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1 TERCEIRIZAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO INTRODUÇÃO EVOLUÇÃO HISTÓRICA E TERCEIRIZAÇÃO NO ÂMBITO MUNDIAL 1. Modelo Taylorista/ Fordista de Divisão do Trabalho 2. Modelo Toyotista de Divisão do Trabalho A TERCEIRIZAÇÃO NO PROCESSO PRODUTIVO BRASILEIRO Conceito de terceirização O que significa terceirizar Relação jurídica trilateral Finalidade da terceirização Quarteirização ESPÉCIES DE TERCEIRIZAÇÃO DO PROCESSO PRODUTIVO BRASILEIRO 1. Quanto ao grau de evolução das atividades terceirizadas: a) Terceirização da atividade-meio b) Terceirização da atividade-fim 2. Quanto a forma de desenvolvimento do processo: a) Terceirização de Serviços ou Terceirização de Mão-de-Obra b) Terceirização de Atividades 3. Quanto a licitude do processo: a) Terceirização Lícita b) Terceirização Ilícita FORMATO JURÍDICO DA TERCEIRIZAÇÃO 1. A Terceirização e o Trabalho Temporário 2. A Terceirização e os Serviços de Vigilância e de Conservação e Limpeza 3. A Terceirização das Atividades-meio e Atividades-fim do Tomador 4. A Terceirização e a Administração Pública TERCEIRIZAÇÃO E FRAUDE 1. “Marchandage”: 2. Outras formas de fraude à lei: 2.1 - Subordinação Jurídica e Pessoalidade no Trabalho Terceirizado 2.2 - A Falta de Especialização e Idoneidade da Empresa Prestadora de Serviços 2 RESPONSABILIDADE DO TOMADOR DE SERVIÇOS EM DECORRÊNCIA DA TERCEIRIZAÇÃO 1. Responsabilidade Subsidiária: 2. Reconhecimento do Vínculo de Emprego: 3. Responsabilidade Solidária: 4. Responsabilidade da Administração Pública: VANTAGENS E DESVANTAGENS DA TERCEIRIZAÇÃO 1. Vantagens da Terceirização: 2. Desvantagens da Terceirização: FORMAS DE PREVENÇÃO DOS RISCOS TRABALHISTAS 1. Quanto ao relacionamento com as pessoas contratadas 2. Quanto ao objeto da terceirização 3. Quanto aos aspectos do contrato 4. Quanto à regularidade da prestadora de serviços 5. Quanto à fiscalização do trabalho 3 INTRODUÇÃO O contrato de trabalho possui natureza jurídica e características próprias, o que o torna tão diverso das demais espécies de contratos, a ponto de merecer um ramo do direito especializado na sua regulamentação. A especificidade do contrato de trabalho se verifica na ocorrência de 02 (duas) obrigações recíprocas: de um lado a obrigação do empregado, que tem por objeto a prestação de serviços e, de outro, a obrigação do empregador, que se perfaz no pagamento da remuneração. O contrato de trabalho ainda caracteriza-se por um terceiro elemento, qual seja a subordinação jurídica, que significa o direito do empregador de fiscalizar e direcionar as atividades de seus empregados, de acordo com seus interesses. No entender de Otávio Pinto e Silva, a subordinação e o poder de direção são verso e reverso da mesma medalha: a subordinação é a situação em que fica o empregado e o poder de direção é a faculdade conferida ao empregador. Ambas se completam, de modo que em um processo judicial é recomendável seguir uma diretriz para se concluir se há ou não subordinação, tal como a verificação da quantidade e intensidade de ordens permanentes de serviço a que está sujeito o trabalhador 1 . Essa subordinação do empregado aliada ao poder de direção do empregador enfocam a presença de uma desigualdade entre as partes no âmbito da relação de emprego, o que caracteriza a diferença entre o contrato de trabalho e os demais contratos privatísticos. Assim, na tentativa de restabelecer o equilíbrio entre as partes, numa relação originariamente desigual, o legislador trabalhista amparou o trabalhador com um elenco de normas protetivas, submetendo o empregador a inúmeros deveres e obrigações, de tal modo a garantir aos empregados, parte hipossuficiente, uma série de direitos e acomodações. A máxime proteção se justifica, quando retornamos à época de criação e estabelecimento de tais normas protetivas (CLT – ano 1943). Naquele momento, a economia brasileira passava por um período de transação. Os trabalhadores rurais começavam a deixar o campo para ir trabalhar na cidade. Aos poucos, o país, até então agrícola, fincava suas estacas no desenvolvimento econômico da indústria, por meio de incentivo à entrada de capital e empresas estrangeiras. 1 Otávio Pinto e SILVA. Subordinação, Autonomia e Parassubordinação nas Relações de Trabalho. Ed. LTr. São Paulo. 2004. p. 16. 4 Com o passar dos anos, a economia mundial ganhou nova conotação. “O fenômeno da globalização despertou na classe empresarial a necessidade de dinamizar seus mecanismos de reprodução de riquezas, de criar novas respostas para a sempre presente pergunta feita pelo capital àquela que o detém: „Como você fará para me reproduzir em maior quantidade e em maior velocidade” 2 . O processo de globalização da economia alterou e continua a alterar as relações de trabalho, especialmente em virtude do uso constante de inovações tecnológicas que resultam na adoção de diversas formas de reestruturação produtiva. A precarização das relações de trabalho passa a ganhar espaço, seja com o aumento do número de trabalhadores autônomos, seja com a ampliação das formas de subcontratação de trabalho (terceirização, cooperativas), seja com a simples informalidade ou clandestinidade 3 . Originou-se, então, o entre choque da realidade econômica com as normas jurídicas trabalhistas. “... no Direito do Trabalho há demasiada proteção e pouca liberdade e a preocupação do Direito do Trabalho clássico foi muito mais a de proteger o trabalhador e muito menos de cuidar da viabilidade econômica da empresa que afinal é sua fonte de trabalho. O que hoje está acontecendo é (...) o direito do trabalho na atualidade passará de um direito de distribuição de riqueza a ser um direito de produção de riqueza. Da hipertrofia de demasiada proteção nasceu rigidez não só gravosa para as empresas, mas indiretamente para os trabalhadores, cuja frente de trabalho se vê solapada ou então não cresce”. (Cássio Mesquita de Barros, Flexibilização do direito do trabalho, LTr, n° 58, v. 2, p. 1038) 4 . A fragmentação do mercado e a elevação da taxa de desemprego demonstram a necessidade de redefinição do direito do trabalho. Nesta seara, a terceirização se mostra como a saída encontrada pelos empregadores para contornar o rigorismo das normas trabalhistas e possibilitar o enquadramento de suas empresas na nova era da economia. Em contrapartida, aos empregados somente restou se adaptar a este novo molde de relação trabalhista e, infelizmente, aguardar até que seja feita uma releitura dessa proteção e autonomia nas relações empregatícias, que busquem melhor adequar o direito do trabalho à realidade concreta. 2 José Janguiê Bezerra DINIZ. A Terceirização e o Direito do Trabalho. Revista Jurídica nº 21. Trabalho & Doutrina. Ed. Saraiva. São Paulo. Junho de 1999. p. 7. 3 Otávio Pinto e SILVA. Subordinação, Autonomia e Parassubordinação nas Relações de Trabalho. Ed. LTr. São Paulo. 2004. p. 9. 4 José Janguiê Bezerra DINIZ. A Terceirização e o Direito do Trabalho. Revista Jurídica nº 21. Trabalho & Doutrina. Ed. Saraiva. São Paulo. Junho de 1999. p. 6. 5 O presente módulo tem a função de desenvolver a análise do processo de terceirização, iniciando por sua evolução histórica, conceito e classificações. Dada sua tendência de contrapor-se ao princípiode proteção do trabalhador, será feita a análise, também, de seu formato jurídico, as possibilidades de fraudes e as espécies de responsabilidades inerentes a esta figura. Por fim, se demonstrarão as vantagens e desvantagens do serviço terceirizado, bem como outras formas de contratação de prestação de serviços e, ainda, as formas de prevenção de eventuais riscos trabalhistas. EVOLUÇÃO HISTÓRICA E TERCEIRIZAÇÃO NO ÂMBITO MUNDIAL No mundo antigo, a escravidão caracteriza-se como sendo a situação predominante de um trabalhador. Os escravos tinham o status não de homens, mas de “coisas”. Eram destituídos de vontade própria, sendo considerados, pura e simplesmente, como propriedades dos grandes detentores de terra. A Idade Média foi marcada pelo regime do feudalismo, com a presença da servidão e de algumas corporações de ofício. Os servos (trabalhadores rurais) estavam presos a terra em que trabalhavam, não gozando, portanto, de autonomia nas relações de produção. Em troca dos trabalhos prestados, recebiam tão-somente a proteção dos donos das glebas. No final da Idade Média, a partir da crise do modelo feudal, novas formas de organização produtiva foram surgindo. A primeira forma que surgiu foi a chamada “corporação de ofício”, que dividiu os trabalhadores em três classes: aprendiz, companheiro e mestre. Os poderes de organização e disciplina dessa relação concentravam-se nas mãos do respectivo mestre, todavia, sem haver qualquer relação jurídica entre este e seus empregados, mas tão-somente uma sociedade de direitos e deveres recíprocos. Entretanto, somente com a decadência total do feudalismo e o surgimento da burguesia, é que as relações de trabalho se intensificaram. Iniciava-se, então, a consolidação do capitalismo. Com o surgimento da indústria, a burguesia se firmou como classe hegemônica. Na Idade Contemporânea (marcada pela Revolução Francesa e Revoluções Industriais), o regime capitalista (assalariado) viveu seu apogeu. Tal época foi marcada pela livre concorrência e liberdade de trabalho, sem qualquer interferência do Estado, conhecido por “Estado Liberal”. O trabalhador era juridicamente livre para contratar as condições que deveriam regular o seu contrato de trabalho; mas essa liberdade era apenas formal, porque a lei da oferta e da procura impunha-lhe a aceitação das piores condições de trabalho, inclusive salários aquém do indispensável para a própria subsistência. Nesta fase de exacerbação do liberalismo econômico e jurídico, o 6 trabalho humano nada mais representava do que mercadoria cujo preço oscilava em face da disponibilidade de braços. 5 O capitalismo exagerado, com a concentração de renda nas mãos da minoria, exploração de mão-de-obra e jornada de trabalho excessiva, acentuou o empobrecimento dos trabalhadores pela insuficiência competitiva em relação à indústria que florescia, situação esta que acabou por gerar uma séria perturbação social. Formaram-se, assim, duas classes sociais de interesse antagônico: a proletária e a capitalista. O sentimento de solidariedade e a construção da consciência de classe foram pressupostos inevitáveis para a formação do associativismo 6 . Houve, então, a intensificação das discussões em torno da questão social do trabalho e o início de transição do Estado Liberal para o Estado de Bem- Estar Social. A necessidade da intervenção estatal, com a imposição de barreiras à liberdade contratual, em nome do interesse coletivo e da justiça social, com a criação de normas de amparo ao trabalhador, foi considerada a melhor estratégia para regular o desequilíbrio entre as classes sociais proporcionados pelo Estado Liberal. Como pondera Gabriela Delgado, “o ramo juslaboral passou a ser considerado „[...] progressista, irrenunciável, irreversível, [...] sempre arrancando novas concessões ao capital‟. Por conseguinte, o empregado, parte hipossuficiente na relação empregatícia, estava envolto numa redoma protetiva composta por princípios, regras e institutos jurídicos específicos, todos essencialmente teleológicos ou finalísticos. Foi nessa conjuntura que surgiu o princípio da “proteção, tuitivo ou tutelar”, sustentáculo do Direito do Trabalho, „[...] inspirador amplo do complexo de regras, princípios e institutos que compõem esse ramo jurídico especializado” 7 . Pois bem. A influência das teorias surgidas a partir do século XIX contribuiu para o surgimento de diversas normas de proteção dos trabalhadores dos países de todo o mundo. Em 1919, foi criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT), destinada a realizar estudos sobre os problemas relacionados ao trabalho no âmbito mundial. Após a Segunda Guerra Mundial, as indústrias retomaram sua fase de crescimento e a concretização de um novo avanço do capital. Todavia, com a queda das taxas de lucros, aumento do preço da força de trabalho, desigualdade acentuada na distribuição de rendas, crescimento das empresas multinacionais, aumento de privatizações e a crise do Estado do Bem-Estar Social, fizeram 5 Arnaldo SUSSEKIND. Instituições de Direito do Trabalho. Ed. LTr. São Paulo. 2004. Vol. I. p. 324. 6 Gabriela Neves DELGADO. Terceirização - Paradoxo do Direito do Trabalho Contemporâneo. Ed. LTr. São Paulo. 2003. p. 41. 7 Gabriela Neves DELGADO. Terceirização - Paradoxo do Direito do Trabalho Contemporâneo. Ed. LTr. São Paulo. 2003. p. 50. 7 da década de 70 e 80 mais um momento de crise do capitalismo. Surgiu-se, então, o chamado “Estado Liberal” ou “Estado Mínimo”, com redução acentuada na forma de regulamentação das questões sociais e econômicas. A “era da globalização”, pode ser analisada em várias acepções, configurando-se como um fenômeno que ora provoca o encurtamento das distâncias do mundo pela maior acessibilidade proporcionada pelos modernos meios de transporte e comunicações; ou ora provoca o fenômeno da internacionalização comercial, produtiva, financeira, tecnológica e cultural, através do chamado movimento de “transnacionalização” 8 . Em qualquer de suas acepções, verifica-se que a falta de instrumentos sofisticados de análise macroeconômica acrescida da falta de uma forte estrutura social, econômica e jurídica, fará com que o referido fenômeno incremente a taxa de desemprego dos países que convivem com tais condições. A competitividade entre as pessoas em detrimento da solidariedade e a competitividade empresarial mediante a organização dos modos de produção e redução dos custos, provocaram a descentralização das atividades empresariais, o que possibilitou não só a fragmentação da cadeia produtiva como também o surgimento de novas relações de trabalho, como a terceirização. Insta ressaltar que, em meio a esta evolução história citada, 02 (dois) modelos de organização do trabalho merecem destaque: 1. Modelo Taylorista/ Fordista de Divisão do Trabalho: Elaborado pelo americano Frederick Taylor no final do século XIX, o taylorismo desenvolveu-se como alternativa a ser empregada para o aumento da produtividade no trabalho, por meio da adoção da teoria dos tempos e movimentos, a fim de aprimorar a acumulação de capital. No Brasil, o referido modelo passou a ser utilizado a partir dos anos 30, obtendo grande repercussão na industrialização nascente. Preocupado com o esbanjamento de tempo, que significava para ele o tempo morto na produção, Taylor iniciou uma análise racional, do tipo cartesiana, por meio da cronometragem de cada fase do trabalho, eliminando os movimentos muito longos e inúteis. Desta forma, conseguiu dobrar a produção. Infelizmente, estemétodo, bastante lógico do ponto de vista técnico, ignorava os efeitos da fadiga e os aspectos humanos, psicológicos e fisiológicos, das condições de trabalho 9 . 8 Ancelmo César Lins de GÓIS. A flexibilização das normas trabalhistas frente a globalização. Disponível em www.jus.com.br. Acesso em 03 de julho de 2004. 9 Ing. Néri dos SANTOS. Condições Organizacionais do Trabalho. Aula 07. Disponível em: www.eps.ufsc.br. Acesso em: 17 de junho de 2005. 8 Através do “taylorismo”, o controle do tempo somente foi possível mediante a separação e fragmentação das atividades de planejamento das de execução. Cada trabalhador era fixado em determinado posto de trabalho, sendo treinado para cumprir as tarefas impostas no tempo-padrão de produção, segundo sistematizado pela direção empresarial 10 . Pois bem. Por este modelo, o homem foi reduzido a gestos e movimentos, sem qualquer oportunidade de desenvolvimento de suas habilidades mentais. Era considerado como máquina. O aprimoramento do sistema taylorista adveio com o processo de divisão do trabalho criado por Henry Ford, após a Segunda Guerra Mundial, denominado de modelo fordista. Ford verticalizou a empresa. Possibilitou a máxima racionalização das operações realizadas pelos trabalhadores, combatendo o desperdício na produção, reduzindo o tempo e aumentando o ritmo de trabalho, visando a intensificação das formas de exploração 11 . No Fordismo, a segmentação dos gestos do taylorismo tornou-se a segmentação das tarefas, o número dos postos de trabalho foi multiplicado, cada um recobrindo o menor número de atividades possíveis. Falava-se, então, de uma parcelização do trabalho, que se desenvolverá igualmente no setor administrativo. 2. Modelo Toyotista de Divisão do Trabalho: Desenvolvido no Japão, o modelo toyotista teve seu processo de implantação na empresa Toyota, pelo engenheiro Ohno, por volta de 1945, pós-guerra mundial. Adotado pela maior parte dos empresários de todo o mundo, após a década de 70, o toyotismo vem sendo utilizado em larga escala como alternativa de adequação da empresa ao mercado de trabalho globalizado, onde imperam a necessidade de redução de custos e o aumento de competitividade. Como bem elucida Gabriela Delgado, o toyotismo utiliza algumas técnicas para fazer funcionar a nova lógica do capital, o que somente é possível em virtude do exercício de controles internos e externos da produção, além da imposição de mecanismos mais modernos de relações interempresariais 12 . 10 Gabriela Neves DELGADO. Terceirização - Paradoxo do Direito do Trabalho Contemporâneo. Ed. LTr. São Paulo. 2003. p. 44. 11 Ibid. p. 52. 12 Ibid. p. 94. 9 Segundo a autora, o controle interno decorre de mecanismos de “produção enxuta” (lean production) ou da “queima de gorduras” (dowsizing) e do “pronto atendimento” (just in time), tendo por fim inserir a qualidade total em todo o processo produtivo. A produção enxuta torna-se rentável na medida em que as empresas passam a não estocar mercadorias – produzidas com alto grau de especialização, porém em pequena escala – atendendo, tão-somente, às demandas de públicos específicos. Ou melhor, a demanda do mercado é que define o que será fabricado pelas empresas 13 . Por outro lado, o controle externo se verifica pela imposição de novos mecanismos de relações interempresariais, mediante a estratégia de implemento das “demissões em massa” (fire) e da “criação de empregos” (hire) 14 . Neste interregno, é que surgem os serviços terceirizados. Em suma, como lembra Carolina Pereira Marcante, o referido modelo de organização de produção tem como características básicas: a produção vinculada a demanda, ao contrário da produção em massa do fordismo; trabalho operário em equipe, como multivariedade de funções, processo produtivo flexível, que possibilita ao operário manusear simultaneamente várias máquinas; presença do just in time (melhor aproveitamento do tempo de produção); estoques mínimos; senhas de comando para a reposição de peças e estoque; estrutura horizontalizada – apenas 25% (vinte e cinco por cento) da produção é realizada pela própria empresa, o restante é realizado por empresas terceirizadas; organização de círculos de controle de qualidade, compostos de empregados, que são instigados a melhorar seu trabalho e desempenho 15 . 13 Ibid. 14 Ibid. p. 100. 15 Carolina Pereira MARCANTE. A responsabilidade subsidiária do Estado pelos encargos trabalhistas decorrentes da contratação de serviços terceirizados. Disponível em: www.jus.com.br. Acesso em 15 de março de 2005. 10 A TERCEIRIZAÇÃO NO PROCESSO PRODUTIVO BRASILEIRO Orlando Gomes e Elson Gottschalk afirmam que a história do Direito do Trabalho no Brasil deve ser dividida em 03 (três) fases: uma pré-histórica e duas históricas. A primeira, que abrange o período de 1822 (Independência) à 1888 (abolição da escravatura). A segunda, que se inicia com a abolição da escravatura e termina com a Revolução de 1930. E, a terceira e última fase, que se principia com a Revolução de 1930 e estende-se ao longo de todo o século XX 16 . Antes da Revolução de 1930, as relações de emprego no país eram de pouca relevância, uma vez que o país caracterizava-se por uma economia essencialmente agrícola. As poucas indústrias que existiam eram compostas em sua grande maioria por imigrantes europeus, que se concentravam sobre tudo em São Paulo e na região sul do país. Somente em meados do século XX é que a população brasileira passou a integrar a massa de trabalhadores urbanos do Brasil. Entretanto, os efeitos do capitalismo sobre os obreiros (péssimas condições no ambiente de trabalho, miserabilidade de salários e jornadas excessivas, má distribuição de renda, etc.) também marcaram o mercado de trabalho brasileiro. Tendo em vista tais condições de trabalho neste período, se fez necessário a adoção de medidas destinadas a proteção eficaz dos trabalhadores urbanos brasileiros, vez que até então existia, tão-somente, legislações trabalhistas esparsas, destinadas a proteção de determinados grupos (ex.: trabalho do menor). Em 1943 foi a provada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), pelo Decreto n° 5.452/43, que nada mais fez senão proteger minuciosamente cada trabalhador inserido em uma relação de emprego existente no país naquela época. No ano de 1988, pós-fase do regime militar, o legislador constituinte sob a influência do estabelecimento de uma sociedade democrática e cidadã, promulgou a Constituição Federal de 1988, hoje vigente. A Carta Magna tem como objetivo primordial a defesa e garantia dos direitos dos cidadãos, enquanto seres humanos, através da concretização de direitos individuais (de cunho social, político, civil e cultural) e direitos coletivos. Neste interregno, tem-se a década de 60, onde as primeiras noções sobre serviços terceirizados foram enfatizadas no Brasil, pelas empresas multinacionais que naquele período aqui se estabeleciam. Os decretos-leis n° 1.212 e 1.216, ambos de 1966, autorizavam a utilização de serviços de segurança terceirizado. O decreto 62.756/68 legalizou a locação de mão-de-obra através de agências 16 Orlando GOMES e Élson GOTTSCHALK. Curso de direito do Trabalho. Ed. Forense. São Paulo. 1995. p. 6. 11 especializadas. Odecreto 1.034/69 regulou os serviços de vigilância em bancos, diretamente ou através de empresas intermediadoras. Na década de 70, passou-se a terceirizar o setor de serviços, principalmente, os serviços de limpeza e de segurança/ conservação para estabelecimentos bancários. Elaborou-se a Lei 6.019/74, que trata do trabalho temporário. Posteriormente, veio a Lei 7.102/83, regulamentada pelo decreto 89.056/83, permitindo a terceirização de serviços de vigilância e de transporte de valores 17 . A partir da década de 70, o sistema terceirizado foi implementado e, posteriormente, consolidado no país, através da adoção do modelo toyotista de divisão de trabalho. Não havendo uma legislação específica sobre o assunto, mas apenas legislações esparsas regulamentando determinados serviços e casos, as empresas impulsionaram novas técnicas de estratégias produtivas (just in time), programas de qualidade e a terceirização dos serviços. As taxas de desemprego aumentaram e a defasagem do salário saltava aos olhos. A competição empresarial fundava-se na redução dos custos. Visando conter tais abusos, o Tribunal Superior do Trabalho, no ano de 1986, editou o Enunciado 256 que, na tentativa de conter o avanço da terceirização, tornou-se um obstáculo ao desenvolvimento econômico nacional. Em virtude do rigor excessivo com que o citado Enunciado tratava os serviços terceirizados, em 1993, o TST o revisou (para permitir a terceirização de determinados serviços) e, ato contínuo, elaborou o Enunciado 331, posteriormente alterado pela Resolução n° 96, de 11 de setembro de 2000. Não há como fechar os olhos para a terceirização, que dia-a-dia se consolida como a melhor saída encontrada pelas empresas para sustentar a competitividade das relações de produção. Entretanto, conforme poderá se observar nos capítulos seguintes, em virtude de não haver legislação específica sobre o tema e dado o rigor inerente a proteção das relações de emprego, tal sistema é passível de várias críticas ante aos reais problemas que causa aos empregados. 17 Carolina Pereira MARCANTE. A responsabilidade subsidiária do Estado pelos encargos trabalhistas decorrentes da contratação de serviços terceirizados. Disponível em: www.jus.com.br. Acesso em 15 de março de 2005. 12 CONCEITO 1. O que significa terceirizar? A expressão terceirização resulta de neologismo oriundo da palavra terceiro, compreendido como intermediário, interveniente. Não se trata seguramente, de terceiro, no sentido jurídico, como aquele que é estranho a certa relação jurídica entre duas ou mais partes. O neologismo foi construído pela área de administração de empresas, fora da cultura do Direito, visando enfatizar a descentralização empresarial de atividades para outrem, um terceiro à empresa 18 . Sob esta mesma lógica de raciocínio, Otávio Pinto e Silva, define a terceirização como sendo uma técnica de administração que reflete a tendência de transferir a terceiros atividades que anteriormente estavam a cargo da própria empresa 19 . Em outras palavras, terceirização é a transferência de segmento ou segmentos do processo de produção da empresa para outras de menor envergadura, porém de maior especialização na atividade transferida 20 . Como aponta Marcelo Augusto Souto de Oliveira, “a terceirização tem múltiplas e variadas definições. Para alguns conformados com o fenômeno, apontam para sua disseminação, e afirmam que a terceirização é a „horizontalização da atividade econômica, segundo a qual muitas grandes empresas estão transferindo para outras uma parte das funções até então por elas diretamente exercidas, concentrando-se, progressivamente, em rol de atividades cada vez mais restrito‟. Para outros, preocupados em limitar seu campo de incidência, é a „contratação, por determinada empresa, de serviços de terceiro, para suas atividades-meio‟. Há ainda, os que definem como sendo o „processo de repasse para a realização de complexo de atividades por empresa especializada, sendo que estas atividades poderiam ser desenvolvidas pela própria empresa‟, fazendo crítica à „exclusão, o apartamento e a fragmentação da classe trabalhadora pela terceirização como intermediação de mão-de-obra‟” 21 . Em posição divergente, Arion Sayão Romita conceitua a terceirização a partir do neologismo criado pela palavra terciário, manifestando sua preferência, portanto, pelo uso da expressão “terciarização”. Como cita Maranhão, Romita ensaia a preferência pelo vocábulo “terciarização”, recordando os setores em que a atividade econômica está subdividida: setor primário, correspondente aos recursos naturais (agricultura, pecuária); setor secundário, onde reside um processo de 18 Maurício Godinho DELGADO. Curso de direito do trabalho. Ed. LTr. São Paulo. 2004. p. 428. 19 Otávio Pinto e SILVA. Subordinação, Autonomia e Parassubordinação nas Relações de Trabalho. Ed. LTr. São Paulo. 2004. p. 60. 20 José Augusto Rodrigues PINTO e Rodolfo Pamplona FILHO. Repertórios de Conceitos Trabalhistas. Ed. LTr. São Paulo. 2000. Vol. I. p. 500. 21 Marcelo Augusto Souto de OLIVEIRA. Terceirização: Avanço ou Retrocesso?. Disponível em: www.ibcbrasil.com.br Acesso em 15 de março de 2005. 13 transformação (indústria); e o setor terciário, ligado essencialmente a serviços. Esta segmentação econômica adquire a expressão de linha divisória para significar, por exclusão, que os setores primários e secundários da economia estão infensos a repasse de terceiros. A possibilidade desse desmembramento ocorrer tem lindes no próprio setor terciário (serviços) 22 . Entende-se que a conceituação empregada pelo nobre jurista supracitado não deve prosperar, uma vez que os termos “terceirização” e “terciarização” não se confundem. A primeira expressão tem origem no ramo de Administração de Empresas e consiste em um modo de organizar a empresa e a força de trabalho, através da desconcentração produtiva. O segundo vocábulo retrata um segmento da economia (setor terciário), onde também se encontram trabalhadores terceirizados. Em suma, o vocábulo “terceirização” deve ser entendido como uma técnica administrativa de desconcentração produtiva, que provoca uma relação jurídica trilateral, por meio da qual o trabalhador presta serviços a um tomador de serviços, apesar de possuir contrato laborativo com uma empresa interveniente ou fornecedora. 2. Relação Jurídica Trilateral: Ao invés de uma única relação jurídica, envolvendo as partes, temos agora três sujeitos e dois contratos: o interempresário e o de trabalho. O primeiro, entre a empresa fornecedora e a cliente. O segundo, entre a fornecedora e o trabalhador 23 . Os sujeitos dessa relação trilateral são: o trabalhador, prestador de serviços, que possui vínculo de emprego (relação jurídica trabalhista) com a empresa fornecedora, mas que executa seu trabalho junto a empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata empregados especializados para laborar para as empresas tomadoras, possuindo com estas um contrato interempresário, de natureza civil; a empresa tomado de serviços, que recebe a prestação de serviços, mantendo com os empregados da primeira uma relação econômica de trabalho e não jurídica. 22 Délio MARANHÃO. Instituições de Direito do Trabalho. Ed. LTr. São Paulo. 2004. Vol. I. p. 277. 23 Gabriela Neves DELGADO. Terceirização - Paradoxo do Direitodo Trabalho Contemporâneo. Ed. LTr. São Paulo. 2003. p. 140. 14 Ilustrativamente, tem-se: Cumpre mencionar que o referido gráfico vislumbra as hipóteses de terceirização lícita, devendo ser desconsiderado para as situações de serviços terceirizados ilegais, casos em que ocorrem a formação de vínculo de emprego direto entre empregado e tomador de serviços (configuração da relação jurídica trabalhista). 2. Finalidade: Conforme já explanado, a década de 60 marcou o início do estabelecimento da terceirização no Brasil. A competitividade entre as empresas nacionais e internacionais, instaladas no país, obrigaram a adoção do modelo toyotista de divisão de trabalho para a conquista do mercado. Por meio da consecução do controle externo inerente ao modelo toyotista, as empresas buscaram a terceirização, como forma de concentrar-se na realização das atividades em que se especializaram e delegar a outros a execução de certos serviços diferenciados ou a produção de determinados bens. Segundo informa Robortella, a terceirização permite a dedicação e emprenho da empresa em seu foco ou objetivo final. Ela provoca um desmonte da estrutura organizacional clássica, que concebia a empresa como uma entidade auto-suficiente, autárquica, que se responsabilizava por todas, ou quase todas, as fases do processo produtivo. Em verdade, ela se movimenta no sentido da desconcentração produtiva, sendo o fornecimento de serviços buscado fora da empresa, em mãos de terceiros 24 . Em outras palavras, a terceirização tem a função de dinamizar a relação produtiva, vez que é o meio pelo qual uma empresa obtém trabalhos específicos de quem não é seu empregado, mas 24 Luiz Carlos Amorim ROBORTELLA. Terceirização. Tendência em doutrina e jurisprudência. Revista Jurídica nº 21. Trabalho & Doutrina. Ed. Saraiva. São Paulo. Junho de 1999. p. 33. Relação Jurídica Civil Cí Empresa Terceirizante vil Relação Jurídica Trabalhista Relação Econômica de Trabalho Empresa Terceirizante Trabalhador Empresa Tomadora 15 que pertencente ao quadro de trabalhadores de empresa especializada no ramo almejado pela contratante. 3. Quarteirização: “Quarteirização” ou “terceirização gerenciada”, segundo definição de Sérgio Pinto Martins, vem ser a contratação de uma empresa especializada que se encarrega de gerenciar as empresas terceirizadas, as parceiras. Normalmente se contrata uma empresa completamente distinta das terceirizadas e especialista no mercado num determinado ramo de serviços ou de administração de serviços. Esta empresa passa a administrar os fornecedores da terceirizante, em função do grande número deles 25 . Através da quarteirização, tem-se uma maior qualidade e segurança na execução dos serviços especializados, uma vez que o trabalho prestado pelo terceiro, que configura o processo de terceirização, será fiscalizado e administrado por outra empresa, caracterizando, assim, a “quarteirização” de serviço. Como esclarece Polônio, os efeitos comerciais, trabalhistas ou fiscais, da chamada “quarteirização” em nada difere do que se verifica no processo de terceirização, pois todo e qualquer serviço prestado por pessoa não vinculada à empresa contratante, independentemente da posição em que se encontra, gera os mesmos efeitos do processo de terceirização, dependendo da forma como ela se opera. Dessa feita, as conseqüências de um processo de quarteirização serão as mesmas do processo de terceirização 26 . ESPÉCIES DE TERCEIRIZAÇÃO DO PROCESSO PRODUTIVO BRASILEIRO O processo de terceirização, de acordo com o critério para sua classificação, pode ser subdivido em diversas espécies, dentre as quais: 1. Quanto ao grau de evolução das atividades terceirizadas: a) Terceirização da atividade-meio Atividade-meio é aquela tarefa que não se relaciona com o objeto principal desenvolvido pela empresa tomadora de serviços, ou seja, é aquela atividade que corre paralelamente a atividade principal, sendo, portanto, acessória desta. 25 Sérgio Pinto MARTINS. A Terceirização e o Direito do Trabalho. Ed. Malheiros. São Paulo. 1995. p. 19. 26 Wilson Alves POLONIO. Terceirização – Aspectos legais, trabalhistas e tributários. Ed. Atlas. São Paulo. 2000. p. 127. 16 b) Terceirização da atividade-fim Atividade-fim é aquela função relacionada ao objeto principal da empresa, ou seja, que se ajusta ao núcleo essencial do processo produtivo desenvolvido pelo tomador de serviços. Em virtude da polêmica sobre tais tipos de terceirização, cumpre-nos mencionar que o tema em questão será minuciosamente analisado em capítulo próprio. 2. Quanto a forma de desenvolvimento do processo: a) Terceirização de Serviços ou Terceirização de Mão-de-Obra (terceirização para dentro da empresa tomadora de serviços) Por essa forma de terceirização, entende-se que a empresa tomadora incorpora em seus quadros o trabalhador terceirizado (contratado pela empresa terceirizante). Essa forma de terceirização, conforme veremos adiante, esta disciplinada pelo nosso ordenamento jurídico através da Súmula 331 do TST. b) Terceirização de Atividades (terceirização para fora da empresa tomadora de serviços) Também denominada de subcontratação, por alguns autores, essa espécie de terceirização tende a dar origem a parceria entre empresas, cada qual especializada em determinada atividade, direta ou indiretamente ligada ao ciclo produtivo, como seus próprios empregados ou prestadores de serviços, sem qualquer relação subordinante entre elas, mas com divisão e definição de responsabilidades. Da mesma forma, os empregados da empresa contratada não se sujeitam ao poder de comando da empresa contratante 27 . Nessa espécie de terceirização verifica-se com bastante clareza a desconcentração do processo produtivo, dada a horizontalização da organização da produção pela tomadora de serviços, através da transferência de certas atividades para outras empresas, cuja prestação será realizada no âmbito destas. A título de ilustração, têm-se as indústrias automobilísticas que, pela desconcentração produtiva, delegam à determinadas empresas de pequeno e médio porte a fabricação de peças a serem utilizadas no veículo. 27 Gabriela Neves DELGADO. Terceirização – Paradoxo do direito do trabalho contemporâneo. Ed. LTr. São Paulo. 2003. p. 120. 17 3. Quanto a licitude do processo: a) Terceirização Lícita Por terceirização lícita entende-se a terceirização cujo objeto contratual é a transferência das atividades-meio do ente tomador de serviço para empresas que as desenvolvam como sua atividade-fim 28 . As hipóteses de terceirização lícita vêm expressas pela Súmula 331 do TST: situações empresariais que autorizem contratação de trabalho temporário; atividades de vigilância; atividades de conservação e limpeza; serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador. b) Terceirização Ilícita A terceirização ilícita configura-se justamente na intermediação de mão-de-obra por empresa interposta, onde a empresa terceirizada fica responsável por transferir o objeto do contrato ao trabalhador 29 . Como bem salienta Maurício Godinho Delgado, excluídas as quatro hipóteses de terceirização lícita, não na ordem jurídica do país preceito legal a dar validade trabalhista a contratosmediante os quais uma pessoa física preste serviços não-eventuais, onerosos, pessoais e subordinados a outrem (art. 2°, caput, e 3°, caput, CLT), sem que esse tomador responda juridicamente, pela relação laboral estabelecida 30 . 28 Desireé de Araújo PIMENTEL. O Enunciado n° 331, IV, do TST e o regime próprio da Administração Pública. Disponível em: www.jus.com.br. Acesso em 14 de fevereiro de 2005. 29 Ibid. 30 Maurício Godinho DELGADO. Curso de Direito do Trabalho. Ed. LTr. São Paulo. 2004. p. 442. 18 FORMATO JURÍDICO DA TERCEIRIZAÇÃO Nos dias atuais, a terceirização configura-se como sendo uma prática consagrada pelo sistema econômico e jurídico. Considerada pelos empregadores como alternativa encontrada à dinamizar as relações de produção frente a rigidez da legislação pátria trabalhista, dizem que a terceirização tornou-se medida hábil para a solução de problemas como o desemprego. Nesta seara, salienta Luiz Carlos Amorim Robortella, que o direito do trabalho tem a função de organizar e disciplinar a economia, podendo ser concebido como verdadeiro instrumento da política econômica. Deixou de ser apenas um direito de proteção do mais fraco para ser um direito de organização da produção. Em lugar de somente direito de proteção ao trabalhador e redistribuição da riqueza, converteu-se em direito da produção, com especial ênfase para a regulação do mercado de trabalho. A revisão dogmática do direito do trabalho é hoje uma realidade concreta. O protecionismo deixou de ser sua preocupação maior, para não dizer exclusiva 31 . Todavia, em que pese essa realidade, a terceirização não está regulamentada por norma específica. As hipóteses de terceirização lícitas permitidas pelo ordenamento jurídico brasileiro encontram-se previstas tão-somente na Súmula n° 331 do TST (revisão do Enunciado n° 256 32 do TST), nos seguintes termos: “I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (lei 6.019, de 03.01.1974). II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (lei 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei 8.666, de 21.06.1993).” 31 Luiz Carlos Amorim ROBORTELLA. Terceirização. Tendência em Doutrina e Jurisprudência. Revista Jurídica Trabalho & Doutrina. Ed. Saraiva. São Paulo. Junho de 1999. p. 32. 32 “Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis n° 6019, de 3.1.74 e 7102, de 20.6.83, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços.” 19 O inciso I constante da Súmula n° 331 do TST consagra o princípio basilar referente a intermediação de mão-de-obra, qual seja: “a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se vínculo diretamente com o tomador de serviços”. Pois bem. Como exceção à regra geral, tem-se a terceirização lícita, composta por 04 situações-tipo, quais sejam: situações empresariais que autorizem a contratação de trabalho temporário, atividades de vigilância, atividades de conservação e de limpeza e serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador. Além dessas 04 hipóteses, ainda merece destaque a terceirização dos serviços inerentes à Administração Pública. 1. A Terceirização e o Trabalho Temporário Segundo definição constante no artigo 2°, da Lei 6.019/74, “trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente ou a acréscimos extraordinários de serviços”. Por este conceito pode-se concluir que o contrato de trabalho temporário, embora regulado por lei especial, configura-se como sendo um contrato de emprego por prazo determinado, nos termos que dispõe o artigo 443, § 1°, da CLT: “Considera-se como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada”. Essa espécie de contrato, por se tratar de uma exceção ao princípio da continuidade da relação de emprego - concretizado pela vigência de contratos a prazo indeterminado – apenas será válido diante das hipóteses consignadas pelo § 2°, do artigo 443 da CLT: “a) de serviços cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo; b) de atividades empresariais de caráter transitório; c) de contrato de experiência;” e diante das hipóteses autorizadas pela Lei 6.019/74. A Lei 6.019/74 menciona as hipóteses de terceirização de mão-de-obra no trabalho temporário. Estabeleceu-se, portanto, a relação jurídica trilateral entre trabalhador temporário, empresa de trabalho temporário e empresa tomadora de serviços. Assim, tem-se o vínculo de emprego do trabalhador temporário com a empresa de trabalho temporário, embora preste o primeiro serviços para a empresa tomadora de serviços; entre o trabalhador temporário e a empresa tomadora de serviços, tem-se tão-somente uma relação econômico-trabalhista, sendo certo existir uma relação jurídica de natureza civil entre esta e a empresa de trabalho temporário. 20 A empresa de trabalho temporário, portanto, compreende “a pessoa física ou jurídica urbana, cuja atividade consiste em colocar à disposição de outras empresas, temporariamente, trabalhadores, devidamente qualificados, por elas remunerados e assistidos” 33 . Sob a mesma ótica, trabalhador temporário é toda pessoa física vinculada a uma empresa de trabalho temporário (vínculo empregatício), de quem recebe suas parcelas salariais e de quem é subordinado, para prestar serviços a outra empresa, seja para atender alguma necessidade transitória em decorrência de substituição de pessoal ou para atender acréscimo extraordinário de serviço. Neste interregno, importante mencionar, que o trabalhador temporário não se confunde com a figura do trabalhador contratado a prazo determinado, vez que este último encontra fundamento nas hipóteses constantes do artigo 443 da CLT. O trabalhador temporário é regido por legislação especial enquanto que outro tem seu contrato regido pelas normas celetistas. Com relação às hipóteses de cabimento do trabalho temporário, o legislador especial consagrou duas situações-tipo: a primeira para atender as necessidades transitórias de substituição de pessoal regular e permanente da empresa tomadora e, a outra, para atender a necessidade resultante de acréscimo extraordinário de serviços dentro da empresa tomadora. Segundo esclarece MaurícioGodinho Delgado, a primeira dessas hipóteses diz respeito a situações rotineiras de substituição de empregados originais da empresa tomadora (férias; licença- maternidade; outras licenças previdenciárias, etc.). A segunda abrange situações de elevação excepcional da produção ou de serviços da empresa tomadora. Ilustrativamente, elevação excepcional de vendas, em face de nova e excepcional contratação; elevação de vendas em face de períodos de festas anuais, etc 34 . Insta ressaltar que, fora tais hipóteses de cabimento, não há o que se falar em licitude acerca da existência do trabalho temporário. Por conseqüência, uma vez desrespeitadas tais situações, configurado estará o vínculo de emprego entre o trabalhador temporário e o tomador de serviços, em atenção ao que dispõe a regra geral constante do inciso I, da Súmula 331 do TST. Ademais, outras formalidades ainda devem ser observadas quanto a celebração dos contratos de trabalho temporário. Os contratos que ligam os sujeitos da relação trilateral devem ser necessariamente escritos, não havendo possibilidade para contratação meramente tácita ou verbal, conforme se verifica pela leitura dos artigos 9° e 11 da Lei 6.019/74: 33 Artigo 4°, da Lei 6.019, de 03 de janeiro de 1974. 34 Maurício Godinho DELGADO. Curso de Direito do Trabalho. Ed. LTr. São Paulo. 2004. p. 451. 21 “O contrato entre a empresa de trabalho temporário e a empresa tomadora de serviço ou cliente deverá ser obrigatoriamente escrito e dele deverá constar expressamente o motivo justificador da demanda de trabalho temporário, assim como as modalidades de remuneração da prestação de serviços.” 35 “O contrato de trabalho celebrado entre a empresa de trabalho temporário e cada um dos assalariados colocados à disposição de uma empresa tomadora ou cliente será, obrigatoriamente, escrito e dele deverão constar, expressamente, os direitos conferidos aos trabalhadores por esta Lei.” 36 Como bem salienta Maurício Godinho Delgado, a ausência desses requisitos formais do contrato temporário implica sua automática descaracterização, dando origem a um contrato empregatício clássico, por tempo indeterminado, com respeito ao trabalhador envolvido 37 . Por fim, o artigo 10 da mencionada Lei, determina o prazo máximo de vigência do contrato temporário, qual seja: 03 (três) meses com relação a um mesmo empregado e a empresa tomadora de serviços, salvo autorização conferida pelo Ministério do Trabalho. Excedido este prazo, a relação de trabalho consagrada pela Lei 6.019/74 estará descaracterizada, formando-se o vínculo empregatício clássico celetista com o tomador de serviços. Diante de todo o exposto, pode-se concluir que a contratação de trabalhador por intermédio de empresa de trabalho temporário, portanto, nos estritos termos da Lei n° 6.019/74, afasta a possibilidade de caracterização de vínculo direto com o tomador dos serviços, isto porque a especificidade do contrato de trabalho temporário reside no fato de não transferir ao contratante nenhuma responsabilidade sobre o trabalho alheio, salvo nas hipóteses de insolvência da empresa prestadora de serviços. Pelo que se percebe, o inciso I do Enunciado parece ter endereço certo: as terceirizações fraudulentas ou simuladas utilizadas no intuito único de evitar a contratação de funcionário e o correspondente pagamento das verbas trabalhistas, previdenciárias e demais encargos sociais 38 . 2. A Terceirização e os Serviços de Vigilância e de Conservação e Limpeza A Súmula n° 331, inciso III, do TST, arrolou como forma de terceirização lícita as hipóteses de serviços de vigilância, não somente referente ao segmento bancário, mas quaisquer modalidades 35 Artigo 9°, da Lei 6.019, de 03 de janeiro de 1974. 36 Artigo 11, da lei 6.019, de 03 de janeiro de 1974. 37 Maurício Godinho DELGADO. Curso de Direito do Trabalho. Ed. LTr. São Paulo. 2004. p. 453. 38 Wilson Alves POLONIO. Terceirização – Aspectos Legais, Trabalhistas e Tributários. Ed. Atlas. São Paulo. 2000. p. 28. 22 do mercado de trabalho, que contratem esta espécie de atividade através de empresas especializadas. O Enunciado n° 256 do TST admitia apenas a terceirização de atividades de vigilância ligadas ao setor bancário (Lei 7.102/83 39 ). Entretanto, com a revisão efetuada pela Súmula n° 331, a situação-tipo foi ampliada, ao passo que, atualmente, é permitida a terceirização de serviços de vigilância para quaisquer segmentos do mercado de trabalho. Nesta seara, como bem salienta Maurício Godinho Delgado, vigilante não é vigia. Este é empregado não especializado ou semi-especializado, que se vincula ao próprio ente tomador de seus serviços (trabalhando, em geral, em condomínios, guarda de obras, pequenas lojas, etc.).Vigilante é membro de categoria especial, diferenciada – ao contrário do vigia, que se submete às regras da categoria definida pela atividade do empregador. O vigilante submete-se a regras próprias não somente quanto à formação e treinamento da força de trabalho como também à estrutura e dinâmica da própria entidade empresarial 40 . No que se refere às atividades de conservação e limpeza, a Súmula n° 331, inciso III, do TST também é bastante clara ao consagrar como possível a terceirização de tais serviços. Desde a década de 70, essa situação-tipo preponderava no mercado de trabalho brasileiro, ao ponto do legislador ordinário elaborar semelhante rol, mediante a Lei 5.645/70 41 , permitindo a prática do processo terceirizante destes serviços à Administração Pública. Apesar de considerados como atividades de apoio semelhantes, intenta-se traçar alguns aspectos que lhes são distintivos. As atividades de conservação caracterizam-se pelo “conjunto de medidas e práticas, periódicas e permanentes, que visam à proteção e à manutenção em bem estado de bens, monumentos e objetos pertencentes a instituições públicas ou privadas”. De cunho genérico, materializam-se especialmente por meio das atividades de limpeza, com a devida “exclusão de substâncias indesejáveis, purificação, depuração” de lugares, bens, monumentos e objetos. Como exemplos de atividades de asseio e conservação, citem-se: a faxina, a detetização, a limpeza de vidros, os serviços de copeira, etc 42 . 39 Artigo 2°, § 2°, da Lei 7.102/83: “As empresas especializadas em prestação de serviços de segurança, vigilância e transporte de valores, constituídas sob a forma de empresas privadas, além das hipóteses previstas nos incisos do caput deste artigo, poderão se prestar ao exercício das atividades de segurança privada a pessoas; a estabelecimentos comerciais, industriais, de prestação de serviços e residenciais; a entidades sem fins lucrativos; e órgãos e empresas públicas.” 40 Maurício Godinho DELGADO. Curso de Direito do Trabalho. Ed. LTr. São Paulo. 2004. p. 439. 41 Artigo 3°, da Lei 5.645/70: “As atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas serão, de preferência, objeto de execução indireta, mediante contrato, de acordo com o artigo 10, § 7°, do Decreto-lei 200/67 (que regulamenta as atividades da Administração Federal)”. 42 Gabriela Neves DELGADO. Terceirização. Paradoxo do Direito do Trabalho Contemporâneo. Ed. LTr. São Paulo. 2003. p. 145. 23 3. A Terceirização das Atividades-meio e Atividades-fim do Tomador A parte final do inciso III, da Súmula n° 331 do TST permite uma outra forma de terceirizaçãolícita, que diz respeito a “serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador...”. Entretanto, antes do aprofundamento do tema, cumpre-nos identificar a dualidade existente entre as atividades-meio e atividades-fim de uma empresa, destacando a dificuldade que doutrina e jurisprudência têm em caminhar de forma convergente. Segundo aponta Wilson Alves Polônio, os estudos sobre a referida polêmica desdobram-se em duas correntes de opinião. Para alguns, a atividade-fim está relacionada à essencialidade do serviço, o que permitiria a conclusão absurda de que atividade-meio não seria essencial. Outros doutrinadores propugnam que a atividade-fim está intrinsecamente relacionada com o objeto social da pessoa jurídica, o que permitiria dizer, por outras palavras, que as demais atividades, ainda que ligadas indiretamente a seu objeto, e todas são, salvo casos específicos e isolados, não seriam caracterizadas como atividades-fim 43 . Nesta seara, tem-se o conceito trazido por Maurício Godinho Delgado, em sua obra Curso de Direito do Trabalho, que retrata sua tendência pela adoção da primeira corrente doutrinária, senão vejamos: “Atividades-fim podem ser conceituadas como funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, compondo a essência, dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços. Por outro lado, atividades-meio são aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São, portanto, atividades periféricas à essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços” 44 . Por outro lado, Wilson Alves Polônio, defensor da segunda corrente, prefere diferenciar as atividades sob a ótica dos sistemas operacionais da empresa, de tal modo que a atividade-fim se configure como aquela concernente ao objetivo principal da empresa, expresso em contrato social ou 43 Wilson Alves POLONIO. Terceirização – Aspectos Legais, Trabalhistas e Tributários. Ed. Atlas. São Paulo. 2000. p. 34. 44 Maurício Godinho DELGADO. Curso de Direito do Trabalho. Ed. LTr. São Paulo. 2004. p. 440. 24 no registro de firma individual, enquanto que a atividade-meio se caracterize pela atividade acessória da empresa, ou seja, aquela que corre paralela à atividade principal. Segundo o autor, na primeira linha de pensamento reside certa dificuldade em visualizar, na prática, a aplicação do critério de identificação da atividade-fim por ela sustentada, uma vez que a essencialidade está intrinsecamente relacionada à necessidade. Em contrapartida, pela adoção da segunda corrente, a identificação das atividades seria mais coerente. Na área administrativa, por exemplo, todo e qualquer tipo de serviço poderia ser terceirizado, de vez que não estaria diretamente ligado ao objeto social 45 . Pois bem. Teoricamente, a conceituação e, conseqüente, distinção entre atividades-meio e atividades-fim é sempre possível de ser efetuada, independente da corrente adotada pelo doutrinador. Entretanto, na prática (na análise de cada caso concreto), há uma séria dificuldade em classificar e identificar tais atividades, mesmo adotando como base os preceitos exarados pela segunda corrente. A Súmula n° 331 do TST, ao mencionar expressamente que “não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços especializados ligados à sua atividade-meio”, faz concluir, através de raciocínio inverso, que aqueles serviços não ligados a tal atividade (portanto, ligados a atividade-fim) gera vínculo de emprego entre o trabalhador e o tomador. A nosso ver, um posicionamento excessivamente radical, que se choca com a realidade concreta. Todavia, os tribunais assim têm decidido: TERCEIRIZAÇÃO. ATIVIDADE-FIM. IMPOSSIBILIDADE. Somente pode-se falar em terceirização válida quando é repassada atribuição que não se insere na atividade-fim do tomador do serviço. Aplicação dos incisos I e III do Enunciado nº 331 do C. TST. (TRT. 9ª Região. TRT-PR-24555-2000-007-09-00-0/RO-06792-2002. Relator: LISIANE SANSON PASETTI BORDIN. Publicado em 21-03-2003). TERCEIRIZAÇÃO IRREGULAR. Vínculo empregatício com a tomadora. A contratação de trabalhadores através de supostos empreiteiros, para a execução de serviços ligados à atividade-fim da tomadora de serviços, revela-se com o objetivo de fraudar a proteção trabalhista. Forma-se, assim, diretamente com a tomadora dos serviços o vínculo empregatício, inclusive por não se enquadrar na exceção a que se refere o Enunciado n° 331, III, do TST. (TRT. 20ª Região. RO n° 10614-2003-002-20- 00-4. Aracajú – SE. Relator: AUGUSTO CÉSAR LEITE DE CARVALHO. J. 14/01/2004; maioria de votos). 45 Wilson Alves POLONIO. Terceirização – Aspectos Legais, Trabalhistas e Tributários. Ed. Atlas. São Paulo. 2000. p. 35. 25 Para muitos casos concretos, a clara distinção entre atividade-meio e atividade-fim desaparece. Em outros, a terceirização da atividade-fim se faz necessária. Ilustrativamente, tem-se a hipótese da indústria automobilística, que delega para outras empresas serviços inerentes a sua atividade-fim, como o fornecimento de peças usadas na composição dos veículos. Ou, então, o caso da indústria têxtil, que contrata com outras empresas serviços referentes à colocação de botões nas peças fabricadas, etiquetas, etc. Na área financeira, muitas vezes, se confunde a terceirização das atividades-fim e atividades-meio, principalmente quando há delegação de serviços no que toca ao processamento de dados referentes às contas bancárias e aplicações financeiras. E, para todas estas situações, a redação atual do inciso III, da Súmula n° 331 do TST, torna-se um contra-senso à dinamização da produção, gerando efeitos gravíssimos aos contratantes quando aplicada. Vislumbrando a ocorrência de tais hipóteses, comenta Robortella que, na dinâmica empresarial, a atividade-meio, considerando-se o grau de especialização atingido pelos novos métodos e tecnologias, nem sempre é de fácil conceituação. Há atividades-fim que, a depender da orientação tecnológica, podem converter-se em atividades-meio e vice-versa. Por essa razão, entende o autor que a terceirização das atividades-fim não pode ser necessariamente reputada ilegal, estando, pois, o Enunciado 331 (que só admite a terceirização na atividade-meio e não na atividade- fim) em descompasso com a doutrina mais recente a respeito da matéria 46 . Acompanham o posicionamento do autor citado, Amauri Mascaro Nascimento, Pedro Vidal Neto, O Ministro Vantuil Abdalla, Sérgio Pinto Martins, José Janguiê Bezerra Diniz, Reginaldo Melhado, entre outros. “É verdade que não há parâmetros bem definidos do que sejam atividade-fim e atividade-meio e muitas vezes estar-se-ia diante de uma zona cinzenta em que se aproximam uma da outra. Quando tal ocorrer e a matéria for levada a juízo, ficará ao prudente arbítrio do juiz defini-la. E fá-lo-á, naturalmente, levando em conta as razões mais elevadas do instituto: a especialização; a concentração de esforços naquilo que é a vocação principal da empresa; a busca de maior eficiência na sua finalidade original; e não apenas a diminuição de custos”.(Ministro Vantuil Abdalla, do TST. Terceirização: atividade-fim e atividade-meio – responsabilidade do tomador de serviço, Revista LTr, São Paulo, LTr, 60(5): 588, maio de 1996) 47 . 46 Luiz Carlos Amorim ROBORTELLA. Terceirização. Tendência em doutrina e jurisprudência. Revista Jurídica Trabalho & Doutrina. Ed. Saraiva. São Paulo. Junho de 1999. p. 34. 47 Ibid. p. 35. 26 “As características básicas da terceirização ou subcontratação de serviços são: a) especialização do trabalho; b) a direção da atividade pelo fornecedor; c) a sua idoneidade econômica e d) inexistência de fraude. Presentes estes elementos estamos com Luiz Carlos Amorim Robortella, que considera perfeitamente lícita a terceirização de qualquer parte do sistema produtivo, pouco importando se os serviços são realizados no estabelecimento da fornecedora ou da tomadora, ou se se trata de atividade-fim, essencial ou atividade-meio (acessória ou de apoio). Admitir-se a terceirização apenas na atividade-meio seria o mesmo que inadmiti-la, porquanto, na maioria das vezes, se torna impossível fazer essa distinção. (...) Apenas em caso de fraude à lei (CLT, arts. 9° e 444), inadimplemento ou inidoneidade financeira do fornecedor ou prestador, o tomador responderá subsidiariamente e não solidariamente pelas verbas dos empregados fornecidos ...”. (José Janguiê Bezerra Diniz. O fenômeno da terceirização. Revista LTr. São Paulo. LTr. 60 (2):209, fevereiro 1996) 48 . Algumas decisões dos tribunais, ainda minoritárias, se adequam a esta nova leitura do processo de desconcentração produtiva, mediante a análise de caso a caso, de tal modo a retirar-lhe as amarras do inciso III, da Súmula n° 331 do TST. Vejamos: TERCEIRIZAÇÃO. LICITUDE. A empresa pode descentralizar a execução de determinadas tarefas utilizando-se, para isso, de convênios e contratos com empresas ou organizações prestadoras de serviços, sem que tal hipótese implique burla na aplicação da legislação trabalhista ou ilegalidade do que foi pactuado. Ainda que se diga que uma atividade é permanente ou essencial, tal não afasta a possibilidade de ela vir a ser executada de forma descentralizada, mediante a utilização de serviços prestados por terceiros, principalmente quando diz respeito à atividade-meio, e não à atividade-fim do contratante. (TRT. 9ª Região. RO 401/92. 1ª Turma. AC. 1.885/95. Relator: Armando de Souza Couto. DJ. 10.02.1995). Em que pese todos os argumentos expostos, para Jorge Luiz Souto Maior, o essencial para a validade da terceirização é a especialização da empresa prestadora de serviço, pois uma empresa que se constitua com o objetivo único de colocar mão-de-obra a serviço de outra não possui atividade empresarial alguma e, por isso mesmo, não pode ser considerada empregadora, formando-se, obrigatoriamente, o vínculo com a empresa tomadora dos serviços 49 . Nesse sentido, manifestamos concordância com o autor. O requisito da especialidade dos serviços prestados é fundamental para a distinção entre a terceirização lícita e ilícita, pois, se assim 48 Ibid. 49 Otávio Pinto e SILVA. Subordinação, autonomia e parassubordinação nas relações de trabalho. Ed. LTr. São Paulo. 2004. p. 69. 27 não fosse, desnecessária seria a previsão contida na Súmula 331 do TST – “serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador”. Serviços especializados são aqueles serviços que exigem certa habilidade ou conhecimento específico para a sua realização, que compete a profissionais especialmente treinados e experientes ou com formação acadêmica para tal. Por outro lado, os serviços sem especialização são aqueles que não necessitam de treinamento específico, embora possa exigir orientação para sua realização 50 . Atualmente, a verificação desse requisito torna-se muito mais apropriada e urgente para a caracterização da terceirização lícita ou ilícita do que propriamente a constatação da existência de terceirização na atividade-fim do tomador de serviços. Essa última hipótese, em virtude da dinâmica empresarial, vem se solidificando dia-a-dia e, na maioria das vezes, sem o intuito de fraudar os direitos dos trabalhadores, mas tão-somente dinamizar a produção para a competitividade. Portanto, uma coisa é certa. A tendência não é mais erigir-se a terceirização na atividade- meio como critério absoluto de legalidade ou validade. Inexistente a intenção de fraudar direitos do trabalhador, a subcontratação na atividade-fim vai sendo lentamente admitida, reconhecida que é como instrumento do progresso econômico e geração de emprego 51 . 4. A Terceirização e a Administração Pública O Poder Público está desacreditado pela sociedade. O sistema não funciona. Muitos já afirmam que o Estado está falido. Princípios como o da eficiência e moralidade, consagrados pelo texto constitucional (artigo 37, caput 52 ) não são observados pelos administradores em geral. A burocracia e incompetência estatal se digladiam com a era da informação e informatização. Na tentativa de resgatar os preceitos fundamentais e na busca de seu enquadramento a modernidade, o Estado aderiu à prática do processo de desconcentração produtiva, para dividir com o particular a realização de determinadas obrigações públicas. Assim, com o intuito de reduzir o volume na sua estrutura estatal, inviável para o pleno desenvolvimento dos fundamentos e objetivos consagrados pela República Federativa do Brasil, a Administração Pública acabou por adotar o mecanismo utilizado pela empresa privada frente a globalização, qual seja: a terceirização. 50 Wilson Alves POLONIO. Terceirização – Aspectos Legais, Trabalhistas e Tributários. Ed. Atlas. São Paulo. 2000. p. 34. 51 Luiz Carlos Amorim ROBORTELLA. Terceirização. Tendência em doutrina e jurisprudência. Revista Jurídica Trabalho & Doutrina. Ed. Saraiva. São Paulo. Junho de 1999. p. 37. 52 “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...”. 28 A terceirização, portanto, tornou-se um dos meios de modernização da estrutura estatal, na medida em que a Administração Pública busca a colaboração do setor privado para a realização de determinados serviços públicos relacionados as atividades-meio do Estado, permitindo ao órgão público se concentrar no desenvolvimento de suas atividades principais. Entretanto, diferentemente das situações de terceirização ilícita que ocorrem no setor privado, a terceirização no serviço público, quando irregular, não gera reconhecimento de vínculo empregatício com os entes da Administração Pública, em consonância com o que dispõe o inciso II, da Súmula n° 331 do TST ( “A contratação irregular de trabalhadores, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração direta, indireta ou fundacional”). Isto porque o Setor Público é regido pelo princípio da supremacia do interesse público e bem-estar coletivo sobre o particular. Tanto é assim, que o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, determina que: “II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma da lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação ou exoneração;”Como pondera Delgado, o que pretendeu a Constituição foi estabelecer, em tais situações, uma garantia em favor de toda a sociedade, em face da tradição fortemente patrimonialista das práticas administrativas públicas imperantes no país. Tal garantia estaria fundada na suposição de que a administração e patrimônios públicos sintetizam valores e interesses de toda a coletividade, sobrepondo-se, assim, aos interesses de pessoas ou categorias particulares 53 . Com relação ao posicionamento sedimentado pelo inciso II, da Súmula 331 do TST, Délio Maranhão afirma que este entendimento se mostra censurável em relação às sociedades de economia mista e empresas públicas, que não possuem “cargo ou emprego público” (artigo 37, II, da CF), que são criados por lei (art. 61, § 1°, II, a). Por não estarem submetidos ao Regime Jurídico único, aplicável aos servidores da Administração direta, autárquica e fundacional (lei 8.112), os empregados destas sociedades, exploradoras de atividade econômica, sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações (...) trabalhistas, por expresso comando constitucional (art. 173, § 1°, II). Logo, seus cargos ou encargos não são “públicos”. São privados, por extensão constitucional do direito de regência, o Direito do Trabalho 54 . Cumpre mencionar, a título de argumentação, que não obstante a regra acima (art. 37, II, da CF), o legislador constitucional trouxe uma exceção à contratação mediante concursos públicos, ao 53 Maurício Godinho DELGADO. Curso de Direito do Trabalho. Ed. LTr. São Paulo. 2004. p. 446. 54 Délio MARANHÃO. Instituições de Direito do Trabalho. ED. LTr. São Paulo. 2004.. Vol. I. p. 280. 29 permitir em seu artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal, a contratação por prazo determinado para o atendimento de necessidades temporárias de excepcional interesse público: “IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.” A Lei que regulamenta a contratação por tempo determinado de servidores pela Administração Federal é a Lei 8.745/93, alterada pela Lei 9.849/99. Entretanto, entendemos não se tratar das hipóteses de terceirização, uma vez que se perfaz uma contratação direta entre o Estado e o trabalhador temporário, não havendo a intermediação da empresa de trabalho temporário. As normas jurídicas que fundamentam o processo de terceirização no serviço público brasileiro são: O artigo 10, § 7°, do Decreto-lei 200/67: “A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada. § 7°: Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle com objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, a execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.” Conforme se verifica pela leitura do dispositivo legal supracitado, o legislador permitiu ao Estado contratar serviços de empresas privadas especializadas em determinadas atividades. Entretanto, não mencionou quais as atividades que poderiam ser objeto de terceirização, função esta que ficou a cargo do artigo 3°, da Lei 5.645/70. “As atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas serão, de preferência, objeto de execução indireta, mediante contrato, de acordo com o art. 10, § 7°, do Decreto-lei 200/67.” A permissão para a contratação de empresas terceirizadas no âmbito do setor público sempre esteve limitada à execução de atividades-meio, atividades de apoio ou meramente instrumentais. 30 A Lei que trata das licitações e contratos administrativos (Lei 8.666/93), em seu artigo 6° traz um rol exemplificativo de serviços que podem ser contratados pela Administração Pública, tais como: serviços de “demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnicos- profissionais”. Outra norma que diz respeito a terceirização no serviço público é a Lei 8.036/90 (Lei do FGTS), em seu artigo 15, § 1°: “Para os fins previstos nesta lei, todos os empregadores ficam obrigados a depositar, até o dia 7 (sete) de cada mês, em conta bancária vinculada, a importância correspondente a 8% (oito por cento) da remuneração paga ou devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas na remuneração as parcelas de que tratam os arts. 457 e 458 da CLT e a gratificação de Natal a que se refere a Lei 4.090, de 13 de julho de 1962, com as modificações da Lei 4.749, de 12 de agosto de 1965. § 1°: entende-se por empregador a pessoa física ou a pessoa jurídica de direito privado ou de direito público, da administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que admitir trabalhadores a seu serviço, bem assim aquele que, regido por legislação especial, encontrar-se nessa condição ou figurar como fornecedor ou tomador de mão-de-obra, independente da responsabilidade solidária e/ou subsidiária a que eventualmente venha obrigar-se.” O artigo 1° do Decreto 2.271/97, que regula a contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional estabelece que podem ser executados indiretamente os serviços de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações, manutenção de prédios, equipamentos e instalações. Já o § 2° da mesma norma prevê que não poderão ser objeto de execução indireta atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal. Mas há situações excepcionais a esta regra. É o caso da necessidade transitória de serviço ligado à atividade-fim. Exemplo: a contratação de um jurista consagrado para a elaboração de parecer técnico 55 . Por fim, cumpre citar a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/00) que em seu artigo 18, § 1°, admite a terceirização no serviço público, nos seguintes termos: 55 Carolina Pereira MARCANTE. A responsabilidade subsidiária do Estado pelos encargos trabalhistas decorrentes da contratação de serviços terceirizados. Disponível em: www.jus.com.br. Acesso em: 15 de março de 2005. 31 “Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como despesa total com pessoal: o somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência. § 1o Os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos serão contabilizados
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