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www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 1 Derecho y Cambio Social OS IMPACTOS DA TERCEIRIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO, NO BRASIL Yago Lira de Lima Mabelini1 Valmir César Pozzetti2 Fecha de publicación: 09/10/2017 Sumário: Introdução. 1. Antecedentes históricos da terceirização. 2. Objetivos da terceirização. 3. Responsabilidade trabalhista compartilhada na terceirização. 4. Terceirização e o direito do trabalho. 5. Terceirização e precarização do trabalho. 6. Trabalho digno. 7. Terceirização na atividade fim. 8. Vedação ao retrocesso nos direitos trabalhistas. - Conclusão. - Referencias. Resumo: O objetivo desta pesquisa foi o de analisar a relação de emprego no Brasil, sob os auspícios da terceirização e verificar as suas consequências nas relações de trabalho, tendo em vista a recente lei nº 13.429/17 que amplia a Terceirização para as atividades fins da empresa. Conclui-se que a terceirização precariza as relações de trabalho, traz uma baixa estima ao trabalhador e, consequentemente, reduz a sua dignidade, ocasionando um retrocesso social. A metodologia utilizada na presente pesquisa foi a do método dedutivo e, quantos aos meios utilizou-se da pesquisa bibliográfica, legislação e jurisprudência e, quanto aos finas a pesquisa tem cunho qualitativo. Palavras-chave: Retrocesso Social; Súmula nº 331 do TST; Terceirização do Trabalho; Trabalho Digno. 1 Acadêmico do 10º Período do Curso de Direito da Universidade Federal do Amazonas – UFAM. 2 Doutor em Biiodireito pela Université de Limoges; Prof. Adjunto da UFAM – Univ. Federal do Amazonas; prof. Adjunto da UEA – Univ. do Estado do Amazonas. www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 2 THE IMPACTS OF OUTSOURCING OF LABOR RELATIONS, IN BRAZIL Abstract: The aim of this study was to analyze the employment relationship in Brazil, under the auspices of outsourcing and check their consequences in the labor relations, bearing in mind the recent Law nº 13.429/17 which extends outsourcing to the activities for the company. It is concluded that outsourcing precarious labor relations, brings a low self-esteem to the worker and, consequently, reduces their dignity, causing a social regression. The methodology used in this research was the deductive reasoning, and how many the means used for bibliographic research, legislation and case law and, as far as the jewelry research has qualitative. Keywords: Social regression; summary paragraph 331 of the TST; outsourcing of labor; Decent Work. www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 3 INTRODUÇÃO A terceirização do trabalho surgiu com o objetivo de maximizar a produção e reduzir custos empresariais, permitindo que a empresa pudesse focar sua atenção nas atividades finas, utilizando, de forma terceirizada, atividades meios como limpeza e vigilância. Ao longo do tempo, percebe-se que o frequente uso da terceirização tem trazido inúmeros problemas aos trabalhadores, no tocante ao recebimento correto de suas verbas trabalhistas. Embora a terceirização tenha sido adotada no mercado de trabalho brasileiro há quase quatro décadas, sua regulamentação demorou a surgir e inicialmente envolveu aspectos bem específicos, como a administração pública (Decreto-Lei nº 200/1967) e os serviços de vigilância (Lei nº 7.102/1983). As demais atividades restaram precariamente protegidas pela Súmula nº 256, substituída pela Súmula nº 331, do TST, que se aplicavam até recentemente para assegurar maior efetividade aos trabalhadores terceirizados. Não obstante a isso, em 31 de março de 2017 foi sancionada a Lei da Terceirização pelo presidente Michel Temer (PMDB). O antigo Projeto de Lei nº 4.302/98, que já havia passado pelo Senado Federal, foi desengavetado e depois de quase duas décadas foi sancionado, transformando-se na Lei nº 13.429/2017 que alterou os arts. 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 9º, 10, o parágrafo único do art. 11 e o art. 12 da Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974 e está sendo chamada de “lei da terceirização e do trabalho temporário”. Muito se têm comentado sobre essa nova lei e seus impactos nas relações trabalhistas, visto que o fenômeno da terceirização não tinha uma regulamentação específica no Brasil. Há os que defendem que a nova lei melhorará a situação do terceirizado no país, dando a ele maior segurança jurídica, entretanto, há quem afirme que esta lei precariza os direitos destes trabalhadores. A problemática que envolve essa pesquisa é : de que forma assegurar aos trabalhadores a dignidade, poder aquisitivo e qualidade de vida sem retrocesso social ? A pesquisa se justifica tendo em vista que a terceirização nas http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/104099/decreto-lei-200-67 http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/104444/lei-7102-83 http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/445684962/lei-13429-17 http://www.jusbrasil.com.br/topicos/11726390/artigo-12-da-lei-n-6019-de-03-de-janeiro-de-1974 http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/109751/lei-6019-74 www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 4 atividades fim, no Brasil, já traz um minus ao trabalhador, pois o mesmo sempre foi visto como uma subclasse de trabalhador, sem dignidade sem os direitos isonômicos. Ora, se já temos essa realidade em relação á atividade fim, porque devemos trazer essa equiparação à atividade meio ? O objetivo da presente pesquisa é o de traçar um percurso evolutivo do fenômeno da terceirização no direito brasileiro, bem como da figura do trabalhador terceirizado, e, com isso, definir os impactos negativos que a nova lei trará a estas relações trabalhistas no Brasil. A metodologia que se utilizará na presente pesquisa é a do método dedutivo sendo que, quanto aos meios a pesquisa será a bibliográfica – doutrina, jurisprudência, estudo comparado, legislação – e quanto aos fins a pesquisa será qualitativa. 1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA TERCEIRIZAÇÃO A terceirização teve sua origem na Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos aliaram-se aos países europeus para combater as forças nazistas e o Japão. Nessa época, as indústrias bélicas não conseguiram suprir as necessidades do mercado, tendo a necessidade de conseguir dar conta do aumento excessivo da demanda, aprimorando seus produtos, bem como suas técnicas de produção. Segundo Giosa (2008, p. 12): A história revela que a terceirização originou-se nos EUA, logo após a Segunda Guerra Mundial, as indústrias bélicas tinham como desafio concentrar no desenvolvimento da produção de armamento a serem usados contra as forças do eixo, e passaram a delegar algumas atividades de suporte a empresas portadoras de serviços mediante contratação. Com o objetivo de manter a oferta de armamento para os países em conflito, a saída encontrada pelas grandes indústrias foi remodelar a forma de produção, transferindo atividades não essenciais a outras empresas. Neste diapasão, a indústria notou que era necessário focar especificamente na produção de material bélico, delegando todas as outras atividades secundárias a terceiros. Passada a Segunda Guerra, os países vencedores demonstraram conquistas econômicas significativas, tendo surgido naquela época dois grandes modelos de produção, o taylorista e o fordista. Tais modelos influenciaram praticamente todo o mundo, em virtude da expansão do capitalismo. O Taylorismo consiste numa minuciosa separação de tarefas e rotinização da produção, reduzindo a necessidade de especialização do trabalho, transformando-o em uma sequência de atos básicos, multiplicando a produtividade laborativa, viabilizando a explosão da www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósitolegal: 2005-5822 5 produção massiva buscada pelo capitalismo. Neste sentido, segundo Harvey (2000, p. 121): Os princípios da administração científica, de F. W. Taylor, consagraram-se num influente tratado que descrevia como a produtividade do trabalho podia ser radicalmente aumentada através da decomposição de cada processo de trabalho em movimentos componentes e da organização de tarefas de trabalho fragmentadas segundo padrões rigorosos de tempo e estudo do movimento. Já o Fordismo, ao lado de implementar as proposições tayloristas, produz inovações na gestão da força de trabalho e do próprio empreendimento empresarial, dando origem a um modelo de grande influência nas décadas seguintes no ocidente, a partir da ideia de linhas de montagem, que integravam e controlavam os trabalhadores. Desta forma, nos esclarece Carelli (2003, p. 35): O Fordismo, portanto, criou a linha de montagem (moving assembly line), fazendo uso de mecanização associada e parcialmente automatizada. E assim, o controle sobre o operário não precisava ser exercido diretamente pelo gerente, mas, de outro modo, passava a ser realizado automaticamente pela máquina. A esteira rolante (conveyor belt), que levava o trabalho até os homens, resolveu a questão do controle dos tempos e movimentos, que passaram a ser determinados pelo ritmo de funcionamento das máquinas, diversamente do Taylorismo, onde o ritmo era baseado no rendimento individual. Tais modelos, aliados, conduziram o crescimento do capitalismo pelo mundo, com grandes indústrias que possuíam uma massa de trabalhadores, vinculados a funções pouco especializadas, que se conectavam pela esteira rolante da linha de produção, onde cada um realizava sua tarefa, a fim de viabilizar a produção em massa. Ocorre que, por volta dos anos de 1970, em virtude da acumulação de capital durante mais de duas décadas após a Segunda Guerra Mundial, houve uma das crises estruturais do modelo capitalista vigente, onde se instaurou uma fase de retrocesso e de limitação de direitos, cujos impactos afetaram as estruturas e os componentes do modo capitalista de produção. Diante disso, surgiu no Japão um novo modelo de gestão e organização trabalhista, denominado Toyotismo. Tal modelo, tratado como alternativa viável e eficaz para a superação da crise, teve rápida expansão pelo ocidente, alterando definitivamente os processos e os procedimentos do trabalho industrial, definidos até então pelo modelo taylorista/fordista vigente. O modelo Toyotista pode ser entendido como uma maneira de viabilizar o acúmulo de capital a partir de regimes contratuais mais flexíveis e um severo controle de qualidade dos serviços prestados e dos produtos fabricados. O Toyotismo exige que o profissional seja mais www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 6 capacitado, além de multifuncional, com possibilidade de atuar com certa autonomia. Neste sentido, Gounet (1999, p. 25) esclarece: Pode-se definir, assim, o toyotismo como um sistema de organização da produção baseado em uma resposta imediata às variações da demanda e que exige, portanto, uma organização flexível e integrada do trabalho, podendo, também, ser caracterizada pelos cinco zeros: i) zero atrasos; ii) zero estoques; iii) zero defeitos; iv) zero panes, e v) zero papéis. Desse modo, evolui-se da organização hierarquizada e verticalizada do taylorismo/fordismo, para um modelo organizacional horizontalizado e rápido, tendo como foco o objetivo principal da empresa, ou seja, a sua atividade fim, transferindo para prestadoras de serviços diversas as tarefas complementares, ou seja, as atividades meio. Eis que nesse contexto global de organização horizontal do trabalho, surge o fenômeno da terceirização, como um meio eficaz para a concretização dos ideais propagados pelo toyotismo, os quais incluíam a flexibilização da legislação trabalhista, a redução do abismo existente entre empregado e empregador, com uma falsa perda de subordinação e dos laços da relação empregatícia, entre outros. No Brasil, a implantação da terceirização é fruto da inserção gradual e incisiva do modelo Toyotista de organização e gestão do trabalho, desde a década de 1970. Druck (1999, p. 33), defende que “o processo de implementação do fenômeno no Brasil se deu em três fases distintas”. A primeira fase ocorre como resposta ao período de recessão econômica vivido pelo país na década de 1970, principalmente com a criação de círculos de controle de qualidade. Já na segunda fase, que ocorreu na década de 1980, com o final do período de recessão econômica, foram implantadas as principais técnicas gerenciais do modelo, com destaque para o “just in time” e os programas de qualidade total. Na década de 1990, com a globalização, a partir da maior abertura do mercado internacional, ocorre a terceira fase, com uma inserção incisiva e quase absoluta de programas de qualidade total, e um grande incremento nas práticas terceirizantes. Nessa terceira fase, ocorre uma epidemia da qualidade e da produtividade, as práticas de gestão do modelo Toyotista se generalizam com rapidez por todos os setores da economia, e a prática da terceirização atinge não somente as atividades periféricas, mas também aquelas centrais ou nucleares, com a terceirização cada vez mais abrangente até os dias atuais, atingindo áreas de produção industrial, de serviços, o comércio, e atuando em empresas de pequeno, médio e grande porte. www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 7 2 OBJETIVOS DA TERCEIRIZAÇÃO A terceirização tem como principal objetivo a redução de custos, além disso, são objetivos deste fenômeno conferir maior agilidade, flexibilidade e competitividade à empresa, a partir da transformação de seus custos fixos em variáveis, possibilitando o melhor aproveitamento do processo produtivo. Conforme Chiavenato (2006, p. 33): Os principais objetivos da terceirização são agrupados em grupos: redução de custo; focalização em atividades estratégicas ou de maior retorno; planejamento; implantação do processo; e, o gerenciamento. Com a terceirização a redução dos custos se dá na medida em que os encargos sociais quase duplicam o valor pago em salário ao trabalhador. Assim, com a transferência de certas atividades a terceiros, além de um possível ganho de produtividade, há grande redução nos custos da mão de obra. Neste sentido, Drucker (2007, p. 89) esclarece que: Desde que surgiu, o processo de terceirização passou por alterações. Inicialmente, suas características a enquadravam como uma forma de parceria em que as empresas uniam-se na busca da redução de custos e de melhoria da qualidade. Outro objetivo da terceirização é a focalização da empresa em atividades estratégicas ou de maior retorno financeiro, a partir da definição, por parte da empresa, de quais atividades serão prioritárias, sob o ponto de vista estratégico, ou de maior retorno financeiro, transferindo as demais atividades para terceiros, visando tornar a empresa mais enxuta, além de especializar a mão de obra para as atividades transferidas. Pode-se apontar como vantagens para a empresa no processo de terceirização a focalização dos negócios da empresa em sua área de atuação, a diminuição dos desperdícios, a redução das atividades meio, o aumento da qualidade, o ganho de flexibilidade, o aumento da especialização do serviço, o aprimoramento do sistema de custeio, a redução de níveis hierárquicos, além da redução do quadro direto de empregados. Segundo Martins (2007, p. 43): A empresa poderá focalizar seus recursos e esforços na sua própria área produtiva, na área em que é especializada, qualificando o produto e sua competitividade no mercado. A empresa irá buscar especialização e centralização de seus esforços na área para a qual tem vocaçãoespecífica. A terceirização de serviços no âmbito da administração pública, quando praticada sem observar a dimensão legal, pode gerar consequências para o contratado pela empresa prestadora, para esta e para a autoridade contratante. Conforme Di Pietro (2008, p. 45), “a terceirização pode www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 8 implicar burla aos direitos sociais do trabalhador da empresa tomadora do serviço, o que expõe a Administração Pública sob a égide do direito do trabalho”. Como desvantagens, aponta-se: O risco de desemprego e a não absorção de mão de obra na mesma proporção, o risco de coordenação dos contratos, a falta de parâmetros de custos internos, as demissões na fase inicial de implementação e seus respectivos custos, o conflito com os sindicatos, a mudança nas estruturas do poder, o aumento na dependência de terceiros, a perda do vínculo com o empregado, uma vez que ele não é diretamente vinculado à empresa em que está trabalhando, com a consequente perda da identidade cultural da empresa, em longo prazo. Outra desvantagem da terceirização refere-se à possibilidade da queda da qualidade dos serviços prestados, uma vez que a organização estará na dependência total da empresa tomadora de serviços, podendo se apresentar em situação de falência, por exemplo, e vir a comprometer a atividade da tomadora. Nesse sentido, Castro (2008, p. 111) complementa: Podem-se destacar algumas desvantagens, como aviltamento das relações trabalhistas, pois os empregados perdem a possibilidade de acesso à carreira e ao salário da categoria; inviabilização de uma maior inserção no ambiente de trabalho, porque são vinculados a uma empresa, mas estão dispersos em várias tomadoras de serviços; enfraquecimento no plano das relações coletivas, da ação sindical, e rebaixamento da força de trabalho em função da terceirização. Dessa forma, é temerário colocar em risco a produtividade e qualidade do produto (o que poderá gerar queda nas exportações de produtos e serviços), em nome da redução de custos. Outra ponto que se pode verificar é a redução dos salários, com a terceirização: trabalhador sem poder aquisitivo não compra e, sem demanda, o mercado não vive. 3 RESPONSABILIDADE TRABALHISTA COMPARTILHADA NA TERCEIRIZAÇÃO O artigo 264 do Código Civil/2002 dispõe que “há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda”. Ou seja, cada titular envolvido em uma obrigação possui exatamente a mesma responsabilidade, em um mesmo plano, devendo responder igualmente à uma condenação, se ocorrer. Por outro lado, a responsabilidade subsidiária não encontra um plano horizontal, e sim vertical. No âmbito da responsabilidade subsidiária, sempre haverá um responsável principal e um secundário, que agirá de forma alternativa, caso o responsável principal não cumpra com o que lhe foi imposto ou acordado, a respeito das obrigações. http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10712068/artigo-264-da-lei-n-10406-de-10-de-janeiro-de-2002 www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 9 Via de regra, em uma relação entre empregador e tomador de serviços no campo da terceirização, o tomador de serviços apenas responderá subsidiariamente pelas obrigações estabelecidas entre os polos. Tal determinação tem amparo também no item IV da Súmula 331 do TST: O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial” E em face da culpa in eligendo, à luz dos arts. 186 e 927 do Código Civil/2002: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. A exceção à regra se deu com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, que trouxe consigo os arts. 932, inciso III; 933 e 942, que tratam sobre a responsabilidade solidária de empregador e tomador de serviços. A jurisprudência vem demonstrando um entendimento divergente do disposto na Súmula nº 331 do TST e em casos concretos já é possível identificar esse avanço, mesmo que não haja nada consolidado. A Lei nº 13.429/2017 manteve o disposto na Súmula nº 331 do TST em relação à responsabilidade civil na terceirização, sendo esta, via de regra, subsidiária, ou seja, isso significa que a empresa que contrata os serviços da terceirizada só poderá ser responsabilizada pelo pagamento de déficits trabalhistas depois que a empresa terceirizada deixar de pagar a condenação. Vejamos o que diz a Lei n° 13.429/2017: Art. 10º (...) omissis § 7o A contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer o trabalho temporário, e o recolhimento das contribuições previdenciárias observará o disposto no art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. Portanto, a responsabilidade subsidiária nas relações trabalhistas, que envolvam terceirizados, objetiva proporcionar segurança ao trabalhador juridicamente, em caso do tomador dos serviços ter que arcar http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10718759/artigo-186-da-lei-n-10406-de-10-de-janeiro-de-2002 http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10677854/artigo-927-da-lei-n-10406-de-10-de-janeiro-de-2002 http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/111983995/c%C3%B3digo-civil-lei-10406-02 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm#art186 http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/111983995/c%C3%B3digo-civil-lei-10406-02 http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/111983995/c%C3%B3digo-civil-lei-10406-02 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8212cons.htm#art31 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8212cons.htm#art31 www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 10 com as obrigações trabalhistas, em face do não cumprimento por parte da empresa prestadora de serviços. Vale mencionar que está em andamento o Projeto de Lei nº 4330/2004, que tem como grande diferença a aplicação da responsabilidade na terceirização. Ao invés da responsabilidade subsidiária, aplicada tanto pela Súmula nº 331 do TST, quanto pela Lei nº 13.429/2017, que respeita a sucessão para a cobrança de créditos trabalhistas em caso de inadimplemento, a aplicação será solidária, podendo-se cobrar conjuntamente da empresa tomadora e da empresa prestadora de serviços. 4 TERCEIRIZAÇÃO E O DIREITO DO TRABALHO O Direito do Trabalho existe efetivamente para impor normas cogentes ou de ordem pública, inafastáveis até mesmo por acordo mútuo entre os participantes da relação de trabalho, visando equilibrar as forças em jogo, que tendem a pender para o lado economicamente mais forte, ou seja, o do empregador. Tal ramo do Direito se apoia em dois pilares ou princípios norteadores, dos quais se irradiam todos os demais, que são o princípio protetor (ou princípio tutelar ou de proteção do trabalhador) e o princípio da determinação legal da identidade do empregado e empregador. O princípio protetor torna o Direito do Trabalho um direito especial, distinto do direito comum, posto que enquanto o direito comum pressupõe a igualdade das partes, o direito trabalhista pressupõe situação de desigualdade entre as partes, que ele objetiva corrigir por seus outros princípios e normas. Em relação a esse princípio,Delgado (2001, p.23) conceitua: O princípio tutelar influi em todos os seguimentos do Direito Individual do Trabalho, influindo na própria perspectiva desse ramo ao construir-se, desenvolver-se e atuar como direito. Efetivamente, há ampla predominância nesse ramo jurídico especializado de regras essencialmente protetivas, tutelares da vontade e interesse obreiros; seus princípios são fundamentalmente favoráveis ao trabalhador; suas presunções são elaboradas em vista do alcance da mesma vantagem jurídica retificadora da diferenciação social prática. Na verdade, pode-se afirmar que sem a ideia protetiva-retificadora o Direito Individual do Trabalho não se justificaria histórica e cientificamente. Do princípio da determinação legal, constata-se a importância do Direito do Trabalho para a proteção do trabalhador, visto que norteia a legislação trabalhista no sentido da efetiva determinação de quem e quando se é empregador ou empregado. www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 11 A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) conceitua, as figuras do empregador e empregado: Art. 2º Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Merece atenção e análise, o posicionamento dos tribunais pátrios frente ao fenômeno da terceirização, em especial a Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que foi motivada principalmente pelo crescimento dos casos de terceirização no Brasil, durante a década de 1980 e 1990, e pela necessidade de conformação de um grande acervo de decisões, nem sempre concordantes, mas que no geral sempre se opuseram a qualquer tipo de terceirização. Inicialmente, teve-se a Súmula nº 239 (Bancário. Empregado de Empresa de Processamento de Dados), aprovada pela Resolução Administrativa do TST de nº 15/85, que foi a primeira súmula relativa à matéria. Já no ano seguinte, foi aprovada a Súmula nº 256 (Contrato de Prestação de Serviços. Legalidade. Cancelada. Resolução nº 121/03, DJ 19, 20 e 21.11.03), pela Resolução Administrativa nº 04/86, segundo a qual “salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis ns. 6.019, de 03.01.74, e 7.102, de 20.06.83, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços”. Deve-se observar, contudo, que a Súmula nº 256 não tratou da terceirização com o necessário rigor científico, vez que usou da expressão “contratação de trabalhadores”, que é atinente ao fenômeno da intermediação de mão-de-obra, já que na terceirização genuína não se contrata trabalhador, mas sim serviços especializados a serem realizados autonomamente. Seguiram-se, no entanto, outros julgados do TST no sentido de que a Súmula antecedente era somente exemplificativa e que jamais subsistiu nela proibição à verdadeira terceirização, e que sempre existiu, por este mesmo motivo, possibilidade de terceirização lícita. Entendimento esse que, tempos depois, viu-se ratificado através da Resolução Administrativa nº 23/93, que aprovou a Súmula nº 331 do TST, que assim dispõe: Súmula nº 331 do TST. Contrato de prestação de serviços. Legalidade (mantida). (Resolução nº 121/03, DJ 19, 20 e 21.11.03). www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 12 I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.74). II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/88). III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.83) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.93). O inciso I, da mesma forma que na Súmula nº 256, dispõe que é proibida a intermediação de mão-de-obra, de qualquer forma, sob qualquer circunstância, com exceção da única possibilidade existente na lei de intermediação lícita de mão-de-obra (Lei nº 6.019/74), que é aquela realizada por empresa de trabalho temporário, e mesmo assim seguindo os rigorosos requisitos impostos pela lei. O inciso II traz uma exceção à geração de vínculo automático de emprego com o tomador de serviços em caso de intermediação de mão-de- obra em órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional, em consonância com a regra do inciso II do art. 37 da Constituição Federal de 1988, que prevê o ingresso no serviço público somente mediante a aprovação em concurso público. O inciso III trata da terceirização de serviços, discorrendo que não há formação de vínculo de emprego, com o tomador, na contratação de serviços de vigilância (terceirização regulamentada pela Lei nº 7.102/83) e de conservação e limpeza, além de serviços especializados ligados à atividade meio do tomador. Todavia, não será sempre que não se materializará o vínculo de emprego na atividade-meio, mas desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. Mais uma vez, reafirma-se, aqui, a impossibilidade de intermediação de mão-de-obra, em observância ao Princípio da Primazia da Realidade que privilegia a situação de fato em oposição à forma jurídica. Acrescenta-se ao exposto que o TST, na formalização do inciso III, partiu da premissa de que a prestação de serviços em atividade fim ou principal da empresa, dentro de estabelecimento da própria, jamais poderia www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 13 ser realizada sem pessoalidade e subordinação direta ao tomador dos serviços, configurando-se, nesta hipótese, verdadeira fraude à lei através da transfiguração da intermediação de mão de obra em terceirização, sendo, contudo, esta discussão considerada secundária no que se refere ao enfrentamento do problema da terceirização ilícita, posto que a linha mestra para o reconhecimento da verdadeira terceirização está na existência de contrato de prestação de serviços especializados dirigidos pela própria empresa terceirizada, que assume todos os riscos do negócio. Por outro lado, e indiferente à discussão supra, firmou-se entendimento jurisprudencial no sentido de que a contratação de empresa diversa para a realização de serviços em atividade relacionada diretamente com o objeto social da empresa contratante gera, sob o amparo e nos limites do direito do trabalho, presunção juris et de jure de fraude, não admitindo, pois, prova em contrário. Sem se olvidar, contudo, que não subsiste qualquer norma proibindo a terceirização, seja em atividade-fim, seja em atividade-meio, o que nem mesmo seria razoável, dado que a escolha de em quais setores a empresa pretende atuar e de qual a melhor forma de gerenciar o negócio, cabe tão somente a própria administração da empresa. Entretanto, se a terceirização for utilizada para a intermediação de mão de obra, com o claro objetivode impedir a formação de vínculo de emprego entre a tomadora de serviços e o trabalhador subcontratado não eventual e subordinado, será a mesma tida como nula, nos termos do art. 9º da CLT (consoante o Princípio da Primazia da Realidade), tomando-se o vínculo diretamente com o beneficiário do trabalho. Quanto ao inciso IV, por sua vez, tem-se que a lei não prevê expressamente a responsabilidade subsidiária que dele decorre, no entanto, como não é possível determinar o retorno do empregado ao status quo ante, porque não pode ser devolvida sua energia de trabalho, e como a tomadora foi beneficiada pela prestação dos serviços, cabe a esta, na superveniência de não pagamento das verbas trabalhistas pela empresa prestadora de serviços, o pagamento das verbas devidas ao empregado. Isto porque o não pagamento das verbas trabalhistas sobreditas demonstra a inidoneidade financeira da empresa prestadora de serviços e realça, por conseguinte, a culpa in elegendo e in vigilando, da tomadora dos serviços, pela escolha inadequada de empresa inidônea e por não a fiscalizar pelo cumprimento das obrigações trabalhistas. Não obstante, a empresa tomadora dos serviços que paga as verbas trabalhistas de real responsabilidade do prestador dos serviços terá direito www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 14 de regresso contra esta, o que se verifica, aliás, do teor do parágrafo único do art. 455 da CLT: Art. 455 (...) omissis Parágrafo único - Ao empreiteiro principal fica ressalvada, nos termos da lei civil, ação regressiva contra o subempreiteiro e a retenção de importâncias a este devidas, para a garantia das obrigações previstas neste artigo. (gn) A Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017, com início de vigência na data de sua publicação, ocorrida no Diário Oficial da União de 31.03.2017, altera dispositivos da Lei nº 6.019/1974, que dispõe sobre o trabalho temporário, e versa sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros, dispondo de maneira diversa da Súmula 331 do TST, em alguns pontos, em especial quanto à possibilidade de terceirização de atividade fim, como será analisada mais à frente. 5 TERCEIRIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO Pedro Carraro (2015, P. 29) observa o fato de que “a terceirização tem se tornado um instrumento de precarização das relações de trabalho, que na verdade, trata-se de uma forma de a empresa contratante reduzir encargos trabalhistas e sociais”. Nesse sentido, Hurst (2017, P.12) assevera que: É certo que a terceirização surgiu para beneficiar as empresas, afinal, note-se: ao contratar um trabalhador ou um serviço terceirizado, a tomadora deixa de contratar um empregado com vínculo direto para suprir aquela demanda, transferindo as obrigações decorrentes da condição de empregadora para outra empresa. Esta, por sua vez, apesar de assumir as responsabilidades decorrentes de um contrato de emprego, obtém um retorno financeiro com o fornecimento de mão de obra ou serviço. Como se vê, tanto a tomadora, como a prestadora tendem, na teoria, a se beneficiar através desta relação triangular. Ainda sobre o tema, Hust (2017, p. 15) prossegue: Por outro lado, não se deve ignorar o fato de que, se por um lado é extremamente vantajoso transferir obrigações para outra pessoa (no caso outra empresa), é também preocupante, pois, apesar de se esperar qualidade nos serviços da empresa prestadora, pelos quais a tomadora vem pagando, pode acontecer o contrário, ou seja, a prestadora pode oferece-lhe serviços de péssima qualidade, deixando de investir na capacitação dos seus empregados, com o intuito de tentar reduzir custos para se tornar mais competitiva e atraente pelo preço, e aquilo que era para ser um benefício pode acabar se tornando um prejuízo. O trabalhador, por sua vez, em nada se beneficia, pois continua prestando o mesmo serviço, com as mesmas obrigações decorrentes de um contrato de emprego, e muitas vezes ainda acaba sendo prejudicado, vítima de inadimplementos da empregadora, o que tem se tornado cada a cada dia mais recorrente. www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 15 No tocante à segurança do trabalhador, Pedro Carraro (2015, p. 21) afirma: A terceirização representa também um risco à segurança do trabalhador, no momento quando a empresa terceira não investe na qualificação dos trabalhadores. O alto número de acidentes no ramo elétrico e petrolífero demonstra a relação entre terceirizações e acidentes de trabalho. Barros (2012, p. 453) aponta como outra desvantagem: “a questão da impossibilidade de acesso ao quadro de carreira da empresa de serviços terceirizados”. Isso ocorre, pois o terceirizado não participa do quadro de carreira da empresa tomadora de seus serviços, deste modo, não existe para esse trabalhador a possibilidade de evoluções de cargo, bem como salariais, impedindo a caminhada profissional dentro de sua carreira. Débora Spagnol (2015, p. 33) elenca diversos prejuízos trazidos pela terceirização ao trabalhador: A possibilidade de redução salarial, pois com a mudança de tomadora a empresa terceirizada não tem obrigação de manter os valores pagos em razão da tomadora anterior; A abolição da equiparação salarial, pois dois empregados contratados por uma prestadora de serviços podem receber remunerações distintas por prestarem serviços a tomadoras diferentes; A perda de benefícios concedidos por convenções e acordos coletivos, pois a empregadora não precisará cumprir normas que não pactuou e negociações que não participou; O enfraquecimento dos sindicatos, decorrente da pulverização dos trabalhadores em várias empresas, com datas-bases distintas, fragmentando as negociações coletivas e frustrando as reivindicações legítimas da categoria; Maior dificuldade de reinserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, já que só há obrigação de contratação por empresas com mais de 100 funcionários e a terceirização pode provocar o fatiamento dissolvendo-se em múltiplas empregadoras com menos funcionários; Prejuízo à saúde e segurança do trabalhador, decorrente da alta rotatividade de mão de obra em relação às terceirizadas, que prejudicam a capacidade e os treinamentos, bem como o baixo investimento em segurança pelas contratantes, visando o menor custo da mão de obra e com isso tornarem-se competitivas. Observando todos os prejuízos trazidos pela terceirização ao trabalhador, é possível notar como este fenômeno tem fortes tendências de precarização das relações trabalhistas, a partir de uma série de violações a princípios do direito do trabalho e de direitos fundamentais, com burlas às leis vigentes, a fim de favorecer os interesses empresariais. 6 TRABALHO DIGNO A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito, conforme o art. 1°, III, da Constituição. Tal princípio recai sobre todos os ramos do Direito, sendo sua realização dever do legislador e do intérprete da lei. www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 16 Nesse sentido, Gabriela Delgado (2006, p. 206) afirma que nas relações trabalhistas há algo importante a se observar: “deve ser vedada a violação da dignidade, o que significa que o ser humano jamais poderá ser utilizado como objeto ou meio para a realização do querer alheio”. Sobre as relações jurídico-trabalhistas em relação à dignidade da pessoa humana, Villela (2008, p. 66) assevera que: As relações jurídico-trabalhistas devem sempre preservar e resguardar a dignidade da pessoa humana do trabalhador, eis que um dos alicerces que sustentam o próprio Estado Democrático de Direito é o referido princípio, até porque o trabalho é um dos principais instrumentos de solidificação da dignidade do ser humano. Otrabalho digno manifesta-se nas condições de trabalho em que o trabalhador é submetido. Significa trabalhar sem qualquer discriminação ou constrangimento, com o exercício pleno da liberdade cívica. O trabalho digno passa, também, pela proteção da saúde do trabalhador, pelo acesso à seguridade social, pela estabilidade no emprego, além de um horário e ritmo de trabalho que permita qualidade de vida ao empregado. Segundo Gabriela Delgado (2006, p. 203), ‘’o trabalho, enquanto direito universal fundamental, deve fundamentar-se no referencial axiológico da dignidade da pessoal’’. Conforme a Agenda Nacional de Trabalho Decente (2006, p. 05), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) apoia o conceito de trabalho decente em quatro pilares estratégicos: a) respeito às normas internacionais do trabalho, em especial aos princípios e direitos fundamentais do trabalho (liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado; abolição efetiva do trabalho infantil; eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação); b) promoção do emprego de qualidade; c) extensão da proteção social; d) diálogo social. Nesse sentido, Brito Filho (2004, p. 61) define trabalho decente como: Um conjunto mínimo de direitos do trabalhador que corresponde: à existência do trabalho; à liberdade de trabalho; à igualdade no trabalho; ao trabalho com condições justas, incluindo a remuneração, e que preservem sua saúde e segurança; à proibição do trabalho infantil; à liberdade sindical; e a proteção contra os riscos sociais. Desse modo, pode-se concluir que o trabalho digno é aquele desempenhado com respeito aos princípios constitucionais do trabalho, especialmente à dignidade da pessoa humana, e desde que garantidas www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 17 condições mínimas necessárias para proporcionar uma vida digna ao trabalhador e a sua família. 7 TERCEIRIZAÇÃO NA ATIVIDADE FIM A lei nº 13.429/2017 trouxe como uma das maiores inovações a possibilidade de terceirização da atividade fim da empresa, fato que era vedado pela Súmula nº 331 do STJ, que disciplinava a matéria até a entrada em vigor do referido diploma legal e permitia apenas a terceirização em atividade meio. Tal possibilidade encontra-se esculpida no § 3o do art. 9° do referido diploma legal, que dispõe: “O contrato de trabalho temporário pode versar sobre o desenvolvimento de atividades-meio e atividades-fim a serem executadas na empresa tomadora de serviços.” Martinez (2013, p. 247) classifica atividade fim da seguinte forma: A atividade-fim deve ser entendida como a tarefa intimamente relacionada ao objetivo social da empresa, normalmente identificado em seus estatutos constitutivos. Assim, pode-se afirmar que a atividade-fim de uma escola é a prestação de ensino e de planejamento didático da educação. Seguindo o mesmo raciocínio, a atividade-fim de um banco é a intermediação de capitais por meio de diversas operações financeiras, e a de uma siderúrgica é a metalurgia do ferro e do aço. Já quanto à atividade meio, Luciano Martinez (2013, p. 247) assim a conceitua: A atividade-meio é compreendida como aquela que se presta meramente a instrumentalizar, a facilitar o alcance dos propósitos contratuais sem interferir neles. Nesse âmbito encontram-se, consoante mencionado, as atividades de limpeza, de conservação, de vigilância, de telefonia, de suporte em informática, de fornecimento de transporte, de fornecimento de alimentação, de assistência contábil, de assistência jurídica, entre outras que auxiliam na dinâmica do empreendimento, mas que não estão diretamente relacionadas ao objetivo central da empresa. Depreende-se desses conceitos que a atividade meio é aquela que não está totalmente ligada à atividade econômica da empresa, enquanto que a atividade fim está diretamente ligada ao objeto social da empresa. Vale salientar que a terceirização de atividade fim era combatida tanto pela Justiça do Trabalho quanto pelo Ministério Público, em virtude dos prejuízos trazidos ao trabalhador, conforme assevera Barros (2010, p. 453): Através da Súmula 331 do TST, tanto a Justiça do Trabalho como o Ministério Público se posicionaram para combater a terceirização de serviços ligados à atividade-fim da empresa, haja vista que entre os pontos negativos desta prática considerada ilícita encontra-se a violação ao princípio da isonomia, a www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 18 impossibilidade de acesso ao quadro de carreira da empresa usuária dos serviços terceirizados e, ainda, o esfacelamento da categoria profissional. Desta forma, tal mudança impacta fortemente o mercado de trabalho, haja vista que permite uma prática até então vedada no país, que é a terceirização de atividade fim, abrindo a possibilidade para, por exemplo, uma escola terceirizar os professores que nela lecionam, expandindo ainda mais o fenômeno da terceirização que, como já exposto, causa a precarização das relações trabalhistas. 8 VEDAÇÃO AO RETROCESSO NOS DIREITOS TRABALHISTAS O princípio do não retrocesso se extrai do caput do art. 7º da Constituição Federal que, em sua parte final, estabelece que são direitos dos trabalhadores aqueles elencados em seus diversos incisos, “além de outros que visem à melhoria de sua condição social”. Ou seja, o legislador constitucional estabeleceu, no art. 7º, uma série mínima e fundamental de direitos social-trabalhistas, preceituando, ainda, que outros direitos podem ser concedidos aos trabalhadores, desde que “visem à melhoria de sua condição social”. Alvar (2011, p. 28) assim dispõe acerca do Princípio do Não Retrocesso social: Faz parte da essência de um Estado de Direito, pois, só através dele é possível a concretização da segurança jurídica, e que se materializa através de todas as atividades estatais, quer as de natureza legislativa, onde a atuação do legislador deve se pautar nos fundamentos e estruturas definidas pela constituinte originários e nos valores da sociedade, nas de natureza administrativa na concepção e efetivação de políticas públicas de inclusão e erradicação das mazelas que permeiam a sociedade, e por fim, nas funções judiciários, de verdadeiro guardião do Estado de Direito através de medidas corretivas às ações que visem macular o princípio da dignidade da pessoa humana. Nessa toada uma vez concretizados os direitos fundamentais em sede legislativa, esses direitos passam a exibir estatutos negativo próprio dos direitos de primeira dimensão, inclusive em relação ao legislador, que não pode impedir através da atividade legiferente a concretização dos direitos fundamentais, sem a criação de mecanismos equivalentes, sob pena de ato atentatório a justiça social. Daí se tem que não se pode admitir norma constitucional derivada (emenda) ou norma infraconstitucional que tenda a não gerar uma melhoria na condição social do trabalhador. Ela seria inconstitucional por justamente não preencher esse requisito constitucional da melhoria da condição social do trabalhador. Deste modo, é importante a análise da lei nº 13.429/2017, que versa sobre o trabalho temporário e a terceirização, em face desse princípio do www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 19 não retrocesso, uma vez que, como demonstrado no presente artigo, a terceirização, principalmente, causa a precarização das relações trabalhistas, e, a referida lei, visa ampliar a incidência desse fenômeno no Brasil, permitindo, inclusive, a terceirização de atividade fim. CONCLUSÃO A problemática dessa pesquisa se estabeleceu no tocante a verificar se a terceirização do trabalho no Brasil, inclusive a novel terceirização dasatividades fins, manteriam a dignidade do trabalhador, sem retrocesso social. Os objetivos de se realizar pesquisas à doutrina, legislação e jurisprudência foi alcançado e vários pontos apontam para prejuízo já existentes - com a terceirização do trabalho nas atividades meios - que se agravarão com a terceirização das atividades fins. Conseguiu-se demonstrar que o fenômeno da terceirização desde seu início, na segunda guerra mundial, sua evolução histórica no mundo, como se desenvolveu no Brasil até a edição da Lei nº 13.429/2017 pelo Congresso Nacional e seus impactos decorrentes. Chegou-se a conclusão que a terceirização tem vantagens e desvantagens; entretanto, as desvantagens imediatas são muito maiores aos trabalhadores que aos empregadores; entretanto, ao longo do processo o empregador também perceberá que lhe será desvantajoso, uma vez que o trabalhador, tendo reduzido o seu poder aquisitivo, adquirirá bens e serviços em menor quantidade, refletindo negativamente nas receitas empresariais. Além desse ponto importante, destaca-se outros impactos negativos, tais como o prejuízo da saúde e segurança do trabalhador, em virtude da terceirização ser um meio para as empresas reduzirem os encargos trabalhistas e sociais com os empregados e, ao passo em que os custos são reduzidos, a qualidade na prestação do serviço também é reduzida e tendência a trabalho escravo cresce, gerando custos também ao Estado, através da Previdência Social. Assim, a Lei nº 13.429/2017, ao ampliar as hipóteses de incidência da terceirização no Brasil, fere princípios basilares, como o do trabalho digno e o da vedação ao retrocesso aos direitos trabalhistas, uma vez que há uma substancial perda de direitos pelo trabalhador terceirizado em relação ao não terceirizado. Portanto, o resultado obtidos nessa pesquisa é o de que não se deve admitir a flexibilização ou desregulamentação de direitos laborais que constituem patrimônio jurídico dos trabalhadores consagrados pela Constituição de 1988, em nome de adequação dos direitos trabalhistas à www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 20 sociedade globalizada, sob pena de mácula aos direitos fundamentais. REFERENCIAS ALVAR, Maria Vitoria Queija. Os direitos fundamentais dos trabalhadores e o princípio do não retrocesso social no Brasil. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_ id=9212>. Acesso em: 08/09/17. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2012. BRASIL. Decreto-Lei nº 5452/1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Presidência da República, Rio de janeiro/RJ: 1943. BRASIL. Constituição da República Federativa do. Congresso Nacional, Brasilia, 1988. BRASIL. 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