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Iara Nóbrega Macêdo SUMÁRIO Doenças Neonatais ------------------------------------------------------------------------------------------------ 1 Asfixia Neonatal ------------------------------------------------------------------------------------------------ 2 Falha na transferência de imunidade passiva colostral. ------------------------------------------------- 4 Diarréia dos Bezerros ------------------------------------------------------------------------------------------ 8 Problemas Umbilicais ---------------------------------------------------------------------------------------- 13 Doenças Cutâneas ----------------------------------------------------------------------------------------------- 14 Fotossensibilização ------------------------------------------------------------------------------------------- 15 Pithomyces chartarum e seus esporos ------------------------------------------------------------------- 15 Brachiaria decumbens e a ocorrência de fotossensibilização em ruminantes -------------------- 17 Dermatofitose -------------------------------------------------------------------------------------------------- 18 Dermatofilose -------------------------------------------------------------------------------------------------- 20 Afecções do Aparelho Respiratório ------------------------------------------------------------------------- 21 Aparelho Respiratório Superior ---------------------------------------------------------------------------- 29 Renite --------------------------------------------------------------------------------------------------------- 29 Sinusite ------------------------------------------------------------------------------------------------------- 32 Laringite, Traqueíte, Bronquite -------------------------------------------------------------------------- 32 Pneumonias -------------------------------------------------------------------------------------------------- 34 Pneumonia Enzoótica -------------------------------------------------------------------------------------- 36 Parainfluenza tipo-3 --------------------------------------------------------------------------------------- 36 Virus Sincicial Respiratório Bovino --------------------------------------------------------------------- 37 Rinotraqueíte Infecciosa Bovina ------------------------------------------------------------------------- 39 Aparelho Respiratório Inferior ----------------------------------------------------------------------------- 41 Broncopnemonia -------------------------------------------------------------------------------------------- 42 Pneumonia metastática ------------------------------------------------------------------------------------ 42 Pneumonia intersticial ------------------------------------------------------------------------------------- 42 Doenças Cardíacas ---------------------------------------------------------------------------------------------- 48 Doença do Miocárdio (Miocardite) e Cardiomiopatia -------------------------------------------------- 48 Endocardite ---------------------------------------------------------------------------------------------------- 50 Doença Valvular e Sopro ------------------------------------------------------------------------------------ 52 Pericardite ------------------------------------------------------------------------------------------------------ 54 Insuficiência Cardíaca Aguda ------------------------------------------------------------------------------ 55 Doenças do Sistema Digestório ------------------------------------------------------------------------------- 57 Indigestão Aguda por Carboidratos ----------------------------------------------------------------------- 57 Retículoperitonite Traumática ------------------------------------------------------------------------------ 61 Timpanismo Ruminal ---------------------------------------------------------------------------------------- 66 Deslocamento do Abomaso a Esquerda (DAE) ---------------------------------------------------------- 69 Dilatação Cecal e Vôlvulo nos Bovinos ------------------------------------------------------------------- 74 Obstrução Intestinal nos Bovinos -------------------------------------------------------------------------- 76 Diarréias e Enterites ------------------------------------------------------------------------------------------ 78 Indigestão Vagal (Síndrome de Hoflund) ---------------------------------------------------------------- 82 Afecções Metabólicas e Carências --------------------------------------------------------------------------- 86 Síndrome da Vaca Caída ------------------------------------------------------------------------------------ 86 Cetose em Ruminantes --------------------------------------------------------------------------------------- 89 Deficiência de Cobre e Zinco ------------------------------------------------------------------------------- 95 Deficiência de Cobalto --------------------------------------------------------------------------------------101 Deficiência de Selênio e/ou Vitamina E -----------------------------------------------------------------103 Tetania da Lactação -------------------------------------------------------------------------------------------107 Deficiências Minerais ------------------------------------------------------------------------------------------111 Deficiência de Cálcio ----------------------------------------------------------------------------------------111 Raquitismo ----------------------------------------------------------------------------------------------------112 Osteomalácia --------------------------------------------------------------------------------------------------114 Deficiência de Fósforo --------------------------------------------------------------------------------------115 Avitaminoses ----------------------------------------------------------------------------------------------------117 Vitamina A ----------------------------------------------------------------------------------------------------118 Vitamina D ----------------------------------------------------------------------------------------------------120 Vitamina E ----------------------------------------------------------------------------------------------------121 Vitamina K ----------------------------------------------------------------------------------------------------122 Vitamina B12 --------------------------------------------------------------------------------------------------122 Tiamina --------------------------------------------------------------------------------------------------------122 Afecções do Aparelho Locomotor --------------------------------------------------------------------------123 Mastite Bovina --------------------------------------------------------------------------------------------------131 Afecções do Sistema Nervoso --------------------------------------------------------------------------------136 Síndrome cerebral -------------------------------------------------------------------------------------------139 Síndrome cerebelar ------------------------------------------------------------------------------------------142 Síndrome vestibular -----------------------------------------------------------------------------------------142 Síndrome espinhal e de nervos periféricos --------------------------------------------------------------143 Intoxicação por Uréia -----------------------------------------------------------------------------------------144 Clínica de Ruminantes 1 Doenças Neonatais A criação de bovinos tem participação significativa na economia agropecuária nacional. Para alcançar adequados índicesde produção esta criação depende de fatores genéticos, alimentares e relacionados ao manejo sanitário, que permitirão que o bovino possa desenvolver seu potencial máximo de produção e dar conseqüente retorno econômico ao criador. Os bezerros ocupam posição especial na cadeia de produção, devendo-se ressaltar que o manejo neonatal a que forem submetidos terá reflexos sobre sua vida produtiva, influenciando significativamente seu futuro desempenho como fonte de carne ou leite. O período neonatal dos bezerros se estende do momento do nascimento até 28 dias de vida. Este período exclui a fase perinatal que compreende dos 270 dias de gestação até 24 horas pós- nascimento. A mortalidade de bezerros dentro deste período é um dos principais fatores de perda econômica anual liquida dos rebanhos bovinos nos E.U.A., secundando em importância somente à infertilidade maternal. Durante o processo de nascimento, no momento da separação do cordão umbilical do feto, várias funções fisiológicas anteriormente suportadas pela mãe através da placenta devem tornar-se operacionais no neonato, quase instantaneamente, para assegurar a sua sobrevivência. Deve ele ter a habilidade de manter uma adequada saturação de oxigênio no sangue, regular o equilíbrio ácido-básico, assumir vias metabólicas endógenas para produção de energia e preservar temperatura corpórea entre os limites críticos. Em outras palavras o bezerro recém-nascido deverá atender a uma série de exigências orgânicas naturais, como as funções cardio-respiratórias, de termoregulação e a nutrição, entre outras, que se plenamente assumidas o levarão a uma adaptação orgânica geral equilibrada, e que em caso contrário, poderá levá-lo à morte na fase perinatal ou a uma particular susceptibilidade às doenças próprias do período neonatal. Colabora nesta predisposição, a imaturidade do sistema imune do neonato, bem como as condições de placentação dos fetos ruminantes, que determinam uma grande dependência da imunidade passiva colostral no estabelecimento de sua imunocompetência, pois a placenta é impermeável à passagem de imunoglobulinas, fazendo com que o bezerro tenha de absorver anticorpos maternais contidos no colostro para protegê-lo durante a fase neonatal. Clínica de Ruminantes 2 Asfixia Neonatal Como já destacado, as principais perdas de bezerros recém-nascidos ocorrem nas fases perinatal e neonatal, ressaltando-se que a mortalidade é duas vezes maior em novilhas do que em vacas e também maior em animais nascidos de partos laboriosos ou distócicos. Existem outras causas de morte de bezerros ao nascimento, no entanto, a maioria dos óbitos resulta diretamente das distocias que tem como seqüela com maior freqüência a anóxia/hipoxia fetal decorrente de oclusão mecânica ou ruptura prematura do cordão umbilical dentro da pelve materna. Pesquisadores alemães preferem denominar a hipoxia/anoxia como asfixia neonatal, considerando-a como um complexo patológico. Neonatos normais sofrem leve acidose fisiológica, porém bezerros distócicos têm redução significante do pH do sangue. Imediatamente após nascimento, o pH do sangue venoso de bezerros eutócicos tem pH no intervalo de 7,18 a 7,26, enquanto bezerros distócicos tem o pH entre 6,84 e 7,11. Caracteriza-se a asfixia neonatal por acidose mista, exteriorizada por alterações da função respiratória associadas a uma diminuída vitalidade do recém-nascido, imediatamente após o nascimento (forma precoce) ou nas primeiras horas de vida (forma tardia) responsável por grande mortalidade perinatal, tendo os bezerros sobreviventes uma suscetibilidade particular às doenças peculiares do período neonatal. Na forma precoce, decorrente de distocia, apresenta trocas gasosas materno-fetais prejudicadas, com níveis de O2 diminuído e pCO2 aumentado, causando a acidose respiratória. Em decorrência há circulação preferencial para órgãos vitais e glicólise anaeróbica naqueles não vitais, com aumento da lactacidemia e acidose metabólica. Na forma tardia, a causa é diversa, sendo conseqüência de imaturidade pulmonar devido a deficiência de substância surfactante nos alvéolos, que determina colabamento alveolar e atelectasia, com quadro clínico que aparece a partir de uma hora de vida e caracterizado por menor vitalidade, com dispnéia mista-expiratória, ortopnéia e respiração com boca aberta. Essa forma acomete principalmente animais com idade fetal menor que 260 dias, que nascem aparentemente normais; para a seguir apresentarem o problema. No bezerro normal, o reflexo de correção de cabeça ocorre quase imediatamente após o nascimento. O decúbito esternal geralmente é alcançado dentro de 2 a 3 minutos. De 15 a 30 minutos, o bezerro poderá fazer tentativas de ficar em estação. No bezerro hipóxico o início deste comportamento neonatal normal é marcadamente retardado ou ausente. Uma atitude de alerta é tomada inicialmente, porém dentro de horas altera-se para um embotamento. O reflexo de sugação está ausente ou reduzido e a deglutição está geralmente alterada. O bezerro afetado pode requerer várias horas para levantar ou pode permanecer em decúbito. Para o diagnóstico da asfixia deve-se considerar as manifestações clínicas e o momento durante ou pós-parto em que são observadas. Em 1976, MÜLLING propôs modificação do Clínica de Ruminantes 3 sistema APGAR para julgar a vitalidade de bezerros recém-nascidos, e trabalhos posteriores correlacionaram o grau de acidose (medido por parâmetros gasométricos e do equilíbrio ácido- básico) com a pontuação APGAR, validando está correlação e metodologia. Os quatro itens de avaliação pontuados de zero a dois, são os seguintes: tônus muscular e movimentação (O – ausentes; 1 – reduzidos; 2 – ativos/espontâneos); resposta reflexa aos estímulos interdigital e palpebral (O – ausentes; 1 – existentes e reduzidos; 2 – existentes e intensos); respiração (O – imperceptível; 1 – lenta e irregular; 2 – rítmica e profundidade normal) e cor das mucosas (O – branca-azulada; 1 – azul e 2 – rósea – avermelhada). A soma dos pontos indica o grau de vitalidade e acidose identificando como animais sadios ou com boa vitalidade/sem acidose aqueles com 7 a 8 pontos; como deprimidos ou com vitalidade diminuída/acidose leve a moderada os com pontuação entre 4 e 6 pontos e com pouca vitalidade/acidose intensa ou inviáveis, os com pontuação entre 0 e 3. Todavia não pode ser utilizado na asfixia tardia. Em 1981, BORN modificou o sistema APGAR adaptado por MÜLLING em dois dos critérios de julgamento: o tônus muscular e movimentação passou a ser avaliado pela movimentação da cabeça sob estímulo com água fria (O – ausente; 1 – diminuída; 2 – espontânea e com movimentos ativos) e resposta reflexa óculo-palpebral e interdigital (O – ausente; 1 – um reflexo presente; 2 – dois reflexos presentes). Outro critério para julgar a vitalidade, com caráter bem prático, é a precocidade da estação do recém-nascido para a mamada na mãe. A relação entre intensidade da asfixia com as taxas de mortalidade e de outras doenças neonatais foi estabelecida, caracterizando-se maior mortalidade e porcentagens de animais doentes entre aqueles com asfixia mais intensa (mortalidades no 1º dia – 21,1% e de 2-21 dias – 19,6%; 42,9% de animais doentes). Caracterizou-se ainda, que a maior freqüência de doenças nas três primeiras semanas de vida decorrem do retardamento e diminuição da quantidade de colostro mamado pelo bezerro com asfixia e conseqüentes taxas menores de imunoglobulinas no sangue. O tratamento da asfixia apresenta resultados duvidosos nos quadros intensos, visando a melhoria da oxigenação do neonato por estímulo da respiração e correção da acidose. Cuidados imediatosao nascimento devem prever: limpeza e desobstrução das vias aéreas, através da elevação do bezerro pelos membros pélvicos e sua movimentação pendular para eliminar secreções e líquidos acumulados; retirada de muco da boca e narinas; estímulo orgânico por choque térmico provocado por água fria despejada sobre o animal; estímulo da respiração através da forte fricção sobre o dorso do bezerro, com toalha ou palha de cama; respiração artificial com oxigenação e uso de analépticos respiratórios. A correção medicamentosa da acidose poderá ser feita com o uso de soluções alcalinas por via intravenosa e deverá ser monitorada de forma cuidadosa. A profilaxia da asfixia deve incluir a prevenção de ocorrência de partos distócicos através de uma seleção adequada de sêmen ou de touros para cobertura de fêmeas nulíparas ou primíparas, de modo a compatibilizar o tamanho do feto com o diâmetro da pelve materna. Para tal Clínica de Ruminantes 4 deve-se selecionar touros com informações sobre o peso provável de seus filhos ou índices como de Diferença de Progênie Esperada (DPE) que estima o peso ao nascimento, estabelecido por associações de raças de leite na Europa e Israel. Cuidados alimentares coibindo a superalimentação de fêmeas para evitar parições com vacas com índice de condição corporal com valor elevada, pois a gordura excessiva na cavidade e órgãos pélvicos pode determinar contrações uterinas fracas, eventual aumento demasiado do peso fetal, que podem dificultar o trabalho de parto e favorecer a distocia. A assistência obstétrica deve ser feita de forma adequada quando a distocia não pôde ser evitada, com o intuito de se prevenir o agravamento de suas seqüelas. Recomenda-se que a intervenção para auxílio do parto para extração de bezerros seja feita no máximo por dois homens adultos e durante até cinco minutos, com a devida proteção da região perineal. Falha na transferência de imunidade passiva colostral. Os neonatos bovinos nascem em ausência de imunidade específica, deixando o útero estéril para serem expostos a um ambiente exterior contaminado. As defesas imunológicas presentes no neonato bovino no momento do nascimento não apresentam eficiência desejada e assim sendo considera-se o consumo de colostro nesses neonatos como o mais importante fator determinante da sua imunocompetência, uma vez que nascem virtualmente agamaglobulinêmicos. Desde muito, o colostro é considerado fonte de globulinas séricas da mãe para o neonato, com passagem direta pela glândula mamária. Na atualidade é reconhecido como um fluído complexo que supre o neonato de imunoglobulinas, componentes do complemento, fatores de defesa inespecifica (lactoferrina, lisozima, lactoperoxidase, etc), células imunes e citocinas. As imunoglobulinas do colostro são representadas em mais de 85% pela IgG1, sendo esta taxa cinco a dez vezes maiores que a de IgG2. O conceito de falência de transferência passiva de imunidade, no entanto, tem sido largamente usado para descrever situações em que o neonato não absorve nível adequado de imunoglobulinas colostrais. Este conceito é atribuído ao fato de que imunoglobulinas representam o maior constituinte do colostro e o mais estudado. Porém o risco do bezerro contrair doença infecciosa é inquestionavelmente uma equação complexa na qual concentrações de imunoglobulina sérica é somente um simples fator. As falhas na transferência de imunidade passiva colostral podem ocorrer mesmo em criações nas quais adequadas práticas de manejo e controle de fornecimento de colostro sejam adotadas. Muitas vezes, o parto ocorre no período noturno, não sendo acompanhado, podendo o bezerro não mamar volume adequado ou fazê-lo fora do período ideal de absorção das imunoglobulinas. Clínica de Ruminantes 5 Outras várias causas são relacionadas, destacando-se a rejeição do bezerro pela mãe, dificuldade ou incapacidade do neonato mamar; momento e quantidade e/ou qualidade inadequadas do colostro ingerido. Pode sumarizar-se como três principais razões para a falha de adequada transferência de imunidade colostral: falha de produção (mãe produz pobre ou insuficiente colostro), falhas na ingestão ou de absorção intestinal (com adequada ingestão). A eficiência ou falência de transferência da imunidade passiva colostral aos neonatos podem ser diagnosticadas através da estimativa quantitativa ou qualitativa, direta ou indireta, dos teores das imunoglobulinas no sangue/soro do neonato ou no colostro. As concentrações séricas de imunoglobulinas estão altamente correlacionadas com as quantidades ingeridas na primeira alimentação. Os testes de avaliação sérica para aquilatar a presença de falha podem ser conduzidos na 1ª semana de vida, após 8-12 horas p.n. Para a correção da falência deve-se fazer o diagnóstico no sangue dos animais suspeitos o mais rápido possível (8-12 horas p.n) para efetuar o tratamento prontamente. Vários métodos estão disponíveis para medir as concentrações de imunoglobulinas no sangue de bezerros após absorção do colostro. Estas técnicas em conjunto com diretrizes/normas específicas, são usadas para definir se o neonato tem adequada ou sofreu falência de transferência passiva de imunidade. A concentração de IgG1 sérica de 10 mg/mL às 48 horas de vida pode ser usada como valor objetivo para definir o limiar entre adequada ou falência de transferência. No entanto, baseado em dados de vários autores, estes sugerem que os bezerros neonatos com menos de 8 mg/mL de IgG1 sérico, sofreram falência; entre 8 e 16 mg/mL são portadores de inadequada transferência e aqueles com mais de 16 mg/mL são considerados com adequada transferência. Os únicos testes quantitativos que medem diretamente a concentração sérica de IgG são a imunodifusão radial simples em gel de ágar e o teste de ELISA. Infelizmente são testes mais usados em pesquisa, que levam tempo para a realização, e assim não atendem a maioria dos propósitos clínicos. Todos os outros testes, qualitativos (turvação do sulfato de zinco) ou quantitativos indiretos (proteínas totais, gamaglobulinas e gamaglutamil transferase - GGT) estimam as concentrações séricas da IgG baseados na de proteína total após absorção colostral que é estatisticamente associada com IgG . A taxa de proteína total do soro medida por refratometria fornece também medida indireta da quantidade de imunoglobulinas, havendo correlação confiável entre o teor de proteína total e a taxa de Imunoglobulina total. Valores abaixo de 4,5 a 4,8g/dl são indicadores de falha. Determinações de gamaglobulinas com valores menores que 1g/dL são indicadores de falha. Os valores de atividade de GGT sérica podem ser usados como indicadores da qualidade da mamada, pois, o colostro de ruminantes tem grandes taxas desta enzima que é absorvida para a circulação do neonato. Os valores séricos de GGT equivalentes a uma concentração sérica de IgG de 10mg/mL Clínica de Ruminantes 6 são de 200 UI/L no 1º dia de vida e de 100 UI/L no 4º dia. Taxas séricas de GGT menores que 50 UI/L indicam falha na transferência passiva colostral. A monitoração do colostro é feita pela medida de sua densidade, havendo relação linear desta com a concentração de imunoglobulina, sendo mais precisa em colostro de animais holandeses do que da raça Jersey. A medida tem como limite a densidade de 1.048 para indicar quantidade moderada a excelente de imunoglobulinas requerida para a administração de dois litros do colostro. Embora seja útil a identificação de valores limites para esses testes, eles devem ser mantidos sob controle e seus resultados não devem ser interpretados incorretamente. Vários estudos que examinaram a relação entre taxas de Ig no soro de bezerros e incidênciade doenças, tem tido resultados conflitantes. Alguns estudos têm demonstrado aumentos significativos na morbidade e mortalidade em bezerros com falência de transferência. Outros, no entanto, falharam em demonstrar uma forte associação entre teores de Ig e morbidade. No entanto, bezerros privados de colostro sofrem significante mortalidade; havendo também, associação entre maiores taxas de IgG ou proteínas e menor ocorrência de doenças e de mortalidade. Fatores adicionais deveriam ser considerados para prognosticar o risco de doença ocorrer e incluem: higiene geral, virulência e concentração de patógenos; ambiente físico (temperatura, umidade, etc.); estado nutricional, estresses causados por transporte, manipulação, cirurgia, etc. Mesmo com a possível precisão da medida de Ig em bezerros, esta não dá garantia de proteção pelas seguintes razões: primeiro a medida da Ig não considera se os anticorpos transferidos serão protetivos contra patógenos específicos e não garante que as Igs alcançarão o foco de infecção em taxas suficientes para neutralizar os patógenos. O tratamento de neonatos com falha diagnosticada, ainda no período ideal poderá ser feito com a retirada de colostro da mãe e fornecido ainda fresco ao neonato ou após ele ter sido estocado; particularmente nos casos de dificuldade de mamada do neonato poderá ser usada a sondagem esofageana para o fornecimento. Nas situações em que foi ultrapassado o período ideal de fornecimento do colostro, pode ser recomendada a transfusão de sangue total ou de plasma. Com a hemoterapia, seja com sangue total ou plasma, os volumes necessários são grandes para se obter adequada concentração de imunoglobulinas na circulação do neonato. A recomendação genérica da dose de plasma é de 20 ml/kg de peso vivo (p.v.), devendo, todavia, a taxa plasmática de IgG no doador ser de 1400 mg/dL. No entanto, existem resultados obtidos que evidenciam que a dose de 20 ml/kg p.v. de plasma não foi suficiente para corrigir a falência de transferência de imunidade passiva colostral e para diminuir ou evitar doenças e mortes decorrentes desta nos neonatos que não ingeriram colostro. Todavia, poderá ser utilizado nos casos de inadequada transferência. Clínica de Ruminantes 7 A prevenção da falha de transferência de imunidade passiva colostral deve obedecer as recomendações quanto ao volume (4 litros no 1º dia p.n.) e momento (4 a 6 horas p.n.) ideais de fornecimento do colostro, além de considerar-se a sua qualidade imunológica. O ideal seria fornecer o colostro permitindo que o neonato o mame naturalmente na mãe, podendo-se complementar o volume com alimentação artificial (em mamadeira ou biberão) dos neonatos de alto risco. Em bezerros de raças leiteiras, nos quais as taxas de falência com amamentação natural são altas, é comum optar-se por separar o bezerro da mãe e fornecer o colostro manualmente, para assegurar a sua adequada ingestão. Em última instância, fornecimento de colostro por sonda esofageana. O estabelecimento de banco de colostro obtido de primeira ordenha de vacas leiteiras com múltiplas parições é recomendado para suprir fonte confiável de colostro. Clínica de Ruminantes 8 Diarréia dos Bezerros A diarréia neonatal dos bezerros é uma doença multifatorial ou um complexo patofisiológico, resultante da interação entre o bezerro, seu ambiente, a nutrição recebida e os agentes infecciosos. Este complexo é mediado por toxinas bacterianas, inflamações induzidas por parasitas ou bactérias, ou atrofia de vilosidades intestinais determinadas pela ação viral ou de protozoários. Estas condições determinam uma hipersecreção intestinal ou má absorção e digestão, que tem como resultado a diarréia. Devido a todos estes aspectos o complexo, é considerado um síndrome caracterizado por alterações da função gastrintestinal, cujo sintoma principal é a diarréia, sendo causa de grandes prejuízos econômicos na atividade agropecuária, pela mortalidade provocada entre os animais afetados, pelos tratamentos frustrados e particularmente, pela perda de peso e desenvolvimento retardado dos bezerros que o apresentam. Geralmente tem etiologia mista. Existem fatores que atuam na susceptibilidade à diarréia representados por manejo e higiene inadequados, técnica de fornecimento de colostro e ocorrência de asfixia, que podem alterar o aporte ideal de imunoglobulinas colostrais, e aqueles determinantes, representados por erros de alimentação e agentes enteropatogênicos. Assim as diarréias podem ter origem “não infecciosa”, sendo neste caso os erros de manejo alimentar e higiênico a causa destas. Com freqüência as formas não infecciosas são precursoras das diarréias infecciosas. As diarréias “infecciosas” dos bezerros neonatos podem ser causadas por enteropatógenos como bactérias (Escherichia coli, Salmonella spp; Clostridium perfringens, etc.), vírus (particularmente rota e coronavírus) e protozoários (Cryptosporidium sp.; Eimeria spp.), que atuam de forma isolada ou associados entre si, na determinação do quadro de diarréia As modificações do metabolismo e do equilíbrio ácido-básico são dentro de certos limites independentes da etiologia da diarréia e decorrentes das perdas de fluídos e eletrólitos. As perdas mais severas conduzem a progressiva hipovolemia e hemoconcentração. Em concomitância às perdas de fluídos nas fezes, também são perdidos íons sódio e cloro, estabelecendo-se em geral as hiponatremia e hipocloremia, além da perda de grandes quantidades de bicarbonato que é secretado no intestino delgado. Os níveis séricos de potássio também podem sofrer modificações, sendo mais freqüente o aumento, hipercalemia, do que a diminuição, hipocalemia. A hipoglicemia freqüentemente ocorre em casos severos de diarréia, além de desenvolver-se desvio do equilíbrio ácido-básico, com manifestação de acidose metabólica O diagnóstico presuntivo na síndrome diarréia pode ser estabelecido através das manifestações sintomáticas, histórico clínico dos animais acometidos no momento e pregressamento, evolução do quadro, forma de instalação e epidemiologia da enfermidade na propriedade em avaliação. O conjunto de informações permitirá ao clínico muitas vezes suspeitar de algum agente Clínica de Ruminantes 9 em particular, o qual poderá ser confirmado com o uso de terapia específica. Este recurso, do diagnóstico terapêutico é reservado às diarréias bacterianas (colidiarréia e salmonelose) e parasitárias (coccidiose), onde o uso de quimioterápicos pode apresentar resultados favoráveis, confirmando o agente causador da diarréia. Todavia este método diagnóstico não será eficiente nas infecções mistas, muito freqüentes como causa de diarréia, diante de cepas bacterianas resistentes aos quimioterápicos usados e em ausência da essencial correção da desidratação e desequilibrios iônicos e ácido-básicos, causadores de grande parte das manifestações componentes do quadro sintomático e da morte dos animais enfermos. Exames complementares laboratoriais serão de grande valia para auxiliar nas determinações do grau de hemoconcentração (volume globular ou hematócrito), do nível de perfusão renal (taxa de uréia), dos desequilíbrios iônicos (taxas de sódio, potássio e cloro) e ácido-básicos (hemogasometria). As informações assim obtidas poderão direcionar e dar maior precisão a fluidoterapia. A avaliação necroscópica de animais enfermos sacrificados ou que apresentaram óbito conseqüente à diarréia, pode ser valiosa na elucidação da possível etiologia da enfermidade, quer por lesões anátomo-patológicas características, quer por permitir a colheita de material apropriado ao diagnóstico etiológico em laboratório especializado. Nas salmonelosessão bem sugestivas as lesões puntiformes cinza-esbranquiçadas e/ou petéquias distribuídas por vários órgãos (pulmões, fígado, coração, rins etc.), bem como os intestinos com lesões hemorrágicas, necróticas com grande quantidade de fibrina. Na enterotoxemia determinada por Clostridium perfringens tipo C., sugere a ação deste agente as inflamações hemorrágicas ao nível de jejuno e íleo, associadas nos casos mais severos, às lesões ulcerativas e necróticas da mucosa. Para o esclarecimento definitivo da etiologia do processo diarréico na maioria das situações é necessário o recurso laboratorial especializado. A boa utilização deste auxílio requer o envio para o exame, dos materiais mais adequados (fezes e órgãos de eleição), colhidos de forma ideal, de modo a representar as amostras os indivíduos examinados, no momento correto e com boa preservação, para assim aumentar a chance de isolamento e identificação do microorganismo. Todas estas recomendações poderão dificultar o diagnóstico etiológico e mesmo quando atendidas, o clínico deverá ter em mente que mesmo com a identificação de um agente, não significará o fato isoladamente, uma prova definitiva de que ele é o causador da diarréia, pois muitos enteropatógenos são isolados de animais sem quadro diarréico. O material de eleição colhido em animais vivos para o diagnóstico dos diferentes agentes enteropatogênicos é representado pelas fezes obtidas diretamente da ampola retal em sacos plásticos (10 a 20 gramas), ou por uso de “swab”, que devem ser dispostas respectivamente, nos próprios sacos plásticos ou em frascos de boca larga, limpos com tampa, ou ainda em tubos de ensaio estéreis com rolha. São recomendados meios de transporte para garantir a maior Clínica de Ruminantes 10 probabilidade de isolamento de agentes bacterianos e pela mesma razão, em se tratando de vírus, recomenda-se que as fezes sejam colhidas 1 hora após o início da diarréia. O material deve se acondicionado sob temperatura de refrigeração até que chegue ao laboratório de diagnóstico. A colheita de material de animais que morreram deve ser feita o mais breve quanto possível do momento do óbito. O ideal seria a colheita de amostras para avaliação em animais recém- sacrificados, com doença de instalação recente e que não receberam qualquer tratamento. Para a bacteriologia é recomendada a colheita de fluídos ou fragmentos de órgãos com lesões que poderiam ser causadas por bactérias (dos tratos gastrointestinal e respiratório; região umbilical e líquido sinovial); três pedaços de alça intestinal, com 6 a 10 cm de comprimento, um do jejuno proximal, outro do jejuno distal e um último do cólon espiral, amarrados em ambas as extremidades; linfonodos mesentéricos, que tem particular importância no isolamento de salmonela. Estes materiais devem ser mantidos e enviados sob refrigeração. Para a virologia, deve-se colher fragmentos de órgãos lesados, particularmente dos sistemas gastrointestinal e respiratório; dois pedaços de alça intestinal, um do jejuno proximal e outro do distal, conforme descrição feita para avaliação bacteriológica e, conteúdo de cólon ou fezes. O envio do material deve ser efetuado mantendo-o sob refrigeração. Para a identificação de coccidias, recomenda-se decalques em lâminas da mucosa do íleo e porções do trato intestinal conservadas em formol. A histopatologia pode ser realizada em material colhido de locais com lesões macroscópicas; do trato gastrointestinal (abomaso, duodeno, segmentos do jejuno proximal e distal, do íleo com o ceco e, do cólon espiral) e linfonodos mesentéricos. As fezes ou conteúdo de alças intestinais, se prestam a cultura bacteriana, identificação de partículas virais por M.E. e isolamento de vírus, além de exame coproparasitológico e imunodiagnóstico . As porções de intestino não fixados, se destinam à cultura bacteriana, ao isolamento de vírus, aos testes de imunofluorescência e Elisa, para diagnóstico e identificação de E. coli, vírus e Cryptosporidium. Como tratamento na atualidade privilegia-se o sintomático, e as medidas dietéticas e preventivas no combate das diarréias dos bezerros. O tratamento específico contra os agentes determinantes das diarréias é reservado aos quadros bacterianos primários (colidiarréia, salmonelose, clostridiose não super aguda) ou secundários, coccidiose e helmintoses. Todavia, existem reservas quanto ao uso indistinto dessa medida, pois pesquisas demonstram que em propriedades onde o uso de quimioterápicos é praticado, as taxas de mortalidade de bezerros com diarréia são maiores do que naquelas que não o fazem. Deste modo, a quimioterapia deverá ser indicada nos casos em que após criteriosa análise, o clínico conclua ser esta essencial. O tratamento sintomático e as medidas dietéticas têm como objetivo a correção da desidratação ou exsicose e alterações metabólicas/iônicas provocadas pela síndrome diarréia, por Clínica de Ruminantes 11 serem esses distúrbios a causa principal da morte na maioria dos casos da doença; além de promover o alívio da função intestinal, a eliminação de bactérias e suas toxinas e, o favorecimento da regeneração da mucosa do intestino. Para a correção da desidratação por fluidoterapia, o volume das soluções a serem usadas na reposição dos líquidos perdidos é calculado a partir do julgamento clínico da % de desidratação em relação ao peso corporal em quilogramas, pelo uso da seguinte fórmula: volume de líquidos perdidos por desidratação = % clínica de desidratação x peso corporal (kg) dividido por 100. Resultando da operação, o volume perdido por desidratação em litros, o qual deverá ser ministrado imediatamente ao bezerro enfermo. A via pela qual deverão ser ministrados os fluídos dependerá da capacidade de mamar do animal afetado. Prefere-se a via oral, quando passível de ser usada, e a parenteral (intravenosa, intra-peritoneal ou subcutânea) quando o animal mostrar-se incapaz de sugar. Em geral neste último caso, a correção da desidratação pela via parenteral faz com que o enfermo recupere a capacidade de mamar e os líquidos adicionais necessários à mantença e perdas contínuas fisiológicas diárias, poderão ser ministrados pela via oral. O volume perdido por desidratação deverá ser ministrado nos casos que exijam o uso da via parenteral, particularmente a intravenosa, em período de 4 a 6 horas. Nas situações menos graves, com o uso possível da via oral, o volume total deverá ser dividido em várias parcelas oferecidas em mamadeira ou balde com teteira, no decorrer do dia da avaliação. A escolha de soluções a serem ministradas também estará na dependência dos resultados da avaliação clínica do bezerro doente. Nos casos em que a acidose metabólica não seja identificada, recomenda-se a utilização de soluções isotônicas comerciais que contenham cloreto de sódio (solução fisiológica/com 9g NaCl por litro) e glicose (solução de glicose a 5% / com 50 g de glicose por litro) ministradas em partes iguais de modo a compor o volume total necessário. Em casos de bezerros com diarréia em estado de pré- choque devido a desidratação para ressuscitação mais rápida do paciente deve-se considerar a possibilidade do uso de solução salina hipertônica (solução de NaCl a 7,2%) em volume de 4 a 5ml/kg de p.v. aplicado em curto período (3 a 10 minutos) por via intravenosa. Soluções caseiras preparadas com água fervida e com as concentrações de sal e glicose (dextrose) anteriormente citadas por litro, podem ser usadas na falta das preparações comerciais. Em presença de acidose é necessária a utilização de soluções alcalinizantes, como a de Ringer- lactato,que deverá representar a metade do volume calculado para reidratação , sendo a outrametade constituída de partes iguais de solução fisiológica e de glicose a 5%. As soluções à base de bicarbonato de sódio devem ser isotônicas (1,3%) e ministradas somente quando possível uma melhor monitoração para evitar-se o risco de provocar-se uma alcalose por administração excessiva de bicarbonato. Nos tratamentos por via oral, usados nos casos mais leves de desidratação, pode–se associar às soluções recomendadas substâncias emolientes (sais de tanino, pectina, caolin, água de Clínica de Ruminantes 12 arroz , arrozina, etc) para proteção da mucosa e/ou adsorventes (carvão vegetal) para diminuir a concentração de toxinas no trato intestinal. A suspensão da dieta láctea é recomendada em casos moderados a intensos da diarréia, sendo substituída tal dieta, por um volume equivalente de solução fisiológica e de glicose já recomendadas, por um período de 24 horas pelo menos. Sendo então, retomada gradativamente a dieta láctea. Tem esta medida dietética a função de permitir a regeneração da mucosa intestinal, que tem rápida renovação celular e, diminuição do substrato disponível para uma maior multiplicação bacteriana. De forma sumarizada, pode-se recomendar nas formas leves de diarréia (com fezes menos consistentes a sem exsicose clínica) a manutenção da alimentação habitual associada a substâncias emolientes e/ou adsorventes, medidas que sem resultado (regressão da diarréia) em 24 horas a 48 horas, devem ser substituídas pelas medidas usadas nas diarréias moderadas. Nestas últimas, onde as fezes têm consistência de sopa/aquosa e a exsicose equivale até a 10% do peso corporal (p.c) deve-se substituir a dieta láctea por soluções contendo cloreto de sódio e glicose no volume já recomendado, ministradas se possível por via oral e durante as primeiras 24 horas pós – diagnóstico ou no 1º dia de tratamento; no 2º dia deve compor o volume a ser ministrado, 1/3 de leite ou similar + 2/3 de soluções eletrolíticas/glicose; no 3º dia, 2/3 de leite ou similar + 1/3 de solução eletrolítica/glicose e no 4º dia somente leite. Nas diarréias severas, com fezes aquosas, exsicose acentuada (maior que 10% do p.c) e incapacidade de mamar do bezerro, a reposição de fluídos deverá ser feita por via parenteral para correção da desidratação, conforme recomendações já estabelecidas, e a seguir, o restante do volume necessário à mantença e reposição de perdas fisiológicas diárias, ministrado por via oral. As medidas preventivas ou profiláticas recomendadas em geral assumem evidente significado para o combate das diarréias em bezerros neonatos por se tratar de um complexo patológico resultante de um evento polifatorial. Assim, na sua prevenção deve-se considerar o conjunto representado pela “Mãe” – Bezerro – Ambiente”. Em relação a mãe : novilhas ou vacas com gestação avançada devem receber manejos sanitário e alimentar de boa qualidade, de forma a oferecer o aporte de nutrientes que garantam a manutenção do estado geral materno, o adequado desenvolvimento fetal e a produção do colostro com qualidade e volume que permitam boa proteção do recém-nascido; o período de secagem do leite deverá ser de cerca de 6 a 8 semanas antes do momento previsto para o parto; uma manutenção em ambiente o menos contaminado possível; receber o acompanhamento do parto, evitando-se partos difíceis com um bom planejamento de coberturas, de modo a nascerem bezerros com tamanho compatível relativo à mãe e cuidados rigorosos de higiene do parto. Quanto aos bezerros e seu ambiente: devem, quando possível, ser acompanhados ao nascimento, com primeiros cuidados que incluem a manutenção em cama limpa e seca permitindo-se que a mãe o lamba, estimulando-os de forma a ficarem em estação e capacitados à mamada do colostro no mais breve tempo pós-nascimento; a desinfecção do umbigo; o alojamento Clínica de Ruminantes 13 em local que receba regular higienização, confortável, com boas luminosidade, aeração e eliminação de dejetos e, isolados de animais doentes; a mamada do colostro no período ideal e em quantidades suficientes; observação dos cuidados com a técnica de alimentação, particularmente em propriedades onde os neonatos recebem dieta láctea em mamadeiras ou baldes com teteiras (volume e temperatura do leite) e naquelas que utilizam sucedâneos do leite. A imunoprofilaxia ou vacinação é uma medida importante a ser considerada na prevenção das doenças dos bezerros neonatos, no entanto, é preciso ter em mente que estará fadada ao insucesso se sua aplicação não for acompanhada de um bom programa de manejo e manutenção de boas condições sanitárias. Em se tratando da profilaxia das diarréias, tais considerações assumem uma significância ainda maior, por se tratar de uma síndrome, na maioria das vezes com etiologia multifatorial. Em bezerros neonatos a imunoprofilaxia pode ser instituída através da vacinação da mãe com o objetivo de que esta produza anticorpos específicos que deverão passar ao colostro para uma eficiente imunização passiva do bezerro recém- nascido. A vacinação materna deve promover uma boa produção de anticorpos e que estes sejam secretados no colostro. Essa vacinação da mãe deve ser repetida por duas vezes 7 a 8 e 3 a 4 semanas antes do parto, residindo a sua vantagem no estabelecimento de uma imunoproteção imediata à tomada do colostro da mãe vacinada. A vacinação do neonato no período pós-mamada do colostro, deve considerar a influência das imunoglobulinas colostrais presentes no organismo do bezerro, que interferem com o nível de proteção vacinal obtido, de forma geral, até os 4 meses de vida. Ainda, entre as possibilidades de profilaxia das diarréias deve-se registrar a utilização de probióticos e da paraimunização, ainda não vulgarizadas na criação bovina nacional. Problemas Umbilicais As inflamações representam o problema umbilical mais freqüente nos bezerros, decorrendo em geral da infecção durante ou imediatamente p.n., sendo responsáveis por maiores perdas econômicas quando localizadas em componentes internos do cordão umbilical, determinando complicações que podem provocar desde um menor ganho de peso (menos que 25%) até a morte do animal enfermo, afora custos com honorários profissionais e tratamentos. O diagnóstico é estabelecido pelos sintomas que incluem sinais de inflamação aguda (com alterações como anorexia, hipertermia, arqueamento de coluna, aumento de volume no umbigo, calor, rubor e sensibilidade) ou crônica (com manifestações restritas ao umbigo, de menor intensidade, com fibrosamento e dor menor ou ausente) localizados na região externa com abscesso e/ou supuração (onfalite apostematosa) ou não (onfalite simples). Os componentes umbilicais internos (veia umbilical, duas artérias umbilicais e uraco) podem ser afetados de forma difusa e ascendente, dando à palpação bimanual do abdome a sensação de cordão intra-abdominal espessado e sensível, ou de espessamento com formação(ões) no trajeto, flutuante(s) ou não (abscesso/s) A Clínica de Ruminantes 14 direção do cordão interno espessado permite inferir-se qual ou quais componentes do cordão umbilical estão afetados. Assim uma direção cranio-dorsal indica que a veia esta afetada (onfaloflebite) e a caudo-dorsal que pode ser a(s) artéria(s) (onfaloarterite) ou o uraco (onfalouraquite). Pode também ocorrer associação de componentes inflamados ou todos simultaneamente afetados (panvasculite). As complicações mais freqüentes são a poliartrite, hepatite apostematosa e broncopneumonia, e mais raramente a meningite e a septicemia, determinarão outros sintomas mais específicos. Deve-se estabelecer o diagnóstico diferencial com a hérnia umbilical e com a persistência de uraco. A elucidação diagnóstica pode ser auxiliadaparticularmente nas formas intra-abdominais, pela sondagem de trajeto fistuloso, aplicação de corantes através deste e uso de ultra-sonografia. O tratamento da inflamação externa deve ser feito através de limpeza com soluções anti-sépticas (líquido de Dakin) e drenagem de abscessos seguida de limpeza, com aplicação de tintura de iodo a 2% e colocação de sedenho. Para acelerar a supuração de abscessos podem ser usadas pomadas hiperimiantes. Em presença de inflamação interna sem complicações pode-se optar por tratamento conservativo a base de quimioterápicos. Caso este não funcione deve-se realizar a retirada cirúrgica dos cordões internos. As complicações determinam em geral um prognóstico de resultado negativo para o tratamento. Como profilaxia do problema recomenda-se a desinfecção umbilical no momento imediato ao nascimento e nos dois dias subseqüentes com tintura de iodo a 2%, além das medidas gerais recomendadas no tópico das diarréias que se aplicam a prevenção de enfermidades dos bezerros neonatos. Doenças Cutâneas Clínica de Ruminantes 15 Fotossensibilização Introdução Fotossensibilização é um processo patológico resultante da exposição de componentes fotossensíveis à luz com comprimento de onda acima de 320 nm (Rowe, 1989). A concentração e o tempo de exposição do agente fotoativo determinam a gravidade da enfermidade. As moléculas do agente fotossensível absorvem energia luminosa e tornam-se altamente reativas, capazes de desencadear reações cutâneas que provocam a liberação de enzimas e de mediadores químicos da inflamação. Etiologia Os quadros de fotossensibilidade que acometem os ruminantes incluem a fotossensibilização por síntese anormal de pigmentos, a fotossensibilização primária e a fotossensibilização secundária ou hepática. O primeiro tipo também conhecido como porfiria congênita, é causado por um distúrbio metabólico que provoca o acumulo de porfirinas fotoativas na corrente sanguínea e, conseqüentemente dermatite. A fotossensibilização primária é provocada por agentes fotodinâmicos presentes em vegetais como, por exemplo, Hipericum perforatum (erva de São João) e Fagopirum esculentum (trigo sarraceno) e em drogas como a fenotiazina. A fotossensibilização hepática é a mais freqüentemente observada e a de maior importância econômica. Ocorre quando há prejuízo à excreção normal da bile e, conseqüentemente, à excreção do pigmento fotossensível filoeritrina, produto do metabolismo da clorofila. A exposição do pigmento à radiação solar ocasiona uma série de reações fotoquímicas que provocam dermatite. A disfunção hepática que ocasiona a retenção de bile e de filoeritrina pode ser decorrente de alguns vegetais hepatotóxicos que incluem Holocalix balansae (alecrim do campo), Lantana spp, Stryphnodendrom abovatum (barbatimão) e Enterolobium gumiferum (tamboril). A hepatopatia pode ser causada também por organismos como a Leptospira spp e Fasciola hepaatica e pela ingestão da toxina esporidesmina, presente nos esporos do fungo Pithomyces chartarum e por saponinas presentes nas pastagens de Brachiaria decumbens. Pithomyces chartarum e seus esporos Clínica de Ruminantes 16 O P. chartarum é um fungo saprófito, cosmopolita, apresenta micélio septado e se multiplica em restos vegetais em decomposição. As condições climáticas estão diretamente relacionadas com o desenvolvimento do fungo, que tem sua esporulação mais intensa quando a temperatura ambiente encontra-se ao redor de 24º C, umidade relativa do ar acima de 70% e precipitação pluviométrica superior a 10 mm3. Nessas condições o fungo completa seu ciclo de desenvolvimento em três dias e grande quantidade de esporos é produzida dentro de quatro dias. Surtos de fotossensibilização, no Brasil, foram registrados em pastagens de B. decumbens com mais de 87.000 esporos/grama da forragem (FAGLIARI et al., 1993c). A relação diretamente proporcional entre o número de esporos de P. chartarum e a produção de esporidesmina permite considerar a contagem de esporos um método seguro e prático na identificação de pastagens tóxicas (DIMMENA e BAILEY, 1973). COLLIN et al. (1995) desenvolveram teste laboratorial para detectar esporidesmina na pastagem e concluíram que a quantidade de toxina presente na forrageira é diretamente proporcional ao número de esporos nela contidos. Fisiopatologia A esporidesmina pertence ao grupo químico epipolitiodioxipiperazina. Os compostos pertencentes a esse grupo apresentam uma ponte dissulfeto em um anel de piperazina. Essa ponte de enxofre é essencial para sua atividade biológica. Pequenas alterações nos radicais da molécula de esporidesmina podem ocasionar a formação de diversos tipos de toxina, A, B, C, D, E, F, G e H, com diferentes potenciais tóxicos. A esporidesmina A é mais tóxica e representa mais de 90% do total de esporidesmina produzida “in vitro”. Os ruminantes são particularmente sensíveis à ação da micotoxina, que é absorvida no intestino cerca de dez minutos após sua ingestão. Ela é excretada integralmente junto à bile provocando lesões de ductos biliares e pericolangite. Em conseqüência, ocorre retenção do pigmento fotossensível filoeritrina e seu acúmulo na circulação sangüínea periférica ocasiona, secundariamente, dermatite por fotossensibilidade em várias partes do corpo. A citotoxicidade da micotoxina está diretamente relacionada ao seu conteúdo na bile, na urina e no soro sanguíneo. A quantidade de toxina detectada na bile de ovinos (20 µg/mL) é cem vezes superior ao seu teor sérico e dez vezes acima da concentração urinária. Essa diferente ordem de concentração tem relação direta com as lesões teciduais. Normalmente a esporidesmina não altera a função dos hepatócitos, entretanto, altas concentrações são capazes de prejudicar o metabolismo dessas células. O período de latência entre a ingestão da esporidesmina e a manifestação de fotossensibilização está relacionado ao tempo requerido para se instalar a colangite obliterativa, que é de 10 a 30 dias. Clínica de Ruminantes 17 O principal efeito tóxico da micotoxina se deve a formação de quantidade excessiva de radicais livres responsáveis pela oxidação de lípides das membranas celulares e citotoxicidade. Brachiaria decumbens e a ocorrência de fotossensibilização em ruminantes No Brasil, o habitat natural do p. chartarum inclui vários de tipos de gramíneas, no entanto, nas pastagens de B. decumbens ele se desenvolve mais intensamente. O vigor vegetativo da B. decumbens e sua característica decumbente favorecem a deposição de folhas no solo e a formação de substrato orgânico com microbiota favorável ao desenvolvimento do fungo. Adicionalmente, a contínua produção de sementes reforça o substrato e propicia abundante esporulação do P. chartarum e aumento da produção de esporidesmina. Patologia clínica Os achados laboratoriais variam com o tempo de evolução e com a gravidade da doença. As principais alterações incluem anemia normocítica normocrômica, hiperbilirrubinemia, hipoalbuminemia e aumento no tempo de excreção de bromossulfaleína (FAGLIARI et al., 1994). A determinação da atividade da GGT é uma das provas laboratoriais mais confiáveis no diagnóstico das lesões dos ductos biliares provocadas pela esporidesmina, inclusive a sua forma subclínica. Embora essa enzima esteja presente em células de outros epitélios (sistema urinário e glândula mamária) a sua presença no soro é de origem exclusivamente hepática. Achados clínicos A dermatite é o sinal clínico mais evidente da enfermidade e é observada,principalmente, nas orelhas, flancos e membros (FAGLIARI et al., 1993a). Vários animais apresentam icterícia. O emagrecimento é evidente e o desenvolvimento ponderal dos animais que se recuperam da doença é significativamente prejudicado (FAGLIARI et al., 1993b). Os sinais clínicos iniciais de fotossensibilização incluem inapetência e desconforto provocado pelo prurido (os animais se lambem e esfregam-se contra obstáculos presentes no ambiente). Surgimento de lesões cutâneas nas orelhas, flancos, barbela, base da cauda, região glútea e face interna dos membros pélvicos, cujos tegumentos necrosam e se desprendem, formando feridas exsudativas. Membranas mucosas amareladas, bilirrubinúria e emagrecimento progressivo. Achados de necropsia Clínica de Ruminantes 18 A principal lesão hepática é a colangiohepatite. Nos casos agudos da enfermidade os fígados podem apresentar tamanho e consistência normais ou edemaciados e congestos. Predomina a coloração amarelo-esverdiada, devido ao excesso de bile. A superfície do órgão pode estar lisa ou apresentar granulações finas e a cápsula encontra-se espessada e, às vezes, fibrosada ou aderida às vísceras adjacentes. Nódulos de regeneração podem estar presentes, conferindo aspecto irregular à superfície hepática. Normalmente a vesícula biliar encontra-se distendida por bile de consistência densa. Os casos graves provocam fibroplasia e atrofia do parênquima. Em geral os ductos biliares apresentam-se espessados e edematosos, podendo ocorrer necrose e obstrução de ductos. Nos casos crônicos o achado mais importante é a proliferação de ductos biliares. Pode-se observar restos teciduais e bile densa, resultando na oclusão total ou parcial de ductos. Dermatofitose Definição A dermatofitose é um termo referente a infecções dos tecidos ceratinizados da pele (camada celular córnea da epiderme, pêlos e potencialmente as unhas, cascos e chifres), por espécies de Microsporum e Trichophyton. Etiologia Embora vários gêneros estejam envolvidos na produção da dermatofitose, a grande maioria das lesões tem por causa Microsporum ou Trichophyton spp. Nos ruminantes a vasta maioria das lesões é causada pelo Trichophytom verrucosum. Aspectos Epidemiológicos A transmissão da doença ocorre comumente de animal para animal através do contato direto ou através de fômites contaminados. A susceptibilidade dos animais à doença está associada a diversos fatores. Provavelmente o mais importante é a idade do animal, sendo os jovens bem mais susceptíveis. Talvez a falta de exposição prévia à infecção e conseqüente ausência de imunidade específica. Outros fatores relacionados são a aglomeração de animais jovens, fatores que determinem baixa resistência às infecções (desnutrição, doenças concomitantes e uso prévio de drogas imunossupressoras) e climas quentes e úmidos. Fisiopatogenia Clínica de Ruminantes 19 Os dermatófitos invadem os tecidos desvitalizados completamente queratinizados. Assim, o único sinal clínico que estes agentes podem produzir com a sua presença é a alopecia. Os esporos dos fungos germinam sobre a epiderme e crescem nos folículos pilosos e mais tarde no pêlo que acaba caindo. Na maior parte das circunstâncias, a dermatofitose é doença autolimitante, durando a infecção entre 1 e 4 meses. Achados Clínicos Diversas dermatoses caracterizadas por alopecia e/ou formação de escamas e crostas são erroneamente imputadas às infecções por dermatófitos. Entretanto, a principal característica clínica da dermatofitose é a natureza multifocal das suas lesões. As lesões geralmente estão acompanhadas de crostas ou escamas. O quadro característico consiste em vários círculos sem pêlo, com vários centímetros de diâmetro. Normalmente as lesões se localizam na cabeça, pescoço, ombros e paredes laterais do tórax. O grau de prurido associado à doença é variável, mas normalmente é brando ou está ausente. Está doença é relativamente rara nos ovinos e caprinos, porém relativamente comum nos bovinos. O quadro evolutivo pode ser de 3 a 4 semanas para o início das lesões; 8 semanas para o seu completo desenvolvimento; e 3 a 5 meses para crescer novo pêlo. Patologia Clínica Os exames laboratoriais que podem ser comumente empregados são o exame de microscopia óptica, utilizando-se lâmina / lamínola mais solução à base de hidróxido de potássio e cultura de dermatófitos. Diagnóstico O exame microscópico direto de pêlos infectados tem valor, mas em geral o método mais empregado e mais confiável para o diagnóstico da dermatofitose é o uso de culturas fúngicas. Tratamento Clínica de Ruminantes 20 Podem ser empregados agentes fungicidas e fungistáticos tópicos para a redução da disseminação da doença, entre eles estão: Cal sulfurada 5% Solução de hipoclorito diluído a 1:10 em água Miconazol Clorexidina Griseofulvina – 10 mg/kg / dia P.O. durante 10 dias.* Dermatofilose Definição / Etiologia A dermatofilose é uma dermatite bacteriana superficial causada pelo Dermatophilus congonlesis, que se caracteriza por exsudação e formação de crostas. O microorganismo é uma bactéria aeróbia gram-positiva, ramificada e filamentosa. A dermatofilose afeta cavalos, bovinos, ovinos e caprinos. Ocorre preferencialmente em bovinos jovens sendo de caráter transmissível. Esta bactéria tem sua penetração facilitada por feridas cutâneas superficiais, causadas por traumatismos, ectoparasitos, etc. Fisiopatologia A infecção ocorre quando os zoósporos cocóides germinam num defeito úmido da camada córnea, formando micélio que prolifera nas camadas vivas da epiderme. A resposta inflamatória é basicamente neutrofílica, formando barreira através da qual os microorganismos são incapazes de penetrar. Os microorganismos são eliminados pela reepitelização e posterior liberação de crostas. O microorganismo pode ser transmitido através do contato direto com hospedeiro reservatório, por fômites contaminados, ou por moscas e carrapatos. Achados Clínicos Inicialmente as lesões são pequenas e posteriormente tornam-se maiores aparecendo preferencialmente na região lombar, úbere, bolsa escrotal e membros e em bezerros lactentes ao redor do focinho. Ocorre formação de crostas supurativas e proliferativas com os pêlos embolados resultando num aspecto de pincel. A remoção das crostas revela superfícies úmidas, cinzentas a rosada, com as raízes dos pêlos projetando-se através da superfície das crostas. Patologia Clínica Clínica de Ruminantes 21 Nos estágios agudos da doença, quando a supuração, subjaz às crostas, esfregaços diretos do exsudato devem ser coletados sobre uma lâmina de microscopia, deverão ser corados e examinados em busca das bactérias. O D. congolensis pode ser conhecido como bactéria gram- positiva, filamentosa e ramificada que forma fileiras paralelas de cocos, comumente descrita como linhas de estrada de ferro. Diagnóstico O diagnóstico é obtido através dos sinais clínicos e teste de gram realizado a partir das secreções e crostas. Tratamento O aspecto mais importante da terapia envolve a remoção dos fatores predisponentes à infecção. Condições de umidade que resultem em maceração cutânea deverão ser evitadas para que se dê à pele condições de secar. Os parasitas externos causadores de lesão de pele e transmissão das bactérias deverão ser eliminados. As crostas devem ser cuidadosamente removidas e adequadamente eliminadas para que não ocorra a posterior contaminação do ambiente. O tratamento tópico inclui higienização da pele utilizando-se xampus à basede iodopovidona ou solução de clorexidina diariamente durante 7 dias. A terapia sistêmica geralmente fica reservada para os casos mais graves e generalizados. Antimicrobianos - Penicilinas G potássica – 20.000 UI/kg, IM, diariamente, durante 5 dias - Estreptomicina – 10 mg/kg, IM, diariamente, durante 5 dias - Oxitetraciclina de longa ação – 20 mg/kg, IM (dose única) Afecções do Aparelho Respiratório Clínica de Ruminantes 22 Introdução O sistema respiratório é capaz de desenvolver várias funções dentro do organismo animal, sendo a mais importante delas relacionada às trocas gasosas, onde ocorre a hematose (oxigenação sangüínea e a liberação de gás carbônico) nos alvéolos pulmonares. Porém, outras funções do sistema respiratório são representadas pela manutenção do equilíbrio ácido-base, filtração e destruição de êmbolos sangüíneos, metabolismo de substâncias, como a serotonina, prostaglandinas, corticosteróides e leucotrienos, termorregulação e outras. O sistema respiratório é composto por narinas, coanas, seios paranasais, laringe, traquéia, brônquios principais ou brônquios lobares, brônquios segmentares, bronquíolos e alvéolos. As vias áereas (vias de condução de ar) são divididas na altura da borda caudal da cartilagem cricóidea, em vias aéreas anteriores e posteriores (algumas literaturas trazem como vias aéreas superior e inferior). Assim sendo, o ar inalado entra pelas narinas, é aquecido e umidificado pelas coanas e pelos seios nasais, segue para a laringe e em seguida para a traquéia (se situam fora do tórax). No tórax, a porção final da traquéia divide-se em dois brônquios principais que originam vários brônquios segmentares. Esses brônquios vão se dividindo em segmentos cada vez mais finos até os pequenos brônquios, que apresentam diâmetro entre 1 a 2 cm. Desses brônquios saem os bronquíolos (que não possuem cartilagem na sua parede), finalizando em bronquíolos terminais, que são as menores vias aéreas condutoras de ar. A unidade funcional do pulmão é o ácino e é constituída por bronquíolos respiratórios, ductos alveolares e alvéolos. Os pulmões são divididos em lobos, segmentos, lóbulos e ácinos. Com relação ao suprimento sangüíneo, a artéria bronquial supre os linfonodos do hilo pulmonar, a pleura e os brônquios. Os ramos da artéria pulmonar suprem principalmente os bronquíolos terminais, ductos alveolares e alvéolos. Os pulmões são inervados por fibras parassimpáticas do nervo vago e por fibras simpáticas dos gânglios torácico cranial e cervical. Mecanismos de Defesa do Trato Respiratório Clínica de Ruminantes 23 A principal função do mecanismo de defesa do trato respiratório é a inativação das partículas e microorganismos inalados. Portanto, as doenças infecciosas que alteram o trato respiratório dependem da habilidade dos agentes infecciosos que podem agir sozinhos ou em combinação com outros fatores que alteram o mecanismo de defesa dos pulmões. A eficiência dos agentes invasores depende da habilidade de resposta dos mecanismos de defesa do hospedeiro, o qual depende do nível de nutrição, estresse, hidratação e imunidade do hospedeiro antes e durante a infecção respiratória. O sistema de defesa do trato respiratório pode ser alterado por componentes imunológicos e não imunológicos. Os componentes não imunológicos incluem sistema de filtração e fluxo de ar, espirros reflexos de tosse e reflexo laríngeo, mecanismo de transporte mucociliar e macrófagos alveolares pulmonares. Os componentes imunológicos incluem sistemas de anticorpo e células imuno mediadas que estão presentes tanto nas superfícies aéreas quanto sistemicamente. As vias aéreas, em virtude de suas estruturas anatômicas filtram uma grande porcentagem de partículas inspiradas, sendo que 100% das partículas com mais de 10 μ são retidas no trato respiratório superior, ou seja, param na traquéia. Já as partículas com cerca de 5 μ são depositadas nas superfícies das mucosas do trato aéreo anterior, sendo posteriormente removidas pela ação dos cílios (aparato mucociliar). Partículas entre 0,3 e 2μ de diâmetro podem alcançar os ductos alveolares e alvéolos. Gases, vapores e partículas menores que 0,3μ não são filtradas nas vias aéreas, alcançam os alvéolos e podem voltar a serem eliminadas pelo ar expirado. A umidificação do ar inalado produz um aumento no tamanho e densidade das partículas. De acordo com a localização, tamanho e composição do material depositado nas mucosas, ocorre a estimulação de diferentes mecanismos de limpeza do trato aéreo. Portanto, materiais irritantes ou secreções acumuladas nas vias aéreas anteriores, são removidas rapidamente com reflexo da tosse ou espirro. Já as partículas de menor tamanho podem ser depositadas na superfície do trato aéreo que é coberta pelos cílios das células cilíndricas ciliadas. Os cílios revestem todo o trato respiratório, com exceção da parte rostral do nariz, parte da faringe, ducto alveolar e alvéolo. Portanto, partículas que são depositadas nas zonas cobertas pelos cílios, são removidas pelo mecanismo de defesa mucociliar. O muco, é produzido por células do epitélio de revestimento das vias aéreas e por glândulas peribronquiais e, nos bronquíolos próximos aos alvéolos, o muco é produzido pela secreção dos pneumócitos tipo II. Esse muco se apresenta em duas camadas: uma menos viscosa que fica em contato com os cílios (face sol), que permite a movimentação desses cílios e outra, mais viscosa (fase gel), localizada sobre a camada de menor viscosidade, que facilita a aderência das partículas inaladas em sua superfície. Os cílios possuem movimento no sentido oral, sendo que dessa forma consegue movimentar o muco desde as Clínica de Ruminantes 24 partes mais profundas do pulmão até a faringe, levando essas partículas para a região anterior da árvore respiratória, onde serão deglutidas ou eliminadas pela tosse. Um outro mecanismo de defesa do trato respiratório é constituído pelos macrófagos alveolares. Os macrófagos alveolares é o maior tipo de célula presente no trato broncoalveolar e compreendem cerca de 50 a 60% da população de células total. Estas células migram livremente pelo trato broncoalveolar e ingerem partículas que podem vir a residir na superfície das vias aéreas. Estas células devem migrar junto, se aderir, ingerir, matar e digerir diferentes patógenos. Os macrófagos tendem a migrar ou em resposta a substâncias liberadas diretamente pelas bactérias ou por fatores quimiotáxicos que geram a interação do agente estranho com o anticorpo e proteínas de complemento presentes dentro dos fluidos broncoalveolares. A adesão dos macrófagos alveolares ao patógeno é essencial que ocorra antes da ingestão e é mais eficientemente mediada por anticorpo específico ( IgG, IgM) e ou proteínas de complemento. Estes agentes combinam com o agente invasor para promover esta adesão na superfície dos macrófagos através de receptores específicos para anticorpo e complemento. A morte dos patógenos ocorre subsequente a adesão e é resultante de uma série de reações metabólicas que ocorrem dentro dos macrófagos. Estas reações geram uma variedade de radicais oxigênio altamente tóxicos. Os macrófagos, após conterem o material fagocitado no espaço alveolar, caminham para o bronquíolo terminal, sendo levados pelo sistema mucociliar para fora do trato respiratório; outros macrófagos são levados pelos linfáticos até os linfonodos. Quanto aos mecanismos de defesa imunológicos, estes agem para aumentar a defesa aos patógenos específicos através da imunidade imunomediada célula-anticorpo nas vias aéreas superior e inferior. Diferentesimunboglobulinas se distribuem entre as vias aéreas superior, inferior e áreas sistêmicas. Nas mucosas nasal, faringeana e traqueal, há predomínio de IgA de células secretoras, que estão presentes na submucosa, lâmina própria e glândulas submucosas. O nível de IgA diminui nos fluidos aéreos mais distais e praticamente não existe nos alvéolos. A IgG, na sua maioria, é sintetizada localmente tanto no trato respiratório superior quanto inferior e auxilia na defesa pulmonar através da aglutinação de vírus e bactérias. Por se aderir a materiais estranhos, a IgG transforma partículas pouco fagocitadas em rapidamente reconhecidas para que sejam fagocitadas pelos macrófagos alveolares e neutrófilos (opsonização). A IgG também ativa uma série de complementos (proteínas) que facilitam a lise da bactéria e também agem na opsonização de materiais inalados. A ativação de proteínas intralveolares libera uma variedade de substâncias que são vasoativas e broncoconstritivas e que atraem outras células inflamatórias para dentro da área local por potentes propriedades quimiotáticas. A IgM geralmente está presente em baixas concentrações no trato respiratório, mas, como a IgG, tende a ser mais alta nas secreções alveolar e bronquiolar. A proporção de células Clínica de Ruminantes 25 linfóides que que produzem IgM tende a ser muito baixa dentro do lúmen, lâmina própria ou camada submucosa da parede bronquiolar. Aumentos significativos de IgM nos fluidos aéreos não parece ocorrer seguinte a um processo pneumônico, porém pode elevar-se frente a processos exudativos. Os linfócitos T compreendem uma pequena fração do total da população de células broncoalveolares e mediam a “morte” de células infectadas com vírus. Esta forma de destruição celular é importante, pois limita a disseminação do vírus, pois destroem as células infectadas antes da replicação do vírus poder completar seu ciclo e ser liberado. A estimulação de diferentes classes de células T induzem a secreção de uma variedade de citocinas. Estas promovem a ativação dos macrófagos alveolares e a transferência de mais macrófagos de dentro dos alvéolos para os tecidos intersticiais e sangue periférico. A ativação desses macrófagos aumenta sua capacidade de ingerir e matar vírus, bactérias e células infectadas por vírus; isto resulta em aumento do nível de enzimas lisossomais, maior capacidade em produzir substâncias virucidas e bactericidas e aumentar a atividade fagocítica. A remoção de todos os microorganismos inalados depende de fatores como patógenos e hospedeiro. Diferentes bactérias são removidas em diferentes velocidades; algumas espécies, particularmente a Branhamella hemolytica, possui uma capacidade extraordinária de inibir os mecanismos de remoção. O hospedeiro é altamente dependente da integridade funcional do aparato mucociliar e dos macrófagos. A função dos macrófagos depende dos níveis intrapulmonar de imunidade patógeno-específica e do grau de supressão que pode ocorrer diante de fatores como, níveis elevados de corticosteróides, poluentes inalados, infecção viral, hipóxia, endotoxemia, acidose metabólica, fatores esses que podem inibir a atividade dos macrófagos. Alterações dos Mecanismos de Defesa As alterações do mecanismo de defesa pulmonar são consideradas como a maior predisposição a lesões do aparelho respiratório. Muitos patógenos, como a maioria dos vírus que acomete o trato respiratório dos bovinos é auto-limitante. Porém, seguinte a infecção viral, devido ao comprometimento dos mecanismos de defesa pulmonar, a população de bactérias normalmente localizada no trato respiratório superior, passa a aparecer nas vias respiratórias inferiores, onde essas bactérias colonizam, infectam e provocam altos níveis de inflamação e destruição parenquimal. A nasofarinfe do bovino é normalmente colonizada por Branhamella hemolytica, Haemophilus somnus e Mycoplasma spp., enquanto as vias aéreas infeiores, ou distais, e os alvéolos permanecem estéreis. Já em condições normais, essa população de bactérias permanece no trato respiratório superior, até que eventualmente possam ser aspiradas para os pulmões. A não colonização, replicação e infecção do pulmão por essas bactérias é atribuída à sua rápida erradicação pelo aparato mucociliar e pelos macrófagos alveolares. Clínica de Ruminantes 26 Alguns trabalhos citam que lesões virais induzidas alteraram a habilidade dos macrófagos em atacar, ingerir, matar e digerir a bactéria. Em vacas, infecções virais como vírus Sincicial respiratório, Parainfluenza 3, IBR e BVD, rapidamente destroem as células, embora o Herpesvirus e o vírus Sincicial sejam menos efetivos. O vírus da Parainfluenza-3 replica nos fagócitos e tem demonstrado inibir o mecanismo de função dos macrófagos. O Vírus da Diarréia Bovina também inibe a atividade bactericida mediada pelos neutrófilos e podem deprimir marcadamente a habilidade dos monócitos em migrar para áreas infectadas. O estresse, vagamente definido como uma reação neuroendocrinológica, ocorre quando os bovinos encontram uma série de situações ambientais ou sociais as quais não estão acostumados. Fatores como, superlotação, calor, transporte e a mistura (junção) de diferentes grupos de bovinos, produzem elevação dos níveis de esteróides endógenos. Em alguns casos, os níveis de corticosteróides podem permanecer por prolongados períodos de tempo, podendo resultar em depreciação significativa dos níveis de neutrófilos e anticorpos no sangue e comprometer severamente as atividades bactericidas dos fagócitos. Uma resposta efetiva a uma infecção intrapulmonar é absolutamente dependente da resposta fagocítica do pulmão. Porém, isto exige que os macrófagos alveolares e seus precursores e os neutrófilos do sangue periférico, sejam hábeis em entrar no pulmão após a resposta a geração de fatores que atraem essas células para dentro da área de infecção. Estes fatores quimiotáxicos chegam ou pela própria bactéria ou diretamente pelos macrófagos alveolares. Todos esses mecanismos agindo em conjunto servem para atrair as células de defesa para a área de infecção. Os corticosteróides inibem esses processos bloqueando a liberação de fatores quimiotáxicos, pelos macrófagos alveolares, inibindo a ligação dos fatores quimiotáxicos aos granulócitos e produzindo a paralisia química dos macrófagos em migrar após o contato com os fatores quimiotáxicos. Os efeitos acumulativos desses fatores de estresse, comprometem a remoção intrapulmonar de bactérias. A presença de infecções virais simultaneamente, as quais posteriormente comprometerão os mecanismos de remoção, predispõe o trato respiratório inferior de bovinos estressados à colonização bacteriana. Clínica de Ruminantes 27 Natureza da Inflamação Pulmonar A inflamação é , no início, uma resposta não específica à injúria de qualquer natureza e tem como objetivo erradicar ou limitar a disseminação do agente agressor. Assim sendo, a resposta inflamatória é subdividida em três maiores eventos: 1. alteração do fluxo e calibre vascular 2. aumento da permeabilidade vascular 3. eventos celulares: extravasamento de células e fagocitose. Durante a quimiotaxia e fagocitose ocorrem alterações na membrana celular e a liberação de produtos não somente de dentro dos grânulos, mas também do espaço extravascular. Os mediadores químicos que modulam os eventos inflamatórios são liberados do plasma ou das células. (colocar diagrama da pg 20 – Bovine practiotiner). Clínica de Ruminantes 28
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