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Guia elementar sobre como fazer uma monografia jurídica Por Rafael Tomaz de Oliveira Para muitos acadêmicos, a confecção e a apresentação do tal trabalho de curso (TC), representa o momento de maior angústia e sofrimento vivenciado durante a faculdade de Direito. Algumas das vítimas desse “abalo psíquico” acabam optando por contornar a responsabilidade oriunda da realização de tal trabalho e tomam o caminho, sempre arriscado, das pequenas fraudes (toleradas por muitos, apontadas por poucos) consubstanciadas nos atos de compra de trabalhos prontos, colagens de textos encontrados na internet e um sem número de plágios, desde parciais até totais. Esta coluna tem a finalidade de alertar os incautos para que não permitam que a situação chegue a este nível de drama pessoal. Claro que existe aquele contingente de pessoas que recorrem aos subterfúgios aludidos no parágrafo acima simplesmente por preguiça. Para estes casos, é de bom alvitre já avisar, o que será dito aqui não será nenhum pouco útil ou alentador. A redação da monografia jurídica é sempre algo difícil, trabalhoso e, nalguns casos, doloroso (existe um clichê para mencionar a “dor” que sentimos quando precisamos redigir um trabalho científico: “parto de ideias”). Quanto a isso, desconheço qualquer receita que possa encurtar caminhos ou facilitar as coisas. Porém, existem algumas premissas básicas de organização do trabalho de pesquisa que, se devidamente aplicadas, podem remediar o aumento exponencial da ansiedade, diminuindo os níveis de angustia e sofrimento no momento de enfrentar o seu TC. Este meu texto, então, tem um destinatário com endereço certo: você, acadêmico de graduação em direito, que não tem a mínima ideia de como organizar seu tempo e o seu material de pesquisa para redigir uma boa e honesta monografia. Não estou preocupado com aqueles que estão adiantados em seus estudos e que precisam enfrentar outros dilemas (dissertação, tese, livros, etc..). Estes, provavelmente, não vão encontrar aqui nenhum elemento novo. Todavia, você, professor, percebendo neste pequeno opúsculo alguma utilidade para os seus orientandos de graduação, será portador de minha gratidão, no caso de recomendá-lo aos seus alunos. Cabe registrar, ainda, que programei essa análise para ocupar o espaço de duas colunas. Na de hoje, cuidarei de apresentar algumas ideias básicas relativas a gestão da pesquisa, estando mais diretamente ligada a aspectos organizacionais que envolvem tempo, escolha do tema e sua delimitação e, por fim, método e materiais. Em minha próxima participação neste Diário de Classe, abordarei questões que me parecem significativas no que diz respeito ao fichamento do material selecionado, à estrutura do trabalho e à sua redação. Alguns textos são importantes de serem lidos em conjunto com este. No caso, a coluna de Lenio Streck sobre o protótipo do estudante de direito ideal (clique aqui para ler) e outros dois textos meus sobre a responsabilidade do estudante de direito diante de sua própria formação (clique aqui e aqui para ler). Organização do tempo Não se deixe enganar pelos elementos curriculares e seus estreitamentos institucionais. No caso do TC, a maioria dos currículos escolares, relegam o cumprimento dos créditos relativos à sua realização e apresentação para o final do curso. O fato de sua faculdade possuir um currículo assim não significa que você deverá aguardar até o último ano para dar início à sua monografia. Ao contrário, é salutar começar a pensar nela antes. No nosso contexto atual, o último ano do curso de direito apresenta-se como uma verdadeira fábrica de neuroses: a antecipação do exame de ordem; a necessidade de comprovação dos créditos relativos às atividades complementares; o estágio; nalguns casos, o trabalho... colocar a realização de uma pesquisa e a redação de uma monografia para disputar tempo com esse conjunto de atividades é um convite aos distúrbios gerados pela ansiedade descontrolada. Para evitar essa situação, sugiro que a preparação do TC tenha início entre as sexta e sétima etapas do curso. Nessa altura, já existem condições de se perceber, dentre as diversas questões jurídicas passiveis de figurarem como temas de monografias, quais seriam aquelas com as quais se possui maior afinidade e que parecem mais instigantes. Todavia, aquele que não teve a possibilidade de iniciar o seu planejamento de pesquisa durante a metade do curso e encontra-se diante da tarefa de ter que fazê-lo em apenas um ano, não está completamente perdido. Apenas creio que, neste caso, suas possibilidades estarão reduzidas. Vale dizer, quem espera o último ano para começar a pensar na monografia terá que se contentar em fazer um trabalho mais modesto. Por exemplo: pesquisa empírica, a essa altura (sem nenhum contato prévio com seus métodos peculiares) tende a ser um fracasso. Comentarei esse pormenor com mais detalhes um pouco adiante. Por enquanto, é importante dizer que, por motivos de organização do tempo, a realização de pesquisa empírica sem uma adequada atividade preparatória, não será uma boa escolha. Nesse caso, sugiro restringir sua pesquisa à velha e boa revisão bibliográfica mesmo. Por outro lado, o trabalho iniciado no último ano, mesmo que restrito à revisão bibliográfica, ficará provavelmente mais limitado do que aquele que começou a se preocupar com a monografia (ou com uma iniciação científica, o que dá no mesmo) ali pela metade do curso. O pesquisador de última hora, muito provavelmente, alienará uma parcela significativa de sua autonomia intelectual para o orientador que, nalguns casos limites, pode sugerir o tema e a bibliografia que deve ser consultada. Absolutamente sem nenhuma contribuição do discente. Essa situação é extremamente perniciosa porque, por um lado, o acadêmico perde uma ótima oportunidade para desenvolver uma postura mais assertiva, firme e segura. Por outro, o orientador também se prejudica, uma vez que essa lógica de dominação e castradora da autonomia discente, em nada contribuiu para ampliação de sua experiência de pesquisa. Escolha e delimitação do tema Além de não deixar a elaboração da monografia para o último ano do curso (quando terá muito menos tempo para se dedicar a ela), é importante que, ao iniciar o seu planejamento, você já tenha se decidido por um tema que será objeto de sua pesquisa. Neste caso, penso ser extremamente desaconselhável escolher o tema por uma questão de afinidade com o possível orientador. Por mais cativante que seja o professor e a sua aula, não existe garantia de que, no momento de execução da pesquisa, haverá efetivo interesse de sua parte pela temática explorada pelo docente. A pesquisa é um ótimo espaço para desenvolver e afirmar sua autonomia intelectual. Assuma isto já no instante de definição do tema. Nessa medida, o mais adequado é escolher um tema que efetivamente produza em você um genuíno interesse. Nós estamos abertos para o processo de conhecimento a partir de diversos “sentimentos de situação”: tédio, revolta, comoção, paixão etc. Um bom indício para perceber qual tema pode lhe interessar, é se auto-observar com relação ao tipo de sentimento de situação que a matéria lhe provoca. Pode-se, por exemplo, ter o desencadeamento de uma pesquisa sobre a necessidade de um conceito mais coerentista de jurisdição, pela revolta que se revela diante do caos existente na jurisprudência brasileira; ou da perplexidade que é a descoberta da chamada “jurisprudência lotérica”, no interior da qual a questão é decida mais pelo sorteio realizado por ocasião da distribuição do recurso no tribunal do que, propriamente, pelajustificação dos argumentos jurídicos lançados no pedido e na defesa. Enfim, tais elementos de nossa realidade jurídica produzem reações impactantes em nós. É importante que o tema escolhido para a pesquisa possa canalizar a energia que existe no “sentimento de situação” que ele nos provoca. Por tudo isso, a escolha do orientador deve ser efetuada depois da definição do tema, sendo altamente aconselhável que não seja trilhado o caminho contrário. Dessa constatação decorre outro corolário: tenha sempre presente que quem é o responsável imediato pelo trabalho é o seu autor. Portanto, você, acadêmico. O orientador não vai (e nem deve) fazer o trabalho por você. A função do orientador é servir como um interlocutor privilegiado de seu trabalho, discutindo os resultados de sua pesquisa e apontando, conforme o caso, os possíveis erros. Ele pode sugerir leituras que venham a descortinar novos horizontes para a sua pesquisa. Pode auxiliá-lo na delimitação do seu tema e no julgamento da redação de seu texto. Mas há determinadas coisas que dependem de um desenvolvimento bastante personalista. Este é o caso da delimitação do tema escolhido. O orientador pode discutir com você a plausibilidade dos cortes teóricos que a sua pesquisa pretende efetuar. Mas o esforço de objetividade na análise do tema deve partir do próprio acadêmico. Na perspectiva de oferecer algum auxílio, aqui vão algumas sugestões: Evite abordagens altamente genéricas. Elas podem ser reveladas pelo título. É muito pouco aconselhável (para não dizer errado) que uma monografia tenha como título algo como “Da Jurisdição”. Tal título pode levar sua monografia em direção ao “paradoxo do cheese-tudo”, assim enunciado: “o cheese-tudo é um sanduíche que tem de tudo um pouco (gado, porco, frango, embutidos etc.), mas que, ao final, não possui sabor definido de nenhuma dessas coisas”. Uma monografia assim, “Da Jurisdição”, pode ter tudo sobre o tema e, ao mesmo tempo, chegar à conclusão de nada. O resultado final será, apenas, uma amontoado de colagens conceituais que produzem, no máximo, um opaco patchwork. Para delimitar o tema é importante elaborar um problema a respeito da matéria e, ao mesmo tempo, projetar alguma hipótese de solução, a partir da compreensão prévia que se tem da esfera temática. Tal hipótese será posteriormente testada diante da literatura consultada. Neste caso, poderíamos formular o seguinte exemplo: “Jurisdição, segurança jurídica e coerência da jurisprudência: uma análise à luz do novo CPC”. Assim, teríamos como problema a seguinte pergunta: A alta divergência jurisprudencial, observada entre órgãos fracionários de um mesmo tribunal, prejudica a segurança jurídica? A hipótese seria: sim. Por isso o novo CPC estabeleceu mecanismos capazes e corrigir tal distorção, quando prescreve a exigência de estabilidade, coerência e integridade da jurisprudência. Tal hipótese deveria ser testada, à toda evidência, na literatura disponível sobre o tema, mas, independentemente disso, teríamos aqui uma proposta delimitada de uma tema para uma eventual monografia. Métodos e materiais Outro ponto importante a ser definido para um bom planejamento de seu TC, diz respeito à decisão sobre o tipo de pesquisa que se pretende efetuar. Já foi dito no início deste texto que a pesquisa em direito pode ser de revisão bibliográfica ou empírica. A grande maioria dos trabalhos da área optam pela revisão bibliográfica que consiste, basicamente, em reunir o maior número possível de literatura a respeito do tema escolhido produzindo, ao final, um relatório que apresente de forma sistemática os resultados obtidos pela leitura e fichamento dos textos, apresentando as controvérsias, as diferentes soluções para o mesmo tema e, ao final, concluindo com alguma das vias disponíveis (é bem conhecido, mas é sempre bom lembrar, nenhuma monografia precisa criar algo novo ou pesquisar um tema que nunca ninguém abordou. Tudo isso é mitológico. Na verdade uma monografia que investigue um tema com abundante material produzido terá melhores condições de ser bem sucedida do que outra que esteja “tateando no escuro”, lutando para encontrar migalhas de referências). Essa verdadeira hegemonia da revisão bibliográfica na pesquisa jurídica já rendeu todo tipo de crítica. Não é meu objetivo aqui retratá-las. Sem embargo, devo dizer que não tenho nenhuma restrição com relação à revisão bibliográfica no Direito, mesmo que seja puramente bibliográfica. Pelo contrário, acredito que, quando bem conduzida e executada, tal pesquisa produz excelentes resultados. Afinal, estamos falando de uma ciência milenar, anterior até às modernas ciências da natureza. Essa tradição tem, para mim, uma forte autoridade. Por outro lado, também não tenho nenhum tipo de objeção com relação à pesquisa empírica. Apenas penso que, quem optar por esse caminho, deve levá-lo a sério. É inadmissível o que se lê por aí, inclusive em teses e dissertações, a respeito da pesquisa empírica no Direito. Já tive contato com trabalhos que pretendiam realizar “pesquisa empírica” (sic) de jurisprudência; ou ainda, “pesquisa empírica” (sic) de estudo de caso... ! Note: se o seu trabalho pretende pesquisar o entendimento sedimentado na jurisprudência do STF sobre a hierarquia normativa dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos, isso não faz dele uma pesquisa empírica. Do mesmo modo, um trabalho que pretende analisar o problema do depositário infiel diante do direito brasileiro, a partir de algumas situações fáticas definidas, mesmo que denomine isso de “estudo de caso” (sic), também não está realizando pesquisa empírica nenhuma. Pesquisa empírica implica o emprego de técnicas e métodos específicos que, em geral, pretendem investigar comportamentos e/ou opiniões. Para isso, faz-se necessário uma preparação específica – quase nunca disponível nos cursos de direito – que problematiza as ferramentas de “prospecção” (como será realizada a pesquisa? Uma observação in loco? Aplicação de questionários? Como os dados serão coletados?) e, depois de reunidos os dados, qual a forma correta de analisá-los. Foi por esse motivo que, no início, alertei aos interessados em proceder à pesquisa empírica no direito, que iniciassem necessariamente o seu trabalho antes do último ano. Do contrário, haveria muito pouco tempo para se informar adequadamente sobre as técnicas e os métodos de pesquisa, uma vez que será necessário recorrer a livros de outras áreas do conhecimento bem como a professores que possuem este tipo de formação (geralmente, alguém que passou por um curso de sociologia, psicologia, ciência política, etc.). Uma palavra sobre materiais: a revisão bibliográfica que será realizada, como já afirmado, precisará cobrir, o máximo possível, a produção publicada sobre o tema. Essa reunião de materiais bibliográficos deverá incorporar: livros, capítulos de livros, artigos publicados em periódicos, textos de sites da internet, jornais, etc. É fundamental, para se fazer um bom TC, que suas referencias não estejam concentradas em um único meio de publicação. É muito comum encontrar monografias que fazem referencia apenas a manuais didáticos. Esse é, sem dúvida nenhuma, o pior dos mundos. É impossível levar a sério uma pesquisa que tenha se baseado única e exclusivamente nos livros didáticos disponíveis. Existem bons livros didáticos, é verdade. Mas uma pesquisa que se pretenda razoável precisa investigar o seu âmbito temático com um mínimo de profundidade que dificilmente será encontrada nesse tipo de literatura. É preciso recorrer, portanto, aos periódicos, que reúnem artigoscientíficos sobre temas jurídicos. Hoje em dia, esses periódicos estão indexados pela Capes e se submetem a um “controle de qualidade” conhecido como Qualis. Assim, uma vez definido o tema, procure o que foi produzido sobre ele e publicado nessas revistas ou periódicos. E, para saber qual o grau de confiabilidade do material, verifique o status que a revista consultada ocupa no sistema Qualis. Em minha próxima coluna, voltarei a falar da prospecção do material e de possíveis formas de organizá-lo a partir de fichamentos. Como palavra final, quero registrar que pressuponho nesta interlocução acadêmicos de direito espalhados por este país continental que levam a sério a sua formação e possuem o desejo de fazer uma monografia, no mínimo, de boa qualidade. Quem vê o TC apenas um indigesto rito de passagem, não está incluído em meu “público alvo”. Estes últimos funcionam na lógica do fingimento: o aluno finge que fez uma monografia, o professor finge que corrigiu e, ao final, tudo não passou de uma enorme perda de tempo. Meus sinceros votos para que você, querido leitor, não esteja incluído nesta triste estatística. Em minha mais recente contribuição para este Diário de Classe, tratei da monografia jurídica na perspectiva de estabelecer um guia prático e elementar para aqueles que, cursando a graduação em direito, estejam envolvidos com a sua realização.[1] Naquela oportunidade, destaquei alguns elementos abrangentes que estão pressupostos no desenvolvimento de uma boa monografia: a adequada gestão do tempo; a escolha certa do tema e sua delimitação e alguma compreensão sobre o método e os materiais que servirão de alimento para a pesquisa. Na coluna de hoje pretendo ser mais específico. Adianto, ademais, que dada a boa repercussão que meu texto anterior encontrou entre os leitores, resolvi dedicar mais espaço à exploração deste tema e aumentar o meu projeto inicial para redigir, em vez de duas, três colunas sobre esse guia da monografia jurídica. Quero falar sobre aspectos mais detalhados ligados à execução da pesquisa. O texto de hoje abordará questões pertinentes à reunião preliminar do material e à sua catalogação e fichamento. Para a próxima oportunidade, ficarão o tratamento de algumas questões ligadas à formulação do índice como hipótese de trabalho e a redação do texto final. Retomo a discussão no ponto em que a interrompi na coluna anterior, enquanto tratava do método e dos materiais da pesquisa jurídica. Já disse que, na perspectiva do método, há um escolha decisiva que determinará os caminhos que serão percorridos pela pesquisa. Trata-se de saber se esta será realizada de forma empírica ou por meio de estrita revisão bibliográfica. Sobre a primeira, pouco posso falar, já que, como jurista tradicional que sou, minha experiência de pesquisa cinge-se à revisão bibliográfica mesmo. Portanto, a partir de agora, restringirei minha abordagem a este tipo de pesquisa jurídica. Anoto, todavia, que mesmo aqueles que optarem por desenvolver pesquisa empírica, deverão recorrer à literatura especializada para avaliar o modo como a pesquisa será realizada e, de igual maneira, discutir com esta mesma literatura os resultados obtidos. Note-se: no frigir dos ovos, há um material que é o companheiro de jornada de todo e qualquer pesquisador: o livro. Considerações sobre revisão bibliográfica, portanto, interessam a todos. A menção a livro, aqui, pressupõe uma acepção bastante ampla do termo, comportando todo tipo de produção bibliográfica. Todavia, já sabemos, esta última comporta uma série de espécies, a saber: livros; capítulos de livros; teses de doutorado; dissertações de mestrado; artigos de periódicos; anais de congressos; textos de jornais e revistas, etc. Além deste material, digamos, acadêmico, a pesquisa bibliográfica se ocupa também de analisar a produção técnica da área, veiculada em um conjunto de materiais que podemos nomear como documentos. Dele fazem parte os textos de lei; os acórdãos dos tribunais; as sentenças; os pareceres; peças processuais, etc. Uma pesquisa adequada que sustentará uma boa monografia deve estar bem distribuída em toda essa base de dados. Assim, é altamente não recomendável o desenvolvimento de uma pesquisa (?) que fique restrita a apenas uma dessas fontes. E isso acontece muito. E, no caso, a pior de todas as hipóteses é aquela que aborda, exclusivamente, livros didáticos, conhecidos como manuais. Vejam bem: não estou dizendo que os manuais estão, a priori, excluídos das fontes de uma boa pesquisa. Disse que a pesquisa que se restringe a eles não é boa. Na verdade, não seria sequer verdadeira pesquisa, uma vez que, na maioria dos casos, esse tipo de texto reproduz sempre a mesma informação, com leves divergências de um autor para outro. Assim, o estudante acaba saindo do trabalho do mesmo jeito que entrou, ou seja, sem atentar para o alto grau de controvérsia e divergência que caracterizam os temas jurídicos. É certo que, às vezes, em face da especificidade do tema pesquisado, não será possível encontrar materiais disponíveis em todas as fontes citadas acima. Mas isso não exime o pesquisador de realizar uma prospecção em algum banco de dados disponível até que encontre algo útil. Afinal, o trabalho do pesquisador é... pesquisar! E, sim, quem redige uma monografia o faz como resultado de um trabalho de pesquisa. Logo, quem desenvolve uma monografia é, naquele momento, um pesquisador. Enfim, digressões à parte, vai aqui uma primeira assertiva elementar para quem precisa fazer uma monografia jurídica: Aprenda a usar a biblioteca Mesmo com o alto grau de conectividade que vivenciamos atualmente com a internet, as bibliotecas continuam sendo uma ferramenta indispensável para o pesquisador. Creio que em qualquer área. Sem embargo, para o jurista, essa é uma realidade inexorável. Mas, o que fazer com elas – as bibliotecas? Bem, a resposta exige considerações que envolvem, primeiramente, disponibilidade de tempo para frequentá-las e, de igual maneira, uma organização temática que dê objetividade à sua pesquisa. Quanto ao primeiro elemento, serei realista. Vamos então pressupor que o pesquisador de ocasião tenha uma vida atribulada, dividindo a faculdade com outras atividades (trabalho, estágio, etc.). Do mesmo modo, vamos dar de barato e assumir que ele deixou o TC para as últimas etapas do curso, sendo que terá que fazer um trabalho de tiro-curto, dispondo de 10 meses ou menos para realizar a tarefa. Assim, digamos que ele consiga dispor de uma hora por dia para frequentar a biblioteca. Penso que um prazo razoável para prospectar o material ocupe um período de nove horas. Assim, nosso pesquisador hipotético teria reservado uma hora do seu dia durante nove dias para realizar uma primeira seleção do material de seu trabalho. Mas isso não é tudo: com esse tempo apertado, ele não pode se dar ao luxo de ir à biblioteca como que “a passeio”. É necessário otimizar o tempo sabendo, de antemão, o que se quer procurar. Vale dizer, é preciso ter claro o tema de sua pesquisa. Digamos que este nosso pesquisador tenha escolhido o seguinte tema: A modulação de efeitos nas decisões de inconstitucionalidade. Neste caso, ele deverá procurar na biblioteca títulos relacionados a: teoria do Estado e da constituição; controle de constitucionalidade; jurisdição constitucional e processo constitucional. Esse é um ponto importante: a pesquisa não atinge apenas aquilo que é o seu objeto específico. Ele deve abarcar também temas laterais que, de alguma maneira, possam contribuir para elucidar o problema que ela pretende enfrentar. De todo modo, essa busca, no maisdas vezes, será feita no banco de dados disponível na respectiva biblioteca. Todavia, é bom advertir: biblioteconomia não é uma “ciência” exata. Um erro de catalogação pode esconder um texto precioso para sua pesquisa. Por isso, aconselho fortemente que, além da pesquisa no banco de dados, o pesquisador vasculhe as prateleiras correspondentes aos grandes temas objeto de consulta. Tenha em mente – e para isso serve o orientador – que alguns temas possuem autores de consulta obrigatória. Assim, tendo em conta o tema que dei de exemplo acima, são obrigatórias consultas à obra de Rui Barbosa, Lúcio Bitencourt, Gomes Canotilho, Jorge Miranda, Paulo Bonavides, Gilmar Mendes, Nelson Nery Jr. e Lenio Streck (este último referência obrigatória também quando o assunto é hermenêutica, tema correlato em se tratando de decisão de inconstitucionalidade), entre tantos outros. É preciso saber também que, nalguns casos, principalmente em bibliotecas maiores, a sessão de periódicos fica separada daquela dedicada aos livros. Assim, procure estar informado a esse respeito para poder frequentá-la também. Há hipóteses em que a mudança no fator de busca – de livros para periódicos – acarreta também a utilização de outro tipo de ferramenta no banco de dados. Importante certificar-se disso também. No mais, considero absolutamente fundamental que se realize uma prospecção de material de pesquisa na sessão de periódicos. No caso de nossa pesquisa simulada, poderiam ser encontrados artigos relevantes em periódicos (também chamados de revistas) ligados ao direito, em sentido amplo, bem como aqueles especificamente dedicados ao direito constitucional e processual, à ciência política, entre outros. Em casos de universidades que possuem Programas de Pós-Graduação stricto senso (Mestrado e Doutorado) em Direito, é comum dedicar-se uma sessão específica da biblioteca como repositório dos trabalhos produzidos no âmbito desses programas. Nesse caso, pode ser interessante buscar, nesses trabalhos, algum elemento para a sua pesquisa. Faça uso adequado da internet Por certo, não desconheço a realidade de muitas bibliotecas de pequenas faculdades espalhadas pelos afastados rincões deste Brasil. Sei que, em muitos desses casos, os únicos livros disponíveis são aqueles que os planos de ensino das disciplinas curriculares indicam como bibliografia básica. Mesmo nesses casos, nem tudo está perdido! Em primeiro lugar, sempre há a possibilidade de se dirigir a uma outra universidade que possua um acervo bibliográfico melhor. Neste caso, as universidades públicas costumam possuir melhores bibliotecas (sem embargo das inúmeras excelentes bibliotecas mantidas por universidades privadas). Os gastos com a viagem ou o tempo de deslocamento seriam um problema? Bem, sempre é possível comprar os livros (neste caso, tudo aquilo que foi dito sobre as bibliotecas seria aplicado às livrarias, com a ressalva de que o fator periódicos, bem como teses e dissertações, estariam prejudicados). Claro, para alguns, essa pode ser uma solução muito dispendiosa. Ainda assim, há solução. A internet, evidentemente, não pode ser desconsiderada como relevante instrumento de pesquisa. Nesse aspecto, destaco de plano que excelentes revistas/periódicos estão hoje atendendo ao formato digital, totalmente on line. Atualmente, a Capes disponibiliza um portal (webQualis) que registra, por área, os periódicos bem como sua correspondente classificação. Sugiro, então, que aqueles que possuem dificuldades para realizar pesquisas em bibliotecas façam suas buscas nos sites desses respectivos periódicos, dentre os quais posso citar: Novos Estudos Jurídicos (Univali); RECHTD (Unisinos); Revista Brasileira de Direito (IMED); Revista Paradigma (Unaerp), entre outras. É possível, também, ter acesso a alguns conteúdos de outras revistas qualificadas por meio do sistema Scielo. Neste último caso, em face de algumas revistas estarem disponíveis exclusivamente na forma virtual, recomenda-se que todos os pesquisadores procedam a uma busca de material em seus respectivos bancos de dados. Por fim, no caso do exemplo que aqui estamos trabalhando (modulação de efeitos nas decisões de inconstitucionalidade), é fundamental que seja feita pesquisa de acórdãos do Supremo Tribunal Federal que realizaram a modulação de efeitos. Essa pesquisa, evidentemente, deverá ser feita na base de dados de jurisprudência disponível no site do próprio tribunal. Os exemplos citados acima fornecem fontes fiáveis de pesquisa. Os demais casos de fontes provenientes da internet devem ser utilizados com parcimônia. Organize o material por meio de fichas bibliográficas Depois de reunir todo o material pertinente ao tema com a utilização das ferramentas citadas acima, passa-se para uma outra fase da pesquisa que é a catalogação e o fichamento dos textos. O modo old fashioned de proceder a isso é por meio de manuscritos. Mas esse recurso está cada vez mais em desuso. No contexto atual, o pesquisador dispõe de ferramentas muito úteis e poderosas fornecidas pela informática. Para ficar apenas no conhecido pacote Office, da Microsoft, é possível fazer as tais fichas no aplicativo OneNote e, quando necessário, importá-las para o Word. Há também um aplicativo para dispositivos móveis chamado Evernote que pode ser utilizado para redigir e organizar as fichas bibliográficas. Enfim, certamente existem muitos outros sistemas disponíveis em nosso agitado mercado cibernético. Em todo caso, seja pelo modo old fashioned, seja por meio de ferramentas hi-tech, a estrutura das fichas, ao final, será a mesma. A variação atenderá, na verdade, a fatores ligados à personalidade de cada pesquisador. De um modo geral, tais fichas precisam conter: a) os dados catalográficos da referência fichada – Particularmente, procuro seguir a seguinte ordem de informações: I – tipo de Referência (Livro, Capítulo de livro, Artigo, etc.); II – nome do autor; III – título do livro; IV – número de edição da obra; V – local da edição; VI – editora responsável pela publicação; VII – ano da edição. Se a referência for relativa a capítulo de livro, deve apenas ser acrescido o título do capítulo, entre a indicação do nome do autor e do título do livro; e o(s) nome(s) do(s) organizador(es), entre o título do livro e o número de edição da obra. No caso da referência dizer respeito a artigo publicado em periódico, a ordem seria a seguinte: II – nome do autor; III – título do artigo; IV – nome do periódico; V – dados de identificação da edição (volume, número, fascículo, etc.); V – local da publicação; VI – ano da publicação; VII – intervalo de páginas correspondentes ao artigo. b) conteúdo da ficha bibliográfica – a ficha deve conter os pontos mais importantes do texto para os interesses da pesquisa. Desse modo, tudo aquilo que provocar algum tipo de ruído no ambiente coberto pela pesquisa deve ser reduzido a termo. Isso pode acontecer de diversos modos, v.g., por meio da descrição literal de trechos da obra fichada; por meio de paráfrases que, no fundo, carregam a ideia trabalhada pelo autor do texto, mas que são reproduzidas a partir de enunciados formulados pelo pesquisador; trechos de autoria do próprio pesquisador mas que foram resultado de algum insight produzido pela leitura da obra. Em todos os casos, deve ser anotado o número da página (ou páginas) correspondentes ao evento para que, no caso de utilização na redação final do trabalho, possam ser devidamente referidas. c) existe uma ordem correta para leitura e fichamento dos textos? – não. Sugiro, porém, que se inicie o trabalho por textos que forneçam uma visão o maisampla possível do campo temático abordado pela pesquisa, para depois enfrentar os textos mais específicos e verticais sobre o objeto pesquisado. Isso porque uma antecipação provisória do “todo” melhora a compreensão que temos das “partes”. Mas nada impede que a ordem seja invertida. Ou mesmo que se trabalhe em mais de uma ficha ao mesmo tempo. Como afirma Umberto Eco, existem pessoas monocrônicas e policrônicas. As primeiras caracterizam- se por só conseguirem trabalhar bem quando começam e acabam uma coisa por vez; as segundas, pelo contrário, trabalham melhor quando conduzem várias atividades concomitantemente. O caso, portanto, é uma questão de autoconhecimento. Cabe ao próprio pesquisador perceber qual a melhor forma de proceder (cabe registrar, com o mesmo Eco, que monocrônicos não são piores do que policrônicos e vice-versa. Há entre eles apenas uma diferença). Um fato fora de dúvida, todavia, diz respeito à utilidade da ficha para a organização da pesquisa. Em conclusão: quem quiser diminuir os problemas para a redação definitiva da monografia deve, obrigatoriamente, proceder ao fichamento da bibliografia. d) é possível incluir alguma referencia posterior à reunião do material? – sim. Na verdade, é até mesmo salutar que, durante a leitura dos textos selecionados, o pesquisador encontre novas referências que podem servir de fonte para a sua pesquisa. Assim, a qualquer momento, antes da entrega definitiva do trabalho, pode ser a ele acoplado algum novo texto ou informação. Nesse caso, porém, faz-se necessário um alerta: para aqueles que dispõem de pouco tempo para fazer o trabalho, a melhor alternativa talvez seja se concentrar na leitura daquilo que conseguiu reunir e, apenas em casos excepcionais (como a descoberta posterior de um texto absolutamente fundamental para validação de alguma hipótese), deve-se incluir novas leituras em seu cronograma de atividades. Melhor conhecer bem a literatura previamente selecionada do que ficar saltando de texto em texto em busca do santo graal e, no final, ficar inseguro para escrever e se posicionar na redação final do trabalho. Esse é um daqueles momentos em que aqueles que se programaram melhor, antecipando as atividades de pesquisa para a realização da monografia, levam alguma vantagem: o leque de referencias será, no mais das vezes, muito maior. No caso do nosso pesquisador de ocasião que dispunha de menos de dez meses para realizar o seu trabalho, tudo o que foi dito aqui – da prospecção do material em bibliotecas e na internet ao fichamento das referências selecionadas – deve consumir entre quatro ou cinco meses de seu cronograma. Os cinco restantes ficam por conta da elaboração do índice como hipótese de trabalho e das redações provisória e definitiva. Mas esse é um tema para a próxima coluna. Uma última anotação Tudo o que aqui foi dito pretende esclarecer uma coisa: o conceito “chave” para a realização de uma boa monografia é organização. Claro que estou pressupondo aqui dedicação e vontade de descobrir cada vez mais coisas sobre o tema pesquisado. Mas, de nada adianta cultivar uma “sede por conhecimento” se não houver organização. As expectativas sempre serão altas mas os resultados, no mais das vezes, frustrantes. Por certo, fichamentos organizados não são a garantia de um trabalho brilhante. Mas ajudam bastante na consecução deste desiderato. Porém, não descarto a possibilidade de excelentes TC serem produzidos sem que tais assertivas sejam necessariamente seguidas. Maquiavel dizia que o sucesso e o fracasso poderiam ser explicados por meio dos conceitos de fortuna e virtú. Fortuna diz respeito ao acaso; à oportunidade; às coisas, enfim, produto da sorte ou do azar; virtú refere-se à concentração das energias para atingir um objetivo. Diz respeito, portanto, ao trabalho árduo de preparação. O pai da moderna ciência política advertia o seu Príncipe de que não é só de virtú que se faz um grande governante. Há que se ter também fortuna e saber aproveitá-la quando ela aparece. Mas, o que seria da fortuna pura, sem virtú? Alguém aí estaria disposto a arriscar? [1] Registre-se que minha inspiração, por assim dizer, para esta série de textos referentes à monografia jurídica vem de Umberto Eco e do seu Como se faz uma tese (24a. ed. São Paulo: Perspectiva, 2012). Todavia, embora seja possível encontrar reminiscências do texto de Eco nestes meus artigos, procurei adaptar uma série de elementos às especificidades do Direito, especialmente em face do modo como a produção do conhecimento jurídico vem sendo agenciada na dura realidade das mais de 1.200 faculdades brasileiras. De todo modo, remeto desde logo o leitor ao livro citado, inclusive para um maior aprofundamento com relação às matérias aqui tratadas. Depois de apontar alguns elementos a respeito da organização da pesquisa e gestão do tempo (aqui) e de explorar, em linhas gerais, questões ligadas à execução da pesquisa (aqui), encerro, com a coluna de hoje, a série sobre o guia prático e elementar da monografia jurídica. Minha intenção agora é tecer algumas considerações sobre o plano de trabalho e a redação da pesquisa. Contudo, antes de seguir adiante, é importante destacar pelo menos cinco aspectos essenciais que abordamos anteriormente com mais detalhes: 1) a realização de uma monografia exige planejamento prévio. Por isso, é desejável que essa atividade seja iniciada antes do período curricular que a faculdade reserva para a execução obrigatória do trabalho; 2) é necessário que o pesquisador familiarize-se com a biblioteca e dela faça uso constante. Caso o acervo da biblioteca de sua faculdade seja insuficiente para as pretensões de sua pesquisa, procure outras em localidades próximas; 3) aprenda a usar corretamente a internet realizando pesquisas em periódicos qualificados (webQualis) bem como nos portais de divulgação do conhecimento científico ( SciELO e o portal de periódicos da CAPES), entre outras referências que já indiquei na parte II desta série; 4) faça uso parcimonioso de livros didáticos (manuais), utilizando-se, preferencialmente, daqueles livros que tratam de forma mais aprofundada sobre o tema objeto de sua pesquisa; 5) catalogue e efetue fichamentos do material selecionado para otimizar sua atividade de leitura e facilitar sua posterior utilização na redação da monografia. Ademais, pressuponho aqui que o trabalho que aguarda para ser redigido cuidou de fazer uma revisão bibliográfica e não pesquisa empírica. Todavia, mesmo neste último caso, aquilo que aqui será desenvolvido pode ser de alguma utilidade. Plano de trabalho Sobre o plano de trabalho, penso serem valiosas as contribuições de Umberto Eco.[1] Diz ele que a primeira coisa a se fazer quando se começa a trabalhar em uma tese (para o nosso caso, monografia) é escrever o título, a introdução e o índice. Não vou reprisar a discussão por ele entabulada. Apenas quero invocar aquilo que aparece como um comando prático para a elaboração do referido plano. O título, neste caso, não é aquele que você formulou para registrar na burocracia acadêmica da secretaria do curso ou do projeto de iniciação científica. Trata-se do título definitivo que servirá de pórtico para o seu trabalho. Neste ponto, é importante esclarecer um mal entendido. Muitos alunos pensam que o título registrado é definitivo e não pode ser alterado. Geralmente, existe uma confusão entre título e tema. Este último, realmente, convém não ser alterado com a pesquisa já em curso. O primeiro, todavia, deve poder ser alterado a qualquer momento antes do depósito definitivo do trabalho. O título de registro, esboçadono início da pesquisa, costuma ser bastante aberto e genérico. No caso do exemplo que apresentei na segunda parte desta série, tínhamos a simulação de um trabalho com o seguinte título: A Modulação de Efeitos nas Decisões de Inconstitucionalidade. Para o título definitivo, todavia, é conveniente que haja uma maior especificação sobre aquilo que a pesquisa pretendeu atingir. Na maioria dos casos, isso é alcançado com a formulação de um subtítulo. Como afirma Umberto Eco, “um bom título já é um projeto”.[2] Por isso, não tenha medo de títulos extensos. No caso do nosso exemplo, poderíamos formular isso da seguinte maneira: A Modulação de Efeitos nas Decisões de Inconstitucionalidade: entre a segurança jurídica e os riscos de relativização da força normativa da Constituição. Nota-se, de plano, que neste último caso, além de já se projetar alguma ideia a respeito daquilo que o leitor encontrará no texto, apresenta-se igualmente a delimitação realizada em torno do tema. Importante perceber, também, que a formulação de subtítulo acaba por conter, implicitamente, um questionamento. Questionamento este que pode ser considerado o problema enfrentado pela pesquisa. Neste caso, ele seria o seguinte: o exercício da modulação de efeitos nas decisões de inconstitucionalidade, ao mesmo tempo que possibilita em alguns casos garantir maior segurança jurídica, não acaba por gerar um déficit de força normativa da Constituição? A esta pergunta o texto deverá dar resposta. A partir daí podemos esboçar um índice com os capítulos necessários para responder adequadamente a esta questão. Para facilitar ainda mais a elaboração de tal índice, podemos imaginar uma hipótese sintética de resposta que será uma espécie de guia da redação a ser realizada. Neste caso, já consultamos uma série de obras e artigos sobre o tema. Temos diante de nós os trabalhos de Konrad Hesse, Lenio Streck, Rui Medeiros, Canotilho, Jorge Miranda, Gilmar Mendes, Nelson Nery Jr., Georges Abboud, entre outros, e sabemos que o direito constitucional contemporâneo, inspirado nas tradições austríaca e alemã, convive com uma solução que compatibiliza o exercício desse tipo de técnica decisória com a ideia de força normativa da Constituição. Sabemos que, embora não fulmine de nulidade o ato inconstitucional desde a sua origem, os casos de limitação de efeitos são específicos, dependem de decisão fundamentada do tribunal e, além de tudo isso, possuem uma eficácia simbólica uma vez que se materializa em uma decisão do guardião da Constituição que atesta a inépcia do legislativo ou do governo no cumprimento das determinações constitucionais. Assim, neste esboço elementar de resposta, afirmaríamos que não há déficit de força normativa da Constituição na utilização da modulação de efeitos nas estritas hipóteses nas quais ela pode ser realizada. Como poderíamos desdobrar essa resposta em termos de estruturação dos capítulos? Neste caso, teríamos duas possibilidades: a primeira, mais simples, poderia ser desdobrada em três; a segunda, mais complexa e ideal, comportaria quatro capítulos. A mais simples: no primeiro capítulo descreveríamos o estado da arte do problema posto. Assim, haveria que se delimitar o significado da ideia de força normativa da Constituição e os elementos que a impulsionaram a partir do segundo pós-guerra. Ao mesmo tempo, neste primeiro capítulo, poderia ser abordada a origem da modulação de efeitos e as peculiaridades de seu desenvolvimento no direito austríaco e alemão, até chegar à descrição de como tais modelos inspiraram o direito brasileiro a ponto de culminar na redação do artigo 27 da Lei 9.868/99. Um segundo capítulo aglutinaria as posições refratárias à modulação e as razões pelas quais se defende/defendia, no limite, a inconstitucionalidade do referido artigo 27. Por fim, em um terceiro capítulo, cuidaríamos de afirmar as razões pelas quais a hipótese formulada acima deve ser considerada verdadeira e a melhor para solucionar o problema posto, buscando respaldo para tanto na bibliografia consultada durante a pesquisa. A hipótese mais complexa e ideal: a estrutura de capítulos seria basicamente a mesma, introduzindo-se, apenas, um capítulo intermediário entre o segundo e o terceiro (que, nesta versão, passaria a ser quarto) para dar conta do referencial teórico que serviu de base para a análise realizada. Referencial teórico, teoria base, quadro referencial, etc. são todas expressões que mencionam o ambiente conceitual e metodológico que ofereceu escólio para a sua pesquisa. Pode haver alguma controvérsia metodológica para se saber se ele deveria vir antes do segundo capítulo ou antes do terceiro, tal qual propus aqui. Penso que ambas seriam boas opções. Prefiro, contudo, a segunda, simplesmente pelo fato de que, na minha configuração, haveria uma relação umbilical entre o referencial teórico e o capítulo que expõe e defende a verdadeira hipótese de trabalho da pesquisa. Funcionaria, então, como uma espécie de preparação para aquilo que seria construído no capítulo seguinte (algo como “as razões das razões”). É de bom alvitre advertir que essa estrutura passa bem longe daquela observada naquilo que podemos nomear como monografia jurídica Standard. Nesse caso, toda a problematicidade que fica evidente na estrutura sugerida acima, desapareceria a partir de uma tentativa de mimetizar os índices de manuais e doutrinas sobre o tema. Assim, de forma geral, teríamos a seguinte estrutura de capítulos: 1) Evolução histórica (sic) da modulação de efeitos; 2) Conceito de modulação de efeitos no direito brasileiro; 3) Posições contrárias à modulação de efeitos; 4) posições favoráveis; 5) a modulação e o STF... e por aí vai. Há trabalhos que chegam a ter sete ou oito capítulos com caráter meramente descritivo e que acabam sendo, no máximo, compêndios da bibliografia consultada, de parco caráter científico. Muitas coisas poderiam ser ditas contra este modelo. Seria provavelmente necessário uma coluna específica só para tratar disso. Como minha intenção atual é mais construtiva do que propriamente desconstrutiva, vou chamar atenção para apenas um único aspecto: o desastre que é o tal capítulo sobre “evolução histórica” (sic). Meu amigo Henderson Fürst já tratou disso com muito bom humor (aqui), mencionando sarcasticamente a total falta de consciência que os autores de tais trabalhos demonstram para com o tipo de historiografia que se está a (tentar) realizar. Ademais, associar “evolução” e “história”, por si só, já representa um problema teórico gigantesco. A despeito disso, a grande maioria das monografias que já tive a oportunidade de examinar, diria que em torno de 90%, continham o famigerado capítulo. E todas faziam a mesma coisa: elencavam um amontoado duvidoso de eventos, descritos numa perspectiva linear, e quase sempre associados à edição de diplomas legislativos relativos à matéria objeto de análise. Isto como se a história pudesse ser resumida e encalacrada em simples documentos. Explorar a sociedade, a política e as condições culturais associadas ao problema? Nem pensar! Em suma, optar por iniciar um trabalho com um capítulo com essa formatação não é apenas um erro como também uma inutilidade: caso fosse retirado do texto, não faria nenhuma diferença para o resultado final, ou seja, para responder à pergunta implícita no título. Aliás, esse é um bom teste para saber se o capitulo ou item que você pretende escrever em sua monografia é pertinente. Faça o seguinte: escreva toda a estrutura em um papel e depois efetue uma leitura realizando um autoquestionamento capítulo por capítulo, itempor item: no caso deste capítulo ou item não existir, meu problema continuaria bem solucionado? Se a resposta for sim, risque-o de seus planos! Por fim, depois de escrever a estrutura de capítulos ou índice, faça uma introdução provisória. Sei que existem dicas metodológicas por aí que aconselham escrever a introdução por último. E, por certo, esta introdução inicial não será aquela que guarnecerá definitivamente o trabalho. Por isso estou deixando claro que ela é uma introdução provisória. Ao final ela terá que passar por uma revisão e, fatalmente, será reescrita. Todavia, penso que sua antecipação constitui-se em uma ferramenta metodológica poderosa. Nela você deve escrever aquilo quer fazer. O exercício consiste em escrever para justificar para si mesmo que a abordagem escolhida é a melhor para conformar o tema e oferecer uma resposta ao problema. Nesse ponto, é desejável que você ofereça um resumo para cada capítulo, contendo aquilo que você pretende desenvolver em cada um deles. É preciso, também, justificar a importância de sua escolha por cada um deles e da forma de abordagem proposta para o desenvolvimento de sua hipótese. Esse método é ótimo não apenas para tornar o trabalho mais claro para você mesmo, como também para que o orientador possa perceber de forma mais objetiva o caminho que será tomado para o seu texto. E essa é a hora de você acionar o orientador e conseguir um melhor retorno. Apresentar simplesmente o texto final não propicia uma interlocução a respeito do desenvolvimento do trabalho. Afinal, o texto já está semipronto. Por outro lado, ficar discutindo sem que haja uma base escrita para reflexão parece- me algo muito improfícuo. Por isso, estes textos preparatórios tendem a render ótimos frutos, potencializando uma “exploração positiva” do orientador. Alguns apontamentos sobre a redação propriamente dita Quanto à redação propriamente dita, vou dizer pouco. Creio que, neste quesito, estamos diante da esfera mais íntima de alguém que se coloca como escritor: o seu texto. A escrita é uma das marcas indeléveis da individualidade. Portanto, não vou aqui discutir regras para a conformação de seu estilo. Vou simplesmente exarar a minha fundamentada posição sobre o assunto e você, meu querido leitor, poderá dela fazer uso como considerar mais conveniente. Inclusive desconsiderando-a. Afinal, como dizia Riobaldo, o filósofo do Sertão: “pão ou pães é questão de opiniães”. De todo modo, tenho preferência pela seguinte configuração: Escreve-se uma monografia não para o orientador nem tampouco para o examinador. Escreve-se para o Leitor, este Outro desconhecido. Dessa maneira seu texto deve conter elementos elucidativos que sejam capazes de convencer qualquer leitor minimamente iniciado na área envolvida pelo seu tema. Já ouvi gente de muito prestígio acadêmico e de notável proficiência afirmar que o “Leitor ideal” (que deve ser imaginado como interlocutor no momento da escrita) seria aquele tipo tábula rasa, que não possui nenhuma informação prévia sobre o tema tratado e, ainda assim, o seu texto deve ser de tal modo que possa ser por ele compreendido. Não gosto desta hipótese. Não por me sentir um aristocrata do conhecimento. Longe disso. Apenas me parece que, em se tratando de um texto científico, a ideia do leitor tábula rasa é impossível. Uma iniciação mínima faz-se necessária para a aproximação com o texto. Portanto, penso que a regra é: seja claro o suficiente para que qualquer leitor com mínima iniciação na sua área temática possa compreender o seu texto. A postura adotada no texto deve ser, preferencialmente, impessoal. Escrever em primeira pessoa está fora de cogitação. Não fica bem para um texto científico que é sempre fruto de uma produção coletiva, que o ultrapassa. Você pode até se achar o “dono da ideia” mas, no fundo, ela é projetada a partir do escólio de muitos, resultado das muitas leituras e interlocuções que realizou. Existe a opção pelo plural de modéstia (nós entendemos que... nossa pesquisa procurou afirmar... etc.). Nada contra. Já usei. Não gosto mais. Atualmente, prefiro a impessoalização (esta pesquisa analisou... buscou-se demonstrar que... etc.), por parecer-me o mais adequado e elegante quando se trata de textos científicos. A utilização das citações também é algo que atende certos critérios pessoais, de autor para autor. Regra geral, é necessário citar sempre que se está a interpretar um autor, indicando a obra interpretada, para que o leitor possa confrontar sua interpretação com o texto original e julgar se ela está ou não adequada em termos acadêmicos. Também é importante realizar citação nos casos em que a posição de um outro autor oferece algum tipo de fundamento para aquilo que você está querendo demonstrar. Ouço muito por aí aquela regra que diz: “em uma monografia não se pode ‘inovar’”. Vou dizer algo sem medo de errar: isso é um mito! Em primeiro lugar, porque está baseada em um duvidoso ideal científico de neutralidade, altamente questionável (afinal, o que está no trabalho é resultado de uma interpretação desenvolvida pelo seu autor. Essa interpretação, por si só, já não é algo novo?). Em segundo lugar, porque o caráter inovador do texto depende mais da maturidade do autor do que, propriamente, de algum estreitamento institucional besta. Se sua pesquisa reuniu condições para que você diga algo “novo”, não perca a chance de fazê-lo. Mas, se o fizer, assuma as responsabilidades daí decorrentes: o argumento “inovador” precisa de um grau de justificação mais profundo e elaborado. É preciso oferecer solidamente as razões que sustentam o dito, o que demanda uma construção mais penosa do que aquela decorrente da simples reprise ou rememoração do que já está assentado. Como uma palavra final, encerrando essa série de colunas, gostaria de fazer uma profissão de fé nas monografias jurídicas e nos tão maltratados Trabalhos de Curso. Há quem diga que eles são figuras que tendem à extinção, caso seja derrubada em alguma instância política a sua obrigatoriedade. Torço muito para que eles estejam errados. Acredito que a experiência do TC é fundamental para a formação do jurista. Não apenas pelo fruto direto que ela lhe rende, em termos de conteúdo, mas, também, pelos frutos indiretos. A realização adequada de um TC representa uma intensa experiência vital. A necessidade de lidar com o orientador, às vezes até para chamar sua atenção, a angústia da escrita, o enfrentamento radical da tragédia faústica do conhecimento (presente naquela incomoda sensação que persegue todo o estudioso: quanto mais se estuda, parece que menos se sabe), a dificuldade com a escrita, a dificuldade da defesa, etc.. Ao final, é bom saber que demos conta de tudo isso e, nesse momento, somos diferentes do que éramos antes. Há varias ocasiões em que a universidade propicia uma experiência com esse tipo de tonalidade afetiva. Mas em nenhuma delas a marca é tão radical quanto aquela vivenciada na realização de uma Iniciação Científica ou de um TC. É importante descobrir, por meio da experiência, que pesquisar é jogo que se faz com a própria ignorância: na medida em que a atividade avança, tornamo-nos menos ignorantes e, ao mesmo tempo, percebemos que aquilo que sabemos é ainda muito pouco, perto do que há para se conhecer. [1] Umberto Eco. Como se faz uma tese. 24a. ed. São Paulo: Perspectiva, 2012, passim. [2] Umberto Eco. Como se faz uma tese. 24a. ed. São Paulo: Perspectiva, 2012, p. 82.
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