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VARGAS, Marisete; NEGREIROS, Eduardo Correa de. A teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro: uma nova vertente de responsabilidade civil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 1542-1559, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 1542 A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: UMA NOVA VERTENTE DE RESPONSABILIDADE CIVIL Marisete de Vargas1 Eduardo Correa de Negreiros2 SUMÁRIO Introdução; 1 Responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro; 2 Teoria da perda de uma chance; 2.1 Introdução; 2.2 Conceito; 2.3 Aplicação da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance nos tribunais pátrios; 3 Considerações finais; 4 Referência das fontes citadas. RESUMO A teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance, foco principal deste artigo, representa um avanço importantíssimo no ordenamento jurídico brasileiro, no que concerne a responsabilidade civil. Assim, muitos casos em que anteriormente não havia sanção, ou seja, muitos atos ilícitos que acarretavam em perda de oportunidade de ganhar um lucro ou evitar um prejuízo ficavam as margens do direito civil, não possuindo assim respaldo jurídico para obrigação de indenização. Atualmente, não mais acontece, uma vez que a jurisprudência, bem como a doutrina reconhece tal dano, existindo inúmeros precedentes nas cortes brasileiras buscando o ressarcimento de danos decorrentes da perda de uma chance. No entanto, há divergências no enquadramento de tal dano. Para o desenvolvimento do artigo utiliza-se o método indutivo como base lógica e o cartesiano na fase de tratamento dos dados. Palavras-chave: Responsabilidade civil. Perda. Chance. Dano. Perda de uma chance. INTRODUÇÃO O presente estudo tem por objetivo discorrer sobre o reconhecimento de responsabilidade civil pela perda de uma chance, ou seja, a responsabilização do autor da ação ou omissão que causou a outrem a perda de uma oportunidade real de alcançar uma vantagem ou evitar um prejuízo, observadas à luz dos princípios e dos dispositivos legais vigentes. 1 Acadêmica de graduação do 8º período do Curso de Graduação em Direito UNIVALI. Endereço eletrônico: marisete@antoniogottardi.com.br. 2 Professor da Univali. VARGAS, Marisete; NEGREIROS, Eduardo Correa de. A teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro: uma nova vertente de responsabilidade civil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 1542-1559, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 1543 O tema escolhido nos últimos anos vem sendo de importância para o direito brasileiro e, principalmente para a sociedade, tendo em vista a restauração do equilíbrio moral e material desfeito. Na atualidade, os tribunais pátrios vêm recebendo uma demanda muito grande de casos dessa natureza em busca de uma solução, sendo assim, precisa ser aprofundada, uma vez que trata da tutela dos direitos dos indivíduos e garantia adequada para compensação quando da sua ocorrência. A responsabilização civil decorrente da perda de uma chance tem o seu nascedouro na doutrina francesa após intensas atividades doutrinárias e jurisprudenciais. A perda de uma chance consiste na perda da possibilidade, oportunidade de alcançar o objetivo almejado, subsistindo-se, nesta situação, o dever de indenizar. Assim, ao se reportar a perda de uma chance está a se falar na privação da possibilidade de trilhar os caminhos rumo à conquista da vantagem desejada. Nessa perspectiva o prejuízo torna-se certo, determinado e perfeitamente indenizado ante seu reflexo no patrimônio do lesionado. Salienta-se que não se busca o ressarcimento pela vantagem perdida, mas sim pela perda da oportunidade de conquistar aquela vantagem ou evitar um prejuízo, totalmente desvinculada do resultado final, no caso, o provimento jurisprudencial. É preciso insistir também no fato de que, a perda da oportunidade de ganho ou de evitação de um prejuízo sob o aspecto do dano material, imprescindível que a chance seja séria e real, não podendo ser meras expectativas e possibilidades hipotéticas. Por esta razão, desenvolve-se o estudo apresentado neste artigo, o qual, utilizando-se de pesquisas em produções acadêmicas, doutrinárias e jurisprudenciais, buscou compreender o desenvolvimento histórico, bem como sua aplicação no ordenamento jurídico e a possibilidade de adoção como sendo uma nova vertente de responsabilidade civil. Assim, com o desenvolvimento do presente estudo, pode-se responder o seguinte problema: Se a perda de uma chance é uma nova modalidade de dano? Pode-se, inicialmente, considerar que a perda de uma chance é uma nova modalidade de dano, no entanto, no decorrer do estudo será possível confirmar a VARGAS, Marisete; NEGREIROS, Eduardo Correa de. A teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro: uma nova vertente de responsabilidade civil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 1542-1559, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 1544 hipótese em questão. Resta assim caracterizada a relevância social da pesquisa, bem como sua contribuição à ciência jurídica. 1 RESPONSABILIDADE CIVIL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Antes de adentrar-se na temática da Teoria da perda de uma chance, é necessário abordarmos a conceituação da responsabilidade civil no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Responsabilidade civil pode-se traduzir por uma obrigação de reparo, ou seja, quando um indivíduo causa dano a outrem por uma ação ou omissão. Assim, todo dano causado pelo individuo, ao ser reparado na esfera judiciária, chamamos de indenização. Esta indenização, geralmente é em valor pecuniário. Portanto, ao causar um dano, seja ele por ação ou omissão, obriga o indivíduo ao ressarcimento, isto é, indenizar o outrem, como medida de estabelecer equilíbrio, bem como sanção ao ato praticado. Assim, essa sanção atinge diretamente o patrimônio do indivíduo. No intuito de buscar a restituição do ordenamento jurídico violado, foi introduzido no Código Civil Brasileiro o instituto em comento, objetivando o reparo que outrora foi violado. Dessa forma, rezam os artigos 186, 385, 395 e 927 do Código Civil as espécies de responsabilidades civis existentes. Tais espécies são definidas como contratual (art. 385 e art. 395 do CC), quando há inadimplemento de uma obrigação e; a extracontratual (art. 186 e 927 do CC), quando há violação direta dos dispositivos legais. Os doutrinadores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho3 apontam para uma conceituação da responsabilidade civil, ao asseverarem que: A responsabilidade, para o Direito, nada mais é, portanto, que uma obrigação derivada – um dever jurídico sucessivo – de assumir as consequências jurídicas de um fato, consequências essas que podem variar (reparação dos danos e/ou punição pessoal do agente lesionante) de acordo com os interesses lesados. Ademais, sobre o âmbito privado os autores esclarecem: 3 GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v.3. p.3. VARGAS, Marisete; NEGREIROS, Eduardo Correa de. A teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro: uma nova vertente de responsabilidade civil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas daUNIVALI. v. 4, n.2, p. 1542-1559, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 1545 Trazendo esse conceito para o âmbito do Direito Privado, e seguindo essa mesma linha de raciocínio, diríamos que a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas4. Sobre os pressupostos, a maioria da doutrina configura a responsabilidade civil como tendo os seguintes: conduta; dano e nexo de causalidade. Trazendo esses pressupostos para a teoria da perda de uma chance, o que mais está relacionado é o dano, uma vez que sem o dano não há como falar em indenização. Nesse contexto, dano pode ser tanto moral como material, e pode-se definir como um ato praticado por alguém causando um prejuízo a outrem, sendo por ação ou omissão, bem como com os elementos subjetivos do dolo ou culpa. Outra não é a lição de Sérgio Cavalieri Filho5 quando define o dano: [...] o dano é não somente o fato constitutivo mas, também, determinante do dever de indenizar. [...] o dano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como se a sua honra, a imagem, a liberalidade etc. em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral. O reparo do dano, ou seja, a obrigação de indenizar (dever) nada mais é do que a consequência jurídica da prática de um ato danoso causado por alguém em prejuízo de outrem. Ademais, a Constituição Federal vigente também preceitua o dever de indenizar como sendo medida de justiça que se impõe a todo indivíduo que causa um prejuízo a outrem por uma ação ou omissão, veja o disposto nos incisos V e X do art. 5º, in verbis: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...] 4 GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 9. 5 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. 3. reimpr. São Paulo: Atlas, 2008. p. 71. VARGAS, Marisete; NEGREIROS, Eduardo Correa de. A teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro: uma nova vertente de responsabilidade civil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 1542-1559, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 1546 X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Corroborando, a responsabilidade civil, como já esclarecida, vem positivada no Código Civil Brasileiro vigente, tanto na parte geral (arts. 186, 187 e 188), quanto na parte especial (Título IX, capítulos “Da obrigação de indenizar” e “Da Indenização”). 2 A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE 2.1 Introdução Após uma breve análise sobre a temática da responsabilidade civil no direito brasileiro, passa-se ao tema propriamente dito, a Teoria da Perda de Uma Chance. A consequência jurídica da perda de uma chance, como sendo uma responsabilidade civil é um tema recente no direito brasileiro, bem como a sua aplicação nos tribunais pátrios. Para uma melhor análise da temática, bem como uma definição e até mesmo a compreensão do tema e sua aplicação prática será necessário abordar, inicialmente, o surgimento e evolução da Teoria no universo jurídico. Neste caso, o que será abordado é a oportunidade séria e realizável de alguém quando se vê privado, uma vez que o ato ofensivo de uma pessoa, o impede de obter uma determinada vantagem ou de evitar um prejuízo. Assim, neste estudo dedica-se, especificamente, sobre a oportunidade, possibilidade que uma pessoa deixou de receber em face da conduta de outrem. Neste compasso, orienta Sérgio Savi6 nas palavras de Maurizio Bocchiola, “aquilo que não aconteceu não pode nunca ser objeto de certeza absoluta”. No entanto, ao ser analisado a probabilidade da obtenção do objetivo final, deparou-se com a situação de que a conduta de uma pessoa ao impossibilitar a chance de outrem em realizar seu objetivo não sofreria uma punição porque não haveria certeza da concretização do objetivo. Assim, durante muito tempo não possuía respaldo no ordenamento jurídico tal ato. 6 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 1. VARGAS, Marisete; NEGREIROS, Eduardo Correa de. A teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro: uma nova vertente de responsabilidade civil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 1542-1559, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 1547 Diante da evolução dos estudos em relação as estatísticas e probabilidades, ficou possível predeterminar a probabilidade de êxito em determinados casos, diante disso, surgiu os primeiros casos no universo jurídico de reconhecimento da perda de uma chance. Na França, berço da teoria, surgiu na década de 1960, quando a doutrina e a jurisprudência tiveram maior dedicação e aprofundamento, em razão disso, foi desenvolvido estudos em que haveria a possibilidade de indenização de um dano diverso ao do resultado final, qual seja, o da perda da chance7. Assim, surgiu a teoria da perda da chance que defendia a concessão da indenização pela perda da possibilidade de conseguir uma vantagem e não pela perda da própria vantagem perdida. Neste passo, surgiu a diferença entre o resultado perdido e a possibilidade de obtê-lo. Para os franceses, o termo chance significa, em sentido jurídico, a probabilidade de obter um lucro ou de evitar uma perda, por isso, que foi empregado a expressão “Teoria da perda de uma chance”8. Pode-se definir como a busca de conceder um amparo legal a todas as vítimas da perda de uma chance que “significa, em sentido jurídico, a probabilidade de obter um lucro ou de evitar uma perda. No vernáculo, a melhor tradução para o termo chance seria oportunidade9.” Assim, surgiu “o desenvolvimento de uma teoria específica [...] que defendia a concessão de indenização pela perda da possibilidade de conseguir uma vantagem e não pela perda da própria vantagem perdida10.” Diante dos estudos aprofundados sobre o tema, os franceses difundiram a teoria para outros países europeus, em especial na Itália, onde se destacaram doutrinadores, tais como Giovani Pacchioni, Adriano de Cupis e Maurizio Bocchiola que também aprofundaram seus estudos. Assim, a teoria em comento possui aceitação na Europa a partir da década de 60. Neste cenário, em 19 de novembro de 1983, na Corte de Cassazioni, foi julgado o primeiro caso favorável à indenização por perda da chance na Itália11. 7 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil pela perda de uma chance..p. 3. 8 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. p.3 9 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006.p.3 10 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. p.3 11 SAVI, Sérgio. Responsabilidadecivil por perda de uma chance. p.27 VARGAS, Marisete; NEGREIROS, Eduardo Correa de. A teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro: uma nova vertente de responsabilidade civil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 1542-1559, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 1548 No Brasil, até os dias atuais não há um estudo aprofundado por parte dos doutrinadores, no entanto, dentre os estudos destaca-se a dissertação de mestrado defendida por Rafael Pettefi da Silva12 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em que foi analisado a responsabilidade civil em decorrência da perda de uma chance no Direito Francês. Além do Rafael Pettefi da Silva, destacam-se outros doutrinadores que também veem contribuindo com seus estudos e análises sobre o tema, pode-se citar, Agostinho Alvim, Aguiar Dias, Carvalho Santos, Caio Mario e Miguel Maria de Serpa Lopes, além do Silvio de Salvo Venosa. Ademais, nobres julgadores que compõem o judiciário brasileiro também têm contribuído no reconhecimento da teoria no universo jurídico pátrio, em especial o Tribunal do Rio Grande do Sul que foi o precursor dos primeiros julgados de casos em que foi reconhecida a perda de uma chance. 2.2 Conceito Do ponto de vista técnico para caracterizar a responsabilidade civil é necessário à ocorrência do dano, seja ele moral ou material. Portanto, dano é tudo aquilo que um indivíduo causa a outrem por meio de uma ação ou omissão. Após o advento do novo Código Civil, onde a responsabilidade civil está positivada, novas espécies de danos começaram a surgir, uma vez que houve uma flexibilização jurisprudencial e doutrinária no sentido de identificar a consumação do ato ilícito, ou seja, o dano propriamente dito. Neste sentido, com a mudança de pensamentos, bem como de julgamentos realizados nos tribunais pátrios, começaram a surgir o reconhecimento de outras formas de danos, como por exemplo, o dano decorrente da perda de uma chance. Neste passo, a perda de uma chance pode ser conceituada quando um indivíduo deixa de obter um ganho ou de evitar um prejuízo em razão da conduta de outrem. Ocorrendo o dano, portanto, deve ser indenizado. 12 PETTEFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade civil pela perda de uma chance no Direito Francês. Dissertação de mestrado, Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, 2001, sob a orientação da Profa. Dra. Judith Martins-Costa, no prelo. VARGAS, Marisete; NEGREIROS, Eduardo Correa de. A teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro: uma nova vertente de responsabilidade civil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 1542-1559, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 1549 Com efeito, a tese “teoria da perda de uma chance” (perte d'une chance), consoante lições doutrinárias de Sergio Cavalieri Filho13: Deve ser aplicada nos casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor, como prosseguir na carreira artística ou no trabalho, arrumar um novo emprego, dentre outras. Entretanto é necessário que se trate de uma chance real e séria, que proporcione ao lesado efetivas condições pessoais de concorrer à situação futura esperada. Os casos clássicos de ocorrência de dano decorrente da perda de uma chance são a perda de um prazo no processo judicial pelo advogado contratado pelo cliente. Assim, por exemplo, o advogado não recorre de uma sentença de primeiro grau sendo desfavorável ao cliente, dessa forma, o cliente perde a oportunidade de ver seu pedido apreciado pelo Tribunal, ceifando a possibilidade de uma reforma da decisão inicial. Também se encontra a ocorrência de dano decorrente da perda da chance de cura de um paciente. Nesse caso, o médico não diagnosticou no tempo hábil o paciente, impossibilitando-o da possibilidade de cura. Diante disso, quando a conduta de alguém causa uma perda de ganho ou um prejuízo a outrem, ocorre a perda de uma chance, cujo dano, merece ser indenizado. Assim, a perda de uma chance é uma espécie de dano, portanto, uma das novas espécies que atualmente são reconhecidas nos tribunais pátrios, bem como por renomados doutrinadores brasileiros. Acerca da chance Fernando Noronha14 sustenta que: Quando se fala em chance, estamos perante situações em que está em curso um processo que propicia a uma pessoa a oportunidade de vir e obter no futuro algo benéfico. Quando se fala em perdas de chances, para efeitos de responsabilidade civil, é porque esse processo foi interrompido por um determinado fato anti-jurídico e, por isso, a oportunidade ficou irremediavelmente destruída. Nestes casos, a chance que foi perdida pode ter-se traduzido tanto na frustração da oportunidade de obter uma vantagem, que por isso nunca mais poderá acontecer, como na frustração da oportunidade de evitar um dano, que por isso depois se verificou. No primeiro caso, em que houve a interrupção de um processo vantajoso que 13 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Responsabilidade Civil. p. 91-92. 14 NORONHA, Fernando. Revista de direito privado. N.º 23, julho-setembro de 2005. Editora Revista dos Tribunais. p. 28. VARGAS, Marisete; NEGREIROS, Eduardo Correa de. A teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro: uma nova vertente de responsabilidade civil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 1542-1559, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 1550 estava em curso, poderemos falar em frustração da chance de obter vantagem futura; no segundo, em que não houve a interrupção de um processo danoso em curso, falar-se-á em frustração da chance de evitar um dano efetivamente acontecido (e em que, portanto, temos um dano presente). O eminente doutrinador Sérgio Cavalieri Filho15 aponta para o mesmo norte, ao asseverar que: Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. De igual modo, merece destaque o nobre doutrinador Silvio de Salvo Venosa16, em sua monografia, que esclarece: Importa examinar no caso concreto quais as chances que efetivamente foram perdidas e poderiam beneficiar a vítima. Quando há perda de chance, o que se indeniza é a potencialidade da perda e não se leva em conta a perda efetiva. Destaque-se, a respeito, a lição de Sílvio de Salvo Venosa17: Se a possibilidade frustrada é vaga ou meramente hipotética, a conclusão será pela inexistência de perda de oportunidade. A “chance” deve ser devidamente avaliada quando existe certo grau de probabilidade, um prognóstico de certeza, segundo avaliamos. Nesta banda, pode-se verificar que o reconhecimento da perda de uma chance se funda na probabilidade real e certa de um ganho futuro ou evitação de um prejuízo. Assim, não basta a mera existência de uma probabilidade de um ganho futuro ou de evitação de um prejuízo. A probabilidade, em si, não é capaz de configurar qualquer responsabilidade por outrem no seu não-agir. Contudo, se estiver perante uma situação que, certamente, ou muito provavelmente poderia ser obtido um ganho ou evitado um prejuízo, daí sim, estaria diante de conduta (não-15 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. p. 74-75. 16 VENOSA, Sílvio de Salvo. Responsabilidade civil. 8 ed. p. 265. 17 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. p. 272-273. VARGAS, Marisete; NEGREIROS, Eduardo Correa de. A teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro: uma nova vertente de responsabilidade civil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 1542-1559, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 1551 conduta) suscetível de reprimenda pois, efetivamente, estaria diante de perda de uma chance. Nesse passo, vale frisar as palavras do eminente jurista Miguel Maria de Serpa Lopes18 ao asseverar que: Tem-se entendido pela admissibilidade do ressarcimento em tais casos [perda de uma chance], quando a possibilidade de obter lucro ou evitar prejuízo era muito fundada, isto é, quando mais do que possibilidade havia numa probabilidade suficiente, é de admitir que o responsável indenize essa frustração. Para tanto, mister que essa situação seja clara, séria, quase concreta, e que não se incline para uma simples quimera. A chance deve ser considerável e não meramente eventual. Ademais, o objetivo do reconhecimento da perda de uma chance como uma espécie de dano, suscetível de reprimenda, ou seja, indenização, não é a perda de uma vantagem futura ou a concretização de evitar um prejuízo, mas sim, a perda da chance de alcançar o objetivo almejado. Neste cenário, o que se deseja não é o resultado, mas a possibilidade de conseguir chegar no objetivo desejado. Fato é que, existe aceitação da teoria em nosso ordenamento jurídico, tanto por parte da doutrina quanto por parte da jurisprudência nos dias atuais. Contudo, há divergências no enquadramento da teoria no que se refere ao dano decorrente pela conduta. O autor Sergio Savi discorre em sua obra Responsabilidade Civil por perda de uma chance, referindo-se à indenização da perda da chance19: O óbice à indenização nestes casos se dava pela indevida qualificação desta espécie de dano. Normalmente, a própria vítima do dano formulava inadequadamente a sua pretensão. Ao invés de buscar a indenização da perda da oportunidade de obter uma vantagem. Ao assim proceder, a vítima esbarrava no requisito de certeza dos danos, tendo em vista que a realização da vantagem esperada será sempre considerada hipotética, em razão da incerteza que envolve os seus elementos constitutivos. No entanto, há alguns doutrinadores, os mais clássicos, que enquadraram a teoria como lucro cessante, enquanto outros doutrinadores, por exemplo, Sergio 18 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil. p. 375-376. 19 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil pela perda de uma chance.p.3 VARGAS, Marisete; NEGREIROS, Eduardo Correa de. A teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro: uma nova vertente de responsabilidade civil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 1542-1559, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 1552 Savi, tenderam a enquadrar como sendo uma subespécie de dano emergente, e há ainda os que entendem ser uma terceira categoria de dano, ou seja, uma categoria autônoma, a exemplo de Silvio de Salvo Venosa. Além de haver entendimentos de ser uma modalidade de dano moral. Assim, a jurisprudência vem reconhecendo a teoria da perda de uma chance atualmente, no entanto, por haver a divergência doutrinária no que se refere ao enquadramento do dano, há divergências também nos julgados, uma vez que há dificuldade em enquadrar a perda de uma chance. 2.3 Aplicação da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance nos Tribunais Pátrios A pesquisa jurisprudencial neste trabalho foi realizada com base nas incluídas nas obras doutrinárias utilizadas, bem como pesquisa atualizada nos Tribunais Pátrios em outubro de 2012. Os julgados atuais, majoritariamente consideram a perda de uma chance como uma modalidade de dano moral, no entanto, há julgados que se enquadram em outras modalidades de dano, inclusive como uma modalidade autônoma. Como foi relatado neste trabalho, o primeiro acordão brasileiro que mencionou a perda de uma chance como uma responsabilidade civil é de 1990, cujo relator foi Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Ruy Rosado de Aguiar Júnior, nesse caso, a análise da teoria não foi reconhecida20. O caso concreto tratava-se de um erro médico, a autora da ação havia se submetido a uma cirurgia para correção de miopia em grau quatro da qual resultou uma hipermetropia em grau dois, além de cicatrizes na córnea que acarretaram névoa no olho operado21. No entanto, em 1991 pelo mesmo Desembargador, houve decisão de mais um caso em que a teoria da perda de uma chance foi utilizada, sendo nesse caso, 20 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. p.45 21 O acórdão está assim ementado: “Cirurgia seletiva para correção de miopia, resultando névoa no olho operado e hipermetropia. Responsabilidade reconhecida, apesar de não se tratar, no caso, de obrigação de resultado e de indenização por perda de uma chance.” TJRS, 5ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 598069996, Rel. Des. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, julgado em 12/06/2190. VARGAS, Marisete; NEGREIROS, Eduardo Correa de. A teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro: uma nova vertente de responsabilidade civil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 1542-1559, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 1553 reconhecida como dano, no caso concreto tratava-se de um caso clássico de responsabilidade civil por perda de uma chance, entre advogado e constituinte22. O acórdão está assim ementado23: RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. PERDA DE UMA CHANCE. Age com negligência o mandatário que sabe do extravio dos autos do processo judicial e não comunica o fato à sua cliente nem trata de restaurá-los, devendo indenizar à mandante pela perda da chance. Estes foram os dois julgados que deram abertura para os demais sobre o tema da responsabilidade civil por perda de uma chance. Assim, atualmente a jurisprudência vem caminhando os mesmos passos do início, ou seja, gradativamente vem julgando casos concretos com base na teoria. No entanto, o enquadramento da teoria continua seguindo a mesma linha de entendimento anterior, ou seja, ainda há divergências em qual categoria a mesma deverá ser enquadrada. A quinta Câmara Cível de Porto Alegre do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em julgado proferido em data próxima manifestou seu posicionamento pela aplicação da teoria da perda de chance, no entanto, enquadrou como modalidade do dano moral. Pode-se perceber tal fato pela análise do seguinte acórdão24: APELAÇÃO CIVIL. ENSINO PARTICULAR. DEMORA NA ENTREGA DE DOCUMENTOS PARA PROVIDENCIAR A TRANSFGERENCIA DA PARTE AUTORA. PERDA DE CHANCE DE TRANSFERENCIA DE UNIVERSIDADE. DESIDIA DA UNIVERSIDADE. DANOS MORAIS DEVIDOS. A hipótese dos autos configura evidente caso de perda de uma chance, pois a negligência e o descaso da demandada ocasionaram a perda da possibilidade de transferência do curso frequentado pela autora para a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Agora, para um novo ingresso, a demandante terá que se submeter a vestibular, cuja aprovação é incerta. Perda da chance comprovada. Para configurar os danos moais deve-se ter em mente que aindenização deve ser em valor tal que garanta à parte credora uma 22 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. p.45/46. 23 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 591064837, de Porto Alegre Relator: Des. Ruy Rosado de Aguiar. Órgão Julgador: Quinta Câmara Cível Data do Julgamento: 29/08/1991 <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 25 nov 2012. 24 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 70046823233, de Porto Alegre Relator: Romeu Marques Ribeiro Filho. Órgão Julgador: Quinta Câmara Cível Data do Julgamento: 29/02/2012. Data da Publicação: Diário da Justiça do dia 06/03/2012 www.tjrs.jus.br. Acesso em 25 nov 2012. VARGAS, Marisete; NEGREIROS, Eduardo Correa de. A teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro: uma nova vertente de responsabilidade civil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 1542-1559, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 1554 reparação pela lesão experimentada, bem como implique, àquele que efetuou a conduta reprovável, impacto suficiente para dissuadi-lo na repetição de procedimento símile. O valor fixado deve ser majorado, não caracterizando enriquecimento indevido por parte da autora, a fim de se adequar aos parâmetros adotados por essa Colenda Câmara. Os juros moratórios devem ser fixados a contar do evento danoso, de acordo com o que determina a Súmula 54 do STJ. A propósito, sobre este tema, a mesma Corte já decidiu25: APELAÇÃO CÍVEL. ENSINO PARTICULAR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. NÃO RECONHECIMENTO DO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSU PELA CAPES. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DANO MORAL CONFIGURADO. 1. Cuida-se de controvérsia calcada em típica relação de consumo, na qual a apelada figura como prestadora de serviços educacionais, de forma que inarredável a incidência das disposições protetivas do Código de Defesa do Consumidor, sendo inevitável o reconhecimento da vulnerabilidade da parte autora. 2. Danos morais. 2.1. Indiscutível que os fatos noticiados, certamente, atingiram à órbita moral da parte autora, afetando-os no seu íntimo, tranquilidade e sossego. Percebe- se, pois, configurado, de forma inquestionável, o dano moral, sendo desnecessária, neste caso, a comprovação específica do prejuízo, pois o dano se extrai a partir da verificação da conduta. Ora, a prestação de serviço foi defeituosa, na medida em que o curso não foi reconhecido pela CAPES e a parte autora não poderá utilizar a titulação para ministrar aulas em instituições de ensino na modalidade oferecida inicialmente pela ré. 3. Danos materiais. 3.1. Mantido o valor da indenização pela perda de uma chance, na medida em que os lucros cessantes, com causa de que a autora teria deixado, legitimamente de ganhar, são deferidos, porém não na extensão pretendida. Ocorre que a parte autora não tinha, nem nunca teve a certeza da contratação com a expectativa de incremento nos seus rendimentos sob a titulação reconhecida pela CAPES. Assim, do descumprimento do contrato, lhe advém a perda de uma chance, como causa de responsabilidade da ré. 3.2. In casu, nem todas as despesas estão efetivamente comprovadas, em especial as despesas com viagens. A única documentação acostada aos autos se refere às despesas com hospedagem que foram necessárias para que a autora frequentasse o curso na Cidade de Concórdia SC, o que deverá ser indenizada. 4. Verba honorária invertida e majorada. Em outra oportunidade a mesma Corte já havia se posicionado quanto a utilização da teoria em trato, ao proferir o seguinte julgado26: 25 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 70037261146 de Erechim. Relator: Artur Arnildo Ludwig. Órgão Julgador: Sexta Câmara Cível. Data do Julgamento: 25/08/2011. Data da Publicação: Diário da Justiça do dia 05/09/2011. <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 25 nov 2012. VARGAS, Marisete; NEGREIROS, Eduardo Correa de. A teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro: uma nova vertente de responsabilidade civil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 1542-1559, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 1555 RESPONSABILIDADE CIVIL. ENSINO PARTICULAR. DANO MORAL E MATERIAL. REPROVAÇÃO DE ALUNA. Comprovada a irregularidade na reprovação da aluna, à qual não foi oportunizada adequada recuperação terapêutica, com perda da chance de ser aprovada e rompimento de seu equilíbrio psicológico, impõe-se seja indenizado o dano moral sofrido. A frustração dos pais, porém, não constitui dor passível de reparação, nas circunstâncias. Dano material afastado. Apelo provido em parte. Corroborando ao entendimento, o Superior Tribunal de Justiça já tem se posicionado acerca do tema ao proferir o acórdão seguinte27: RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOCACIA. PERDA DO PRAZO PARA CONTESTAR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS FORMULADA PELO CLIENTE EM FACE DO PATRONO. PREJUÍZO MATERIAL PLENAMENTE INDIVIDUALIZADO NA INICIAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS. JULGAMENTO EXTRA PETITA RECONHECIDO. 1. A teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance - desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro. 2. Em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da "perda de uma chance" devem ser solucionadas a partir de uma detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do processo, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico. Vale dizer, não é o só fato de o advogado ter perdido o prazo para a contestação, como no caso em apreço, ou para a interposição de recursos, que enseja sua automática responsabilização civil com base na teoria da perda de uma chance. É absolutamente necessária a ponderação acerca da probabilidade - que se supõe real - que a parte teria de se sagrar vitoriosa. 3. Assim, a pretensão à indenização por danos materiais individualizados e bem definidos na inicial, possui causa de pedir totalmente diversa daquela admitida no acórdão recorrido, de modo que há julgamento extra petita se o autor deduz pedido certo de 26 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 70007261795, de Osorio. Relator: Leo Lima. Órgão Julgador: Quinta Câmara Cível. Data do Julgamento: 27/11/2003. <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 25 nov 2012. 27 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 201000685378. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Órgão Julgador: Quarta Turma. Data da Publicação: DJE 22/11/2010. vol.: 00095. pg: 00125. <www.stj.jus.br>. Acesso em 25 nov 2012. VARGAS, Marisete; NEGREIROS, Eduardo Correa de. A teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídicobrasileiro: uma nova vertente de responsabilidade civil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 1542-1559, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 1556 indenização por danos materiais absolutamente identificados na inicial e o acórdão, com base na teoria da "perda de uma chance", condena o réu ao pagamento de indenização por danos morais. 4. Recurso especial conhecido em parte e provido. Nota-se que os casos mais recentes postos à análise da jurisdição brasileira encontram-se diversos temas, bem como atividades profissionais liberais. No entanto, como nota-se, na maioria dos julgados os nobres julgadores tem enquadrado o tema na modalidade de dano moral, uma vez que a própria doutrina ainda não conseguiu defini-la pacificamente. Portanto, ainda falta um aprofundamento no direito brasileiro para sanar as dúvidas que são geradas com relação à sua aplicação. Em verdade, a perda de uma chance, como se verifica no presente estudo, é um dano em decorrência da violação a um interesse sério e com grandes probabilidades de gerar um ganho futuro, seja patrimonial ou extrapatrimonial. Assim, nos casos concretos, postos à análise do judiciário brasileiro, existem a perda da possibilidade de conseguir um ganho material, mas também existem casos considerados como agregador do dano moral, ou seja, situações ilícitas que alguém causa prejuízo patrimonial além de causar também prejuízo de ordem moral, devido à dor e sofrimento sentido pelo lesado. Diante disso, em casos como esses, a aplicação correta da teoria da perda de uma chance seria a fixação de indenização pelos danos decorrentes da perda de uma chance, cumulada com a indenização por dano moral. Esse é o entendimento do eminente doutrinador Sergio Savi, “o que não se pode admitir, é considerar o dano da perda de uma chance como sendo um dano exclusivamente moral”28 Assim, percebe-se nos julgados, que há situações concretas que geram danos às pessoas, no entanto, os tribunais tem dificuldades em reconhecer a obrigação de reparar, uma vez que a própria doutrina ainda não pacificou o seu enquadramento. Porém, já está pacificado o reconhecimento da perda de uma chance como um dano sério e real, assim, deve ser encarado pelo judiciário como algo que precisa ser indenizado, ou seja, capaz de ser reconhecido pelo direito brasileiro. Neste passo, a quem enquadre a perda de uma chance como uma modalidade autônoma de dano, capaz de gerar o direito e a obrigação de indenizar. 28 SAVI, SÉRGIO. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 53. VARGAS, Marisete; NEGREIROS, Eduardo Correa de. A teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro: uma nova vertente de responsabilidade civil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 1542-1559, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 1557 Assim, cabe elencar o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, onde reconheceu a perda da chance como modalidade autônoma29: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PREJUÍZOS CAUSADOS EM RAZÃO DE MANDATO. SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. NEGLIGÊNCIA. PERDA DE CHANCE. Teoria da perda de chance é utilizada para calcular indenização quando há um dano atual, porém incerto, dito "dano hipotético. O que se analisa é a potencialidade de uma perda, não o que a "vítima realmente perdeu (dano emergente) ou efetivamente deixou de ganhar (lucro cessante). Ausência de produção de prova testemunhal na ação trabalhista patrocinada e a conseqüente insuficiência de demonstração da justa causa, sendo que o advogado tinha perfeitas condições de fazê-lo. Ocorrendo a perda da chance, nisso já reside o prejuízo. QUANTUM CONDENATÓRIO. Critérios para mensuração. Inexistência de parâmetros legais, sendo deixada ao prudente arbítrio do julgador. Deve atentar este para a função reparadora da indenização, que, antes de tudo, demanda a aplicação do princípio da equidade, a fim de que a parte sofredora do abalo moral não venha a locupletar-se com enriquecimento indevido. Julgada parcialmente procedente a demanda. Invertidos os ônus da sucumbência. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. Nesse caso, está a correta aplicação da teoria da perda de uma chance, onde não foi enquadrado nas demais espécies de danos existentes no direito civil brasileiro, mas como sendo um dano decorrente da perda da chance. Neste compasso, com a evolução do direito civil, bem como o reconhecimento no ordenamento jurídico brasileiro da perda de uma chance, pode concluir que toda vez que alguém perder a oportunidade séria e real de obter um lucro ou de evitar um prejuízo, deverá ser indenizado. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto, pode-se observar que a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance vem sendo reconhecida nos tribunais pátrios, bem como pelos doutrinadores, apesar da divergência no seu enquadramento. Assim, sempre que houver a perda da oportunidade séria e real, existem grandes chances de vitória ao ser aplicada a teoria da perda de uma chance como sendo uma responsabilidade civil. 29 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 70025788159, de São Francisco de Paula. Órgão Julgador: Décima Sexta Câmara Cível. Relator: Ergio Roque Menine. Data do Julgamento: 23/07/2009. Data da Publicação: Diário da Justiça do dia 12/08/2009. <www.stj.jus.br>. Acesso em 25 nov 2012. VARGAS, Marisete; NEGREIROS, Eduardo Correa de. A teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro: uma nova vertente de responsabilidade civil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 1542-1559, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 1558 Com as crescentes demandas no judiciário de pleitos buscando o reconhecimento da perda da chance, bem como sua aplicação, não haverá dúvidas de que a doutrina, bem como os julgadores terão que aprofundar mais o tema buscando pacificar as divergências existentes no sentido de enquadramento da mesma. Uma vez que, trará respaldo e segurança jurídica a sociedade. Ao concluir o presente artigo, pode-se perceber que alguns doutrinadores, bem como tribunais pátrios consideram a perda de uma chance como sendo uma nova modalidade de dano, ou seja, uma nova vertente no ordenamento jurídico. Podendo assim, confirmar a hipótese do inicio do estudo. No entanto, ainda não há uma posição pacífica quanto ao seu enquadramento, tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Assim, a perda de uma chance é reconhecida no ordenamento jurídico, porém, seu enquadramento ainda não está pacificado. REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS BRASIL. Vade Mecum compacto. Obra de autoria da Editora Saraiva com colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspedes. 5.ed.atual.e ampl. São Paulo: Saraiva, 2011. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed.3. reimpr. São Paulo: Atlas, 2008. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Responsabilidade Civil. São Paulo: Ed. Malheiros – 4.ed. São Paulo, 2005. GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2003. GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 3. LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999. v. 2. PETTEFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade Civil pela Perda de Uma Chance.2.ed. São Paulo: Atlas, 2009. ROSSI, Júlio César. Responsabilidade Civil do Advogado e da Sociedade de Advogados. São Paulo: Atlas, 2007. SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006. VARGAS, Marisete; NEGREIROS, Eduardo Correa de. A teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro: uma nova vertente de responsabilidade civil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 1542-1559, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 1559 SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2007. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, acesso em nov. 2012. Disponível em: < http://www.tjrs.jus.br/>. Acesso em 25 nov 2012. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Acesso em nov. 2012. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em 25 nov. 2012. NORONHA, Fernando. Revista de Direito Privado. n. 23, julho-setembro de 2005. São Paulo: Revista dos Tribunais. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, acesso em nov. 2012. Disponível em: www.tjrj.jus.br . Acesso em 25 nov 2012.
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