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Linguagens corporais

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Linguagens corporais
A civilização das formas: o corpo como valor*
por Mirian Goldenberg e Marcelo Silva Ramos - publicado em 17/01/2007
Antes de passar pelo menos duas horas
com o maquiador e o cabeleireiro,
nem eu pareço com a Cindy Crawford.
CINDY CRAWFORD
No início do romance Um, nenhum e cem mil, de Luigi Pirandello, o personagem Vitangelo Moscarda, um jovem de 28 anos, rico e ocioso, é surpreendido por sua mulher Dida olhando-se demoradamente no espelho. “O que você está fazendo?”, pergunta-lhe Dida. “Nada, estou olhando aqui, dentro do meu nariz, esta narina. Quando aperto sinto uma dorzinha.” A mulher, sorrindo, diz com certo sarcasmo: “Pensei que estivesse olhando para que lado ele cai.” “Cai? O meu nariz?”, retruca. “Claro, querido. Repare bem: ele cai para a direita”, responde Dida, placidamente. A partir daí, o protagonista que até então considerava seu nariz, se não propriamente belo, pelo menos “bastante decente” desconhecedor deste e de outros “leves defeitos” (sobrancelhas que parecem dois acentos circunflexos, orelhas mal grudadas, uma mais saliente que a outra...) enumerados, logo em seguida, por sua mulher, fixou-se na idéia de que não era para os outros aquilo que imaginava ser. Pensava, naquele momento, apenas no seu corpo, escolhido pelo autor como ponto de partida para as posteriores reflexões do personagem sobre o desajuste entre sua vida subjetiva e a imagem que os outros tinham dele. Após tomar consciência de que não era tal como se via, mas como os outros o viam, bem como não era o que pensava ser, mas o que dele pensavam os outros, Moscarda procura decompor as imagens que dele faziam, numa busca “existencialista” de si mesmo. No percurso, despoja-se de todos os seus bens e escolhe viver em um albergue de mendigos e loucos. A moral da história o próprio autor revela: “O aspecto trágico da vida está precisamente nessa lei a que o homem é forçado a obedecer, a lei que o obriga a ser um. Cada qual pode ser um, nenhum, cem mil, mas a escolha é um imperativo necessário.”1
Dessa forma, o romance do dramaturgo italiano, conhecido por seus personagens que lutam por uma existência livre de qualquer convenção, suscita questões caras à antropologia e à sociologia, dando destaque aos processos por meio dos quais os indivíduos, inseridos em situações interativas, desempenham seus papéis sociais e procuram agenciar as impressões que transmitem uns aos outros. Uma perspectiva que, sem negligenciar os condicionamentos sociais, ajuda a refletir sobre o atual culto ao corpo na cultura brasileira, uma vez que os significados atribuídos pelos indivíduos à aparência e à forma física, no processo de revelação de suas identidades, parecem inflacionados, especialmente entre as camadas mais sofisticadas dos grandes centros urbanos. Nunca como hoje, a máxima pirandellianaAssim é, se lhe parece esteve tão em voga.
Em um contexto social e histórico particularmente instável e mutante, no qual os meios tradicionais de produção de identidade a família, a religião, a política, o trabalho, entre outros se encontram enfraquecidos, é possível imaginar que muitos indivíduos ou grupos estejam se apropriando do corpo como um meio de expressão (ou representação) do eu.
A difundida ideologia do body building própria da chamada “cultura da malhação”, que se fundamenta na concepção de beleza e forma física como produtos de um trabalho do indivíduo sobre seu corpo, assim como outros movimentos importados dos EUA, que vêm ganhando cada vez mais adeptos em alguns segmentos da nossa sociedade, parecem se basear nesse tipo de apropriação. A body art e a body modification, que utilizam técnicas que vão da tatuagem, passando pelos piercings e podendo chegar a outras, mais extremas, como marcas a ferro quente (brandings), talhos com navalha e gravações com bisturi incandescente, servem como exemplos. Seus praticantes “trabalham” o corpo como suporte para sua arte e transformação, muitos deles com um projeto bem definido, como o de uma jovem paulista de 22 anos, que, em depoimento ao site Mix Brasil, disse que desejava ser (ou melhor, parecer) uma vaca. Para tanto, tatuou manchas em todo o corpo, pretendendo demonstrar, assim, o quanto acha o ser humano e a sociedade atual medíocres:
Escolhi a vaca pela metáfora de seu processo de digestão. Os ruminantes são os únicos animais que digerem o mesmo alimento duas vezes. Num paralelo ao ser humano, o que se considera superior, é exatamente o que não fazemos. Refletimos superficialmente em relação a todas as coisas2.
Devido ao aspecto inusitado dos corpos transformados ou à agressividade das técnicas utilizadas, que podem ser vistas, por muitos, como demonstrações de loucura ou “masoquismo”, as práticas mencionadas costumam chocar aqueles que as observam de longe, considerando-as, em geral, demasiadamente exóticas, ao passo que outras técnicas, legitimadas pelo saber científico de especialistas, são adotadas por um número cada vez maior de pessoas em busca de uma aparência idealizada. Seriam aquelas mais agressivas ou extremadas do que as já banalizadas operações plásticas no nariz, lifting, implante de próteses de silicone e lipoaspiração?
A descrição de uma cirurgia de lipoaspiração, como a que se segue, é capaz de causar náusea até mesmo nos menos sensíveis:
Para que as veias se contraiam e o sangramento seja menor, o cirurgião injeta meio litro de soro fisiológico misturado com adrenalina nas partes do corpo previamente demarcadas com pincel atômico. São oitenta picadas em menos de dois minutos. O ritmo frenético não pára. Através de um corte de 1 centímetro de largura feito pouco acima do cóccix, o médico introduz uma cânula com 30 centímetros de comprimento e 4 milímetros de diâmetro, parecida com um espeto de churrasco feito de teflon. A gordura entra por um buraco na ponta e é sugada pela cânula. A sucção pode ser feita tanto por uma seringa com vácuo encaixada no final da cânula quanto por um tubo plástico ligado a um aparelho aspirador (...). O médico empurra e puxa o espeto sem parar (...). Depois de quinze minutos cavoucando para a direita e para a esquerda, ele descansa (...). É preciso um pouco de força e velocidade para vencer as placas de gordura (...). Terminada a cirurgia o médico sai da sala e tira o avental. Sua camisa está encharcada de suor3.
Basta, portanto, um olhar de estranhamento sobre muitas práticas atuais relacionadas ao corpo, mesmo as mais cotidianas, para encontrarmos exemplos de extremos a que o comportamento humano pode chegar, tal como procurou demonstrar Horace Minner (1956) em sua etnografia do ritual do corpo entre os Sonacirema.
Os Sonacirema, segundo o autor, são um grupo norte-americano cuja cultura é ainda pouco compreendida. Um povo que despende uma grande porção dos frutos do seu trabalho e uma considerável parte do dia em atividades rituais que têm como foco o corpo, cuja aparência e saúde constituem sua preocupação dominante. A crença deste grupo é a de que o corpo humano é feio, sujo e sua tendência é a debilidade e a doença, sendo a única esperança nativa evitar essas características pelo uso de poderosas influências do ritual e da cerimônia. Minner destaca que a maioria dos Sonacirema mostra tendências masoquistas bem definidas, ressaltando que um povo dominantemente masoquista desenvolve especialistas sádicos. Como exemplos, cita um ritual cotidiano realizado apenas pelos homens, que envolve uma escarificação e laceração da superfície do rosto por meio de instrumento cortante e cerimônias femininas especiais que ocorrem quatro vezes por mês lunar, em que as mulheres assam suas cabeças em pequenos fornos durante mais ou menos uma hora. O autor também menciona outras práticas baseadas na estética nativa, que dependem da aversão generalizada ao corpo e às funções naturais.
Há jejuns rituais para fazer pessoas gordas ficarem magras, e banquetes cerimoniais para fazer pessoas magras ficarem gordas. Outros ritos ainda são usados para fazer os seios das mulheres maiores, se eles são pequenos, e menores se eles sãograndes. Uma insatisfação geral com a forma dos seios é simbolizada pelo fato de que a forma ideal está virtualmente fora do espectro da variação humana. Umas poucas mulheres que sofrem de um quase inumano desenvolvimento hipermamário são idolatradas que podem viver muito bem através de simples viagens de aldeia em aldeia, permitindo aos nativos admirá-las mediante uma taxa. (:39)
Minner conclui que é difícil compreender como os Sonacirema conseguiram sobreviver por tanto tempo sob os pesados fardos que eles mesmos se impuseram. Um antropólogo evolucionista, com base na descrição feita por Minner dos rituais do corpo nessa sociedade, concluiria que os Sonacirema se encontram num estágio de evolução inferior, dada a sua obsessão pela magia e o primitivismo de seus ritos corporais. Cabe perguntar: nossas “civilizadas” atitudes quanto ao corpo estariam muito distantes das práticas dos “primitivos” Sonacirema?4
O corpo (des)coberto
“Pelado, pelado... nu com a mão no bolso”
ULTRAJE A RIGOR
Fim do século XX e início do XXI: os corpos “pavoneiam”5. Assistimos, no Brasil, especialmente nos grandes centros urbanos, a uma crescente glorificação do corpo, com ênfase cada vez maior na exibição pública do que antes era escondido e, aparentemente, mais controlado. Há menos de um século, apesar do calor tropical, os homens vestiam fraque, colete, colarinho duro, polainas e as “santas” mulheres cobriam-se até o pescoço. Hoje, as anatomias mostradas parecem confirmar a idéia de que vivemos um período de afrouxamento moral nunca visto antes. No entanto, um olhar mais cuidadoso sobre essa “redescoberta” do corpo permite que se enxerguem não apenas os indícios de um arrefecimento dos códigos da obscenidade e da decadência, mas, antes, os signos de uma nova moralidade, que, sob a aparente libertação física e sexual, prega a conformidade a determinado padrão estético, convencionalmente chamado de “boa forma”.
Norbert Elias (1990), em O processo civilizador, fornece uma pista para pensar a paradoxal instauração dessa “moral estética” num momento em que tudo leva a crer que a liberdade corporal conquistada, especialmente pelas mulheres, não tem precedentes. Para defender a tese de que, no curso do processo de civilização dos costumes, os momentos de aparente relaxamento moral ocorrem dentro de contextos em que um alto grau de controle é esperado dentro de um padrão “civilizado” particular de comportamento, Elias utiliza como exemplo o uso dos trajes de banho. De acordo com o autor, os corpos mais expostos exigiram por parte de homens e mulheres um maior autocontrole, no que diz respeito às suas pulsões, do que quando o decoro os mantinha escondidos.
Seguindo esta linha de reflexão, pode-se pensar que a aparente liberação dos corpos, sugerida por sua atual onipresença na publicidade, na mídia e nas interações cotidianas, tem por trás um “processo civilizador”, que se empreende e se legitima por meio dela. Devido a mais nova moral, a da “boa forma”, a exposição do corpo, em nossos dias, não exige dos indivíduos apenas  controle de suas pulsões, mas também o (auto)controle de sua aparência física. O decoro, que antes parecia se limitar a não-exposição do corpo nu, se concentra, agora, na observância das regras de sua exposição.
Em uma entrevista, a atriz americana Rosie Perez, que em sua estréia no cinema protagonizou uma marcante cena de nudez com cubos de gelo nos mamilos no filme Faça a coisa certa, de Spike Lee, discute com outras atrizes os prós e contras de se tirar a roupa, demonstrando que, quando o assunto é nudez, as estrelas de Hollywood também se sentem constrangidas e inseguras. As atrizes destacam a grande pressão que sofrem para estarem sempre magras, jovens e com o corpo malhado. “Um dos melhores momentos de nudez feminina em filmes que já vi foi a de Isabella Rossellini em Veludo azul. Era um corpo não-malhado. Na década de 1980, depois de Madonna, os padrões mudaram. Nos filmes de praia da década de 1960, as garotas são bonitas, mas elas têm coxão e as barriguinhas não são duras. Não se vê mais isso”, reclama Perez6.
Mas não apenas com atrizes ou modelos tal exigência de boa forma física se torna implacável. Por intermédio do cinema, da televisão, da publicidade e de reportagens de jornais e revistas, a exigência acaba atingindo os simples mortais, bombardeados cotidianamente por imagens de rostos e corpos perfeitos.
Como revela outra reportagem7, em que pessoas comuns foram convidadas a falar sobre nudez e a se despir diante das câmeras, o receio que muitos indivíduos têm de ficarem nus em público, a dois8 ou mesmo sozinhos não se deve a uma espécie de puritanismodémodé, mas à dificuldade em mostrar o corpo com todas as suas imperfeições, sem disfarces. Nota-se, nos entrevistados, um discurso que procura enfatizar a necessidade de “estar em paz com o corpo”, de “gostar do próprio corpo”, mostrando que o problema (ou pudor), quando existe,não é tanto em relação à nudez, mas à aparência física, isto é, à sua inadequação aos padrões estéticos considerados ótimos. “Não gosto de ficar nua. Nem de biquíni. Tenho a impressão de que todo mundo está me observando, olhando direto para minha celulite”, confessa uma administradora de empresas de 31 anos. A atriz Marisa Orth, de 37 anos, uma das poucas famosas presentes na matéria, disse achar “mais fácil tirar a roupa para um fotógrafo, com toda aquela produção, do que ficar nua a dois sem retoques”. De acordo com o maquiador Kaká Moraes, que já “montou” várias capas de revista Playboy, difusora de um dos padrões de beleza mais cobiçado de todo o planeta o de suas “coelhinhas”, “as mulheres que posam para a Playboy, hoje, são mais paranóicas com o físico do que em qualquer outra época. Querem saber o que o computador pode retocar, se o nariz vai sair daquele jeito, têm crise de choro”9.
Pode-se dizer que as regras subjacentes à atual exposição dos corpos são de ordem fundamentalmente estética. Para atingir a forma ideal e expor o corpo sem constrangimentos, é necessário investir na força de vontade e na autodisciplina, alertam as revistas femininas e masculinas, além de todas aquelas dedicadas à boa forma existentes no mercado. O autocontrole da aparência física é cada vez mais estimulado. Promete-se, entre outras benesses, um abdômen cheio de gomos salientes ou nádegas duras e livres de celulites caso o indivíduo se dedique a tal propósito e receba todas as informações fornecidas como um conjunto de obrigações. “Não existem receitas para manter seu corpo divino e maravilhoso”, afirma Costanza Pascolato em seu O essencial: O que você precisa saber para viver com mais estilo. Mas, continua, “o fundamental é aprender a ter prazer na autodisciplina. Disciplina no comer e no dormir, o que ajuda a constituir boas relações emocionais e físicas. Só assim você poderá fazer seus contatos imediatos com o mundo em grande forma” (1999:27).
Nesse contexto, até as noções do que é decente e indecente, no que se refere ao vestuário, passaram por mudanças. A utilização de uma indumentária que deixa à mostra determinadas partes do corpo, ou mesmo a exibição do corpo nu, não é considerada, muitas vezes, tão indecente quanto à exibição de um corpo “fora de forma” e o uso de roupas não condizentes com a forma física. Muitas revistas femininas, e algumas masculinas, têm uma seção dedicada aos erros cometidos pelas “vítimas da moda”. Na grande maioria das vezes, as críticas são dirigidas àqueles que vestem roupas percebidas como inadequadas ao seu corpo10. Não há dúvida de que os estilistas de moda, ao explorarem transparências, decotes, peças que valorizam e expõem partes dos corpos, pensam, explicitamente, num determinado padrão estético11. Cabe àqueles que pretendem se vestir decentemente procura se enquadrar nesse padrão ou, simplesmente, não ousar. Seguindo as dicas dos consultores de moda, devem recorrer a alguns artifícios (modelos, cores e estampas apropriadas) para disfarçar as suas “formas”12.
Pode-se dizer que, sob a moral da “boa forma”, um corpo trabalhado, cuidado,sem marcas indesejáveis (rugas, estrias, celulites, manchas) e sem excesso (gorduras, flacidez) é o único que, mesmo sem roupas, está decentemente vestido. Como lembra Courtine (1995), ao tratar do desvelamento do corpo masculino nos Estados Unidos do final do século XIX, “um corpo de homem, se é musculoso, não está jamais verdadeiramente nu” (:96).
O exemplo das roupas de banho, citado por Elias (1990), permite considerar, ainda, a força com que essa moral da “boa forma” se instaura em locais como o Rio de Janeiro, onde as praias, as áreas de lazer e a temperatura elevada durante quase todo o ano favorecem o desnudamento, fazendo com que a cidade seja lembrada, dentro e fora do país, pela descontração, liberdade e sensualidade dos corpos expostos ao sol. Porém, basta um exame mais apurado ou mesmo o simples folhear dos principais jornais e revistas, especialmente nos meses que antecedem o verão, para verificarmos que a cultura corporal carioca tem normas muito mais rígidas do que se imagina. Tomando como base as inúmeras matérias com dicas, roteiros e planos de cuidados com a aparência e a forma física, veiculada na mídia ao longo do ano, pode-se afirmar que ocorre uma verdadeira variação sazoneira (Mauss, 1974) no que diz respeito às atitudes quanto ao corpo. Se no outono recomendam-se tratamentos para reparar os danos causados pelo sol à pele e aos cabelos, no inverno, com o sol e o mar à distância, são aconselhados os tratamentos dermatológicos para rugas, manchas, acnes, estria. O inverno também é indicado como a estação ideal para o lifting, a lipoaspiração, as cirurgias de pálpebras e nariz e os implantes de próteses de silicone. Já quando chega a primavera, é hora de “correr contra o tempo” para estar “em forma” no verão. “Quem sonha começar o verão com as medidas no lugar, não pode perder mais tempo. Para entrar em forma até dezembro, quando a estação mais quente do ano se inicia, é preciso se mexer já.”13 É nessa época do ano que ocorre a maior procura pelas academias de musculação e ginástica14. Os “malhadores sazonais” a maioria mulheres têm como objetivo chegar ao verão com “tudo em cima”. Desejam “endurecer” e “perder gordurinhas” para passarem ilesos pelo impiedoso “teste da areia”. “Todos querem ficar sequinhos e definidos. Aqui no Rio há uma cobrança muito grande por um corpo bonito: com o calor, todo mundo vive quase nu. E não dá para ficar indecente sem roupa”15, diz o dono de uma academia carioca de grande porte.
Nelson Rodrigues, muitas décadas atrás, já havia notado uma mudança no padrão estético feminino que, hoje, se tornou mais evidente. “A paisagem carioca anda escassa de gordas”, disse em uma de suas famosas frases, “não há mais os antigos quadris monumentais. E, outro dia, um parteiro fazia-me a confidência amarga: ‘bacias estreitas’. Ali, numa restrição sucinta, estava todo o julgamento de uma época.” Tal consideração nos remete às observações de Gilberto Freyre (1986) sobre as “encantadoras ancas femininas” que possuíam, na cultura brasileira, significados não apenas estéticos mas, também, enobrecedores das mulheres portadoras de tais formas. Antes, “dignas”, “virtuosas” e “dignificantes”, como adjetivou Freyre, as protuberâncias do corpo feminino parecem estar gradativamente perdendo o valor em nossa cultura.
A gordura surge como inimiga número um da “boa forma”, quase uma doença16, especialmente para aqueles que buscam ostentar um corpo “sarado”17, ícone da “cultura da malhação”. Nesta cultura, que classifica, hierarquiza e julga  partir da forma física, não basta não ser gordo(a) é preciso construir um corpo firme, musculoso e tônico, livre de qualquer marca de relaxamento ou de moleza (Lipovetsky, 2000). A gordura, a flacidez ou a moleza são tomadas como símbolo tangível da indisciplina, do desleixo, da preguiça, da falta de certa virtude, isto é, da falta de investimento do indivíduo em si mesmo.
É interessante pensar na relação entre o corpo “sarado” (que, associado à doença, é utilizado para aquele que está curado ou que sarou de seus males) e o corpo “saudável”. O horror atual à gordura pode ser relacionado ao temor à doença, que, de acordo com Rodrigues (1979), se deve ao fato de ser esta, para nossa sociedade e muitas outras, uma categoria intermediária entre a condição de vida e a condição de morte. A busca por um corpo “sarado” funciona, para os adeptos do atual culto à beleza e à “boa forma”, como uma luta contra a morte simbólica imposta àqueles que não se disciplinam para enquadrar seus corpos aos padrões exigidos. Como destaca Rodrigues (1979), as sociedades são capazes de levar os seus membros, por meios puramente simbólicos, à morte: incutindo-lhes a perda da vontade de viver, fazendo-os deprimidos, abalando-lhes de toda forma o sistema nervoso, consumindo-lhes as suas energias físicas, marginalizando-os socialmente, privando-os de todos os pontos de referência afetivos, “desintegrando-os de tal forma que num determinado ponto a morte passa a ser um simples detalhe biológico” (:94)18.
Num contexto em que a beleza e a forma física não são mais percebidas e valorizadas como “obra da Natureza Divina” e passam a ser concebidas como resultado de um trabalho sobre si mesmo, faz-se pesar sobre os indivíduos a absoluta responsabilidade por sua aparência física. Como lembra Sant’Anna (1995), diferentemente da primeira metade do século XX, quando a “Natureza” era escrita em maiúsculo e considerava-se perigoso intervir no corpo em nome de objetivos pessoais e dos caprichos da moda, hoje, a liberdade para agir sobre o próprio corpo não cessa de ser lembrada e estimulada. Por meio da prática regular de exercícios físicos, dos regimes alimentares, das cirurgias estéticas, dos tratamentos dermatológicos de última geração e dos cosméticos, acredita-se ser possível alcançar a perfeição estética.
Nesse processo de responsabilização do indivíduo pelo seu corpo, a partir do princípio de autoconstrução, a mídia e, especialmente, a publicidade têm um papel fundamental. O corpo virou “o mais belo objeto de consumo” e a publicidade, que antes só chamava a atenção para um produto exaltando suas vantagens, hoje em dia serve, principalmente, para produzir o consumo como estilo de vida, procriando um produto próprio: o consumidor, perpetuamente intranqüilo e insatisfeito com a sua aparência (Lasch, 1983). Com isso, saem ganhando, entre outros, os mercados dos cosméticos19, das cirurgias estéticas20 e da “malhação”21.
Mas não apenas as imagens publicitárias têm o poder de produzir as preocupações obsessivas com a aparência. Outros veículos (programas de televisão, cenas de novela, reportagem de revistas e jornais) também, muitas vezes de forma aparentemente desinteressada, vendem o que Bourdieu (1989) chama de “ilusões bem fundamentadas”. Ilusões estas que, ao tomarem como referência o discurso científico dos especialistas (médicos, psicólogos, nutricionistas, esteticistas, professores de educação física, entre outros), prometem perfeição estética, desde que sejam cumpridas, rigorosamente, todas as suas orientações (muitas vezes contraditórias).
Se, durante séculos, enormes esforços foram feitos para convencer as pessoas de que não tinham corpo, teima-se hoje, sistematicamente após um longo período de puritanismo, em convencê-las de que o próprio corpo é central em suas existências e afetos. Tudo o que surge, a princípio, como uma nova possibilidade de controle pela cultura do processo natural de envelhecimento e decadência dos corpos, rapidamente se transforma em novas obrigações. Como destaca Baudrillard, o culto higiênico, dietético e terapêutico com que se rodeia, a obsessão pela juventude, elegância, virilidade/feminilidade, cuidados, regimes, práticas sacrificiais que com ele se conectam. “o Mito do Prazer que o circunda tudo hoje testemunha que o corpo se tornou objeto de salvação. Substitui literalmente a alma, nesta função moral e ideológica” (:136).
O culto à beleza e à forma física é transmitido como um evangelho (Wolf, 1992), criando um sistema de crençatão poderoso quanto o de qualquer religião e tomando conta dos hábitos de uma parcela representativa de nossa sociedade: as camadas médias urbanas.
O corpo nas camadas médias do Rio de Janeiro
O melhoramento de si mesmo é uma espécie de higiene
pessoal elevada ao cubo. Partindo do princípio de que,
por uma questão de saúde básica, você precisa cuidar
de seus dentes, indo regularmente ao dentista,
também precisará cuidar de sua pele, dos cabelos, unhas.
E das roupas, é claro: elas são a sua segunda pele.
Não é fazer apenas o mínimo para parecer
um indigente. É fazer o máximo.
COSTANZA PASCOLATO
Desde janeiro de 1998, estamos realizando uma pesquisa com o objetivo de analisar os discursos sobre novas formas de conjugalidade e sexualidade de homens e mulheres das camadas médias urbanas do Rio de Janeiro22. Focalizando a discussão de gênero23, buscamos analisar, comparativamente, os desejos, as expectativas e os estereótipos afetivo-sexuais de homens e mulheres de deferentes gerações. Acreditando que a visão de mundo e o estilo de vida das camadas médias urbanas têm um efeito multiplicador e extravasam os seus limites, podendo revelar, de forma mais geral, o processo de transformação que os papéis de gênero vêm sofrendo na sociedade brasileira, pretendemos mapear algumas tendências gerais de mudança nos valores e comportamentos desse segmento.
Um dos dados que mais chamaram nossa atenção, ao analisar algumas das questões da pesquisa, foi a presença significativa da categoria corpo nas respostas femininas e masculinas. Por exemplo, ao perguntarmos às mulheres: “O que você mais inveja em uma mulher?”, elas responderam: a beleza em primeira lugar, o corpo, em seguida, e a inteligência em terceiro lugar24. Quando perguntamos aos homens: “O que você mais inveja em um homem?”, tivemos como respostas: a inteligência, o poder econômico, a beleza e o corpo25.
Em outra questão, perguntamos às mulheres: “O que mais a atrai em um homem?” Obtivemos como resposta: a inteligência, o corpo e o olhar26. Quando perguntamos aos homens: “O que mais o atrai em uma mulher?”, encontramos: a beleza, a inteligência e o corpo27. A categoria corpo aparece ainda com maior destaque quando perguntamos às mulheres: “O que mais a atrai sexualmente em um homem?” As respostas foram: o tórax28, o corpo e as pernas29. Para os homens: “O que mais o atrai sexualmente em uma mulher?”, tivemos as respostas: a bunda30, o corpo e os seios31.
Não iremos nos deter aqui na diferença de peso que a preocupação com o corpo tem para os pesquisados, ou como eles valorizam esta diferença, mas na recorrência desta categoria como algo invejado, desejado e admirado32, não apenas pelas mulheres, mas também, expressivamente, pelos homens. O mais interessante é que em todas as questões acima a categoria corpo aparece sem nenhum adjetivo, como uma entidade autônoma, independente, abstrata. Em apenas uma das questões da pesquisa quando, para saber o que homens e mulheres procuram em um relacionamento afetivo, propusemos: “Se você escrevesse um anúncio com o objetivo de encontrar um parceiro, como se descreveria? Como você descreveria o que procura em um parceiro?” este corpo aparece como “definido”, “malhado”, “trabalhado”, “sarado”, “saudável”, “atlético”, “bonito”, entre outros. Torna-se “coisa para o outro”, um corpo que pertence a um indivíduo que se apresenta e descreve as características que busca em um parceiro.
Alguns exemplos dos anúncios dos pesquisados podem ilustrar melhor o que encontramos nas respostas.
Sou jovem, determinada, animada, gosto de ir à praia e sair para dançar. E é claro, sou linda e gostosa! Procuro alguém com as mesmas características, decidido e com iniciativa. De corpo sarado, másculo e muito sexy!33  Eu sou moreno com estatura de 1, 79, com o corpo e físico atlético, bem-dotado, inteligente, compreensivo e carinhoso. Procuro mulher loira, cabelos longos, 1,65 de altura, cintura fina, seios fartos duros, bumbum arrebitado, corpo bonito.34  Eu sou apetitosa, morena, corpo malhado, cabelos longos cacheados, olhos castanhos claros, inteligente, linda. Procuro homem romântico, educado, inteligente, com idade entre 24 e 32 anos e boa aparência.35  Eu sou moreno alto, bonito, sensual, carinhoso, bom nível social. Talvez eu seja a solução dos seus problemas. Procuro uma mulher solteira, sincera, simpática, corpo definido, bonita, afinal, “as feias que me desculpem, mas beleza é fundamental”.36
Em pesquisa cujo objetivo principal é compreender a convivência, muitas vezes conflituosa, de novas e tradicionais formas de conjugalidade, é de certa forma surpreendente a centralidade que a categoria corpo adquiriu para determinado segmento social. Tanto nas respostas sobre inveja, admiração e atração como nas que procuram um parceiro amoroso, o corpo aparece com um valor fundamental. Nas respostas sobre motivo de inveja, atração ou admiração, o corpo aparece sem nenhum adjetivo, é simplesmente o corpo. Ele só passa a ser adjetivado nas respostas dos anúncios, sendo materializado nos sujeitos pesquisados. Só então ficamos sabendo de que tipo de corpo se está falando quando os pesquisados se referem abstratamente a o corpo. Não é um corpo indistinto dado pela natureza. É um corpo trabalhado, saudável, bem-cuidado, paradoxalmente uma “natureza cultivada”, uma cultura tornada natureza (Bourdieu, 1973). A cultura da beleza e da forma física, a partir de determinadas práticas37, transforma o corpo “natural” em um corpo distintivo(Bourdieu, 1988): o corpo.
O corpo é um corpo coberto por signos distintivos. Um corpo que, apesar de aparentemente mais livre por seu maior desnudamento e exposição pública, é, na verdade, muito mais constrangido por regras sociais interiorizadas pelos seus portadores.
Pode-se dizer que ter um corpo “em forma”, com tudo o que ele simboliza, promove nos indivíduos das camadas médias do Rio de Janeiro uma conformidade a um estilo de vida e a um conjunto de normas de conduta, recompensada pela gratificação de pertencer a um grupo de “valor superior”. O corpo é um valor que identifica o indivíduo com determinado grupo e, simultaneamente, o distingue de outros. Este corpo, “trabalhado”, “malhado”, “sarado”, “definido”, constitui, hoje, um sinal indicativo de certa virtude humana. Sob a moral da “boa forma”, “trabalhar” o corpo é um ato de significação, tal qual o ato de se vestir. O corpo, como as roupas, surge como um símbolo que consagra e torna visíveis as diferenças entre os grupos sociais. Daí a importância de considerar que a visão de que um indivíduo pode se tornar totalmente independente da opinião do grupo com o qual se identifica e ser absolutamente autônomo é tão enganosa quanto a visão inversa, que reza que sua autonomia pode desaparecer por completo numa coletividade de robôs (Elias & Scotson, 2000). Não se trata de ser “um” para os outros, e para si “ninguém”, uma vez que o fato da conduta, sentimentos, auto-respeito e consciência individual estarem relacionados fundamentalmente com a opinião interna de um grupo não significa sal anulação como indivíduo, que pode escolher pertencer a este grupo e não a outro.
O corpo é, portanto, um valor nas camadas médias cariocas estudadas, um corpo distintivo que parece sintetizar três idéias articuladas: a de insígnia (ou emblema) do policial que cada um tem dentro de si para controlar, aprisionar e domesticar seu corpo para atingir a “boa forma”, a de grife (ou marca), símbolo de um pertencimento que distingue como superior aquele que o possui e a de prêmio (ou medalha) justamente merecido pelos que conseguiram alcançar, por intermédio de muito esforço e sacrifício, as formas físicas mais “civilizadas”.
Mirian Goldenberg e Marcelo Silva Ramos são antropólogos.
*Capítulo do livro Nu & Vestido: dez antropólogos revelam a cultura do corpo carioca, da Editora Record.
NOTAS
1. Trecho de entrevista concedida por Luigi Pirandello (1867-1936) a Sérgio Buarque de Holanda, por ocasião da visita do Teatro d’Arte de Roma ao Rio de Janeiro. A entrevista foi publicadaem O Jornal, de 11 de dezembro de 1927 (Pirandello, 2001).
2. Esta jovem pode ser vista como uma versão brasileira da artista plástica francesa Orlan, que, em 1990, aos 43 anos, fez a primeira de suas inúmeras operações plásticas, exibidas em performance coreografadas e publicamente documentadas. As cirurgias que sofreu transformaram totalmente seu corpo e rosto, não para buscar um aperfeiçoamento estético, mas como uma tentativa de transformar o próprio corpo em obra de arte. Seu corpo modificado, desconstruído e reconstruído, através do processo da performance cirúrgica, é transformado em linguagem, em espaço de debate público, afirmando a “liberdade individual do artista, de colocar-se contra a inexorabilidade, o programado, a natureza e, por fim, contra Deus” (Falbo, 2000).
3. “A vitória sobre o espelho” (Veja, 23/8/1995).
4. Se até agora o leitor não percebeu qual é a tribo primitiva estudada por Minner, releia seu nome, Sonacirema, de trás para diante.
5. Foucault (1988), ao descrever as atitudes corporais do início do século XVII, quando “as práticas não procuravam o segredo; as palavras eram ditas sem reticência excessiva e, as coisas, sem demasiado disfarce” (:9), sintetiza com a idéia de que “os corpos pavoneavam”. Segundo o autor, naquela época, os códigos morais eram frouxos se comparados aos do século XIX, percebido como o ápice da repressão sexual. Cabe lembrar, no entanto, que Foucault nega a hipótese de um grande ciclo repressivo que se costuma situar entre os séculos XVII e XX, chamando atenção para uma crescente incitação ao discurso sobre o sexo ao longo deste período, uma vontade de saber sobre sexualidade, que considera ser peça essencial de uma estratégia de controle dos indivíduos na sociedade moderna. 
6. “Toda nudez será complicada” (O Globo, 2/7/2000).
7. “Ficar sem roupa, que delícia!” (Cláudia, maio de 2001).
8. The Journal of Sex Research, revista especializada dos EUA, mostrou uma pesquisa com duzentas mulheres universitárias, das quais um terço, independentemente de serem gordas ou magras, disse que a imagem que o parceiro faz do corpo delas é o mais importante durante o ato sexual. O autor do estudo afirma que a ansiedade em relação à forma física leva várias mulheres até mesmo a evitarem o sexo (Extra, 28/9/2000).
9. “Elas são loucas” (Folha de S. Paulo, 3/9/2000).
10. Um exemplo pode ser encontrado na revista Vip (setembro de 1997), em que uma matéria assinala que “uma ronda de rotina flagrou alguns cidadãos decentemente vestidos. Outros foram detidos por desacato à elegância”. Um dos textos diz “o elemento é gordinho: ninguém tem nada com isso, mas esta calça branca o torna disforme. Sugerimos calça escura com corte reto, e o liberamos”. Também na revista Vip (fevereiro de 1998), na seção “Patrulha da moda”, outra imagem tem como texto: “Saidinho demais: tentamos convencer o infrator a aderir a camisas lisas, mas ele disse que mesmo gordinho não abandonaria as estampas. Foi autuado!”
11. Basta observar as tendências atuais da moda, associadas às mudanças nos padrões estéticos ocorridas nas últimas décadas, para verificar que junto com as barrigas, duras, malhadas, sem vestígios de gordura, voltaram à tona as calças femininas de cintura baixa, assim como as camisas masculinas ficaram mais justas e curtas, realçando o corpo musculoso, deixando à mostra bíceps e tríceps conquistados em horas de malhação. Podemos pensar ainda que os piercings no umbigo feminino e as tatuagens nos braços masculinos, que viraram febre nos últimos anos, também surgem como enfeites para valorizar essas partes do corpo.
12. A revista Elle, em uma edição dedicada às gordinhas (julho de 2001), afirma que, embora o mundo da moda faça crer o contrário, elegância e sensualidade não são exclusividade das magras. No entanto, recomenda: “Estampado só embaixo: estampas são proibidas? A resposta é quase, porque se for na parte de baixo pode até ficar muito bom. Lembre-se apenas de que as cores não podem ser vibrantes, para não deixarem as proporções maiores do que são.” 
13. “Contagem regressiva para o verão” (O Globo, 16/9/1999).
14. “Nessa época do ano, os donos de academias de ginástica costumam registrar um aumento de até 40% na freqüência” (O Globo, 29/11/1998).
15. “Verão faz a última chamada para o teste da areia: os malhadores sazonais lotam as academias para se exercitar nesta época do ano porque não querem fazer feio na praia” (O Globo, 31/1/1999).
16. Fiscler (1995) afirma que uma das características de nossa época é a “lipofobia”, a obsessão pela magreza e uma rejeição quase maníaca à obesidade.
17. “Sarado”, registrado no dicionário Aurélio com o sentido de “forte, rijo, resistente”, é utilizado, atualmente, para designar um corpo com musculatura definida e ausência de gordura.
18. “A obsessão pelas formas perfeitas e a permanente insatisfação com os atributos físicos podem ser sintomas de uma doença batizada de desordem dismórfica do corpo (DDC). Os que sofrem do distúrbio são incapazes de aceitar pequenas imperfeições e de culotes mais avantajados, de uma manchinha no rosto ou de músculos pouco proeminentes costuma virar fonte da mais profunda angústia e vergonha. Com isso, tornam-se verdadeiros viciados em exercícios ou escravos de dietas e cirurgias plásticas e procuram esconder e disfarçar a todo custo determinadas partes do corpo. No estado mais crítico, o paciente pode desenvolver depressão, fobia social e transtornos alimentares, além de apresentar comportamento compulsivo” (Veja, 22/11/2000). Ver, também, Pope; Phillips; Olivardia (2000).
19. “A auto-estima dos brasileiros vem garantindo há seis anos uma expansão média de 20% ao setor industrial de cosméticos, perfumaria e higiene pessoal. O crescimento da área, cujas vendas anuais já passam de R$7,5 bilhões, é quatro vezes mais veloz que o do resto do setor produtivo” (Época, 21/5/2001).
20. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, o brasileiro se tornou o povo que mais faz plástica no mundo.  Em 2000, 350 mil pessoas se submeteram a pelo menos um procedimento com finalidade estética, isto é, em cada grupo de 100 mil habitantes, 207 pessoas foram operadas em 2000. Os Estados Unidos, tradicionais líderes do ranking, registraram 185 operados por 100 mil habitantes. Nos países europeus, como Inglaterra e Alemanha, a média foi de quarenta pacientes operados por 100 mil um quinto da brasileira (Veja, 17/1/2001). Esta liderança está sendo reconhecida mundialmente, como pode ser visto na Times (Latin American Edition, 9/7/2001) em que Carla Perez está na capa ilustrando a matéria “The Plastic Surgery Craze”. 
21. “Hoje, há 4.800 academias de ginástica cadastradas na associação nacional que representa o setor. Mas estima-se que exista o dobro. O negócio atrai grandes empresários, fundos de investimento e, agora, redes multinacionais que estão a um passo de fincar o pé no atraente mercado brasileiro” (Veja, 14/2/2001).
22. A pesquisa intitulada “Mudanças nos papéis de gênero, sexualidade e conjugalidade: Um estudo antropológico das representações sobre o masculino e feminino nas camadas médias urbanas”, analisou 1279 questionários, sendo 835 respondidos por mulheres e 444 por homens, dos vinte aos cinqüenta anos, universitários, com renda superior a R$2.000,00, moradores da cidade do Rio de Janeiro.
23. Utilizamos o conceito de gênero (cf. Scott, 1990) para insistir no caráter fundamentalmente social das distinções fundadas no sexo. A palavra indica uma rejeição ao determinismo biológico implícito no uso do termo sexo e enfatiza o aspecto relacional das definições normativas de feminilidade e masculinidade.
24. Em 376 categorias apontadas como invejadas pelas mulheres, a beleza apareceu em sessenta respostas (15,96%), o corpo em quarenta (10,64%) e a inteligência em 35 (9,31%).
25. Em 138 categorias apontadas como invejadas pelos homens, a inteligência apareceu em 26 respostas (18,84%), o poder econômico em 22 (15,94%) a beleza em oito (5,80%) e o corpo em cinco (3,62%).
26. Em 587 categoriasapontadas como o que mais atrai as mulheres, a inteligência recebeu 65 respostas (11,07%), o corpo 58 (9,88%) e o olhar 57 (9,71%).
27. Em 266 categorias apontadas como o que mais atrai os homens, a beleza recebeu quarenta respostas (15,04%), a inteligência 31 (11,65%) e o corpo 28 (10,53%).
28. Rodrigues (1979) destaca que a parte superior do corpo (como a cabeça e o tórax) é associada às forças intelectuais humanas que caracterizam a sociedade humana em relação à natureza selvagem. A parte inferior do abdômen e a região genital formam uma área moralmente inferior, sede de forças poderosas que o intelecto deve ter o propósito de controlar.
29. Em 550 categorias apontadas como o que mais atrai sexualmente as mulheres, o tórax recebeu 73 respostas (13,72%), o corpo 71 (12,9%) e as pernas 44 (8%).
30. Sobre a preferência sexual do homem brasileiro pela bunda, ver a pesquisa de Parker (1991) e, também, Del Priore (2000).
31. Em 295 categorias apontadas como o que mais atrai sexualmente os homens, a bunda recebeu 55 respostas (18,64%), o corpo 42 (14,24%) e os seios 42 (14,24%).
32. Também na questão: “O que você mais admira em um homem/uma mulher?”, a categoria apareceu significativamente nas respostas.
33. Estudante universitária, vinte anos, renda familiar de R$6.000,00.
34. Homem solteiro, 22 anos, analista de sistemas, renda de R$5.000,00.
35. Mulher solteira, 22 anos, dentista, renda de R$10.000,00.
36. Homem solteiro, 25 anos, piloto comercial, renda de R$15.000,00.
37. Rodrigues (1979) destaca que “a cultura dita normas em relação ao corpo; normas a que o indivíduo tenderá, à custa de castigos e recompensas, a se conformar, até o ponto de estes padrões de comportamento se lhe apresentarem com tão naturais quanto o desenvolvimento dos seres.
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