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Prévia do material em texto

QUANDO TRABALHAR É NEUROTIZANTE1
Peter K. Spink2
E neurotizante ainda é o trabalho de milhares de pessoas. Nestes casos,
pouco adianta fazer a terapia individual dos funcionários estressados. Há
modelos de organização de trabalho que são verdadeiras máquinas de
estressar trabalhadores. O psicólogo organizacional Peter Spink, professor da
Fundação Getúlio Vargas e membro o Tavistock Institute, começa hoje a
debater as novas escolhas possíveis para uma melhor qualidade de vida no
trabalho. Suas reflexões estão baseadas em experiências concretas, uma das
quais será contada minuciosamente na próxima edição.
O que muitas empresas têm de desumano é o seu próprio modelo de trabalho. Um modelo
que diariamente, sistematicamente, violenta e restringe as reais capacidades de uma pessoa
dentro de um escritório ou de uma fábrica. Para entender melhor como funciona este modelo,
dou um exemplo bem simples. Imagine uma pessoa preparando um jantar para os amigos. Ela
enfrenta mil pequenos desafios e apronta o seu jantar. Agora, o que aconteceria se este mesmo
jantar fosse produzido dentro de um modelo industrial?
Bem, aí a produção do jantar já seria minuciosamente dividida. Um assistente, por
exemplo, cuidaria dos alimentos secos, outro cuidaria dos alimentos molhados. Um ajudante
ficaria encarregado de pegar os objetos da geladeira, outro só pegaria os do armário. As tarefas
iriam se separando cada vez mais. Pois este é o modelo industrial clássico de trabalho: separar o
máximo possível as tarefas. É considerado mais racional agir assim. Dividir, dividir, dividir. O
operário é obrigado a trabalhar num setor cada vez mais limitado, mais repetitivo, e sem nenhum
vínculo com as outras áreas do processo.
O movimento, digamos assim, de qualidade de vida no trabalho seria tentar intervir neste
processo, para focalizar as conseqüências práticas deste tipo de divisão do trabalho, para
denunciar o quanto ele aliena e empobrece as pessoas e para mostrar que existem outros
caminhos a serem investigados. 
Caso contrário, as pessoas vão passar uma grande parte da vida trabalhando em condições
que não permitem que elas utilizem suas habilidades. Na escola, esta pessoa aprendeu a
raciocinar, a resolver problemas, criar alternativas. Na fábrica , é obrigada a ficar levantando e
abaixando o braço cinco mil vezes por dia. Ora, para fazer isso, nem teria sido preciso freqüentar
escola. Os engenheiros de produção que adotam este modelo reducionista de trabalho partem
do princípio de que as pessoas não conseguem fazer bem outra coisa. E a empresa investiu tanto,
treinando-as para que fizessem bem aquele pequeno trabalho. O engenheiro não quer saber se,
nos fins de semana, aquelas mesmas pessoas se revelam intensamente criativas. Organizam
1 Artigo publicado na seção “Qualidade de Vida no Trabalho (1)” da Revista Psicologia Atual, nº 27, p. 16-20,
1982.
2 Peter Spink fez PhD em psicologia organizacional na Universidade de Londres, depois trabalhou vários anos
no Tavistock Institute. Radicado agora no Brasil, é professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, e do
programa de pós-graduação em Psicologia Social da PUC.
jogos de futebol, forrós, romarias, movimentos sindicais, e ainda quebram os mais diferentes
galhos dentro de casa. O que acontece, enfim, neste tempo livre, é a negação viva do fato de que
estas pessoas na fábrica precisem ficar toda a vida num trabalho limitado. Quando tem que fazer
o orçamento da sua família, um operário enfrenta os mesmos problemas (senão mais difíceis) do
que os técnicos do departamento contábil da sua empresa. Numa comunidade de base ou num
sindicato, ele está lidando com a mesma problemática organizacional que enfrenta um chefe de
setor. Há portanto, uma total incongruência entre a idéia do que as pessoas podem fazer e o que
realmente elas fazem.
O resultado é que o nível de qualidade de vida no trabalho anda hoje muito baixo. A
poluição social e humana de certas empresas modernas é até pior do que a sua poluição
ambiental. Nelas, pessoas cheias de capacidades são jogadas em situações onde suas
potencialidades não podem ser utilizadas. E, aos 65 anos, esta pessoa é de novo jogada no lixo
de uma aposentadoria igualmente limitada - e já gasta, cheia de doenças nervosas e respiratórias.
Essa é, sem dúvida, uma tremenda poluição social.
O empresário: é ele contra o mundo?
As coisas às vezes se passam como se a empresa fosse uma espécie de barco solitário
boiando nos mares da sociedade. Ora, a empresa faz parte da sociedade. Ao ceder seus membros
para uma determinada empresa, a sociedade está fazendo uma forma de empréstimo social. E em
todo empréstimo há condições bem específicas. No caso, o governo e todas as partes envolvidas
devem discutir e estabelecer as condições deste empréstimo. As condições não são simplesmente
coisas como salário em dia, fundo de garantia, férias, segurança no trabalho, mas também as
coisas menos visíveis, como direito de participar no planejamento do rumo da empresa, direito
sindical e a própria qualidade de vida no trabalho. Assim, a qualidade de vida no trabalho não é
um favor, faz parte de um empréstimo social que cada vez mais deverá ser acompanhado de
perto pelo sindicato. Essa idéia de empréstimo social torna estranha aquela figura de empresário
que pensa sou eu contra tudo e contra todos, em nome do lucro e da produtividade.
Num livro recente, o presidente da Volvo tenta mostrar que sua posição na empresa não é
tanto a de um fabricante de lucros, mas a de um negociador entre os interesses dos seus
diversos parceiros - os empregados, os acionistas, os sindicatos, os consumidores, o governo, etc.
Segundo ele, cada um destes parceiros está querendo algo da Volvo e a empresa sobrevive não na
medida em que consegue produzir mais carros, mas enquanto mantém essa diversidade de
interesses num equilíbrio razoável. 
Essa busca constante de equilíbrio entre parceiros é a própria democracia da vida no
trabalho. Uma democracia que se caracteriza pela livre discussão das condições de trabalho, da
qualidade de vida na empresa, e também pela preocupação de adequar o trabalho em função das
reais capacidades que as pessoas trazem dentro de si. Essa possibilidade de discutir o sentido da
organização reforça a idéia de que a empresa faz parte da sociedade e não pode mais ser vista
como um barco avançando impune através dela.
Por isso não é justo que a sociedade tenha que curar pessoas que são sistematicamente
neurotizadas por condições irracionais de trabalho. E quando é o trabalho em si que se revela
massacrante de pouco adianta fazer a terapia individual da pessoa estressada. É bem mais
indicado intervir no contexto de trabalho que produz o stress. Muitas vezes, é o modelo de
trabalho que está doente. Mas, na prática, o que é uma dinâmica doente e como intervir nela ?
O plano que decreta e o jeito que decide
Em primeiro lugar, é bom lembrar que se trata de uma dinâmica chamada sociotécnica.
Isto é, ela tem no seu interior aspectos sociais, humanos, como conceitos de gerência, conceitos
de poder. E envolve também aspectos técnicos: como dispor melhor as máquinas com que se
trabalha, como coordenar melhor as atividades, como juntar com o todo, as tarefas de cada um
em interação com seus colegas para formar um conjunto sociotecnicamente apropriado.
Um exemplo pode deixar bem claro o quanto uma dinâmica sociotécnica apropriada é
decisiva par a saúde mental e o bom ambiente de um determinado grupo. Imagine uma sala de
reuniões normal. Digamos que é a sala A. Na sala A as pessoas sentam-se em torno de uma mesa
oval e, de frente umas para as outras, discutem os problemas. Imagine agora uma outra sala de
reuniões, a sala B. A sala B é meio estranha. Nela, há quinze cadeiras em fila indiana, cada uma
virada para uma direção diferente. Algumas colocam os seu ocupante simplesmente de costas
para a cadeira ao lado.Entram 15 pessoas para uma reunião nesta sala e elas não podem mexer
na posição das cadeiras. A reunião vai ser difícil. Você sempre fala de lado, ou de costas para o
outro, não percebe sua reação, não pode medir os efeitos das suas palavras. Você não pode nem
saber o momento certo de entrar na conversa. A reunião não anda, não funciona. As pessoas não
se entendem, falam todas ao mesmo tempo, de repente ficam todas em silêncio. Cresce a
desconfiança entre os membros do grupo. Imagine, por fim, que estas pessoas, já meio
desesperadas, procurem um psicólogo. Pode este psicólogo discutir os problemas psicológicos
deste grupo sem tentar mexer na dinâmica errada das cadeiras?
Este é o nó do problema. O psicólogo organizacional tem que tratar principalmente o
contexto sociotécnico. Isto é, examinar a disposição das máquinas, as tarefas burocráticas, os
fluxos de trabalho, tentar entender as interdependências que estes fluxos criam. Ver até que
ponto, no meio disso tudo, a pessoa está podendo lidar com o seu trabalho ou está sendo
diariamente massacrada por uma dinâmica doente como se estivesse numa reunião da sala B.
Em certos contextos de trabalho, o funcionário pode ser um herói ou um santo, mas vai terminar
brigando com Deus e todo mundo. Pega fama de neurótico quando, na verdade, está submetido a
uma dinâmica estruturalmente neurotizante. Se num cruzamento importante os faróis
sistematicamente funcionam mal, não adianta mandar o guarda ao psiquiatra para que o trânsito
ali flua melhor.
No caso de um executivo gerencial constantemente enervado, é preciso começar
examinando, por exemplo, como estão as fronteiras de suas áreas de trabalho, como que ele lida
com as informações que entram e saem, quais as suas relações com os outros cargos. Se você vai
mais ao nível da fábrica mesmo, muitas vezes encontra operários ligados apenas às suas
máquinas, sem contatos criativos uns com os outros, rigidamente coordenados por um
supervisor. O supervisor freqüentemente se queixa: não se pode dar responsabilidade para o
operário, o operário é irresponsável mesmo. E o que acontece é que a estrutura sociotécnica não
está permitindo que ninguém ali seja responsável. Porque responsabilidade é uma coisa
essencialmente cooperativa, de exercer juntos. Quer dizer, põe-se o operário física e mentalmente
numa posição isolada, fracionada e exige-se que ele seja responsável pelo conjunto da produção
naquele setor. É uma contradição total.
Em muitas empresas, a mentalidade ainda é criar uma estrutura de funções, de cargos,
que não exija a inter-relação entre as pessoas. Toda a inter-relação é feita via supervisor. Só que
na prática, nem isso funciona direito porque as pessoas vão criando seus próprios laços. De um
lado, temos o departamento de engenharia de produção e de sistemas e métodos que desenha
cuidadosamente a planta de um determinado processo de produção. De outro, temos os operários
que estão fazendo aquele processo acontecer, e verifica-se que eles organizam o processo de uma
forma diferente. Na prática, eles sempre dão um jeito para que o trabalho seja feito de forma
mais apropriada a partir deles. Intuitivamente, as pessoas reagem e criam modelos mais
adequados de trabalho, ou seja: racional é um conceito relativo - não existe um racional, mas
muitos.
Num processo doentio de trabalho, todos com o tempo vão se tornando vítimas. A
começar pelo gerente. Porque o gerente costuma supervisionar o que ocorre dentro do seu
departamento a partir de uma ótica muito fechada: “eu tenho que controlar isto”. Você diz:
“espere, não seria melhor que as pessoas pudessem reorganizar a partir delas a dinâmica do seu
trabalho e assim possam elas mesmas controlá-lo?”. O gerente, em geral, tem medo. Pensa que
sua função vai desaparecer. Quando, pelo contrário, ele pode ter um papel muito mais ativo na
fronteira do seu departamento. Ele vai se preocupar muito mais com a resolução de problemas
com os departamentos vizinhos. Ele vai até descobrir em si novas capacidades. Não vai ser mais
um mero controlador. Ele vai ter mais conhecimentos acerca do funcionamento do todo da
empresa. E se torna mais um técnico organizacional junto ao pessoal dele, um negociador com os
departamentos vizinhos e um porta-voz do seu departamento num âmbito muito maior.
A coragem para as escolhas múltiplas
É claro que essas mudanças não se dão rapidamente. Para que elas aconteçam, é preciso
ajudar gerentes, operários, sindicatos a debater e rever o modelo de organização que está na
cabeça deles. É preciso a coragem de fazer novas escolhas, a partir de cada caso. Não há uma
determinada estrutura organizacional pronta para tal ou tal tipo de empresa. As novas escolhas
têm que ser desenhadas a partir de valores sociais, máquinas disponíveis, da organização de
cargos, da relação gerente-operários, dos processos decisórios, entre outros. Às vezes, é preciso
mexer na própria distribuição e interdependência de equipamentos. O objetivo é sempre
organizar o trabalho de forma menos estressante, aproveitar melhor as capacidades das pessoas,
trazer democracia para dentro da empresa. Mas não há receitas. É tudo uma questão de escolhas
e elas sempre são múltiplas.
A simples descoberta de que são possíveis outras escolhas de modelo de trabalho se torna
incrivelmente libertadora. Libera-se a própria capacidade humana de desenvolver coisas e não de
ficar aplicando receitas. E a busca de um novo contexto de trabalho passa a ser um debate vivo
sobre alternativas, valores, parâmetros, objetivos da empresa, objetivos daquele setor em
especial. Vem depois a cristalização de tudo isso, numa saída que faça sentido para todas as
pessoas envolvidas. É a possibilidade da diversidade organizacional, ao invés da similaridade
organizacional. Assim, duas fábricas diferentes, nas mesmas condições sociotécnicas, podem
chegar a soluções diferentes igualmente boas, a partir das próprias diferenças entre as pessoas
envolvidas, do clima, do local.
Isso de querer impor um modelo rígido de trabalho está muito ligado a um conceito
estático do homem e suas motivações. Muita coisa suspeita se tem escrito sobre motivação.
Sempre dentro de uma visão tipo: o homem nasce estável e só se move na direção das coisas
motivado por suas necessidades. A necessidade seria a fonte de energia humana. Ora, é uma
visão muito limitada e manipuladora. O psicólogo americano George Kelly partiu de um
princípio bem mais simples e revolucionário: o homem nasce vivo, e ponto final. Ele nasce
psicologicamente vivo. Com energia para viver e tentar entender o mundo à sua volta. E viver
significa muita coisa. Mesmo no mundo do trabalho a pessoa é simplesmente um ser vivo.
Humano, interessado em desenvolver muitos aspectos da sua vida. Ao longo da sua existência,
ele pode ter expectativas bastante variadas em relação ao seu trabalho.
Anarquia: capacidade de auto-regulação
Pelo menos é o que acontece com você e comigo. Sou professor, mas há dias em que não
estou a fim nem de pensar numa aula que tenho que dar, ou numa pesquisa que estou realizando.
Prefiro ficar em casa fazendo outras coisas. Arrumando as minhas gavetas, nem escrever cartas
eu quero. Por quê? Porque, como ser vivo, o meu momento é aquele. Num outro momento, posso
estar louco para sair, mergulhar numa pesquisa, numa sala de aula, louco para falar com colegas.
Essa é a vantagem de muitos profissionais liberais. Eles podem criar diferentes contextos de
trabalho, mas a maior parte das pessoas não tem essa opção.
No entanto, eu acredito que em qualquer empresa pode-se criar um contexto de trabalho,
um espaço sociotécnico que permita uma negociação muito mais viva dos objetivos da empresa e
aqueles objetivos das pessoas envolvidas, que diferem uns dos outros. De uma forma flexível,
que permita às pessoas dizerem: “hoje estou de saco cheio, quero ficar só perfurando, nem lidar
com clientes, nem nada”. Ou então: “hoje estoucom dor de cabeça, preocupado com um
problema em casa, quero sair à três e meia”. Mas isso não é anarquia? Se é, é o lado mais
importante da anarquia. Não anarquia no sentido pejorativo, mas no sentido mais humano da
palavra: a possibilidade do homem se auto-organizar, se auto-regular para fazer aquilo que é
necessário dentro de uma base coletiva.
Esta anarquia se revela produtiva. Ela é o reconhecimento da diversidade dos momentos,
das habilidades e dos interesses das pessoas. Hoje, a grande onda da indústria paulista, por
exemplo, é a criação dos círculos de qualidade. Mas, na prática, o que isso implica? Implica que
os operários são reunidos fora do local de trabalho, numa sala, para discutir as melhorias que
podem ser feitas no processo de produção. Isso significa que pessoas não têm no seu local de
trabalho, no seu dia-a-dia real, nem direito nem possibilidade de discutir qualidade, nem poder
de tomar decisões. O que é uma contradição, uma alienação: vamos parar um outro local
discutir o que você vive aqui. Quer dizer, não se admite que o local de trabalho seja um local de
debate democrático sobre problemas de produção, de stress, de condições de trabalho. Isso é
tremendamente manipulatório.
Um psicólogo precisa entender de química?
Tudo isso nos leva à questão: qual é mesmo o lugar do psicólogo dentro da empresa? Para
mim, sua função não é a de ficar escrevendo livros e textos sobre psicologia aplicada à empresa.
Porque não existe um ramo da psicologia capaz de ser aplicado à administração. Toda a
psicologia está preocupada em entender a condição humana onde quer que ela esteja sendo
vivida. Então, não existe uma psicologia especial que se aplique à empresa. Existe apenas a
psicologia que acompanha seres humanos aonde eles estão.
A vida real é um laboratório que exige do psicólogo uma certa visão interdisciplinar dos
problemas. Não pode ser demasiadamente apenas um psicólogo. Se estou tentando entender
pessoas que trabalham numa indústria química, não posso fechar os olhos para somente ver
pessoas e dizer: química não me interessa. Tenho que entender o que trabalhar com química
implica para as pessoas. Aí as fronteiras vão ficar mais abertas. O mundo nunca acontece em
compartimentos. Você pode estudar psicologia e engenharia de materiais em faculdades
diferentes. Só que na prática as coisas não acontecem no vácuo, há toda uma dinâmica
interligada. Trabalhando com problemas organizacionais, você vai enfrentar questões
tecnológicas, políticas e ideológicas. Não há conhecimento puro que possa ser aplicado. Todo
conhecimento é derivado de uma prática.
Qual é, portanto, a psicologia que deriva do mundo organizacional, e como ela contribui
com outras psicologias que derivam do mundo clínico, do educacional? A idéia vigente é de que
existe uma psicologia teórica aplicável a várias situações. Acho mais verdadeiro o caminho
inverso. Existe uma psicologia que está em aplicação e que, a partir desta prática, é sintetizada.
Nessa síntese podem entrar as experiências clínicas, educacionais, sociais e organizacionais do
psicólogo. Porque todas elas são experiências vividas com seres humanos. Este é o sentido de um
departamento de psicologia: sintetizar as experiências diversas. Pelo menos foi assim que eu
aprendi. Nesse encontro e nessa tensão entre os pontos de vista das diferentes áreas. 
O psicólogo organizacional muito aplicador de receitas prontas mais atrapalha do que
ajuda. Mesmo que essas receitas sejam humanísticas. Ele acaba por inserir nas suas receitas a
mesma lógica rígida que gerou os problemas. Ele entra, por exemplo, no jogo da empresa: “olha,
nós podemos dar uma humanizada porque isso não vai atrapalhar a produtividade, quem sabe só
no começo, um pouco”. Ora, isso é dourar a pílula e terminar caindo na mesma lógica.
É preciso uma outra lógica, que exija do psicólogo uma outra postura, e bom senso mais
do que grandes recursos teóricos. Convidado para atuar na área problemática de uma empresa,
ele parte como quem vai para uma expedição ao desconhecido. Ele aceita as contradições
presentes e tentar criar saídas para elas. Mas a partir das pessoas envolvidas, da natureza do
trabalho, das exigências e esperanças das diversas partes implicadas. O importante é que ele
estabeleça as escolhas possíveis, dentro de uma lógica humana. E, como disse alguém, “não há
nada a perder, a não ser o seu estereótipo”.
DEMOCRACIA NO LOCAL DE TRABALHO. OU A
GERÊNCIA SABE O QUE É MELHOR?1 
Peter K. Spink2 
O psicólogo organizacional Peter Spink conclui suas reflexões contando uma
experiência pessoal numa empresa de computação, em Londres. Só a
participação de todos os interessados consegue fazer uma boa terapia de um
ambiente neurotizante de trabalho.
Na edição anterior de Psicologia Atual, tentei mostrar como a escolha de um modelo
mais flexível e democrático de trabalho é importante para uma melhor qualidade de vida dentro e
fora da empresa. Prossigo agora a discussão desse tema, descrevendo detalhadamente um projeto
sobre organização de trabalho que meu colega Alastair Bain e eu desenvolvemos para uma
empresa de computação, em Londres, durante os anos de 74 a 76. Esta empresa tinha filiais em
todo o Reino Unido e fornecia análise de dados e serviços financeiros de rotina para clientes que
não tinham desenvolvido seus próprios serviços de computação.
Nosso projeto foi desenvolvido especificamente no departamento de conversão de dados
de um dos diversos escritórios da empresa. Ou seja, naquela seção onde os dados brutos (folha
de pagamento, livros de contabilidade, faturas) são perfurados em cartões IBM ou fita de papel
antes de serem transferidos para a fita magnética e processados no computador. Este projeto tal
como muitos outros, começou de maneira singular.
Neste caso, meu colega já estava fazendo uma assessoria sobre recrutamento de
executivos para esta empresa. Foi aí que ele observou que a firma quase sempre recrutava sua
alta gerência de quadros externos, raramente promovia seus próprios funcionários. Esta
observação levou a uma discussão sobre carreira e a uma pequena investigação acerca do que as
pessoas ali pensavam a respeito de suas oportunidades de promoção. Ele observou também que a
rotatividade entre as mulheres que operavam as perfuradoras de cartão e de fita de papel - ou
seja, na área de conversão de dados - era muito alta.
Ele falou com algumas delas e observou que tinham muita dificuldade de falar sobre o
trabalho que desempenhavam. Elas falavam abertamente sobre tudo o mais: os cafezinhos, a
toalete, sobre quando era permitido ou não conversar. Mas a tarefa que executavam permanecia
uma área de mistério. Verificou-se posteriormente que não era por falta de sentimentos a
respeito, nem por falta de habilidade do meu colega. Eventualmente, uma das operadoras
começou a falar a respeito do seu trabalho e o que disse era alarmante: “Às vezes, eu estou
perfurando e, de repente, acordo e percebo que eu estava perfurando sem nenhuma consciência
1 Artigo publicado na seção “Qualidade de Vida no Trabalho (2)” da Revista Psicologia Atual, nº 28, p. 37-41, 
1982.
2 Peter Spink fez PhD em psicologia organizacional na Universidade de Londres, depois trabalhou vários anos
no Tavistock Institute. Radicado agora no Brasil, é professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, e do 
programa de pós-graduação em Psicologia Social da PUC.
1
do que estava fazendo. Eu começo a me sentir como se fosse uma máquina. Eu enlouqueceria se
tivesse que fazer isso a vida toda”.
A alta gerência achou inconcebível que alguém pudesse se sentir como uma máquina e
sugeriu que não se desse muita atenção às moças da conversão de dados, pois elas trabalhavam
só pelo salário. Na verdade, eles também estavam preocupados com os custos da alta
rotatividade naquele setor. E concordaram que se fizesse um estudo na área de conversão de
dados para verificar se a tarefa requerida geravademasiado stress e se este fator estaria
influenciando na alta rotatividade. Foi nessa altura que passei a participar do projeto.
Durante quatro meses consecutivos, fizemos uma análise sociotécnica da sala de
perfuração de uma das filiais da companhia, em Londres. Não tínhamos nenhuma expectativa a
respeito do que íamos descobrir. Queríamos apenas compreender como era trabalhar numa sala
de perfuração e ver se era possível esclarecer as razões da estafa e da alta rotatividade.
Discutimos com os gerentes, supervisoras e operadoras o que pretendíamos fazer. Eles deram seu
consentimento e, em diferentes momentos, se associaram a nós na coleta de dados. Talvez por ser
ainda jovem, a indústria de processamento de dados possui poucos sindicatos para os operadores
de perfuradoras. Quando há sindicatos representando a força de trabalho, costumamos por
princípio discutir o projeto com os representantes sindicais e buscar o seu apoio. Sem isto, não
prosseguimos.
Clientes imprevisíveis, computadores pontuais
A análise que fizemos estava baseada numa série de perguntas. O que queríamos, através delas,
era compor, um histórico bastante completo da sala de conversão de dados, seu sistema técnico,
sua interligação com o resto da empresa, as características (habilidades, tempo de serviço,
ideologia, cultura) das pessoas que nela trabalhavam, como eram organizadas, pagas e
controladas. E, por fim, nossa principal questão era: que parâmetros podem ser desenvolvidos
para avaliar o que se passa e tomar decisões a respeito?
Bem, a história que emergiu da análise daquela sala de conversão de dados era como
todas as histórias deste tipo, um tanto quanto complicada. As várias dimensões dos problemas de
stress e rotatividade estavam tão interligadas que formavam um círculo vicioso do qual ninguém
podia escapar. Vou tentar levantar alguns pontos de conflito.
Para começar, havia ali uma espécie de ditadura do cliente. Como se tratava de uma
companhia prestadora de serviços para terceiros, havia diferentes tipos de clientes e tipos
variados de serviço: havia clientes mensais e clientes semanais, clientes regulares e clientes
circunstanciais. E alguns tipos de serviços só ocorriam uma vez por ano (como, por exemplo,
resultados de exames escolares). A quantidade de serviços também variava consideravelmente e
esta variação ocorria sem qualquer aviso prévio. Em muitos casos, o cliente nem tinha
consciência do quanto a quantidade variava. Poderia haver, por exemplo, os 1.000 formulários de
sempre, só que com mais uma fileira de 10 números. Para o cliente, este aumento era
insignificante, mas para a operadora os 10 números multiplicados por 1.000 formulários
representam 10 mil batidas de teclas a mais. Além disso, os clientes não eram sempre pontuais,
às vezes ocorriam atrasos com o transporte e estes atrasos variavam de horas para dias.
Do outro lado da sala de perfuração estavam os computadores centrais - a formiga rainha
do formigueiro. Para que o trabalho fosse rentável e competitivo, o pessoal do computador
requeria os dados em horas predeterminada de modo a encaixá-los em horários predeterminados.
2
Operações fora do horário eram custosas, pois exigiam que se passasse duas vezes um mesmo
programa.
De um lado, então, havia os clientes absolutamente imprevisíveis. De outro, o pessoal do
computador exigindo pontualidade. No meio, as moças da sala de perfuração, que atuavam como
um filtro, transformando a confusa diversidade do mundo do cliente em input ordenado para o
computador. Sendo uma empresa prestadora de serviços, estava orientada para nunca dizer não.
O cliente sempre tinha razão. Cabia ao departamento de conversão de dados fazer o reajuste do
jeito que desse. O departamento, aliás, se constituía numa boa fonte de desculpas para todos. Se
o cliente achasse que a análise dos seus dados estava confusa ou continha erros, a culpa recaía
sobre a sala de perfuração. Se havia atraso na entrega, a culpa era, novamente, da sala de
perfuração.
O funcionamento da sala de perfuração era em teoria aparentemente simples. Os dados do
cliente eram recebidos, localizados na folha de programação e distribuídos para uma das três
seções da sala de perfuração. Estas três seções correspondiam a três tipos diferentes de
máquinas: a de cartões IBM, a fita de papel e a um sistema experimental que, posteriormente,
será discutido com detalhes. Em cada seção, os dados eram subdivididos em lotes, cada um
correspondendo a cerca de 40 minutos de tempo de perfuração.
Dependendo da programação, o serviço de cada cliente era colocado numa mesa, em
ordem. Cada lote era, então, perfurado e devolvido à mesa, depois verificado e outra vez
devolvido à mesa. Quando todos os lotes de um determinado serviço tivessem sido perfurados e
verificados, eram reagrupados e passavam pelo computador. As operadoras dentro de cada seção
(eram 28 ao todo) sentavam em fila e sua tarefa básica consistia em retirar da mesa o lote
indicado, perfurá-lo ou verificá-lo e depois devolvê-lo à mesa. Havia uma supervisora
responsável pela sala de conversão e duas supervisoras de seção que ajudavam no treinamento
das operadoras, na divisão do material em lotes e nas operações do sistema experimental. Às
vezes, davam até uma mão na perfuração e verificação. Havia ainda um funcionário encarregado
de receber os dados, um gerente geral e um gerente de área que era responsável também pelo
serviço de uma sala de perfuração em outra filial.
Como intervir num caos organizado?
O treinamento de uma perfuradora levava quase um ano para ser feito. Em primeiro lugar,
ela tinha que aprender a usar o teclado (semelhante a uma máquina de escrever complexa).
Depois, tinha que se familiarizar com os diferentes formulários e documentos nos quais os dados
eram recebidos. Em terceiro lugar, tinha que desenvolver uma habilidade tal que permitisse fazer
tudo isso em velocidade próximas a 10 mil batidas de teclas por hora (ou seja, em datilografia o
equivalente a 3 teclas por segundo).
Na época em que realizamos o estudo, pouco menos da metade das perfuradoras eram
aprendizes. Esta proporção tinha muito a ver com o tempo que leva o treinamento e o alto índice
de rotatividade.
Conversando com as perfuradoras, tivemos a impressão de que a situação em que se
encontravam era quase intolerável. Elas falaram em dor de cabeça, dor nas costas e sintomas de
stress.
Elas achavam que eram tratadas como máquinas e que nunca sabiam o que estariam
perfurando a seguir. Insistiram em que, às vezes, se desligavam no meio de um lote, voltando a si
3
em sobressalto e descobrindo então que, durante aquele tempo, uns dez minutos, haviam
perfurado corretamente. Era difícil, nos intervalos, interagir com as outras - as palavras saíam
confusas - e achavam que a supervisora e suas assistentes estavam interessadas somente na
execução do serviço e eram punitivas quanto a tempo e quanto a pausas para usar a toalete, e
ainda quanto a conversas. A maioria queria quebrar a rotina, ou fazendo outras tarefas, ou
lidando com outras máquinas. Já outras preferiam ficar sentadas em seus lugares e atravessar o
dia com um mínimo de confusão. Pessoas diferentes percebiam a situação de maneira diferente,
mas todas eram unânimes na percepção das restrições a que eram submetidas e do poder que a
supervisora exercia. O barulho das máquinas da perfuração era infernal.
De onde provinha o stress? Isso não dava para descobrir teoricamente. E passamos dias
após dias sentados na sala de perfuração, conversando com as pessoas, acompanhando as
supervisoras e gerentes em suas diferentes atividades semanais. A nossa impressão era de que o
departamento vivia uma crise perpétua, ou, como foi definido, um caos organizado.
E as causas eram muitas. A demanda e a pressão sobre o departamento podiam mudar
instantaneamente. O volume de serviço, por exemplo, podia aumentar em 10% com a abertura de
uma caixa de dados recém-chegada;25% dos serviços chegavam imprevisivelmente tarde.
Inesperadamente, outras filiais solicitavam auxílio. Havia também mudanças na programação do
horário do computador, doença e absenteísmo das operadoras. Outras vezes, era o transporte que
falhava, máquinas que quebravam ou, ainda, contratos com novos clientes para os quais a alta
gerência exigia prioridade.
Nós queremos que elas sejam máquinas
Todos os cinco coordenadores eram arrastados para dentro deste caos e, como resultado, a
sala de perfuração operava na base do aqui e agora. A programação variava continuamente e a
prioridade fixada para diferentes serviços podia ser alterada às vezes até mesmo no meio da
operação. Às vezes, os ajustes eram feitos de minuto para minuto. Os cinco coordenadores se
orgulhavam do fato de serem capazes de manejar a pressão que era exercida sobre o
departamento. Eles teriam preferido menos pressão, mas a julgavam inevitável. Estes gerentes
não tinham uma imagem clara das operadoras, o que tinham em mente era o número de batidas
de que elas eram capazes e o seu grau de eficiência. Por sua vez, as operadoras tinham pouca
idéia acerca do que acontecia fora de sua área de trabalho imediata e nem tinham muita certeza
acerca de quem era quem entre os gerentes.
As supervisoras e suas assistentes tratavam as operadoras de modo ambivalente. As mais
jovens, ainda sob treinamento, eram tratadas maternalmente, embora com certa severidade, de
modo que não desenvolvessem maus hábitos. Já as moças mais experientes eram consideradas,
em geral, como tendo pouco interesse no que faziam e eram vigiadas para que não passassem
muito tempo na toalete. Elas estariam trabalhando apenas por salário. A esperança investida nas
aprendizes provocava nas moças mais experientes uma certa neutralidade e até antagonismo.
À medida em que o projeto evoluía, passamos a discutir algumas destas observações com
as supervisoras, os gerentes e as operadoras. Com muita dificuldade, os gerentes e supervisoras
começaram a perceber o quanto as operadoras estavam restringidas a um aspecto mínimo do
trabalho (perfurar e verificar) e ainda como tinham pouco controle sobre isso. Ao mesmo tempo,
eles sabiam que, se dessem opções mais flexíveis às operadoras, eles próprios teriam menos
controle sobre a divisão em lotes, a programação de serviços e outras tarefas subsidiárias. Além
do mais, eles não viam como poderiam passar estas tarefas para as operadoras, dado que, para
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poder lidar com a pressão, era necessário ter o poder para cortar e mudar continuamente. Era
então necessário que as moças fossem boas perfuradoras e, como um deles admitiu com certa
hesitação, “talvez sem perceber nós queremos mesmo que elas sejam máquinas”. A situação toda
criava um círculo vicioso, do qual, a seu ver, não havia saída. Ele achava ainda que a expansão
do sistema experimental só viria a agravar ainda mais a situação. Como era esse sistema
experimental?
Para começar, o poder de dizer não
Para a empresa, o sistema experimental era um modo de acabar com o uso de cartões e da
fita de papel. Neste sistema, os dados são transferidos para o banco de memória de um
minicomputador, através de um teclado praticamente silencioso. Uma tela de TV no teclado
permite à operadora ver o que está batendo. Na sala de perfuração, este banco de memória
retinha cada lote individualmente e estes podiam, então, ser recuperados para a verificação.
Quando todo os lotes haviam sido batidos e verificados, a memória reagrupava os componentes e
os imprimia diretamente na fita magnética do computador. Assim, a tarefa de reagrupamento,
controle e impressão era controlada por uma das supervisoras da seção, que operava os controles
do minicomputador. O medo dos gerentes e das supervisoras era que isto criasse um vácuo
eletrônico para as operadoras: além do clic quase silencioso do teclado e além da tela de TV, elas
não teriam contato algum com o que estavam fazendo. 
Gostaria de deixar claro que até aí nem eu nem meu colega tínhamos noção de como o
projeto se desenvolveria. Não tínhamos nenhuma solução imediata, nenhum pacote para
oferecer. No entanto, era preciso ajudá-los a lidar com aquele círculo vicioso, com suas
conseqüências e com o futuro imediato, de forma a desenvolver algumas opções. Sabíamos,
também, que essas soluções teriam que provir das pessoas comprometidas na situação - os
gerentes, as supervisoras, as operadoras. Estas opções poderiam envolver mudanças no sistema
técnico, mudanças no sistema social, ou mudanças em ambos. De qualquer modo, mudanças
numa área afetariam a outra.
Foi nesta altura que o futuro imediato apareceu. A empresa decidiu mudar o seu escritório
central e transferir para o novo local o departamento de computação e de conversão de dados.
Ainda em Londres, mas para uma área diferente. A metade das operadoras decidiu não mudar e,
por razões comerciais, foi decidido que seria usado de agora em diante o novo sistema
experimental (hoje já normal na indústria).
Sempre através de conversas e discussões, começamos a descobrir alguns pontos de
ataque dos problemas. Achamos que um dos pontos principais era a área de ação das pessoas
envolvidas. As operadoras, por exemplo, não tinham espaço de ação. Se os gerentes e
supervisoras tivessem que lhe ceder este espaço, teriam que ceder parte das tarefas que eles
mesmos executavam. Isso implicaria em menos gerentes e supervisoras. De qualquer modo, isso
não seria possível, dada a pressão contínua sofrida pelo departamento. O problema tinha,
portanto, três dimensões a considerar: as fronteiras do departamento, os papéis dos gerentes e
supervisoras e os papéis das operadoras. Os três aspectos estavam entrelaçados e,
conseqüentemente, nenhum deles podia ser alterado sem que os outros o fossem.
As questões se acumulavam. Para os gerentes e supervisoras, o que significaria a criação
de um maior espaço de ação para as operadoras? E como criar espaço, quando as próprias
fronteiras do departamento estavam tão desprotegidas? Quando o departamento jamais podia
dizer não, quando o departamento era obrigado a agir como um filtro dentro da organização? E,
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mesmo que o espaço fosse criado, com a mudança de local um novo grupo de operadoras
passaria a fazer parte da organização, e elas nem haviam participado das discussões anteriores. E,
além disso, elas teriam que ser treinadas.
Descrevi este projeto com detalhes na esperança de mostrar, como disse no primeiro
artigo, que a solução dos problemas de organização do trabalho não é uma mera questão de
aplicação de técnicas. É uma questão de trabalho colaborativo, de tentar compreender o que está
se passando e de examinar as possíveis novas opções das pessoas envolvidas. Neste processo,
emergem vários valores antes subjacentes, e uma tarefa importante do psicólogo é ajudar a tornar
este valores explícitos e examinar com as pessoas os medos sobre os quais estes valores estão
fundamentados. Naquele departamento, um destes medos era, sem dúvida, a questão do poder.
Era necessário ter poder para controlar a fronteira com os clientes. Poder para dizer “não”ou “o
senhor está atrasado, terá que esperar”. Era preciso também que gerentes e supervisoras tivessem
força interna para encarar a possibilidade de que havia mais níveis de supervisão do que o
necessário. A questão da entrega do poder às operadoras implicava conflitos entre atitudes e
valores a respeito da função dos gerentes e das operadoras (os estereótipos sobre quem deveria
fazer o quê, e ainda sobre liderança) - implicava, portanto, a criação de mais espaço para elas.
Com democracia e mais imaginação
Outras pessoas passaram a participar do projeto sob o patrocínio de um comitê de
orientação integrado pela gerência que havia acompanhado a experiência desde o início. Ficou
decidido que o novo local de trabalho começaria como um experimento. Os departamentos de
venda e de computação foram incluídos nas discussões a fimde esclarecer a questão das
fronteiras e para delinear certos procedimentos (entre os quais, o poder de dizer não). Nestas
discussões, o conceito e a ideologia de serviço foram calorosamente debatidos e o departamento
de contatos com o cliente, recém-criado, foi reforçado com a inclusão do papel de educação do
cliente.
Os gerentes e as supervisoras discutiram, junto à alta gerência, o papel real da gerência e
da supervisão. Ficou estabelecido que a empresa assimilaria qualquer um deles que, dada a
reestruturação, se encontrasse sem função. Os gerentes e supervisoras também tinham suas
próprias idéias a respeito da vida e do relacionamento que desejavam ter com o trabalho. E a
posição relativa do trabalho em seus espaços de vida era tão variada quanto entre as operadoras.
Uma vez iniciadas as discussões nestas duas áreas, uma pequena equipe, formada por gerente e
uma supervisora, juntamente com as operadoras então existentes, começaram a discutir a forma
que este novo experimento de trabalho viria a ter. Meu colega e eu trabalhos com cada uma
destas três áreas de discussão e, além disto, realizamos reuniões gerais de acompanhamento.
Ao começar a discutir a organização de trabalho e os papéis das perfuradoras, uma idéia
foi imediatamente jogada fora: não se tratava da busca de um papel enriquecido, padronizado
para todos, mas de opções variadas de atuação. As operadoras presentes e as futuras operadoras
tinham e provavelmente continuarão a ter desejos diferentes. Portanto, qualquer modelo de
trabalho que viesse a ser desenvolvido teria que permitir mudanças e escolhas contínuas. Seria
necessário estabelecer condições tais que as pessoas pudessem desenvolver o tipo de
relacionamento com o trabalho que julgassem mais apropriado para elas e para apoiar o trabalho
do departamento. E que levasse também em conta o fato de que mesmo este relacionamento
estaria sujeito a modificações. As mudanças propostas seriam gradativas.
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A nova tecnologia empregada no departamento permitia certa flexibilidade no lay out da
sala e esta foi planejada de modo a conter quatro agrupamentos de operadoras, cada qual
contendo 6 máquinas e seus bancos de memória (um minicomputador para cada dois
agrupamentos). Estes agrupamentos poderiam ser eventualmente reajustados, e nem todas as seis
máquinas estariam necessariamente em uso. O plano, de maneira geral, era de que, na medida em
que as operadoras fossem sendo treinadas e passassem a dominar o serviço básico, a supervisora
e suas assistentes, após um período de treino, entregariam às operadoras outros aspectos do
serviço (por exemplo, divisão em lotes, reagrupamento dos dados, programação de trabalho) e,
com o tempo, estes passariam a funcionar com equipes. Na medida em que isso começou a
ocorrer e o controle das fronteiras do departamento se tornou mais definido, as funções de
gerência e supervisão também se modificaram, criando desta maneira mais espaço para as
equipes de operadoras e assim por diante.
O clima, enfim, foi-se tornando mais democrático e criativo. Como isso se configuraria
no futuro ficou em aberto. O experimento deveria ser dinâmico e em contínuo desenvolvimento.
Esperava-se que houvesse erros e que o departamento teria que às vezes tatear no escuro. Mas a
empresa assumiu continuar a experiência durante um ano e meio, com um acompanhamento da
alta gerência. Neste ponto, meu colega e eu nos afastamos do dia-a-dia do projeto, deixando os
próprios funcionários prosseguirem com o experimento. Fizemos só o acompanhamento,
inicialmente semanal e depois mensal, trimestral...
As operadoras agora já visitam clientes
Hoje em dia, alguns anos após as primeiras discussões, a sala de perfuração apresenta um
contraste surpreendente com o que ocorria anteriormente. Atualmente, três equipes de operadoras
(a flexibilidade tecnológica produziu os seus frutos!) controlam entre si todas as operações de
preparação e conversão, incluindo o minicomputador do sistema de entrada direta de dados. Há
uma supervisora e uma assistente que operam de forma consultiva perante cerca de 22
operadoras - e só. O gerente da área está agora em vendas. O gerente da sala de perfuração está
trabalhando na parte de desenvolvimento técnico. O projeto evoluiu de maneira tal que, hoje, as
operadoras, juntamente com o pessoal do departamento de atendimento ao cliente, visitam
clientes para discutir problemas gerados pela maneira com que eles apresentam seus dados (por
exemplo, letra ilegível, etc.). A supervisora não mais supervisiona - o seu papel agora é mais de
contato com os outros departamentos e de aconselhamento técnico para as equipes no que diz
respeito a certos aspectos de novos serviços. A sala deixou de ser um inferno de máquinas
barulhentas, há apenas um sussurro de vozes que acompanha a organização do serviço pelas
operadoras.
O aspecto mais surpreendente, entretanto, é que cada equipe organiza o trabalho de
maneira diferente e que durante estes anos várias modificações foram sendo testadas, discutidas
com a supervisora e aceitas ou rejeitadas. Há agora, por exemplo, três equipes e não as quatro
originais. Cada equipe tem um porta-voz: num caso, o porta-voz é sempre a mesma pessoa;
noutro, é um dentre várias pessoas e, num terceiro, é aquele que tiver mais tempo livre, e isto
para qualquer reunião que se faça necessária. As equipes devem providenciar, em rodízio,
alguém para tomar conta da recepção de dados, mas cada uma adota um sistema diferente. Às
vezes, esta função é compartilhada por todo os membros da equipe e, outras vezes, uma mesma
pessoa exerce a função durante vários dias porque isso lhe interessa. Igualmente, a divisão em
lotes dentro da equipe poderá ser feita por duas ou três pessoas ou poderá ser entregue a quem
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estiver desocupado naquele momento. Algumas operadoras estão mais interessadas no serviço
de computação do banco de memória e também se ocupam do treinamento de novas operadoras
(que por sinal são poucas). E os poucos pedidos de demissão foram por razões pessoais.
O horário móvel foi introduzido e ficou a cargo das equipes que decidem seus próprios
horários, de como lidar com períodos de carga máxima e de modo a conciliar os compromissos
de diferentes indivíduos fora do trabalho. O serviço dos clientes foi dividido entre as equipes de
modo a contrabalançar os dados mais fáceis e dados mais difíceis.
A dimensão que quero enfatizar, com referência aos comentários feitos no artigo anterior,
é que os papéis de trabalho não foram definidos de maneira prescritiva. Não se requer que as
operadoras desempenhem todas as tarefas. As equipes fazem seus próprios arranjos e até mesmo
trocam de membros entre si. Todas perfuram e verificam, mas um dado interessante, o tamanho
dos lotes, depois de muitas experimentação por parte das equipes, foi reduzido de 50 para 10
minutos - caso único na indústria de computação. Algumas operadoras só perfuram e verificam e
não fazem mais nada - embora ajudem em outras tarefas se necessário. Cada equipe desenvolve
sua própria estrutura interna, adaptando-a de modo a ser condizente com os desejos dos seus
membros e com os requisitos de serviço. Não há um novo projeto rigidamente definido. Elas têm
espaço para desenvolver, se necessário, novos aspectos, o que fazem através de negociação, e às
vezes elas brigam para valer. Não é um mundo de doçura. A dimensão-chave parece ser a
seguinte: elas podem fazer escolhas porque elas têm poder para tal.
O psicólogo sabe o que é bom para os outros?
A empresa agora está num dilema. A sala de perfuração ainda é chamada de sala
experimental. A empresa procurou medir, de várias maneiras, a efetividade destas mudanças e a
resposta é sempre favorável. Entretanto, ainda não se dispôs a expandir este experimento para
outras salas de perfuração (que já estão usando a nova tecnologia, mas no sistema antigo - filas
de operadoras, várias supervisoras e gerentes) ou para a área do computadorprincipal.
O contraste é tal que começo a desconfiar que a dificuldade da companhia neste momento
está relacionada com o confronto sutil entre dois modelos de organização de trabalho. O primeiro
é determinista, reducionista, prescritivo e o poder é hierarquicamente determinado. O outro,
comporta variedade, é relativista e exploratório e o poder é compartilhado. Seria, talvez, uma
diferença entre a “maneira ideal” e a “escolha organizacional”, entre a humanização
preestabelecida e a democracia no local de trabalho. Quanto mais a empresa expandir este tipo
de experimento, mais ela terá que encarar a possibilidade de que, ao invés de outra sala de
conversão de dados organizada à imagem desta, surja outra em linhas total ou parcialmente
diferentes. Mas que também funcionará de uma maneira eficaz. Além do mais, a democracia no
local de trabalho traz conseqüências para outros aspectos da política interna e da prática da
empresa. Ofende o modelo burocrático de ordem, porque é um modelo de trabalho a partir do
qual a ordem é relativa e negociável. O problema é que funciona.
Em meio às tensões e solicitações da vida organizacional, há sempre margem para a
invenção de modelos mais democráticos e efetivos. Mas é bom que o psicólogo organizacional
lembre que invenção também é um processo democrático. No exemplo que acabei de relatar, os
inventores da sala de perfuração foram os gerentes, as supervisoras e as operadoras. Os
inventores do método de mineração que deu origem ao termo “grupos de trabalho semi-
autônomos” foram os mineiros e seus representantes sindicais. O pressuposto por parte de alguns
psicólogos de que é seu direito inventar sozinho novas formas de trabalho me parece o
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pressuposto mais alarmante de todos. Nós temos um papel no processo de invenção, mas talvez
não seja aquele que estamos acostumados a desempenhar.
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