, em combinação com um balanço activo da perna livre e uma acção dinâmica e coordenada do trabalho dos braços. FASE DE VOO A fase de voo começa no momento em que o pé perde o contacto com o solo no final da fase de impulsão. Nessa altura, joelho da perna de impulsão deve flectir rápida e acentuadamente durante a fase de recuperação para obter um balanço curto e pendular que vai permitir uma elevada frequência da passada. Na fase de recuperação devem evitar-se movimentos de grande amplitude com o pé a passar demasiado atrás e acima, tipo “calcanhar ao rabo”. Na fase de balanço o joelho deve mover-se rapidamente para a frente e para cima (mas sem que a coxa suba mais alto que a horizontal) para permitir uma boa impulsão, o aumento da amplitude da passadae também para preparar o movimento em “griffé” do próximo apoio. A Fase de Aceleração Os aspectos técnicos anteriormente mencionados dizem respeito essencial- mente à corrida de velocidade máxima. Na fase de aceleração há algumas características particulares que devem ser respeitadas. O seu principal objectivo é aumentar rapidamente a velocidade e provocar uma transição eficaz para a corrida de velocidade máxima. A tendência natural dos atletas ao iniciarem uma corrida de velocidade é olharem para a frente e levantarem o tronco, adoptando uma posição equilibrada, o que é um enorme erro, pois um “desequilíbrio controlado” e a inclinação do tronco à frente são aspectos fundamentais para uma aceleração eficaz nos primeiros passos de corrida. Assim, o atleta deve manter o tronco inclinado para afrente e levantar-se pro- gressivamente até aos 20 - 30 metros nas corridas de velocidade. Este princípio também é válido para atletas de outras disciplinas (corridas de bar- reiras) ou de outras modalidades (desportos colectivos), havendo uma adaptação ao tipo de tarefa específica. Durante a fase de aceleração a amplitude e a frequência da passada aumen- tam progressivamente, embora nesta fase a frequência tenha um papel mais importante, pelo que a recuperação deve ser muito rápida e o pé da perna livre não deve subir mais alto do que o joelho da perna de impulsão, procu- rando rapidamente o solo. O Treino da Técnica de Corrida Uma boa técnica de corrida é fundamental para a realização de boas per- formances em provas de velocidade. É por isso que o conjunto dos exercí- cios de técnica de corrida fazem parte do programa de treinos de qualquer atleta de modalidades em que a corrida de velocidade é um factor decisivo para a prestação competitiva. O principal objectivo destes exercícios é o aperfeiçoamento da técnica no sentido de garantir uma maior eficácia da corrida, assim como um menor desgaste energético, além da correcção dos principais erros técnicos, que são os seguintes: 1 – A amplitude da passada não estar adaptada às características individu- ais do atleta, o que resulta numa passada demasiado curta ou numa pas- sada demasiado longa. Fase de Apoio Fase de Voo Fase de Apoio 64 DOSSIER TÉCNICO CORDENAÇÃO PROF. JOÃO ABRANTES 2 – O apoio do pé no solo feito de uma forma incorrecta, pela ponta do pé ou pelo calcanhar, por vezes a travar o movimento da corrida. 3 – O apoio do pé no solo pouco dinâmico e activo. 4 – A flexão da perna de impulsão. 5 – O atraso da bacia e do Centro de Gravidade em relação aos apoios. 6 – Uma postura incorrecta do tronco, normalmente muito contraído e demasiado inclinado para a frente ou para trás e com o olhar dirigido para o chão. 7 – A trajectória do joelho da perna da frente durante a fase de balanço à frente demasiado baixa ou demasiado alta (acima da horizontal). 8 – A trajectória da perna durante a fase de recuperação demasiado exage- rada, com a calcanhar a passar muito atrás, o que provoca uma perda de tempo, normalmente associada a uma inclinação do tronco à frente. 9 – A acção descoordenada dos braços relativamente ao movimento das pernas, normalmente associada a desequilíbrios na corrida, a movimen- tos laterais desnecessários e a uma excessiva contracção do atleta. MONICA MARIA VIVIANI BROCHADO - EDUARDO KOKUBUN PUBLICADO EM: MOTRIZ - VOLUME 3, NÚMERO 1, JUNHO/1997 RESUMO A realização de exercícios intervalados reduz a fadiga e aumenta o trabalho muscular realizado, razão pela qual tem sido recomendada como método de treino para a velocidade. Em estudos que trataram de exercício de alta inten- sidade e duração de até aproximadamente 10 segundos, observou-se decréscimo rápido na performance e aumento do lactato, especialmente quando a recuperação é curta (30 a 60 segundos). As mudanças bio- mecânicas devidas à fadiga têm sido estudadas somente em exercícios de maior duração e menor intensidade, especialmente em corridas de fundo e meio-fundo. O presente estudo pretendeu verificar a possibilidade de identi- ficar mudanças cinemáticas e no lactato sanguíneo em corridas de veloci- dade máxima, em diferentes regimes de pausa, no treino intervalado. Seis sujeitos executaram 3 séries de 5 repetições de 50 metros, em máxima velocidade máxima, com regimes de pausa de 30, 60 e 120 segundos respectivamente. Cada sujeito foi analisado: a) Após a primeira, terceira e quinta repetição e aos 1, 3, 5, 7 e 10 minutos de recuperação amostras de sangue para análise de lactato sanguíneo por método eletroquímico. b) Imagens em vídeo da primeira, terceira e quinta repetição utilizando-se a técnica de "panning" acompanhando toda a corrida, com marcas de referência colocadas a cada 5 metros. Foram extraídas a velocidade, a frequência e a amplitude de passadas, para cada trecho de 5 metros. Não houve diferença significativa entre as concentrações de lactato nos diferentes regimes de pausa. Contudo, com pausas de 30 segundos, houve diminuição da velocidade e da frequência e aumento da amplitude ao longo das cinco repetições, enquanto que com pausas de 120 s, essas diferenças foram atenuadas. Observou-se também que a frequência foi, entre as va- riáveis analisadas, a mais sensível às condições experimentais. INTRODUÇÃO A realização de exercícios intervalados reduz a fadiga e aumenta o trabalho muscular realizado (ASTRAND et al., 1960; CHRISTENSEN et al., 1960). Tem sido demonstrado que a actividade metabólica durante o exercício interva- lado é influenciada pela intensidade e duração dos períodos de exercício e pausa (PLISK, 1991). Medições de lactato sanguíneo e consumo de oxigénio indicaram que essas variáveis eram maiores quando: a) a duração dos períodos de esforço é maior; b) a duração dos períodos de recuperação é menor. Esta característica do treino intervalado é utilizada como meio de treino de velocidade, pois neste tipo de treino, é necessário assegurar a realização de esforços com elevada intensidade (PROENÇA, 1989). Em estudos que trataram de exercício de alta intensidade e duração de poucos segundos observou-se decréscimo rápido na performance e aumento do lactato, espe- cialmente quando a recuperação é curta (WOOTON & WILLIAMS, 1983). Por outro lado, foi demonstrado que, à medida em que as repetições se suce- dem, há aumento na predominância da fosfocreatina como substrato energético (ÉSSEN, 1978; GAITANOS, 1993). A corrida de velocidade, em particular os 100 metros planos, apresenta 4 fases bastante características (JONATH, 1977): 1) período de reacção; 2) fase de aceleração positiva, durante a qual o corredor aumenta a sua velocidade, através do aumento da frequência e da amplitude da passa- da, atingindo a velocidade máxima entre os 25 e os 50 metros, cerca de 6 segundos após a partida (HAY, 1981) ou até mais tarde (60 metros) em caso de corredores de elite (RADFORD, 1990); 3) fase de velocidade máxima constante, durante a qual a aceleração é zero, e a amplitude e a frequência de passadas permanecem constantes; 4) fase de aceleração negativa ou desaceleração ao final da corrida, devida à deterioração da técnica da corrida, em função da falhas na coorde- nação neuromuscular e à diminuição de fosfagénio no músculo (MURASE et al., 1976). Existe uma relação inversa entre a frequência e a amplitude da passada, durante a corrida de 100 metros planos (JONATH, 1977): - Nos primeiros 10 a 20 metros as passadas são mais frequentes, porém mais curtas. - Após os 60/70 metros a amplitude e a frequência são uniformes. - Nos últimos 10/20 metros a frequência cai acentuadamente, e a amplitude aumenta ligeiramente. Atletas e técnicos buscam obter uma óptima combinação entre a frequência e a amplitude de passada para o melhor desempenho possível durante toda a corrida (GAMBETTA, 1981). O presente estudo pretendeu verificar se épossível identificar mudanças ci- nemáticas e no lactato sanguíneo em corridas de velocidade máxima, em diferentes regimes de pausa, no treino intervalado. O Treino Intervalado na corrida de velocidade Efeitos da duração da pausa sobre o lactato sanguíneo e a cinemática da corrida 65 CORDENAÇÃO PROF. JOÃO ABRANTES DOSSIER TÉCNICO METODOLOGIA Foram sujeitos do presente trabalho, seis estudantes universitários habitua- dos a realizar corridas de velocidade, sendo 5 do sexo masculino e 1 do sexo feminino, com 21,0±4,0 anos de idade, 1,72±0,08 m de altura e peso de 65,0±7,8 kg. Os sujeitos executaram três séries de 5 repetições máximas de corrida de 50 metros e com pausas de recuperação de 30 (P30), 60(P60) ou 120(P120) segundos. As séries foram realizadas com pelo menos 24 horas de interva- lo e a ordem de execução foi aleatória. Para efeito de análise, em cada série foram recolhidas amostras de sangue para medição da concentração de lactato sanguíneo. Foi também realizada uma filmagem para análise de imagem em vídeo da corrida, Análise do lactato sanguíneo O sangue foi recolhido do lóbulo de orelha sem hiperemia em tubos capi- lares heparinizados calibrados para o volume de 25 ul. O sangue foi imedia- tamente transferido para microtubos de polietileno com tampa - tipo Eppendorff - de 1,5 ml, contendo 50 ul de solução de NaF 1% e armazena- do em gelo. A análise do lactato foi realizada em duplicata através de analisador electro- químico marca Yellow Spring (E.U.A.) modelo YSL 2300 STAT. Filmagem A corrida foi filmada em VT em toda a extensão, com velocidade de obtu- rador de 1/1000 e a 30 quadros por segundo, utilizando-se a técnica de "panning" descrita por GERVAIS e cols (1989). Resumidamente, sobre uma linha paralela a 1 metro atrás do plano de corrida, foram colocados cones de sinalização de modo que coincidisse o eixo óptico da câmara com o cone e marcas de 5 m de distância no plano de corrida. Da imagem de vídeo foram obtidas: - A velocidade média de corrida. - A amplitude e frequência de passadas, em segmentos de 5 metros, na primeira (R1), terceira (R3) e quinta (R5) repetições de cada série. Para o cálculo de velocidade, foi realizada a contagem do número de quadros na passagem do quadril do sujeito pelos alvos de referência. A frequência de passadas foi obtida, contando-se o número de contactos do pé no solo, entre os alvos de referência. Quando não houve coincidência entre o contacto do pé com o solo com a passagem pelos alvos de referên- cia, foram computadas fracções de passadas. A amplitude de passadas foi obtida através da divisão da distância (5 me- tros) pelo número de passadas. O VCR utilizado para análise das imagens apresentava 60 quadros por segundo, o que permitiu uma contagem mais precisa dos quadros em cada segmento. Análise estatística Foram obtidas as médias e desvios padrões das concentrações de lactato sanguíneo, da velocidade, da amplitude e da frequência de passada. Foi aplicada análisede variância para medidas repetidas, tendo como variáveis dependentes a concentração de lactato sanguíneo, a velocidade, a frequên- cia e a amplitude de passada, e como variáveis independentes a pausa (30, 60 ou 120 segundos), o número de repetições e a distância percorrida na repetição (excepto lactato). A localização das diferenças das médias foi real- izada através da análise de contraste posthoc. Velocidade de corrida Em relação à velocidade de corrida, a análise de variância revelou interacção significativa entre: - O regime de pausa e número da repetição - A pausa e a distância. - A repetição e a distância. A análise post-hoc, mantendo-se a distância fixa indicou que: · em P30 (pausa de 30 segundos), a velocidade diminuiu ao longo das cinco repetições (R1 > R3 > R5) ; · em P60 (pausa de 60 segundos), a menor velocidade foi observada na 5ª repetição R5 (R1 = R3 > R5); · em P120 (pausa de 120 segundos), não houve diferença entre as repetições · a velocidade em R1 (1ª repetição) não diferiu significativamente entre os três regimes de pausa; · já em R3 e R5, a menor velocidade foi observada em P30 (pausa de 30 segundos). Esses resultados indicam que em P30 (pausa de 30 segundos) houve pior desempenho, já a partir da terceira repetição. Em P60 (pauda de 60 segundos), isto ocorreu somente na última repetição. Mantendo-se o número de repetições fixas, a análise post-hoc indicou: · em qualquer regime de pausa, diferença entre a velocidade de 5, 10, 15, 20 e 25 m. Não houve diferença entre as velocidades até o final da repetição, excepto em P30 (pausa de 30 segundos), entre 45 e 50 metros. · menor velocidade a partir de 15 metros, em P30, que persistiu até o final da repetição. · diminuição da velocidade nos últimos 5 metros em P30. Esses resultados indicam que a fase de aceleração da corrida compreende os primeiros 25 m. Além disso, corrobora o achado de que em P30, há pior desempenho. Frequência de passadas A análise post-hoc revelou: · menor frequência em P30 quando comparado com P60 e P120 (P30 < P60 = P120); · diminuição progressiva da frequência ao longo das repetições (R1 > R3 > R5) ; · diferença entre 5, 10 e 15 m e estável entre 15 e 45 metros. Amplitude de passada Não houve nenhuma interacção significativa entre os factores na amplitude de passadas. Contudo, detectou-se um efeito significativo das repetições e das distâncias. A análise post-hoc revelou: · menor amplitude na 1ª repetição em relação ás demais, com excepção de P30, onde a 5ª repetição foi igual à 1ª; · aumento até 25 metros, permanecendo estável até aos 45 metros, quan- do há um novo aumento. Considerando que a velocidade máxima é alcançada nos 25 metros, e que a fre- quência de passadas atinge o seu ponto máximo aos 15 metros, o aumento na amplitude parece ser o factor determinante mais importante da velocidade. Lactato sanguíneo A análise de variância revelou efeito significativo das colectas, porém não houve significância para as pausas. Outro facto que chama a atenção é a elevada concentração (12,1 mml) de lactato, mesmo com regime de pausa de 120 segundos e esforços de 7 segundos. Segundo a classificação proposta por PEREIRA (1989) estas repetições podem ser considerados exercícios em elevada acidose. DISCUSSÃO A utilização da técnica de "panning" descrita por GERVAIS e cols (1989) e adaptada neste estudo, permite a filmagem de toda a extensão da corrida, mantendo uma aproximação em relação ao sujeito que favorece a identifi- cação precisa das diversas fases da passada. Os cones de sinalização usados como alvos de referência destacam-se bem do fundo irregular, podendo ser facilmente identificados na projecção quadro a quadro. 66 DOSSIER TÉCNICO CORDENAÇÃO PROF. JOÃO ABRANTES Apesar da filmagem ter sido feita com câmara que registava 30 quadros por segundo, a reprodução do vídeo foi feita em VCR que projecta 60 quadros por segundo, o que permitiu uma melhor diferenciação das fases, com maior pre- cisão na contagem de quadros e consequentemente na determinação do tempo. A posição de maior flexão do joelho da perna de apoio foi escolhida como posição inicial e final de uma passada, uma vez que era mais facilmente identificada do que o instante em que o pé toca o solo. Para contagem dos quadros em cada trecho de 5 metros, tomou-se como ponto de referência o quadril do sujeito quando em alinhamento vertical com os alvos/cones. A colocação da câmara, perpendicular à marca de 45 metros da corrida, teve a intenção de proporcionar uma melhor visão no trecho final, onde se esperava observar as maiores modificações no padrão de corrida. No entan- to, os últimos 5 metros de corrida mostraram um padrão atípico. Especial- mente a última passada era executada visivelmente de maneira a alcançar da forma "mais fácil" a linha de chegada, com uma amplitude bem maior, se o sujeito estava mais longe, ou bem mais curta,se estava próximo da linha. Este facto ocorreu apesar dos sujeitos terem sido orientados para cruzarem a linha em velocidade máxima. As modificações apresentadas no último tre- cho, portanto, não devem ser atribuídas exclusivamente à fadiga. Os resultados acima analisados indicam que repetições de 50 metros apre- sentam características semelhantes às provas de 100 metros e outras repetições de curta distância, podendo-se identificar as fases de aceleração e velocidade máxima constante. Uma fase de desaceleração não foi identifi- cada, provavelmente em função do curto espaço do esforço. A fase de reacção não foi analisada neste estudo, pois a partida foi feita sem bloco, da posição em pé. Devido à posição da câmara, perpendicular aos 45 metros, o instante da partida era identificado com dificuldade. Além disso, em função da pausa (especialmente em P30) e de não haver blocos, os corredores não caracterizavam uma posição imóvel antes da partida. A fase de aceleração compreende os primeiros 25 metros de corrida, valor que se aproxima daqueles obtidos por HAY (1981). Este padrão não é afecta- do nem pelos diferentes regimes de pausa, nem pelo número de repetições executados. O aumento de velocidade na fase de aceleração deve-se tanto ao aumento de frequência, quanto ao aumento da amplitude de passadas. Há aumento rápido da frequência de passadas até os 15 metros, achados estes que estão de acordo com os de JONATH (1977), chegando a um máximo de 2 a 2,2 passadas por segundo, dependendo da repetição, o que não alcança os 4,5 a 5,0 passos, ou 2,25 a 2,5 passadas por segundo apresentados por velocistas de nível mundial (GAMBETTA, 1981). O aumento da amplitude de passada também é rápido e se estende até os 25 metros. A passada aumenta cerca de 60% nesse trecho, passando de cerca de 2,5 para cerca de 4 m. RADFORD (1990) observou aumentos de até 100% na amplitude da passada de velocistas de elite, na fase de aceleração. A fase de velocidade máxima constante compreendeu o trecho a partir dos 25 metros de corrida, onde frequência e amplitude de passadas são cons- tantes, o que está de acordo com a literatura (JONATH, 1977). Considerando-se que não se tratava de corredores de elite, que alcançam sua velocidade máxima apenas aos 50/60 m (RADFORD,1990), supõe-se que a fase de velocidade máxima constante deste estudo represente a velocidade máxima dos sujeitos. Nos últimos 5 metros da corrida houve diminuição de velocidade, no regime de pausa de 30 segundos, caracterizando uma fase de desaceleração. Essa diminuição de velocidade se deveu à diminuição da frequência de passadas que não foi compensada pelo aumento da amplitude da passada. A alteração do regime de pausa afectou o desempenho. Em todos os regimes houve diminuição da frequência de passadas ao longo das repetições, contudo somente no regime P30 houve um efectivo decréscimo de velocidade, portanto não compensado. Este achado indica que a diminuição da frequência de passadas pode ser um importante indicador da fadiga precoce. De facto, em exercícios inten- sos, há fadiga selectiva de fibras musculares de contracção rápida com decréscimo na velocidade de contracção e relaxamentos musculares (ÉSSEN, 1978). O aumento na amplitude da passada a partir da 3ª repetição demonstra que as adaptações feitas por velocistas em caso de fadiga são similares àquelas observadas por WILLIAMS e cols (1991) e SILER e MARTIN (1991) em corre- dores de longa distância. Esses achados indicam que o aumento da amplitude de passadas é uma estratégia compensatória para a fadiga. Segundo ENOKA (1988) exige-se menos energia para aumentar a amplitude da passada, dentro de limites razoáveis, do que para aumentar a frequência. Tomando-se a velocidade máxima, obtida na fase de velocidade máxima cons- tante das diversas repetições, como índice de eficiência da corrida, observa- se que, apesar de haver diminuição de rendimento, esta diminuição não é tão grande como a detectada por WOOTTON e WILLIAMS (1983) em exercício máximo de duração semelhante (6 segundos), porém executado em ciclo- ergómetro. Com pausa de 30 segundos, comparada a pausa de 60 segundos, eles obtiveram uma potência média de apenas 79,5% na 5ª repetição, quan- do comparada à 1ª repetição. No presente estudo, com pausa de 30 segun- dos, chegou-se ainda a 91,5% de eficiência no 5º tiro. Em estudo de MC CARTNEY e cols. (1983) foi observado maior declínio no desenvolvimento de potência, com maior velocidade de pedal em cicloergómetro. A corrida de velocidade, como a executada neste estudo, requer máxima velocidade de contracção, o que pode ter resultado em maior razão de degradação de PCr e glicogénio muscular. A acumulação intramuscular de resíduos pode ter ocorrido em ritmo acelerado, o que pode ter efeito inibidor nos processos biomecânicos associados à contracção muscular, contribuin- do para a fadiga observada. A maior deterioração do desempenho com pausa menor, observada neste estudo, confirma os achados de ASTRAND e cols. (1960) e CHRISTENSEN e cols. (1960), que verificaram que quanto maior a pausa entre os períodos de exercício, maior era o total de trabalho executado. Em esforço de curta duração, como no presente estudo, a diminuição das reservas de PCr está correlacionada com a diminuição da potência (MILLER e cols., 1987). Considerando que se trata de corrida em máxima velocidade, a taxa de hidrólise da fosfocreatina também é máxima (HIRVONEN e cols., 1987), o que poderia levar a PCr a concentrações de até 10% daquelas de repouso (BERGSTRON e cols., 1971; GOLLNICK e HERMANSEN, 1973). A restauração dos fosfagênios de alta energia apresenta um t1/2 de 20 a 170 segundos (HARRIS e cols., 1976), de forma que pausas de 30 e 60 segun- dos não permitem a sua reposição total. Nem mesmo a pausa de 120 segun- dos pode garantir a total recuperação das concentrações de PCr. A degradação de glicogénio muscular pela glicose não oxidativa é activada em 3 a 5 segundos e a consequente taxa de produção de lactato está rela- cionada com a hidrólise da fosfocreatina e com a concentração de ADP intramuscular (MADER e cols., 1983). Portanto, em exercício intenso e com duração de 7 segundos, como o presente, haveria, além da diminuição das concentrações de PCr, um acúmulo de lactato, ou acidose, que é propor- cional à fadiga (DAWSON e cols., 1978). Neste estudo, observou-se um aumento contínuo do lactato ao longo dos tiros, o que poderia ser a causa para a deterioração do desempenho. Porém, houve maior deterioração em P30 do que nos outros regimes de pausa e não houve diferenças nas concentrações de lactato, nos diversos regimes de pausa. Este facto parece confirmar as conclusões obtidas por MC CART- NEY e cols. (1983) em estudo com exercício máximo de curta duração, onde alterações ácido/básicas parecem exercer pouca influência na performance. Ao final da primeira e terceirarepetições, as concentrações de lactato foram de respectivamente 2,2 e 6,4 mml. Interpolando-se esses valores, a concen- tração de lactato antes do terceiro tiro é de 4,4 mml. Segundo JACOBS (1986), concentrações de lactato sanguíneo superiores a 5 mml estão asso- ciados com a fadiga induzida pela acidose. Assim, mesmo com regime de pausa de 120 s, pode ter havido fadiga. Esta hipótese é compatível com a diminuição da frequência de passadas e 67 CORDENAÇÃO PROF. JOÃO ABRANTES DOSSIER TÉCNICO aumento da amplitude observadas neste estudo, como estratégia compen- satórias para a fadiga. O facto de não ter sido detectado efeito do regime de pausa sobre o lactato sanguíneo, apesar do aparecimento da fadiga, merece consideração. No estudo de WOOTTON e WILLIAMS (1983) verificou-se que a diminuição da pausa provocou aumento da fadiga (diminuição de cerca de 29% na potên- cia média) e também do lactato (11,52±1,52, com 30s de pausa e 10,29±1,84, com 60s de pausa), bastante diferente do presente estudo, onde se observou diminuição de cerca de 5%,apenas, na velocidade e ne- nhuma diferença significativa nas concentrações de lactato (11,73±2,53, em P30, 11,45±2,24, em P60 e 10,95±3,42, em P120). Algumas razões para essas diferenças serão discutidas a seguir. A diferença no tipo de exercício é bastante significativa. Em cicloergómetro somente se exercitam as pernas, que actuam contra a resistência imposta pelos pedais. Já na corrida é possível contar com a inércia do movimento. Além disso, a movimentação dos membros superiores pode ter aumentado a remoção do lactato produzido nos membros inferiores. Não pode ser descartada a possibilidade de ter havido alteração na con- centração muscular de lactato. A passagem do lactato do músculo para o sangue depende de transportadores específicos que existem em número limitado. Em exercícios de elevada intensidade, como o do presente estudo, portanto, a produção muscular de lactato pode ter sido maior do que a capacidade de transporte. MILLER e cols. (1987) verificaram que a reposição dos fosfagénios estava directamente relacionada com a recuperação da força máxima após exercí- cio de curta duração. Não tendo sido observadas diferenças nas concen- trações de lactato, nos três regimes de pausa, é possível que a deterioração do desempenho, neste estudo, tenha se devido à insuficiente reposição de PCr, que não foi medida. Outra possível localização da fadiga pode ter sido o sistema neural, central ou periférico. A alteração mais frequente relacionada à fadiga central é a diminuição na frequência de disparos dos potenciais eléctricos e o aumen- to no tempo de relaxamento, o que ocasiona uma redução na velocidade de contracção da fibra muscular. Esta diminuição permite que o músculo mantenha a produção de força, com velocidade de contracção mais lenta, postergando a falência total na trans- missão dos impulsos neurais (ENOKA, 1988). Esta estratégia compen- satória, no entanto, não é suficiente para manter a performance em activi- dades que exigem níveis máximos de força, pois essas oferecem poucas oportunidades de manipulação de frequência de disparos, ou recrutamento e interacção de músculos sinergistas (ENOKA, 1988). Já a fadiga a nível periférico pode ocorrer na excitação ou contracção. A fadi- ga nos processos de excitação pode surgir em função de falhas no sarcole- ma, nos túbulos T, na ligação dos túbulos T com o retículo sarcoplasmático ou do próprio retículo sarcoplasmático. O efeito de eventuais falhas em qual- quer dessas estruturas seria o de reduzir a quantidade de cálcio no citosol para activar o complexo miofibrilar (GREEN, 1990). Pelo menos em veloci- dades altas, e especificamente em velocidade máxima, o rendimento está relacionado com a formação das pontes de actina-miosina, que pode ser alterada pela concentração tanto de ADP quanto de iões de hidrogénio (GREEN, 1990). Em resumo, os resultados do presente estudo indicam que para corrida má- xima de 50 metros, que tem duração de 7 segundos, pausas de 30 ou 60 segundos são insuficientes para manter o desempenho máximo. Mesmo uma pausa de 120 segundos pode não ser suficiente para o desempenho máximo, pois há elevada lactatémia, sugerindo que a glicose anaeróbia é accionada. De facto, houve evidência no presente estudo de que o organismo se utiliza de alguma estratégia compensatória de fadiga. Portanto, para garantir um treino eficiente de velocidade, que requer recuperação total, manutenção da intensidade máxima e principalmente um elevado grau de perfeição no movi- mento (PROENÇA, 1989), seriam necessárias pausas mais prolongadas. CONCLUSÕES Observando os resultados do presente estudo, constata-se que é possível verificar modificações cinemáticas em corridas de velocidade realizadas com diferentes regimes de pausa. A ocorrência da fadiga pode ser associa- da à diminuição da velocidade, como ocorreu em pausas de 30 segundos. A diminuição da frequência, no entanto, pareceu ser o factor mais sensível ao tratamento experimental. Poderia portanto ser útil na identificação de sinais de fadiga, mesmo quando não há diminuição significativa de veloci- dade ou alteração de concentração de lactato sanguíneo. As modificações observadas para a amplitude mostraram ser capazes de compensar a diminuição da frequência, mantendo a velocidade, somente quando a fadiga não era tão grande. Isto se percebe ao verificar que com pausa de 30 segundos, na 5ª repetição, onde houve o pior desempenho, a amplitude voltou aos valores observados na 1ª repetição. O facto de não terem sido observadas modificações no lactato sanguíneo sugere que, para o treino intervalado de corrida de velocidade, medidas de sua concentração parecem não ser eficientes indicadores de fadiga, como ocorre em outros tipos de exercício. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASTRAND, I.; ASTRAND, P.O.; CHRISTENSEN, E.H. & HEDMAN, R. Intermittent muscular work. Acta. Physiol. Scand., 48:448-453, 1960. BERGSTROM, J.; HARRIS, R.; HULTMAN, E. & NORDESJO, L.O. Energy rich phosphagens in dynamic and static work. Adv. Exp. Med. Biol., 11:341-355, 1971. CHRISTENSSEN, E.H.; HEDMAN, R. & SALTIN, B. Intermittent and continuous running. Acta Physiol. Scand., 50:269-287, 1960. DAWSON, M.; GADIAN, D. & WILKIE, D. Muscular fatigue investigated by phosphorus nuclear magnet- ic resonance. Nature, 274:861-866, 1978. ENOKA, R.M. 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